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O creditamento do IPI na saída de produtos desonerados antes da Lei nº 9.779/99

O creditamento do IPI na saída de produtos desonerados antes da Lei nº 9.779/99

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Resumo: O presente artigo nasceu de memoriais de nossa lavra em face dos Recursos Extraordinários ns. 460.785 e 562.980, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, sob as relatorias, respectivamente, dos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que têm como objeto a questão do creditamento do IPI na hipótese de o produto sair do estabelecimento industrial desonerado do referido imposto, em período anterior à Lei 9.779/99.

Sumário: I. Objeto e objetivo; II. A pretensão dos contribuintes; III. Os acórdãos recorridos; IV. A constitucionalidade da ausência do direito de creditamento antes da Lei 9.779/99; V. O crédito do IPI e o IRPJ; VI. Os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio; VII. O voto do ministro Ricardo Lewandowski; VIII. O voto do ministro Marco Aurélio; IX. O creditamento e a não-cumulatividade do IPI na jurisprudência do STF; X. Conclusões.

Palavras-chave: Constitucional – Tributário – IPI – Creditamento – Produto Exonerado – Saída do Estabelecimento Industrial – Princípio da não-cumulatividade.


I. OBJETO E OBJETIVO

1.O presente artigo tem como objeto dois acórdãos do Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região, atacados nos aludidos RREE 460.785 e 562.980, que decidiram no sentido da possibilidade de os contribuintes do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) se creditarem do valor do tributo incidente sobre produtos desonerados na saída do estabelecimento industrial, em período anterior à Lei n. 9.779/99.

2.Objetiva-se demonstrar e defender a atávica jurisprudência do STF que não tem reconhecido esse cogitado creditamento aos contribuintes do IPI. A confirmar essa afirmação os RREE 99.825 e 109.047. Nessa perspectiva, devem ser reformados os venerandos acórdãos recorridos do TRF 4.

3.De efeito, o TRF 4, com essas vergastadas decisões, com a devida vênia, usurpou competência legislativa da União Federal para inovar o ordenamento jurídico com benefício fiscal do creditamento do IPI sem que houvesse lei específica cuidando do assunto, em flagrante afronta ao art. 153, § 6º, CF:

Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.

4.Além de violar o mencionado art. 153, § 6º, CF, os acórdãos recorridos desrespeitaram antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada ainda sob os auspícios da Carta Política de 1967/69.

5.Eis a ementa do acórdão do RE 109.047 (Relator Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, 1ª Turma, J. 29.08.1986, DJ. 26.09.1986):

Imposto sobre Produtos Industrializados. Alíquota zero. Creditamento.

Ao negar o direito ao crédito do IPI, incidente sobre embalagens destinadas ao acondicionamento de produto sujeito à alíquota zero, no momento de saída do estabelecimento industrial, o acórdão recorrido não contrariou a regra constitucional da não-cumulatividade (art. 21, § 3º), nem tampouco negou a vigência do art. 49 do Código Tributário Nacional.

Dissídio jurisprudencial não configurado. Recurso Extraordinário de que não se conhece.

6.Daí que nos referidos feitos, as decisões do TRF 4 discrepam da jurisprudência da Suprema Corte, merecendo, reitera-se, reforma os mencionados acórdãos recorridos.


II. A PRETENSÃO DOS CONTRIBUINTES

7.Pretendem os contribuintes do IPI o direito de creditamento do valor do tributo incidente sobre insumos desonerados na saída do estabelecimento industrial, em período anterior à edição da Lei 9.779/99.

8.Justificam sua pretensão no princípio da não-cumulatividade inscrito no art. 150, § 3º, II, CF:

O imposto previsto no inciso IV (IPI):

...

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

9.Aduzem, nessa linha, que a ausência de creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento estiola a não-cumulatividade, uma vez que o contribuinte o recolhe na aquisição de insumos, mas não pode utilizar-lhes como crédito, porquanto o produto é exonerado do IPI, sem que possa aproveitar os seus "supostos créditos tributários".

10.Atacam a validade do art. 100, I, a, do Decreto n. 87.981/82, e do art. 174, I, a, do Decreto n. 2.637/98, em face do aludido art. 153, § 3º, II, CF.

11.Dispõe o art. 100, I, a, Decreto 87.918/82:

Art. 100. Será anulado o crédito, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto:

I – relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, que tenham sido:

a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento, de produtos isentos, não-tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as ressalvas admitidas"

12.Dispõe o art. 174, I, a, Decreto 2.637/98:

Art. 174. Será anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25, § 3º, Decreto-Lei nº 34, de 1966, art. 2º, alteração 8º, e Lei nº 7.798, de 1989, art. 12):

I - relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, que tenham sido:

a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento, de produtos isentos, não-tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as ressalvas admitidas;

13.Enxergam uma violação constitucional direta dos referidos dispositivos regulamentares em face do multicitado art. 153, § 3º, II, CF, porquanto a anulação do crédito, mediante estorno na escrita fiscal, contraria o mandamento da não-cumulatividade, visto que inviabiliza a utilização do saldo credor de IPI.


III. OS ACÓRDÃOS RECORRIDOS

14.As decisões objurgadas, ao reconhecerem o direito de creditamento de IPI na hipótese de produto desonerado na saída, se fiaram em julgamento da Corte Especial do TRF 4 na Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 1999.72.05.008186-1, cuja ementa tem o seguinte teor:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. CREDITAMENTO. SAÍDA DO PRODUTO COM ALÍQUOTA ZERO. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE.

1. A Constituição atual não recepcionou a Lei nº 4.502/64, e a Lei nº 7.789/89 não reproduziu o texto incompatível com a Lei Maior, limitando-se, em seu art. 12, a remeter ao regulamento uma norma de índole notoriamente primária. Em decorrência, o Decreto nº 2.637/98, no tópico da inconstitucionalidade enfocada (art. 174, I, alínea a), passou a constituir regulamento autônomo, como tal sujeito ao crivo de inconstitucionalidade veiculado por este incidente. Matéria preliminar rejeitada. Como o Decreto nº 87.981/82 é anterior à Constituição Federal vigente, não se trata na espécie de inconstitucionalidade, caracterizando hipótese de recepção. Incidente conhecido parcialmente, para restringir o exame da inconstitucionalidade ao art. 174, I, alínea a do Decreto nº 2.637/98. Matéria preliminar acolhida à unanimidade.

2. Isenção e alíquota-zero são figuras de direito distintas; e, mesmo se a inconstitucionalidade não ocorresse em relação à isenção, no caso de alíquota-zero seria ela irrecusável. É que "...alíquota zero representa uma solução encontrada pelas autoridades fazendárias no sentido de excluir o ônus da tributação sobre certos produtos, temporariamente, sem os isentar. A isenção só pode ser concedida por lei (CTN, art. 97, item VI). Como é permitido ao Poder Executivo, por disposição constitucional (CF, art. 153, § 1º) alterar as alíquotas do IPI, dentro dos limites fixados em lei, e a lei não fixou limite mínimo, tem sido utilizado o expediente de reduzir a zero as alíquotas de certos produtos. Tais alíquotas, entretanto, podem ser elevadas a qualquer tempo, independentemente de lei" (Hugo de Brito Machado, citado pela Desembargadora Federal Tânia Escobar, em voto condutor no julgamento do AI 1998.04.01.015563-9/SC, apud LEANDRO PAULSEN, in "Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência", Livraria do Advogado, p. 176). Não se há que falar em isenção, nem em não-incidência; o que existe é uma incidência negativa, mas, ainda assim, uma incidência.

3. No que concerne à falta de pagamento de tributo na saída da mercadoria, a vedação do creditamento - e, de igual modo, obviamente, a determinação de seu estorno - obrigaria a empresa vendedora a arcar com o prejuízo decorrente de favor fiscal, penalizando o contribuinte tão-somente pelo fato de não estar a compradora sujeita ao tributo.

4. Inexistindo em relação ao IPI as vedações constitucionais da manutenção do crédito, prevalece a não-cumulatividade, de que decorre o direito de creditar-se o contribuinte do quantum do imposto incidente nas operações anteriores, sendo irrelevante a existência de isenções, quer em relação às imunidades, quer em relação às isenções, quer - e ainda com maior razão - em face de operações beneficiadas com alíquota-zero.

5. Incidente de inconstitucionalidade do art. 174, inciso I, alínea a, do Decreto nº 2.637/98 acolhido.

15.No julgamento da cogitada argüição de inconstitucionalidade, a Egrégia Corte Especial do TRF 4 decretou a inconstitucionalidade do referido art. 174, I, a, Decreto n. 2.637/98 – Regulamento do IPI.

16.O principal alicerce da aludida decisão estribou-se na ausência das limitações constitucionais do princípio da não-cumulatividade em relação ao IPI (art. 153, § 3º, II, CF), diversamente do que sucede com o ICMS (art. 155, § 2º, itens, CF).

17.Com a devida vênia, entendo equivocada essa atual compreensão emanada do Egrégio TRF 4. Diz-se atual porque aquele Respeitável Sodalício já palmilhou caminho em sentido diverso.


IV. A CONSTITUCIONALIDADE DA AUSÊNCIA DO DIREITO DE CREDITAMENTO ANTES DA LEI 9.779/99

18.Entendo que os contribuintes somente passaram a ter o direito de creditamento do IPI de produtos desonerados na saída do estabelecimento industrial com a edição da Lei 9.779/99, que em seu art. 11 tem a seguinte disposição:

O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430, de 1996, observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal – SRF, do Ministério da Fazenda.

19. Nesse quadro, vê-se que após janeiro de 1999, os contribuintes têm autorização legal para o creditamento de IPI na hipótese de produto desonerado com a alíquota zero ou com a isenção. Conseqüência óbvia: antes da Lei 9.779/99, os contribuintes não eram beneficiados por esse favor fiscal.

20.Esse mesmo entendimento já foi sufragado pela Egrégia 1ª Turma do TRF 4 nos autos da Apelação Cível n. 2000.04.01.126011-7, relatora Juíza VÂNIA HACK DE ALMEIDA (J. 25.11.2000, DJ. 31.01.2001), em acórdão cuja ementa tem o subseqüente teor:

TRIBUTÁRIO. IPI. OPERAÇÃO SUJEITA À ALÍQUOTA ZERO. IMPOSTO RECOLHIDO NA OPERAÇÃO ANTERIOR. VEDAÇÃO AO CREDITAMENTO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA NÃO-CUMULATIVIDADE E DA ISONOMIA. PERÍODO ANTERIOR À LEI 9.779/99.

A vedação ao aproveitamento de crédito de IPI relativos a insumos empregados na industrialização de produto sujeito à alíquota zero não implica afronta ao princípio da não-cumulatividade. Trata-se de situação diversa daquela quando há o recolhimento do IPI e na operação anterior não houve a tributação ou a operação foi isenta ou sujeita à alíquota zero, em que deve ser admitido o creditamento (EIAC 96.04.04862-7/RS).

A questão de ter a Lei n. 9.779/99, art. 11, admitido a utilização desses créditos implica um favor fiscal que não significa reconhecimento por parte do Fisco, muito menos importa retroatividade do benefício.

É fato que uma empresa que está sujeita ao recolhimento de IPI a uma alíquota reduzida encontra-se em situação privilegiada por poder aquela aproveitar os créditos dos insumos; entretanto, essa constatação não tem o condão de dar à empresa o direito de aproveitar os créditos em decorrência de produto sujeito à alíquota zero. Não se pode admitir o reconhecimento de um direito com fundamento único de estar outra pessoa, em situação diversa, mais privilegiada pela lei.

21.Transcreve-se passagem do voto da Relatora do referido processo (AC 2000.04.01.126011-7), que com precisão cirúrgica feriu a presente controvérsia:

É que aqui a autora opera na industrialização de produto sujeito à alíquota zero e pretende utilizar crédito de insumos que geraram, naquelas operações anteriores, o efetivo recolhimento de IPI (situação oposta). Ora, na operação de industrialização desenvolvida pela autora não deverá ela recolher nenhum valor a título de IPI, como então admitir o crédito da operação anterior sob o argumento da cumulação? O valor do IPI recolhido nas operações anteriores foi incluído no valor dos insumos e será, desta forma, repassado à operação posterior. Não há nisso, qualquer ofensa ao princípio da não-cumulatividade.

22.Esse voto-vencedor da ilustre Juíza VÂNIA HACK não discrepa da vetusta jurisprudência do STF, colacionada nos citados RREE 99.825 e 109.047.

23.No RE 99.825 (Relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, 1ª Turma, J. 22.03.1985, DJ. 05.09.1986) decidiu-se que não viola o princípio da não-cumulatividade a vedação do creditamento do IPI, que seria compensado na saída de produto com alíquota zero.

24.O eminente Relator do RE 99.825 agasalhou integralmente o voto-condutor do saudoso Ministro MOACIR CATUNDA, em acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos, que não reconheceu ao contribuinte o direito de creditar-se do IPI em relação a produto que saiu do estabelecimento industrial desonerado com alíquota zero. Eis passagem de grande riqueza didática:

A razão de ser do direito de creditamento é assegurar ao contribuinte o direito de compensar o imposto recolhido, com o imposto a repor-lhe, ou melhor dizendo, garantir-lhe o uso do direito de diferença a maior, em determinado período, entre o imposto pago referente a produtos saídos do estabelecimento e os pagos relativamente aos produtos neles entrados – na linguagem do CTN.

Ora, em decorrência do posicionamento dos produtos na alíquota zero, por força não de regulamento, mas do Decreto-lei n. 1.686/79 – e do anexo I, que o integra, a recorrente não recolhe nenhum tributo, nas saídas deles, seguindo-se pela irrealidade de qualquer diferença, e muitos menos diferença a maior, a compensar, no período subseqüente, o que constitui o pressuposto fundamental do princípio constitucional da não cumulatividade.

Se a tarifa zero nada acrescenta, obviamente não há o que abater, impondo-se a conclusão de que o Decreto-lei em causa não ofende o princípio da não-cumulatividade. Não deparando relevância na alegação de colidência do Decreto-lei 1.686/79, com o art. 21, § 3º, da Constituição, rejeito-a, e, por via de conseqüência, nego provimento ao recurso, confirmando a sentença supra transcrita.

25.Essa orientação pretoriana foi mantida no agitado RE 109.047. O Relator, o eminente Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, estribado no magistério doutrinário do inolvidável Ministro ALIOMAR BALEEIRO e do ilustre professor PAULO DE BARROS CARVALHO, fez as seguintes e indispensáveis achegas:

Ora, se não há lugar para recolhimento do gravame tributário na saída do produto do estabelecimento industrial, não haverá, sem dúvida, possibilidade de o contribuinte trazer a cotejo os seus eventuais créditos, relativos à aquisição das embalagens, para aferir a diferença a maior prevista pelo Código Tributário Nacional no seu artigo 49.

Em outras palavras: a não-cumulatividade só tem sentido na fórmula constitucional, à medida em que várias incidências sucessivas, efetivamente mensuráveis, ocorram. É essa a presunção constitucional e também o propósito de sua aplicação. Daí a razão do abatimento, concedido para afastar a sobrecarga tributária do consumidor final. Nesse caso, se não há imposição de ônus na saída do produto, pela absoluta neutralidade dos seus componentes numéricos, via de conseqüência, não haverá elevação da base de cálculo e, por conseguinte, qualquer diferença a maior a justificar a compensação.

Por outro lado, o fato de o creditamento ser assegurado com relação a produtos originariamente isentos não colide com o raciocínio que nega o mesmo benefício nas hipóteses de alíquota zero. Como bem lembrou o eminente Ministro PAULO TÁVORA, do Tribunal Federal de Recursos, em voto mencionado no acórdão recorrido, na isenção ‘emerge da incidência um valor positivo a cuja percepção o legislador, diretamente, renuncia ou autoriza o administrador a fazê-lo. Na tarifa zero frustra-se a quantificação aritmética da incidência e nada vem à tona para ser excluído’.

Por tais razões, entendo que a exegese acolhida pelo Tribunal ‘a quo’ não afrontou o artigo 21, § 3º, da Constituição e tampouco negou a vigência do dispositivo do Código Tributário, que reproduz a cláusula constitucional.

26.Portanto, sem maiores esforços, vê-se que à luz da redação disposta no texto constitucional de 1967/1969, de idêntico sentido normativo da enunciação contida na Constituição atual, essa Suprema Corte não reconhecia aos contribuintes o direito de creditar-se do IPI em relação a produto que saiu do estabelecimento industrial desonerado com alíquota zero.

27.Nessa linha, na presente controvérsia, hígidos os vitimados artigos 100, I, a, Decreto 87.918/82, e 174, I, a, Decreto 2.637/98, delirados nos acórdãos recorridos.

V. O CRÉDITO DO IPI E O IRPJ

28.Em uma perspectiva sistemática, deve ser levado em consideração o seguinte aspecto do regime tributário das empresas contribuintes do IPI que não tinham o direito de creditar-se desse imposto: o abatimento do IRPJ.

29.De efeito, o artigo 231, § 3º, do Decreto 1.041, de 11.01.1994, outrora Regulamento do Imposto de Renda, estava vazado nos seguintes termos:

Art. 231. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período-base (Decreto-Lei n° 1.598/77, art. 14).

.....

§ 3° Não se incluem no custo os impostos recuperáveis através de créditos na escrita fiscal.

30.Considerando a irrecuperabilidade do controvertido crédito de IPI, é bastante provável que as empresas tenham contabilizado esse IPI como custo para abatimento de seu imposto de renda.

31.Daí que inaceitável, concessa venia, a possibilidade de o contribuinte ter o direito de creditamento do IPI na saída de produto desonerado e, ao mesmo tempo, usar esse crédito como custo para abatimento do IRPJ.


VI. OS VOTOS DOS MINISTROS RICARDO LEWANDOWSKI E MARCO AURÉLIO

32.O julgamento dos recursos sob análise teve início em 18.06.2008, com a prolação dos votos dos eminentes Ministros MARCO AURÉLIO (RE 460.785) e RICARDO LEWANDOWSKI (RE 562.980) que manifestaram entendimentos diametralmente opostos em face da controvérsia constitucional examinada:

Há direito dos contribuintes do IPI de se creditarem do valor do tributo incidente sobre produtos desonerados, à alíquota zero ou com isenção, na saída do estabelecimento industrial, antes da edição da Lei 9.779/99?

33.O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI entende que sim. Que há direito ao mencionado creditamento do IPI, antes mesmo da citada Lei 9.779/99, na hipótese de produto que sai do estabelecimento industrial exonerado à alíquota zero ou isento, em face do princípio da não-cumulatividade (art. 153, § 3º, II, CF).

34.Como referido, o Ministro MARCO AURÉLIO parteja entendimento contrário ao manifestado pelo Ministro LEWANDOWSKI, ao defender que não havia violação ao suscitado princípio da não-cumulatividade ante a inexistência desse reclamado direito de creditamento.


VII. O VOTO DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

35.O relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI acolheu a tese central adotada pelo Egrégio TRF 4, e estampada na ementa do acórdão recorrido:

Impõe-se o creditamento do IPI incidente na aquisição de mercadorias e insumos tributados aplicados na industrialização de produtos sujeitos à alíquota zero ou isentos, pena de ofensa ao princípio constitucional da não-cumulatividade e transmutação do industrial, contribuinte de direito, em consumidor, contribuinte de fato do IPI em autêntico imposto direto.

36.Sua Excelência principia seu voto assentando cuidar-se de tema diverso do que apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos dos RREE 370.682 e 353.657, em julgamento que decidiu não ser possível o creditamento do IPI nas operações realizadas com insumos ou matérias-primas desonerados.

37.Nos mencionados RREE 370.682 e 353.657, o STF enfrentou o tema da desoneração do IPI na entrada dos insumos. Nos presentes RREE 460.785 e 562.980, como suscitado pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, o tema sob exame é a desoneração do IPI na saída do produto industrializado.

38.O Ministro LEWANDOWSKI deixou claro que não pretende reabrir questão já pacificada pelo STF: a ausência de creditamento do IPI na hipótese de desoneração dos insumos na entrada do estabelecimento.

39.Com efeito, aduziu Sua Excelência:

No caso sob exame tem-se tributação dos insumos ou da matéria-prima, sendo o produto final isento. Cuida-se, portanto, de hipótese diversa daquela examinada anteriormente pela Casa, não cabendo aplicar-se aqui o precedente então firmado.

40.Portanto, o resultado daqueles julgados (RREE 370.682 e 353.657) não tem relação com os eventuais efeitos decorrentes da decisão do STF nos casos sob julgamento: RREE 460.785 e 562.980.

41. Após firmar essas indispensáveis ressalvas, o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI recordou as origens históricas do IPI e as similitudes deste tributo com o ICMS, destacando, particularmente, a seletiva essencialidade e a não-cumulatividade.

42.Sua Excelência perspectiva o princípio ou técnica da não-cumulatividade como destinado "a assegurar que o valor recolhido aos cofres públicos seja o correspondente à alíquota final incidente sobre o produto, impedindo a incidência de tributo sobre tributo".

43.Nessa linha, aduziu que o escopo do mencionado princípio da não-cumulatividade "consiste em proteger o consumidor, impedindo que a carga tributária incidente sobre cada etapa necessária à fabricação de determinado produto lhe seja integralmente repassada".

44.Em síntese e em outras palavras, segundo o Ministro LEWANDOWSKI, a não-cumulatividade "evita o indesejado ‘efeito cascata’, o qual ocorreria caso o valor pago em cada etapa se agregasse ao produto, passando a integrar a base de cálculo nas etapas seguintes".

45.No voto, o eminente Relator distinguiu a sistemática constitucional do IPI em relação aos "impostos sobre valor agregado", forte no pressuposto de que o referido imposto "recai sobre o produto final como um todo, de maneira a que a respectiva alíquota incida sobre uma unidade, perdendo, os insumos a sua identidade".

46.Dessa sorte, segundo o Relator, "devolve-se ao contribuinte do IPI cobrado sobre os insumos, unificando-se, assim, a cobrança do tributo, de maneira a que recaia sobre o produto final e não sobre os seus componentes".

47.Para o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI deve o "imposto recolhido nas etapas intermediárias permanecer como crédito do contribuinte, ainda que o produto final seja desonerado do tributo, sob pena de anular-se a sistemática da unitributação do IPI".

48.Estribado nas lições de HUGO DE BRITTO MACHADO e de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, o ilustre Relator surpreendeu o princípio da não-cumulatividade, visitando os dispositivos constitucionais (art. 153, § 3º, II), legais (art. 49, CTN) e infralegais (art. 146, Decreto 2.637/98), demonstrando a dessemelhança entre a não-cumulatividade do IPI e a do ICMS.

49.Eis um dos pilares de sustentação do entendimento do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI na presente demanda:

Também o ICMS, à semelhança do que ocorre com o IPI, submete-se ao princípio da não-cumulatividade. Mas, ao contrário do que ocorre com o ICMS, a Constituição não estabelece qualquer condição ou limite à compensação do IPI pago nas operações antecedentes, não sendo aplicável ao IPI a vedação estabelecida no art. 155, § 2º, II, b, do texto magno...

50.Para Sua Excelência, a citada omissão constitucional revela um "silêncio eloqüente" do legislador constituinte no sentido de que o regime constitucional do IPI, diversamente do sucedido com o ICMS, não sofre qualquer espécie de limitação ao seu creditamento, pelo cotejo entre os cogitados dispositivos supremos: art. 153, § 3º, II, e art. 155, § 2º, II, CF:

Art. 153, § 3º, II - O IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

Art. 155, § 2º, I e II, a e b – O ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; A isenção ou não-incidência não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes ou acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

51.O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI explica as razões justificadoras da diferenciação entre os regimes da não-cumulatividade do IPI e do ICMS:

Em outras palavras, a limitação ao crédito do ICMS auferido em operações anteriores, nas hipóteses de isenção ou não incidência, foi introduzida na Lei Maior em atenção às particularidades que cercam esse imposto estadual. Não é possível, pois, estender tal proibição ao IPI, cuja sistemática de cálculo e arrecadação é substancialmente diversa, mesmo porque distintos são os seus fundamentos e objetivos.

52.Malgrado tenha o Relator principiado o seu voto diferenciando as teses empolgadas nos RREE 370.682 e 353.657 (desoneração na entrada), em face da discussão travada nos presentes RREE 460.785 e 562.980 (desoneração na saída), o argumento suso colacionado fora usado naqueles julgados para defender o direito de creditamento do IPI na hipótese de insumos que ingressam no estabelecimento industrial desonerados do tributo.

53.Naqueles indefectíveis RREE 370.682 e 353.657, o STF não acolheu esse argumento das limitações do ICMS e de sua ausência em relação ao IPI.

54.De efeito, a Suprema Corte, por maioria, rechaçou esse mencionado argumento justamente por reconhecer as apontadas diferenças entre as sistemáticas de cálculo e arrecadação, bem como de fundamentos e objetivos desses cogitados impostos (IPI e ICMS), na linha do que aduziu o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI.

55.Sucede, todavia, que em vez de favorecer a tese do direito de creditamento na saída de produto desonerado, como raciocinou o eminente Relator, as cogitadas diferenciações entre o IPI e o ICMS justificam, ao nosso entender, a diversidade de enunciação constitucional.

56.Com efeito, essa enunciação constitucional distinta foi obra da Emenda Constitucional n. 23/83 (Emenda Passos Porto) diante da jurisprudência do STF que, em relação ao ICMS, reconhecia o direito de creditamento em face de mercadorias desoneradas.

57.Em decorrência das pressões políticas dos Estados-membros, o Congresso Nacional aprovou a EC 23/83, que depois foi "confirmada" pelo constituinte originário na elaboração da Constituição de 1988, como assinalado, inclusive, no voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI.

58.Por seu turno, assinala-se que o "silêncio" da Constituição em relação ao IPI se deveu ao fato de que inexistiam – como inexistem – disputas federativas envolvendo esse referido imposto, ao revés do que sucede com o ICMS. Daí que, reconhece a jurisprudência do STF, o figurino constitucional do citado tributo estadual não serve como paradigma ao discutido tributo federal, pelas nuanças proclamadas.

59.O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI afasta a ofensa ao art. 150, § 6º, CF, forte nas lições de HUGO DE BRITTO MACHADO e de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, porquanto não cuidasse de concessão de benefício fiscal, mas de obstrução infralegal (art. 174, Decreto 2.637/98) ao mandamento constitucional da não-cumulatividade (art. 153, § 3º, II, CF).

60.Aduziu Sua Excelência que o princípio da não-cumulatividade do IPI "consiste no aproveitamento do imposto recolhido sobre os insumos ou as matérias-primas utilizadas em cada uma das etapas da produção, na etapa imediatamente subseqüente, nada importando, para esse efeito, que a mercadoria, na saída do estabelecimento, seja beneficiada com isenção, não incidência ou alíquota zero".

61.Nesse prisma, o eminente Relator imputou ao legislador e ao administrador fiscal a feitura de tabula rasa do multicitado princípio da não-cumulatividade ao vedar o reclamado direito de creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento industrial.

62.O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI enxergou na Lei 9.779/99 um reconhecimento de direito preexistente ao autorizar, no art. 11, a compensação de créditos não aproveitados em face de desoneração na saída, vislumbrando nessa Lei um caráter "interpretativo":

Parece evidente que o direito ao aproveitamento de crédito oriundos de insumos tributados, no caso de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, não surgiu apenas com a promulgação da Lei 9.779/99, visto que deriva diretamente do princípio da não-cumulatividade abrigado na Constituição de 1988, tal como nas Cartas que antecederam, mostrando-se, destarte, inadmissível que lei ordinária ou, o que é pior, um simples regulamento possam erigir obstáculos a tal direito.

63.Socorrendo-se das lúcidas considerações de HUGO DE BRITTO MACHADO, o eminente Relator transcreveu passagem doutrinária desse afamado jurista em defesa de uma compreensão de "lei interpretativa" da Lei 9.779/99:

Nota-se que a citada lei refere-se a créditos que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, o que significa dizer que tal compensação já era antes admitida. A inovação se houve, foi apenas a autorização para compensar com outros tributos. Não para utilizar na conta corrente do próprio IPI.

64.Com todo o respeito e consideração que se devota ao ilustre professor da Faculdade "Alencarina", esse colacionado trecho não enseja, com a reiterada vênia, o entendimento manifestado.

65.De efeito, antes da Lei 9.779/99 havia expressa determinação vedando o aproveitamento de crédito do IPI na hipótese de produto desonerado na saída. Determinação objeto da presente controvérsia. É de clareza solar que a referida Lei 9.779/99, fruto da política legislativa fiscal, adveio para modificar esse quadro tributário.

65.Assim, sem embargo da indiscutível qualidade acadêmica do professor HUGO DE BRITTO MACHADO, o argumento esgrimido não consegue arranhar o caráter eminentemente constitutivo do direito de creditamento viabilizado a partir da edição da citada Lei 9.779/99.

66.O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI rechaça a tese no tocante a necessidade de comprovação do não repasse do tributo em discussão, afastando a aplicação do art. 166 do CTN, sob o fundamento de que não se trata de "restituição de indébito", mas de direito ao crédito do IPI recolhido na entrada de produto desonerado na saída do estabelecimento.

67.Segundo Sua Excelência, utilizando o precedente do RE 114.527, o industrial é o contribuinte de direito e o não repasse do tributo o tornaria contribuinte de fato, nesse quadro, aduziu o eminente Relator:

Não há o que se cogitar de produção de prova da não transferência do encargo a terceiro, mesmo porque o benefício fiscal em tela constitui um estímulo ao produtor, cabendo-lhe decidir se transfere ou não o benefício ao consumidor.

....

Cumpre registrar, ademais, que, se sobre o produto final não incide o IPI, é de presumir-se que nada foi repassado ao seu adquirente, invertendo-se, então, o onus probandi. Ou seja, cabe ao Fisco, e não ao industrial, a prova da incorporação do tributo ao preço de venda da mercadoria.

68.Com a devida vênia, é da essência do sistema econômico a transferência dos encargos tributários para os preços dos produtos, mercadorias ou serviços. Com o IPI não é diferente, inclusive com expresso reconhecimento constitucional timbrado nos princípios da seletiva essencialidade e da não-cumulatividade. Assim, em rigor, no preço de venda da mercadoria está incorporado o tributo. O contrário é a exceção que deve ser comprovada por quem a alega, venia permissa.

69.Por fim, o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI votou favoravelmente à correção monetária dos créditos do IPI, sob o fundamento de que não se trata de crédito escritural, mas de valores cujo aproveitamento é vedado pelo Fisco, obrigando o contribuinte a recorrer ao Judiciário. Sua Excelência fiou-se no precedente do RE 282.120.

70.Também nesse ponto infirma-se, concessa venia, o voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. E o faz demonstrando que o aludido RE 282.120 não serve como paradigma, visto que ali se cuidava de hipótese bastante distinta da contida na demanda sob estudo.

71.Com efeito, no RE 282.120 (Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, 2ª Turma, J. 15.10.2002, DJ. 06.12.2002), o STF reconheceu o direito à correção monetária porquanto se tratava de ação proposta por contribuinte, em face do Fisco paranaense, que pleiteava a correção monetária de créditos de ICMS com esteio na Lei Complementar n. 65/1991.

72.Naquele precedente havia lei (LC 65/91) autorizando o creditamento. O Estado do Paraná cumpria com esse benefício fiscal. Sucede que por força de medida liminar nos autos da ADI 600 (Relator Ministro MARCO AURÉLIO), o mencionado benefício foi suspenso. Ante esse quadro, o Fisco estadual deixou de creditar o ICMS e determinou o seu estorno. Posteriormente, em decisão definitiva, o STF chancelou a plena validade da LC 65/91.

73.Nesse quadro, o contribuinte impetrou mandado de segurança para recuperar a referida correção monetária correspondente ao período entre a data do estorno e aquela em que a Fazenda permitiu a correção dos créditos, em face das decisões resultantes da ADI 600.

74.Calha colacionar trecho do voto do Ministro MAURÍCIO CORRÊA, relator do RE 282.120, que explica bem a situação e revela a diferença entre a presente controvérsia e o sugerido precedente:

20. Com efeito, a pretensão inicial não era que os créditos fossem corrigidos monetariamente por se referirem a imposto recolhido em data anterior ao lançamento, situação típica reiteradamente enfrentada por esta Corte e rejeitada quando inexistente lei estadual autorizadora.

21. O pedido e a causa de pedir aqui são diversos. O que pretende a empresa é que, uma vez reconhecido que os créditos lançados não produziram seus efeitos compensatórios concretos na época própria por vedação imposta pela Fazenda Estadual, para que obtenha o retorno da situação ao status quo anterior, atingindo-se a finalidade da norma legítima, imprescindível a atualização monetária dos valores.

22. Ora, a decisão que reconheceu a constitucionalidade da norma complementar autorizadora do lançamento efetivo do crédito para fins de compensação (ADI 600, Marco Aurélio, DJ 30/06/95), produz, como se sabe, efeitos ex tunc, ou seja, o dispositivo legal é tido por legítimo desde a sua edição, sem embargo da suspensão cautelar. Para que a lei produza os efeitos que deveria ter gerado na época própria e pretérita, é essencial que se lancem os créditos não pelo valor histórico e sim pelo atual, devidamente corrigido.

23. Caso contrário haverá enriquecimento ilícito da Fazenda do Estado. Isso pela circunstância de que a compensação não se realizou na época própria, permitindo uma arrecadação superior a que seria devida se os efeitos da lei, posteriormente declarada constitucional pelo Tribunal, não estivessem suspensos. Para que esse excesso seja restituído a que, sem qualquer culpa, foi impedido de creditar-se do imposto pago, é necessário que a compensação se faça de forma atualizada. Ressalto que não existirá prejuízo ao Fisco, que, amparado por decisão liminar, arrecadou indevidamente mais no passado, e restituirá o que é devido pelo valor real, restabelecendo-se, desse modo, a situação original.

75.Eis a ementa do acórdão do citado RE 282.120:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. EXPORTAÇÃO. PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. ICMS. MATÉRIA-PRIMA E OUTROS INSUMOS. COMPENSAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. SUSPENSÃO LIMINAR. CRÉDITO IMPOSSIBILITADO. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA POSTERIORMENTE. RETORNO DA SITUAÇÃO AO STATUS QUO ANTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO.

1. Prequestionamento. Ausente o interesse de recorrer, por falta de sucumbência, basta para o atendimento do requisito que a tese jurídica suscitada como causa de pedir tenha sido objeto das contra-razões apresentadas pela parte por ocasião dos recursos de apelação e extraordinário, e também tratada nos embargos de declaração.

2. ICMS. Compensação autorizada pelo artigo 3º da Lei Complementar federal 65/91. Regra legal suspensa liminarmente. Julgamento de mérito superveniente que reconheceu a constitucionalidade do dispositivo (ADI 600, DJ 30/06/95). Efeitos ex-tunc da decisão.

3. Créditos escriturais não realizados no momento adequado por óbice do Fisco, em observância à suspensão cautelar da norma autorizadora. Retorno da situação ao status quo anterior. Garantia de eficácia da lei desde sua edição. Correção monetária devida, sob pena de enriquecimento sem causa da Fazenda Pública.

4. Atualização monetária que não advém da permissão legal de compensação, mas do impedimento causado pelo Estado para o lançamento na época própria. Hipótese diversa da mera pretensão de corrigir-se, sem previsão legal, créditos escriturais do ICMS. Acórdão mantido por fundamentos diversos. Recurso extraordinário não conhecido.

76.Nesse compasso, a despeito do costumeiro brilhantismo e da coerência intelectual revelada pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, objurga-se o voto de Sua Excelência. Em nosso favor tenha-se o voto do Ministro MARCO AURÉLIO, relator do RE 460.785.


VIII. O VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO

77.No voto que proferiu no RE 460.785, na referida sessão plenária de 18.06.2008, o Ministro MARCO AURÉLIO votou no sentido da ausência do direito de creditamento do IPI de produto desonerado na saída, antes da Lei 9.779/99.

78.Sua Excelência explicitou que a razão de ser do creditamento é evitar a sobreposição de cobrança de tributo consideradas sucessivas operações. Continuou o relator: "Então, ante o princípio da não-cumulatividade, o valor do tributo apurado em certa operação sofre a diminuição do que satisfeito anteriormente".

79.O Ministro MARCO AURÉLIO, com esteio no art. 153, § 3º, incisos, CF, estampou as características constitucionais do IPI. Também recordou o disposto no art. 150, § 6º, CF, a necessidade de lei específica para concessão de benefícios fiscais.

80.Ante esse quadro constitucional, o ilustre Relator afastou, na presente controvérsia, o envolvimento do princípio da não-cumulatividade. Disse Sua Excelência:

A conclusão decorre da circunstância de o inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição da República, não bastasse o alcance vernacular da expressão – não-cumulatividade -, subir pedagógico ao revelar que a compensação a ser feita levará em conta o que devido e recolhido nas operações anteriores com o montante cobrado na subseqüente. Considerado apenas o princípio da não-cumulatividade, se o ingresso da matéria-prima ocorreu com incidência do tributo, logicamente houve a obrigatoriedade de recolhimento. Mas, se na operação final verificou-se a isenção, não existirá compensação do recolhido anteriormente, ante a ausência de objeto. Compensar com o quê?.

81.Sua Excelência, em favor da unidade do sistema tributário, cotejou os dispositivos constitucionais relativos à exoneração do ICMS (art. 155, § 2º, II, a e b), em face do art. 150, § 6º, CF, a revelar a fonte da disciplina legal da desoneração do IPI, na saída do produto: o art. 11 da Lei 9.779/99.

82.Nessa perspectiva, o Ministro MARCO AURÉLIO recorda trecho de sua manifestação no RE 353.657 a demonstrar que a hipótese discutida naqueles autos difere da situação da presente demanda, uma vez que a desoneração tributária naquela controvérsia estava na entrada dos insumos, enquanto que nesta, como exaustivamente dito, a desoneração está na saída.

83.Diante da expressa disposição legal (art. 11, Lei 9.779/99), Sua Excelência aduz a seguinte e candente peroração:

O Supremo está sendo convocado a definir a existência, em data que antecede à citada lei, do direito ao creditamento e não pode criá-lo do nada, não pode caminhar no sentido de entender que a previsão normativa se mostrou, no particular, inócua porque o direito já estava contemplado pela ordem jurídica.

84.Nessa ordem de compreensão, o Ministro MARCO AURÉLIO arrematou:

Em síntese, presente o princípio da não-cumulatividade – e deste somente é possível falar quando há dupla incidência, sobreposição -, o direito do contribuinte ao crédito considerado o que recolhido em operação anterior, tendo-se a isenção ou alíquota zero na operação final, somente surgiu – e mesmo assim implicitamente, se é que isso é possível – com a edição da Lei n. 9.779/99. Não implicou ela mera explicitação de um direito.

85.Forte nessa compreensão, o eminente Relator entendeu que a decisão do TRF 4, que autorizou ao contribuinte o gozo do discutido benefício fiscal, "implicou fugir à ordem natural das coisas, olvidando-se o princípio da não-cumulatividade no que, sem o envolvimento de dupla incidência, caminhou-se, sem previsão em lei, no sentido do creditamento".

86.Diante desse quadro, o Ministro MARCO AURÉLIO votou pelo conhecimento e provimento do recurso fazendário, de sorte a limitar o creditamento, com as conseqüências próprias, ao período posterior à vigência da Lei 9.779/99.

87.Convém anunciar que Sua Excelência julgou prejudicada a discussão acerca da correção monetária do reivindicado creditamento, além de entendê-la inviável na sede extraordinária, uma vez que pressupõe a interpretação de normas legais, segundo seu entendimento.

88.Com a devida vênia ao brilhante voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, entendo que o voto do Ministro MARCO AURÉLIO surpreende o tema em coerência com a jurisprudência do STF, merecendo, por conseqüência, o prestígio da Corte.


IX. O CREDITAMENTO E A NÃO-CUMULATIVIDADE DO IPI NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

89.O tema do creditamento tributário em face do princípio da não-cumulatividade não é novo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

90.Como é de sobejo conhecimento, ainda sob o pálio da Carta Política de 1967/1969 o STF visitou o tema, seja em relação ao ICMS, seja em relação ao IPI.

91.Quanto ao ICMS, o creditamento de mercadorias exoneradas com isenção, alíquota-zero ou não-tributação, na entrada do estabelecimento, o Supremo trilhava dois caminhos distintos.

92.As mercadorias isentas ensejavam o creditamento, segundo se extrai dos seguintes precedentes: RREE 86.217 e 96.862. As mercadorias exoneradas com alíquota-zero ou não-tributadas não viabilizavam o creditamento: RREE 107.985 e 115.337.

93.Ante esse quadro jurisprudencial, como já dito, foi editada a Emenda Passos Porto (EC 23/83) que proibiu o creditamento do ICMS. Essa vedação foi mantida de modo expresso na atual Constituição (art. 155, § 2º, II).

94.No tocante ao IPI, a desoneração dos insumos na entrada do estabelecimento foi recentemente pacificada no seio dessa Suprema Corte nos históricos julgamentos dos RREE 353.657 e 370.682, nos quais decidiu-se que não viola o princípio da não-cumulatividade a vedação de creditamento do IPI na hipótese de insumo que adentra exonerado do cogitado tributo.

95. Quanto à exoneração do IPI na saída de produtos do estabelecimento industrial, antes da Constituição de 1988, o STF entendia descabido o postulado creditamento: RREE 99.825 e 109.047.

96.Nesse contexto, considerando que se cuida de mera técnica de tributação, o Supremo manteve a orientação jurisprudencial firmada sob os auspícios do texto constitucional revogado, em se tratando de exoneração na entrada do estabelecimento.

97.Em relação à desoneração na saída, objeto da presente controvérsia, e em face da manutenção dos mesmos paradigmas constitucionais, porquanto se versa mera técnica de tributação e que já sofreu, inclusive, adequado tratamento legislativo (art. 11, Lei 9.779/99), confia-se na conservação da atávica jurisprudência do STF.

98.Nesse panorama da jurisprudência histórica da Suprema Corte, é fácil de ver que o princípio da não-cumulatividade do IPI não sofre qualquer menoscabo ante a ausência de creditamento do tributo que tem os produtos exonerados, seja na entrada ou na saída do estabelecimento: RREE 99.825, 109.047, 353.657 e 370.682.


X. CONCLUSÕES

99.Ante o exposto, apresento as seguintes conclusões:

1ª. O princípio da não-cumulatividade não autoriza o creditamento do IPI se o tributo não for devido na operação de saída do produto industrializado do estabelecimento;

2ª. Não viola o princípio da não-cumulatividade a vedação do direito de creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado, seja na saída, seja na entrada do estabelecimento;

3ª. O art. 150, § 6º, CF, reclama a edição de lei específica para a concessão de quaisquer benefícios fiscais, dentre eles a concessão de crédito presumido;

4ª. O art. 11, da Lei 9.779/99, em atendimento ao referido art. 150, § 6º, CF, autorizou o creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado, com alíquota-zero ou com isenção, na saída do estabelecimento industrial;

5ª. Antes da edição da aludida lei federal específica, em prestígio ao art. 150, § 6º, CF, não havia direito ao creditamento do IPI na hipótese de produto desonerado na saída do estabelecimento industrial.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O creditamento do IPI na saída de produtos desonerados antes da Lei nº 9.779/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1868, 12 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11592. Acesso em: 18 maio 2024.