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O mundo do trabalho e a flexibilização

O mundo do trabalho e a flexibilização

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RESUMO: O exame da história do direito do trabalho permite avaliar o papel que esse ramo do direito desempenha atualmente e as razões pelas quais o discurso da flexibilização implica retrocesso social injustificável, em um pais democrático e de direito como o Brasil. A necessidade de efetivação das normas constitucionais é urgente, sobretudo no âmbito dos direitos sociais trabalhistas, a fim de que o paradigma da solidariedade contamine as regras infraconstitucionais e as interpretações dominantes. O presente texto é um convite à reflexão acerca do papel do direito do trabalho no mundo do trabalho desse novo milênio e do compromisso que precisamos assumir diante do paradoxo que se estabelece entre a Constituição Federal de 1988 e o movimento de supressão ou mitigação de direitos fundamentais denominado flexibilização.


1. O Trabalho Humano na Era Moderna. Do Liberalismo Clássico à Era das Constituições.

A consciência da necessidade de proteger o trabalho como um direito é recente na história do homem [16]. É resultado, especialmente, do esgotamento do sistema. O capitalismo enfrenta uma grave crise na primeira metade do século vinte, fazendo com que a exclusão social que gera (e que é própria do sistema) seja colocada em discussão. O Estado assume o papel de ator social, devendo intervir de modo a minimizar as graves disparidades do modelo adotado [17].

O capitalismo traz em sua gênese o elemento de ruptura. Exacerba o individualismo, fazendo com que o homem negligencie sua dimensão plural. Entretanto, porque gera a exclusão, e parte do pressuposto da desigualdade entre os homens que trabalham e os que lucram, acaba por despertar o sentimento de identidade capaz de gerar a luta por mudanças, quando organiza fábricas [18], fazendo com que as pessoas trabalhem e morem sempre próximas, dividindo idênticas condições de sobrevivência. Assim é que o próprio sistema revela-se ambiente fértil aos movimentos operários, que ganham força inesperada [19] e acabam forçando a regulamentação de direitos mínimos para os trabalhadores.

Os direitos sociais surgem, pois, em meio aos direitos econômicos do estado liberal, mas se tornam maiores que eles, justamente porque o legitimam (não rompem com o modelo adotado) e, ao mesmo tempo, estabelecem seus limites (impedem a coisificação do homem). É justamente o senso comum (a pluralidade humana) que permite tenhamos noção da realidade (somos com o outro). Portanto, ao pretender excluir o senso comum, considerando apenas o homem e suas necessidades imediatas (reificando ou coisificando o homem-que-trabalha), o modelo liberal de organização humana acaba por determinar sua impossibilidade de sucesso, já que permite a subversão de valores fundamentais ao convívio social. Como o homem, por mais que pretenda, não sobrevive sem os outros [é essencialmente plural], não há saída satisfatória para um modelo de organização em que essa sua característica seja desconsiderada [20].

Impressiona o modo como o capitalismo vem sobrevivendo a esse paradoxo. Ao ser instaurado, o capitalismo trazido pelo liberalismo clássico contou com a força do Estado (sobretudo através das Leis) para se consolidar. Fortaleceu o Estado-legislador, tratando-o como aliado. Entretanto, o Estado é o viés plural da organização humana, enquanto o mercado alimenta-se do individualismo extremo. Portanto, enquanto serviu ao desenvolvimento econômico, o Estado garantidor de liberdades negativas foi uma opção interessante. O capitalismo, porém, teve a necessidade de procurar um remédio para seus efeitos. Por ser um sistema geneticamente excludente, que – ao mesmo tempo – necessita de consumidores, o capitalismo, para sobreviver como modelo econômico e social, necessitou de uma vacina que não atingisse a causa, mas apenas as conseqüências da doença. Nesse sentido, as idéias de Keynes, no sentido de que "não é a rigidez dos salários impulsionada pela ação sindical que provoca a queda na atividade econômica, mas sim a falta de demanda efetiva, que pode, inclusive, ser ocasionada pelos baixos salários" [21].

A implementação dos direitos sociais não decorreu, pois, de benesse das classes dominantes [22], mas da necessidade de superação da crise do sistema, aliada ao sentimento de solidariedade gerado pelos eventos sociais que, em realidade, são resultado do caráter excludente e díspare do próprio sistema. O Brasil é diretamente influenciado pelo contexto internacional [23] e, embora com um capitalismo ainda "tímido" [24], chamado capitalismo tardio ou retardatário, resolve seguir o exemplo de outros Estados, positivando normas de proteção dos direitos sociais [25]. Regras que, em âmbito mundial, eram resultado tanto das reivindicações dos trabalhadores organizados como também da necessidade reestruturação da economia pós-primeira guerra.

Enquanto fomenta a organização sindical, a segunda fase do capitalismo, caracterizada por um Estado hipertrofiado, acaba fragmentando a luta social [26]. Ao retirar da classe operária a responsabilidade por suas próprias conquistas e a necessidade de lutar pela superação da opressão gerada pelo sistema capitalista, o Estado-providência desagrega, individualiza os trabalhadores, fazendo com que passem a lutar cada um por si. Amortece a consciência de grupo que motivou a existência mesma dos entes coletivos, que são sua principal marca [27]. Confinado à base estatal, submetido à estrutura capitalista de organização social, o movimento sindical acaba por ser dividido em âmbito político (partidos) e industrial (sindicatos), dissociados de sorte a enfraquecer a força do movimento operário [28].

A fase do capitalismo organizado, superada a crise de estrangulamento do sistema, acaba cedendo espaço ao que os sociólogos denominam capitalismo desorganizado, em que "o predomínio do princípio do mercado [...] faz apelo ao princípio da comunidade [...] para obter a sua cumplicidade ideológica na legitimação da transferência dos serviços da providência social estatal para o sector privado não lucrativo." [29]

O capitalismo neoliberal reforça a dimensão plural do homem, mas o faz em seu favor, invertendo o discurso. Após desmantelar o movimento sindical, fragilizando as relações de trabalho de tal modo a compelir os trabalhadores a divergirem e lutarem entre si reforça (munido pelas possibilidades da tecnologia moderna) a noção de que houve uma libertação das capacidades humanas, capaz de engendrar um quadro social de auto-regulação, de cooperação. A falácia de que capital e trabalho agora são ‘parceiros’ vem subjacente à idéia de pseudo-cooperativismo e às várias formas anômalas de relação de trabalho que invadem o cenário da Justiça do Trabalho diuturnamente [30]. E o movimento sindical – máxima expressão da dimensão plural do homem que trabalha – atravessa uma crise aguda. Caracteriza-se, muitas vezes, como centro de renúncia de direitos dos trabalhadores, quando atua como negociador capaz de chancelar normas coletivas que simplesmente aniquilam conquistas trabalhistas [31].

É preciso, porém, compreender que essa crise não é isolada nem constitui mera conseqüência do esvaziamento da razão de ser dos movimentos sindicais. Hoje, mais do que nunca, há motivos para que os trabalhadores se organizem, unindo forças para reivindicar o resgate de direitos conquistados ou, pelo menos, a sua manutenção. Existem várias teorias e pouco consenso acerca do papel do trabalho e do direito do trabalho nesse novo milênio. Em realidade, as teorias não conseguem maquiar a realidade. Fala-se em quatro possíveis "tipos ideais explicativos do cenário de crise emprestado ao mundo do trabalho" [32].

O primeiro modelo seria aquele segundo o qual o trabalho continua a viger como categoria central da sociedade, "fator preponderante de integração social". Por conseqüência, sua precarização atingiria o cerne da proteção a essa condição humana de pluralidade, afetando o próprio sistema capitalista no qual se insere. No segundo modelo, o trabalho assume papel secundário. Cede espaço ao mercado, privilegiado como único modo de desenvolvimento social. Como terceiro modelo, está aquele que desloca o discurso para a dicotomia "incluídos vs excluídos", e em lugar de uma sociedade de classes, concebe uma "sociedade horizontal, em que a divisão se faz entre centro (participação) e periferia (exclusão)". A conseqüência seria a conclusão de que "os inempregáveis tornar-se-iam dispensáveis. Far-se-ia, então, necessário pensar uma nova lógica de inserção social, não limitada ao mercado de trabalho e ao seu tradicional veículo, o emprego, mas sim associada à idéia de ocupação" [33].

O quarto modelo aponta para uma sociedade "pós-trabalho", já que a produção econômica cresce, enquanto diminui a capacidade do mercado em criar novos postos de trabalho. De acordo com esse modelo, "estaríamos diante de uma crise da própria sociedade do trabalho", com a conseqüente "desaparição do trabalho como categoria fundamental" [34].

Não é difícil perceber vertentes dos quatro modelos nos discursos jurídicos atuais. Doutrina e jurisprudência oscilam entre a idéia de proteção ao trabalho como corolário lógico da noção de dignidade humana, a dissociação do conceito de trabalho daquele de condição de sobrevivência, ou ainda, a noção de livre mercado como modo de desenvolvimento econômico-social ao qual o trabalho deveria ser submetido. A linha de raciocínio, porém, irá contaminar o modo de compreender e aplicar os diversos institutos jurídicos desta seara do direito. E determinará o compromisso a ser assumido com a evolução dos direitos sociais traduzida pelas idéias de constitucionalismo e democracia real ou com a idéia de supremacia do mercado.

Mais do que isso, a compreensão do papel do trabalho no novo milênio implicará a adoção de uma postura diferenciada diante do que representa a concepção de dignidade humana e de valorização social do trabalho para um Estado Democrático de Direito. A conseqüência está em atribuir-se papel ativo ou passivo ao Estado e, bem assim, à Justiça do Trabalho.

Voltemos aos modelos antes elencados. O primeiro deles leva à concepção de que não houve uma mudança estrutural do conflito no mundo do trabalho. Não há paradigma a ser superado, pois a correlação de forças e a tensão entre capital x trabalho permanece inalterada [35]. A conseqüência – de resto verificada diuturnamente – é que "a crescente precarização do trabalho, tanto no âmbito sociológico como no jurídico, ensejaria um enfraquecimento da integração social, causando uma total desarticulação da solidariedade que lhe serve de fundamento" [36].

Os outros três modelos encontram óbice na realidade latente. É jocoso tratar o trabalho como expressão do tempo livre em um país cujo sistema econômico-social determina ao trabalho a função de meio de troca capaz de garantir a subsistência física. Do mesmo modo, não há sustentação prática para a afirmação de que a dicotomia capital x trabalho cede lugar à dicotomia excluídos x incluídos, quando os excluídos são frutos diretos do sistema econômico adotado. Tal sistema, por sua vez, é justamente centrado na relação capital x trabalho.

Por fim, tratar o trabalho humano como categoria antropológica, superando sua condição de expressão do capitalismo [trabalho assalariado], pode emprestar uma visão ampliada ao conceito, mas em nada auxiliará a interpretação do discurso social, econômico e jurídico vigente. É indispensável termos a consciência de que o trabalho sobre o qual falamos é aquele contido no sistema vigente, que serve como meio de sobrevivência, a par de continuar a garantir a realização do ser humano, em sua dimensão plural.

1.2 O Discurso da Flexibilização como Panacéia para os Males do Século XXI.

O discurso da flexibilização parte justamente da idéia de que se está diante de uma nova etapa do direito do trabalho, na qual é necessário abandonar seu caráter protetivo. Tal premissa esconde em si a realidade de que um Estado ausente jamais ensejaria real coordenação de forças entre aqueles que detêm o capital e aqueles cuja única arma representa sua mão de obra [37].

As reformas propostas pelo governo federal revelam com nitidez essa tendência de supressão de direitos fundamentais. A fragmentação e a desregulamentação propostas como panacéia para os males da sociedade moderna, atribuindo ao homem que trabalha a culpa e a responsabilidade pelas distorções econômicas e sociais, traduzem a filosofia neoliberal. Declara-se, nas palavras de Zygmund Baumann, "guerra de atrito contra a ditadura política das necessidades" [38]. Por conseqüência, propugna-se a diminuição da interferência legislativa nas opções humanas [desregulamentação] como modo de aquisição de uma liberdade negativa, traduzida pela noção de estado mínimo. Logo, "aumenta, em vez de diminuir, a distância entre o ideal de democracia liberal e sua versão real, de fato existente". Deste modo, "com o Estado recusando sua responsabilidade pela segurança de todos e cada um, as leis do mais forte triunfam sobre os fracos" [39].

As negociações coletivas vêm chancelando a política de desmanche dos direitos sociais e de supremacia das forças do mercado [40]. A nítida impressão de que os movimentos sindicais perderam significado na atualidade repousa no fato de que as discussões entre as classes limitam-se muitas vezes a pequenas vitórias salariais. As condições e o ambiente de trabalho constituem questões negligenciadas, em razão do medo da perda da fonte de subsistência em que se transformou o emprego. Decorrência disso é que "a ação sindical solidária - e eficaz - em defesa dos injustamente demitidos parece cada vez mais um castelo no ar. ´´Flexibilidade´´ também significa a negação da segurança" [41].

Em outros termos, em lugar de resistir à fragilização de direitos fundamentais, o sindicato – importante expressão do caráter social do trabalho humano – chancela a autonomia do capital, agindo de modo autofágico. A conseqüência é a ampla possibilidade de coerção do trabalhador que supostamente resiste ao modelo imposto. É certo que a força individual de resistência não se compara à força coletiva. Entretanto, se não há resistência alguma em âmbito coletivo, passa-se a questionar as resistências individuais como anacrônicas [42]. Essa realidade legitima ou serve de suporte à idéia de que não há mais sentido na organização sindical e no caráter protecionista do direito do trabalho.

Soma-se a isso, a noção de cooperação ou co-gestão, que retorna à mesa de discussões como saída viável para a crise atual [43]. O modelo utilizado no pós-guerra europeu e que em realidade sublinhava a importância dos trabalhadores enquanto categoria (pluralidade) e tinha por base a necessidade de união para a superação da crise, é transportado agora para uma realidade histórica absolutamente diversa. Quando a própria Europa percebe a mudança de cenário e a necessidade de compreender a nova dimensão do trabalho humano, nós – países periféricos - pretendemos adotar um modo de resolução de conflitos que aguçará a crise de legitimidade / atuação da organização sindical.

Em âmbito mundial, a flexibilização vem sendo vivida como fator de fragilização das relações que sustentam o modelo econômico-social adotado. Tanto assim que a União Européia coloca a necessidade de inclusão no mundo do trabalho como um de seus objetivos centrais. Não rompe com a proposta de flexibilização, apresentada pelo Banco Mundial como única saída para o enfrentamento da crise atual. Propõe, porém, uma espécie de flex security ou seja, flexibilidade com segurança. O objetivo é tentar garantir um mínimo de dignidade social diante da realidade de insegurança gerada por contratos curtos e sem proteção social. As normas comunitárias promovem a ocupação (caráter positivo) e preocupam-se com a manutenção das condições de trabalho dos já incluídos (caráter passivo). Propugnam a criação de novos postos de trabalho, especialmente nos países eslavos, em desenvolvimento, e manutenção das condições de trabalho, especialmente nos países continentais (já desenvolvidos).

O Tratado que institui a União Européia, já em seu preâmbulo, deixa clara a idéia de um bloco comum tendo como pressuposto o "apego aos direitos sociais fundamentais, tal como definidos na Carta Social Européia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989". Por sua vez, o artigo 136 do Tratado que institui a Comunidade Européia, dispõe que a "Comunidade e os Estados-Membros, tendo presentes os direitos sociais fundamentais, tal como os enunciam a Carta Social Européia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, têm por objetivos a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma protecção social adequada". Nesse dispositivo está estabelecida a proibição do retrocesso social [44].

Isso, porém, não impede reformas legislativas pontuais, com vistas à precarização do direito do trabalho, tais como as últimas alterações vividas na Itália. A Lei Biaggi, de 2003, constitui resultado de um Livro Branco editado pelo governo daquele país, do qual se extrai claramente a idéia de fortalecer a competitividade econômica, em detrimento das garantias sociais elementares. Tudo – no Brasil como na Europa – em nome da legítima preocupação com o alto grau de desocupação, a expressiva falta de emprego que não constitui apenas um problema atinente aos países ditos emergentes.

Na Itália, várias espécies de contrato foram criadas por recentes alterações legislativas, destacando-se as novas formas de contratação disciplinadas no Decreto-Lei 276/2003, denominadas "lavoro a chiamata", uma espécie de contrato em que o trabalhador permanece à disposição do empregador, que utiliza e remunera a sua mão-de-obra apenas quando tem necessidade, ou o "lavoro a progetto", pelo qual a existência de um projeto determina a autonomia do trabalhador. A Lei 30/2003 ainda substituiu a expressão então utilizada para a terceirização de serviços ("lavoro interinale") pela expressão "somministrazione di lavoro", disciplinando-a amplamente. Garante total isonomia entre os trabalhadores contratados diretamente e aqueles ditos "terceirizados". Criaram-se, ainda, os denominados "amortecedores sociais", ou seja, mecanismos de proteção estatal para os trabalhadores em caso de desocupação, que a doutrina italiana diferencia da não-ocupação [45]. Os "amortizadores" agem nas hipóteses de suspensão ou interrupção do contrato de trabalho [46].

A estratégia européia pela ocupação se define mediante quatro tópicos principais: occupabilità, ou seja, promoção de novos empregos, em especial do primeiro emprego para o jovem que está ingressando no mercado de trabalho; impreditorialità, caracterizada pelo fomento ao empreendedorismo; addatabilità, capacidade de adaptação do mercado de trabalho às regras de flexibilização, e pariopportunità, representada por iguais condições de acesso ao trabalho para os trabalhadores dos diferentes estados membros e de diferentes classes sociais [47].

A idéia de flex security, portanto, se resume na necessidade de criar tipologias contratuais que facilitem o ingresso no mercado de trabalho; criar regras mais flexíveis para os que já estão incluídos; investir na longa e progressiva melhoria da qualidade de vida profissional do trabalhador e manter sistemas de proteção social para quem perde o posto de trabalho. É uma tentativa de minimizar a brutal conseqüência de uma flexibilização, reconhecendo, com isso, seu caráter negativo.

Desse modo, a flexibilização das regras trabalhistas vem sendo proposta como a melhor forma de enfrentamento da crise por que passa a relação de trabalho [48]. De acordo com muitos autores, por consistir o deslocamento do Estado da posição de protagonista dos procedimentos regulares, deixando que tal posição seja ocupada pelos atores sociais (sindicatos, empresa), a flexibilização valoriza o direito coletivo, sem significar verdadeira desregulação [49].

Para avaliarmos a correção da tese segundo a qual devemos flexibilizar, interpretando ou suprimindo regras de modo a permitir o amplo desenvolvimento do mercado, precisamos examinar a veracidade da premissa que sustenta o discurso liberal.

1.3 A Crise é do direito do trabalho ou do Sistema Capitalista?

Uma crise se estabelece quando o paradigma, até então satisfatório, passa a não mais exercer sua função pacificadora. Já não serve. Em seu lugar, porém, nada há a ser colocado. A crise faz com que o novo seja construído a partir do que já foi apreendido, com a destruição e a reconstrução constantes [50]. Uma crise gerou a necessidade de intervenção estatal no período do denominado "Estado-providência". Agora, vivemos um novo momento de crise. Devemos, pois, identificá-la. Assim como a crise enfrentada na primeira metade do século vinte, as dificuldades que enfrentamos hoje são agravamentos das conseqüências próprias do sistema capitalista.

É impróprio falar em crise do direito do trabalho ou da própria noção de trabalho humano. A co-relação capital x trabalho mantém-se como pilar que sustenta o modelo capitalista vigente. Basta alçarmos os olhos para vermos que as relações que movimentam o desenvolvimento econômico continuam tendo por base uma pessoa que detém o capital e outra que presta o serviço, seja com que roupagem for.

A crise de paradigma reside no papel que se pretende emprestar ao trabalho assalariado no novo milênio. Vem, pois, de fora da relação capital x trabalho. Nem o trabalho, nem mesmo o capital, mudaram seu significado na estrutura social. O capitalismo é, desde a sua gênese, um sistema forjado para gerar o desemprego estrutural. Suas contradições constituem o motivo para um suposto novo modelo social, batizado de pós-modernidade, porém, desde sempre fizeram parte do modelo adotado. De acordo com Boaventura de Souza Santos, o capitalismo, desde a sua gênese, pode ser identificado por duas contradições que lhe são inerentes. A primeira delas, desenvolvida por Marx, é "simbolizada na taxa de exploração", "exprime o poder social e político do capital sobre o trabalho e também a tendência do capital para as crises de sobre-produção". Ou seja, ao criar necessidades inventadas, o capitalismo gera, necessariamente, produção além daquela necessária à subsistência.

A segunda contradição diz com as chamadas condições de produção. O capitalismo trata tudo como mercadoria, mesmo quando não se trata de um produto humano. Considera o homem e a natureza, por exemplo, como mercadorias. Assim agindo, o capital tem tendência a "destruir as suas próprias condições de produção sempre que, confrontando com uma crise de custos, procura reduzir estes últimos para sobreviver na concorrência". Isso porque o "capital tende a apropriar-se de modo auto-destrutivo, tanto da força de trabalho, como do espaço, da natureza, e do meio ambiente em geral." [51].

Está, pois, no cerne do sistema a criação de necessidades supérfluas e o desenvolvimento de meios e bens capazes de superar a necessidade de mão-de-obra disponível. Os "descartáveis" não surpreendem o sistema. São produtos dele. Logo, a crise que hoje enfrentamos não é uma crise do significado do trabalho assalariado. E, se a crise não esta em um dos elementos do sistema, se a relação capital x trabalho continua sendo o cerne do modo capitalista de organização econômica e social, temos de buscar a causa exógena para o que estamos vivemos atualmente [52].

Já dissemos que a era moderna traz consigo o novo modelo de organização social e econômica. A partir da Revolução Francesa, com a concentração das relações a partir da troca (moeda), instaura-se o liberalismo, inspirado no iluminismo, na idéia de que a razão e o processo constituem fontes para a descoberta de todas as certezas necessárias à vida [53].

O liberalismo é resultado da necessidade vigente à época, de romper com o regime feudal e consolidar o novo sistema. Para fortalecê-lo, era indispensável afastar o caráter intervencionista do Estado. Permitir ao Homem, agora alçado à condição de centro das relações humanas, a capacidade de auto-gestão, sem interferência estatal. Apenas assim as relações de troca – substancialmente individuais – poderiam progredir de modo satisfatório. Seus postulados são a propriedade como direito inalienável e a liberdade de contratação. E o capitalismo efetivamente progride, mas tem de lidar com suas idiossincrasias. A massa de excluídos pressiona o sistema. A exploração sem limites compromete a possibilidade de desenvolvimento (diretamente relacionada ao consumo). As grandes guerras demonstram a necessidade do outro, seja no âmbito da organização jurídica ou econômica, seja no âmbito social. Em função dessa crise, o Estado é chamado a intervir. Quando percebe que a cientificidade não é suficiente para conferir certeza a propósito do mundo que o cerca ou para garantir o sucesso do modelo adotado, o homem perde suas referências e passa a questionar tudo. O questionamento se aguça quando se percebe, diante das atrocidades da primeira metade do século XX, a capacidade humana de ignorar a existência do outro e, ao mesmo tempo, a incapacidade de ser sem o outro [54].

É essa dimensão plural que torna o homem consciente de que a satisfação de seus interesses particulares não é suficiente para garantir a excelência da vida na Terra. Tais interesses muitas vezes são contrapostos às necessidades da comunidade e a limitação daí decorrente permite que os homens não apenas convivam harmonicamente, mas garantam a sobrevivência desse espaço comum. Trocando em miúdos: para o indivíduo pode ser interessante perseguir a riqueza e a comodidade, mas essa riqueza (sob o ponto de vista da comunidade) não pode ser alcançada com o sacrifício de outros seres humanos, cujos direitos fundamentais também precisam ser respeitados. Essa perspectiva valoriza o homem, mas não como indivíduo (como ocorria no período liberal), e sim como sujeito da história, parte de um todo maior em que os demais seres humanos também têm relevância.

A percepção dessa necessidade de mudança de foco, do individualismo para o eu-coletivo, gera a necessidade de ruptura. A ‘derrota do individualismo’ descortina a possibilidade do novo. O direito social do trabalho – e especialmente sua qualificação como direito humano fundamental - é fruto desse período de redescoberta da dimensão plural do homem. Vivia-se uma séria crise, falava-se em "colapso iminente do capitalismo" [55]. Essa crise foi enfrentada justamente com a positivação de direitos sociais, que garantiram a continuidade do sistema, de um modo controlado, mais humano.

Hoje, fala-se em uma nova crise. O capitalismo está atingindo o ápice da sua capacidade de segregação. Não é mais possível conviver com o desemprego estrutural, porque o drama social daí derivado já atinge as esferas mais altas da sociedade, aquelas para as quais o capitalismo se afigura verdadeiramente um sistema adequado [56]. A saída para esse grave problema, porém, não pode ser a supressão ou a mitigação dos direitos trabalhistas, sob pena de imperdoável retrocesso. Desse modo, se atingiria o sistema – pois como já evidenciamos o direito do trabalho é um de seus frutos, tendo por missão, dentre outras, garantir – na medida do possível – sua perpetuidade como modelo econômico e social [57].

O desafio reside, portanto, em superar o paradoxo da vida moderna, atuando a partir do sistema posto. Sim, porque se pudéssemos desfazer os pilares do [neo] liberalismo econômico, engendrando uma sociedade em que a força do mercado não fosse devastadora, poderíamos sonhar com um direito do trabalho centrado na autonomia e na livre negociação. Porém, o sistema capitalista não o permite. E embora a crise atual reflita justamente a necessidade de superá-lo, não há como propor seriamente alternativas que partam da mera desconsideração do sistema vigente. Temos de atuar com a realidade.

O erro de avaliação daqueles que buscam na mitigação da proteção trabalhista a panacéia para os males do sistema pode ou não ser proposital. O certo é que não avalia com responsabilidade as conseqüências da escolha. A supressão ou mitigação de direitos sociais fundamentais em nada poderá auxiliar o sistema. Agravará seus efeitos colaterais, gerando – como já vem ocorrendo – uma massa ainda maior de excluídos.

A percepção de que a crise se instala em razão de causas exógenas [58] permite uma avaliação que desvie do foco. Apenas um olhar amplo permite tal conclusão. Se insistirmos em revisar o conceito de trabalho, de direito do trabalho ou de relação de trabalho, não enfrentaremos nem superaremos a crise. Antes disso, como já pontuamos, mesmo do ponto de vista do mercado, o ataque aos direitos trabalhistas fundamentais constitui um grave erro de estratégia. O mercado necessita de consumidores [59].

As necessidades criadas pelo homem não subsistem, se consumidas apenas por um reduzido número de privilegiados. O mercado precisa de trabalhadores bem remunerados e – sobretudo – com tempo suficiente para consumir. E trabalhadores bem remunerados, com tempo para consumir, pressupõem regras trabalhistas fortes e criteriosamente observadas. A desregulamentação apresentada sob uma roupagem pós-moderna e mal disfarçada no discurso de autonomia e cooperação, abre os flancos para a espoliação massiva dos trabalhadores que – diga-se de passagem – já se encontram à margem do sistema [60]. Esquece-se, portanto, do que a história recente já nos ensinou.

Em realidade, o liberalismo vivido hoje em nada se diferencia do liberalismo clássico [61], senão pela contingência de que o sistema se desenvolveu, aguçando cada vez mais as incoerências que lhe são ínsitas [62] e retrocedeu, ignorando a evolução representada pela positivação dos direitos sociais. Vale dizer, a exclusão social e a necessidade de privilegiar o mercado sempre foram fatores preponderantes no modelo capitalista de produção. O tempo de duração desse sistema aguça naturalmente tais características [63], levando ao colapso em que vivemos atualmente [64].

O retorno à (ou a insistência na) visão da liberdade como modo de proteção individual contra o Estado (própria do discurso liberal-individualista), sob o discurso enganador de que assim ´´capital´´ e ´´trabalho´´ poderiam equacionar livre e equilibradamente suas tensões, constitui, pois, retrocesso inaceitável. Zygmund Baumann observa que a ausência de proteção estatal impositiva teria efeito positivo se estivéssemos vivendo um momento de consolidação da democracia social. Se tivéssemos conseguido romper com o ideal racionalista e liberal, a ponto de compreender a dimensão humana da pluralidade, talvez pudéssemos prescindir das regras que "contaminam", por exemplo, as relações trabalhistas [65]. A necessidade de conferir tutela diferenciada aos direitos sociais passa, justamente, pelo resgate da função social garantidora do direito do trabalho, como instrumento a impedir a coisificação do homem, consolidando sua dignidade e seu papel de centro justificador de toda a organização política e econômica. Ou seja, passa pela simples aplicação do texto constitucional vigente.


2. A Constituição como elemento de consolidação dos direitos fundamentais sociais.

assume importância vital, porque representa esse espectro social. Mesmo a "solidariedade negativa" determinada pela consciência da possibilidade da destruição global (seja por armas atômicas, seja pelo mau uso do ambiente) gera uma noção de responsabilidade política que dela não pode ser dissociada [78].

Note-se que à época do liberalismo clássico, a dignidade humana não era o tema central. Antes disso, partia-se do pressuposto da necessidade de proteção do indivíduo contra o Estado. Um Estado mínimo que permitisse ao homem, individualmente considerado, o desenvolvimento de suas potencialidades individuais [79]. O terror vivido na primeira metade do século passado faz com que a liberdade passe a ser vista como um meio para garantir o processo democrático de formação da vontade política [80]. Adquire importância a diferença entre direitos sociais e patrimoniais [81].

A mudança na visão dos direitos sociais [82] é resultado da crise sobre a qual antes falamos. São as duas grandes guerras mundiais, em especial a segunda, aliadas às descobertas científicas e ao estrangulamento do sistema capitalista, que fazem com que o homem perceba que além da sua importância como indivíduo, existe sua necessidade de viver (bem) em grupo. Uma percepção que é ditada pela crise econômica enfrentada nesse período e que determinou uma mudança de postura "diante do mercado". Para isso, a proteção aos direitos sociais foi percebida como condição de possibilidade de uma organização política e social saudável.

É nesse contexto que surge a noção jurídica de dignidade humana. Em estudo aprofundado sobre seu conteúdo, Ingo Wolfgang Sarlet menciona que ela se caracteriza como a "qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade" [83]. Em razão disso, afigura-se inadmissível a coisificação do homem, a sua utilização como mero instrumento para a obtenção de lucro. E o móvel capaz de sustentar a aplicação desse conceito jurídico de dignidade humana, que figura como centro dos direitos sociais agora vistos como direitos humanos fundamentais, é caracterizado pelas constituições dos Estados. O denominado paradigma da democracia constitucional se estabelece a partir da premissa de que o texto constitucional é o valor fundante de determinado momento histórico-social [84] capaz de legitimar a idéia de dignidade humana.

Assim, a Constituição passa a ser o pacto que justifica e impõe limites à ordem consolidada, constituindo verdadeira metáfora da democracia substancial, na medida em que se sustenta sob a doutrina de direitos considerados fundamentais à organização humana, cuja violação implica a ruptura mesma desse pacto social, legitimando o exercício de um direito de resistência [85].

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é marcada pela idéia de supremacia dos direitos fundamentais e de sua intangibilidade, porque é fruto (tardio) desse período histórico. Já em seu artigo primeiro, nossa carta social refere que o Brasil constitui um Estado Democrático de Direito, tendo entre seus fundamentos "a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa". Marca, portanto, a passagem da concepção jurídica racionalista, para a visão do homem sob a ótica de sua relação com seus pares, ou seja, em sua dimensão plural. Nesse sentido, o novo pacto social inverte a lógica do raciocínio individualista [86], rompendo com o paradigma liberal.

A adoção da solidariedade, da justiça, da valorização do trabalho e da dignidade humana como parâmetro do ordenamento jurídico determina que as regras sejam examinadas sob a ótica da coletividade, sem que se perca de vista o ser humano. Essas disposições constitucionais apenas positivam uma qualidade intrínseca à pessoa humana, que, por isso mesmo, não pode ser ‘concedida’ pelo ordenamento jurídico [87]. A dignidade humana assume função de critério para a construção do conceito de direitos fundamentais [88], e de aferição da incidência de uma proibição de retrocesso [89], que é o que particularmente nos interessa quando tratamos do fenômeno da flexibilização no mundo do trabalho [90].

O trabalho como condição inerente à vida humana constitui expressão dessa nova realidade [91]. As regras trabalhistas, sobretudo aquelas decorrentes das normas contidas no artigo 7º da Constituição Federal, se coadunam com a conceituação de direitos fundamentais sociais. É exatamente por isso que o valor-trabalho é elevado ao status de princípio fundamental do nosso Estado Democrático de Direito e precisa ser visto sob nova dimensão [92].

2.1. Proibição do Retrocesso: Condição de Possibilidade do Direito Fundamental do Trabalho incompatível com a Flexibilização.

Para compreender a noção de proibição de retrocesso em termos de hermenêutica constitucional precisamos, primeiro, entender o que a Constituição Federal de 1988 significa em nosso contexto dogmático-positivista. Em realidade, o que o constitucionalismo, e o garantismo que lhe é inerente, pretendem assegurar é uma nova visão do direito. Uma visão a partir dos direitos fundamentais. Uma visão contaminada pela idéia de que existe um núcleo essencial de direitos que constitui a base sem a qual não há falar em sociedade democraticamente organizada.

Precisamos entender que já superamos a necessidade histórica de consolidação da ordem posta (ideal dos revolucionários burgueses). Passamos por um período negro da história mundial, em que o Homem revelou todo o seu potencial perverso (‘horror nazista’) e finalmente vimos surgir a necessidade de consolidação da democracia econômica e social como garantia da intangibilidade da dignidade humana. Pois bem. A democracia social e econômica [substancial] traz em sua gênese a proibição de retrocesso social [93].

A noção de retrocesso é também decorrência direta da superação do terror vivido durante os governos totalitários que se multiplicaram pelo mundo na primeira metade do Século XX [94]. É a difusão da idéia de que a dimensão plural do homem deve ser garantida mesmo à custa da noção humana individual de necessidade de sobrevivência ou de busca de satisfação imediata. Com essa pré-compreensão de nossas necessidades históricas, forja-se a doutrina da proibição do retrocesso social, de sorte a impedir o retorno à racionalidade pela qual o homem podia ser visto como meio para o atingimento de um resultado desejado.

A partir disso, a doutrina constitucional constrói a idéia de "núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana" [95]. A proibição do retrocesso gravita justamente em torno desse núcleo essencial, de sorte a justificar "a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social" [96], protegendo a humanidade contra um possível retorno à barbárie vivenciada em períodos históricos pretéritos.

É justamente porque ainda estamos comprometidos com o individualismo que marca o início da era moderna (e que é um dos pressupostos paradoxais do sistema capitalista), que necessitamos da proibição de retrocesso. As conseqüências legais da lógica neoliberal demonstram isso [97]. Ainda não há um ambiente capaz de dispensar a proteção estatal, deixando ao livre arbítrio dos particulares a consolidação dos valores que a Constituição Federal de 1988 instaura. Daí a necessidade de compreendermos os direitos trabalhistas fundamentais como direitos indisponíveis, irrenunciáveis e passíveis de ampla proteção estatal, de sorte que as normas infraconstitucionais devam buscar sua máxima eficácia. Daí a necessidade de refutarmos, com todas as nossas forças, a idéia de que o mercado deve sobreviver à custa dos homens, por meio da flexibilização das normas.

O Poder Judiciário Trabalhista tem função especial no que tange à proibição de retrocesso social das normas constitucionais trabalhistas [98], devendo consolidá-las, outorgando-lhes máxima eficácia. O movimento pendular próprio da História deve sempre avançar. Por isso, em lugar de um Estado-providência, vivemos a tentativa de consolidar um Estado Constitucional, que se fundamenta no homem como cidadão, tendo, pois, duplo suporte, formado por "soberania popular e dignidade humana" [99]. Esse duplo fundamento justifica não apenas a existência de normas fundamentais de natureza trabalhista (na medida em que não negligencia o fato objetivo de que o trabalhador está em situação de hipossuficiência em relação a quem detém o capital), como também o preceito da proibição de retrocesso social.

Pela idéia de proibição do retrocesso social tem-se, pois, que eventuais medidas supressivas ou restritivas de direitos ou prestações sociais implementadas pelo legislador devem ser examinadas com máxima cautela, de sorte a que sejam consideradas incompatíveis com a ordem constitucional sempre que atingirem o núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos fundamentais. Aqui reside a incompatibilidade dos princípios constitucionais que adotamos em 1988 com a idéia de desregulamentação ou flexibilização de normas que encerram direitos sociais.

No âmbito do direito do trabalho, a compreensão dessa realidade, somada a tudo o que já foi dito até aqui, faz com que melhor compreendamos a necessidade de reafirmar os direitos trabalhistas fundamentais – e não de mitigá-los.

Aderir à idéia de flexibilização como um modo de "atenuação da rigidez protetiva do direito do trabalho, com a adoção de condições trabalhistas menos favoráveis do que as previstas em lei, mediante negociação coletiva, em que a perda de vantagens econômicas poderá ser compensada pela instituição de outros benefícios, de cunho social, que não onerarão excessivamente a empresa, nos períodos de crise econômica e transformação na realidade produtiva", como define Ives Gandra Martins Filho, citado por João Marcos Castilho Moratto [100], é equívoco que compromete a própria subsistência do modelo social e econômico que adotamos.

A noção de que a proteção aos direitos fundamentais é condição de possibilidade da democracia real, modelo político que se adapta, inclusive, ao modo capitalista de produção vigente, é essencial para que a crise vivida pelo estrangulamento desse sistema possa ser enfrentada (com ou sem êxito). E em nossa realidade atual, devemos perceber – como nos demonstra a história recente – que a idéia individualista de livre negociação como forma de incentivo ao desenvolvimento do mercado (agora globalizado) não resolve nossas mazelas [101].

Em claras palavras: não teremos desenvolvimento econômico satisfativo em um país emergente como o Brasil, suprimindo ou flexibilizando regras trabalhistas. Teremos desenvolvimento apenas se garantirmos um mínimo de direitos sociais fundamentais, a partir dos quais é possível falar em condições dignas de sobrevivência, de contratação e de desenvolvimento.

A flexibilização é, portanto, expressão da idéia neoliberal de retorno ao período de livre negociação, de supremacia das vontades individuais. Um revigoração do liberalismo clássico, cujo esgotamento, como tivemos a oportunidade de examinar, ocorreu em função de elementos históricos, mas também de fatores econômicos. O capitalismo liberal não resistiu à sua própria fúria e recuou, nos anos 30, para sobreviver readequando-se. Agora, o capitalismo regride, esquecendo-se do que aprendeu com os erros do passado [102].

O pêndulo da história deve considerar o passado, para avançar. É inaceitável o puro e simples retrocesso, como pretende a lógica neoliberal, com o desmanche de uma estrutura de direitos fundamentais gestada com dor e sofrimento, a partir da experiência vivida na segunda metade do século XX.

O que foi até aqui escrito revela a incompatibilidade das idéias ditas flexibilizadoras com o direito do trabalho. Ainda assim, por considerarem uma força difícil de ser contida, muitos autores, conquanto façam crítica a essa lógica de retorno à autonomia das vontades, aceitam a flexibilização, propugnando sejam estabelecidos limites para a sua consolidação [103]. Buscam a proteção de um núcleo essencial de direito.

O problema é que a flexibilização em si implica a destruição dessa estrutura rígida de direitos fundamentais protegidos por uma lógica de proibição do retrocesso. A idéia de que é possível flexibilizar, preservando um núcleo essencial de direitos, é uma utopia, porque, como veremos a seguir, a flexibilização atinge diretamente esse núcleo, justamente onde estão localizados os pilares do direito social do trabalho.


3. As Conseqüências da Flexibilização no Mundo do Trabalho e seus Limites (possíveis?).

A Súmula afirma que o fato de a Constituição Federal garantir o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho" [111] implica afastar a regra do artigo 60 da CLT. Esquece, propositadamente, que o mesmo dispositivo que garante o reconhecimento das convenções e acordos coletivos, garante também "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" [112], concebendo regra fundamental da qual o artigo 60 da CLT é expressão de eficácia. Nesse sentido, inclusive, foi aprovado enunciado apresentado em encontro promovido recentemente pelo próprio TST, segundo o qual é plenamente válido e eficaz o artigo 60 da CLT, porque totalmente afinado com os preceitos constitucionais. A conclusão de que autorizar a compensação de jornada significa derrogar todos os dispositivos que determinam limites ou condições para o exercício do direito à prorrogação da jornada mediante compensação é absurda. Admitindo-se tal raciocínio, teríamos de entender derrogada, inclusive, a regra que impede a prorrogação de horário para o trabalho exercido por menor ou nas situações de contrato a tempo parcial. A flexibilização, aqui, é utilizada para suprimir [113] (por via inadequada) texto de Lei plenamente vigente, totalmente consentâneo com os ditames constitucionais, e garantidor de direito fundamental social. E o mais grave é que o agente a propiciar esse verdadeiro ataque à Constituição Federal é o próprio Poder Judiciário trabalhista.

A possibilidade de pactuar regime de compensação de jornada – que já existia desde 1943 – é plenamente compatível com a necessidade de um cuidado maior para as hipóteses em que a saúde do trabalhador pode ser colocada em risco pelo trabalho excessivo. Como já salientamos, a proteção à saúde do trabalhador constitui norma fundamental, explicitada tanto no artigo sexto da Constituição Federal [114], quanto no artigo sétimo [115]. O artigo 60 da CLT é exemplo de norma que visa a reduzir os riscos inerentes ao trabalho, protegendo diretamente a saúde do trabalhador exposto à condição danosa. Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado alerta que do mesmo modo que a ampliação da jornada "acentua drasticamente as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes de trabalho, a redução da jornada diminui, de maneira significativa, essas probabilidades da chamada ‘infortunística do trabalho´" [116].

Castilho Morato também se posiciona em modo contrário ao entendimento do TST, ressaltando que a previsão da Súmula 349 constitui "afronta à saúde do empregado". Salienta que a exposição do trabalhador por maior espaço de tempo a condições insalubres "fere os princípios protetivos à sua saúde, devendo ser mantidos os estreitos limites legais para negociação quando se refere ao bem-estar físico do empregado" [117].

Convém lembrar que se na prática a exigência da CLT inviabilizava a prestação de serviço extraordinário, é porque era exatamente esse o escopo da norma. Não podemos, pois, perder a noção de que o trabalho extraordinário deve ser como tal considerado, ou seja, como circunstância excepcional. Não podemos, também, olvidar o fato de que tanto a carta constitucional quanto a CLT preconizam a necessidade de que o empregador envide esforços para suprimir a situação insalubre de trabalho, mantendo um ambiente adequado.

Soma-se ao argumento constitucional, o fato de que o Brasil é signatário da Convenção 155 da OIT [118], em cujo texto se explicita a necessidade de "por em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho" [119]. O artigo nono da aludida Convenção 155 da OIT refere que o "controle da aplicação das leis e dos regulamentos relativos à segurança, à higiene e ao meio ambiente de trabalho deverá estar assegurado por um sistema de inspeção das leis ou dos regulamentos", emprestando evidente força a normas como aquela contida no artigo 60 da CLT. Do mesmo modo, a Convenção 81 da OIT [120] disciplina que os Estados têm obrigação de manter um "Sistema de Inspeção do Trabalho constituído por servidores públicos, em número suficiente, com garantia de emprego e independentes, recrutados por suas qualificações e adequadamente treinados, para inspecionar a indústria e o comércio, com as funções principais de: Garantir o cumprimento dos dispositivos legais referentes às condições de trabalho e proteção dos trabalhadores".

Assim, as dificuldades práticas traduzidas na demora em obter o certificado do Ministério do Trabalho ou na insuficiência de fiscais, não justificam a derrogação tácita, por manifesta omissão e conivência da jurisprudência dominante, de dispositivo que busca conferir eficácia aos princípios da proteção à saúde e à dignidade do homem que trabalha.

3.2 O artigo 62 da CLT

Embora incompatível com o texto constitucional, esse dispositivo é amplamente utilizado.Trata de empregados que "exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho". Ou seja, não é de qualquer atividade externa que ali se cogita, mas apenas daquelas insuscetíveis de serem controladas pelo empregador. Tratando-se de dispositivo que limita direito fundamental, caso considerado constitucional, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de inversão dos princípios que informam o direito do trabalho. Apesar dessa simples constatação, decisões recentes revelam grande tendência à aplicação ampliada desse dispositivo, para o efeito de autorizar a ausência de controle da jornada, mesmo quando é viável, ao empregador, exercê-la. Também aqui é o exame do artigo 7º da Constituição Federal que traz a medida da interpretação do dispositivo. No texto constitucional, não há exclusão alguma acerca do direito à percepção do adicional de horas extras. A nova ordem constitucional é, pois, incompatível com as disposições do artigo 62 da CLT, que simplesmente nega o direito constitucional às horas extras, àqueles que supostamente trabalham sem controle de horário. Tal raciocínio equivale à idéia de que a Constituição Federal poderia não ser aplicada a determinados trabalhadores. Ou seja, inverte de modo absoluto a lógica do constitucionalismo que justifica nossa organização social como estado democrático e de direito.

Ainda que assim não se entenda, os requisitos do artigo 62 da CLT devem ser cabalmente demonstrados, para que se possa falar em dispensa do registro da jornada. Impõe-se uma interpretação restritiva, de modo a concluir que os trabalhadores insertos nas hipóteses nele referidas "não são abrangidos" pelo capítulo da jornada, mas, uma vez submetidos a trabalho extraordinário, têm direito ao pagamento do adicional de horas extras, porque expressamente garantido pelo artigo 7º da Constituição Federal, sem exceção alguma. Por fim, temos de compreender nos termos do artigo 62 apenas os trabalhadores que realizam, por exemplo, atividade externa efetivamente "incompatível com o controle de horário". Esse é o texto expresso no dispositivo consolidado. Portanto, não basta que as tarefas sejam realizadas fora da sede da empresa. É indispensável que o empregador demonstre, no caso concreto, que a jornada não poderia, mesmo que as partes quisessem, ser controlada de modo eficaz.

3.3 A alteração introduzida pela Lei 9.601-98 acerca do chamado "Banco de Horas".

Trata-se de outro belo exemplo de que é difícil preservar quando se pretende destruir. O Brasil – a partir da Constituição Federal de 1988 – se firma como um Estado Democrático de Direito. Alberga a democracia social como fundamento de seu pacto e estabelece, a partir disso, os valores que devem ser observados pelo ordenamento jurídico. O artigo 7º da Constituição Federal fixa, como já delineamos, garantia de "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho" (inciso XIII), a "jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva" (inciso XIV) e a "remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal" (Inciso XVI). Portanto, a Constituição Federal estabelece como regra a jornada de oito horas. Permite a compensação de horário, mas em momento algum autoriza a supressão ou renúncia prévia ao direito constitucional ao pagamento de horas extras, que também estabelece expressamente (inciso XVI). Em vista disso, o sistema ‘banco de horas’ não se afina com a previsão de valorização do trabalho (art. 1º) e de promoção do pleno emprego (art. 170, VIII), na medida em que permite a exploração do trabalho humano por um número superior de horas, negando a possibilidade de pagamento do adicional constitucionalmente assegurado e evitando com isso (ao menos em tese) a contratação de novos trabalhadores.

Há, ainda, outro argumento. O salário deve ser pago no máximo até o quinto dia útil do mês subseqüente ao da prestação do serviço, na linha do que expressamente prevê o artigo 459 da CLT. A previsão decorre do caráter de negócio jurídico comutativo e sinalagmático que detém a relação de emprego. O pagamento da jornada suplementar se insere na noção de remuneração, por expressa disposição legal (art. 457 da CLT). Seu pagamento, portanto, deve ocorrer no máximo até o quinto dia útil do mês subseqüente. A Lei 9.601-98 simplesmente ignora isso ao prever inicialmente a possibilidade de compensação em até cento e vinte dias, redação que foi alterada, para permitir compensação em período de até um ano [121]. Tal legislação, de uma só vez, ignora o conceito de remuneração, a regra relativa ao tempo do pagamento do salário (e com isso o caráter comutativo da relação de emprego), a noção de hora extraordinária e a obrigatoriedade de pagamento do adicional de horas extras. Como tal, sua redação é incompatível com as normas que regem o direito do trabalho e com o que dispõe a Constituição Federal. Diante disso, o que a lei que institui o banco de horas faz é permitir um retrocesso social inaceitável.

3.4 A Súmula 338 do TST acerca da prova da jornada.

A CLT expressamente determina, ao empregador com mais de dez empregados, a manutenção de registro escrito da jornada [122]. Ao fazê-lo, estabelece um dever diretamente relacionado ao processo. O dispositivo, em realidade, especifica o tipo de prova legalmente aceitável, para o efeito de comprovação da jornada realizada pelo empregado. O faz por inspiração do princípio protetivo que orienta o direito do trabalho e que necessariamente contamina seu instrumento (o processo). A produção dessa prova incumbe ao empregador. A não-apresentação dos registros implica descumprimento de dever do empregador, sujeito, pois, à respectiva sanção. A prova oral, ainda que pretenda desconstituir a tese apresentada pelo empregador, não tem o condão de afastar o imperativo legal pelo qual jornada se prova mediante documento, sempre que houver no estabelecimento mais de dez empregados.

Isso porque se a Lei especifica o meio para a prova de determinado fato e impõe a uma das partes contratantes a obrigação de produzi-la (como no caso da jornada), a sua não-produção implica o acolhimento da tese adversária, como sanção ao dever instituído pelo texto legal. É exatamente essa a dicção do artigo 400 do CPC. Do contrário, bastaria ao empregador descumprir a imposição legal de manutenção do registro escrito, para ver franqueada a possibilidade de elidir a pretensão ao pagamento de horas extras mediante a apresentação de testemunhas em juízo. É exatamente o que está acontecendo, a partir da edição da súmula que, com sua tendência flexibilizadora, acaba por negar ao trabalhador proteção ao direito constitucional à jornada de oito horas e ao pagamento do adicional de horas extras. O Ministro João Orestes Dalazen bem examina o entendimento consolidado, referindo tratar-se raciocínio "kafkaniano", na medida em que beneficia o infrator da Lei [123]. Portanto, a não-apresentação dos registros, quando o empregador está obrigado a mantê-los, ou a exibição de controles inidôneos, não gera mera presunção de veracidade das alegações contidas na petição inicial, mas sim impõe a aplicação da sanção contida no artigo 400, II, do CPC, qual seja, de indeferimento da prova oral. Trata-se de exemplo de flexibilização patrocinada pela jurisprudência, sem o auxílio de intervenção legislativa. A lente foca ao avesso os princípios do direito do trabalho e, ao aplicar a legislação trabalhista, seus operadores negam seu conteúdo substancial.


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Notas

  1. Tanto a Revolução Francesa quanto a Revolução Industrial são acontecimentos relevantes para o estudo da evolução das relações jurídicas de trabalho.
  2. De acordo com Hannah Arendt, inicia-se a fase em que o homem "se aliena" e a alienação (perda do senso comum), com a atrofia do "espaço da aparência", gera uma sociedade fundada no "mercado de trocas", em que "os homens não entram em contato uns com os outros fundamentalmente como pessoas, mas como fabricantes de produtos, e o que neles exibem não são suas individualidades, nem mesmo suas aptidões e qualidades" (ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 221).
  3. O homem passou a ser o centro da organização, desconectando-se da ética, da moral ou da religião. A idéia humanista supera a concepção cristã de organização humana e poder. (SOUTO MAIOR, Jorge Luis. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000, p. 47).
  4. Hannah Arendt salienta que ao lado da teoria de Marx a propósito da filosofia do trabalho na era moderna, estão todas as teorias sobre a evolução humana que concentram esforços em justificar a importância de um processo pelo qual se alcança a verdade e a certeza. Observa que "se o ser e a aparência estão definitivamente separados – e estes, como observou Marx certa vez, é realmente o pressuposto básico de toda a ciência moderna – então nada resta que possa ser aceito de boa-fé; tudo deve ser posto em dúvida". (ARENDT, Hannah, Op. Cit., p. 287).
  5. O telescópio permite perceber o equívoco gerado pela mera percepção visual, que fazia crer que o sol girava em torno da terra. Surge, então, a necessidade de realizar processos nos quais o homem, a sós consigo mesmo, tenha elementos concretos que permitam crer em uma realidade que transcenda àquela percebida de modo sensorial.
  6. Hannah Arendt ressalta, também, que a idéia de Estado encontrada em Hobbes é reflexo dessa visão moderna pela qual tudo deve partir do homem e ser descoberto mediante experimentação – processo. Por isso, a necessária alegoria do Leviatã como um homem artificial. Um ente criado da imaginação do filósofo, capaz de realizar o mesmo processo que o homem individualmente precisa realizar para alcançar o conhecimento e, pois, o domínio do meio em que vive. Acrescenta que "se é da natureza do Ser apresentar-se e revelar-se, é da natureza do Processo permanecer invisível, algo cuja existência pode apenas ser inferida da presença de certos fenômenos" (Op. Cit., p. 310).
  7. Interessante observar que esse ideário racionalista serviu perfeitamente bem aos objetivos da classe burguesa então alçada ao poder. Sua legitimação – na esteira do pensamento da época – não ocorreria, senão por meio de um processo que a declarasse como legítima detentora do poder. E esse processo de legitimação não seria possível com uma magistratura totalmente comprometida com os senhores feudais e desapegada a ritos que a conformassem previamente.
  8. A idéia de processo e de necessária busca da verdade, que caracteriza a era moderna, determina mudanças em várias áreas do conhecimento. A leitura das obras de Carl Gustav Jung, voltadas à psicanálise, são exemplos da extensão dessa influência aos mais variados campos do conhecimento. Em uma de suas obras, Jung menciona que o interesse pelo estudo das neuroses se intensifica no momento em que os homens perdem sua identificação com o mito do "mundo dos ancestrais", ligado à natureza. Na medida em que o homem passa a duvidar de suas impressões e pretende observar a natureza "de fora", muitas pessoas se tornam "vítimas da cisão mental de nosso tempo". C.G.JUNG, Memórias. Sonhos, Reflexões. Compilação e prefácio de Aniela Jaffé. Trad. Dora Ferreira da Silva. 24ª impressão, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005 p. 130.
  9. Ver: BODIN DE MORAES, Maria Celina. Constituição e Direito Civil: Tendências. Revista dos Tribunais, a. 89, v. 779, p. 47-63, set/2000.
  10. CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit., p. 109-10.
  11. Nesse sentido, Paulo Luiz Netto Lobo afirma que a liberdade idealizada pelo movimento francês tinha em vista o homem com patrimônio. Por conseqüência, "livre é quem pode deter, gozar e dispor de sua propriedade sem impedimentos". NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, nº 141, pp. 99-109, jan/mar. 1999.
  12. MESZAROS, Istvan. A Teoria da Alienação. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006, p. 38.
  13. "O processo de estranhamento do trabalho irá contribuir para que o próprio trabalho venha a se transformar no único registro de organização social. Em outras palavras, é o aparecimento do trabalho abstrato, dotado de um valor econômico, que irá reestruturar a lógica das trocas, doravante centrada na economia. Não é por outra razão que, nesse momento, se verá a sociologia estruturar seu objeto de estudos – a sociedade – sempre a partir do trabalho, fixando seus elementos explicativos nas relações sociais de produção (Karl Marx), na divisão social do trabalho (Émile Durkhein) ou na racionalidade (Max Weber) e recusando as diversas outras dimensões que poderiam ser utilizadas para se entender o trabalho e a vida" (BARRETO, Vicente de Paulo (org.). Dicionário de filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 829)
  14. Segundo Marx, o trabalhador só se sente "junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele" MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, p. 82-3.
  15. Assim como o trabalho permaneceria tendo importância fundamental se vivêssemos num sistema socialista ou comunista. Isso reafirma a noção de trabalho como condição de mundanidade, tal como apontado por Hannah Arendt. O homem, sendo um ser essencialmente plural, vive com os outros e seu modo de externalizar essa condição humana é o trabalho.
  16. Como é sabido, o direito do trabalho, como norma, nasce com o fim da Primeira Grande Guerra, quando é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e firmado o Tratado de Versalhes, composto de nove princípios que passaram a regular as relações de trabalho.
  17. No âmbito civil, em que presumida a igualdade entre as partes, o caráter individualista é pouco a pouco substituído por uma visão humanística da ciência jurídica, de sorte que a organização do homem em sociedade passa a ter por objetivo servir, também, para garantir a dignidade de cada um, enquanto membro dessa sociedade organizada.
  18. Soma-se a essa realidade, as péssimas condições de trabalho, em que homens, mulheres e crianças são reduzidos à situação de semi-escravidão. Tais circunstâncias geram, tanto no Brasil, quanto no cenário mundial, um desconforto crescente que logo é traduzido por iniciativas de organização das categorias mais expressivas, de que são exemplos os metalúrgicos dos grandes centros urbanos e os ferroviários.
  19. Assim é que é editada a lei "Le Chapelier", em junho de 1791, tentando restringir a organização sindical, e, em 1826, é reconhecido o direito de associação, na Inglaterra. Surge o Manifesto Comunista e, em maio de 1891, é editada a Encíclica Rerum Novarum, pelo Papa Leão XIII.
  20. Algumas reflexões importantes sobre o assunto são encontradas na obra GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
  21. Citado por BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007, p. 96.
  22. De acordo com Boaventura de Souza Santos, "este maior equilíbrio entre Estado e mercado foi obtido por pressão do princípio da comunidade enquanto campo e lógica das lutas sociais de classe que estiveram na base das conquistas dos direitos sociais.". SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade, 10 ed., São Paulo: Cortez, 2005, p. 244.
  23. Magda Biavaschi, na obra acima citada, elenca artigos do Ministério do Trabalho e da Revista do Trabalho, da década de 30, que insistiam em revelar o que estava acontecendo no resto do mundo, reforçando a necessidade de intervenção estatal para regulação do desenvolvimento econômico. Ver, por exemplo, p. 97.
  24. E da mesma autora a referência: "no Brasil de 1930 grande parte da população estava na zona rural. O proletariado urbano, de formação recente, ainda que tivesse certo acúmulo de reivindicações, não se apresentava com força orgânica capaz de impulsionar um processo de positivação das normas de proteção social de forma eficaz. O substrato material de suas lutas políticas não era igual àqueles da Inglaterra do século XIX, da grande indústria." Op. Cit., p. 100.
  25. Em âmbito nacional, tais regras eram resultado, ainda, do projeto de Getúlio Vargas de "industrializar o país e transformá-lo numa nação moderna, com as massas proletárias integradas e protegidas por meio de normas sociais eficazes", tendo como base o positivismo de Augusto Comte, do qual o então presidente era fiel seguidor (BIAVASCHI, op. Cit., p. 102).
  26. "A segurança da existência quotidiana propiciada pelos direitos sociais tornou possíveis vivências de autonomia e de liberdade (...) que até então tinham estado vedadas às classes trabalhadoras. Mas por outro lado (...) aumentou o peso burocrático e a vigilância controladora sobre os indivíduos; sujeitou estes, mais do que nunca às rotinas da produção e do consumo; criou um espaço urbano desagregador e atomizante, destruidor das solidariedades (...) promoveu uma cultura mediática e uma indústria de tempos livres que transformou o lazer em gozo programado, passivo e heterónomo, muito semelhante ao trabalho. Enfim, um modelo de desenvolvimento que transformou a subjectividade num processo de individuação e numeração burocráticas e subordinou a Lebenswelt às exigências de uma razão tecnológica que converteu o sujeito em objecto de si próprio" (Idem, ibidem).
  27. Essa realidade é percebida a partir da atuação defensiva do sindicato, "como interlocutor legalmente constituído e regulado pelo Estado". MÉSZAROS, István. O Século XXI Socialismo ou Barbárie? Trad. Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 90. Mészaros destaca que o Estado do bem-estar-social foi a última manifestação desta lógica em que pela atuação do sindicato o capital cedia a algumas das necessidades do trabalho, e o foi porque partia da premissa de organização nacional, ambiente no qual os sindicatos foram forjados e se desenvolveram.
  28. Nesse sentido, Mészaros escreve que "na estrutura parlamentar capitalista, em troca da aceitação da legitimidade dos partidos operários pelo capital, tornou-se absolutamente ilegal usar o braço industrial (sindicato) para fins políticos. Isso significou uma severa restrição à qual os partidos trabalhistas se submeteram, condenando dessa forma o imenso potencial combativo do trabalho produtivo de base material e politicamente eficaz, à completa impotência" (Socialismo ou Barbárie, p. 92).
  29. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade, 10 ed., São Paulo: Cortez, 2005, p. 255.
  30. Nesse sentido, Boaventura de Souza Santos alerta que o "princípio da comunidade atravessa transformações paralelas. A rematerialização da comunidade, obtida no período anterior através do fortalecimento das práticas de classe, parece enfraquecer de novo, pelo menos na forma que adquirira anteriormente. (...) As classes trabalhadoras continuam a diferenciar-se (...) as organizações operárias deixam de contar com a lealdade garantida dos seus membros (...) perdem poder negocial face ao capital e ao Estado (...) os partidos de esquerda vêem-se forçados a atenuar o teor ideológico dos seus programas e abstractizar o seu apelo eleitoral" (Op. Cit., p. 88)
  31. Oportuno e perspicaz o alerta de Reginaldo Melhado, quando refere que "a crise de emprego nos países centrais do capitalismo, o enfraquecimento dos sindicatos e a excepcional volatilidade adquirida pelo capital funcionam como fonte de incremento do poder do empregador. O discurso do fim da história e do pensamento único dá alicerce ideológico ao fortalecimento do mercado, visto como um templo diante do qual são imoladas garantias legais de proteção ao trabalho.[...] Quanto maior a flexibilização das relações laborais, menor é a capacidade de negociação do trabalhador e maior, portanto, o poder do capital" (MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do Capital e do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 167).
  32. BARRETO, Vicente de Paulo (org.). Dicionário de filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 830.
  33. Idem, p. 830. "Caberia, portanto, ao Estado transformar-se, introduzindo a idéia de um Estado Providência ativo, formulador de políticas públicas com a nítida preocupação de fomentar a inclusão. [...] Desaparece, assim, qualquer perspectiva de transformação social, de elaboração de um novo modelo social, pois os problemas de conflitualidade interna não mais seriam pertinentes".
  34. Op. Cit., p. 831. O autor salienta que "essa compreensão comporta, entretanto, algumas visões diferenciadas, a partir de uma dupla qualificação do trabalho como categoria sociológica ou antropológica. Na primeira hipótese, o trabalho confundir-se-ia com o emprego, pois ele estaria associado a uma determinada conjuntura histórica – o capitalismo, na qual ele assume um valor de troca – ao passo que, na segunda hipótese, ele não possuiria qualquer valor de troca, não se confundindo com a idéia de emprego. Assim, ter-se-ia que o emprego seria apenas uma forma específica de trabalho, qual seja, o trabalho assalariado. Visto sob este ângulo, o mundo do pós-trabalho corresponderia à saída de um tipo de sociedade estruturada em torno de um único tipo de trabalho – o emprego – para um novo modelo cujo eixo poderia vir a ser a concepção de tempo livre".
  35. "Ainda que alterada, a exploração do trabalho permanece, estabelecendo padrões de dominação, os quais podem ser compreendidos pela luta de classes" (BARRETO, Vicente de Paulo. Op. Cit., p. 832)
  36. Idem, ibidem.
  37. Esta concepção pode ser traduzida pela idéia de que direito do trabalho é instrumento de acomodação das tensões entre o capital e o trabalho mediante ampla possibilidade de concessões recíprocas, e não mais através da garantia de manutenção do denominado contrato mínimo, de acordo com uma visão de trabalho – antes mencionada – desassociada do modelo sócio-econômico em que esta inserido.
  38. BAUMANN, Zygmund. Em busca da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 78.
  39. Idem, ibidem.
  40. Essa realidade pode bem ser traduzida pelo cotejo das normas coletivas que resultam de acordos, dissídios ou convenção firmadas entre sindicatos de categorias econômicas e profissionais. Constituem, muitas vezes, verdadeira carta de renúncia a direitos fundamentais trabalhistas arduamente conquistados e consagrados no texto da Constituição Federal de 1988.
  41. Idem, ibidem.
  42. "Não existe um lar a ser compartilhado pelos descontentes sociais. Com o espectro de uma revolução proletária capitulando e dissipando-se, os ressentimentos sociais estão órfãos. Perderam a base comum sobre a qual era possível negociar e desenvolver objetivos e estratégias comuns". (BAUMANN, Zygmund. Identidade. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 42).
  43. A previsão de arbitragem contida, por exemplo, na Emenda Constitucional nº 45, que impregna a reforma sindical, bem revela essa realidade. Gabriela Neves Delgado, no artigo "O Mundo do Trabalho na Transição entre os Séculos XX e XXI", alerta para o fato de que a idéia de cooperação em voga atualmente mascara a realidade de que o empregado "imerso num mundo invisível de coação e premido pela necessidade de identidade coletiva, muda sua referência e percepção de identidade coletiva, diminuindo sua identificação com os sindicatos e aumentando-a com as empresas, cujos laços de dependência tornam-se mais sólidos do que nunca". (In FREIRE PIMENTA, José Roberto e outros (coord.) Direito do Trabalho. Evolução, Crise, Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 139).
  44. Nesse sentido: ALLEVA, Piergiovanni. Lavoro: Ritorno al Passato: critica del Libro Bianco e della Legge delega al Governo Berlusconi sul mercato del lavoro. Roma: Ediesse, 2002.
  45. Desocupado é o trabalhador que tinha um posto de trabalho e o perdeu. Não-ocupado é aquele que nunca teve trabalho, ou seja, sequer conseguiu ser inserido no mercado de trabalho.
  46. Na Finlândia, as agências de trabalho oferecem indenização de desocupação apenas para os trabalhadores que freqüentarem cursos profissionais, os quais são encaminhados a novos postos de trabalho, mesmo que em profissão diversa daquela exercida antes da desocupação, não podendo rejeitá-los, senão por motivo relevante.
  47. De acordo com Luciano Gallino, a política de flessicurezza pretende, em resumo, "anteporre la sicurezza dell´occupazione alla sicurezza del posto". O resultado, porém, não atinge as causas da flexibilização, fazendo com que o autor a conceitue como "la bizarra idea di curare gli effetti senza minimamente proporsi di incidere sulle cause". GALLINO, Luciano. Il lavoro non è una merce. Contro la flessibilità. Roma-Bari: Laterza, 2007.
  48. Sobre a flexibilização como parte do projeto neoliberal, ver BIAVASCHI, Magda Barros. Op. cit., pp. 292-295.
  49. Nesse sentido, ver: RUDIGER, Dorothee Susanne. Emancipação em Rede: Condições Jurídicas para a Defesa Coletiva dos Direitos dos Trabalhadores no Século XXI. In VIDOTTI, José Tarcio. GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. Direito Coletivo do Trabalho em uma Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: LTr, 2003, p. 71.
  50. Lênio Streck, tratando do direito de modo geral, faz referência à crise de paradigma de dupla face, pela qual o "mercado brasileiro de Direito gerou demandas / expectativas que não têm mais condições de ser atendidas pelo modo liberal-individualista-normativista de produção de Direito". (STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.212).
  51. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós modernidade, 10 ed., São Paulo: Cortez, 2005, p. 124.
  52. Certamente não se pode falar em apenas uma causa para a crise de paradigma que o trabalho, e o direito do trabalho, vivem atualmente. Há falar, isso sim, nos aspectos determinantes desse momento histórico que estamos vivendo, a partir de uma visão histórica da nossa realidade.
  53. BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930-1942. São Paulo: LTr e JUTRA, 2007, p. 59.
  54. Ver, nesse sentido: ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. Trad. Denise Bottmann. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  55. A sociedade produz, dia a dia, um número cada vez maior de marginalizados, pessoas que não consomem e que dependem de um emprego para sobreviver, mas que não o encontrarão, porque ele simplesmente não existe. A progressiva diminuição do número de empregos não é causa, e sim conseqüência. O capitalismo é um sistema que viceja no campo das relações interindividuais, que privilegia o individuo em detrimento do grupo. Enquanto insistirmos em basear nossas instituições políticas, sociais e jurídicas sob a ótica do indivíduo, teremos uma sociedade em que a existência mesma de excluídos é contingencial. Tais afirmações podem levar ao questionamento da necessidade de superação do sistema capitalista, como propugna Istvàn Mèzsaros. Uma reflexão desse calibre, porém, fugiria ao limite proposto para a presente obra. Nosso exame trilha caminho diverso. Se o capitalismo é o modelo econômico e social vigente e se o direito do trabalho é instrumento de manutenção e resistência aos extremismos do sistema, porque há tanta insistência em apontá-lo como um mal a ser extirpado?
  56. A violência urbana é apenas um exemplo disso. Não há mais onde se esconder. Muitas pessoas das classes sociais mais abastadas estão abrindo mão de possuir carros ou roupas de melhor qualidade e maior preço, porque temem o risco de assalto. Ulrich Beck salienta esse aspecto, quando menciona o retorno à centralidade, da dicotomia capital x trabalho, referindo que "os super-ricos se refugiam em novos castelos medievais, vão de helicóptero às reuniões de negócio e percorrem de limusine blindada o mundo dos desamparados, os quais eles temem como inimigos e dos quais dependem como faxineiros, cozinheiros e seguranças. Talvez o conceito de classe apresente um conceito excessivamente idílico da situação" (BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: UNESP, 2003, p. 106)
  57. Eis porque a teoria de que é preciso flexibilizar constitui verdadeiro "tiro no próprio pé". Desregulando, fragmenta-se o sistema, porque historicamente se sabe que o capital não se compraz com pequenas conquistas. Busca sempre mais e mais a exploração do homem na busca pelo lucro. A concorrência no âmbito de um "mercado mundial" é prova dessa realidade.
  58. A percepção de que não existem verdades ou certezas e de que é necessário valorizar a condição plural do Homem, sob pena de enfrentarmos uma nova guerra mundial, desta vez definitiva.
  59. Se o capital realmente prescindisse do trabalho, não veríamos tanto empenho em transmudar a forma clássica de contrato de trabalho [subordinado] em tantas espécies diversas, sempre marcadas pela tônica da flexibilização. Caracterizada como a "ampliação da liberdade na aplicação da norma jurídica" (CASTILHO MORATO, João Marcos. Globalismo e Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte: Editora Inédita, 2003, p. 110) ou "a capacidade de adaptação das normas laborais às grandes trocas produzidas no mercado de trabalho" (BARROS, Alice Monteiro de. Flexibilização e garantias mínimas. Curitiba: Gênesis, 1999, p. 12).
  60. Como aponta Zygmund Baumann, "o trabalho tornou-se flexível, o que em linguagem simples significa que agora é fácil para o empregador demitir empregados à vontade e sem indenização e que a ação sindical solidária - e eficaz - em defesa dos injustamente demitidos parece cada vez mais um castelo no ar. ´´Flexibilidade´´ também significa a negação da segurança" (BAUMANN, Zygmund. Em busca da Política. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 182).
  61. Paulo Luiz Netto Lobo faz menção ao ‘darwinismo jurídico’ como uma realidade instaurada em face dos ideais do liberalismo, que redundou no advento do Estado Social. Aduz que "houve duas etapas na evolução do movimento liberal e do Estado liberal: a primeira, a da conquista da liberdade; a segunda, a da exploração da liberdade" (NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, nº 141, pp. 99-109, jan/mar. 1999, p. 101). É preciso salientar, porém, que o Estado social ainda está sendo construído e não se resume ao Estado do Bem-Estar social identificado com a era Vargas, no Brasil, e, de modo geral, com o período em que os direitos sociais foram positivados nos diversos estados capitalistas. Em realidade, o chamado paternalismo do Estado, em matéria de direitos sociais, implicou avanço parcial, já que não conteve a seqüência de mudanças que originam – na atual pós-modernidade – essa ruptura nas relações de trabalho. Em outras palavras, a pretensa supremacia do capital sobre o trabalho humano, é fruto da evolução social e econômica permitida [e por vezes até incentivada] pelo protecionismo estatal descomprometido. Não precisamos apenas de leis que protejam a parte hipossuficiente da relação de trabalho, mas também – e principalmente - de um novo olhar para os institutos jurídicos que consolidam essa proteção, de sorte a superar a visão individualista que ainda contamina nossa prática jurídica e atender às necessidades das novas demandas que surgem a cada dia.
  62. Se à época da Revolução Francesa havia a necessidade social e política de garantir liberdades por meio da edição de códigos e de abastecer a produção capitalista, para desenvolver a sociedade, hoje vemos vicejar a noção de que o mercado [o capital] deve ser respeitado acima e à custa das pessoas.
  63. "O regresso do princípio do mercado nos últimos vinte anos representa a revalidação social e política do ideário liberal e, conseqüentemente, a revalorização da subjectividade em detrimento da cidadania." (SANTOS, Boaventura de Souza. Op. Cit., p. 255).
  64. Boaventura de Souza Santos sintetiza essa realidade quando menciona que "a articulação entre o isolamento político do operariado e a difusão social da força de trabalho assalariada é responsável pela situação paradoxal de a força de trabalho assalariada ser cada vez mais crucial para explicar a sociedade contemporânea e o operariado ser cada vez menos importante e menos capaz de organizar a transformação não–capitalista desta." SANTOS, Boaventura de Souza. Op. Cit., p. 272.
  65. Vale lembrar lição do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet em uma de suas aulas aos Juízes do trabalho do Rio Grande do Sul no ano de 2006, de que na Alemanha os direitos fundamentais não constituem cláusulas pétreas. Não porque deixem de ser assim considerados. E sim porque não há necessidade de concebê-los de tal modo. A importância e o respeito a tais princípios, como valores fundantes da organização social alemã, inquinam o agir jurídico naquele Estado.
  66. BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007, p. 81.
  67. Magda Biavaschi, na obra citada, refere que "os direitos sociais e as instituições republicanas padecem à força bruta de um capitalismo destrutivo. Abalo que, talvez em parte, possa ser tributado a uma compreensão internalizada por certo senso comum que atribuiu ao "mito da outorga" os sentidos de uma tal produção normativa: uma fala roubada aos trabalhadores que, em troca de ‘concessões’, acabaram submetendo-se aos comandos de um Estado que lhes bloqueava a capacidade de organização e luta" (Op. Cit., p. 295).
  68. Idem, p. 90.
  69. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição; Coimbra: Almedina, 1993, p. 394.
  70. Como explica José Felipe Ledur, em obra dedicada ao estudo dos direitos fundamentais, sua positivação têm como marcos históricos a Declaração dos Direitos do Povo de Virgínia (EUA) em 1976, e Declaração de Independência dos treze dos EUA, no mesmo ano, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França (LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 27).
  71. De acordo com José Felipe Ledur, "a idéia de se proteger a dignidade humana nasceu, pois, da violação de direitos de primeira geração, especialmente a igualdade. Os povos da Europa, que conheceram a tragédia da questão social e as atrocidades das duas guerras mundiais e da guerra civil espanhola da primeira metade deste século, perceberam que a pessoa humana estava à mercê da violência e do preconceito sem limites. Diante disso, o próprio futuro do convívio das pessoas impunha atitude apropriada para salvaguardar a humanidade das investidas e riscos que contra ela se levantaram". LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 83.
  72. Daí decorre a idéia de que "i diritti fondamentali non sono concessi dallo Stato, come forma di autolimitazione del suo potere, ma in qualche modo preesistono ad esso e trovano nel diritto posto dalla Costituzione, il quale si impone a tutti i poteri costituiti" CARETTI, Paolo. I Diritti Fondamentali. Libertà e Diritti Sociali. Torino: Giappichelli Editore, 2005, p. 83.
  73. Nesse sentido, ver: GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, e BAUMANN, Zygmund. Comunidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
  74. Expressão utilizada por Maria Celina Bodin de Moraes, na obra antes citada (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Constituição e Direito Civil: Tendências. Revista dos Tribunais, a. 89, v. 779, p. 47-63, set/2000), e que é por ela atribuída a Umberto Eco.
  75. Exatamente por isso, Maria Celina Bodin de Moraes menciona que "o traço distintivo do novo paradigma resulta da concreta percepção da insuficiência da teoria positivista quando da passagem do terreno das abstrações para o da práxis". (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Constituição e Direito Civil: Tendências. Revista dos Tribunais, a. 89, v. 779, p. 47-63, set/2000.).
  76. CASTANHEIRA NEVES, Antônio. O Direito Hoje e com que Sentido? O problema actual da autonomia do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p. 69.
  77. Nesse contexto histórico, a importância do princípio da dignidade humana repousa no fato de que a não-efetivação do conjunto mínimo de direitos de caráter alimentar nega a possibilidade de sobrevivência digna. É a "suposição de que a identidade de uma pessoa transcende em grandeza e importância, tudo o que ela possa fazer ou produzir" que constitui "elemento indispensável da dignidade humana" ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 223.
  78. Nesse sentido: ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. Trad. Denise Bottmann. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. A autora desenvolve a idéia de que a solidariedade humana só é significativa quando atrelada à noção de responsabilidade política. Menciona que "o idealismo da tradição humanista do Iluminismo e seu conceito de humanidade aparecem como um otimismo temerário à luz das realidades presentes", porque a superação da diversidade (de cada Estado soberanamente considerado) levaria a uma hegemonia destrutiva, desviando a noção de humanidade de sua finalidade real, qual seja, garantir ao homem um estado ideal no qual, conforme Kant, "a dignidade do homem coincidiria com a condição humana na Terra" (pp. 75-85). Em outras palavras, não se pode pretender transformar a Terra em um grande e único império (como desejou Hitler), mas sim garantir as diversidades e a coabitação pacífica dos homens, permitindo-lhes um lugar no ‘mundo da aparência’. Esse lugar é galgado pelo trabalho humano, mediante o qual o homem se revela como ser social. Nesse passo, a solidariedade intrínseca à noção de Humanidade atingiria o viés necessário para o resgate da dignidade humana como foco central das relações intersubjetivas. E é exatamente essa noção de solidariedade que se pretende resgatar por intermédio de uma aplicação comprometida das normas constitucionais trabalhistas.
  79. LEDUR, José Felipe. A realização do Direito ao Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 80.
  80. A denominada teoria dos direitos fundamentais do Estado Social propugna que ao Estado compete criar os pressupostos sociais para a realização da liberdade conferida pelos direitos fundamentais. Nesse sentido: "L´equilibrio si rompe definitivamente e la disciplina dei diritti di libertà si associa ad una concezione dello Stato nella quale anche i limitati aspetti garanstistici della legislazione del periodo liberale tendono a scomparire in nome di una concezione di tali diritti funzionale al mantenimneto dell´ordine politico costituito" (CARETTI, Paolo. I Diritti Fondamentali. Libertà e Diritti Sociali. Torino: Giappichelli Editore, 2005, p. 80)
  81. FERRAJOLI, Luigi. Diritti Fondamentali. 2a. edizione. Bari: Laterza, 2002, p. 15. Luigi Ferrajoli salienta que a indisponibilidade dos direitos fundamentais faz como que não estejam sujeitos ao decisionismo político ou ao mercado.
  82. A conseqüência da natureza indisponível dos direitos fundamentais é justamente a circunstância de que "non sono alienabili dal soggetto che ne è titolare" (FERRAJOLI, Luigi. Idem)
  83. SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Dimensões da Dignidade. Ensaios da Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37.
  84. FERRAJOLI, Luigi. Diritti Fondamentali. 2a. edizione. Bari: Laterza, 2002, p.21.
  85. Luigi Ferrajoli salienta que a constituição nada mais é do que um contrato social, "patti fondativi della convivenza civile". (Op. Cit., p. 21)
  86. Como afirma Lênio Streck, a Constituição de um país é o seu pacto social, é o "topos hermenêutico que conformará a interpretação jurídica". (Op. Cit., p. 215).
  87. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 69.
  88. Idem, p. 98.
  89. Op. Cit., p. 121.
  90. Como observa Ingo Wolfgang Sarlet "eventuais medidas supressivas ou restritivas de prestações sociais implementadas" deverão ser consideradas inconstitucionais por violar o princípio de proibição de retrocesso "sempre que com isso restar afetado o núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos fundamentais", sobretudo quando "resultar uma afetação da dignidade da pessoa humana [...] no sentido de comprometimento das condições materiais indispensáveis para uma vida com dignidade, no contexto daquilo que tem sido batizado como mínimo existencial" (Idem, ibidem).
  91. O trabalho "muda de sentido quando gera a liberdade para o trabalhador-consumidor sem a preocupação apenas com a subsistência ou com a segurança". (FERRARI, Irany. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 2002, p. 71). A função social do trabalho permite "a realização pessoal do trabalhador", que diz com "a dignidade atribuída ao homem pelo trabalho. É o sentimento de que existe e de que é útil à sociedade a que pertence" (Idem, p. 71).
  92. Ernesto Krotoschin define a questão, aduzindo que "el principio del derecho del trabajo es muy simple: el hombre que trabaja tiene derecho a conducir una vida que corresponda a la dignidad de la persona humana" (KROTOSCHIN, Ernesto. Instituciones de Derecho del Trabajo. 2ª ed. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1968, p. 08).
  93. Canotilho se refere à "proibição da contra-revolução social ou da evolução reacionária", pela qual "os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir uma garantia institucional e um direito subjetivo". CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição; Coimbra: Almedina, 1993, p. 338.
  94. Atente-se que aqui não há, como a princípio pode parecer, uma incoerência. Apenas tentamos sublinhar a necessidade de proteção do homem em seu viés social, enquanto ser-com-os-outros, e não individualmente considerado.
  95. Idem, ibidem.
  96. Canotilho assim define: O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais, já realizado e efetivado através de medidas legislativas, deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática , numa "anulação"," revogação" ou "aniquilação" pura e simples desse núcleo essencial. (Op. Cit., p. 340).
  97. Magda Biavaschi, sempre com o olhar voltado à realidade brasileira, dá inúmeros exemplos de textos legislativos e entendimentos jurisprudenciais que, dentro da lógica flexibilizadora, suprimem direitos ou implicam renúncia a direitos indisponíveis. (Ver, na obra citada, pp. 292 e seguintes).
  98. Como assevera Flávio Pansieri "o judiciário funda seus argumentos na preservação do texto constitucional, mas esta atividade está ligada, muitas vezes, em ações positivas para garantia dos Direitos Sociais, como a implementação dos Direitos Sociais ao menos em seus limites mínimos garantidos pela Constituição". (PANSIERI, Flávio. Direitos Sociais, Efetividade e Garantia nos 15 anos de Constituição. In SCAFF, Fernando Facury (Org.). Constitucionalizando Direitos. São Paulo: Renovar, 2003, p. 404).
  99. HABERLE, Peter. A Dignidade Humana como Fundamento da Comunidade Estatal. In SARLET, Ingo Wolfgang (org). Dimensões da Dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 137. Embora Peter Haberle utilize a expressão ‘indivíduo’, deixa evidente que a proteção deve ser outorgada ao homem em seu sentido plural, superando a visão individualista clássica.
  100. CASTILHO MORATO, João Marcos. Globalismo e Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte: Editora Inédita, 2003, p. 111.
  101. Ao contrário, aguça as falhas do sistema, tornando-o mais próximo de um colapso.
  102. Exatamente por isso, Magda Biavaschi, na obra multicitada neste estudo, encerra seu livro questionando "não se estaria, então, optando por caminhos trilhados no século XIX, cujos efeitos destrutivos já se mostraram insustentáveis e que, atribuindo ao mercado a direção dos destinos dos homens, despoja-os das instituições, levando-os a sucumbir ao assalto de moinhos satânicos?" (Op. Cit., p. 300).
  103. Nesse sentido: Maurício Godinho Delgado, Alice Monteiro de Barros, João Marcos Castilhos Morato, entre outros.
  104. BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007, pp. 296-297.
  105. Artigo "Algumas Reflexões sobre a Nova Competência", publicado nas Revistas Plenum e HS Editora, em 2005.
  106. Tanto assim que as principais alterações aqui verificadas são resultados de um conjunto de recomendações do FMI, que se repetem em vários outros países. A Itália é exemplo da país que "aderiu" a uma flexibilização regulamentada, transformando em lei normas que muitas vezes contrariam preceitos essenciais do direito do trabalho. Exemplo claro é a noção, lá gestada, de "parassubordinazione", pela qual se concebe a existência de um trabalhador semi-subordinado, a quem é negada a proteção própria da relação de emprego.
  107. Op. Cit., pp. 297-298.
  108. "Il tempo, infatti, è stato a lungo considerato soltanto come lo strumento di misurazione della durata dell´impegno lavorativo, come il lasso tra l´inizio e la fine dell´erogazione di energie lavorative. L´instanza di "riappropriazione" si è perciò concentrata sin dagli albori della rivoluzione industriale su una limitazione generalizzata dell´orario e delle giornate di lavoro, secondo un processo storico che prosegue ininterrottamente e che ha ispirato la disciplina legislativa e collettiva sui ‘massimi’ di durata della prestazione lavorativa" DE LUCA TAMAJO, Raffaele. Il tempo di lavoro. In Atti delle Giornate di Studio di Diritto del Lavoro. Associazione Italiana di Diritto del lavoro e della Sicurezza Sociale. Milano: Giuffrè, 1987, p. 4.
  109. SüSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS VIANNA. Instituições de Direito do Trabalho. V. II, 11ª edição. São Paulo: LTr, 1991, p. 701.
  110. Nesse sentido, o jurista italiano Edoardo Ghera salienta que "un´analoga esigenza di tutela della persona del prestatore di fronte all´organizzazione Del lavoro è alla base della disciplina limitativa della durata massima della prestazione di lavoro". Só assim, prossegue o autor, haverá efetiva "tutela dell´integrità física e morale del lavoratore". (GHERA, Edoardo. Diritto Del Lavoro. Bari: Cacucci Editore, 2006, p. 119).
  111. No inciso XXVI do artigo sétimo.
  112. Inciso XXII do mesmo dispositivo constitucional.
  113. Arion Sayão Romita menciona que "a autonomia coletiva só poderia expressar-se validamente no sentido de melhorar em benefício do trabalhador os mínimos legalmente previstos", não sendo válida, portanto, para suprimir direito fundamental diretamente relacionado à saúde do trabalhador e, pois, afeto ao núcleo de direitos fundamentais que garantem eficácia ao princípio de proteção à dignidade humana. ROMITA, Arion Sayão. Intervalo Interjornada em turnos de revezamento. Trabalho e Doutrina. São Paulo: Saraiva, n. 22, p. 75-82, set. 1999, citado na p. 140.
  114. Art.6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
  115. "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" Artigo sétimo, inciso XXII, da Constituição Federal.
  116. GODINHO DELGADO, Maurício. Jornada de Trabalho e descansos trabalhistas, 2 ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 20-21, citado na p. 139.
  117. CASTILHO MORATO, João Marcos. Globalismo e Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte: Editora Inédita, 2003, p. 143
  118. Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2, de 1992, em 17-3-1992, e promulgada pelo Decreto 1.254, de 29-9-1994, publicado em 29 de setembro de 1994.
  119. Artigo quarto da Convenção 155 da OIT.
  120. Ratificada pelo Decreto Legislativo n. 95.461, de 11 de dezembro de 1987.
  121. Artigo 2º da MP nº 1.952-18 de 1999.
  122. Art. 74, CLT - § 2º - Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso

123.HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. ART. 74, § 2o, DA CLT. EXPRESSÕES ‘EMPRESA’ E ‘ESTABELECIMENTO’. 1. À luz de uma exegese mais alinhada com os princípios gerais e específicos do direito do trabalho, especialmente o da proteção, não há como deixar de conferir caráter processual à regra do art. 74, § 2o, da CLT, que traz previsão da obrigatoriedade de formação de prova que, pré-constituída pelo empregador, destina-se a amparar o empregado na produção de elementos probatórios destinados à comprovação de jornada de trabalho. 2. Tratando-se de norma cujos objetivos são eminentemente processuais, forçoso convir que, embora impropriamente se refira a ‘estabelecimento’, o comando inscrito no artigo 74, § 2o, da CLT dirige-se à ‘empresa’. 3. Se quem comparece em juízo é, naturalmente, a ‘empresa’ e não o ‘estabelecimento’, e se é sobre a primeira que recai o ônus processual referido, não faz sentido entender que ao segundo se enderece o aludido comando legal. 4. Não repugna, por outro lado, à inteligência da Súmula nº 338 do TST o acolhimento de horas extras após a oitava, com base em inversão do ônus da prova e presunção da jornada alegada na petição inicial, se incontroversa a inexistência de controle de ponto, a que está obrigado o empregador, por lei. 5. O descumprimento patronal de manter o registro de ponto do empregado, em observância à lei (CLT, art. 74, § 2o), equivale a dispor do registro de ponto e recusar-se imotivadamente a apresentá-lo ao órgão judicante quando instado a tanto. 6. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento (TST-RR-416131/1998, 1a T., Red. Min. João Oreste Dalazen, DJU 23-5-2003).


Autor

  • Valdete Souto Severo

    Valdete Souto Severo

    Juíza do Trabalho em Porto Alegre (RS). Especialista em Direito Processual Civil pela UNISINOS. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNISC. Master in Diritto del Lavoro e della Sicurezza Sociale presso la Università Europea di Roma. Especialista em Direito do Trabalho pela UDELAR – Universidade do Uruguai. Mestre em Direitos Fundamentais pela PUC/RS. Doutoranda em Direito do Trabalho na USP/SP.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEVERO, Valdete Souto. O mundo do trabalho e a flexibilização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1946, 29 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11903. Acesso em: 26 abr. 2024.