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A Justiça na indenização por danos morais

A Justiça na indenização por danos morais

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RESUMO

O presente artigo visa esclarecer os ideais que norteiam os argumentos vigorantes acerca dos parâmetros que servem de base para dimensionar e quantificar as indenizações proferidas pelo Poder Judiciário brasileiro em relação às ações propostas com o intuito de requerer uma reparação em face de danos morais oriundos de atos ilícitos praticados por alguém.

A discussão gira em torno, principalmente, da justiça relativamente aos valores das cifras que são imputadas e se elas realmente se revelam eficientes para solucionar o problema em si e levar a vítima a restabelecer o status quo ante, ou seja, o estado psicológico e social em que se encontrava antes da ocorrência do fato danoso.

PALAVRAS CHAVE: ATO ILÍCITO – NEXO DE CAUSALIDADE - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO.


INTRODUÇÃO

O Brasil, a exemplo de diversos países, vem atravessando verdadeira crise valorativa em relação à finalidade essencial, ao real objetivo e função da indenização nas ações propostas em face da responsabilidade civil ensejada em decorrência de danos que atingiram além do patrimônio do jurisdicionado, os denominados danos extrapatrimoniais também conhecidos por danos morais ou imateriais.

Os tribunais do país estão a cada dia mais abarrotados de processos que tratam de matéria dessa natureza, motivados na maioria das vezes por decorrência da banalização da utilização do Poder Jurisdicional do Estado pelo cidadão que anseia por indenizações como maneira fácil de enriquecer-se. O fenômeno muitas vezes faz o estudioso do direito pensar na necessidade de ponderação de paradigmas pétreos vigentes no ordenamento, a fim de não gerar nenhum conflito e, tampouco banalizá-los, mormente no que diz respeito ao espírito preconizado pelo Princípio Constitucional do Acesso à Justiça. Em uma vertente está a sacralidade pela garantia de tal axioma, enquanto de outra banda está o exercício demasiado e inconsciente desse meio estatal.

Assim, quando uma ação é intentada com o objetivo de se obter vantagens exacerbadas e, muitas vezes, até injustas e/ou ilícitas, se vislumbra, em verdade, que o acesso à justiça deve ser racionado e efetivamente regulado. Cabe aos juristas, mais especificamente os que atuam no âmbito do direito civil privado, realizar uma verdadeira triagem, para que seja possível uma análise acurada de cada caso concreto, com o intuito de se averiguar quando e onde cada um desses ideais deve prevalecer, evitando que as demandas existentes possuam um propósito inescrupuloso ou prejudicial. A real essência e o objetivo maior do judiciário que, por óbvio, se deduz ser a justiça, deve prevalecer sempre em detrimento de litigantes que estejam com desejos eivados de má-fé.

Porquanto, o que se verifica, principalmente por parte dos profissionais que militam efetivamente no âmbito forense, advogando em causas cíveis relativas à responsabilidade civil, é a busca cada vez mais acirrada e desordenada pelas indenizações pecuniárias. Muitas das vezes, essas reparações alcançam valores astronômicos e acabam servindo de enriquecimento célere e sem fundamento de uns, em menoscabo do empobrecimento e da instabilidade social, individual, empresarial e financeira de outros.

A legislação em voga profetiza que quem causar dano a outrem será obrigado a repará-lo, a fim de revolvê-lo ou, ao menos tentar restabelecer a vitima ao status quo ante, o que, segundo a lei, se concretiza através de uma indenização pecuniária.

Distintamente da forma em que surgiu nos primórdios da antiguidade, quando a reparação do dano era pautada nos ensinamentos da Lei de Talião, buscando-se limitar os legitimados ativos e passivos pessoalmente, atualmente, não se pode mais submeter um indivíduo a penas que agridam ou prejudiquem a sua integridade física ou moral, pelo que a opção encontrada pelos criadores das leis foi a condenação patrimonial.

Diante disso, o Estado, através de seu longa manus, o magistrado, precisa agir com cautela, pois apesar de vigorar o sistema do livre convencimento motivado, o juiz, sem perceber, pode estar sentenciando e, via de consequência, propagando punições desvirtuadas e equivocadas. Vale elucubrar que o juiz, ao dizer o direito, é um dos mais poderosos meios de fiscalização e controle da desordem nesse aspecto, principalmente ao sancionar jurisdicionados que estejam acionando indevidamente ou com buscas ao enriquecimento ilícito ou sem causa para locupletar-se em face da outra parte.

Portanto, o juiz precisa ser cauteloso e observar atentamente cada caso e, em decorrência do grandioso poder que lhe é conferido em razão de seu ofício, apreciar com cúria as demandas que lhe são dirigidas quando o assunto é indenização por dano moral, remediando a situação a fim de evitar a disseminação de injustiça e com o objetivo maior de arrefecer as ações montadas, simuladas ou até mesmo inventadas por cidadãos que buscam a reparação como forma de fácil enriquecimento.

Ademais, a responsabilidade do julgador é grandiosa, pois a doutrina e a jurisprudência recorrentes coadunam com o entendimento de que o valor da indenização em caso de dano abstrato deve ser arbitrada aos seus auspícios, possuindo liberdade de alvitrar o montante que bem entender no momento da prolação da sentença, sendo que o autor da ação, na maioria das vezes, sequer cogita ou indica o montante financeiro que pretende receber com a ação proposta, demonstrando mais uma vez a sua total ausência de conhecimento acerca do que realmente significa um dano que atinja a honra, a imagem ou outros aspectos abstratos da vida em sociedade.

Em decorrência da liberdade de arbitramento por parte do magistrado, o que se tem vislumbrado nas sentenças desse caráter é a discrepância nos valores atribuídos a título de indenização em face de pedidos similares, o que acaba provocando uma série de questionamentos e reivindicações. No entanto, como bem asseverou Leandro Vieira "É preciso mudar a consciência de quem julga, para que, sensível aos argumentos das partes, observe atentamente o potencial econômico do ofensor, e não do ofendido, arbitrando de forma justa a indenização moral. Sim, porque seja pobre ou seja rico, a dor de quem sofre o dano moral é a mesma"[1].

Assim, a responsabilidade do julgador é bastante pesada e importante a fim de se conquistar um novo modelo de entendimento em relação às indenizações por dano imaterial, sendo que, nesse mesmo prumo Rafael Infante Faleiros e Leila Corsi Diniz Melo concordam que [2]:

Não há meio de coibir a ação indenizatória por dano moral em qualquer caso, mas o juiz pode e deve detectar aquele que a utiliza de má-fé, por indicação do requerido, que fará prova do comprotamento da vítima de forma livre, segundo o art. 332 do Código de Processo Civil. Prudente ao requerido, logo na contestação, suscitar a atuação da suposta vítima, para que isso integre o corpo de questionamentos do processo e não fuja da seara da ampla defesa. No mesmo diapasão, deverá especificar os meios de prova de que se utilizará para desnudar, aos olhos do juiz, a nefasta conduta omissiva da vítima (art. 333 do CPC).

Em suma, portanto, o presente trabalho pretende analisar e levar a repensar o sistema de responsabilização civil reinante na ordem jurídica e legislativa brasileiras, confrontando ideais modernos utilizados por outras soberanias, bem ainda possibilidades mais justas e sensatas que levam a cabo a malévola bola de neve que vem aumentando a cada dia nos fóruns do país.

1.1 Responsabilidade Civil

A palavra responsabilidade se origina do vocábulo responsável, do verbo responder, do latim respondere, que tem o significado de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que praticou[3].

O termo civil refere-se ao cidadão, assim considerado nas suas relações com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir e obrigações a cumprir[4].

Assim, aglomerando-se os dois termos, se tem a locução jurídica ora analisada, que quer significar o asseguramento ou garantia de que alguém que praticou um ato ou omissão danosa em seus relacionamentos sociais será coagido a responder pelos resultados do que causou, restando obrigado a cumprir com todos os deveres legais a fim de reparar os estragos que praticou.

Segundo José de Aguiar Dias "(...) toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito que varia tanto como os aspectos que pode abranger, conforme as teorias filosóficas-jurídicas (...)"[5]

A responsabilidade civil é uma espécie do gênero responsabilidade jurídica que deriva da transgressão, por um ato concreto, de uma norma jurídica pré-existente e abstrata, de modo a impor ao causador do dano a obrigação de indenizar a vítima a fim de transportá-la ao estado emocional a que se encontrava anteriormente ao causamento do dano.

Demais disso, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, que também é chamada de responsabilidade aquiliana; sendo que, na primeira hipótese, basta o descumprimento do que prevê o pacto firmado entre as partes para que ela se configure, enquanto que na segunda, imperioso se faz a configuração de alguns elementos importantes e essenciais, sem os quais não se pode responsabilizar alguém por ato algum.

O ponto nevrálgico e central da responsabilização civil é a existência inequívoca de um dano, eis que sem a configuração de um dano efetivo não há que se falar em responsabilização civil.

Solange Teles da Silva explica que[6]:

O Novo Código Civil brasileiro de 2002 redimensionou os conceitos referentes à responsabilidade civil. O direito à reparação é fundamentado na prática de atos ilícitos, exceto casos especiais que admitem a teoria do risco. (...) A obrigação de reparar pelos danos morais, consagrada pelo texto constitucional, foi incluída na redação do Novo Código Civil.

Nestes termos, o dano moral é tratado atualmente como o efeito de um ato ilícito praticado por ação ou omissão voluntária por alguém que será chamado à responsabilização civil pela vítima que o faz através do poder jurisdicional do estado.

11.Dos Requisitos Imprescindíveis ao Ensejo da Responsabilidade Civil

O antigo Código Civil brasileiro, de 1916, adotou a doutrina da culpa como princípio da responsabilidade civil, através do Livro III, Título II, especificamente no Artigo 159 ao estabelecer que "Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Diante disso, no Antigo Código, verifica-se a existência de quatro requisitos essenciais para a apuração da responsabilidade civil subjetiva, traduzindo-se na ação ou omissão; culpa ou dolo do agente; o nexo de causalidade; o dano sofrido pela vítima.

Já o Código Atual, de 2002, trouxe em seu Artigo 186 que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Neste diapasão, no atual código, além do dano, para que se concretize o ensejo da responsabilidade civil extracontratual, imprescindível se faz a constatação de mais dois elementos, sendo eles: a conduta humana e o nexo de causalidade.

Diante disso, "inocorrendo um desses pressupostos não eclode, regra geral, o dever de indenizar, sendo que a ressalva aqui constante decorre da necessidade de deixar em aberto a hipótese da responsabilidade sem culpa, informada pela teoria do risco e excepcionalmente admitida"[7].

Destarte, o ato ilícito, que se traduz na conduta humana, é a ação ou omissão do agente, sendo importante observar, porquanto, que não advém apenas e tão somente da ação, mas também da omissão, desde que esta venha a causar danos a terceiros.

Portanto, a conduta positiva ou negativa do agente, que se desencadeie consciente e voluntariamente é um dos requisitos básicos para a configuração da responsabilidade civil, sendo imperioso esclarecer que os atos reflexos e involuntários causados por meio de situações alheias a vontade humana, tal qual um sonambulismo episódico, por exemplo, não possuem fundamentos para a responsabilização civil, restando tais situações exoneradas de eventuais responsabilizações jurídicas.

Demais disso, o dano ou prejuízo, um dos tripés da caracterização da responsabilidade civil, tratando-se de elemento fundamental à sua configuração, consiste na lesão a um interesse juridicamente tutelado, seja ele material ou moral, ou seja, patrimonial/concreto ou não.

Contudo, o dano sofrido ou alegado jamais pode ser hipotético, isto é, deve ser certo, existente e real para ser indenizável.

Quanto ao dano moral, houve massiva discussão jurisprudencial acerca da possibilidade ou necessidade de torná-lo reparável através de uma indenização quantificável e pecuniária. Todavia, com a entrada em vigor da atual Constituição Federal do Brasil, sancionada no ano de 1988, essa questão restou absolutamente pacificada, pois ela trouxe em seu bojo, especificamente em seu Artigo 5º, previsão expressa e absoluta acerca da reparabilidade do dano moral ou extrapatrimonial através de uma indenização por parte do agente.

Ademais, além do dano e da conduta humana, impende comentar acerca do terceiro requisito para que se complete o ensejo da responsabilidade civil, qual seja, a relação de causalidade ou nexo causal entre a conduta humana e o resultado, pois é também fator imprescindível para a configuração de responsabilização em face do provocador do dano.

Trata-se de um pressuposto importante, pois, em regra, cabe à vítima demonstrá-lo ao longo da instrução processual. É ônus da prova exigido do autor da demanda, daquele que pretende ver indenizado o dano que alega ter sofrido.

Veja que, com esse requisito, se entende que o dano reclamado pela vítima deve, sempre, guardar nexo causal com a conduta do agente, eis que, existe possibilidade de ter havido conduta humana e dano sem, contudo, existir relação de causalidade entre eles, o que não é passível de responsabilização civil.

Silvio Rodrigues exemplifica a mencionada situação através de um caso de culpa exclusiva da vítima que, quando efetivamente demonstrada processualmente, exonera o agente de reparações. Assim, diz o jurista que, por exemplo, se "(...) a vítima se lançou propositadamente sob as rodas de um automóvel em alta velocidade, pois tinha o intuito de suicidar-se, não surge a relação de causalidade entre o ato imprudente do agente e o evento lamentado"[8].

Em síntese, para haver reparabilidade ou indenização, o ato tem que possuir nexo com o resultado, pelo que, de um modo global se verifica que os três elementos ora apresentados, quais sejam, a conduta humana, o dolo e o nexo de causalidade precisam estar efetivamente detectados para que se possa configurar a obrigatoriedade de se reparar ou indenizar o dano suscitado, nos termos previstos na Teoria da Responsabilidade Civil.

1.2.Responsabilidade Objetiva e Subjetiva

O Novo Código Civil brasileiro inaugura o título da Responsabilidade Civil e o capítulo da Obrigação de Indenizar, através do Artigo 927, que estabelece acerca da Responsabilidade Civil Subjetiva – aquela cometida com culpa pelo agente –, enquanto o parágrafo único do referido dispositivo legal trata da Responsabilidade Civil Objetiva – praticada sem qualquer culpa ou intenção por parte do agente causador da conduta humana danosa.

Saliente-se que a Teoria do Risco, desenvolvida especialmente pela jurisprudência francesa, é resultado do desenvolvimento tecnológico e sustenta a desnecessidade de existência de culpa por parte do agente para que seja configurada a responsabilização daquele que visa auferir um proveito econômico decorrente da exploração de uma atividade de risco.

A primeira lei no Brasil que previu a possibilidade de responsabilização objetiva foi o Decreto nº 2.681 de 1912, conhecida pelo Decreto das Estradas de Ferro. Outros pergaminhos processuais foram sendo editados posteriormente e conseguiram consagrar a Responsabilidade Objetiva como uma realidade no Brasil ao longo do Século XX, tais como as leis de Acidente de Trabalho (Lei nº 8.213 de 1991), as leis de Seguro Obrigatório, conhecido por DPVAT (Lei nº 6.194 de 1974), o dispositivo constitucional que formaliza a responsabilidade civil do estado (Artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988) e a mais conhecida de todas, que é o chamado Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990).

De acordo com o que prevê o Código Civil em relação ao tema, a Responsabilidade Civil Objetiva virá primeiro nas hipóteses previstas em Lei Especial, ou seja, nos casos previstos nos diplomas legais elencados acima.

Em seguida, aplica-se o Código Civil para os casos em que estiver envolvida uma atividade que, em regra, seja desenvolvida pelo autor do dano e implique em riscos para os direitos de terceiros.

Ademais, o legislador civilista preferiu não conceituar a responsabilidade objetiva ao prevê-la na lei em comento, pelo que essa tarefa está cabendo especialmente aos doutrinadores e à jurisprudência desenvolvida pelos tribunais.

Veja que a jurista Solange Teles da Silva[9] ratifica que o Artigo 927 do Código Civil brasileiro estabelece acerca da responsabilidade civil, mas o seu parágrafo único:

(...) adota, em termos genéricos de conduta, a teoria da responsabilidade civil objetiva, que se aplica aos casos previstos em lei e atividades que por sua natureza impliquem risco. A redação desse dispositivo alarga a noção de responsabilidade ao fixar: ‘Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’. Caberá à jurisprudência determinar os caos considerados atividade de risco in concreto, em razão das necessidades sociais.

Verifica-se, neste ideal, que a responsabilidade civil objetiva surgiu como resposta aos anseios sociais oriundos da modernidade, da produção em massa ou em larga escala e, principalmente, por consectário do desenvolvimento tecnológico mundial e globalizado.

Nesse diapasão, o Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, Antonio Pessoa Cardoso[10], bem esclarece quanto a esta peculiaridade que desemboca, inexoravelmente, na idéia de risco da atividade, ipsis verbis:

A expansão cega do capitalismo selvagem conduziu o homem a grandes riscos na atividade econômica. Os perigos localizavam-se no tempo e no espaço, a exemplo da peste ou da fome. Atualmente, deparamos com as catástrofes, fabricadas pelo próprio homem, como a crise da vaca louca, do sangue contaminado, da Talidomida etc. Com a nova realidade, apresenta-se, de um lado, a busca do desenvolvimento, do progresso, do lucro insaciável, da satisfação das necessidades imediatas do ser humano; de outra parte, a indispensabilidade da interferência do Estado, com o fim de proteger o mais fraco, numa sociedade anônima, complexa e desigual.

Produzem-se bens, prestam-se serviços e sua comercialização ocorre com o uso de técnicas de marketing agressivas, induzindo o consumidor a comprar o que não precisa, ater o que é supérfluo e a endividar-se aleatoriamente. O consumo é doentio, motivado mais pela publicidade desenfreada ou pela busca de identificação com determinado segmento social do que mesmo pela necessidade do produto. Na fabricação em série de bens consumíveis, as empresas despejam no mercado alimentos, eletrônicos, máquinas, móveis etc. com defeitos que podem causar danos físicos, materiais e morais ao consumidor.

Portanto, a responsabilidade objetiva veio quebrando paradigmas a fim de proteger a massa humana das adversidades oriundas do desenvolvimento industrial e tecnológico, servindo como instrumento para advertir os responsáveis por fabricação de produtos e/ ou prestação de serviços, para que haja com cautela e que dediquem esforço máximo no aprimoramento do que irão levar ao mercado consumidor.

Por derradeiro, "é importante que se tenha em mente, todavia, que a responsabilidade objetiva não afastou a subjetiva. Esta subsiste como regra, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, nos casos e limites previstos em leis especiais"[11]. Porquanto, ambas as responsabilizações vêm surtindo efeitos e vigorando no Brasil, aplicando-se cada qual ao caso concreto adequado.


2.Dano Moral

O Código Civil brasileiro considera que, quem por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (Artigo 186). Logo, o dano moral é efetiva e absolutamente indenizável no país, cabendo à vítima acionar judicialmente o agente para que responda patrimonialmente pelos danos que causou.

Diante do que estabelece o dispositivo legal supracitado verifica-se que, pela lei brasileira o dano moral possui tônus de ilicitude pelo ordenamento brasileiro e é tratado como tal. Como toda prática de ato desta natureza é combatida através de uma sanção, está expressamente previsto no artigo 927 do mencionado pergaminho legal que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

Segundo Maria Helena Diniz[12]:

O ato ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo (Súmula nº 37, STJ). Logo, produz efeito jurídico, só que este não é desejado pelo agende, mas imposto pela lei. Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de dano patrimonial ou moral, sendo que pela Súmula nº 27 do STJ serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. A obrigação de indenizar é a conseqüência jurídica do ato ilícito, sendo que a atualização monetária incidirá sobre essa dívida a partir da data do ilícito (Súmula nº 43 do STJ).

O dano moral é considerado aquela mancha que não se apaga, se trata de uma lesão profunda e destrutora causada à psique de um indivíduo, enxovalhando os direitos da personalidade e atingindo o aspecto psicológico do ser de um modo generalizado.

Tal dano não se confunde com um simples dissabor ou aborrecimento sofrido em decorrência de relacionamentos corriqueiros no dia a dia, pois precisa ser capaz de espancar a imagem, a honra ou a vida privada da vítima, trazendo-lhe prejuízos estrondosos no âmago de seu ser.

Para o jurista francês Savatier[13], dano moral:

É qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.

Yussef Said Cahali[14] considera que o dano moral é:

A privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) é dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).

Os conceitos são os mais diversos, sendo que a doutrina clássica relutou em afirmar, num primeiro momento, que a reparabilidade do dano moral era passível de se tornar realidade, mormente pela alegação de não haver meio para possibilitar a mensuração ou quantificação exata para o preço da dor ou da angústia em estados extremos.

Contudo, já numa segunda fase, passou-se a entender que o dano moral poderia ser alvo de reparação, mas com ressalvas, ou seja, o dano moral só poderia ser reparado desde que fosse consequência de um dano material sofrido pela vítima.

Num terceiro momento, no entanto, a matéria foi pacificada no Brasil com o advento da Carta Magna de 1988, que trouxe em seu Artigo 5º, V e X, a possibilidade de reparação pelos danos morais sofridos pela vítima independentemente de ter sido ocasionado em decorrência de um dano material.

Atualmente esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça do país, assentando seus julgados no sentido de que o dano moral é autônomo e existe independentemente de haver sido praticado em coexistência com um dano material e palpável, inclusive em decorrência de danos estéticos sofridos pela vítima, havendo inúmeros acórdãos tratando e ratificando o assunto nesse sentido.

Indubitavelmente, o nascedouro da ideologia para reparação quanto aos danos morais foi na França, que influenciou o entendimento de diversos outros países espalhados pelo mundo afora, em todos os continentes.

O dano moral traduz na lesão causada em face dos direitos da personalidade, que representam a honra, a imagem e a vida privada do cidadão.

Por se tratar de uma dor incomparável, sofrida no âmago de um ser, provocando intempéries no aspecto psicológico da vítima, que por consequência é humana e provida de sentimentos e pensamentos, tem sido bastante questionada a possibilidade de haver responsabilização, em seu aspecto moral, de um dano causado a uma pessoa jurídica, ou seja, a um empreendimento, entidade ou empresa.

Parte da doutrina entende, em decorrência disso, que a pessoa jurídica não pode sofrer dano moral, eis que é desprovida de dimensão psicológica; que toda repercussão que sofre é econômica ou financeira e não moral. Contudo, este entendimento é minoritário e prevalece o ideal de que uma pessoa jurídica pode, sim, sofrer dano moral.

Outra corrente doutrinária, que também está acompanhada pela jurisprudência brasileira, defende que a pessoa jurídica está passível de sofrer dano moral, nos termos da Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece expressamente que "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

O referido verbete foi ratificado pela legislação pátria, quando através do Artigo 52 do Código Civil determinou que "Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade".

Assim, pela lei brasileira, tanto pessoas físicas quanto jurídicas estão sujeitas ao sofrimento de danos morais e, via de conseqüência, ambas possuem o direito legal de buscar a reparação decorrente dos prejuízos eivados dessa natureza.

Para passar à análise do próximo tópico, interessante deixar claro que no Brasil o dano moral tomou proporções avassaladoras a título de popularidade. É a locução de ordem que caiu no gosto e na boca dos brasileiros.

Segundo o advogado e professor universitário Leandro Vieira[15], arriscou a dizer que, de cada dez notícias jurídicas que lê por dia, pelo menos uma faz referência ao tema e arremata sua assertiva acrescentando que:

Sociólogos e filósofos devem se horrorizar ao ver essa mítica palavra (moral) na boca de tantos. Afinal, a compreensão das questões que envolvem a moral, até poucos anos atrás, sempre foi de propriedade de poucos abençoados. Hoje, na contramão daquele pensamento, percebemos que uma tsunami de ações judiciais envolvendo a matéria já nos cobre, quase impedindo-nos de enxergar o horizonte ou ter mínima idéia de quando a "onda vai baixar".

Volatilizou-se o uso do "direito moral", como espécie de direito ou atributo da personalidade, e, hoje, o mais despreparado acadêmico de Direito já sabe informar o seu vizinho de que se ele cortar a mão ao abrir a lata de extrato de tomate terá direito à indenização moral. Aliás, como orientador de prática jurídica em faculdade de Direito, posso afirmar, de cadeira, que por muito menos se tem buscado a jurisdição!

E essa perspectiva de certezas e incertezas faz com que alguns enxerguem a inegável "avalanche" de ações que buscam indenização moral como o Armagedon Judiciário, numa clara missiva apocalíptica. Então, como se já não bastassem os inúmeros projetos para eliminar recursos e "impedir" acesso à jurisdição, agora a estratégia é descobrir um meio de barrar as ações de indenização moral. Isso mesmo! Hoje a moda é descobrir um jeito melhor de impedir a população – aquela mesma que tem o precioso direito de voto em época de eleições – não receba aquilo que o Estado, quando atraiu para si o monopólio da jurisdição, lhes prometeu.

Numa atitude quase "revanchista", juízes e tribunais têm reduzido bruscamente o valor das indenizações morais, claramente no intuito de desestimular o ajuizamento de ações dessa natureza.

Assim, essa é aquela idéia prefacial desenhada na introdução do presente trabalho, levando a crer que o próprio Poder Judiciário servirá como meio de inibir o acesso indiscriminado por via de ações esdrúxulas e sem nexo, arrefecendo o ritmo acelerado de ações com mérito único e exclusivo de sofrimento moral.


3.O Preço da Dor

Nesta linha de raciocínio, muitos questionam quanto vale a dor quando o assunto é indenização por danos extrapatrimonias e, porque impalpáveis, incalculáveis e abstratos, a dificuldade ou a quase impossibilidade de se atribuir quantificação pecuniária exata que represente adequada e aritmeticamente tal numerário só aumenta.

As cifras são diversas, distintas para casos similares e até controversas e muitas vezes confusas. No Brasil não existe um parâmetro uniforme ou uma tabela taxativa ou elucidativa para serem utilizados pelos julgadores dos tribunais e varas espalhadas pelas mais variadas regiões do enorme território, em decorrência disso, as discrepâncias de quantias absolutamente diferentes e distantes estipuladas judicialmente a título de indenização em casos muito parecidos são constantes e esdrúxulas, até mesmo incoerentes e inexplicáveis.

A título de exemplo, existem julgados na região Norte exarados por alguns juízes, que entendem um caso típico de indenização por dano moral in re ipsa, ou seja, que prescinde de prova para ser demonstrado ou comprovado, por inserção indevida do nome do cidadão em serviços de proteção ao crédito, como totalmente reparado através do montante médio de 3 mil reais, enquanto que no Sudeste do país o valor mediano em casos equiparados já é bem mais elevado, cerca de três vezes maior.

Assim, para uma pessoa leiga, que não possua conhecimentos técnico-jurídicos ou não conheça o funcionamento e a aplicação do direito na prática forense brasileira, seria induzida a acreditar que a população que vive na região Sudeste do país tem o moral mais elevado do que os brasileiros que residem no Norte, pois a ausência de parâmetros uníssonos acaba criando situações e julgados muito discrepantes para casos idênticos.

Contudo, tais agruras e contra-sensos se originam exatamente da ausência legal de um patamar ou universalização acerca do entendimento quanto ao valor em dinheiro a ser atribuído ao provocador do dano e, mesmo que isso não fosse possível, devia existir, ao menos, uma norma que estabelecesse parâmetros e regulamentasse o teto mínimo e máximo em pertinência aos casos mais corriqueiros e reincidentes.

Porém, isso não acontece exatamente porque o Estado não pretende engessar o poder dos magistrados, que possuem plena liberdade para decidirem em cada caso o quantum indenizatório mais adequado, todavia, esse quantificador é resultado de uma decisão humana e, via de conseqüência, passível de equívocos e injustiças, o que merece maior atenção e estudo.

Existem dois Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional e que tratam acerca do tema, sendo um deles o Projeto de Lei nº 7. 124 de 2002.

Segundo Clayton Reis[16]:

A ausência de disposição legislativa em nosso ordenamento jurídico, contudo, tem sido a causa das dificuldades no processo de fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais. E, por este motivo, têm sido sugeridos critérios variáveis, para o efeito de produzir valorações que guardem relação de equivalência relativa com o prejuízo gerado pelas ações antijurídicas.

Por decorrência desses percalços, são crescentes nos últimos anos os entendimentos que sustentam que a indenização por danos morais deve ser tarifada, ou seja, devidamente tabelada, através do estabelecimento de limitações expressas, a exemplo da Lei de Imprensa.

Os parâmetros utilizados para fundamentar esse pensamento é a verificação da condição econômica da vítima como critério de reparação, dentre outros, utilizando-se como alicerce o velho jargão: "Tratai igualmente os iguais e desigualmente os desiguais", nos termos igualmente coadunados pelo jurista Leandro Vieira eu seu artigo publicado na Revista Consulex ao tratar acerca do tema[17]:

Condenar o pequeno comerciante a indenizar o ofendido em cinco mil reais pode significar sua bancarrota; já condenar um banco ou empresa de telefonia nesse mesmo valor é estimular que continue lesando seus clientes. Isso sem contar com o aspecto do controle de qualidade e segurança nos serviços que essas empresas deveriam manter oficiosamente, dado o enorme público alvo de seu comércio.

Assim, quem discorda desse modelo, rebate alegando que se pode colocar em risco o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, privilegiando uns em face de outros, dando tratamento desigual aos sujeitos de direitos e obrigações.

Destarte, imperioso se faz analisar o sistema nacional vigorante a fim de identificar sua eficácia e equalização com os anseios sociais, bem ainda se está sendo instrumento propagador de iniquidades ou usurpações legalizadas conhecidas por abuso de direito, que se trata de um ato abusivo, nem lícito, nem ilícito, mas que pode estar desaguando em injustiças irreparáveis em muitos casos.

Assim, se "(...) a manutenção da ordem jurídica pelo Estado nada mais é que uma luta ininterrupta contra as transgressões da lei, que representam violações da mesma"[18], mas se, entretanto, a essência da norma em si for uma injustiça, de nada adianta buscar a manutenção da ordem jurídica preconizada ideológica e filosoficamente, vez que, em verdade, estaria sendo uma manutenção da ordem jurídica às avessas, por se alcançar apenas o ideal da letra da lei, não promovendo iustitia, mas apenas um entendimento legiferante injusto e incapaz de alcançar os anseios de ordem e progresso social.

Até mesmo porque não necessariamente o direito é justo, moral ou ético, pois é um poder concedido por lei, através dos representantes da nação democrática, destinado a tutelar alguma coisa.

À vista disso, em verdade, no direito se busca a coexistência pacífico-social, ou seja, uma organização social mais ou menos pacífica entre os indivíduos, independente de essa norma abstrata inserida no ordenamento jurídico e capaz de conferir direitos ser imoral ou anti-ética ou até mesmo injusta, será válida e prosperará perante os sujeitos de direito.

De acordo com a célebre explanação dos juristas Carlos Frederico Maroja de Medeiros e Hugo Leonardo Duque Bacelar[19]:

A doutrina, após muitas discussões, aponta com muita clareza as diretrizes a serem observadas para a fixação do quantum indenizatório, sendo as principais: a) extensão do dano; b) porte econômico do agente; c) porte econômico da vítima; d) grau de reprovabilidade da conduta; e e) grau de culpa.

Ótimo, agora temos regras... Porém completamente subjetivas e de dificílima aplicação.

(...)

A esperança na justiça e na ordem constitucional aos poucos vai esmorecendo... Indenizações que se consubstancia, na realidade, em novos atos lesivos à honra dos jurisdicionados sob o manto da "razoabilidade"; grandes impérios econômicos condenados ao pagamento de valores individuais irrisórios; lesões indenizadas a maior aos mais ricos como se a dor destes fosse mai doída do que a dos pobres, que já (sub)existem num mundo em que a Constituição Federal é apenas um periódico que se pode encontrar em bancas de revistas.

Ou seja, a garantia constitucional ínsita no inciso X do art. 5º e as normas infraconstitucionais pertinentes se consubstanciam em presente divino, mas o resultado da atuação humana pela sua aplicação leva a uma única conclusão: Os Deuses Devem Estar Loucos!

Em síntese, enquanto uns defendem a tarifação e outros defendem a liberdade do magistrado em arbitrar os valores indenizatórios, o país continua sofrendo com a discrepância entre julgados que tratam de assuntos tão iguais, com sentenças tão desiguais.

3.1.Indenizações astronômicas

Existem em alguns tribunais espalhados pelo mundo, histórico de indenizações milionárias, proferidas através de sentenças contendo cifras extravagantes e astronômicas, situação que gera pontos de vistas dos mais variados.

De acordo com o entendimento do Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Francisco César Pinheiro Rodrigues[20]:

Indenizações desse tipo só estimulam a cobiça. Filhos e sobrinho de ex-fumantes torcerão para que o velho, ou a velha, morra de câncer para se tornarem milionários. Bastaria, no caso, além do dano material e moral, uma indenização punitiva de umas ouças dezenas ou centenas de milhares de dólares para desestimular o tabagismo, induzindo os fabricantes de cigarro a mudar de ramo progressivamente. Se o juiz é um ardente inimigo do cigarro – é seu direito – não pode usar o seu cargo para arrasar empresas e, ao mesmo tempo, enriquecer extraordinariamente possíveis parasitas, parentes do morto, dispensados de trabalhar – eles e seus descendentes – por várias gerações. Se o tabagismo é mau – como realmente é – cabe ao legislado desestimular o vício através de impostos altos, um dinheiro que beneficiaria toda a população e não apenas uns poucos felicíssimos herdeiros e cônjuges do falecido.

(...)

Que se fixe uma indenização punitiva, estimuladora da boa prática comercial, mas que não se incentive a transformação da Justiça em uma variante da Mega-Sena, enriquecendo uns felizardos que tiveram a "sorte grande" de sofrer – eles ou seus pais – um dano qualquer.

Arremata, nesse mesmo ideal, Marcelo de Rezende Bernardes[21] ao pronunciar que:

Entendemos que a justiça social no País não se fará copiando os Estados Unidos, v.g., país dito "desenvolvido", em que é autorizado o pagamento de valores astronômicos decorrentes de processos indenizatórios movidos contra empresas, muito embora a culpa do cliente-consumidor na concretização do dano, em inúmeras situações, seja clara por demais.

Cremos que se a importação dos excessos praticados por maus consumidores lá fora continuar (como muitos almejam!), o resultado, em breve espaço de tempo, será nefasto para a sociedade brasileira.

Por tudo isso, o que se verifica é que a realidade do Brasil e, até mesmo dos demais países integrantes do Bloco MERCOSUL, é a ausência de se possibilitar uma comparação tanto econômica quanto estrutural em relação aos países norte-americanos; porquanto, além de a força potencial daqueles países em si ser maior, as empresas que lá estão estabelecidas possuem um potencial econômico incomparável com a maioria da empresas daqui.

Advoga nesse mesmo sentido o causídico Sérgio Gabriel[22] ao coadunar que "Nesta seara, mais do que nunca, há de reter-se não consistir a responsabilidade civil em fonte de enriquecimento para o ofendido. Os critérios da razoabilidade e proporcionalidade são recomendáveis, para sem exageros, atingir-se a indenização adequada".

Em suma, cada qual no seu lugar, que o Brasil estabeleça, através de seus julgadores, parâmetros lógicos e adequados com a sua realidade, a fim de evitar despropósitos e principalmente a bancarrota de empresas que cumprem a sua função social, mormente quanto à geração de empregos.


4.Modelos eficazes adotados por outros países

Diante de todo o estudo realizado é possível verificar que o sistema adotado no Brasil vem gerando conflitos e desvios de finalidade em decorrência de enriquecimento desarrazoado e sem causa de uns em detrimento do desfalque patrimonial de outros, a exemplo dos paradigmas utilizados principalmente nos Estados Unidos.

Inclusive, diferentemente do ideal adotado no direito de família para o estabelecimento de pensão alimentícia, nos casos de indenização por danos morais o juiz não observa o binômio possibilidade/necessidade para aplicação do montante indenizatório, o que acaba gerando insolvência de muitos indivíduos no país, gerando problemas de ordem social e financeira ao condenado.

Nada obstante, apesar de pouquíssimo utilizado na prática, o legislador civilista trouxe através do Artigo 944, inovação interessante, considerada uma atenuante legal, que permite ao magistrado reduzir o valor da indenização em casos que verificar a desproporção entre a gravidade da culpa e o dano efetivamente causado.

Via de consequência, como a denominação utilizada na letra da lei inseriu a proporcionalidade relacionada à idéia de culpa, imagina-se que este redutor não se aplica nos casos de Responsabilidade Civil Objetiva, eis que nesse setor não existe análise acerca da culpa, requisito imprescindível para aplicação da redução legal, hermeneuticamente falando.

Neste ideal, o Brasil pode mudar seus axiomas e começar a implantar em seu bojo forense, ideais alienígenas, mas que se adéqüem melhor à sua realidade.

Neste esforço, vale trazer à baila os mecanismos adotados por outros povos, de países mais desenvolvidos, para acrescentar no aprendizado e na edificação do direito brasileiro, a fim de possibilitar seu implemento de forma coerente e satisfatória, tornando-se instrumento realmente apaziguador e eivado de soluções, deixando de fomentar problemas de outras ordens quando da aplicação de penas pecuniárias exacerbadas e desprovidas de equidade.

A exemplo dessa pá de cal, desde o ano de 1974 a Nova Zelândia proibiu a propositura de ações indenizatória por danos morais, pelo que passou a vigorar o esquema da efetiva compensação da vítima, ou seja, somente se pode compensar os danos que foram realmente desencadeados através do pagamento do que se despendeu pecuniariamente para resolver o problema causado pelo agente.

O país, através do Informe Wood House de 1967, critica o sistema de responsabilidade civil até então vigente, argumentando que tal fórmula se trata de mera ficção legal, e que a responsabilidade objetiva carece de justificação moral que, ao menos, se exige na responsabilidade por culpa; que o sistema judicial é tão arriscado que pode ser considerado uma loteria; que a demora no julgamento impede a reabilitação da vítima; que o pagamento de uma única soma não responde pelas necessidades da maioria das vítimas e não soluciona efetivamente os problemas; e que o pagamento de somas excessivas às vítimas geram enriquecimento sem causa, o que é prejudicial tanto para condenados quanto para a sociedade como um todo.

Por tudo isso, o país adota cinco princípios para buscar soluções nesse sentido, sendo eles o da Responsabilidade Comunitária, o da Legitimação Ampla, o da Reabilitação Efetiva, o da Compensação Real e o da Eficiência Administrativa.

Assim, seria equânime a aplicação da compensação dos valores efetivamente despendidos pela vítima a título de tratamentos necessários ao restabelecimento do estado psicológico ou físico, por exemplo.

Neste diapasão, impende trazer à baila a ideia de que, se não há defeito, não há responsabilidade. Se, por exemplo, no caso da teoria do risco, onde não há necessidade de culpa, um produto causou reação alérgica em um indivíduo em particular, mas no produto em si não foi detectado nenhum defeito, não há que se falar em reparação de dano ou em responsabilização civil, eis que o suposto "problema" estaria no organismo do usuário e não no produto utilizado; tal qual nos casos de vacina que causam reações adversas à proporção de um em um milhão.

Destarte, o direito precisa ser coeso, precisa sopesar cada caso e averiguar se a responsabilização e a indenização são efetivamente meios de propagação de justiça social ou se somente se traduzem num "repeteco" a mais, numa cópia de outros julgados pré-existentes, causando prejuízos, injustiças e incoerências.


CONCLUSÃO

Em face da análise revelada ao longo do presente estudo, verifica-se a necessidade de revisão dos ideais disseminados acerca da responsabilidade civil gerada em face de danos morais, eis que o sistema vigorante no Brasil vem se mostrando ineficiente, incapaz de solucionar definitivamente a questão e extirpar as consequências causadas pela conduta humana danosa.

Assim, assimilando a essência de modelos mais avançados, constata-se a possibilidade de evolução dos métodos utilizados, que muitas vezes parecem mais uma barganha para ganhar a confiança do mais fraco, iludindo-o com quantias que, em verdade, não resolverão efetivamente a problemática advinda do dano sofrido.

De modo sucinto, o que se desejou demonstrar com a presente pesquisa, é que existem outras formas de buscar soluções aos casos oriundos de dano extrapatrimonial, que não sejam as indenizações pecuniárias, pois muitas vezes estas não se mostram capazes de trazer alívio ou remediar decisivamente o nascedouro da dor da vítima.

O montante recebido pela mesma na maioria das vezes acaba sendo utilizado para finalidades diversas da procura pela solução do seu problema e até mesmo para despesas e compra de bens para terceiras pessoas, como familiares e amigos, por exemplo.

Em suma, a essência da indenização paga a título de danos morais está sendo desvirtuada, pois enquanto a vítima recebe quantias horrendas, seu problema continua se proliferando, vez que o dinheiro pode estar sendo utilizado de modo ineficiente, para outros fins, enquanto que seus traumas e sofrimentos sequer chegam a ser tratados.


NOTAS

[1] VIEIRA, Leandro. Dano Moral: O que é isso, afinal? REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 225. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 31/05/2006.

[2] FALEIROS, Rafael Infante e MELO, Leila Corsi. Dano Moral: Análise do comportamento da vítima para determinar-se a sua exitência e quantificação. REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 236. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 15/11/2006.

[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[4] Idem

[5] DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. vol. 1. 10. ed. 2.tiragem. Rio de Janeiro/Brasil: Forense, 1995. p. 01.

[6] SILVA, Solange Teles da. Responsabilidade Civil Ambiental. In Philippi Jr., Arlindo e Alves, Alaôr Caffé (editores). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo/Brasil: Manole, 2005. p. 428.

[7] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. Vol I. p. 309.

[8] Op. Cit. p. 310.

[9] SILVA, Solange Teles da. Responsabilidade Civil Ambiental. In Philippi Jr., Arlindo e Alves, Alaôr Caffé (editores). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo/Brasil: Manole, 2005. p. 428.

[10] CARDOSO, Antonio Pessoa. Risco da Atividade. REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 233. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 30/09/2006.

[11] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo/Brasil: Malheiros Editores, 2002. p. 33.

[12] FIUZA, Ricardo (Coord.), DINIZ, Maria Helena, SILVA, Regina Beatrriz Tavares da, et. al. Novo código civil comentado. São Paulo/Brasil: Saraiva, 2002. p. 184.

[13] In PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro/Brasil: Editora Forense, 1989.

[14] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2. ed. São Paulo/Brasil: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 20.

[15] VIEIRA, Leandro. Dano Moral: O que é isso afinal? REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 225. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 31/05/2006.

[16] REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 119.

[17] Op. Cit.

[18] VON IHERING, Rudolf. A Luta pelo Direito. p. 22.

[19] MEDEIROS, Carlos Frederico Maroja de Medeiros e BACELAR, Hugo Leonardo Duque. Necessárias Críticas aos Critérios para a Fixação do Quantum nas Indenizações por Danos Morais. REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 225. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 31/05/2006.

[20] RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Indenizações Punitivas e a Suprema Corte Americana. REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 238. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 15/12/2006.

[21] BERNARDES, Marcelo de Rezende. Indenização por Dano Moral Vira Moda. REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO X - Nº 231. Brasília/Brasil: Editora Consulex Ltda., 31/08/2006.

[22] GABRIEL, Sérgio. Dano Moral e Indenização. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2821. Acesso em: 20 nov. 2008.


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VON IHERING, Rudolf. A Luta pelo Direito. Rio de Janeiro/Brasil: Editora Rio, 2002.


Autor

  • Paula Veit Volpato

    Paula Veit Volpato

    advogada, jornalista, professora; Pós-Graduada em Direito do Estado pela AVEC/RO, MBA (Master in Busines Administration) em Planejamento Financeiro pela FGV, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela LFG/UNISUL, Mestra em Direito Internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, Doutoranda em Ciência Jurídicas pela UMSA de Buenos Aires.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VOLPATO, Paula Veit. A Justiça na indenização por danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2147, 18 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12895. Acesso em: 26 abr. 2024.