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Justiça alternativa do trabalho.

Necessidade ou ficção?

Justiça alternativa do trabalho. Necessidade ou ficção?

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SUMÁRIO: Introdução. I - Direito Alternativo: Surgimento; Conceituação e Importância. II - Aplicabilidade do Direito Alternativo nos Vários Ramos Do Direito. III – O Direito do Trabalho e os Conflitos Trabalhistas no Brasil. IV – O Papel do Ministério Público na Solução desses Conflitos. V – Justiça Alternativa do Trabalho: Necessidade ou Ficção ?. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

Há no Brasil, atualmente, quem até "desconfie" de que sempre existiu um direito alternativo. Mas, apesar dessa desconfiança remontar ao Direito Romano, não enxergamos a alternatividade vinda de tão longe.

Segundo a cronologia apresentada por Roberto Bergalli [01], teria surgido o direito alternativo na Itália pós-fascista, possivelmente com o Socialismo Giuridico. Ali, com influência dos partidos políticos, o Poder Judiciário italiano teria afrontado a segurança da construção kelseniana, utilizando-se, nos julgamentos, de legislação pré e infra-constitucional, a pretexto de ausência de normas complementares ou reguladoras decorrentes da gründnorm. A exemplo do que ocorreu recentemente no Brasil, ali também nascia a Magistratura Democrática, emprestando nova configuração hermenêutica à aplicação das normas rígidas vigentes.

Trabalho belíssimo realizou Antônio Carlos Wolkmer [02], no qual aponta o interesse de alguns dos mais importantes juristas críticos e antidogmáticos da Itália sobre a concepção do uso alternativo do direito, a exemplo de: Pietro Barcellona, Giuseppe Cotturi, Luigi Ferrajoli, Salvatore Senese, Vicenzo Accattatis. Da Espanha, destacam-se Nicolás López Calera, Modesto Saavedra López e Perfecto André Ibañez, apontando Wolkmer os juristas Ulrich Mückemberger e Dieter Hart como aqueles que estudaram e divulgaram o assunto na Alemanha.

Um segundo momento de uso alternativo do direito também pode ser apontado na Itália, ocorrido no final da década de sessenta. Para enfrentar fortes e violentas crises políticas, espelhadas por terrorismo, bombas e seqüestros, instaurou-se a cultura della emergenza, com influência marcante do desenvolvimento capitalista. Novamente a Magistratura Italiana teve papel decisivo, pois foi aí que se produziram textos, livros, artigos, entrevistas e jurisprudência, todos teorizando sobre o uso alternativo do direito.

A mesma trajetória aplica-se, de maneira ampla, ao Syndicat de la Magistrature, na França, e aos setores progressistas das magistraturas espanhola e portuguesa pós-Salazar, sem descurar-se da contribuição efetiva que o Ministério Público desses países emprestou ao movimento.

Os ventos do direito alternativo sopraram mais fortes em direção ao Brasil, tornando-se produto quase que genuinamente brasileiro. Na verdade, pelo que se tem observado, os juristas do primeiro mundo não dão toda essa importância, nem aludem com tanta veemência, ao direito alternativo. Nosso país, talvez pelas desigualdades gritantes, inclusive de cunho regional, constitui-se solo fértil para o plantio e futuras colheitas das novas idéias.

Nas plagas latino-americanas, exceto o uso da expressão alternativo, pouca influência tiveram esses movimentos, a não ser com relação aos Juizes do Rio Grande do Sul e aos membros do Ministério Público de São Paulo. O grande mérito do movimento no Brasil deve-se mais à rebeldia desses magistrados e cultores da justiça, os quais, trabalhando num país injusto, com leis retrógradas, conseguiram dar uma interpretação alternativa sem o epíteto de contra legem, proporcionando aos seus jurisdicionados uma prestação efetiva e real dos postulados eqüitativos e analógicos estampados no direito brasileiro.

Analisando-se o movimento alternativo pelo lado da atuação dos juizes do Rio Grande do Sul, capitaneados pelo entusiasmado e competente Amilton Bueno de Carvalho, verifica-se que não foi de fácil assimilação essa rebeldia e rompimento com as estruturas isolacionistas até então vigentes. Apesar de trabalharem praticamente às escondidas, os juizes gaúchos aproveitaram a fase pré-constituinte (1985) para detonarem suas idéias pós-modernistas. Congressos, simpósios e seminários constituíram-se em terreno fértil para propagação e divulgação dessas idéias socialistas.

Começou-se, então, a pensar num direito comprometido com um novo modelo de sociedade. Os julgamentos ganharam nova roupagem. A produção de artigos e teses foi acelerada, numa fase de produção teórica deveras entusiasmante. Ganhou o movimento importância não só histórica, como institucional. Uma práxis abundante floresceu, possibilitando visão diferente do então direito aplicado, ampliando-se o raio de ação do entendimento jurídico e alargando-se conhecimentos até então mantidos em gavetas hermeticamente fechadas.

O movimento, nascido no Rio Grande do Sul, contaminou outros Estados e até Tribunais Superiores, dotando o direito alternativo de uma importância nunca vista e realçada pela rapidez da sua expansão.

CONCEITUAÇÃO E IMPORTÂNCIA

Diante da insustentabilidade dos pilares da ordem jurídico-social do ocidente, os quais não conseguem mais corresponder às inquietações e às necessidades do homem moderno, erigiu-se uma nova teoria crítica do direito, que redundou no aparecimento de uma postura jurídica mais consentânea com a atualidade: o Direito Alternativo.

Não se trata de uma nova filosofia, de alguma descoberta original, de nenhuma corrente ideológica sensacionalista. Decorre dos velhos conflitos teóricos entre o bem e o mal, o certo e o errado, o positivamente legal e o socialmente correto. Há um questionamento do Direito Positivo e dos fundamentos teóricos que o embasam, além de exigir a elaboração de uma consistente teoria da interpretação.

Ao se tentar elaborar uma conceituação do direito alternativo, não se pode esquecer que até para conceituar o direito tem sido uma tarefa das mais difíceis para nossos dogmáticos doutrinadores.

O direito é universal ou, pelo menos, disso sente necessidade. Não se pode direcionar a conceituação do direito sobre aspectos contingentes do seu objeto, mas emprestar-lhe, no mínimo, o sentido transcendental kantiano. O direito é lógica, mas é também realidade. Ou, como dizem os sociólogos, capitaneados por Cláudio Souto [03], sentimento humano de agradabilidade. Daí fugir aos objetivos do presente trabalho, a teorização sobre o conceito do direito. De igual modo, entendemos ser difícil conceituar o direito alternativo. Mas não custa nada tentar realizar a tarefa quanto a este último, devendo-se observar que das conceituações explanadas conseguiremos enxergar, instantaneamente, a importância do direito alternativo para o mundo jurídico.

Até poucos anos atrás havia uma verdadeira ditadura dos princípios jurídicos dogmáticos, centralizadores do direito como algo eminentemente estatal, pois só o Estado poderia produzir verdadeiramente a norma jurídica. Passou-se, pois, a uma reação, como tentativa de desregulamentação e de alternativas ao direito e à própria Justiça, enxergando-se o direito alternativo como forma de regulação jurídica destinada a preencher as lacunas existentes no ordenamento jurídico vigorante.

Caracterizado como movimento pelos seus idealizadores, o direito alternativo tornou-se, no dizer de Amilton Bueno de Carvalho [04], algo perigoso em termos de definição, sob pena de terminar numa dogmatização. Entende o juiz gaúcho que a definição deve ser dada sobre a alternatividade, de forma aberta, para que possa acolher as transformações que se operam na caminhada.

Algumas tentativas de se conceituar o direito alternativo têm sido feitas. Para o professor Paulo Lobo [05], sob a denominação direito alternativo, é consabido, agrupam-se correntes diferentes, escolas e tendências jurídicas, tendo em comum a insatisfação com o direito estatal e, no plano epistemológico, a rejeição do positivismo jurídico e do jusnaturalismo tradicional. É forte a inclinação para uma sociologia do direito do combate, na perspectiva da emancipação humana e da justiça social.

Dentre essas correntes e tendências há quem se insurja, por exemplo, sobre a própria denominação, pois se apresentaria o direito alternativo como direito contraposto ao direito estatal. Alguns preferem a expressão aplicação alternativa do direito. Mas há uma especificação que consideramos bastante racional. É aquela que, tomando o direito alternativo em sentido amplo, classifica-o em duas espécies: direito alternativo em sentido estrito e uso alternativo do direito. O primeiro tomaria como ponto de partida o pluralismo jurídico (direito comunitário) e o segundo, partindo de normas jurídicas postas, ampliaria seu raio de ação na busca de uma função social, utilizando-se, para tal, de hermenêutica mais condizente com a realidade.

Nessa perspectiva de uso diferenciado do direito estatal, ou, como denominamos acima, uso alternativo do direito, verifica-se a utilização crítica das normas jurídicas dos órgãos encarregados da prestação jurisdicional. A crítica compreende a recusa de princípios basilares do positivismo dogmático, como a imparcialidade do juiz, a cientificidade da aplicação do direito, a neutralidade da lei, pugnando por uma maior afirmação do direito das ruas, sem se afastar da esfera de atuação dos órgãos do Estado. Busca-se, assim, uma melhora na aplicação da lei e não uma negação pura e simples dos postulados legais.

No entendimento dos defensores do movimento, o Direito Alternativo representa, em primeiro lugar, uma atitude mental de questionamento do Direito como palavra final, justa, equilibrada e sábia. O que se deseja é que os juristas (aí incluídos os que pensam e os que operam o direito) se humanizem, venham às ruas, ouçam a sabedoria popular, as queixas dos revoltados, as palavras dos desprotegidos. Se assim acontecesse, raciocinam os alternativos, o Direito viria para o meio do povo, deixando de ser algo irreal produzido em gabinetes hermeticamente fechados e dissociados do que acontece no dia a dia das pessoas comuns.

O Direito Alternativo seria, então, uma busca de alternativas para o direito estatal vigente, dogmatizado, endeusado pelos teóricos e operadores do direito, que vêem na norma escrita e publicada a salvação para os problemas da humanidade. No entendimento de Miguel Alves de Lima [06], o Direito Alternativo não é apenas uma forma de interpretar as leis, abrandando o seu rigor diante de situações concretas, mas "a antevisão de um projeto libertário", afastado de uma estrutura jurídica que, pelos seus vícios e defeitos, nada mais faz do que "sancionar a violência".

João Maurício Leitão Adeodato, um dos mais conceituados filósofos brasileiros da modernidade, propõe uma outra linha explicitadora do conceito de direito alternativo, chamando sua definição de negativa: "direito alternativo é um direito paralelo ao direito estatal, um direito que se oferece como alternativa diante do direito dogmático – que é o direito estatal contemporâneo por excelência, aquele representado pela lei, pela jurisprudência, pelos contratos lícitos, etc. – aproveitando-se de suas impotência e incompetência no trato dos conflitos" [07].

Com o conceito do filósofo suso mencionado apreendemos o sentido de que o direito alternativo não se constitui numa ruptura do que está escrito, posto, vigorante. Assim, colocaríamos por terra instituições seculares e basilares do direito. O que os defensores do uso alternativo do direito devem procurar é exatamente a definição de alternativas - legais, processuais ou de cunho social - para, sem romper-se com os postulados normativos e justos em vigor, emprestar-se um tratamento mais humano, mais real e mais consentâneo com os interesses e anseios dos menos protegidos.

Cláudio Souto [08], afirmando que o direito alternativo só é tal pelo desvio, pela não identificação, pela dessemelhança em relação ao conteúdo da legislação estatal, conceitua-o como "aquele desviante da legislação estatal (ou de decisões judiciais baseadas nesta legislação), em nome de uma idéia social de justiça". Compara as figuras do magistrado dogmático e do cientificamente pós-moderno, apontando o primeiro como servo da lei e o segundo como servo do direito. O segundo seria dotado do poder de contestação, dada a oposição do direito alternativo à legislação estatal.

Para o mestre citado acima, direito alternativo é uma expressão de nossos dias que desfruta, a partir da década de 80, de um prestígio crescente entre a nova geração de juristas brasileiros, aí incluídos professores, estudantes e aplicadores do Direito. Mas, a idéia de um pluralismo jurídico, como já visto, não é de hoje, remontando à antigüidade clássica jusnaturalista.


II – APLICABILIDADE DO DIREITO ALTERNATIVO NOS VÁRIOS RAMOS DO DIREITO

Na busca do entendimento e aplicação do direito alternativo ou do uso alternativo do direito, tem-se que emprestar a esse esforço foros de objetividade. Não se trata de desviar o novo direito de sua natureza intrínseca ou desintegrá-lo da realidade, mas de adaptá-lo às mudanças sociais que são, em geral, profundas. Quanto menos ideológico melhor, pois a acentuação ideológica das mudanças pode diminuir os benefícios de ordem geral a serem carreados para o quadro social. Não estamos a defender a perda da racionalidade científica, mas uma prática jurídico-alternativa desvinculada de qualquer ranço dogmático.

Outra vez invocamos a lição de Cláudio Souto: "uma prática alternativa que seja atualizadamente jurídica será então engajada no sentido de lutar pela realização do direito entendido como síntese de ciência e ética, o que implica a busca de uma mudança social profunda, revolucionária, que é a de procurar-se sempre o benefício efetivo de todos. Mas não será revolucionária na acepção de lutar através de meios violentos de transformação social" (op. cit., p. 133).

No início do movimento no Brasil, tornava-se realmente difícil definir as áreas de atuação e as condições de possibilidade do uso alternativo do direito. Havia a intenção, o entusiasmo, a euforia. Mas, na prática, pouca diferença do modelo tradicional. Observa-se, entretanto, um embasamento entre os adeptos dessa mudança: capacitação técnica, forte produção processual e postura ética condizente com os anseios e aspirações dos mais fracos.

As primeiras decisões dos alternativos foram, como não seria de se esperar, reformadas, na sua grande maioria, pelos Tribunais. Alguns malabarismos, aplicados ao sabor do entusiasmo, muitas vezes se constituíam em decisões contra legem. O Estado, como ser ditatorial, era o alvo dos inconformados. Mas essa rebeldia é compreensível. Nenhum movimento prospera, se não for forte, dinâmico, objetivo. Passou-se a preferir o pobre ao rico, o desprotegido ao ente governamental, porém tais discrepâncias não diminuíram os méritos dos inovadores. O que importava era o uso de bom senso, de equilíbrio, de equidade, mesmo que esses princípios não estivessem catalogados na norma fria da lei. Bastava que fizessem parte dos anseios da maioria da população, principalmente aqueles intimidados com a prepotência e a parafernália de formalismos existentes no Judiciário.

Os primeiros passos dos alternativistas não foram nada suaves. Havia resistências, censuras e um certo ar de descrença por parte dos militantes na seara jurídica. Amilton Bueno de Carvalho [09], tentando entender esses primeiros passos da nova interpretação, assim pontificou: "o direito é jogado na totalidade histórica e aí é interpretado, numa ótica multidisciplinar: o litígio é cotejado (e tem decisão a partir daí) com apreciação da base econômica material, histórica, sociológica e até psicológica dos litigantes. Evidente que o ato decisório que daí emerge incorpora as contradições sociais e não explode ´puro´ como o faz a visão tradicionalista".

No direito penal, pela inadequação do Código aos tempos atuais, foi mais fácil a atuação dos juizes, principalmente nos chamados delitos sexuais. A moral sexual da atualidade trata diferentemente a sedução, o pudor, a menoridade da vítima. Com relação à aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, surgiu outro campo fértil para a adoção dos princípios alternativos, dada a desconexão de muitos postulados menoristas ali exarados com a realidade das periferias, das favelas, dos menores viventes nas ruas.

Ainda no juízo criminal, verificam-se outras formas de atuação: garantias da liberdade individual sob o princípio do estado de inocência; diminuição das condenações a penas privativas de liberdade, dada a catastrófica situação dos presídios nacionais; alargamento do conceito de furto famélico e outros delitos correlatos; irrelevância nos julgamentos dos delitos de pouca monta e rigor na apreciação dos crimes contra a sociedade, a exemplo de sonegação fiscal e corrupção, nas suas várias modalidades.

No direito civil, talvez o mais refratário a mudanças, dada a sua estrutura multissecular de estabilidade, não foi fácil a absorção dos novos ventos. Há profundas críticas à legislação oriunda da ditadura militar, mas as grandes mudanças foram incorporadas pelos intérpretes do direito, por alguns julgadores com senso de justiça aguçado e desvinculados dos dogmas preestabelecidos. Inovou-se no sentido de que alguns bens fossem considerados impenhoráveis, quando servissem de esteio à preservação da dignidade do indivíduo e de sua família. Princípios como boa-fé, ocupação de terras improdutivas e direito de greve ganharam corpo entre os aplicadores do novo direito.

O direito comercial, construído sob a orientação de leis arcaicas e linguagem indigesta, não se presta muito às novas teorias alternativas, excetuando-se aquelas rotuladas de relações de consumo, previstas numa lei moderna e plenamente adaptável aos novos tempos, que é o Código de Defesa do Consumidor. Aliás, constitui-se o CDC (Lei n.º 8.078/90) no instrumento de melhor adaptação dos ventos alternativos para a melhoria do direito das comunidades.

Já no direito do trabalho, pela sua praticidade, não foi difícil aos juizes adaptarem os princípios alternativos às relações patrão/empregado, sendo esse ramo do direito, ao lado do direito do consumidor, na opinião de muitos, o mais adaptável a mudanças e o mais maleável. O que é necessário, como veremos adiante, é a desvinculação gradativa dos estreitos limites da legislação e aplicação mais consentânea dos institutos previstos na legislação laboral, como forma de agilizar os procedimentos judiciais e solucionar os conflitos de natureza trabalhista de forma mais rápida e eficiente.

A justiça laboral, que foi concebida com o intuito de solucionar os possíveis conflitos decorrentes da relação do trabalho, de maneira mais célere, tem se tornado alvo fácil para críticas pela demora na solução desses conflitos. Varas abarrotadas de processos e Tribunais do Trabalho sem condições de completar o julgamento dos incontáveis feitos só têm contribuído para agravar o problema, com o acúmulo cada vez mais acentuado de processos e de recursos.


III – O DIREITO DO TRABALHO E OS CONFLITOS TRABALHISTAS NO BRASIL

Com a chegada do Século XXI e a constatação de que a globalização econômica veio para ficar, necessária se faz uma grande avaliação da aplicabilidade das regras do Direito do Trabalho em nosso país. As mudanças na economia universal, a revolução tecnológica e o aumento cada vez mais acentuado do número de desempregados, têm levado os estudiosos da Ciência do Direito e, em especial, do Direito do Trabalho, a repensarem novas formas de solução dos conflitos trabalhistas.

Essas profundas transformações sociais, que se têm operado no mundo todo, levaram governantes, juristas e pessoas interessadas em tentar resolver, da maneira mais prática possível, os cada vez mais freqüentes conflitos individuais e coletivos do trabalho. Políticas econômicas desastrosas, que têm contribuído para o fechamento ou a quebra de várias empresas e aumentado o número de pessoas sem emprego, são responsáveis, num percentual elevado, pelo surgimento de novos conflitos e pelo ajuizamento de inúmeras demandas na Justiça do Trabalho.

A justiça laboral, que foi concebida com o intuito de solucionar os possíveis conflitos decorrentes da relação do trabalho, de maneira mais célere, tem se tornado alvo fácil para críticas pela demora na solução desses conflitos.

Os cidadãos que dependem dessa Justiça já não agüentam mais tanto marasmo e exigem a criação de organismos ou de fórmulas alternativas, capazes de imprimirem celeridade na conclusão dos processos e conseqüente solução dos conflitos.

No nosso ordenamento jurídico já existem formas que, se aplicadas correta e freqüentemente, ajudariam bastante para a solução dessas pendências. Estamos falando da conciliação, da mediação, da negociação coletiva e, ainda, da arbitragem. As três primeiras integram, na opinião de Francisco Osani de Lavor [10], o tipo da autocomposição e a arbitragem, aliada às soluções jurisdicionais, a heterocomposição.

A conciliação é a forma mais praticada em nosso país. Voluntária, vez que inexiste a conciliação obrigatória entre nós, poderia render mais frutos se aplicada de forma preventiva e com mais intensidade, evitando o ajuizamento de ações junto aos Juízes.

A mediação, que é um processo de autocomposição do conflito, exige a participação de um terceiro indivíduo, escolhido pelas partes conflitantes. Não é muito freqüente no direito trabalhista brasileiro, verificando-se mais sua presença nas Delegacias Regionais do Trabalho.

A negociação coletiva, exigida até por dispositivo constitucional (art. 114, §§ 1.º e 2º, da CF 88), tem boa aplicabilidade, mas necessita de maior utilização e de melhor aprimoramento. Materializa-se através de três formas: as convenções coletivas, que são institutos de caráter normativo, oriundos de negociação entre representantes de empregados e empregadores; os contratos coletivos, resultantes de instrumentos normativos oriundos de negociação coletiva de âmbito nacional; e os acordos coletivos, também instrumentos normativos, só que gerados a partir de negociação entre as organizações representativas dos empregados com uma ou mais empresas, objetivando também a melhoria das condições de trabalho.

Temos também o instituto da arbitragem, outra forma alternativa de solução de conflitos de natureza trabalhista. Amparada pela Lei n.º 9.307/96, funciona a arbitragem sob duas modalidades: com cláusula compromissória autônoma e sem necessidade de homologação do laudo arbitral. No primeiro caso, as partes se obrigam a um juízo arbitral. No segundo, não há necessidade de homologação judicial, eqüivalendo o laudo arbitral a uma sentença. A arbitragem, porém, apesar de prevista entre nós desde 1907 (Decreto n.º 1.073), ainda não é aplicada com a devida freqüência.

Como se vê, existem no direito trabalhista brasileiro várias formas alternativas de solução dos conflitos trabalhistas, sejam individuais, sejam coletivos. O que acontece é que há uma cultura da jurisdicização de procedimentos para tentar solucionar esses conflitos. Se fosse dada maior importância à aplicação desses mecanismos e se tentassem as partes uma solução negociada, antes do ajuizamento da querela, não se verificaria esse caos em que se transformou a Justiça do Trabalho, criada com intuitos bem diferentes do que se verifica na atualidade.

Em vários países da Europa e da América, observa-se uma maior aplicabilidade dessas formas solucionatórias de conflitos. Na Espanha são utilizadas a mediação, a conciliação e a arbitragem, existindo até um órgão específico para essa finalidade, que é o Instituto de Mediação, Arbitragem e Conciliação (IMAC), vinculado ao Ministério do Trabalho daquele país.

Em Portugal, além dos três institutos acima citados, existe também a possibilidade de elaboração de portarias de regulamentação de trabalho, que poderão ser emitidas pelos Ministros do Trabalho e da Tutela ou através do responsável pelo setor de atividade, se verificadas as seguintes hipóteses: a) inexistência de associações sindicais ou patronais; b) recusa reiterada de uma das partes em negociar; c) prática de atos ou manobras dilatórias que, de qualquer modo, impeçam o andamento normal do processo de negociação.

A França também se utiliza da conciliação, da mediação e da arbitragem, porém uma nova modalidade é eficaz para a prevenção de conflito laboral naquele país: o concerto ou consulta, do qual fazem uso as partes antes do estabelecimento do conflito.

Na Itália, além da conciliação, da mediação e da arbitragem, existe a comissão de investigação, que procura, através da pesquisa, da análise e do aclaramento dos fatos que originaram o conflito, encontrar elementos favoráveis a uma negociação direta entre as partes ou a uma ação sucessiva do poder público na solução do conflito.

Aqui nas Américas, destacamos o Chile e a Argentina. No primeiro, onde há um Código do Trabalho, despontam regras sobre contratos coletivos, explicando que se a negociação direta entre as partes acaba em acordo, suas estipulações constituirão o contrato coletivo. Estão previstas também a mediação e a arbitragem, mas o que se observa em vários dispositivos do Código chileno é a insistência da própria lei na celebração de acordos prévios.

Na legislação argentina, iniciando pela Constituição, há previsão de os sindicatos "acordarem convenções coletivas de trabalho, recorrerem à conciliação e à arbitragem e exercerem o direito de greve...". Segundo o já citado Francisco Osani de Lavor [11], o exemplo da Argentina é de ser citado, pois "este país criou, através da Lei n.º 25.573/95, a mediação prévia obrigatória em todos os juízos". Dispositivo inserido na referida lei permite a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia, antes do início da causa, cuja mediação fica sob a tutela de mediadores nomeados pelo Ministério da Justiça.

Depois dessa pequena incursão sobre as formas de solução alternativa de conflitos trabalhistas em alguns países, é hora de se perguntar: por que o Brasil, que tanto avançou na área do consumidor, não inova também no campo trabalhista? Por que não se criam organismos, similares aos PROCONS e às Curadorias do Consumidor, para dirimirem previamente conflitos de natureza laboral, antes que abarrotem às Varas e Tribunais do Trabalho? É o que tentaremos esclarecer nos capítulos seguintes.


IV – O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SOLUÇÃO DESSES CONFLITOS

Pelo artigo 127 da Constituição da República é o Ministério Público "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". A proclamação do caráter permanente da instituição deve ser relacionada com a de essencialidade, existente no mesmo dispositivo constitucional. Só a essencialidade pode justificar a permanência, pois, do contrário, transformar-se-ía em mero enunciado vazio e inócuo.

O Ministério Público pode ser considerado essencial em decorrência de dois fatores palpáveis e facilmente constatáveis: um, porque o Poder Público não cumpre razoavelmente a sua função de promover o bem-comum; dois, em razão de nossa sociedade civil estar ainda um pouco alheia aos seus direitos políticos, sociais e até individuais.

No primeiro caso, o Ministério Público foi ocupando os espaços do Poder Público, promovendo a defesa do interesse social. No segundo, essa circunstância histórica acabou por determinar o extraordinário alargamento das funções institucionais do Ministério Público, hoje legitimado pela Constituição Federal para ajuizar a ação penal pública, promover a defesa do regime democrático, interpor a ação direta de inconstitucionalidade, efetuar o controle da Administração Pública, na qualidade de verdadeiro ombudsman, bem assim dos serviços públicos e de relevância pública, promover a ação civil pública em defesa do meio ambiente, do consumidor, da pessoa portadora de deficiência, do infante e do adolescente, do trabalhador, como também de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Nenhum Ministério Público, em todo o mundo, ostenta volume tão grande de tão diversificadas e relevantes atribuições.

Ao contrário do que aconteceu nas demais Constituições brasileiras, o Ministério Público não está agora inserido no âmbito de nenhum dos Poderes do Estado, mas propositadamente colocado como verdadeiro satélite, gravitando por entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e perante eles exercendo suas funções institucionais. Disciplinado em capítulo autônomo, dentro do Título Da Organização dos Poderes, ocupa hoje o Ministério Público destacada posição ao lado deles, equiparável, em muitos aspectos, a um verdadeiro Poder. Senão vejamos:

-tem autonomia funcional e administrativa, podendo prover diretamente os seus cargos;

-tem iniciativa de lei, inclusive da que estabelece sua organização, atribuições e estatuto;

- elabora sua proposta orçamentária;

-exerce uma parcela da soberania estatal, uma vez que promove, privativamente, a ação penal pública e dá a última palavra quanto ao arquivamento de inquéritos policiais; e,

-seus membros têm status constitucional semelhante ao dos Juizes de Direito.

Segundo Hugo Mazzilli [12], "há inúmeras condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro desequilíbrio nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, incapazes em geral - todos estes, entre outros - sofrem algum tipo de limitação fática ou jurídica. É evidente que, nem por serem pobres, incapazes ou deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição do discrimen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão".

Contudo, o que ocorre efetivamente na realidade, como bem posiciona o autor citado, é que, mesmo quando tenham razão, muralhas verdadeiramente intransponíveis muitas vezes se erguem entre eles e seus interesses mais legítimos. Assim, qual a defesa que tem a população em geral contra a crescente criminalidade? Quais os meios concretos de que podem valer-se os pequenos investidores contra as fraudes no mercado financeiro?. .. Por isso que, não só para julgar os conflitos de interesses relacionados com essas situações de evidente desequilíbrio, como também até mesmo para acionar a jurisdição em casos em que isso se faça necessário, a Lei Maior outorgou, aos magistrados e órgãos do Ministério Público, garantias excepcionais, de que não gozam os funcionários públicos comuns.

Não sacramentou a Carta a instituição expressa do ombudsman, ou do defensor do povo, mas a destinação constitucional é evidente e integra a natureza do Ministério Público. Essa natureza é o que o diferencia de todo e qualquer ente político. A própria sociedade, pela confiança que deposita nos membros da instituição e pela credibilidade que lhes devota, já consolidou esse entendimento, mesmo que a Constituição não o tenha feito expressamente.

Assim, pois, as garantias constitucionais do Ministério Público e de seus agentes devem ser vistas, antes de tudo, como garantias da coletividade, principalmente depois da edição desse poderoso instrumento, que foi a Lei da Ação Civil Pública.

Como podemos definir essa modalidade de ação civil, poderoso instrumento processual que outorga ao Ministério Público e às entidades afins possibilidades imensas de comparecer a juízo e obter a tutela de direitos e interesses? A definição decorre da própria lei, ou seja, é aquela que protege os interesses difusos (metaindividuais ou transindividuais), que são aqueles cuja titularidade atinge um número indeterminado de pessoas, ou pelo menos, de difícil determinação.

A CF de 1988 (art. 129, III) confere legitimidade ad causam ao Ministério Público, no tocante à ação civil pública, "para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Não foi sem propósito que o legislador constituinte de 1988 reservou ao órgão ministerial tão importante papel, embora repetindo a possibilidade também de defesa do patrimônio público pelo cidadão, conservando-lhe o instrumento da ação popular (art. 5º, inciso LXXIII).

Na fase investigatória lhe foi cometido o Inquérito Civil, importante peça de investigação, na qual podem ser reunidos elementos decisivos de prova, em atenção, muitas vezes, ao princípio da imediatidade, que requer a realização de exames com urgência, sob pena de desaparecerem certos vestígios.

A área de abrangência da Ação Civil Pública é significativamente maior, devido ao grande e diversificado campo de atuação do Ministério Público, na defesa de um leque indeterminado de interesses difusos, ensejando, na sua tutela, a concessão liminar de medidas nem sempre possíveis nos estreitos lindes da ação popular, com diversificação da natureza da lide, conforme o caso.

A ação civil pública, ao lado da ação penal pública, figura nos casos de legitimação de agir do Ministério Público, mas tal legitimação não é exclusiva (§ 1.º, art. 129 CF). Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o alcance da Ação Civil Pública, sem prejuízo da ação popular, tornou-se bem maior, tendo em vista que ali foi previsto: "a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo" (Art. 81). Neste dispositivo está prevista a defesa coletiva de interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.

O citado jurista paulistano Hugo Nigro Mazzilli (op. e pp. Cit.) elenca um número elevado de ações de iniciativa do Ministério Público, algumas fundadas na Constituição, outras no Código Civil, no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em diversos Diplomas Legais, atingindo o somatório de 110 (cento e dez) tipos de procedimentos. Por tal levantamento, dá para se observar a real importância da instituição ministerial, principalmente porque respaldado num instituto de tão visível penetração e abrangência, como é a Ação Civil Pública.

Se é por demais conhecida a atuação do parquet na esfera criminal, é na área cível onde se observam as maiores inovações, seja como órgão agente, seja como órgão interveniente: interdição, nulidade de casamento, declaração de inconstitucionalidade, nulidade de ato jurídico, rescisórias, ações civis ex-delicto. E ainda: proteção de incapazes, massa falida, ações sobre o estado da pessoa, família, testamento.

O Direito do Trabalho não foi contemplado, em todas as suas esferas de abrangência, com esse guardião da lei (custos legis) e defensor da sociedade (custos societatis). Todos sabemos que, apesar dos avanços da legislação trabalhista, não foram preenchidas todas as lacunas, observando-se a geração de conflitos que, se dependessem do Poder Judiciário, arrastar-se-íam por anos a fio.

É aí onde se faz necessária uma atuação mais marcante do próprio Ministério Público do Trabalho. Órgão inserido no bojo da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1995, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, o MPT foi contemplado com os artigos 83 a 115 da citada lei.

A presença dos Procuradores do Trabalho se faz mais sentir no campo dos interesses públicos, difusos e coletivos, mas a própria lei oferece oportunidade aos membros do Ministério Público do Trabalho de atuarem como árbitros, conciliadores ou mediadores em conflitos provocados pelas próprias partes. E por que não se utilizar esse potencial gerado através da profícua atuação desses membros do parquet federal para realizar a tentativa de dirimir conflitos, sem que sejam ajuizadas ações e instaurados os processos?

Na atuação do Ministério Público do Trabalho, dentre as várias opções que são oferecidas para solução de conflito das relações jurídicas, podemos destacar a Transação e o Compromisso de Ajustamento de Conduta. São formas que estão à disposição do MPT, a quem compete utilizá-la dentro dos parâmetros legais e com a finalidade de se evitar futuros conflitos judiciários.

Atuando com eficiência, não contra a lei, mas secundum legem, praeter legem e pro societatem, poderá o MPT aparar arestas, acordar, discordar, solucionar conflitos, propor compensações, procedendo para além da lei, no pressuposto de tentar resolver os problemas das comunidades, principalmente aquelas formadas pelos chamados excluídos, os que têm medo de procurar a Justiça.

O direito que é aplicado nas Promotorias e Curadorias de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente, Cidadão e Patrimônio Público (MP estadual) vai além do que está escrito nos códigos, supera os dogmas, buscando soluções normativas baseadas numa ciência testável empiricamente. O povo confia no Ministério Público, não porque está estruturado em dogmas, ou porque foi imposto pelo Estado. Mas porque o órgão representa e interpreta os anseios das populações de forma empírica, prática e racional. Não de uma racionalidade dogmática, mas de uma racionalidade que está implícita na própria essência do direito natural das pessoas.


V – JUSTIÇA ALTERNATIVA DO TRABALHO: NECESSIDADE OU FICÇÃO?

De todas as análises acima elaboradas, que nunca tiveram a intenção de esgotar o assunto, dada a singeleza do presente trabalho, podemos extrair a certeza de que a Justiça do Trabalho do Brasil, criada e instalada com a melhor das intenções, visando trazer benefícios aos possíveis contendores e solucionar rapidamente suas querelas, não está cumprindo suas finalidades. Processos que poderiam ser decididos numa simples audiência de conciliação estendem-se por anos. Feitos de pouca monta ultrapassam as fronteiras locais e estaduais e abarrotam os tribunais do país, ocasionando prejuízos às partes e ao Poder Público e tomando o tempo dos operadores do direito [13].

Se até o vetusto Direito Civil, impulsionado pelo Direito do Consumidor, aceitou as inovações dos tempos atuais, por que o Direito do Trabalho, que deveria ser um direito ágil, dinâmico e moderno, não incorpora esses novos ventos da pós-modernidade e dinamiza a prestação extra-jurisdicional? Por que não se utilizar com mais freqüência os institutos que estão aí à disposição de todos os interessados, a exemplo da conciliação, da mediação, da negociação e da arbitragem? Por que não regulamentar melhor a atuação do Ministério Público do Trabalho, tornando-a similar àquela verificada nas Curadorias de Defesa do Consumidor?

São questionamentos que, se respondidos ou postos em prática, poderiam aliviar a agonia por que passam os operadores da Justiça do Trabalho, diminuindo o número de ações ajuizadas e procurando solucionar os conflitos no seu nascedouro. Passaríamos a ter uma verdadeira Justiça Alternativa do Trabalho, composta de mecanismos judiciais e extrajudiciais, encarregados de toda a preparação necessária à extinção de ações judiciais.

É errado desconhecer que o Direito do Trabalho veio atender, em muitos pontos, aos anseios daqueles que sempre lutaram por um direito alternativo. E por que não chamar essa nova modalidade de prestação jurisdicional de justiça alternativa? Será que a solução de conflitos decorrentes da relação de emprego, indenizações, reparação de injustiças, proteção contra empregadores poderosos, sem a necessidade dos protocolos forenses, não é uma forma de justiça? A aprovação popular à atuação do Ministério Público e aos órgãos de defesa do consumidor, do meio ambiente, do cidadão e do patrimônio público, está muito além, se comparada com a desconfiança dessa mesma população com relação à justiça formalista engravatada. Dizemos engravatada numa forma de diferenciar da maneira de aplicação de uma justiça sem protocolos, sem estagnação, sem arrodeios.

Poderiam ser criados no Brasil organismos estatais, ou no âmbito das empresas, para servirem como fórum de conciliação prévia, procurando ouvir empregados e empregadores e propondo soluções, que seriam homologadas sem necessidade de se ir às Varas ou Tribunais. Esses órgãos, que poderiam ser similares aos PROCONS, atuando nas esferas estadual ou municipal, teriam coordenadores com noções de Direito do Trabalho e de Direito Processual, para orientar devidamente as partes e propor a solução prévia do conflito.

Poderíamos também importar as experiências dos países mencionados no capítulo IV, dando-se ênfase à investigação, à conciliação e à mediação. A partir daí, com o conseqüente fortalecimento dos sindicatos e das associações de classe, teríamos, com certeza, uma maior dinamicidade no aparamento de arestas que pudessem vir a gerar conflitos de natureza individual ou coletiva.

Já temos iniciativas jurisprudenciais e legislativas, que apontam para o direcionamento da vontade dos que se preocupam com o problema. Sobre negociação prévia, assim se pronunciou o TST [14]: "A ação coletiva trabalhista tem por pressuposto objetivo e essencial a ocorrência de tratativas conciliatórias prévias ou a recusa à negociação ou à arbitragem, segundo disposição expressa dos arts. 114, § 2.º, da Constituição Federal e 616, § 4.º, da CLT, que de modo cabal deve ser comprovado pelo suscitante".

Salienta Edésio Passos [15] que o projeto de Emenda Constitucional n.º 623/98 acrescenta um parágrafo (o 5.º) ao art. 114 da CF, com a seguinte redação: "O exercício do direito de ação individual perante a Justiça do Trabalho será obrigatoriamente precedido de tentativa extrajudicial de conciliação, utilizando-se, inclusive, a mediação, conforme dispuser a lei".

Outras soluções são apontadas. A criação de Juizados Trabalhistas de Pequenas Causas (ou Juizados Especiais Trabalhistas) poderia se constituir numa boa solução, mas a experiência verificada nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o acúmulo real de processos, nos dá uma idéia daquilo em que se transformariam, num curto espaço de tempo, os Juizados Trabalhistas.

Alguns defendem a criação de Conselhos de Empresas e Comissões de Conciliação Prévia. No primeiro caso, a experiência está obtendo êxito na Alemanha, onde empregados e empregadores têm oportunidade, ainda na própria empresa, de negociarem, antes de procurarem o Judiciário. No segundo caso, a Lei nº. 9958/2000 já criou a possibilidade de as empresas e os sindicatos instituírem as Comissões de Conciliação Prévia, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho antes do ingresso na Justiça do Trabalho.

Com um Ministério Público do Trabalho que descesse às instâncias inferiores e às camadas mais necessitadas da população, com a utilização mais freqüente dos institutos já previstos no nosso ordenamento jurídico e com a criação de organismos vivos que, fortalecendo sindicatos e associações, formulassem acordos prévios entre as partes, com certeza diminuiriam consideravelmente as demandas judiciais na área trabalhista, razão pela qual vê-se que há uma necessidade do uso da Justiça Alternativa no Direito do Trabalho.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

1.O Brasil tornou-se campo fértil para a absorção do chamado direito alternativo, dadas as disparidades regionais, a extensão territorial e o grande anseio da população por uma Justiça ágil, célere e sem protocolos. O uso alternativo do direito ganhou bastante força, principalmente pela iniciativa de um grupo de magistrados, com atuação no campo do Direito Penal e do Direito do Trabalho.

2.Para se tentar aplicar ou fazer uso de formas alternativas do direito, tem-se que emprestar a esse esforço foros de objetividade. Não se trata de desviar o novo direito de sua natureza intrínseca ou desintegrá-lo da realidade, mas de adaptá-lo às mudanças sociais que são, em geral, profundas. Quanto menos ideológico melhor, pois a acentuação ideológica das mudanças pode diminuir os benefícios de ordem geral a serem carreados para o quadro social.

3.A Justiça do Trabalho do Brasil, criada e instalada com a melhor das intenções, visando trazer benefícios aos possíveis contendores e solucionar rapidamente suas querelas, não está cumprindo suas finalidades. Processos que poderiam ser decididos numa simples audiência de conciliação estendem-se por anos a fio. Feitos de pouca monta ultrapassam as fronteiras locais e estaduais e abarrotam os tribunais do país, ocasionando prejuízos às partes e ao Poder Público e tomando o tempo dos operadores do direito.

4.A maioria das formas alternativas de solução dos conflitos trabalhistas já estão disponíveis no nosso ordenamento jurídico. Falta vontade e praticidade para se aplicarem previamente os institutos da conciliação, da mediação e da arbitragem. O que acontece é que há uma cultura da jurisdicização de procedimentos para tentar solucionar esses conflitos. Se fosse dada maior importância à aplicação desses mecanismos e se tentassem as partes uma solução negociada, antes do ajuizamento da querela, não se verificaria esse caos em que se transformou a Justiça do Trabalho, criada com intuitos bem diferentes do que se verifica na atualidade.

5.O Ministério Público brasileiro, aliado a outros organismos estatais e não-estatais, implantou entre nós uma verdadeira Justiça Alternativa, resolvendo pendências sem a necessidade de intermináveis audiências e de complicados processos, utilizando, além dos princípios normativos, o bom senso e a vontade de servir aos menos aquinhoados da sociedade. Deve, assim, o Ministério Público do Trabalho descer às Juntas, às partes, aos reclamantes e aos reclamados, atuando não contra a lei, mas secundum legem, praeter legem e pro societatem, podendo tentar resolver os problemas das comunidades, principalmente aquelas formadas pelos chamados excluídos, os que têm medo de procurar a Justiça.

6.Poderiam ser criados no Brasil organismos estatais que poderiam ser similares aos PROCONS, atuando nas esferas estadual ou municipal, tendo coordenadores com noções de Direito do Trabalho e de Direito Processual, para orientar devidamente as partes e propor a solução prévia do conflito.


B I B L I O G R A F I A

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WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo, Editora Acadêmica, 1991.


Notas

  1. BERGALLI, Roberto. El otro derecho, p. 147.
  2. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico, p. 66.
  3. SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito, p. 21.
  4. CARVALHO, Amilton Bueno de. Atuação dos juizes alternativos gaúchos no processo de pós-transição democrática, In Seleções Jurídicas ADV, p. 29.
  5. LOBO, Paulo Luís Neto. Direito civil alternativo. In Lições de direito civil alternativo, p. 11.
  6. LIMA, Miguel Alves de. O direito alternativo e a dogmática jurídica. In Lições de direito alternativo II, p. 44.
  7. ADEODATO, João Maurício. Para uma conceituação do direito alternativo. In Lições de direito alternativo II, p. 157.
  8. SOUTO, Cláudio. Tempo do direito alternativo, p. 147.
  9. Op. cit., p. 30.
  10. LAVOR, Francisco Osani de. Formas alternativas de solução dos conflitos individuais e coletivos do trabalho. In Genesis – Revista de Direito do Trabalho, n.º 74, p. 172.
  11. Op. cit., p. 175.
  12. MAZZILLI, Hugo Nigro. Garantias Constitucionais do Ministério Público - In Teses do 9º Congresso Nacional do Ministério Público, p. 715.
  13. Entretanto, quanto à celeridade, não deixar de reconhecer o mérito devido, uma vez que a Justiça do Trabalho vem se destacando quando comparada à Justiça Comum, inovando com audiências unas e digitalizadas.
  14. TST, RO-DC 54.189/92.1, URSULINO SANTOS, Ac. SDC 207/93.
  15. PASSOS, Edésio. Comissão de conciliação prévia. Breve análise do projeto de lei n.º 4.694/98 e do projeto de emenda constitucional n.º 623/98. In GENESIS – Revista de Direito do Trabalho, n.º 73, janeiro de 1999, p. 74.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Magno Cardoso. Justiça alternativa do trabalho. Necessidade ou ficção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2195, 5 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13095. Acesso em: 7 maio 2024.