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O IPTU do município de Belém: um contraponto

O IPTU do município de Belém: um contraponto

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Excerto: "Oração aos moços", casa de Ruy Barbosa - Rio de Janeiro, 1949.

"A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real.".


CAPACIDADE CONTRIBUTIVA & PROGRESSIVIDADE
PRINCÍPIO DA ISONOMIA - JUSTIÇA SOCIAL

Nos diversos comentários que foram publicados na imprensa sobre o assunto em referência, tem sido passada a impressão de que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou em definitivo contra a progressividade do IPTU assentada no art. 145, § 1º da Constituição Federal. (1)

Efetivamente, em recentes julgados, o Pretório Excelso firmou posições no sentido de que a única progressividade possível seria a pertinente ao cumprimento da função social da propriedade (art. 156, I c/c o 182, CF/88). Com base nessa premissa, a Suprema Corte tem julgado inconstitucionais diversas leis municipais que prevêem a diferenciação de alíquotas, em razão da capacidade contributiva do contribuinte.

Relevante, no entanto ressaltar que as referidas decisões foram prolatadas em mandados de segurança (que somente beneficiam os contribuintes que os ajuizaram) e não em ação direta de inconstitucionalidade. Em suma: tais decisões não tem efeito erga omines e sim somente inter partes, revelando até o momento um rumo ou uma tendência daquela Corte, não significando que não possa vir a ser modificada, seguindo a posição do Min. Carlos Mário da Silva Veloso.

Aliás, quanto ao IPTU, em um pesquisa procedida na página do STF(Internet), encontramos tão-somente as seguintes Súmulas:

Súmula 589 Decisão em: 15.12.76;

Súmula 583 Decisão em: 15.12.76;

Súmula 539 Decisão em: 03. 10.69;

Súmula 74 Decisão em: 16. 12.63

Todas, obviamente anteriores à Constituição de 1988. No entanto cabe destaque à Súmula nº 539 que prescreve: "É constitucional a lei do Município que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário que não possua outro".

Em um dos diversos artigos publicados, observamos a inferência de que ninguém conseguira apresentar qualquer razão jurídica a favor da progressividade. Posteriormente, foi veiculada a matéria intitulada "IPTU e Justiça Social" de autoria do ilustre colega advogado, Sr. Secretário de Assuntos Jurídicos do Município de Belém, Dr. Egídio Machado Sales Filho, firmando, juridicamente, a posição oficial da Administração Municipal, pela admissibilidade constitucional da progressividade no IPTU, como ferramenta da aplicação da justiça social, mediante a graduação da carga tributária no cumprimento de dispositivo da Carta Magna que agasalhou o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF/88).

Em que pese a enxurrada de matérias veiculadas nos diversos órgãos da imprensa local, no sentido de que a progressividade das alíquotas do IPTU, já havia sido considerada inconstitucional, pelo STF, o que não foi esclarecido é que até a presente data inocorreu a necessária Declaração de Inconstitucionalidade que uma vez consumada retiraria a norma jurídica atacada do mundo jurídico.

Entendemos constituir nosso dever de ofício, como profissional do direito, quando procedemos análise de matéria polêmica, notadamente quando veiculada em meio de comunicação de massa, além de demonstrar nossa visão jurídica sobre o assunto (o que é um direito inalienável), também, mostrar o contraditório.

Portanto, podemos afirmar, sem receio, que a posição jurídica adotada pelo Colega Secretário, no já citado artigo, não constitui trincheira isolada. Além de acompanhar o pensamento jurídico do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, guarda coerência com parte das maiores expressões da doutrina nacional, mestres incontestáveis do Direito Tributário, a saber:


ROQUE ANTÔNIO CARAZZA – Prof. Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Obra: Curso de Direito Constitucional Tributário – Malheiros Editores 13ª Edição

Excertos: - Págs. 77 a 86

1.O IPTU e a capacidade contributiva

"Exige obediência ao princípio da capacidade contributiva o IPTU (imposto predial e territorial urbano). Agora, com a vigência da nova Carta, o proprietário de amplo e luxuoso imóvel, situado em bairro residencial, deve proporcionalmente ser mais tributado, por via de IPTU, do que o proprietário de casa modesta, localizada em bairro fabril.

Quando dizemos "deve proporcionalmente ser mais tributado", queremos significar que deve ser submetido a uma alíquota maior. .

"A nosso ver, a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iure de existência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação pelo IPTU)."

"Em suma o IPTU deve obedecer ao princípio da capacidade contributiva, nos termos do já estudado art. 145, § 1º, 1ª parte, da CF. E, para isso, deve ser progressivo. Esta é uma progressividade fiscal, de existência obrigatória.

Mas há uma outra progressividade do IPTU, que poderíamos chamar de extrafiscal, que tem dado margens a inúmeras controvérsias. Vejamos.

O § 1º do art. 156 da CF prescreve que o IPTU "poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade". Aliás, este poderá, como aguisadamente observou Souto Maior Borges, em parecer, 57 equivale a deverá."

"Vejamos: este parágrafo nada tem a ver com o princípio da capacidade contributiva. E deve ser obedecido, independentemente da obediência ao princípio da capacidade contributiva. O § 1º do art. 145 e o § 1º do art. 156, ambos da Constituição, não se excluem; antes, se completam; os dois convivem harmonicamente.

São coisas diferentes, que alguns, muito a propósito, tentam coligar. De que modo? Simplesmente afirmando: enquanto não houver um plano diretor, as alíquotas do IPTU têm que ser as mesmas: tanto para o imóvel de alto luxo, localizado em bairro estritamente residencial, como para o imóvel modestíssimo, localizado em bairro de periferia. São idéias muito do agrado da elite, mas que – segundo cremos – não encontram apoio na Constituição."


JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES – Prof. Titular de Filosofia do Direito no Curso de graduação e de direito tributário na pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e Professor-Honorário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sua sólida cultura e profundo conhecimento de todos os ramos do saber jurídico fazem de Souto Maior Borges um dos mais importantes pensadores da nossa atualidade jurídica.

Obra: O IPTU COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA URBANA

Artigo publicado na Revista de Direito Tributário nº 60 – Malheiros Editores - fls. 65 à 72.

Excertos:

"13. Agora: pretender que, em qualquer hipótese, o IPTU somente pode ser progressivo se incluso no plano diretor mais lei municipal específica mais lei federal é brigar até com a interpretação literal. É contrariar a formulação expressa do art. 182, § 4º, II, que só cogita de IPTU progressivo no tempo. Trivial que a progressividade no tempo é apenas uma das manifestações desse fenômeno muito mais amplo, a progressividade: no espaço; segundo o valor do imóvel, a superfície, a sua destinação, o gabarito ou número de pavimentos, critérios mistos (v., por todos, Mizabel Derzi, op. Cit. Págs. 296 e Seg.)

14. Mesmo que procedente fora a contraposição à progressividade do IPTU, ela teria uma limitação congênita: aplicar-se-ia apenas ao IPTU progressivo no tempo. Não às demais formas de manifestação de sua progressividade. Essa conclusão não escapou à argúcia de Geraldo Ataliba: "Mas, a circunstância de o próprio art. 182 prever que pode ser estimulada, induzida - se não mesmo forçada – a edificação e a adequada utilização de imóveis urbanos, mediante a aplicação de um IPTU "progressivo no tempo", já mostra que as demais razões de progressividade (razões que não dizem respeito à disciplina urbana), bem como outros critérios (que não sejam o tempo) são perfeitamente tolerados".

Essa citação é particularmente importante para afastar o preconceito de uma interpretação literal que não ousa dizer o seu nome: a que vem prevalecendo em face do art. 182 da CF..

27. Finalmente deve-se observar que, se a progressividade do IPTU no tempo estivesse efetivamente vedada sem os pressupostos do art. 182, § 4º, II, e identificados estes não só com a exigência de lei federal prévia, ela estaria implicitamente admitida para todos os outros casos no exercício da competência tributária municipal (Cf, art. 156, I, § 1º). Quer dizer: somente poderia admitir-se a vedação implícita com o reconhecimento da autorização explícita, fora da hipótese excepcional do concurso entre a competência da União e do Município. IPTU progressivo em função do valor do imóvel, p. ex., nada tem a ver com a hipótese do art. 182, § 4º, II. Não é, em suma, IPTU progressivo no tempo."


MESA DE DEBATES – IMPOSTOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS (ICMS – IPTU – ISS)

VI CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

publicado na Revista de Direito Tributário nº 60 – Malheiros Editores - Excertos -.Fls. 166 à 190.

Prof. Souto Maior Borges

"Vejam vocês o seguinte: assaca-se contra a progressividade, por exemplo (vamos ser claros e dar nome aos bois): a progressividade do IPTU na cidade de São Paulo. Ah, mas nós temos as pobres viúvas pensionistas da previdência social, e essas eventualmente herdeiras de imóveis faustosos, luxuosos, mas sem renda bastante para pagar tanto dinheiro ao erário municipal. Eu repito: Direito é feito para aquilo que normalmente acontece.(2) Seguramente essa é uma situação mais que excepcional; é excepcionalíssima no universo dos contribuintes do IPTU. Portanto, no caso concreto de aplicação do Direito é que irá se indicar que eventualmente o exercício da pretensão tributária é inconstitucional. Não confundir pretensão tributária inconstitucional com lei tributária inconstitucional, coisas inteiramente diferentes uma da outra, coisas inteiramente distintas.

Portanto uma lei inconstitucional pode ser objeto de uma aplicação inconstitucional na medida em que desconsidere a ausência da capacidade contributiva num caso individual isolado. Isso é questão de fato, não há que ser apreciada a priori com critérios que pretendam generalizar um abuso de indução, exatamente num caso particular que é absolutamente excepcional.

Dir-se-á em contraposição: mas se é assim, a Constituição Federal, quando se refere ao imposto de renda escreve que esse imposto será informado pelo critério da progressividade (art. 153 § 2º, I). Então no particular ela é inócua. Eu estou até disposto a conceder que ela se torne inócua, mas jamais estarei disposto a concordar com o argumento que venha a dizer que, por causa disso, unicamente se aplica a progressividade no campo restrito ao imposto de renda, com a exclusão do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. Não vejo razão para isso. É mais uma aplicação indevida do argumento a contrário sensu a qual denunciei aqui. Não tem sentido isso. E além do mais o argumento não prova, ele peca pela sua base. - com a devida vênia do Prof. Aires.

Vamos supor esta hipótese, apenas para efeito de clarear o raciocínio: art. 5º, item I: "todos são iguais perante a lei". Igualdade perante a lei no sentido Kelseniano, igualdade formal. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos dessa Constituição. Igualdade na lei, igualdade de conteúdo - ou contenudística, como dizia Pontes de Miranda, igualdade material. Isonomia é um princípio que condiciona todo o elenco dos direitos e garantias individuais. Tirou-se a isonomia, matou-se simplesmente o art. 5º. Não é simplesmente suprimir um dispositivo qualquer, como por exemplo aconteceria se tirasse o habeas data, o habeas corpus ou mandado de segurança; sentir-se-ia muita falta desses direitos mas os outros dispositivos permaneceriam intactos. Agora, tirar a isonomia matou o resto!

Lição que eu, o Prof. Ataliba e todos nós aprendemos, a de que o princípio implícito tem o mesmo grau de positividade do princípio expresso e eventualmente até a mesma eficácia. Portanto, não haveria necessidade alguma, a partir da isonomia constitucional, de reiterar-se no art. 145 do texto constitucional a graduação do imposto conforme a capacidade contributiva. É reiteração surpérflua, no âmbito fiscal, do princípio da isonomia. Não haveria necessidade de se falar em proibição de instituir tratamento desigual tributário entre contribuintes que se encontram em situação equivalente. A cláusula é a repetição do princípio da isonomia projetado no campo tributário.

Mas é pouco, para a tendência reinante à pormenorização constitucional, falar genericamente em capacidade contributiva. Vem um dispositivo que trata da competência da União e diz que o imposto de renda será informado pelo critério da progressividade. Nenhum deles é inútil, mas todos eles são redundantes, eles provocam problemas que decorrem exatamente do excesso de pormenorização constitucional. Só isso! Agora, seguramente desse critério eu não posso extrair conclusão a favor da progressividade restrita ao imposto de renda e da negação de progressividade no tocante ao imposto predial urbano, sem violentar tudo! Estou disposto a conceder que essa argumentação venha a ser literalmente arrasada. Agora, é preciso que ela efetivamente o seja. "

(Grifos nossos)


SACHA CALMON NAVARRO COELHO - Prof. De Direito Financeiro e Tributário da Escola de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, nos cursos de graduação e pós-graduação. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e advogado.

Obra: Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributários

Ed. Forense

Excertos: Págs. 256 à 258

"Pode-se dizer, sem medo, que o IPTU admite a progressividade estribado em duas matrizes:

(a) A matriz da política urbana, cujo fundamento constitucional tem sede na disposição que acabamos de transcrever, em prol da ordenação urbanística das municipalidades (progressividade extrafiscal no tempo) e

(b) A matriz da capacidade do contribuinte que exsurge do art. 145, § 1º da CF.

Esta última progressividade não cresce ano a ano no funil do tempo, como a anterior. Nesta, o imposto em si é estruturado com alíquotas progressivas e, pois, menores e maiores no espelho do tempo (alíquotas existentes num mesmo instante).

No primeiro caso, a meta optata é remover obstáculos ao plano diretor. Na segunda, procura-se, em função da pessoa do proprietário (imóveis mais valorizados, número de imóveis possuídos, tamanho da propriedade imóvel etc) fazer atuar o princípio da capacidade contributiva. Agora, se o suposto rico tiver imóveis mas não capacidade econômica, a sua alíquota poderá ser contestada em juízo. (3)

Concluímos que a par da progressividade por motivos outros, centrada e baseada na capacidade contributiva do proprietário, existe a progressividade no tempo, esta especial, pois limita-se ao imposto territorial urbano, tão-somente imóveis não edificados."

(grifos nossos)


Agregam-se, na mesma linha, os mestres: Alcides Jorge Costa e Hugo de Brito Machado, entre outros.

A progressividade do IPTU, da forma como foi inserida na Constituição atual, gerou controvérsias, dividindo a doutrina nacional, uma vez que a posição que vem, presentemente, sendo adotada pelo STF está acompanhada, também, por outros notáveis da ciência jurídica, como: Marco Aurélio Greco, Ives Gandra da Silva Martins, Celso Ribeiro Bastos, etc.


PRINCÍPIO DA ISONOMIA E PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da isonomia está inserido como um dos pilares fundamentais do direito, constando, portanto, em todas as constituições democráticas. Constituiu, pois, uma verdadeira revolução nas regras de coexistência social, tornando-se um verdadeiro ícone da aplicação da justiça. Pode-se afirmar, sem receio de exagero, que tal princípio configurou um verdadeiro marco na graduação de importância que o ser humano logrou obter em sua conturbada trajetória na lapidação de seu processo civilizatório. O princípio da igualdade como fundamento do direito e inegável expressão da própria democracia, está inarredavelmente atrelado à concepção essencial da justiça social.

Em nossa Carta Magna o princípio da isonomia ou da igualdade aparece de forma explícita e implícita em diversos dispositivos, com destaque para o caput do art. 5º no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:..."


PROGRESSIVIDADE COMO INSTRUMENTO DE GRADUAÇÃO DO IMPACTO DA TRIBUTAÇÃO EM CONTRIBUINTES DE DIFERENTES OU DE NENHUMA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA - COROLÁRIO DA JUSTIÇA FISCAL

Entendemos, particularmente, que o emprego do termo progressividade guarda relativa impropriedade, na medida em que deixa margem à uma visão unilateral de aumento de imposto, quando na verdade o que se persegue é a graduação da justa tributação, ou seja, a adequação da tributação ao princípio da isonomia, considerando-se a capacidade contributiva.

A utilização de alíquotas diferenciadas, representa, antes de tudo, uma forma de proporcionalidade graduada, ou seja, uma redução do imposto para os que, pelo menos exteriorizem sinais de menor capacidade de contribuir. No IPTU, os sinais dessa capacidade, de forma geral, somente podem ser aferidos pelo menor ou maior valor do correspondente imóvel, independentemente da eventual situação de seu proprietário ou possuidor.

No entanto, em alguns casos, pode não haver uma relação necessária entre esse valor e a capacidade financeira do contribuinte. No caso de sua situação particularizada não permitir arcar com o ônus da tributação, deve o contribuinte socorrer-se dos mecanismos que a norma tributária coloca à sua disposição, requerendo a remissão total ou parcial do débito. Relevante, entretanto, ressaltar que tal alternativa é de ordem subjetiva, dependente das peculiaridades de cada caso.

O art. 172 do Código Tributário Nacional, assim estatui:

"Art. 172 – A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:

I – à situação econômica do sujeito passivo;

II - ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato;

III - à diminuta importância do crédito tributário;

IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;

V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.

Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155."

Grifos nossos.

O instituto da remissão, está albergado na legislação tributária municipal, no seguinte dispositivo da Lei nº 7.935/98, do Município de Belém:

"Art. 3º - O Chefe do Poder Executivo poderá conceder, por ato administrativo próprio, a contribuintes pessoas físicas, por despacho fundamentado, a remissão total ou parcial de crédito tributário, tendo em vista os seguintes princípios:

I - a situação econômica do sujeito passivo;

II - erro ou ignorância escusável do sujeito passivo quanto à matéria de fato;

III - a diminuta importância do crédito tributário;

IV - considerações de eqüidade, em relação às características pessoais ou materiais em cada caso;

V - as condições peculiares a determinada região do território do município.

§ 1º - Os procedimentos administrativos que versarem sobre a matéria regulada neste artigo deverão ser protocolados, junto com suas razões, na Secretaria Municipal de Finanças do Município.

§ 2º - A remissão de que trata este artigo só será concedida, ao contribuinte pessoa física, desde que este não possua outro imóvel urbano no território do município.

§ 3º - A remissão do crédito tributário, cujo fundamento sejam os incisos I ou IV deste artigo, fica condicionada ao parecer prévio do serviço social da prefeitura, publicado no Diário Oficial do Município, 30 (trinta) dias antes da concessão."

Grifos nossos

Torna-se relevante ressaltarmos que o instituto da remissão aplica-se indistintamente a todos os tributos, inclusive ao imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (onde é pacífica a progressividade), alcançando, dentre outras, situações de comprovada incapacidade contributiva. Atinge, portanto, casos individualizados, onde a norma de ordem geral não logra abranger com a graduação da carga tributária, via progressividade, nem tampouco com a concessão de isenções.

Como enfatizou o festejado mestre Souto Maior, "Direito é feito para aquilo que normalmente acontece" Sim, desde que o interessado não se quede em inércia, pois se assim proceder ver-se-á preterido. Guarda, sem dúvida, inegável procedência a consagrada expressão proveniente do direito romano: DORMIENTIBUS NON SUCCURRIT JUS - O DIREITO NÃO SOCORRE QUEM DORME.

Não há guarida, portanto, para os que, mesmo sentido-se afetados e enquadrando-se nas situações merecedoras de tratamento diferenciado e particularizados, não bradam pela via do direito, não usam do JUS ESPERNIANDI - O DIREITO DE ESPERNEAR PELO SEU DIREITO.

Como se vê, o tratamento relativo às situações excepcionais está previsto pela norma jurídica tributária. Agora, entender que tais exceções devam nortear a aplicação da norma de forma geral, seria a apologia da injustiça com a maioria dos contribuintes de menor capacidade contributiva. Seria, indubitavelmente, favorecer a uma minoria de maior capacidade contributiva, na garupa de situações especiais que devem ser identificadas caso a caso.

A prevalecer, portanto, o argumento que tem sido corrente nos adversários da graduação da carga tributária, pela capacidade contributiva, no IPTU, haveria, com certeza, um injusto e desmedido enriquecimento sem causa dos já mais aquinhoados.

No IPTU, exclusive as isenções, a progressividade é a única ferramenta de graduação da carga tributária que leva em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo. Nesse caso, a verdadeira contraposição à progressividade dá-se, em última análise, à própria graduação do tributo, ou seja: a aplicação do princípio da capacidade contributiva é que, na verdade, termina prejudicada com a não utilização da progressividade ad valorem. Ao tratar-se igualmente aos desiguais, com o estabelecimento de uma alíquota única, atinge-se, também, o próprio princípio da isonomia.

Neste ponto, reside uma visão completamente distorcida. Vesga mesmo. Uma vez que ao se atacar a progressividade, enxerga-se, tão-somente, o chamado "andar de cima", ou seja, o lado representado pelos que são atingidos pela tributação proporcionalmente compatível com a maior valorização de seu bens imóveis, que serão imediatamente beneficiados com a instituição de uma alíquota única.

Na verdade, é até compreensível que essa forma de ver encontre abrigo entre os que tem maior capacidade contributiva, pois representa, induvidosamente, uma oportunidade de minorar a tributação incidente. Porque haveriam de ser contra?

Nesse aspecto, no entanto, manifesta-se a unilateralidade da visão, pois o mais difícil é conseguirmos enxergar acima daquilo que nos cerca, procurando olhar além do horizonte do imediatismo dos nossos interesses. Vislumbrar que nossos interesses particulares ficam eivados de ilegitimidade se sobrevivem, tão-somente, em detrimento dos menos aquinhoados. Sensibilizar-se com o problema de outrem, enfim, priorizar o social, acima de seu particular, sempre constituiu atitude extremamente rara.

Por conta dessa visão, nas posições que tem sido adotadas em relação ao IPTU de Belém, foram apontados exemplos que procuraram demonstrar que a utilização de uma alíquota única já atenderia ao princípio da capacidade contributiva, de vez que a própria diferença dos valores venais estabeleceria a distribuição justa da carga tributária.

Dentro dessa premissa, inferiu-se que uma alíquota única beneficiaria o imóvel de menor valor, simplesmente pelo fato de ser menor e gravaria de forma justa o imóvel de maior valor, apenas pelo fato de ser maior.

Tal mentalidade, deixa completamente a latere, o fato de que nos contribuintes de menor capacidade contributiva (que constituem indubitavelmente o universo maior), o peso do encargo financeiro, embora de menor expressão monetária, tem via de regra maior repercussão no respectivo orçamento.


A REDUÇÃO DAS ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS

impressionou-nos bastante, ainda, o fato de que a maior resistência à utilização das alíquotas progressivas tenha surgido justamente quando ocorreu uma revisão da sua distribuição. Revisão essa que resultou numa redução em todos os patamares que vinham sendo utilizados há praticamente dez anos. Tal fato, foi reconhecido expressamente no artigo O IPTU PROGRESSIVO, de autoria do eminente Professor Fernando Machado da Silva Lima, publicado em O LIBERAL, na data de 15.02.2000, na parte que transcrevemos adiante:

"Entendemos que essa pretensão é juridicamente impossível, por dez motivos básicos, abaixo relacionados, embora não necessariamente em ordem de importância:

Primeiro.

Quarto, porque a cobrança do IPTU com base nessas leis, de 77 e 81, seria ainda pior para a grande maioria dos contribuintes, porque suas alíquotas são maiores do que as exigidas pela Lei 7.934/98, atual.

Quinto, complementando a Quarta razão, porque qualquer imóvel residencial próprio, que hoje paga 0,15%, passaria a pagar 0,30%.

Sexto, porque seria ressuscitada a figura do imóvel residencial alugado, com a alíquota de 0,60% e assim todos os inquilinos, que hoje pagam 0,15%, 0,30% ou 0,40%, passariam a pagar 0,60%.

Sétimo, porque todos os imóveis não residenciais passariam a pagar 0,90%, desaparecendo a alíquota de 0,5%, hoje cobrada exatamente dos imóveis de menor valor venal.

Oitavo, porque em relação aos imóveis não edificados, desapareceria a alíquota de 1,00%, cobrada dos imóveis de menor valor (até 30.200 Ufir), e a menor alíquota passaria a ser de 1,5%. "

Reportando-nos, ainda, à aferição da capacidade contributiva, cumpre-nos enfatizar que o § 1º do art. 145 da CF/88, configura, antes de tudo, um princípio basilar do direito tributário, o qual tem sua procedência nos próprios fundamentos que norteiam a razão e o objetivo de ser do Estado, quais sejam o de alcançar o "bem comum".

Deve, pois, em todos os campos do direito, haver a prevalência do interesse da comunidade. Prevalência do Interesse social, sendo defeso que o interesse de particulares ou de grupos a este sobreponha. Assim é que, realmente, a supressão das alíquotas diferenciadas (progressivas), certa e comprovadamente, só viria a beneficiar aos proprietários ou possuidores de imóveis de maior valor venal, principalmente se for mantida a menor alíquota.

Nesse aspecto, não constitui demasia rebater o ponto da repercussão do montante do imposto em contribuintes de menor capacidade contributiva:

A carga tributária resultante da aplicação de um IPTU de alíquota única, recairá mais pesadamente sobre um contribuinte proprietário ou possuidor de um imóvel de pequeno valor venal, do que sobre outro de maior valor, embora se os respectivos valores forem comparados diretamente entre si, pareça o primeiro ser irrisório.

Irrisório, talvez, se apenas olhado pelo prisma do contribuinte do imóvel mais valioso. Porém, para o menos aquinhoado financeiramente, morador do imóvel modesto, tal valor certamente terá um peso bem maior em seu orçamento do que no do outro contribuinte. Vale lembrar, que as situações representadas por pessoas que embora sejam proprietárias ou possuidoras de imóveis valiosos, não possuam capacidade financeira para arcar com a tributação, são exemplos particularizados e como tal devem ser tratados.

Pensar de forma contrária, significa, parodiando a citação Bíblica, também achar que as moedinhas da pobre viúva nada valeriam para ela, por nada valerem se comparadas com as moedas de ouro dos mais aquinhoados.

Deve-se ter em mente, nessa questão da capacidade contributiva, que via de regra uma pessoa que mora num imóvel de modesto valor, não está lá por puro diletantismo ou opção pela pobreza. Está nessa condição por ser a única que seu poder aquisitivo permite. Em situação oposta está um contribuinte possuidor de diversos imóveis que, embora de pequeno valor cada um, somados venham a equiparar-se, patrimonialmente, a um imóvel de maior valor. Neste último caso, os princípios da isonomia e da justiça fiscal, determinam tratá-lo de forma diferente do primeiro caso.

Voltando ao ponto do imóvel menos valorizado, atendendo ao princípio da capacidade contributiva, o Município tem competência, mediante lei, para conceder até isenções aos contribuintes, em patamar que estabeleça.

A dispensa total do imposto incidente, nesse caso, configura antes de tudo a utilização do princípio da capacidade contributiva e a aplicação da justiça social. Da mesma forma que lhe compete dispensar o imposto, pela isenção total do gravame tributário, pelos mesmos princípios consagrados na Constituição Federal, compete-lhe também graduar o impacto da tributação. Por efeito, a tributação graduada para menos, representa uma maneira de isentar parcialmente, embora sob forma jurídica diversa, qual seja, a da diferenciação das alíquotas que, segundo nosso entendimento, foi impropriamente denominada de progressividade.


DO RECADASTRAMENTO

Quanto aos efeitos do recadastramento, realizado em Belém, excetuando-se as situações decorrentes de erro de fato, que são passíveis de serem sanadas pela autoridade administrativa, mediante provocação do contribuinte, o aumento do tributo em relação à situação anterior traduzir-se-ia, tão-somente em adequação à realidade. Nos casos em que o contribuinte tinha o valor venal de seu imóvel, nos anos anteriores, bem inferior à realidade, ou porque a medição do cadastro anterior era menor e/ou em razão de melhorias na via pública que lhe valorizaram o bem, refletindo na apuração do respectivo valor venal, não se pode falar em majoração indevida de imposto.

Aliás precisamente quanto ao Cadastro Imobiliário Municipal, vislumbramos oportuno as assertivas do advogado Sérgio Tostes em trabalho apresentado e aprovado por unanimidade no II Congresso Interamericano de Direito Tributário, realizado em São Paulo, de 19 a 21 de novembro de 1975 (pub. págs. 659 à 670 na Revista da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro – ano II, Vol II maio/agosto 1976):

"verbis"

"ANÁLISE CRÍTICA DOS TRIBUTOS MUNICIPAIS

Imposto Predial

Sua eficiência em termos de arrecadação depende basicamente de uma atualização do valor venal das propriedades. A administração do imposto é relativamente pouco onerosa desde que exista um cadastramento efetivo das propriedades imobiliárias. Caso o valor venal, em função do qual é feito o lançamento do imposto, não corresponda à realidade econômica do bem imóvel, a eficiência do imposto estará prejudicada. Sendo o imposto cobrado apenas uma vez por ano, e tomando por base dados fixos praticamente imutáveis, a não ser em termos de atualização de valores, isto permite que o Poder Municipal tenha condições de planejar os meios de atendimento de parte da despesa de forma segura.

O imposto predial apresenta boa margem de segurança de que haverá arrecadação por dois fatores:

I - a base tributável representa um valor real, de difícil perecimento;

II - a propriedade é dado indicativo de uma capacidade econômica para o pagamento do tributo.

O grande investimento para uma arrecadação eficiente consiste no cadastramento inicial do valor venal das propriedades. Depois desta fase inicial bastaria manter-se o cadastramento em termos de:

I - atualização constante dos valores venais;

II - indicação de novas propriedades."

Grifos nossos


Em conclusão: Na Constituição de 1988 a progressividade fiscal não está particularizada em relação ao IPTU, como está a extra-fiscal, em razão de que, para tal, bastam os preceitos do § 1º do art. 145(Sempre que possível.), na medida em que nesse imposto há possibilidade de ser considerada a capacidade contributiva dos contribuintes, em razão do valor venal dos respectivos imóveis. Embora, tal capacidade seja melhor exteriorizada de forma financeira no imposto de renda, no IPTU não se pode afirmar ser impossível, estribando-se para isso em situações particularizadas.

Daí porque, mercê de toda essa confusão gerada, que só beneficia os que tem maior capacidade contributiva, é que nas propostas de reforma constitucional pretende-se que a Constituição, desta feita, torne expressa a progressividade fiscal do IPTU, aos moldes do que, hoje já, redundantemente, faz com o imposto de renda.

Induvidosamente, o princípio da Isonomia Tributária não sobrevive, em sua plenitude, sem a existência do Princípio da Capacidade Contributiva. Tais princípios, devem subordinar o legislador, cabendo de sua parte ao Poder Judiciário controlar a sua aplicabilidade, como poder de verificação e controle da constitucionalidade das normas jurídicas, de forma que, em casos da espécie, a progressividade, quando abusiva, não venha a extrapolar os limites da própria capacidade contributiva, que lhe deu causa, transformando-se, com isso, em verdadeiro confisco.

Finalmente, entendemos relevante ressaltar que os renomados Mestres do Direito Tributário que se opõem à utilização da progressividade fiscal do IPTU, adotam tal posição, não por entenderem ser ela incompatível com o princípio da capacidade contributiva e sim, preponderantemente, por interpretarem que a Constituição de 1988 teria, tão-somente, admitido o seu uso no tempo, como forma de atender à função social da propriedade.

Em nenhum momento, pois, afirmaram que a progressividade, de per si, representaria aumento abusivo da carga tributária, hipótese que, se efetivamente ocorrida, a transformaria em confisco, o que é expressamente vedado pela Constituição. Seguramente, não é o caso do IPTU/2000.

Ilustrativamente, remetendo à questão do IPTU, como imposto de natureza real, tese que vem ganhando corpo no STF, para negar a utilização da progressividade, cumpre-nos afirmar que nenhuma forma de tributação hoje tem natureza exclusivamente arrecadatória. Até nos impostos indiretos como o ICMS, embora de forma oblíqua, houve incursão no campo da capacidade contributiva, a exemplo da isenção para os produtos da cesta básica que objetiva favorecer os consumidores de menor poder aquisitivo. Consumidores, que são os verdadeiros contribuintes. Contribuintes de fato.


Notas

(1) A progressividade expressa do IPTU foi inserida na CF/88, mediante a Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, sobre a qual procederemos um estudo, uma vez que, segundo entendemos, não significa que tal figura inexistia nesse tributo municipal.

(2) A norma tributária contém mecanismos específicos para situações anômalas, como a do exemplo dado pelo ilustre professor. (art. 172, I do CTN – Remissão em face da situação econômica do sujeito passivo).

(3) São situações subjetivas e particularizadas, que devem ser olhadas caso a caso, na aplicação da proteção jurisdicional.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JÚNIOR, Aurelino Sousa dos. O IPTU do município de Belém: um contraponto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1397. Acesso em: 26 abr. 2024.