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A investigação de paternidade na reprodução artificial heteróloga

A investigação de paternidade na reprodução artificial heteróloga

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Tal investigação será cabível em apenas três hipóteses: a) necessidade psicológica da criança em conhecer sua origem biológica; b) intuito de preservar os impedimentos matrimoniais; c) tratamento de doenças genéticas ou hereditárias.

"Você me diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo; isso é absurdo. São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer."

Renato Russo

RESUMO

Analisa a possibilidade de que a criança concebida pelo método de reprodução artificial heteróloga venha investigar sua paternidade biológica. Verifica a evolução jurídico-normativa do estado de filiação no Direito brasileiro, constatando como uma das mais importantes conquistas a supressão da discriminatória classificação dos filhos em espécies, conforme havidos ou não na constância do vínculo matrimonial. Apresenta as diversas espécies de paternidade, quais sejam: a) paternidade biológica; b) paternidade civil; c) paternidade jurídica; d) paternidade socioafetiva. Aborda os métodos e técnicas de reprodução humana medicamente assistida, com sua implicação no campo da bioética. Trata a questão da paternidade socioafetiva na reprodução artificial heteróloga, apontando a fixação do vínculo paterno-filial entre a criança e o casal receptor pelo afeto, em detrimento do vínculo biológico existente entre aquela e o terceiro doador do material genético. Conclui que a investigação da paternidade biológica pela criança concebida por reprodução artificial heteróloga, em já estando fixada a paternidade socioafetiva, será possível apenas para o efeito de se revelar a identidade civil do doador, sem suscitar, no entanto, direitos à sucessão, nome ou alimentos. Tal investigação será cabível em apenas três hipóteses: a) necessidade psicológica da criança em conhecer sua origem biológica; b) intuito de preservar os impedimentos matrimoniais; c) tratamento de doenças genéticas ou hereditárias.

Palavras-chave: reprodução humana medicamente assistida; reprodução artificial heteróloga; bioética; investigação de paternidade; paternidade socioafetiva.

abstract

It analyzes the possibility of that the child conceived for the method of heterologous artificial reproduction comes to investigate its biological paternity. It verifies the legal-normative evolution of the state of filiation in the Brazilian Right, evidencing as the one of the most important conquests suppression of the discriminatory classification of the children in species, as had or not in the constancy of the marriage bond. It presents the diverse species of paternity, which are: a) the biological paternity; b) civil paternity; c) legal paternity; d) social-affectionate paternity. It approaches the methods and techniques of reproduction human being medically attended, with its implication in the field of the bio-ethical. It deals with the question the social-affectionate paternity in the heterologous artificial reproduction, pointing the setting of the bond paternal-branch office between the child and the receiving couple for the affection, in detriment of the existing biological bond between that one and the third giver of the genetic material. It concludes that the inquiry of the biological paternity for the child conceived for heterologous artificial reproduction, in already being fixed the social- affectionate paternity, its just will be possible for the effect of revealing the donor''s civil identity, without exciting, however, rights to the succession, name or foods. Such inquiry will be reasonable only in three hypotheses: a) the psychological necessity of the child in knowing his/her origin biological; b) intention to preserve the conditions that prohibit the marriage; c) the treatment of diseases genetic or hereditary.

Key-words: reproduction human medically attended; heterologous reproduction artificial; bio-ethical; investigation of paternity; social-affectionate paternity.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO . 2A PATERNIDADE COMO VÍNCULO JURÍDICO-BIOLÓGICO NO DIREITO BRASILEIRO . 2.1 Evolução Jurídico-Normativa do Estado de Filiação . 3 Espécies de Paternidade . 3.1 Paternidade Biológica . 3.2 Paternidade Civil . 3.3 Paternidade Jurídica .3.4 Paternidade Socioafetiva . 4 A FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA . 4.1 A Reprodução Assistida, os Conflitos de Paternidade e a Bioética . 4.2 Principais Técnicas de Reprodução Assistida (RA) . 4.2.1 Inseminação Artificial (IA) . 4.2.2 Fertilização In Vitro (FIV) . 4.2.3 Reprodução pelos Gametas (GIFT) . 4.2.4 Reprodução com Zigotos (ZIFT) . 4.2.5 Reprodução com Embriões (FIVET) . 4.2.6 Reprodução pela Clonagem . 5A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NA REPRODUÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA . 5.1 Investigação da Paternidade Biológica . 5.1.1 Efeitos Jurídicos . 5.1.1.1 Necessidade psicológica . 5.1.1.2 Impedimentos matrimoniais . 5.1.1.3 Doenças genéticas ou hereditárias . 6 CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS . ANEXOS . ANEXO A – Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina


1 INTRODUÇÃO

Tem-se vivido nos últimos anos uma era revolucionária no campo da biotecnologia. O avanço da ciência tem atingido as mais diversas áreas da vida humana, representando, por um lado, inegável contribuição à sociedade, na medida em que tem proporcionado a solução de problemas das mais variadas ordens, a pouco de difícil ou até mesmo inimaginável solução.

Todavia, noutro vértice, toda evolução social traz consigo inovações que, naturalmente, não são de plano abarcadas pelo ordenamento jurídico. Nesse contexto, surgem conflitos de difícil solução, uma vez que o aplicador do Direito vê-se diante de uma verdadeira carência normativa, o que, como é cediço, não o eximirá de dar solução ao caso concreto.

Desde meados do século passado até os dias atuais, assiste-se a uma verdadeira revolução tecnológica no campo da biomedicina, e, em particular, no que tange à reprodução humana medicamente assistida. Diversas técnicas têm sido criadas, estudadas, experimentadas e aperfeiçoadas, aumentando-se cada vez mais as possibilidades de se promover a reprodução humana de maneira "não natural", ou seja, em laboratório.

As técnicas de reprodução assistida são indicadas a casais que não tenham obtido sucesso através dos métodos "naturais" de concepção. Possibilitam, portanto, a intervenção médica com o escopo de "auxiliar" e assistir o processo de fertilização dos gametas em laboratório (in vitro).

As técnicas de reprodução assistida podem ser divididas basicamente em dois grupos: homóloga e heteróloga. A reprodução homóloga ocorre quando se utiliza o material genético (gametas masculino e feminino) do próprio casal que deseja submeter-se à técnica. Já na reprodução heteróloga, é utilizado o material genético de, pelo menos, um terceiro, alheio ao casal receptor.

Notadamente, esta última espécie apresenta uma problemática muito mais complexa e com deslindes muito mais difíceis de serem solucionados. Por envolver a figura de um terceiro doador de material genético, estranho ao casal receptor, a reprodução heteróloga suscita implicações extremamente conturbadas acerca de sua eticidade, bem como no tocante à relação paterno-filial existente entre a criança concebida por esta técnica e seus "pais" biológicos e afetivos.

Quanto à reprodução heteróloga, acorda-se que deva ser empregada em casais realmente impossibilitados de terem filhos, não só de forma natural, mas também quando se mostra inviável a reprodução artificial homóloga. Nesse caso, o casal contará com a "ajuda" de um terceiro doador do material genético, por intermédio dos chamados bancos de sêmen, os quais preservam o anonimato do doador.

Cria-se então, entre o casal submetido a essa técnica e a criança por ela havida, uma relação paterno-filial socioafetiva, de amor, afeto e carinho, transcendendo aos limites do vínculo genético-biológico, tal qual se verifica no instituto da adoção.

O casal que se submete a essa técnica abdica do tão venerado vínculo biológico para com a criança, no anseio puro e simples de poderem ser pais. Dessa forma, se fixa o vínculo afetivo de paternidade, vínculo este que, tal qual ocorre na adoção, é irrevogável.

Por outro lado, inegavelmente subsiste entre a criança e o doador o vínculo biológico.

Assim, surge notável e até mesmo previsível problemática, qual seja: poderá a criança concebida por esse método pretender investigar futuramente sua "paternidade" biológica, sua ancestralidade genética?

Todavia, em que pese a relevância do tema, frise-se, não há ainda legislação dispondo sobre a matéria, fato este que, por certo, implicará uma maior dificuldade em se dar solução ao caso concreto por parte do operador do Direito.


2 A PATERNIDADE COMO VÍNCULO JURÍDICO-BIOLÓGICO NO DIREITO BRASILEIRO

Historicamente, a relação paterno-filial é calcada nos princípios norteadores do direito de família, tendo no vínculo matrimonial a gênese de toda a constituição familiar.

No direito romano, o modelo familiar patriarcal outorgava ao pater familias autoridade absoluta sobre toda a descendência, na qualidade de pai, sacerdote e juiz, inclusive com poderes de vida e morte sobre o grupo familiar.

A mulher detinha condição equiparada à dos próprios filhos, em relação ao chefe da entidade familiar, eis que todos estavam sob sua total e incondicional autoridade.

No curso da história, o Estado vem a desempenhar papel marcante na regulamentação e codificação das relações familiares, mormente no que tange às relações conjugais e paterno-filiais, intervindo de maneira crucial nessas relações, ditando direitos e deveres, traço este característico do sistema jurídico romano-germânico.

Hodiernamente, as relações que envolvem questão de paternidade estão galgadas a um status de direitos personalíssimos e indisponíveis, a uma condição de ordem pública, onde a análise e interpretação das normas e sua aplicação ao caso concreto dão-se à luz de princípios próprios e característicos.

Segundo Luiz Roberto de Assumpção, [01] é possível visualizar o sistema jurídico nacional em três momentos, quais sejam, o da pré-codificação, o da codificação propriamente dita e o da pós-codificação (contemporâneo).

O primeiro momento histórico diz respeito à "descoberta" e à colonização portuguesa. Consistiu na implantação do ordenamento jurídico lusitano (Ordenações) em solo pátrio; é o chamado "colonialismo jurídico".

O processo de colonização, transcendente aos limites do território nacional, e imposto precipuamente pelos europeus, implicou um fenômeno de padronização, e conseqüente desconsideração de toda e qualquer forma de expressão cultural, atingindo ainda, na perspectiva jurídica, todo um conjunto de normas organizacionais de conduta, assim como práticas nativas consuetudinárias, por parte do colonizador, em detrimento das diversas nações indígenas existentes à época.

Nesse período, a ordem jurídica tinha como base as Ordenações do Reino de Portugal, as quais possuíam conteúdo assento no direito romano, inspirado em valores divinos.

Com a Independência, nasce a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, e posteriormente, com a proclamação da República, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891.

Nota-se, num primeiro momento, a consolidação de poder da Coroa Portuguesa sobre a colônia, e num segundo, do infante Estado brasileiro, o que denota ser o exercício da própria soberania.

Mesmo com a Independência em 1822, no aspecto jurídico, ainda remanesceram alguns laços entre Brasil e Portugal. Ainda à época da Carta de 1824, primeira Constituição do Estado Brasileiro, havia disposição legal no sentido de que, enquanto não fosse criado um Código, aplicar-se-ia a legislação civil portuguesa, precipuamente as Ordenações. Tal Constituição, por sua vez, conforme observa Maria Helena Diniz,nada continha sobre o casamento e muito menos sobre o concubinato, reinando, então, o casamento religioso provado pelo registro paroquial. [02]

Após inúmeras tentativas de codificação, tem-se em 1916 a elaboração do Código Civil Brasileiro. Ressalte-se, porém, que o Código Criminal já havia sido elaborado em 1831.

O processo de codificação representou muito mais que uma necessidade histórica. Sob marcante influência dos movimentos europeus, seguindo o modelo romano-germânico, representou o ingresso do Brasil na modernidade jurídica.

No entanto, o que se observa é que o modelo jurídico importado não traduzia a realidade social brasileira da época.

Com efeito, enquanto o continente Europeu vivia um momento histórico de antinomia ao modelo feudal, e crescente processo de industrialização, o Brasil, recém "descoberto", possuía uma sociedade eminentemente rural, católica, dominada pelos coronéis e senhores de escravos.

Desta forma, a elaboração de uma legislação civil codificada era vista pelos juristas como a possibilidade de transformação da sociedade. Keila Grinberg destaca a visão de Clóvis Beviláqua sobre o Código novecentista, o qual, segundo o autor,

devia ser dotado de um caráter teórico, desvinculado mesmo de alguns aspectos da realidade do país. Dissociar o Código Civil dos próprios costumes da sociedade seria a única maneira de reformá-la, formulando regras abstratas que, ao serem aplicadas à sociedade brasileira, acabaria por forçar a sua transformação. [03]

Todavia, não foi o que ocorreu.

O Código Civil brasileiro de 1916 teve dupla influência. Com relação à forma, remete ao Código Civil alemão (Burgerlich Gesetzbuch – BGB, de 1900), quando da divisão entre Parte Geral e Parte Especial. No tocante ao conteúdo, vislumbra-se a influência do Código Civil francês de 1804, fundado em idéias do Iluminismo, bem como do próprio BGB alemão.

Assim, Clóvis Beviláqua dá início, em 1899, à elaboração do Código Civil Brasileiro, o qual será promulgado em 01/01/1916, tendo entrado em vigor em 01/01/1917, e permanecido até 11/01/2003.

Traço marcante do Código de 1916, no que tange ao direito de família, era a distinção entre filhos "legítimos" e "ilegítimos", conforme havidos ou não na constância do casamento. Dentro desta mesma classificação, vale dizer que os filhos ilegítimos eram subdivididos em "naturais" (se provindos de relação extramatrimonial entre pessoas desimpedidas ao casamento) e "espúrios" (aqueles havidos entre pessoas impedidas de se casar, compreendendo tanto os "adulterinos" – quando ao menos um dos genitores era casado com terceira pessoa –, quanto os "incestuosos" – advindos de relacionamento sexual entre parentes próximos).

A discriminação positivada foi sendo gradualmente mitigada pela legislação pós-codificada, na medida em que se buscou, ao longo do tempo, dar maior proteção aos filhos tidos por "ilegítimos", ou seja, àqueles que não se enquadravam no modelo esculpido pelo Código, o qual primava pela união sexual matrimonializada.

Após a codificação de 1916, têm-se como principais marcos legislativos, no que tange ao reconhecimento do estado de filiação, a Constituição Federal de 1988, seguindo-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei da Averiguação e Investigação da Paternidade Extramatrimonial e o novo Código Civil.

O sistema codificado de 1916 estabeleceu o matrimônio como legitimador da filiação, repelindo de forma contundente as relações sexuais fora do casamento, limitando em conseqüência o próprio reconhecimento de filhos havidos nestas circunstâncias.

Tamanhas injustiças e discriminações, positivadas pelo Código de novecentos, refletiam a sociedade brasileira da época, patriarcal, predominantemente católica, fundada em preceitos extremamente radicais e tradicionais.

Tal distinção é observada pelo teor do art. 358 do Código Civil de 1916, o qual dispunha da seguinte maneira: "Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos".

A evolução legislativa no tocante ao reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento foi aos poucos mitigando tais injustiças.

Antes da entrada em vigor do Código Civil de 1916, as Constituições brasileiras de 1824 e 1891 nada tratavam a respeito da família.

Já as Constituições do chamado "Estado Social" brasileiro, quais sejam, as de 1934, 1937, 1946, 1967/1969 e 1988, em contrapartida, trouxeram normas explícitas no que tange à família.

Nesse norte, vale destacar alguns dos aspectos mais significativos no tocante à evolução legislativa do direito de família no Brasil, numa ordem cronológica, passando-se desde as Cartas Constitucionais até a legislação ordinária, segundo observações de Luiz Roberto de Assumpção. [04]

A Constituição do Império de 1824, outorgada pelo Imperador, continha disposições sobre o casamento da princesa (art. 120), sobre a dotação à família imperial (arts. 107/108 e 112/114), sobre o herdeiro presuntivo (arts. 105/106) e sobre o palácio e terrenos (art. 115).

A Constituição da República de 1891, por sua vez, trouxe apenas uma disposição sobre o casamento (art. 72, §4º), estabelecendo que "a república só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita".

A Constituição de 1934 dedicou um capítulo à família (arts. 144/147), reconhecendo, contudo, apenas a família legítima "constituída pelo casamento indissolúvel".

A Carta de 1937 estabelecia que a família era constituída pelo casamento indissolúvel e estava sob a proteção especial do Estado. Por outro lado, previu em seu art. 126:

Art. 126. Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais.

Todavia, surgiu grande polêmica acerca da aplicabilidade ou não de tal dispositivo.

As Constituições de 1946 e 1967 não trouxeram qualquer disposição no tocante à filiação ilegítima.

O Decreto-Lei nº 4.737, de 24/09/42, permitiu o reconhecimento voluntário e forçado dos filhos adulterinos, desde que após o desquite (um pai desquitado poderia reconhecer um filho havido fora do matrimônio). Todavia, os filhos havidos de uma segunda união de desquitados eram considerados filhos adulterinos, não podendo ser reconhecidos. Significou grande evolução legislativa.

Com o advento da Lei nº 883/49, de 21/10/49, todos os filhos havidos fora do casamento poderiam agora ser reconhecidos, desde que após dissolvida a sociedade conjugal, seja pelo desquite, pela morte de um dos cônjuges ou pela anulação do casamento. Consistiu, indubitavelmente, em grande conquista para os filhos havidos fora do casamento. Porém, manteve a restrição quanto ao reconhecimento dos filhos incestuosos e dos adulterinos, na constância do casamento, vedação esta que só foi banida pela Constituição de 1988.

A Lei nº 6.515/77, de 26/12/1977, a chamada "Lei do Divórcio", trouxe significativas alterações ao direito de família brasileiro, não apenas no tocante às causas permissivas de dissolução da sociedade conjugal, mas como no que diz respeito ao reconhecimento (voluntário e forçado) dos filhos nascidos fora do casamento. Em que pese tal lei tenha representado enorme avanço no campo do direito de família, não previu reconhecimento pleno e incondicional dos chamados "filhos espúrios".

A Lei nº 7.250/84, de 14/11/84, acrescentou o § 2º ao art. 1º da Lei nº 883/49, estabelecendo que, "mediante sentença transitada em julgado", poderia o filho havido fora do casamento ser reconhecido, "pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos contínuos". Desta forma, fez-se possível o reconhecimento do filho adulterino ainda na constância do matrimônio, desde que transcorrido prazo de cinco anos da separação de fato.

A Constituição Federal de 1988, indubitavelmente, merece especial destaque como marco legislativo que representa. Expressou substancial alteração no campo do direito de família, e dentre os pontos mais significativos introduzidos pelo texto constitucional, destacam-se:

a)instituiu um novo conceito de família, como célula-base da sociedade, dando proteção à família monoparental;

b)reconheceu as uniões estáveis como entidades familiares;

c)princípio da reciprocidade de direitos e deveres entre os cônjuges no casamento;

d)princípio de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres;

e)preceito de isonomia jurídica entre os filhos de qualquer natureza e origem, havidos ou não na constância do casamento, bem como os adotivos.

Este último aspecto merece especial destaque, pois representou a definitiva extirpação do estigma que perseguiu durante a história os chamados "filhos ilegítimos" ou "espúrios", a fim de proclamar a igualdade entre todas as "classes" de filhos, sejam eles havidos ou não na constância do vínculo matrimonial.

Tal conquista veio esculpida pelo § 6º do art. 227, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe:

Art. 227. [...]

[...]

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A Lei nº 7.841/89, de 17/10/89, norteada pelos princípios constitucionais, revogou o art. 358 do Código Civil de 1916, o qual vedava o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90, de 13/07/90) teve sua gênese nos princípios e postulados constitucionais relativos ao novo estado de filiação.

Em que pese o direito à investigação do estado de filiação houvesse sido previsto e garantido por nosso Texto Maior, em seu art. 227, § 6º, sendo portanto suficiente a extirpar qualquer entendimento em contrário, o legislador infraconstitucional veio corroborar tal princípio, através de legislação especial, pelo que dispôs o art. 27 do ECA:

Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

A Lei nº 8.560/92, de 29/12/92, representa enorme conquista no campo do reconhecimento dos filhos havidos fora da relação matrimonial. É garantido a estes o reconhecimento, sem qualquer espécie de obstáculo, sendo prevista até mesmo a averiguação oficiosa da paternidade (nos casos de filhos reconhecidos apenas pela mãe), bem como a possibilidade de o Ministério Público intentar ação investigatória de paternidade.

Assim, fecha-se o ciclo evolutivo da legislação pátria no que tange ao estado de filiação extramatrimonial, eis que reconhecidos aos filhos extraconjugais todos os direitos de filiação, fundando-se para tanto, mormente, nos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do maior interesse da criança.


3 Espécies de Paternidade

A paternidade, no sentido mais amplo do termo, remete à relação existente entre pai e filho.

Tradicionalmente, o vínculo paterno-filial é visto, de forma imediata, como agregado ao elo sangüíneo existente entre duas pessoas.

Ainda nos dias atuais, o vínculo biológico entre ascendente e descendente recebe especial valoração no tocante ao estabelecimento do parentesco.

Com o avanço da biomedicina e dos métodos de reprodução humana medicamente assistida (RA), casais impossibilitados de conquistar a paternidade de modo natural têm recorrido a essas novas técnicas em busca do sucesso no processo da fertilização.

E em razão do desenvolvimento dessas novas técnicas, surgiu uma gama de relações parentais, que até então não eram visíveis. O avanço da ciência, notadamente da biotecnologia, possibilitou, para o fim da procriação, a segregação entre o ato sexual e a reprodução propriamente dita (fertilização). Com isto, estabeleceu-se uma nova relação paterno-filial,

a chamada paternidade institucional, ou seja, a relação existente não entre os doadores do material fertilizante, mas entre o casal encomendante e o embrião, resultante da união dos gametas não pertencentes a ele. [05]

3.2 Paternidade Civil

Merece especial destaque a paternidade civil, representada fundamentalmente pelo instituto da adoção.

Com efeito, o vínculo adotivo, que estabelece o estado ficto de filiação entre duas pessoas geralmente estranhas entre si, pode ser considerado como a paternidade por excelência, na acepção mais pura do termo.

Os pais adotivos o são por verdadeira e legítima escolha, por livre e espontânea vontade, pelo simples desejo de poderem criar, educar, dar amor a pessoa que, geralmente, lhes é estranha. É a expressão do mais puro amor paternal, eis que desvinculado de qualquer vínculo sangüíneo ou biológico, imbuído unicamente do caráter afetivo e humanitário.

3.3 Paternidade Jurídica

Outra espécie de paternidade que pode ser apontada é aquela advinda das chamadas "presunções legais", qual seja, a paternidade jurídica ou presumida. Tais presunções, consagradas pelo sistema codificado de 1916, encontram-se hoje sobremodo mitigadas, tendo em vista a nova ordem jurídica trazida pela Constituição de 1988, bem como pelo ECA, onde se primou pela busca da "paternidade real", em detrimento da "paternidade ficta" ou "presumida".

Segundo entendimento de Belmiro Pedro Welter:

O nascimento dos filhos na constância do matrimônio ou da união estável é tão-somente um indicativo, e não uma prova absoluta da paternidade e da maternidade. [06]

Com efeito, o avanço da biomedicina e a utilização de novas técnicas de investigação de paternidade, como o exame de DNA, permitiu que se alcançasse, com elevado grau de confiabilidade, a verdade real no que tange ao vínculo biológico de filiação.

Ademais, além das novas e avançadas técnicas de investigação de paternidade, capazes de estabelecer com certeza e confiabilidade o vínculo biológico entre pais e filhos, outro aspecto, trazido pela nova ordem jurídica, e que contribuiu sobremaneira para a derrocada das presunções legais da paternidade, foi a extirpação da distinção entre as "espécies" de filiação, garantindo-se igualdade de tratamento a todos os filhos, havidos ou não na constância do vínculo matrimonial.

Neste rumo, presunções como pater is est quem nuptias demonstrant, esculpida pelo art. 340 do Código de 1916, ou mesmo o clássico adágio romano mater certíssima, pater semper incertus, são postas em xeque, levando-se a buscar a paternidade real, seja ela biológica ou socioafetiva, em detrimento da paternidade jurídica, ficta ou presumida.

3.4 Paternidade Socioafetiva

Por fim, cumpre analisar o vínculo paternal afetivo, ou seja, a relação entre pessoas unidas unicamente em função do afeto.

No campo familiar, esta relação de afetividade pode ser notada tanto no plano horizontal (entre homem e mulher), quanto no plano vertical (relação entre padrasto e enteado, por exemplo).

O vínculo afetivo ou sociológico pode ser considerado como a própria razão de existência da família contemporânea. Isto porque, é tão-somente o elo de afeição que mantêm unidos os membros desse grupo familiar, fundado no sentimento de solidariedade, amor e companheirismo, primando pelo auxílio e assistência mútuos.

"Com efeito", assevera Luiz Roberto de Assumpção, "as pessoas se unem em função do afeto, e se desunem quanto este se esvaziar". [07]

Assim como na adoção, a paternidade afetiva ou sociológica é inteiramente espontânea, desprovida de qualquer vínculo sangüíneo. A relação paterno-filial, nestes casos, se estabelece de forma voluntária, opcional, em função do afeto entre os sujeitos, e, por isso mesmo, deve ser considerada a verdadeira e legítima relação paternal em caso de conflitos quanto à determinação da paternidade.


4 A FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA

Com a evolução da ciência e da biotecnologia, um dos aspectos que mais têm levantado discussões é o que concerne à reprodução humana por métodos "não tradicionais", a chamada reprodução humana medicamente assistida (RA).

Desde a hipótese relativamente "simples" de se assistir em laboratório à fecundação in vitro dos gametas masculino (espermatozóide) e feminino (óvulo), gerando-se assim um pré-embrião, até a complexa (mas viável) possibilidade de se "reproduzir" um ser humano sem a necessidade do gameta masculino, utilizando-se o material genético de duas mulheres, por exemplo, inserindo o material genético de uma célula adulta em um óvulo sem material genético, através da clonagem; todas elas podem ensejar situações cujas conseqüências ainda não foram abarcadas de forma satisfatória pelo ordenamento jurídico pátrio.

Estas e outras técnicas de reprodução humana medicamente assistidas, têm sido objeto de incessantes estudos e discussões no cenário mundial, não só no campo médico-científico, mas também ético, jurídico, religioso e até mesmo filosófico.

É inegável a importância e a contribuição que essas técnicas representam na sociedade contemporânea. Através desses métodos de concepção, muitos casais incapazes de alcançar a fertilização de maneira natural têm obtido resultados satisfatórios na busca pelo sonho de serem pais.

Por outro lado, tais técnicas geralmente são aplicadas não só na ajuda de casais, mas também de forma "unilateral" (família monoparental), inclusive utilizando-se material genético de terceira pessoa (reprodução artificial heteróloga), o que pode gerar dilemas de considerável complexidade.

O século XXI pode ser considerado, notavelmente, o século da biotecnologia. O avanço desta área da ciência, em especial da biomedicina, se, por um lado, tem trazido inúmeros benefícios à humanidade, por outro, tem gerado verdadeiras celeumas, devendo ser objeto de intensa e minuciosa reflexão, tanto por parte da sociedade em geral, quanto de seus representantes, não havendo como passar despercebido aos olhos do legislador, tampouco do aplicador do Direito.

Hoje, pessoas naturalmente impossibilitadas de terem filhos podem recorrer às técnicas de reprodução humana medicamente assistida, a fim de verem suprida tal deficiência.

Todavia, o tema não é tão simples quanto parece. Na verdade, o assunto não se afigura em nada pacificado no cenário mundial, sendo objeto de infindáveis controvérsias e discussões.

O avanço da biomedicina, mais precisamente no tocante às técnicas de reprodução assistida, tem representado notória e incontestável contribuição à humanidade. Verifica-se que a infertilidade é vista pela sociedade (moderna e antiga), como uma patologia ou mesmo um "defeito físico", afigurando-se como verdadeira frustração ao desejo de transmitir, gerando assim um sofrimento psicológico ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Desde as sociedades mais remotas, a esterilidade é tida como um sério problema, originário de graves conflitos familiares. A sucessão representava muito mais que um simples desejo paternal, mas uma necessidade, um "encargo" da entidade familiar. A ausência de descendentes do pater familias representava um verdadeiro estigma, uma enorme frustração social. E, na maioria das vezes, a responsabilidade por tal falta era imputada única e exclusivamente à mulher.

Na família romana, como já foi exposto, o instituto da adoção era amplamente apregoado, no intuito de suprir a ausência de descendente biológico do pater. [08]

A Bíblia Sagrada narra a história de diversos casos em que a geração substituta era adotada como forma de suprir a deficiência da esterilidade.

Relata o livro de Gênesis, que Sara, mulher do patriarca Abraão, diante de sua esterilidade, incrédula quanto à promessa que Deus havia feito a seu marido de que o faria pai de uma grande nação, entregou a ele sua serva Hagar a fim de que ela concebesse em seu favor, tendo dado à luz a Ismael. Todavia, a situação gerada foi de conflito e contenda. Ante a frustração da infertilidade, aliada ao menosprezo de sua serva, a qual havia concebido, Sara expulsa Hagar e seu filho Ismael. Verifica-se que, em verdade, não houve qualquer vínculo afetivo de maternidade entre Sara e o filho concebido por sua serva. Assim relatam as Sagradas Escrituras:

Ora Sarai, mulher de Abrão, não lhe gerava filhos, e ele tinha ima serva egípcia, cujo nome era Hagar. E disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de gerar; entra pois à minha serva; porventura terei filhos dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai. Assim tomou Sarai, mulher de Abrão, a Hagar egípcia, sua serva, e deu-a por mulher a Abrão seu marido, ao fim de dez anos que Abrão habitara na terra de Canaã. E ele entrou a Hagar, e ela concebeu; e vendo ela que concebera, foi sua senhora desprezada aos seus olhos. Então disse Sarai a Abrão: Meu agravo seja sobre ti; minha serva pus eu em teu regaço; vendo ela agora que concebeu, sou menosprezada aos seus olhos; o Senhor julgue entre mim e ti.E disse Abrão a Sarai: Eis que tua serva está na tua mão, faze-lhe o que bom é aos teus olhos. E afligiu-a Sarai, e ela fugiu de sua face. [09]

O livro de Deuteronômio relata que era lei entre os hebreus que, se um varão falecesse, sendo casado, sem deixar filhos, seu irmão então deveria relacionar-se com a mulher do falecido para que esta viesse a conceber. Todavia, o filho gerado seria considerado descendência do irmão falecido, e não do pai biológico. Dispõe o precitado livro:

Quando alguns irmãos morarem juntos, e algum deles morrer, e não tiver filho, então a mulher do defunto não se casará com homem estranho de fora; seu cunhado entrará a ela, e a tomará por mulher, e fará a obrigação de cunhado para com ela. E será que o primogênito que ela der à luz estará em nome de seu irmão defunto; para que o seu nome se não apague em Israel. [10]

O tema da filiação e os conflitos de paternidade transcendem aos limites do individualismo, sendo matéria de eminente interesse público. Trata-se de direitos indisponíveis, e que, portanto, merecem especial atenção por parte do Estado.

Neste sentido, não apenas o legislador deve estar atento às mudanças e ansiedades sociais, a fim de elaborar leis adequadas e satisfatórias à disciplina dos conflitos oriundos dessa nova gama de relações, mas também o operador do Direito necessita aplicá-lo à luz de princípios próprios e especiais, dentre eles, sobretudo, os da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.

Diante do avanço biotecnológico, que, se por um lado contribui inegavelmente à humanidade, por outro tem afetado diretamente o campo das relações familiares, surge a bioética, que pode ser conceituada como

estudo interdisciplinar, ligado à Ética, que investiga, nas áreas das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida humana em geral e da pessoa humana em particular. [11]

Pode-se dizer que o marco inicial da bioética se deu com o chamado Código de Nuremberg, em 1947, em que pese o termo propriamente dito tenha sido utilizado apenas em meados da década de 1970. Este documento foi elaborado em razão das atrocidades cometidas por médicos nazistas, ao desenvolverem experiências com seres humanos. Assim, surgiu a necessidade de se estabelecer princípios reguladores dessas experiências. [12]

Com efeito, assevera Paulo Roney que a bioética

surge voltada para a normatização dos procedimentos médicos da manipulação genética, enfim, de atitudes da ciência que, se por um lado, atestam progresso, por outro, ofendem os mais comezinhos princípios da vida humana. [13]

Segundo Belmiro Pedro Welter, a origem e o desenvolvimento da bioética deu-se a partir de alguns fatores, como:

a) dos adiantamentos da biologia molecular e da biotecnologia aplicada o campo da medicina;

b) dos registros de ocorrência dos abusos efetuados pela experiência biomédica nas pessoas;

c) o pluralismo moral reinante nas nações de cultura ocidental;

d) da maior aglomeração dos filósofos da moral aos problemas relacionados com os seres humanos;

e) das manifestações das instituições religiosas;

f) das idéias lançadas pelos poderes legislativo e executivo;

g) da ingerência de organismos e entidades internacionais. [14]

A bioética assume fundamental e inegável importância no cenário global contemporâneo, no sentido de direcionar a engenharia genética ao alcance dos interesses da humanidade.

Todavia, diante do avanço da biotecnologia, notadamente das técnicas de reprodução humana medicamente assistida, a bioética não é capaz de, sozinha, atender toda a gama de problematizações advindas dessa nova realidade, sendo absolutamente imprescindível e crucial a atuação do Estado, através do Direito, a fim de dirimir os conflitos mais diversos resultantes dessa nova ordem social.

Verifica-se que a normatização pátria, no que tange à reprodução humana medicamente assistida, é sobremodo precária, para não dizer inexistente.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de 1992, na qual buscou instituir normas e princípios éticos a serem seguidos pela classe médica, quando da utilização das técnicas de reprodução assistida. E esta é a única espécie de normatização nesse aspecto, o que, considerando-se a natureza, dimensão e relevância do tema, mostra-se demasiadamente insatisfatória a atender o anseio social.

Não há, portanto, legislação regulamentando os procedimentos de procriação artificial. O que se tem são apenas projetos de lei, dentre os quais destaca-se o PL nº 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, o qual revela-se de caráter notadamente conservador, restringindo sobremodo o acesso às referidas técnicas. Todavia, frise-se, trata-se tão-somente de projeto de lei, inexistindo, portanto, como já foi exposto, legislação específica a respeito.

4.2 Principais Técnicas de Reprodução Assistida (RA)

Sabe-se que, em meados do século XVIII, já eram realizadas experiências de reprodução assistida em peixes e, posteriormente, em mamíferos. Porém, o primeiro caso conhecido de reprodução assistida em seres humanos (inseminação artificial) só foi realizado em 1799, pelo médico e biólogo inglês John Hunter. [15] Quanto à inseminação artificial heteróloga mais precisamente, tem-se notícia de que foi realizada pela primeira vez em 1884. A partir de 1890, a inseminação artificial já era consideravelmente utilizada. [16]

4.2.1 Inseminação Artificial (IA)

A reprodução humana medicamente assistida, através da técnica de inseminação artificial, pode ser considerada um processo relativamente simples, frente aos demais métodos de concepção artificial.

Consiste basicamente em se inserir o material genético masculino (espermatozóides) diretamente na cavidade uterina da mulher, sem a ocorrência do ato sexual.

Colhido o sêmen, este é tratado e introduzido no aparelho genital feminino, por meio de seringas ou cânulas. Tal processo pode ser realizado logo após a coleta do sêmen (se a mulher encontrar-se em período fértil, e ainda presumindo-se a sanidade dos gametas), ou então posteriormente, sendo este conservado pela técnica da criopreservação (congelamento), o que pode se dar por período de até vinte anos.

Essa técnica é utilizada, na maioria das vezes, no caso de casais férteis, porém com alguma dificuldade para fecundar de maneira natural.

A importância dessa técnica de reprodução assistida é inegável, na medida em que todas as outras técnicas dela derivam.

No que diz respeito à inseminação artificial, leciona Reinaldo Pereira e Silva:

A inseminação artificial consiste em técnica de procriação assistida mediante a qual se deposita o material genético masculino diretamente na cavidade uterina da mulher, não através de um ato sexual normal, mas de maneira artificial. Trata-se de técnica indicada ao casal fértil com dificuldade de fecundar naturalmente, quer em razão de deficiências físicas (impotentia coeundi, ou seja, incapacidade de depositar o sêmen, por meio do ato sexual, no interior da vagina da mulher; má-formação congênita do aparelho genital externo, masculino ou feminino; ou diminuição do volume de espermatozóides [oligoespermia], ou de sua mobilidade [astenospermia], dentre outras), quer por força de perturbações psíquicas (infertilidade de origem psicogênica). [17]

Vale destacar ainda que a inseminação artificial é classificada em homóloga ou heteróloga. Diz-se homóloga aquela realizada com material genético (gametas) do próprio casal receptor, sejam estes casados ou vivendo em união estável (conviventes). Esta espécie não traz maiores problemas ou dúvidas no tocante à paternidade. A inseminação heteróloga, por outro lado, utiliza material genético de ao menos um terceiro (homem ou mulher). E é justamente esta forma de fecundação que abre margem a inúmeras questões de ordem ética, moral, religiosa e jurídica, gerando incessantes discussões doutrinárias e filosóficas a respeito, sem contudo haver, como já foi exposto, regulamentação legal da matéria.

4.2.2 Fertilização In Vitro (FIV)

Várias podem ser as hipóteses de aplicação dessa técnica de reprodução humana medicamente assistida.

Um exemplo é o caso em que a mulher não produza óvulos, tendo porém o útero apto à gestação. Neste caso, utiliza-se o material genético (sêmen) do marido ou companheiro e o óvulo de uma outra mulher. Realiza-se a fertilização desses gametas em laboratório, e então se introduz o embrião no útero da esposa ou companheira, para que esta venha a concluir o processo de gestação.

Outra hipótese é o caso da mulher que, embora produzindo óvulos, seja incapaz de gerar (por não ter o útero, ou possuir alguma outra anomalia). Então, o procedimento é inverso: faz-se a fertilização utilizando-se o material genético do próprio casal, introduzindo-se posteriormente o embrião no útero de uma terceira mulher, a qual irá gerar o feto até ulterior concepção. Trata-se da chamada "gestação substituta", vulgarmente conhecida como "barriga de aluguel", termo este repudiado pela maior parte da doutrina.

Esta última espécie (gestação substituta) não se afigura menos problemática que a reprodução artificial heteróloga. Em verdade, trata-se de tema sobremodo polêmico e complexo. Fundamenta-se no princípio de que a "mãe substituta", aquela que irá gerar a criança em seu útero, deverá, após a concepção, entregá-la ao casal "encomendante", o qual estabelecerá único e verdadeiro vínculo paternal (socioafetivo) para com o bebê.

Temos que o contrato de sigilo existente entre o doador do material genético, bem como o consentimento do marido (ou companheiro) para que sua esposa (ou companheira) se submeta à reprodução artificial heteróloga, estão para este método assim como o compromisso da "mãe substituta" de entregar a criança ao casal "encomendante", após a gestação e final concepção, está para a gestação substituta.

Ora, a hipótese não pouco provável de que a "mãe" substituta venha recusar-se a entregar o bebê ao casal, ou mesmo de que venha, posteriormente, reclamar o reconhecimento da criança como filho e os direitos advindos dessa relação, pode gerar conflitos de considerável magnitude. E tais conflitos serão lançados, obviamente, ao alvitre do Judiciário, ressaltando-se ainda, uma vez mais, que não há regulamentação legislativa do tema, o que exigirá uma interpretação sistêmica e principiológica do aplicador do Direito.

Em que pese termos admitido uma consideração analógica entre a gestação substituta e a reprodução artificial heteróloga, há de se ressaltar um importante e fundamental aspecto distintivo entre ambas as técnicas de reprodução assistida. Enquanto na reprodução heteróloga o doador do material genético não exprime qualquer pretensão à paternidade, na gestação em substituição, a "mãe" substituta mantém um inegável vínculo afetivo com o bebê.

4.2.3 Reprodução pelos Gametas (GIFT)

A técnica de transferência intratubária de gametas (GIFT, sigla em inglês – Gametha Intra Fallopian Transfer) foi idealizada pelo médico argentino Ricardo Ash. Consiste na captação dos óvulos da mulher, pelo método de laparoscopia (faz-se uma pequena incisão na parede do abdome), e do sêmen do homem. Ambos os gametas (óvulos e espermatozóides), após estarem devidamente preparados, são postos em uma cânula especial e introduzidos em cada uma das Trompas de Falópio, onde a fertilização irá se produzir naturalmente. Se tudo transcorrer normalmente, os espermatozóides irão fecundar um ou mais óvulos, formando-se o embrião, o qual descerá pelas trompas até o útero, produzindo-se assim a concepção integralmente no corpo da mulher.

O problema desse método conceptivo é a baixa probabilidade de êxito (em torno de 35 a 40%), além da grande possibilidade de ocorrer a concepção de gêmeos. Este último efeito se dá em grande parte das técnicas de reprodução assistida, em razão de serem utilizados vários óvulos, com o propósito de se buscar uma maior chance de sucesso no procedimento.

4.2.4 Reprodução com Zigotos (ZIFT)

Na transferência intratubária de zigotos (ZIFT, sigla em inglês – Zibot Intra Fallopian Transfer), os dois tipos de gametas (óvulos e espermatozóides) são postos em contato, in vitro, em condições apropriadas para sua fusão. Os zigotos resultantes são transferidos então para o interior das trompas uterinas.

Em outras palavras, essa técnica consiste na retirada de vários óvulos da mulher, os quais são fecundados artificialmente in vitro (fora do corpo da mulher), formando-se assim o zigoto, o qual é introduzido (um ou mais) nas trompas. [18]

Difere a ZIFT (zigotos) da GIFT (gametas) na medida em que, naquela, a fecundação dos gametas masculino e feminino é realizada fora do corpo da mulher (in vitro), enquanto que nesta, a formação do embrião pelo encontro do óvulo com o espermatozóide se dá dentro do próprio corpo da mulher (nas trompas).

Por outro lado, assim como na GIFT, a ZIFT também apresenta uma baixa probabilidade de êxito, além do problema dos chamados, neste caso, "zigotos excedentários", ou seja, aqueles óvulos fecundados que não foram introduzidos no corpo da mulher. Esses zigotos permanecem congelados em laboratório (criopreservação), até o que casal decida seu destino. Tal situação é causa de inúmeras discussões de ordem ética, moral, religiosa e filosófica, principalmente quando se trata, não de zigotos, mas de embriões, como será analisado adiante.

4.2.5 Reprodução com Embriões (FIVET)

A técnica da fecundação in vitro seguida da transferência de embriões (FIVET, sigla em inglês – Fecundação In Vitro com Embrio-Transfer) consiste em manter o zigoto incubado até sua segmentação, resultando então no embrião (estágio de duas a oito células). Este, por sua vez, é introduzido no útero ou nas trompas. Assim, difere da ZIFT, em razão de que a transferência ocorre após a segmentação do zigoto, quando o mesmo já é denominado de embrião.

No processo de preparação dessa técnica, a mulher é submetida a um tratamento hormonal, produzindo uma superovulação, a fim de que vários óvulos sejam fecundados na proveta. Em média, quinze óvulos são fecundados, dos quais apenas quatro, no máximo, são inseridos no corpo da mulher. [19]

Assim, surge um problema sobremodo polêmico e complexo, que tem sido alvo de infindáveis discussões: o que se fazer com os chamados "embriões excedentários"? Tal questionamento possui desdobramentos éticos, morais, religiosos, reclamando com extrema urgência a regulação da matéria por intermédio do Estado. Todavia, a complexa e profunda análise que o tema avoca foge aos rumos do presente trabalho, sendo mister, porém, uma abordagem acerca da problemática e suas implicações.

Em princípio, os embriões excedentes (aqueles que não foram introduzidos no corpo da mulher) são mantidos congelados em laboratório (criopreservação), até que o casal decida o seu destino.

A Resolução nº 1.358/92 do CFM estabeleceu princípios ético-profissionais a respeito das técnicas de reprodução assistida, dispondo a respeito do tema:

I – Princípios Gerais

[...]

6 – O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.

[...]

V – Criopreservação de Gametas ou Pré-Embriões

1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.

2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.

3 – No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

Todavia, nem sempre o destino dos embriões excedentários é decidido previamente pelos pretensos pais antes de se submeterem ao procedimento de fecundação assistida. E, após a concepção, a solução do problema torna-se ainda mais difícil, uma vez que, obtido sucesso no procedimento, o interesse pelos embriões excedentes simplesmente se esvai na maioria das vezes.

Recentemente, na Inglaterra, onde o prazo máximo para conservação de embriões excedentários é de cinco anos, alguns milhares de embriões que não tinham mais "utilidade" foram simplesmente jogados ao lixo. [20]

Belmiro Pedro Welter, em citação a Sérgio Ferraz, observa que:

As conclusões do Informe Warnock, em julho de 1984, do Ministério da Saúde da Inglaterra, e do Relatório Palácios da Espanha, apontam que, após quatorze (14) dias de existência, o embrião já formou o "sulco ou cinta neurológica", "estando, então, totalmente conformada sua estrutura humana, não devendo mais, desde aí, ser objeto de experimentos ou de abortamento". [21]

Após o período de quatorze dias da fecundação dos gametas, ocorre a chamada nidação, momento de implantação do óvulo fecundado no útero materno.

Para a corrente nidacionista, este é o momento do surgimento da vida. A partir daí, o embrião merece ser tutelado, garantindo-lhe o direito à vida, propiciando as condições necessárias ao seu desenvolvimento e ulterior concepção.

Neste sentido, dispõe a já mencionada Resolução do CFM:

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES

[...]

3 – O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias.

O problema da incerteza do destino que será dado aos embriões excedentários pode apresentar ainda outros desdobramentos. Assim como no caso dos bancos de sêmen, que propiciam a fertilização artificial heteróloga, o depósito de embriões excedentes tem criado um novo tipo de comércio, principalmente pela Internet: a venda de sêmen ou mesmo de pré-embriões com características fenotípicas específicas e "selecionadas".

Tem-se notícia de que no Estado da Califórnia, Estados Unidos (EUA), existiria um banco de gametas reservado a doadores "intelectualmente superdotados". [22]

Desta forma, estar-se-ia escolhendo as características físicas (e até mesmo intelectuais) de seus filhos, o que, indubitavelmente, fere os princípios basilares da relação de paternidade incondicional, calcada no amor e no afeto.

Ademais, a "seleção" do material genético "perfeito" consiste em prática repudiosa à ética e à moral, possuindo ideais notoriamente nazistas, na medida em que busca obter a concepção do ser humano "aparentemente ideal", baseado nas características fenotípicas ocidentais, como se fosse possível ou mesmo admissível considerar esta ou aquela pessoa "melhor" que seu semelhante.

Noutro vértice, além de ferir princípios morais e éticos, a seleção de material genético vai contra os princípios fundamentais e basilares da paternidade, a qual deve ser fundada no desejo livre espontâneo, no amor e afeto incondicionais, independentemente das características físicas da criança.

Tal prática é rechaçada pela Resolução nº 1.358/92 do CFM, a qual dispõe:

I – PRINCÍPIOS GERAIS

[...]

4 – As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

[...]

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 – A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.

[...]

6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

Todavia, como já foi exaustivamente exposto, a Resolução supra mencionada, por si só, mostra-se insuficiente à regulamentação de matéria tão complexa, e que produz reflexos tamanhos na sociedade.

4.2.6 Reprodução pela Clonagem

A clonagem humana pode ser dividida basicamente em duas formas:

a primeira, a natural, decorrente da separação das células de um embrião, em seu estágio vestibular de multiplicação de células, reproduzindo novos indivíduos exatamente iguais quanto ao patrimônio biológico (gêmeos univitelinos); a segunda, a artificial, que consiste na substituição do núcleo de um óvulo por outro proveniente de uma célula de um indivíduo já existente. Esse último sistema foi utilizado por Ian Wilmut para clonar a ovelha Dolly. [23]

A despeito da inegável importância que o avanço da biotecnologia tem representado à humanidade, como já foi ressaltado alhures, a prática da clonagem de seres humanos é repudiada de forma quase unânime e universal pela classe dos operadores do Direito.

Em que pese o empenho da ciência mundial em desenvolver e concluir o Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990 nos EUA e com término inicialmente previsto para este ano de 2005, ainda há muito (para não dizer tudo) o que se fazer no campo jurídico, no sentido de recepcionar esta nova realidade que bate às portas, e que muito logo, sem dúvida, reclamará respostas do Poder Judiciário.

Todavia, a despeito da importância que essa técnica representa, não se trata, ao menos no momento, de prática comum no campo da reprodução assistida. Portanto, deixamos de abordá-la com a dimensão e profundidade a que faz jus, em razão de que uma análise tal transcenderia às limitações do presente estudo.


5 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NA REPRODUÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

As novas técnicas de reprodução humana medicamente assistida revolucionaram as relações de filiação e paternidade, criando situações ainda não abarcadas pelo Direito.

Como já foi exposto, todos os diversos métodos de reprodução assistida podem se dar, genericamente, de maneira homóloga ou heteróloga. Reprodução homóloga é aquela realizada com o material genético (gametas) do próprio casal (casados ou conviventes), realizando-se tão-somente a fertilização desses gametas de maneira assistida, em laboratório, utilizando-se a técnica mais adequada à necessidade do casal. Na reprodução heteróloga, por sua vez, utiliza-se o material genético de, pelo menos, um terceiro (gameta masculino ou feminino), quando o homem ou a mulher não possui material genético (gameta) hábil à fertilização.

Quanto à primeira forma (RA homóloga), no que se refere à relação de paternidade e filiação, não há maiores dúvidas a serem levantadas, uma vez que o material genético utilizado é do próprio casal receptor (gametas masculino e feminino), não obstante haja discussões acerca de sua eticidade, mormente no que diz respeito ao destino dado aos embriões excedentários, ou mesmo ainda um protesto praticamente isolado por parte da Igreja Católica quanto à reprodução humana por meios não naturais em geral. Portanto, em que pese a fertilização dos gametas se dê de forma artificial (ou assistida), ocorrendo fora do corpo da mulher (in vitro), o próprio casal receptor é também fornecedor do material genético, conciliando-se, pois, assim, tanto a paternidade afetiva quanto a biológica.

Todavia, é com relação à reprodução artificial heteróloga que a questão toma dimensões alarmantes.

Cumpre preliminarmente destacar que, para que uma mulher venha a se submeter à RA heteróloga, sendo ela casada ou convivente, é requisito essencial o consentimento expresso e informado de seu marido ou companheiro.

Neste sentido, dispõe a Resolução 1.358/92 do CFM:

II – USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA

1 – Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento informado.

2 – Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

Tal consentimento é de tamanha e fundamental importância, na medida em que irá estabelecer o vínculo de paternidade entre o marido (ou companheiro) e a criança, em detrimento do doador do material genético.

Todavia, observa-se uma vez mais que a norma supracitada possui caráter meramente ético-disciplinar, sem natureza cogente. Assim, admitindo-se a hipótese de mulher que venha a se submeter a tal técnica sem o consentimento de seu marido ou companheiro, estar-se-ia diante de um dilema sobremodo delicado e complexo, qual seja, a fixação da paternidade.

Ora, em havendo o consentimento expresso do marido (ou companheiro) para que sua esposa (ou companheira) se submeta à fertilização heteróloga, fixado estará o vínculo afetivo de paternidade entre ele e a criança.

Nesse aspecto, o Código Civil de 2002 trouxe importante inovação, estabelecendo a presunção da paternidade do marido no caso de inseminação artificial heteróloga, em havendo prévia autorização por parte dele.

Assim dispôs o art. 1.597, inciso V, do citado Códex:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Assim, o marido (ou companheiro) que, tendo conhecimento, consentiu e autorizou sua mulher (ou companheira) a se submeter à reprodução artificial heteróloga, não poderá futuramente impugnar a paternidade, uma vez que estará fixada a paternidade socioafetiva, a qual é irrevogável.

Por outro lado, se não houve o consentimento por parte do marido ou companheiro, não pode ser-lhe imputada a paternidade, constituindo tal conduta por parte da mulher em ato atentatório ao casamento, sendo causa, inclusive, de dissolução do vínculo conjugal (injúria grave, violação dos deveres do casamento, insuportabilidade da vida em comum, violação ao dever de lealdade).

Neste sentido, Eduardo de Oliveira Leite, ao tratar o assunto, esclarece com singular propriedade:

Se o marido não concordou com a inseminação abre-se-lhe a via da negatória da paternidade. [...] se houve consentimento do marido não há mais que se cogitar da possibilidade de tal ação. A anuência do mesmo é prova irrefutável que deseja o filho e, portanto, não mais milita a seu favor tal recurso. A admissão desta ação corresponderia a uma superfetação e incoerência criticáveis no mundo jurídico. [...] Se o marido da mulher inseminada consentiu, criou "ipso facto" e "ipso juris" status de filho à criança oriunda daquele recurso médico. [24]

Desta feita, uma vez tendo sido ofertado o consentimento do marido (ou companheiro) para que sua mulher (ou companheira) seja submetida à técnica de RA heteróloga, fixado estará o vínculo socioafetivo de paternidade entre aquele e a criança, inadmitindo-se posterior impugnação quanto à paternidade biológica por meio de ação negatória. A respeito da paternidade socioafetiva, assevera Belmiro Pedro Welter, com notória propriedade:

A paternidade socioafetiva é a única que garante a estabilidade social, edificada no relacionamento diário e afetuoso, formando uma base emocional capaz de lhe assegurar um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano. [25]

Complementa o autor, em citação a José Bernardo Ramos Boeira, justificando que:

ter um filho e reconhecer sua paternidade deve ser, antes de uma obrigação legal, uma demonstração de afeto e dedicação, que decorre mais de amar e servir do que responder pela herança genética. [26]

Maria Helena Diniz, em comentário ao inciso V do art. 1.597 do Código Civil de 2002, o qual estabelece a presunção de paternidade do marido quanto aos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, com a qual tenha previamente consentido, assevera a respeito do consentimento como elemento de fixação da paternidade socioafetiva. Leciona a célebre autora:

Tal presunção visa tão-somente, baseada na doutrina dos atos próprios de Diez-Picazo, fundada no princípio da boa-fé e da lealdade de comportamento, instaurar a vontade procracional do marido, como um meio de impedi-lo de desconhecer a paternidade do filho voluntariamente assumido ao consentir na inseminação heteróloga de sua mulher. A paternidade, nessa última hipótese, apesar de não ter fundamente genético, terá o moral, privilegiando-se a relação socioafetiva. [27]

A autora faz ainda alusão à Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2002, destacando alguns Enunciados, dentre os quais selecionamos os seguintes:

a) "no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento (Enunciado n. 104); (sic) b) "as expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597, deverão ser interpretadas como "técnica de reprodução assistida" (sic) (Enunciado n. 105); [...] [28]

Deste último Enunciado, extrai-se importante esclarecimento, na medida em que abarca num só gênero (reprodução assistida) diversas técnicas de reprodução, dentre as quais a que nos interessa por ora: a inseminação artificial, ínsita no inciso V do art. 1.597 do Código Civil de 2002. Resta claro que, pelo legislador, foi prevista no referido dispositivo legal apenas a técnica de reprodução assistida consistente na inseminação artificial, o que reflete imprecisão técnica do ponto de vista médico-científico por parte daquele.

Todavia, a presunção do referido dispositivo deve aplicar-se não só nos casos de casais que se submetam à técnica de inseminação artificial propriamente dita, mas também em sendo utilizada qualquer outra técnica de reprodução assistida de natureza heteróloga.

Assim como ocorre na adoção, na reprodução artificial heteróloga o vínculo afetivo de paternidade sobrepõe-se ao biológico. E esta é a tendência do direito moderno, qual seja, dar-se primazia ao vínculo de afeto e amor existente entre pais e filhos, em detrimento da antiga e ultrapassada concepção romana de família, como sendo a união de pessoas ligadas por uma identidade sangüíneo-genética em comum.

O texto constitucional de 1988 veio instituir uma nova ordem no direito familiar, na medida em que acobertou como entidade não apenas o modelo patriarcal até então posto, mas galgou à mesma condição a família monoparental, as uniões estáveis, bem como estabeleceu a total e incondicionada isonomia entre todos os estados de filiação, dentre os quais insere-se a filiação socioafetiva.

Portanto, não há como se admitir uma revisitação à arcaica e repudiosa discriminação entre uma ou outra "classe" de filhos, o que implicaria um inegável retrocesso evolutivo por parte de nossa sociedade. Assim, tanto os filhos biológicos, quanto os filhos afetivos, encontram-se num mesmo patamar, detentores portanto dos mesmos direitos e garantias, sendo expressamente vedada qualquer distinção quanto à sua origem, nos termos do art. 227, § 6º da Constituição Federal e art. 1.596 do Código Civil.

Neste sentido, defende Belmiro Pedro Welter, com particular brilhantismo:

Não apenas o filho biológico pode ser sujeito de direitos, mas também o filho social, porque a família socioafetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto do desvelo, do coração e da emoção, (des)velando o mistério insondável da filiação, engendrando o reconhecimento do estado de filho afetivo. [29]

Eduardo de Oliveira Leite destaca venerável ministração de Raynaud, no que diz respeito ao reconhecimento da importância do elemento volitivo no estabelecimento do vínculo da filiação:

Por que nós não nos contentamos somente com a verdade biológica? Porque ela se colore de um elemento subjetivo, isto é, afetivo. O direito não fala quase nada dos sentimentos, ele se contenta com a vontade que eles inspiram. É portanto dos sentimentos que, indiretamente, se questiona. O amor não é um termo jurídico e, no entanto, o amor é a alma do casamento e é dele que falam com imperícia os textos legais quando se referem, por exemplo, da comunidade de vida ou do dever de fidelidade; eles giram em torno do amor. Em matéria de filiação ocorre o mesmo, reservando um espaço à vontade, como condição do estabelecimento do vínculo jurídico da filiação, não pretendem (os juristas) querer dizer que não há paternidade, nem maternidade sem amor? [30]

Com efeito, não há como atribuir ao mero doador de sêmen a condição de "pai". Quando muito, o termo "genitor" poderia ser empregado a fim de definir aquele que empresta seu material genético, sem contudo externar qualquer manifestação de vontade no sentido de estabelecer uma verdadeira relação paterno-filial socioafetiva.

Noutro vértice, o casal que se submete à técnica de reprodução artificial heteróloga exprime o mais puro desejo de ser pais. Pais por excelência, em sua acepção mais pura e verdadeira, traduzindo uma paternidade desvinculada de fatores biológicos (sangüíneos ou genéticos), calcada tão somente no afeto, no anseio de poderem criar, educar, externar amor e carinho.

5.1 Investigação da Paternidade Biológica

De todos os métodos conceptivos estudados, indubitavelmente, os que enfrentam uma problemática mais complexa, criando celeumas de conturbada solução, mormente no tocante à relação de paternidade, são aqueles nos quais se tem a presença de, pelo menos, um terceiro (homem ou mulher), doador do material genético. É a chamada reprodução artificial heteróloga.

Na maioria das vezes, esse terceiro é desconhecido, sua identidade é oculta, estando alheio ao processo de fecundação. O casal receptor, diante da total impossibilidade de alcançar uma fecundação bem sucedida pelos métodos naturais, ou mesmo através da fecundação artificial homóloga, recorre aos chamados "bancos de sêmen", de onde se obtém o material genético necessário, doado por um terceiro, o qual tem sua identidade resguardada sob sigilo.

A respeito do tema, Eduardo de Oliveira Leite observa que:

Nos CECOS franceses o recrutamento dos doadores corresponde a regras precisas que foram formuladas em 1973, por Georges David: "A doação do esperma é a doação de um casal tendo filhos a um casal que os deseja ter. Esta doação é gratuita e anônima." [31]

O autor destaca ainda que, do referido enunciado, pode-se extrair três princípios básicos da doação, quais sejam: deve ser feita de um casal a outro casal, de forma gratuita e anônima.

Preliminarmente, no que se refere à disposição de que a doação deveria ser feita de um casal doador a outro casal receptor, observa-se que tal critério não é recepcionado nacionalmente, uma vez que nas reproduções heterólogas, costuma-se recorrer aos chamados bancos de sêmen, os quais armazenam material genético de doadores individuais e aleatórios, sendo que a responsabilidade pela seleção desse material quando do processo de fertilização dos receptores é exclusiva das referidas instituições. Nesse sentido, dispõe a Resolução nº 1.358/92 do CFM:

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

[...]

4 – As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

[...]

6 – A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7 – Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.

Os critérios da gratuidade e do anonimato, por outro lado, encontram-se acolhidos pela Resolução supracitada:

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 – A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.

2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

A gratuidade na doação de material genético é pressuposto da própria licitude do procedimento. A doação não deve ter caráter lucrativo ou comercial, pois, do contrário, estar-se-ia legitimando um comércio absolutamente imoral e antiético.

A Constituição Federal trouxe em seu art. 199, § 4º, a seguinte norma programática:

Art. 199. [...]

[...]

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos ou substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

O comando do dispositivo constitucional supracitado foi atendido pela edição da Lei nº 9.434/97, a qual, lamentavelmente, excluiu expressamente o esperma e o óvulo de seu regramento. Dispõe o art. 1º da referida lei:

Art. 1º. A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.

Logo, vê-se que não há qualquer tipo de sanção penal imposta àquele que se utilizar de tão repudiosa prática, qual seja, a comercialização de gametas humanos. Seja quanto ao doador seja quanto ao médico, nada mais há que se possa fazer, senão quiçá responsabilizá-los civil ou administrativamente, uma vez que prevalece em nosso Direito o princípio de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (princípio da reserva legal).

No entanto, é com relação ao anonimato do doador que a problemática se estende. Pode o filho gerado através de reprodução artificial heteróloga pretender investigar sua paternidade biológica?

A Resolução nº 1.358/92 do CFM estabelece o sigilo absoluto quanto à identidade do doador de material genético. Prevê exceção à regra unicamente em situações especiais, em que as informações acerca dos doadores podem ser reveladas exclusivamente aos médicos, resguardando-se, contudo, a identidade civil do doador.

Todavia, vale enfatizar, como já foi inclusive exposto alhures, que a referida norma possui natureza meramente administrativa, adstrita à classe médica, portanto, sem caráter cogente. Não há, pois, previsão legislativa no sentido de vedar o exercício de tal pretensão.

Belmiro Pedro Welter destaca um interessante acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual defende, com singular brilhantismo, a prevalência da paternidade sociológica, nos seguintes termos:

Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor de ligação afetiva. Daí não se tratar de um rematado absurdo a cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica, porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, se está jogando por terra todo o prisma sócio-afetivo do assunto, e isto vale também para a paternidade biológica, não só para a adotiva. O pai e a mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar; passam-se os anos, 40 anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação à outra pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por 40 anos! E normalmente esses pedidos são tão despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça, descobrem que o pai biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que deram toda a educação, quer adotivos, quer biológicos – tidos como biológicos –, e vai procurar o outro pai que teve o tal de coito, uma vez na vida. [32]

Segundo entendimento de Eduardo de Oliveira Leite, o anonimato do doador do material genético deve ser preservado. Nesse sentido, sustenta que:

A pretendida alegação de que a criança tem "direito" a conhecer sua origem genética realça expressivamente a paternidade biológica (matéria já ultrapassada no direito de filiação mais moderno) quando é sabido que, atualmente, a paternidade afetiva vem se impondo de maneira indiscutível. [33]

É certo que, incondicionadamente, o maior interesse a ser defendido é o da criança. Para aqueles que, como o autor, defendem o anonimato do doador, o sigilo quanto a sua identidade é medida que se impõe, justamente com o propósito de proteger não só a pessoa do doador, mas, precipuamente, a estabilidade emocional e familiar do lar afetivo em que a criança está inserida.

Defende o autor que o anonimato

é a garantia da autonomia e do desenvolvimento normal da família assim fundada e também a proteção leal do desinteresse daquele que contribui na sua formação. Na hierarquia dos valores estas considerações sobrepujam o pretendido "direito" de conhecimento de sua origem. [34]

Todavia, com a máxima vênia, não parece ser este o melhor entendimento, ao menos não in totum.

Belmiro Pedro Welter discorda desse posicionamento, entendendo que:

não importa se a reprodução humana é sexual (corporal, natural) ou assexual (extra-corporal, artificial, medicamente assistida, científica, laboratorial), pois, em qualquer caso, o filho, o pai e a mãe têm o direito de investigar e/ou de negar a paternidade ou a maternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e de dignidade de pessoa humana. [35]

Numa breve alusão ao direito comparado, é interessante destacar o que noticia Eduardo de Oliveira Leite, observando que, na Alemanha, é reconhecida a toda criança o direito de ver estabelecida sua filiação paterna. E no caso de inseminação artificial heteróloga, mais precisamente, os Tribunais têm atribuído a paternidade ao pai biológico.

Por outro lado, na França, o anonimato do doador é preservado, primando-se nesse país pela prevalência da vontade como valor de estabelecimento da filiação. Conclui o autor que: "[...] enquanto na Alemanha se privilegiou a mera paternidade biológica, na França, é a paternidade afetiva (ou social) que se impõe como regra". [36]

É certo que, como já foi aduzido no capítulo anterior, na reprodução artificial heteróloga, em sendo estabelecida a paternidade socioafetiva, esta se torna irrevogável, sobrepondo-se portanto ao vínculo biológico existente entre a criança e o doador do material genético.

Tal entendimento implica uma "desbiologização" da paternidade, [37] num rompimento com conceitos tradicionais, porém ultrapassados, de que a filiação se estabelece unicamente pelo vínculo sangüíneo existente entre pai e filho, tendência esta abraçada pela moderna doutrina do direito de família internacional.

Segundo Zeno Veloso, pelo fato de não se poder estabelecer qualquer vínculo de filiação entre o doador do material genético e a criança concebida por reprodução artificial heteróloga, não será lícito ao marido (ou companheiro), que, obviamente, tenha consentido com o procedimento, impugnar a paternidade. Tal entendimento representa, nas palavras do autor, "uma exceção ao biologismo, aos vínculos de sangue, prevalecendo a filiação voluntária, a verdade sócio-afetiva". [38]

Contudo, noutro aspecto, discute-se a possibilidade de que o filho havido por método de reprodução artificial heteróloga venha pretender investigar sua paternidade biológica, rompendo assim o anonimato do doador do material genético.

É pertinente a analogia que se faz entre a reprodução artificial heteróloga e o instituto da adoção, uma vez que em ambos se verifica a relação socioafetiva de paternidade, em oposição ao vínculo sangüíneo-biológico.

O art. 48 do ECA dispõe expressamente que: "A adoção é irrevogável". Logo, seja pela adoção, seja pela reprodução heteróloga, uma vez fixado o vínculo paternal socioafetivo, este se torna irrevogável.

Vale observar ainda que, enquanto na adoção não há qualquer vínculo biológico entre a criança e o casal adotante, na reprodução heteróloga haverá, no mínimo, cinqüenta por cento desse vínculo, uma vez que é utilizado material genético de um dos membros do casal, fecundado com o de um terceiro doador.

Contrariamente à idéia de que o filho adotivo possa investigar sua ascendência biológica, atine interessante acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, citado por Belmiro Pedro Welter, em que é negado tal direito, sob os seguintes fundamentos:

Formalizada a adoção, esta gera uma série de efeitos pessoais para o adotado, cessados quaisquer vínculos com a antiga família, vínculos esses que passam a ser estabelecidos com a nova família. A situação equivale, em termos gerais, ao renascimento do adotado no seio de uma outra família, apagado todo o seu passado. [39]

Noutro vértice, defendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conferindo ao filho adotivo o direito de investigar sua "paternidade" biológica, sustentando que

os deveres erigidos em garantia constitucional à criança e ao adolescente, na Carta de 1988, em seu art. 227, se sobrepõem às regras formais de qualquer natureza, e não podem ser relegados a um plano secundário, apenas por amor à suposta intangibilidade do instituto da adoção. Opor à justa pretensão da menor adotada, em ver admitida a paternidade biológica, com os embaraços expostos na sentença, é o mesmo que entender que alguém, registrado em nome de um casal, seja impedido de investigar sua verdadeira paternidade, porque a filiação é tanto ou mais irrevogável do que a adoção. No entanto, a todo o momento deparamos com pessoas registradas como filhos de terceiro, que obtêm o reconhecimento da verdadeira paternidade e têm, por conseqüência, anulado o registro anterior. [40]

Nesse mesmo norte, vale destacar ainda outro julgado do Tribunal gaúcho, o qual, acertadamente, decidiu:

O filho de mãe solteira, adotado na modalidade simples do antigo Código de Menores, presente que a nova ordem constitucional tornou todas as formas de adoção irrevogáveis, não precisa desconstituir a adoção, para investigar sua paternidade. Se não tinha pai conhecido por ocasião da adoção, nada impede que busque saber quem ele é, sem prejuízo do juízo do vínculo civil. Inteligência dos arts. 27 e 41 do ECA, e do art. 378 do CC, sob inspiração do princípio da proteção integral da criança. [41]

5.1.1 Efeitos Jurídicos

Pois bem, em que pese seja defendida a idéia de que o filho havido pelo método de reprodução assistida, em sua forma heteróloga, possui o direito personalíssimo de investigar sua paternidade biológica, cumpre sopesar os efeitos, e em quais circunstâncias, a quebra do anonimato do doador do material genético poderá se dar.

Nas palavras de José Roque Junges, "o sigilo quanto ao doador é um requisito positivo, mas entra em conflito com o direito de a criança saber quem é seu pai". [42]

Segundo Belmiro Pedro Welter [43], tal investigação será legítima em três hipóteses:

a)em havendo uma necessidade psicológica de se conhecer a origem genética;

b)com o propósito de se preservar os impedimentos matrimoniais;

c)a fim de garantir a vida e a saúde da criança ou dos pais

biológicos, em caso de grave doença genética ou hereditária.

Todavia, vale ressaltar que, em estando fixada a paternidade socioafetiva, a qual, assim como na adoção, é irrevogável (art. 48 do ECA), a investigação quanto à identidade do doador surtirá efeito meramente cognitivo, ou seja, não implicará reconhecimento ou declaração de filiação por parte dele, bem como nos efeitos naturais do parentesco (alimentos, nome, sucessão, poder familiar).

Como bem assevera Belmiro Pedro Welter, no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a adoção é irrevogável, porém ressalva o direito ao filho adotivo em investigar a paternidade biológica. Tal entendimento pode ser inferido do seguinte acórdão, destacado pelo autor:

Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no art. 48 da Lei 8.69/1990 (ECA). A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pai e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no art. 27 do ECA. [44]

5.1.1.1 Necessidade psicológica

O anseio pelo conhecimento acerca da origem genética, da ancestralidade biológica, é, sem dúvida, inerente ao próprio ser humano. A evolução jurídico-normativa vivenciada não só em território pátrio, mas em todo o contexto global, no tocante ao direito de família, é todo no sentido de extirpar a discriminatória classificação das "espécies" de filiação, atingindo-se hodiernamente uma condição de igualdade incondicionada entre os filhos, garantia esta que goza de status constitucional.

Neste sentido, é oportuno destacar louvável comento tecido por Luíza Nagib Eluf, em matéria da Folha de São Paulo, publicada em 31/08/96, nos seguintes termos:

No tempo em que as discriminações eram autorizadas em nosso país, havia várias categorias de filhos: os bastardos, os naturais, os espúrios ou de coito danado, os adulterinos, os incestuosos e os sacrílegos, todos pertencentes à categoria geral dos ilegítimos e concorrendo em absoluta desvantagem com os legítimos. Graças ao avanço da cidadania e ao justo entendimento de que os filhos não devem pagar por eventuais erros dos pais, essas distinções são hoje inconstitucionais. Filhos são filhos, todos iguais, sem adjetivos. [45]

O direito ao reconhecimento da paternidade biológica é amplamente garantido pelo ordenamento jurídico pátrio, sendo assegurado tanto pela Constituição, quanto pela legislação infraconstitucional (Código Civil e ECA, em especial).

O direito do filho em conhecer suas origens genéticas é, sem dúvida, superior à intimidade ou privacidade do pai biológico, ainda que não tenha havido o animus no ato da concepção (caso em que sequer poderia ser chamado de "pai", mas meramente "genitor"), como ocorre em relação ao doador do material genético na reprodução artificial heteróloga.

O desejo, por parte do filho, de conhecer suas origens genéticas está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este basilar de toda a ordem jurídica, sobretudo da ordem constitucional, "elevado a fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF)". [46] E ainda, segundo leciona Jorge Miranda:

nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana [...] enquanto houver uma pessoa que não veja reconhecida a sua dignidade, ninguém pode considerar-se satisfeito com a dignidade adquirida. [47]

Anete Trachtenberger faz primorosa observação, no sentido de que grande parte dos homens que, para reconhecerem a paternidade de um filho, exigem a realização de exame pericial, apresenta histórico familiar de rejeição, cujos pais abandonaram o lar ou negaram-se ao reconhecimento da paternidade. "Esses homens", conclui a autora, "passaram todo o ciclo de vida, até a fase adulta, sem um relacionamento mais próximo com a figura paterna", lembrando ainda que a

influência da família não está restrita aos membros de uma determinada estrutura doméstica ou a um dado ramo familiar nuclear do sistema, ela está sempre reagindo aos relacionamentos passados, presentes e antecipando futuros. [48]

5.1.1.2 Impedimentos matrimoniais

A proibição do incesto pode ser considerada como a primeira das leis de organização social, no que diferencia a sociedade humana do mundo animal.

Os impedimentos matrimoniais são resguardados até mesmo no caso de adoção, a qual, para todos os outros efeitos, é irrevogável. Nesse sentido, estabelece o art. 41 do ECA:

Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

Por certo, com a adoção, rompe-se o vínculo de filiação entre o adotado e sua família biológica. Contudo, subsistem os impedimentos matrimoniais, os quais, no dizer de Arnaldo Rizzardo,

abrangem tanto os parentes da mãe ou do pai biológico, como daquele que deu o sêmen ou emprestou o útero, pois o sêmen utilizado liga o seu fornecedor ao filho daí resultante por laços de sangue. [49]

A Resolução nº 1.358/92 do CFM, com o escopo de tentar ao menos mitigar tal problemática, previu a seguinte disposição:

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

[...]

5 – Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.

Todavia, não há como se considerar que tal disposição possa ser suficiente a sufragar o problema, tampouco pode servir como fundamento a tentar obstar o direito à investigação da ascendência genética, por parte do filho, em face do doador.

Belmiro Pedro Welter destaca a respeito valorosa orientação do Superior Tribunal de Justiça, a qual se infere do seguinte julgado:

Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no art. 48 da Lei 8.069/1990 (ECA). A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com os pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. [50]

5.1.1.3 Doenças genéticas ou hereditárias

Em se tratando de doenças genéticas, não há, definitivamente, como prevalecer o anonimato do doador sobre o direito à vida e à saúde do filho, preponderando nesses casos, de forma incontestável, o maior interesse da criança.

A Resolução nº 1.358/92 do CFM, ao tratar sobre o anonimato do doador de material genético, dispôs expressamente que, em situações especiais, e por motivação médica, tais informações poderiam ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se contudo o sigilo quanto à identidade civil do doador. Neste sentido, dispõe a referida Resolução:

IV – DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

[...]

3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

A respeito desse aspecto, assevera Guilherme de Oliveira que

o progresso dos meios de diagnóstico e dos meios terapêuticos das doenças genéticas tornou fundamental, em certos casos, conhecer antecedentes biológicos de um indivíduo – casos em que a confidencialidade e o anonimato dos progenitores se tornam obstáculos inconvenientes ou mortais. [51]


6 CONCLUSÃO

Com efeito, o avanço da biotecnologia, notadamente no campo da reprodução humana medicamente assistida, tem implicado uma verdadeira revolução no direito de família, criando uma gama de novas relações concernentes ao vínculo paterno-filial.

Tal evolução social, vivenciada com maior intensidade desde meados do século passado, ainda não foi objeto de disciplina por parte do legislador pátrio, suscitando assim problemáticas de difícil solução.

Dentre as situações que apresentam maiores celeumas, buscou-se abordar no presente trabalho os conflitos de paternidade resultantes da reprodução artificial heteróloga, questionando a possibilidade de a criança havida por esse método vir posteriormente a investigar sua paternidade biológica.

Em princípio, os bancos de sêmen, responsáveis pela coleta, armazenamento (criopreservação) e posterior utilização de material genético doado, mantêm o sigilo quanto à identidade civil desses doadores, conforme já foi exposto oportunamente.

Entre o casal submetido à referida técnica e a criança por meio dela concebida, fixado estará o vínculo paternal socioafetivo, vínculo este que, tal como ocorre na adoção, é irrevogável.

Todavia, por outro lado, persiste inegavelmente o vínculo sangüíneo-biológico entre a criança e o doador do material genético.

Desta feita, a indagação que se faz é a seguinte: poderá a criança concebida pelo método de reprodução artificial heteróloga pretender investigar sua paternidade biológica?

A situação se torna ainda mais problemática na medida em que não há legislação disciplinando a matéria, restando ao aplicador do Direito, diante de tal ausência normativa, socorrer-se a uma interpretação sistêmica e principiológica, a fim de dar solução ao caso concreto.

Nesse norte, conclui-se que deve preponderar o maior interesse da criança, o direito personalíssimo que tem de conhecer sua origem genético-biológica, direito este arraigado ao princípio da dignidade da pessoa humana. O direito à intimidade ou privacidade do doador do material genético, embora não menos significante, diante da atual problemática deve ceder espaço ao direito do menor.

A quebra do sigilo quanto à identidade do doador, porém, em já estando fixada a paternidade socioafetiva entre a criança e o casal receptor (a qual, diga-se uma vez mais, é irrevogável), terá efeito meramente cognitivo, para o fim de se conhecer a origem genético-biológica, sem contudo suscitar direitos à sucessão, nome ou alimentos.

O rompimento do anonimato será cabível para três efeitos: atender uma necessidade psicológica do filho em conhecer sua ancestralidade genética, preservar os impedimentos matrimoniais e garantir a vida e a saúde do filho e de seus pais biológicos em caso de doença genética ou hereditária.

Por fim, vale frisar que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar a questão, estando obviamente limitado dentro de toda a complexa problemática e apreciação que o tema reclama e a que faz jus, até porque nem mesmo seria possível fazê-lo no estágio evolutivo atual.

No entanto, serve a uma primeira reflexão, esperando contribuir para um melhor entendimento acerca de suas implicações na sociedade, bem como atentar à imperiosa demanda por uma legislação especial que venha disciplinar a matéria.


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WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.


Notas

  1. ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 04 seq.
  2. Apud ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Op. cit. p. 08.
  3. Apud ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Op. cit. p. 11.
  4. ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Op. cit. p. 19 seq.
  5. ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Op. cit. p. 52.
  6. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 105.
  7. ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Op. cit. p. 52.
  8. FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis, 1830-1889. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1998. p. 39 passim.
  9. GÊNESIS. In: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília: 1969. cap. 16, vers. 1-6. p. 15.
  10. Ibid., cap. 25, vers. 5-6. p. 237.
  11. Apud PALUDO, Anison Carolina. Bioética e Direito: procriação artificial, dilemas ético-jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. passim. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2333>. Acesso em: 27 abr. 2005.
  12. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 207-208.
  13. Apud Id. Ibid. p. 211.
  14. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 208.
  15. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 216.
  16. PALUDO, Anison Carolina. Op. cit. passim.
  17. Apud ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Técnicas de reprodução assistida e o biodireito. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 632, 1 abr. 2005. passim. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=6522>. Acesso em: 27 abr. 2005.
  18. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 221.
  19. Apud ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Op. cit. passim.
  20. Apud FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. A fertilização in vitro: uma nova problemática jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. passim. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1850>. Acesso em: 27 abr. 2005.
  21. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 222.
  22. FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. Op. cit. passim.
  23. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 223.
  24. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 370-371.
  25. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 165.
  26. Apud Id. Ibid. p. 165.
  27. DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 9. ed. rev. e atual. de acordo com novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1.090.
  28. Apud Id. Ibid. p. 1.090.
  29. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 169.
  30. Apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit. p. 208.
  31. LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit. p. 50.
  32. CECOS: Centro de Estudo e Conservação de Ovos e Esperma Humanos.

  33. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 164-165.
  34. LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit. p. 339.
  35. Id. Ibid. Loc. cit.
  36. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 229.
  37. Apud Id. Ibid. p. 171.
  38. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 176-177.
  39. Apud Id. Ibid. p. 228.
  40. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 177.
  41. Apud Id. Ibid. Loc. cit.
  42. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 177-178.
  43. Apud Id. Ibid. p. 186.
  44. Id. Ibid. p. 180 seq.
  45. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 180.
  46. Apud BRASIL. A Constituição na visão dos Tribunais: interpretação e julgados artigo por artigo. Brasília: Tribunal Regional Federal da 1º Região, Gabinete da Revista. Vol. 3 – Arts. 170 a 246. São Paulo Saraiva: 1997. p. 1.413.
  47. WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 178.
  48. Apud Id. Ibid. Loc. cit.
  49. Apud Id. Ibid. p. 182.
  50. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 185.
  51. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 185.
  52. Apud WELTER, Belmiro Pedro. Op. cit. p. 188.

ANEXOS

RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/92

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de infertilidade humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;

RESOLVE:

Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992.

IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ

Presidente

HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL

Secretário-Geral

Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053.

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

I - PRINCÍPIOS GERAIS

1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.

2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.

4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana.

6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.

7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.

II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA

1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em documento de consentimento informado.

2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:

1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico.

2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões.

3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.

2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.

6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.

2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.

3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.

1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Juliano Augusto de Souza. A investigação de paternidade na reprodução artificial heteróloga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2481, 17 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14676. Acesso em: 28 abr. 2024.