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Constitucionalidade de IPTU progressivo e taxas de limpeza e iluminação

Constitucionalidade de IPTU progressivo e taxas de limpeza e iluminação

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Sentença extensa e fundamentada, decidindo pela constitucionalidade da cobrança de IPTU progressivo e também de taxas de iluminação pública e coleta de lixo. Esta decisão é inovadora, contrariando entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, que, em decisão plenária, julgou estas formas de tributação inconstitucionais.

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Terceira Vara da Fazenda Pública

          Processo n° 98.001.200850-2 (TB 1.03.000879), distribuído em 7/12/98

          Ação declaratória de inexigibilidade de tributos c.c.com repetição de indébito fiscal

          Autor: Manoel de Azeredo Azevedo

          Advogado: Doutor Rômulo Cavalcante Mota

          Réu: Município do Rio de Janeiro

          Procurador do Município: Doutora Ilana Kuperman Bocikis


SENTENÇA

          Ementa:

          Ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com ação de repetição dos valores pagos pelo contribuinte e lançados pelo Município quanto ao imposto predial progressivo e taxas de iluminação e de coleta de lixo

          Direito Constitucional. Ministério Público. Interveniência. Direito da parte em juízo.

          Faz o Ministério Público em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional.

          Ao instituir o Ministério Público e estabelecer os delineamentos de sua atuação, quer a Constituição garantir o direito da parte ao julgamento justo, essencial ao Estado Democrático de Direito, e, assim, muito além do que assegurar prerrogativas funcionais aos seus integrantes ou autonomia administrativa e financeira à sua estrutura administrativa.

          O valor constitucional do direito da parte à intervenção ministerial é, ainda assim, de menor relevância que o seu direito à eficiente prestação jurisdicional, pelo que deve prosseguir o julgamento, sem prejuízo da interveniência em momento ulterior do processo.

          Direito Tributário. Pretensão de declaração de inexigibilidade de tributos vinculados à coisa imóvel em exercícios futuros. Possibilidade jurídica.

          Somente perdura a eficácia da sentença declaratória enquanto mantidos os elementos da ordem normativa em que se fundamenta em face da implícita condição rebus sic stantibus que a legitima.

          Direito Constitucional Processual. Vinculação dos tribunais à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal que reconhece incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (Constituição, art. 97).

          Competindo precipuamente ao órgão de cúpula da Justiça Nacional a guarda da Constituição, como esta lhe delegou expressamente no art. 102 em cláusula imutável decorrente da necessária separação das funções do Poder Público, mostra-se compatível com a norma procedimental do art. 97 da Carta da República o disposto no art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil (com a redação que lhe foi dada pela Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998): "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão."

          Inviável, assim, às instâncias ordinárias, no julgamento das demandas que lhes são submetidas, desatender à orientação do Supremo Tribunal Federal quanto à interpretação da Constituição da República, mesmo porque dispõe a mais Alta Corte do país de poderosos instrumentos processuais de preservação da autoridade de seus julgados para garantir a supremacia das normas constitucionais.

          Direito Tributário. Inconstitucionalidade do IPTU progressivo e das taxas de coleta de lixo e de iluminação pública. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no caso concreto.

          Assentou a Suprema Corte, em decisão plenária, por maioria qualificada, a inconstitucionalidade da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano, na modalidade progressiva, e, porque ausentes as características de especificidade e divisibilidade, das taxas de coleta de lixo e de iluminação pública (Recurso extraordinário 204827-SP, relator o Ministro Ilmar Galvão, julgado em 17 de dezembro de 1997, acórdão publicado no DJU de 25 de abril de 1998).

          A orientação do Supremo Tribunal Federal, na exegese dos temas que lhe são submetidos, opera com extremo vigor no campo normativo, mas não exclui dos órgãos jurisdicionais o seu poder constitucional de verificar no caso concreto a extensão e a densidade normativa sobre a realidade fática, pois do fato é que nasce o direito (ex facto oritur jus). A lei para as partes que resulta da decisão judicial é a individualização e a concretização necessária da norma geral e abstrata. Apenas o preconceito poderia obscurecer o fato de que a decisão judicial continua o processo criador do Direito, da esfera do geral e abstrato para a esfera do individual e concreto (Hans Kelsen).

          Direito Tributário. Ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com ação de repetição dos valores pagos pelo contribuinte e lançados pelo Município quanto ao imposto predial e taxas de iluminação e de coleta de lixo.

          Se houve - e isto não se discute - prestação de serviços ao municípe mediante o custeio dos referidos tributos, fazer com que estes serviços indivisíveis e genéricos se tornem gratuitos implicaria em enriquecimento sem causa, à custa, afinal, de outros munícipes. A manutenção da validade das cobranças não implica em se insurgir contra a decisão do Excelso Pretório.

          Classificam-se os direitos do contribuinte como individuais homogêneos, conduzindo, assim, a decisão judicial a considerar os direitos e deveres daqueles que estão em situação idêntica à do demandante Em atenção à natureza destes tributos, não se tem como divorciar os efeitos do direito (no caso, a declaração de inexigibilidade do tributo e a repetição do que foi pago) da sua origem comum, atribuindo ao comparecente os bônus e aos demais membros da comunidade os ônus.

          A proporcionalidade linear do imposto predial e a divisibilidade e especificidade das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo, exigidas como requisitos constitucionais para a cobrança destes tributos, acabam por conduzir a óbices intransponíveis na medição do quantum debeatur que se pretende repetir e do que se deve manter quanto à necessária contribuição do munícipe para os serviços da urbe.

          A pretensão autoral está no plano da legalidade, formal; a resistência municipal situa-se no patamar da legitimidade, material. Esta prepondera sobre aquela, mais densos os seus valores em face dos valores dos bens jurídicos postos pelo autor sob a cognição judicial

          Demanda improcedente.

          Relatório:

          Contribuinte proprietário de quatro imóveis (três apartamentos e uma sala comercial), como demonstra pelos documentos que instruem a inicial, aponta a inconstitucionalidade da cobrança pelo Município do imposto predial e territorial (IPTU) e das taxas de coleta de lixo e limpeza pública (TCLLP) e de iluminação pública (TIP), invoca ensinamentos doutrinários e precedentes judiciais, principalmente as decisões pronunciadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 153.771-MG, relator designado o Ministro Moreira Alves; RE 204827-5, SP, relator o Ministro Ilmar Galvão), demonstra o pagamento dos tributos e, a final, requer:

  • o reconhecimento do seu direito de não pagar as taxas antes referidas e o IPTU, este até que outro lançamento fiscal seja efetuado por alíquota única ou pela alíquota de 0,15%;
  • a declaração de nulidade, com efeitos ex tunc , até o termo inicial de contagem da prescrição extintiva da ação em face do Poder Público, dos lançamentos fiscais impugnados, inexigíveis o seu pagamento, correspondentes aos exercício pagos pelo autor;
  • a condenação do Município à restituição dos valores indevidamente pagos e relativos aos exercícios ainda não prescritos, especialmente desde 1994, a serem liquidados com juros moratórios a 1% ao mês e com a multa moratória máxima, assim nos termos em que o Município impõe ao contribuinte, consoante o seu Código Tributário;
  • o mandamento ao réu para se abster de praticar qualquer ato de lançamento ou de imposição de qualquer sanção em decorrência da mora; e
  • a condenação nos ônus sucumbenciais, arbitrados os honorários advocatícios em 20% da condenação.

          Replicando o mesmo procedimento em causas similares e atestando a habitual diligência e o profundo respeito à Justiça que caracterizam o exercício de sua longa e proficiente Advocacia, esmerou-se o digno patrono do demandante em trazer, com a petição inicial, mais de duas centenas de folhas de cópias de decisões judiciais - até mesmo em sentido contrário ao seu posicionamento - a quase mesmo dispensar, assim, a pesquisa a que eventualmente carecessem os participantes nesta causa.

          A resposta municipal, igualmente primorosa na forma e no conteúdo, a impugnar a pretensão exordial em toda a sua extensão:

  • suscita preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de inexigibilidade de tributos para o futuro; e
  • no mérito, pede a improcedência integral da lide ou, sucessivamente, ao menos o reconhecimento do poder fiscal de cobrar o IPTU pela alíquota mínima vigente nas datas de ocorrência dos seus fatos geradores. Diz, ainda, que não é caso de progressividade, mas de proporcionalidade, na imposição do IPTU, reportando-se à doutrina e à jurisprudência quanto ao princípio da igualdade material na área fiscal. Defende, ainda, a constitucionalidade da cobrança do IPTU progressivo e das taxas municipais, estas sob o suporte do princípio da solidariedade social, posto que as pessoas diretamente beneficiadas pelo serviço público devem repartir entre si o seu custo e que o contribuinte inadimplente causa dano irreparável à coletividade, que se vê privada de recursos vinculados à prestação dos serviços que a todos aproveitam.

          Na oportunidade aberta pelo disposto nos arts. 326 e 327 da lei processual, manifesta-se o autor pela rejeição da preliminar, sustentando, ademais, os fundamentos da pretensão exordial.

          As partes manifestaram desinteresse à dilação probatória.

          O Ministério Público declarou que deixa de oficiar no feito sob o argumento de inexistência de dispositivo legal a justificar a sua interveniência.

          É o relatório.

          Motivação:

          As questões preliminares merecem cognição judicial mesmo ex officio (CPC, art. 301, § 4o; art. 267, IV; e art. 246), posto o caráter publicístico da processo - e daí a investigação sobre os seus pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular - como meio de solução pacífica das controvérsias que o preâmbulo da Constituição de 1988 erige como fundamento do Estado Democrático de Direito.


Interveniência do Ministério Público.

          A douta representante do Ministério Público perante este Juízo deixou de oficiar no feito, sob o fundamento de inexistência de dispositivo legal a conduzir a sua função de interveniente.

          Em face do princípio institucional da unicidade do Parquet¸ e ao menos nas instâncias ordinárias, tal declaração por si só, e desde logo, exime os órgãos judiciais de ambas as instâncias de determinar a intimação do seu representante para os atos processuais subseqüentes. Contudo, nas instâncias extraordinária e especial, em face da dualidade organizacional do Ministério Público nacional, cabe à diligente Procuradoria Geral da República novamente dizer se tem ou não interesse na causa.

          No aspecto estritamente prático, e porque ao juiz incumbe transpor, tanto quanto possível, os óbices para a cognição da lide, tem o signatário adotado o entendimento de que basta a intimação do Ministério Público, pelo que decorre do disposto no art. 246 da lei processual, para que se imunize o processo de qualquer alegação de nulidade (Sentença cível - fundamentos e técnica, Rio, Forense, 5a edição, pp. 7/12).

          A inegável seqüela é a perplexidade dos juízes, das partes, de seus representantes, e até mesmo do pessoal cartorário, todos compelidos a esquadrinhar alentados autos para apurar se deve ou não intervir o Ministério Público, sob a terrível ameaça de ver reconhecidos nulos os atos processuais, a inutilizar os esforços despendidos em seu ofício.

          A autonomia funcional do representante do Parquet, posta como prerrogativa constitucional, é avessa a qualquer ordem, até mesmos dos Tribunais ou da respectiva Chefia, no sentido de obrigá-lo à manifestação, não só em homenagem à antiga parêmia nemo cogi potest ad factum, como porque os membros de Poder (na expressão da Emenda Constitucional no 19/98) somente respondem por dolo ou fraude no exercício de suas funções.

          Neste sentido processualmente restrito, abstraindo-se do patamar constitucional, proclamou a Alta Corte de Direito Federal no RESp nº 5.469-0 - MS, sob a relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo, em julgamento pela Quarta Turma com data de 20 de outubro de 1992: "Processo Civil. Usucapião. Ausência de citação do cônjuge. Comparecimento espontâneo. Suprimento. Intervenção do Ministério Público. Suficiência da intimação. Julgamento antecipado da lide. Possibilidade. Recurso desacolhido. . . . O que enseja nulidade, nas ações em que há obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, é a falta de intimação do seu representante, não a falta de efetiva manifestação deste."

          Mas a nova ordem constitucional, fruto dos inolvidáveis esforços da doutrina liderada pela Confederação Nacional das Associações do Ministério Público (CONAMP), proclamou que o Ministério Público exerce função essencial à Administração da Justiça pois "´... é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

          Doutrinador do mais alto conceito na comunidade forense traz a lição de José Fernando da Silva Lopes: "Faz o Ministério Público em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional" (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal - promotor natural - atribuições e conflitos, Rio, Forense, 1989, p. 15).

          A questão da interveniência do Ministério Público não pode ser resolvida pela mera interpretação do significado linguístico de dispositivos de leis editadas na vigência da anterior ordem constitucional: "O programa normativo não é apenas a soma dos dados linguísticos normativamente relevantes do texto, captados a nível puramente semântico. Outro elementos a considerar são: (1) a sistemática do texto normativo, o que corresponde tendencialmente à exigência de recurso ao elemento sistemático; (2) a genética do texto; (3) a história do texto; (4) a teleologia do texto. Este último elemento "teleologia do texto normativo" aponta para a insuficiência de semântica do texto: o texto normativo quer dizer alguma coisa a alguém e daí o recurso à pragmática" (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Livraria Almedina, 1998, 2a edição, p. 1092).

          Até mesmo a interpretação sistemática não pode abstrair as normas de conteúdo organizatório das instituições constitucionais e - muito menos - os fatores históricos e axiológicos dos princípios proclamados em Constituição que pretende estabelecer o Estado Democrático de Direito como instrumento de prevalência dos fundamentos da soberania popular, da cidadania e da dignidade do ser humano (Constituição, art. 1o).

          O poder constituinte criou o Ministério Público como instituição permanente e essencial à Administração da Justiça; sua função de equilíbrio assegura o atendimento dos direitos da cidadania, entre os quais sobreleva, como garantia, o direito ao julgamento justo (Constituição, art. 5o, XXXV, LIV).

          Ao instituir o Ministério Público e estabelecer os delineamentos de sua atuação, a Constituição pretende garantir o direito da parte ao julgamento justo, muito além do que assegurar prerrogativas funcionais aos seus integrantes ou autonomia administrativa e financeira à sua estrutura administrativa.

          A intervenção ministerial é atividade pública de satisfação do interesse das partes, pois a ótica de atuação do Promotor de Justiça é diversa dos interesses em conflito e até mesmo do poder/dever do magistrado que dirige o processo e julga a causa.

          Mas o valor constitucional do direito da parte à intervenção ministerial é, ainda assim, de menor relevância que o direito à eficiente prestação jurisdicional, pelo que não deve a causa ficar sobrestada - se aplicado fosse o procedimento extremo do art. 28 da vetusta lei processual penal - enquanto se aguardasse a resolução da questão administrativo-funcional a ser levada pelo Juiz ao Senhor Procurador-Geral.

          Alternativa não resta, assim, a despeito da abstenção ministerial, senão prosseguir no julgamento das demais questões desta causa.


Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de
inexigibilidade de tributos para o futuro. Rejeição.

          Socorreu-se a defesa, na argüição da preliminar, da Súmula 239, do Supremo Tribunal Federal ("decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores" - ref.: Cód. Proc. Civil, art. 287, parágrafo único -- Agravo 11.227, de 5-6-44, DJU de 10-2-45, p. 816; MS 11.714, de 6-11-63, DJU de 25-6-64, p. 390).

          Contudo, conferiu-se interpretação restritiva ao enunciado sumular, como se vê na RTJ 99/414, acentuando o Ministro Rafael Mayer que o verbete está situado no plano do direito tributário formal, "mas se a decisão se coloca no plano da relação de direito tributário material para dizer inexistente a pretensão fiscal do sujeito ativo, por inexistência de fonte legal da relação jurídica que obrigue o sujeito passivo, então não é possível renovar a cada exercício o lançamento e a cobrança do tributo, pois não há a precedente vinculação substancial. A coisa julgada que daí decorre é inatingível, e novas relações jurídico-tributárias só poderiam advir da mudança dos termos da relação pelo advento de uma norma jurídica nova com as suas novas condicionantes".

          Nas relações jurídicas continuativas submetidas à cognição jurisdicional, rebus sic stantibus intelliguntur, pois "a eficácia da sentença declaratória perdura enquanto estiver em vigor a lei em que se fundamenta, interpretando-a" (RSTJ 8/341).

          Rejeita-se, assim, a preliminar.

          Mérito:

          Cabe o julgamento da causa no estado em que se encontra, incidente o suporte fático do inciso I do art. 330 da lei processual, mesmo porque presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder (4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14 de agosto de 1990, Ministro Sálvio Figueiredo, RESp n° 2.832-RJ, DJU de 19/09/90, p. 9.513).

          Questão prejudicial: Vinculação das instâncias ordinárias às decisões plenárias do Supremo Tribunal Federal em temas constitucionais (CPC, art. 481, parágrafo único) que proclamaram a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU, na modalidade progressiva, e das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo.

          Neste feito - como em milhares de outros recentemente aforados nos juízos fazendários municipais - ao cumular os pedidos de inexigibilidade da cobrança do IPTU progressivo e das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo, com a repetição do indébito - o contribuinte agita em seu favor notórios precedentes do Excelso Pretório, entre os quais se destaca aquele que vinculou decisão da Alta Corte de Direito Federal, sobre os tributos ora em debate, como se vê a seguir:

Acórdão RESp 116799/RJ ; RECURSO ESPECIAL (9600/792798-)
Fonte DJ       DATA:18/08/1997    PG:37787
Relator Ministro JOSÉ DELGADO (1105)
Ementa TRIBUTARIO. RECURSO ESPECIAL. TAXAS DE LIXO E DE ILUMINAÇÃO PUBLICA DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO. IPTU. MATERIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. A DOUTRINA E A JURISPRUDENCIA QUE INFORMAM O NOSSO SISTEMA JURIDICO POSICIONAM-SE, DE MODO UNIFORME, PELA IMPOSSIBILIDADE DE, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, SE DECIDIR A RESPEITO DE VIOLAÇÃO OU NEGAÇÃO DE VIGENCIA DE NORMA CONSTITUCIONAL, HAJA VISTA TAL MISSÃO SER RESERVADA PARA O AMBITO DO RECURSO EXTRAORDINARIO.
2. ESSA COMPREENSÃO DECORRE DA DICÇÃO CONTIDA NO ART. 105, III, LETRAS "A", "B" E "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A COMPETENCIA ATRIBUIDA AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIMITA A APRECIAÇÃO DO RECURSO ESPECIAL AS SITUAÇÕES EM QUE O RECORRENTE SE INSURGE CONTRA TRATADO OU LEI FEDERAL CONTRARIADO OU QUE SE LHES TENHA NEGADO VIGENCIA; SE HAJA JULGADO VALIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL OU SE TENHA DADO A LEI FEDERAL INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE DA QUE LHE HAJA ATRIBUIDO OUTRO TRIBUNAL. PARA O CAMPO DO RECURSO EXTRAORDINARIO, COMPETENCIA EXCLUSIVA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A CARTA MAGNA RESERVOU ASPECTOS DETERMINADORES DE CONTRARIEDADE A DISPOSITIVO DA PROPRIA CONSTITUIÇÃO, DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE TRATADO OU LEI FEDERAL OU JULGAMENTO VALIDO DE LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DA PROPRIA CARTA MAGNA.
3. O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DA COMPETENCIA JURISDICIONAL FIXADO PELA CARTA MAGNA OBEDECE A PRINCIPIOS RIGIDOS. NÃO PERMITE QUALQUER AMPLIAÇÃO PELO INTERPRETE. NO INSTANTE EM QUE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APRECIAR E DECIDIR A RESPEITO DE TEMA CONSTITUCIONAL, ESTA INVADINDO A COMPETENCIA ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR TAIS CAUSAS E INVALIDANDO A DECISÃO PROLATADA.
4. QUANDO O DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL APONTADO COMO VIOLADO É UMA REPETIÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL, NÃO HA DE SE CONHECER DE RECURSO ESPECIAL, PELA SUPREMACIA EXERCIDA PELO PRECEITO MAIOR. A RESPEITO, MERECEM CONFERENCIA OS PRECEDENTES SEGUINTES,ANOTADOS POR THEOTONIO NEGRÃO, IN CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR, 27A. ED., PGS. 1206/1207: "SE O DISPOSITIVO LEGAL TIDO COMO VIOLADO NÃO PASSA DE MERA REPRODUÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL, QUE O ABSORVE TOTALMENTE, E DO STF A COMPETENCIA EXCLUSIVA PARA DISPOR SOBRE A TEMATICA CONTROVERTIDA" (STJ-RT 698/198). O MESMO OCORRE SE O PRECEITO DE LEI ORDINARIA NÃO PASSA DE REPETIÇÃO MITIGADA" DO TEXTO CONSTITUCIONAL, COMO, POR EXEMPLO, O ART. 15 DO CC, EM RELAÇÃO AO ART. 36, PAR. 6., DA CF (RSTJ 55/132)".
5. E, AO MEU PENSAR, A HIPOTESE DOS AUTOS, NO RELATIVO AO DEBATE SOBRE A EXIGENCIA DO IPTU. O RECORRENTE INVOCA COMO VIOLADO O ART. 104, INC. I, DO CTN. ESTE REPRODUZ O PRINCIPIO DA ANTERIORIDADE PROTETOR DA EFICACIA DA LEI TRIBUTARIA E PRESENTE NO ART. 150, III, B, DA CF.
6. A DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL APRESENTADA ELEVA A DISCUSSÃO A RESPEITO DO TEMA AO PATAMAR CONSTITUCIONAL. INCIDE, PORTANTO, NA MESMA REGRA.
7. O RECURSO ESPECIAL INVOCA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 77 E 79, DO CTN, PARA REFORMAR O ACORDÃO NA PARTE QUE RECONHECEU A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA. TENHO, POREM, QUE CONSIDERAR QUE O ACORDÃO EM QUESTÃO AFASTOU A INCONSTITUCIONALIDADE DA MENCIONADA TAXA. A PARTE VENCIDA NÃO INTERPOS RECURSO EXTRAORDINARIO PARA ATACAR ESSA DECISÃO. TRANSITOU, ASSIM, EM JULGADO, OS SEUS EFEITOS, O QUE IMPOSSIBILITA A SUA REDISCUSSÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
8. ALEM DO MAIS, DESTAQUE-SE A SUBLIMAÇÃO FEITA PELO RECORRENTE EM SUA FUNDAMENTAÇÃO AO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL POSTO NO ART. 145, PAR. 2., DA CF, DE QUE "AS TAXAS NÃO PODERÃO TER BASE DE CALCULO PROPRIA DE IMPOSTOS."
9. TRATOU, DE MODO POTENCIALIZADO, COMO TENDO SIDO VIOLADO, O MENCIONADO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, BEM COMO, ENFRENTOU, DE IGUAL MODO, A TEMATICA CONSTITUCIONAL POSTA NO ART. 145, II, DA CARTA MAGNA, CONSISTE DE QUE A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICIPIOS PODERÃO INSTITUIR TAXAS, EM RAZÃO DO EXERCICIO DO PODER DE POLICIA OU PELA UTILIZAÇÃO EFETIVA OU POTENCIAL, DE SERVIÇOS PUBLICOS ESPECIFICOS E DIVISIVEIS, PRESTADOS AO CONTRIBUINTE OU POSTOS A SUA DISPOSIÇÃO.
10. OS ARTS. 77 E 79 DO CTN REPETEM, APENAS, TAIS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS. NÃO HA POSSIBILIDADE, PORTANTO, DE SE FIRMAR DECISÃO A RESPEITO SEM SE DEBATER A NORMA CONSTITUCIONAL.
11. A DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL APRESENTADA PELO RECORRENTE SE ELEVA, TAMBEM, AO MESMO PATAMAR.
12. NÃO E POSSIVEL, PELO EXPOSTO, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, SE DEBATER A PRETENSÃO ACIMA IDENTIFICA DO RECORRENTE.
13. O EXAME DA COBRANÇA DA TAXA DE LIXO INCIDE NOS MESMOS EFEITOS. O TEMA E PREPONDERANTEMENTE DE NATUREZA CONSTITUCIONAL.
14. O RECORRENTE, A RESPEITO, DA ENFASE, APONTANDO COMO TENDO SIDO VIOLADO, O PARAGRAFO UNICO DO ART. 77, DO CTN. ESTE, CONFORME JÁ ASSINALADO, E UMA REPRODUÇÃO DO ART. 145, II, DA CF.
15. CONSIDERE-SE, TAMBEM, QUE O COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, AO TRATAR DE TEMA IDENTICO COM REFERENCIA AO MUNICIPIO DE SÃO PAULO, DECIDIU NO RECURSO EXTRAORDINARIO N. 204827-SP, RELATADO PELO EMINENTE MINISTRO ILMAR GALVÃO, JULGADO EM DATA DE 17.12.96, ACORDÃO PUBLICADO NO DJU DE 25.04.97, ONDE A REFERIDA TAXA FOI EXAMINADA, ASSENTOU, CONFORME EMENTA A SEGUIR TRANSCRITA, QUE: "MUNICIPIO DE SÃO PAULO. TRIBUTARIO. LEI N. 10.921/90, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AOS ARTS. 7., 87 E INCS. I E II, E 94 DA LEI N. 6.989/66, DO MUNICIPIO DE SÃO PAULO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA. TAXAS DE LIMPEZA PUBLICA E DE CONSERVAÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PUBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS SOB ENFOQUE. O PRIMEIRO, POR INSTITUIR ALIQUOTAS PROGRESSIVAS ALUSIVAS AO IPTU, EM RAZÃO DO VALOR DO IMOVEL, COM OFENSA AO ART. 182, PAR. 4., II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE LIMITA A FACULDADE CONTIDA NO ART. 156, PAR. 1., A OBSERVANCIA DO DISPOSTO EM LEI FEDERAL E A UTILIZAÇÃO DO FATOR TEMPO PARA A GRADUAÇÃO DO TRIBUTO. OS DEMAIS, POR HAVEREM VIOLADO A NORMA DO ART. 145, PAR. 2., AO TOMAREM PARA BASE DE CALCULO DAS TAXAS DE LIMPEZA E CONSERVAÇÃO DE RUAS ELEMENTO QUE O STF TEM POR FATOR COMPONENTE DA BASE DE CALCULO DO IPTU, QUAL SEJA, A AREA DE IMOVEL E A EXTENSÃO DESTE NO SEU LIMITE COM O LOGRADOURO PUBLICO. TAXAS QUE, DE QUALQUER MODO, NO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR, TEM POR FATO GERADOR PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INESPECIFICO, NÃO MENSURAVEL, INDIVISIVEL E INSUSCETIVEL DE SER REFERIDO A DETERMINADO CONTRIBUINTE, NÃO TENDO DE SER CUSTEADO SENÃO POR MEIO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DOS IMPOSTOS GERAIS. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO DA MUNICIPALIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO DO CONTRIBUINTE".
16.- COMO VISTO, A MATERIA E DE NATUREZA CONSTITUCIONAL, SENDO IMPOSSIVEL, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO LEGAL APONTADO PELO RECORRENTE.
17.- RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
Data da Decisão 03/06/1997
Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA
Decisão POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO.
Indexação      DESCABIMENTO, RECURSO ESPECIAL, APRECIAÇÃO, LEGALIDADE, COBRANÇA, (IPTU), TAXA DE LIXO, TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA, OCORRENCIA, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO DA ANTERIORIDADE, COMPETENCIA, STF, APURAÇÃO, CRITERIO, DIVISIBILIDADE, ESPECIFICAÇÃO, SERVIÇO, CARACTERIZAÇÃO, MATERIA  CONSTITUCIONAL.
Catálogo CT0070   RECURSO ESPECIAL
         VIOLAÇÃO OBLIQUA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL
Referências
Legislativas
LEG:FED LEI:005172 ANO:1966
*****  CTN-66    CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL
        ART:00104 INC:00001 ART:00077 ART:00079
LEG:FED CFD:000000 ANO:1988
*****  CF-88     CONSTITUIÇÃO FEDERAL
        ART:00145 INC:00002 PAR:00002
Doutrina OBRA:  CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR,
       27A. ED., PAGS. 1206/1207
AUTOR: THEOTONIO NEGRÃO
Veja RESP 32870-SP, (STJ)
RE 204827-SP, (STF)

          Do texto, extrai-se que até mesmo a Alta Corte de Direito Federal se vê compelida a harmonizar o seu entendimento com o do Supremo Tribunal Federal.

          Assim é porque a Constituição instituiu, no art. 102, caput, o Excelso Pretório como seu guardião e supremo intérprete, impondo-lhe a missão de conformar aos parâmetros de atuação pretendidos pelo poder constituinte originário a resolução dos litígios não só entre as entidades federativas ou órgãos dos Poderes da República, mas, e principalmente, entre os indivíduos e grupos sociais em face do Poder Público.

          Pedindo vênia a Oscar Dias Corrêa (Supremo Tribunal Federal: Corte Constitucional do Brasil, Rio, Forense, 1987), José Afonso da Silva não equipara o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional a Corte Constitucional, porque predomina ainda entre nós o sistema difuso de controle de constitucionalidade herdado dos estadunidenses, autorizando qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade por via de exceção (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 16a edição, p. 556).

          Nesta função julgadora monocrática, admite a ordem jurídica que este magistrado reiterasse o entendimento pessoal no sentido da constitucionalidade da cobrança tributária em comento (pelos fundamentos do voto, aliás minoritário, a despeito da densa e honrosa adesão do douto Desembargador Severiano Ignácio Aragão, nos Embargos Infringentes no 031/98, TJ-RJ, 9o Grupo de Câmaras Cíveis, por cópia a fls. 243/247, destes autos).

          No entanto, embora com a reserva da opinião própria sobre o tema, curva-se disciplinadamente este sentenciante às conseqüências decorrentes dos reiterados pronunciamentos da mais Alta Corte Judiciária ao proclamar que o Município vulnera a Constituição ao instituir as taxas de iluminação e de limpeza pública e o imposto predial, este na modalidade progressiva.

          A diligente procuratura municipal ainda esgrima em seu favor o argumento de que não decorreria vinculação aos demais órgãos judiciários quanto ao reconhecimento incidental de inconstitucionalidade pela Suprema Corte, cujo Regimento Interno, no art. 178, ainda exige a resolução, hoje prevista no art. 52, X, da Lei Maior, para a produção de efeitos erga omnes pela suspensão da eficácia do ato normativo, mesmo porque cada ordenamento municipal há de oferecer soluções próprias em atenção às peculiaridades das cinco mil urbes existentes no país.

          Neste último aspecto, pelo que se extrai da orientação do Supremo Tribunal Federal, basta que se verifique a normatividade local e, se reconhecida alguma faixa de progressividade na instituição do imposto predial, ou se o fato gerador das taxas de iluminação e de coleta de lixo não se mostre específico e divisível, alternativa não resta ao órgão judiciário senão coarctar, nos casos em julgamento, a violação às normas constitucionais.

          É o que forçosamente decorre da hermenêutica suprema: descabe IPTU progressivo, inviável a cobrança de taxas que não atendam à especificidade e à divisibilidade do serviço público em contrapartida.

          Quanto ao aspecto da extensão dos efeitos da declaração incidental sem a resolução senatorial, deve ser observado que esta é necessária para a vinculação dos órgãos públicos em todos os níveis federativos e em todas as esferas governamentais, pois o efeito da resolução é suspender a execução do ato normativo e assim cassando a sua eficácia ex nunc.

          Mas recentes leis processuais - e assim de vigência imediata - vincularam todos os órgão judiciários, na resolução das causas que lhe são apresentadas, às decisões do Supremo Tribunal Federal.

          É o que decorre de recente alteração da redação no art. 481, da lei processual, como vislumbrou o signatário em comentários a que se remete, a seguir transcrevendo alguns trechos (A argüição de inconstitucionalidade nos tribunais - notas sobre a nova redação que a Lei 9.576/98 deu ao art. 481 do CPC, artigo publicado no ADV-Informativo, da COAD/ADV, Rio de Janeiro, março de 1999, boletim no 13, pp. 196/193):

          A argüição de inconstitucionalidade nos tribunais

          (notas sobre a nova redação que a Lei no 9.756/98 deu ao art. 481 do Código de Processo Civil)

          A Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998, dispondo sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais, entre outras alterações na legislação processual civil e trabalhista, acresceu ao art. 481 do Código de Processo Civil um parágrafo com a seguinte redação:

          "Art. 481. ..........

          Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. "

          As disposições contidas nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil implementam procedimento para efetivar a norma decorrente do disposto no art. 97 da Constituição da República, a exigir que somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou do respectivo órgão especial poderão os tribunais reconhecer – em controle difuso ou concentrado - a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

          Os regimentos internos dos tribunais, ao tratar de tal procedimento em atenção ao disposto no art. 96, I, "a", da Carta Maior, geralmente se remetem às disposições da lei de ritos quanto ao procedimento da argüição de inconstitucionalidade.

          Desde logo, ressalte-se que o procedimento previsto nos arts. 480 a 482 da lei processual civil somente é cabível quando houver necessidade do reconhecimento incidental da inconstitucionalidade e não se aplica às ações de inconstitucionalidade ou às representações de inconstitucionalidade processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados (Constituição Federal, arts. 102, I, "a"; 125, § 2o), estas previstas nos regimentos internos dos respectivos tribunais.

          O mencionado procedimento é aplicado independentemente de ser federal ou estadual a Constituição objeto de comparação com a norma impugnada, pois o art. 480 refere-se genericamente a "argüída a inconstitucionalidade...".

          De qualquer forma, o denominado princípio da reserva de plenário que se extrai do disposto no art. 97 da Constituição é aplicável em qualquer reconhecimento de inconstitucionalidade pelos tribunais, servindo o roteiro dado pelos arts. 480 a 482 da lei processual como procedimento para o reconhecimento incidental – posto o tema de constitucionalidade como questão prévia ao julgamento da causa.

          . . .

          O espírito que levou o legislador constituinte a editar tal comando, na oportuna lição de Pontes de Miranda sobre o art. 116 da revogada ordem magna, foi o fim político-técnico de prestigiar o ato do poder público, inclusive a lei, só admitindo a desconstituição daquele, ou dessa, por maioria absoluta de votos dos tribunais (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1/69, Rio, Forense, 1987, tomo III, p. 611).

          É que somente se proclama a inconstitucionalidade além de qualquer dúvida razoável (beyond all reasonable doubt), mesmo porque todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, não estão acima de toda dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qualquer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, Rio, Forense, 1996, 16a ed., p. 307).

          Daí porque carecer o órgão fracionário de tribunal – justamente porque é fração e não o todo - de competência funcional para proclamar ex novo a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, submetendo-se obrigatoriamente, para tal, aos procedimentos referidos nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil e às normas regimentais para ensejar a cognição e a decisão da questão incidental pelo plenário ou pelo órgão especial do tribunal.

          Se o órgão judiciário não se qualifica como tribunal, nem dele é órgão fracionário - como os milhares de juízos monocráticos que em nosso País têm o dever de conhecer em primeiro grau da esmagadora maioria dos pleitos submetidos ao Poder Judiciário - continua com o poder de deixar de aplicar, motivadamente, nos casos que lhe são submetidos a julgamento, a norma que entender incompatível com a Constituição.

          . . .

          Vê-se, assim, que mui discretamente, o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil cristalizou normativamente o que a doutrina e a jurisprudência admitiam: a vinculação dos tribunais às decisões do Supremo Tribunal Federal no reconhecimento incidental da inconstitucionalidade, mesmo porque bastava, e ainda basta, ao relator, para não se conhecer de recurso constitucional, o fundamento de que o tema já fora apreciado pelo Excelso Pretório.

          Nem se pode argüir de inconstitucional a nova disposição ora em comento, sob o argumento de restringir a autonomia dos tribunais ou dos seus órgãos ou de seus integrantes.

          O art. 99 da Constituição garante a autonomia do Poder Judiciário – e não dos tribunais – e não podem agitar malferimento da autonomia funcional dos juízes aqueles que estão jungidos ao reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Plenário ou órgão especial do próprio Tribunal e, no tema constitucional, a Constituição erigiu a Suprema Corte ao papel de seu guardião.

          Aliás, se o Tribunal, por seu órgão fracionário ou mesmo pelo Pleno, ignorar a norma proibitiva contida no dispositivo em comento, estará desafiando, de um lado, recurso ao Superior Tribunal de Justiça por vulneração da norma decorrente do disposto no mencionado parágrafo único do art. 481, e, de outro, a reclamação prevista no art. 102, I, "l", da Constituição, a garantir a competência e a autoridade do mais Alto Tribunal do país.

          . . .

          Enfim, continuem os juízes monocráticos na motivada apreciação dos temas constitucionais que se vejam obrigados a enfrentar no julgamento das causas que lhe são submetidas, deixando de aplicar, nos casos concretos, as leis e atos normativos que, a seu ver, sejam incompatíveis com a Constituição.

          Mas os tribunais, independentemente de alteração das disposições regimentais, agora estão jungidos aos precedentes, seus e principalmente da Suprema Corte, nas questões constitucionais.

          Tais precedentes, se atendido o quorum qualificado referido no art. 97 da Constituição, ganham verdadeiro conteúdo normativo, mais uma vez demonstrando que hoje se mostra vazia e ultrapassada a rígida separação de Poderes e funções estatais que o antigo magistrado, Charles de Secondat, o Barão de Montesquieu, enxergou como fundamento suficiente para acabar com o absolutismo real."

          Aliás, ainda que este decisor somasse às suas as ponderáveis razões da diligente procuratura municipal, e intentasse navegar em sentido contrário ao dos precedentes da Suprema Corte, reconhecendo constitucional a cobrança dos tributos em debate, sequer veria a sua sentença, submetida a reexame necessário e aos eventuais efeitos de apelação, chegar à cognição da Turma revisora, coarctado o procedimento de revisão por antecipação de tutela concedida monocraticamente pelo relator.

          É que dispõe o art. 557 do Código de Processo Civil, mercê da redação que lhe foi dada inicialmente pela Lei no 9.139, de 30 de novembro de 1995, e depois pela recente Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998:

          "Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

          § 1o A – Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

          § 1o . Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

          § 2o . Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor."

          Já se manifestara o signatário sobre tal inovação (artigo publicado no boletim Seleções Jurídicas, da COAD/ADV, Rio de Janeiro, março de 1999, pp. 11/16; também publicado na coletânea Doutrina 7, do Instituto de Direito, Niterói, 1999, pp. 104 e seguintes):

          "O § 1o A do art. 557 inova ao autorizar o relator a, desde logo, prover o recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

          Note-se a distinção: para negar seguimento ao recurso a lei se refere a orientação do respectivo tribunal, além do Supremo Tribunal e de Tribunal Superior; para prover o recurso só se a orientação for a ditada pelo Supremo Tribunal ou Tribunal Superior.

          Em face da competência funcional que a Constituição defere aos tribunais para dispor sobre o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais no respectivo regimento interno (art. 96, I, a), atendidas as leis processuais, não se evidencia injurídica a disposição regimental que venha conferir ao relator o poder de antecipar o provimento do recurso se a decisão recorrida confrontar com súmula ou com a jurisprudência dominante na mesma Corte.

          Da Constituição os tribunais vão haurir a sua competência, pelo que prevalecem as súmulas e a jurisprudência dominante dos Tribunais nos temas próprios de sua jurisdição, atendida a prioridade da Suprema Corte em matéria constitucional, mas somente nesta.

          É fácil discernir entre súmula e jurisprudência dominante: aquela tem o enunciado emitido nos termos regimentais e legais, esta expressa o entendimento ordinariamente seguido, mas que não mereceu ainda o patamar sumular.

          A apuração do que é jurisprudência dominante pode oferecer óbices intransponíveis em face da natural alteração da orientação seguida pelas Cortes, embora muito facilitem as ementas de acórdão, como algumas das Seções do Superior Tribunal de Justiça, declarando tal condição.

          A súmula do seu tribunal, ou de Tribunal Superior, é do conhecimento do relator, mesmo porque se diz que a súmula é menos do que uma ordem e mais do que uma recomendação; a jurisprudência dominante deve ser demonstrada ou ao menos indicada pelos interessados, embora ao relator reste o juízo sobre a incidência dos elementos normativos no caso em julgamento."

          Inútil, assim, a resistência das instâncias ordinárias, e principalmente desta originária, à orientação suprema.

          Conseqüência prática, extremamente gravosa, se pode extrair da mencionada vinculação.

          No foro carioca há ações em que contribuintes, sob os mesmos fundamentos desta causa, pretendem a restituição de milhões de reais: nas metrópoles brasileiras existem milhares de grandes edificações, com centenas de unidades comerciais e residenciais, cujas contribuições fiscais orçam a milhares de reais por mês, constituindo poderoso suporte ao Erário para o custeio dos serviços municipais essenciais à vida urbana.

          Nestas numerosas causas - se, eventualmente, as instâncias ordinárias pronunciassem a imediata inexigibilidade do crédito fiscal, suspendendo o fluxo de recursos para o Tesouro Municipal, porque o recurso extraordinário só tem efeito devolutivo - ainda assim não poderia o Município se socorrer do remédio cautelar previsto no art. 4o da Lei no 4.348/64 e no art. 1o da Lei no 8.437/92, a garantir relevantes valores de ordem e economia públicas (sobre o tema, com ampla bibliografia, ver Suspensão de liminar e de sentença, Maria Cristina Barros Gutiérrez, trabalho monográfico, EMERJ, julho de 1996).

          É que a cognição cautelar, característica dos procedimentos instituídos pelas mencionadas leis federais, não dispensa, antes exige, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, a sumária delibação sobre o mérito da causa, como proclamou o Pleno pela voz do Ministro Sepúlveda Pertence, nas SS no 846 e 1055:

          "A suspensão de segurança, concedida liminar ou definitivamente, é contracautela que visa à salvaguarda da eficácia plena do recurso que contra ela se possa manifestar, quando a execução imediata da decisão, posto que provisória, sujeita a riscos graves de lesão de interesses públicos privilegiados - a ordem, a saúde, a segurança e a economia pública: sendo medida cautelar, não há regra nem princípio segundo os quais a suspensão da segurança devesse dispensar o pressuposto do "fumus boni juris" que, no particular, se substantiva na probabilidade de que, mediante a futuro provimento do recurso, venha a prevalecer a resistência oposta pela entidade estatal à pretensão do impetrante." (ementa do acórdão da Suspensão de Segurança no 846).

          Percebe-se improsperável o argumento municipal de que, no caso do IPTU, a modalidade adotada pelo ordenamento local é o da proporcionalidade e não da progressividade: a distinção até mesmo fora vislumbrada por Plácido e Silva:

          "IMPOSTO - Do latim impositum, de imponere (impor, prescrever), é empregado na linguagem jurídica, notadamente do Direito Tributário, na equivalência de tributo, tributação ou contribuição.

          Representa-se, assim, a prestação ou a contribuição, que é devida por toda pessoa, seja física ou jurídica, ao Estado, para formação da receita, de que necessita, para acorrer às despesas com os seus serviços e manutenção de sua própria existência.

          É, pois, a porção de dinheiro com que, a título de encargo permanente e geral, cada cidadão contribui para o erário público.

          Por ser uma contribuição obrigatória ou contribuição coercitiva, merecia outrora a designação de imposição.

          E, neste particular, é que se difere da taxa, que, embora também contribuição, não é imposta, nem coercitiva, desde que é devida, simplesmente, em virtude de serviço prestado, representando uma compensação por serviço particularmente feito ou uma contraprestação.

          Segundo a natureza do tributo ou do encargo fiscal, expressão por que também se determina o imposto, há uma designação própria para cada espécie. É o que se diz de nomenclatura dos impostos.

          Em relação à sua natureza, origem ou forma de arrecadação, recebem os impostos especiais denominações.

          É assim que:

          a) quanto à forma de pagamento, diz-se in natura, se efetivado em serviço ou mercadorias; in specie, se em dinheiro;

          b) quanto à durabilidade: em ordinário ou permanente, se em caráter efetivo; extraordinário, quando em caráter transitório;

          c) quanto à incidência: em reais, quando considerada a pessoa como mero titular do bem ou da propriedade gravada (imposto predial, verbi gratia), ou pessoais, quando recaem sobre a pessoa, sem atenção às suas propriedades (imposto de renda);

          d) quanto ao modo de percepção, em diretos e indiretos;

          e) quanto à origem do poder: federais, quando devidos ou pertencentes à União; estaduais, quando pertencem aos Estados federados; e municipais, quando relativos aos Municípios;

          f) quanto ao grau de perequação: em fixo, adicional, proporcional, progressivo, de repartição ou cotidade.

          Fixo, quando se apresente invariável, em soma igual, para toda e qualquer espécie de contribuinte.

          Adicional, quando se mostra um aumento ao imposto primitivo, a que é acrescido, para ser cobrado simultaneamente com ele.

          Proporcional é o que resulta ou se verifica pela proporção, isto é, pela razão aritmética do valor da propriedade gravada ou do total das rendas auferidas pelo contribuinte.

          Progressivo, quando a tributação vai sendo progressivamente ampliada, à proporção que aumenta a soma da riqueza tributável.

          Vide: Imposto sobre a renda. Progressivo.

          De repartição, dito também de contingência, quando fixada previamente pela lei a importância total de que precisa o Estado para suas despesas, é repartida entre os contribuintes para a sua efetiva arrecadação.

          De cotidade, quando, depois de orçada a importância da receita tributária, se procede o lançamento para efetividade de sua arrecadação. É imposto que se diz previamente tarifado pela lei;

          g) quanto à taxação: em lançados e não lançados.

          Lançados ou de lançamento são os que, previamente, se tornam conhecidos e pelo lançamento se processa a arrecadação. São, assim, os impostos anuais e permanentes, a que se encontram sujeitos os que se consideram contribuintes deles.

          Não lançados, ou não previstos previamente, são os que decorrem de operações ou negócios feitos pelas pessoas, sem qualquer prefixação anterior, ou sem qualquer lançamento. Vão sendo, pois, arrecadados segundo a realização dos negócios, distinguindo-se dos lançados, que foram antecipadamente previstos pelo censo ou lançamento.

          A lei dá para cada espécie de imposto um nome próprio. A multiplicidade de nomes por que são os mesmos conhecidos, constitui a nomenclatura. (Vocabulário Jurídico, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, edição em CD-ROM, 1999).

          Enfim, inócua seria qualquer resistência deste sentenciante à adoção da orientação do Supremo Tribunal Federal, ousando desafiar diversos remédios processuais garantidores da autoridade de suas decisões, porque o direito da parte ao julgamento presto é imanente ao direito fundamental de acesso à jurisdição.

          Daí a conseqüência, ora adotada, de se pronunciar incidentalmente, nos exatos termos do v. aresto que consubstancia a decisão do RE 204827-5, a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU, na modalidade progressiva, e das taxas de limpeza pública e de iluminação pública.

          Refugia-se este decisor na antiga parêmia: Roma locuta causa finita.

          Contudo, o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da legislação municipal, em questão prejudicial, não conduz necessariamente - como adiante se verá - ao acolhimento dos pedidos autorais de se proibir o Município de proceder a novos lançamentos enquanto não se alterar o fundamento normativo de cada tributo, nem ao reconhecimento de sua inexigibilidade com a conseqüente desconstituição dos lançamentos tributários realizados no quinqüênio precedente ao ajuizamento da demanda (e não da citação, em face do disposto no art. 263 do Código de Processo Civil, posto que, nesta Unidade da Federação, em face do Regimento de Custas Forenses baixado pela Lei no 1010/86, na distribuição do feito exige-se o pagamento das despesas com a citação, descabendo ao autor qualquer outra diligência, pelo que não há incidência do disposto no § 2o do art. 219: "promover a citação (...) significa requerê-la e arcar com as despesas de diligência; não significa ´efetivá-la´, pois no direito processual brasileiro a citação é feita pelo sistema de mediação" (STJ, 4a Turma, RMS 42-MG, unânime, relator o Ministro Athos Carneiro, DJU de 11 de dezembro de 1989, p. 18.140).

          A natureza jurídica vinculativa aos tribunais (dispensada, para eles, a resolução referida no art. 52, X, da Constituição pelo que está nos mencionados arts. 481, § único, e 557, da lei processual) dos efeitos decorrentes dos precedentes invocados como fundamento do direito autoral atuam no patamar normativo, (e assim genérico e abstrato, como as demais normas legislativas), orientam o juiz na formulação da norma individual e concreta que resolverá a lide (Código de Processo Civil, art. 468), mas não tem o vislumbrado condão de, por si só e desde logo, entregar ao demandante os bens jurídicos pretendidos no libelo inaugural.

          A incomensurável densidade normativa do comando constitucional não é suficiente, por si só, para alterar a realidade, pois é finita a capacidade humana de transformação do mundo.

          Retornemos a mestre Canotilho, na obra a que dedicou a Konrad Hesse e aos seus colegas e alunos brasileiros: "... a constituição normativa não é um mero conceito de ser; é um conceito de dever ser. ... Não é pelo facto de existir um documento designado constituição que temos uma constituição. Esta existe, sim, quando o documento contém regras jurídicas materialmente consideradas ´boas´, ´valiosas´ ou ´intrinsecamente legítimas´. (op cit., pp. 1004/1005).

          Neste sentido, sobre a praticabilidade do direito, Alfredo Augusto Becker: "O direito positivo não é uma realidade metafísica existindo em si e por si; a regra jurídica não é um fim em si mesma, mas um instrumento de convivência social. Todo o esforço do legislador consiste precisamente em criar este instrumento de ação social, moldando (transfigurando e deformando) a matéria-prima (´dados" e diretrizes), oferecidas pelas Ciências (inclusive pela Ciência Jurídica), ao melhor rendimento humano, porque a regra jurídica somente existe (com natureza jurídica) na medida de sua praticabilidade. O direito positivo não se mantém em estado de ´ideal descarnado´, pois o direito positivo só existe referindo-se à realidade social. A regra jurídica nasce na oportunidade de conflitos e situações sociais em que o Estado quer intervir. A regra jurídica deve ser construída não para um mundo ideal, mas para agir sobre a realidade social. Não se pode conceber outro direito positivo a não ser aquele destinado para este mundo onde nós vivemos. " (Teoria Geral do Direito Tributário, São Paulo, Lejus, 3a edição, 1998, pp. 71/72).

          O reconhecimento - ainda que por fonte superior - da inconstitucionalidade atua no campo da normatividade, genérico e abstrato; aqui, em decisão concreta e individual, há de se examinar o mundo material, mesmo porque ex facto oritur ius.

          Já o insuspeito (porque considerado o "pai" do Positivismo Jurídico neste século XX) Hans Kelsen afirmava: "Contrariamente ao que às vezes se afirma, o tribunal não formula apenas um Direito já existente. Ele não ´busca´ e ´acha´ apenas o Direito que existe, pronto e acabado, antes do pronunciamento. Tanto ao estabelecer a presença das condições quanto ao estipular a sanção, a decisão judicial tem um caráter constitutivo. A decisão, é verdade, aplica uma norma geral preexistente na qual certa conseqüência é vinculada a certas condições. Mas a existência das condições concretas em conexão com as conseqüências concretas, é, no caso concreto, estabelecida primeiro pela decisão do tribunal. As condições e conseqüências são relacionadas por decisões judiciais no domínio do concreto, assim como são relacionadas por estatutos e regras do Direito consuetudinário no domínio do abstrato. A norma individual da decisão judicial é a individualização e a concretização necessária da norma geral e abstrata. Apenas o preconceito, característico da jurisprudência da Europa continental, de que o Direito é, por definição, apenas normas gerais, apenas a identificação errônea do Direito com a regras gerais do Direito estatutário e consuetudinário, poderiam obscurecer o fato de que a decisão judicial continua o processo criador do Direito, da esfera do geral e abstrato para a esfera do individual e concreto. ( Hans Kelsen, Teoria geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo, Editora Martins Fontes, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1990, p. 138)

          No exercício constitucional do poder/dever de construção do Direito no caso em julgamento, continua este julgador monocrata na investigação dos fatos.


Questão prejudicial: A investigação da causa da repetição
do indébito. Inocorrência dos seus pressupostos fáticos.

          Examina-se, agora, a pretensão autoral de restituição do indébito tributário e os seus fundamentos jurídicos.

          Colhe-se de Plácido e Silva o ensinamento:

          REPETIÇÃO - Do latim repetitio, de repetere (tornar a pedir ou pedir novamente), na linguagem jurídica, significa não somente a ação de repetir (pedir novamente ou tornar a pedir), como o efeito de repetir (restituir, devolver ou tornar a dar o que se pede).

          Desse modo, no sentido jurídico, repetição significa não somente a ação, pela qual se torna a pedir ou se pede a restituição de alguma coisa, como a própria restituição desta coisa.

          Assim, pode ser compreendida como a ação de ressarcimento, atribuída à pessoa que pagou indevidamente ou que cumpriu obrigação de outrem, para reclamar do suposto credor o que pagou sem dever fazê-lo, ou do verdadeiro devedor, a quem competia o pagamento.

          Mas, a ação de repetição somente se autoriza, mesmo fundada num princípio de eqüidade, quando as coisas são recebidas sem causa ou indevidamente.

          A ação de repetição é geralmente denominada condictio indebito ou de repetição do indébito.

          Originariamente, o autor da ação de repetição é denominado de solvens ou tradens. Solvens quando a repetição se funda no pagamento indevido. E tradens, quando de trata de restituição de coisa indevidamente dada, entregue ou transferida.

          A pessoa contra quem é intentada a ação é chamada originariamente de accipiens, isto é, recebedor ou recebente da quantia dada em pagamento indevido ou da coisa indevidamente recebida.

          O solvens ou tradens será o pedinte da restituição. E o accipiens, o restituidor.

          Dispõe o Código Tributário Nacional sobre o thema decidendum nos seus arts. 165 a 169.

          Nota-se, desde logo, que o direito legislado exige a investigação da causa da atribuição patrimonial que se reputa indevida, não decorrendo, no caso, pelo simples reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança do tributo, o dever de restituir, como poderia parecer aos mais apressados pela leitura de precedentes judiciais:

Acórdão RESP 35278/RJ ; RECURSO ESPECIAL (9300/141228-)
Fonte DJ       DATA:18/03/1996    PG:07554
Relator Ministro PEÇANHA MARTINS (1094)
Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER (1104)
Ementa TRIBUTARIO. REPETIÇÃO DE INDEBITO. NECESSIDADE DE REQUERIMENTO PREVIO NA VIA ADMINISTRATIVA. EXCEÇÕES. QUER NO SISTEMA DO CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL (ART. 169), QUANTO NO DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL (ART. 3.), A AÇÃO DE REPETIÇÃO PRESSUPÕE DECISÃO ADMINISTRATIVA DENEGATORIA DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO INDEBITO. EXCEPCIONAM-SE DESSE REGIME OS CASOS EM QUE A DEVOLUÇÃO E PLEITEADA A CONTA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA TRIBUTARIA (MATERIA QUE A ADMINISTRAÇÃO NÃO PODE CONHECER, PORQUE O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE NO NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO E EXCLUSIVAMENTE JUDICIAL), BEM ASSIM OS CASOS EM QUE A RESISTENCIA DA FAZENDA PUBLICA E NOTORIA (CARACTERIZANDO DESDE LOGO O INTERESSE DE AGIR). RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
Data da Decisão 08/02/1996
Orgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA
Decisão POR MAIORIA, NÃO CONHECER DO RECURSO.
Indexação DESCONHECIMENTO, RECURSO ESPECIAL, AUSENCIA, LIDE, INEXISTENCIA, PEDIDO, VIA ADMINISTRATIVA, DEVOLUÇÃO, QUANTIA, (IPTU), PAGAMENTO, DUPLICIDADE, FALTA, INTERESSE DE AGIR. VOTO VENCIDO, PROVIMENTO PARCIAL, RECURSO ESPECIAL, DESNECESSIDADE, EXAURIMENTO, VIA ADMINISTRATIVA, OBJETIVO, REPETIÇÃO DE INDEBITO.
Catálogo PC0811   AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDEBITO
         EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA
PC0578   CONDIÇÕES DA AÇÃO
         INTERESSE DE AGIR
Referências
Legislativas
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973
*****  CPC-73    CODIGO DE PROCESSO CIVIL
        ART:00003 ART:00268
LEG:FED LEI:003071 ANO:1916
*****  CC-16     CODIGO CIVIL
        ART:00964
LEG:FED CFD:000000 ANO:1988
*****  CF-88     CONSTITUIÇÃO FEDERAL
        ART:00005 INC:00035
LEG:FED LEI:005172 ANO:1966
*****  CTN-66    CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL
        ART:00165 ART:00162 PAR:00004 ART:00168 ART:00166
        ART:00169 ART:00167 PAR:UNICO
Doutrina OBRA:  COMENTARIOS AO CODIGO DE PROCESSO CIVIL, ED. FORENSE,
       VOL. 1, 1. ED., 1975, N. 24, PG. 04. AUTOR: CELSO AGRICOLA BARBI.
OBRA:  DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO, ED. SARAIVA, 7. ED., 1992, VOL. 1, PGS. 80/81. AUTOR: VICENTE GRECO FILHO.

          Admitir-se evento sem causa, como lembrava von Ihering (e, entre nós Nélson Hungria, ao explicar o nexo da causalidade em sede criminal), seria aceitar a estória do Barão de Münchausen que tirou a si e ao cavalo do atoleiro puxando pelo topete...

          Há quem pretenda extrair do disposto no art. 158 do Código Civil o fundamento da restituição, assim a considerar a inconstitucionalidade como a suprema ilegalidade, com a conseqüente determinação de retorno ao statu quo ante, em visão privatística de todo incompatível com o caráter publicístico desta demanda.

          Mesmo nesta perspectiva, o ensinamento do Desembargador Miguel Maria de Serpa Lopes é imprescindível: "Nulo o ato jurídico, ele se torna estéril, incapaz de produzir qualquer efeito por si só. Todavia, como um fato jurídico que é, produz efeitos, de acordo com os princípios da eqüidade e o da responsabilidade por culpa" (Curso de Direito Civil, volume I, Rio, Freitas Bastos, 7a edição, 1989, p. 451).

          A invalidade e a inconstitucionalidade operam no mundo normativo, mas este não tem poder de excluir as alterações feitas no mundo fático: no exemplo cediço, a anulação do casamento não obsta a legitimidade do filho concebido ou havido antes ou na constância dele (Código Civil, art. 217).

          Inteiramente descabelada, assim, seria a decisão judicial com alegado fulcro no art. 158 do Código Civil, pela inconstitucionalidade da cobrança da taxa de lixo, que mandasse o Município despejar na residência do triunfante contribuinte todos os detritos que dele se recolheu nos últimos cinco anos, ou que mandasse apagar a iluminação pública da rua e do bairro em que vive, ou, menos gloriosamente ainda, o excluísse dos benefícios dos serviços públicos - hospitais, escolas, regulação do trânsito - porque inexigível dele o imposto predial que os custeia.

          O serviço é público, prestado a todos, impessoalmente, como quer o art. 37, caput, da Constituição, a despeito da desconfiança do poder constituinte de emenda que mandou ali se inscrever também a eficiência como fundamento constitucional da Administração Pública (EC 19/98).

          É que o Município não são eles - somos nós.

          Culpa, aqui, se houver, não pode ser imputada a um ente sem rosto que a linguística expressaria como "eles", assim falsamente a isentar de responsabilidade - e a acalmar a consciência - do cidadão que foi tangido pela ordem jurídica, sob a ameaça de irrisória multa eleitoral, a digitar na urna eletrônica a escolha dos seus representantes no Poder Executivo e no Poder Legislativo.

          Há mais de cem anos Disraeli foi cruelmente realista ao indicar a solidariedade imanente ao exercício e aos efeitos do poder: "cada povo tem o governo que merece".

          No Estado Democrático de Direito, os governantes são escolhidos pelos cidadãos, que a eles delegam o exercício do poder em seu nome, como proclama o princípio fundamental constante do art. 1o da Constituição de 1988, ainda na orientação liberal do século XVIII que despreza os mecanismos de participação popular previstos no art. 14, ainda hoje sem utilização prática.

          Nem há que se falar em culpa - ontologicamente normativa - dos Poderes Legislativo e Executivo na edição de lei inconstitucional, pois o fizeram nos termos legislativos também utilizados por centenas de outras cidades, quanto ao IPTU progressivo, e de quase todos os outros cinco mil Municípios brasileiros com referência à taxas de iluminação e coleta de lixo.

          Quanto ao IPTU, lembra Luiz Cláudio Portinho Dias, Procurador do INSS e membro do IBAP (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública), em artigo divulgado no sítio www.teiajuridica.com:

          "O imposto sobre a propriedade territorial urbana, em sua origem, dividia-se em dois tributos distintos: o imposto predial e o territorial. A unificação só veio com a Carta de 1946, que passou a denominá-lo de imposto predial e territorial urbano, de competência dos Municípios (art. 24, inc. II).

          Na Carta de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, estabeleceu-se (arts. 157 e 160, inc. III, respectivamente) que a propriedade deveria cumprir função social, norma programática esta que foi repetida pela Carta atual, em seu art. 5º, inc. XXIII. E, avançando no tema, o ordenamento constitucional vigente autorizou o Município a instituir o sistema de alíquotas progressivas (art. 156, § 1º). "

          Oito anos depois da entrada em vigor da Constituição, e ainda com a irresignação vigorosa e isolada de Carlos Mário dos Reis Velloso, é que a Suprema Corte, em interpretação sistemática, vinculou a progressividade referida no art. 156, § 1o àquela descrita no art. 182, abandonando o ancoradouro até então firme do princípio geral do art. 145, § 1º .

          O acórdão paradigma da Suprema Corte foi pronunciado incidentalmente, antes da nova redação do art. 481 da lei processual - e as normas processuais têm vigência imediata - até então pendentes os seus efeitos erga omnes do ato privativo do Senado (art. 52, X), o que implicaria em centenas de resoluções, pois o órgão legislativo assim procedendo atua como interventor na ordem municipal.

          O v. aresto surpreendeu os agentes legislativos do Município, até então presos a uma plausível interpretação literal do texto constitucional.

          Agiram sem culpa os agentes municipais: não poderiam razoavelmente prever os efeitos devastadores da nova interpretação da Constituição à ordem financeira, pois atuavam, até então, em perfeita adequação com a ordem constitucional.

          Certamente, agora são entusiasmados seguidores da proposta de Gilmar Ferreira Mendes, sob inspiração do procedimento da Corte Constitucional alemã, da pronúncia de inconstitucionalidade com efeitos diferidos no tempo, concedendo-se ao órgão legislativo prazo razoável para adequar o ordenamento jurídico à nova interpretação.

          Os tributos ora em debate e os recursos oriundos dos fundos de participação constituem a quase totalidade dos recursos que os Municípios dispõem para realizar os múltiplos encargos que lhe foram conferidos pela Constituição.

          Talvez devesse a Alta Corte, pelos mesmos fundamentos utilizados na concessão de cautelar em ação declaratória de constitucionalidade (cf ementa do acórdão da ADCM no 4, lavrado pelo Ministro Sidney Sanches), integrar o processo constitucional com a adoção, até mesmo ex officio, da pronúncia de inconstitucionalidade com efeitos diferidos, sem aguardar a anunciada, e sempre retardada, emenda constitucional de reforma do Poder Judiciário, esta a depender do consenso necessário às reformas política, do Pacto Federativo e, ainda, do sistema tributário.

          Ultrapassada restou, pela impressionante força da autoridade da motivação utilizada pelo Excelso Pretório na apreciação de temas constitucionais, a orientação lembrada por Hugo de Brito Machado, em voto que proferiu na Apelação Cível nº 44.403-PE, na Primeira Turma do TRF-5ª Região, na assentada de 14-4-94: "O direito de pleitear a restituição, perante a autoridade administrativa, de tributo pago em virtude de lei que se tenha por inconstitucional, somente nasce com a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta. Ou com a suspensão, pelo Senado Federal, da lei declarada inconstitucional, na via indireta. Ricardo Lobo Torres, ensina: "Na declaração de inconstitucionalidade da lei a decadência ocorre depois de cinco anos da data do trânsito em julgado da decisão do STF proferida em ação direta ou da publicação da Resolução do Senado que suspendeu a lei com base na decisão proferida incidenter tantum pelo STF." (Restituição de Tributos, Forense, Rio de Janeiro, 1983, p. 169).

          Nem serve ao autor buscar como fundamento da sua pretensão de repetição o enriquecimento sem justa causa, a actio de in rem verso, também conhecida como ação de locupletamento

          Afirma Orlando Gomes (Obrigações, Rio, 1972, p. 289) a inexistência em nosso direito legislado de preceito a respeito do enriquecimento sem causa, o que não implica em rejeição à sua adoção no Direito pátrio: o princípio geral de proibição da atribuição patrimonial sem causa encontra-se em dispositivos esparsos do Código Civil, arts. 513, 515, 541, in fine, 613, 964, 1332, 1339 etc.

          Ainda que se abstraia do fundamento juspositivista - exigência de previsão legal ainda que implícita e da qual decorreria princípio geral de direito, aplicado sob o jugo do disposto no art. 126 do Código de Processo Civil - coíbe-se o enriquecimento sem causa sob o color jusnaturalista, em corolário lógico do princípio neminem laedere.

          O BGB (Código Civil alemão de 1896) dispõe em seu § 812: "quem, pela prestação de um outro, ou à custas dele, por qualquer outro modo, adquirir sem fundamento jurídico alguma coisa, estará obrigado para com ele à restituição. Esta obrigação existe ainda quando o fundamento jurídico, mais tarde, vier a faltar ou quando, com uma prestação, não se realize o resultado visado de acordo como conteúdo do negócio jurídico".

          O dispositivo teutônico inspirou o disposto no art. 473 do Código Civil português de 1966, aludindo expressamente à obrigação de restituir "o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir".

          São pressupostos da actio de in rem verso:

          1 - o enriquecimento do demandado;

          2 - o empobrecimento do demandante;

          3 - o nexo causal entre o enriquecimento e o empobrecimento; e

          4 - a ausência de causa lícita para o enriquecimento ou atribuição patrimonial.

          O enriquecimento é doutrinariamente conceituado como todo aumento patrimonial e todo prejuízo que se evite (João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, Coimbra, Almedina, 3a. Edição, 1980, p. 373) podendo ser traduzido por uma acréscimo do ativo (v.g., o preço da venda a non domino - Código Civil, art. 622) ou por uma diminuição do passivo (v.g. o pagamento de débito de terceiro por quem supôs erroneamente que o débito era seu) ou no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio (v.g., a utilização da assinatura de outrem no teatro) ou, até mesmo, na poupança de uma despesa (v. g., a alimentação do filho menor por outrem).

          Antunes Varela (op cit., p. 375) assim se manifesta:

          "Na fixação do enriquecimento patrimonial, influi não só o conhecimento dos encargos que o beneficiário estaria disposto a assumir ou teria realmente de suportar, sem a deslocação que ele tiver efetivamente dado à vantagem adquirida até ao momento em que se determina o montante do benefício (situação real atual). O montante do enriquecimento - o id quod interest - será um, se a vantagem adquirida se consolidou no seu patrimônio; será outro, se ele a consumiu, no todo ou em parte, com um trem de vida superior ao que teria noutras condições."

          O empobrecimento é toda perda patrimonial, não só o que se perdeu, como o que se deixou de ganhar. É o sacrifício econômico que se contrapõe ao enriquecimento do demandado, a damno di un’altra persona (Código italiano, art. 2041), a custa de outrem (Código português, art. 473).

          René Savatier (Cours de Droit Civil, t. II, 1949, p. 102) dá o exemplo do médico chamado para socorrer o paciente inconsciente, considerando que o profissional empobreceu na vantagem correspondente ao que lhe seria devido pelo tratamento. Entre nós, ocorre o exemplo do advogado designado pelo juiz para a defesa dativa do réu, ainda que exista o serviço estatal de assistência judiciária (Constituição, art. 5 º , LXXIV).

          Quanto ao nexo causal, relembre-se que o nosso Código adotou, no art. 1060, a teoria da causalidade imediata, isto é, considerando como causa suficiente aquela adequada para produzir o evento.

          No que se refere à ausência de justa causa, entende-se a expressão causa - como se extrai do disposto no art. 90 do Código Civil ou no art. 2 º da Lei nº 4717/65 - a situação de fato ou de direito que ensejou o ato. Orlando Gomes prefere a expressão causa de atribuição patrimonial (op cit., p. 290).

          Em outros países, como na França e em Portugal, há previsão legislativa da subsidiariedade da ação (art. 474 do Código Civil português: "não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecimento outro meio de ser indenizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento"). Sobre o caráter subsidiário da actio de in rem verso, consulte-se Orlando Gomes, op cit., p. 29; René Savatier, Cours de Droit Civil, t. II, 1949, pp. 101/103; e principalmente Diogo José Paredes Leite de Campos, A subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, Coimbra, Editora Almedina, 1974, alentada obra que, aliás, é a mais completa sobre o tema.

          Passa-se a configurar ao caso em exame os aludidos pressupostos da ação de locupletamento.

          Ao receber os valores dos tributos, a atribuição patrimonial ao Município destinou-se à prestação de serviços em prol de toda a comunidade, inclusive do autor.

          Na perspectiva política, e porque o autor é munícipe, assim colaborando para a formação do poder local, vale a célebre afirmação de Jean Jacques Rousseau, em "O contrato social" de que a soberania popular, em uma comunidade de 10 mil indivíduos, teria em cada um deles a décima-milésima fração, idêntica às demais. Daí os americanos construíram o princípio one man one vote que veio para o disposto no art. 14 da Constituição, mencionando o peso do voto "igual para todos".

          Dirá o demandante que a sua contribuição acabou beneficiando milhões de outros membros da comunidade porque seria como uma gota d´água no oceano da arrecadação tributária, pelo que espera dos demais a solidariedade passiva pelo que utilizaram de serviços públicos.

          Abstratamente, teria ele razão.

          Concretamente, desde logo se verifica a impossibilidade da aferição do valor que a ele deveria ser restituído.

          Ressalte-se que não se trata aqui da repetição de indébito que pudesse ser individualmente realizada, em tributos lançados pelo próprio contribuinte ou decorrentes de sua atividade individual, como, por exemplo, o empresário que pede a restituição do IPI ou do ICMS recolhido por lançamento após inspeção nos livros, ou a parte que no ajuizamento da causa, ou por ato processual específico, recolheu custas em valor excedente ao da tabela oficial.

          O lançamento do IPTU e das taxas de coleta de lixo e de iluminação pública é feito - mesmo porque materialmente inviável o lançamento de cada um deles a bico de pena - através de processamento eletrônico, alimentando-se os programas com os percentuais e demais elementos previstos genericamente nos atos legislativos.

          É o sistema informatizado que emite os carnês de pagamento, controla os pagamentos, emite guias de transferência para o Tesouro, expede relatórios e até mesmo as certidões de dívida ativa e as petições iniciais dos executivos fiscais, além de proceder à baixa em casos de anistia.

          No Estado do Rio de Janeiro, com o estímulo da Administração Judiciária que criou os denominados "Cartórios da Dívida Ativa", vinculados aos Juízos fazendários, dezenas de seus 91 Municípios integraram os seus sistemas informatizados de tributação aos serviços judiciais, assim facilitando aos contribuintes o acompanhamento da sua vida fiscal, além de otimizar a arrecadação que, assim, atua impessoalmente como exige a Constituição.

          Evidentemente, tal modalidade de lançamento não exclui indistinto percentual de erros; estes, no entanto, são impugnados administrativa ou judicialmente em cada caso.

          Contudo, o debate nesta causa, nos limites objetivos ofertados pelas partes, não incide sobre tais situações individuais, mas sobre o caráter genérico, e sua concretização em face do autor, dos efeitos da pronúncia da inconstitucionalidade.

          A proporcionalidade linear do IPTU e a divisibilidade e especificidade das taxas de limpeza pública e de coleta de lixo, exigidas como requisitos constitucionais para os tributos, acabam por conduzir a óbices intransponíveis na medição do quantum debeatur que se pretende repetir e do que se deve manter quanto à necessária contribuição do munícipe para os serviços da urbe.

          Talvez grite o contribuinte que este argumento foi extraído de outro precedente judicial - descrito em "O mercador de Veneza", de William Shakespeare - mas, assim como Shylock, a sua perplexidade não tem o condão de lhe conferir direitos.

          Também assim ocorre, inversamente, quanto ao requisito de empobrecimento.

          Qualquer munícipe recebe serviços sem aferição do concreto conteúdo econômico - saúde, educação, vias asfaltadas, controle de trânsito etc - porque ainda a tecnologia não inventou meios de medição que, certamente, serão prontamente adotados nestes tempos em que a relação custo-benefício muitas vezes somente considera os aspectos financeiros, desprezando os sociais.

          Os tributos em debate são normativamente inconstitucionais, mas economicamente necessários por constituirem a fonte de custeio dos serviços utilizados pelo contribuinte; repeti-los, como pretende o autor, implicará no seu enriquecimento sem causa jurídica, como alertou eminente civilista, portador de muitos títulos acadêmicos, ao redigir acórdão no antigo Tribunal de Alçada Cível deste Estado:

          REPETICAO DO INDEBITO . DIREITO FISCAL - COMLURB

          EMBARGOS INFRINGENTES NA APELACAO CIVEL 72940 - Reg. 304

          SEGUNDO GRUPO - Por Maioria

          Juiz: CELSO GUEDES - Julg: 26/04/83

          E M E N T A

          TARIFA DE LIMPEZA URBANA. Sumaríssima. Repetição de indébito. Devolução de quantias pagas a titulo de tarifa de limpeza urbana durante os exercícios de 1976/ 1979. Inconstitucionalidade da cobrança não decretada pelo Supremo Tribunal Federal, porem a da cobrança por decreto. Se houve - e isto não se discute - uma prestação de serviços, fazer com que eles se tornem gratuitos, retroativamente, implicaria em enriquecimento sem causa, `a custa, afinal, de outros munícipes. A manutenção da validade das cobranças, então feitas, não implica em se insurgir contra a decisão do Excelso Pretório. Ação improcedente. Embargos providos.

          VOTO VENCIDO: A cobrança dessa taxa, com base em norma jurídica declarada inconstitucional pela Suprema Corte, não pode subsistir. Juiz: JOSE´ RODRIGUEZ LEMA. OBS: RE n. 103.619-2, conhecido e provido para restaurar o acórdão da apelação e a sentença de 1o grau. Ementário 02/84, Num. ementa : 21689

          QUESTÃO PREJUDICIAL: os direitos do contribuinte classificam-se como individuais homogêneos assim necessariamente compelindo a decisão judicial a não desprezar os direitos e deveres daqueles que estão em situação idêntica à do demandante.

          Os juízes são testemunhas diárias de fatos ininteligíveis também aos restantes membros da comunidade forense e que conduzem não só ao desprestígio da Justiça mas, o que é pior, à descrença dos demais cidadãos no sistema democrático que se tenta implementar desde 1988.

          Dois contribuintes de IPTU e das taxas de lixo e de iluminação pública, que receberam carnês de pagamento dos tributos com idênticos valores, porque proprietários de apartamentos no mesmo prédio, até mesmo vizinhos no mesmo andar, são tratados de forma diferenciada pela Justiça:

  • aquele que pagou as contribuições - em certas localidades equivalentes ao que pagam de quota condominial ordinária - mas que, compelido pelo império de circunstâncias pessoais ou coletivas, acabou inadimplente, é aterrorizado com mensagens expedidas pelo sistema informatizado, acaba por receber a visita do Oficial de Justiça que penhora o imóvel e, rejeitados os embargos até mesmo por indiscerníveis razões processuais, tem o mesmo vendido em hasta pública;
  • o outro, que teve acesso à informação do reconhecimento de inconstitucionalidade da respectiva lei municipal, demandou em Juízo e se viu vencedor, não mais precisa pagar os tributos e tem até a esperança de receber o que pagou através de precatório; este comemora o golpe de sorte, a piedade divina ou a benevolência judicial e certamente não se lembrará de consolar o companheiro, a quem reputará menos esperto...

          Situações fiscais idênticas, tratamento diferenciado pelo Poder Público a conduzir, no caso destes tributos, a uma impossibilidade econômica do atendimento da pretensão autoral.

          O Município - repita-se - não são "eles", somos nós.

          Os munícipes são os condôminos - ou ao menos composseiros - da urbe, idéia irresistível nesta causa em que o imposto predial foi acoimado de imposto real, decorrente da coisa.

          Se todos os contribuintes, sem exceção, aqui viessem pedir a repetição do indébito, fundamentaria o juiz o decreto de impossibilidade jurídica na máxima de Vitório Pareto: "sempre que alguém almoça, alguém paga a conta...".

          Neste século XX, no entanto, vemos o extraordinário crescimento da idéia de que não é possível restringir o interesse à dicotomia indivíduo-público; a lei vem estabelecer outras modalidades de interesses que admitem em juízo a sua defesa, como o interesse público desestatizado (por exemplo, o defendido pelo cidadão na ação popular - CF, art. 5°, LXXIII), o interesse coletivo, o interesse difuso e os interesses individuais homogêneos.

          Deve-se a Mauro Capeletti, a partir de meados da década de 70, a honra de ter iniciado a sistematização do estudo dos interesses em sede processual, mesmo porque, sem processo, não há como assegurar a dignidade da pessoa no Estado Democrático de Direito (Mauro Capeletti, Formazioni sociali i interessi di gruppo davanti alla giustizia civile, Rivista di Diritto Processuale, citado por Hugo Nigro Mazzili, A defesa dos interesses difusos em juízo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, p. 9).

          José Carlos Barbosa Moreira, em relatório nacional para o VII Congresso Internacional de Direito Processual, em 1983, aponta que as denominações "interesses difusos" e "interesses coletivos" são em regra usadas promiscuamente, embora alguns autores tentem distingui-los por critérios diversos, entre os quais o de considerar como interesses difusos aqueles que não tenham uma organização de interessados a defendê-los. Para esses autores, o interesse dos advogados quanto ao exercício da profissão seria interesse coletivo, porque há a Ordem dos Advogados do Brasil, enquanto que o interesse da comunidade quanto às condições ambientais da Baía da Guanabara seria interesse difuso, caso não haja uma associação cuja finalidade institucional seja, justamente, a proteção de tais condições ambientais.

          Ada Pellegrini Grinover nos dá, também, a distinção: "Embora considerando ambos metaindividuais, não referíveis a um determinado titular, a doutrina designa como coletivos aqueles interesses comuns a uma coletividade de pessoas e a elas somente, quando exista um vínculo jurídico entre os componentes do grupo: a sociedade mercantil, o condomínio, a família, os entes profissionais, o próprio sindicato, dão margem ao surgir de interesses comuns nascidos em função de uma relação jurídica base que une os membros das respectivas comunidades e que, não se confundindo com os interesses estritamente individuais de cada sujeito, permite sua identificação. Por interesses propriamente difusos entendem-se aqueles que, não se fundando em um vínculo jurídico, baseiam-se sobre dados de fato genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis: como habitar na mesma região, consumir iguais produtos, viver em determinadas circunstâncias sócio-econômicas, submeter-se a particulares empreendimentos" (Ada Pellegrini Grinover, "As Ações Coletivas para a Tutela do Meio Ambiente e dos Consumidores", artigo na Revista AJURIS (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), nº 36 pp. 8/9).

          Lúcia Valle Figueiredo coloca como características do interesse coletivo, em primeiro lugar, o que denomina despersonalização do interesse individual, isto é, após o agrupamento das pessoas na busca da satisfação do interesse coletivo, podendo ocorrer que tal interesse coletivo nem mais corresponda, ao menos em parte, ao interesse individual; em segundo lugar, observa que tais interesses têm como característica a impossibilidade de serem fruídos individualmente, de forma exclusiva, o que lhes evidencia caráter indisponível, ao menos para cada integrante do grupo, embora tal indisponibilidade seja relativa, em face de potencial capacidade de ser transacionada, dependendo do caso concreto.

          Quanto aos interesses difusos, a mesma Juíza e Professora da PUC-SP observa que eles são indivisíveis, trazendo, em apoio, a pergunta que Mauro Cappeletti fez: de quem é o ar que respiro? A resposta, aí, só pode ser: de todos e de cada um, de cada um e de todos. Daí porque o direito decorrente do interesse difuso é indisponível, de forma absoluta, que é a sua segunda grande característica. (Lúcia Valle Figueiredo, Direitos Difusos e Coletivos, São Paulo, RT, 1989, pp. 11 e segtes.)

          Os direitos individuais de origem comum são aqueles, por exemplo, em que diversas pessoas são lesadas por meio de diferentes contratos abusivos de adesão (exemplo de Carlos Alberto Bittar, Direitos do consumidor, Rio, Forense Universitária, 1991, 3ª ed., p. 95) ou quando diversos consumidores são lesionados por carne avariada adquirida em um mesmo estabelecimento (exemplo de Ada Pellegrini Grinover).

          O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu art. 81, sobre a defesa do consumidor em juízo, assim conceituou:

          I - interesses ou direitos difusos, ... os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas determinadas e ligadas por circunstância de fato;

          II - interesses ou direitos coletivos, ... os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

          III - interesses individuais homogêneos, ... os decorrentes de origem comum.

          Juridicamente, reconhece-se que o direito do contribuinte se classifica como individual homogêneo, como se vê nos seguintes acórdãos da Alta Corte de Direito Federal:

          RECURSO ESPECIAL Nº 97.455 — SP

          (Registro nº 96.0035101-5)

          Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

          Recorrente: Fazenda Nacional

          Recorrido: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC

          Advogados: Olívia da Ascenção Corrêa Farias e outros, e Josué de Oliveira Rios e outros

          EMENTA: Processual Civil. Ação civil pública. Empréstimo compulsório (Decreto-lei nº 2.288/86). Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Interesses individuais homogêneos. Impropriedade da tutela, na espécie. Contribuinte e consumidor. Diferença. Falta de legitimidade ativa do autor.

          I — O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) não tem legitimidade ativa para ingressar com ação civil pública de responsabilidade civil, por danos provocados a interesses individuais homogêneos, contra a União Federal, objetivando obrigar a esta indenizar todos os contribuintes do empréstimo compulsório sobre combustíveis, instituído pelo Decreto-lei nº 2.288/86.

          II — Os interesses e direitos individuais homogêneos somente hão de ser tutelados pela via da ação coletiva, na hipótese em que os seus titulares sofrerem danos como consumidores.

          III — O contribuinte do empréstimo compulsório sobre o consumo de álcool e gasolina não é consumidor, no sentido da lei, desde que, nem adquire, nem utiliza produto ou serviço, como destinatário (ou consumidor) final e não intervém em qualquer relação de consumo. Contribuinte é o que arca com o ônus do pagamento do tributo e que, em face do nosso direito, dispõe de uma gama de ações para a defesa de seus direitos, quando se lhe exige imposto ilegal ou inconstitucional.

          IV — Quando a Lei nº 7.347/85 faz remissão ao Código de Defesa do Consumidor, pretende explicitar que os interessas individuais homogêneos só se inserem na defesa de proteção da ação civil, quanto aos prejuízos decorrentes da relação de consumo entre aqueles e os respectivos consumidores. Vale dizer: não é qualquer interesse ou direito individual que repousa sob a égide da ação coletiva, mas só aquele que tenha vinculação direta com o consumidor, porque é a proteção deste o objetivo maior da legislação pertinente.

          V — Recurso provido, sem discrepância.

          REsp n. 57.465-0 - Reg. n. 94.0036605-1 - Paraná - Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná - Recorrido: Município de Umuarama.

          IMPOSTO PREDIAL - Aumento - Ação civil pública - Ministério público - Ilegitimidade - PR

          Processual civil. Ação civil pública visando impedir o aumento de imposto predial. Ilegitimidade do Ministério Público.

          A Lei n. 7.347/85 disciplina o procedimento da Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor (meio ambiente etc.), incluindo sob a sua égide, os interesses e direitos individuais homogêneos.

          A lei de regência, todavia, somente tutela os "direitos individuais homogêneos", através da ação coletiva, de iniciativa do Ministério Público, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores.

          O Ministério Público não tem legitimidade para promover a ação civil pública na defesa do contribuinte do IPTU, que não se equipara ao consumidor, na expressão da legislação pertinente, desde que, nem adquire, nem utiliza produto ou serviço como destinatário final e não intervém, por isso mesmo, em qualquer relação de consumo.

          In casu, ainda que se trate de tributo (IPTU) que alcança considerável número de pessoas, inexiste a presença de manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, para perlavar a legitimação do Ministério Público.

          Recurso a que se nega provimento. Decisão indiscrepante.

          Adota-se, ainda e sempre disciplinadamente, a orientação da Corte Superior, a descortinar que o direito subjetivo ora pretendido declarar se insere na classificação de "individual homogêneo", a exigir, de um lado, o tratamento isonômico de todos os que se encontram na mesma situação tributária - mesmo porque esta é conceitualmente vinculativa e materialmente isonômica - , e de outro, a utilização de remédio jurídico processual que conduza à sentença de mérito que possa alcançar todos os interessados em face da origem comum.

          Pela natureza dos tributos, não tem o sentenciante como divorciar os efeitos do direito (no caso, a declaração de inexigibilidade do tributo e a repetição do que foi pago) da sua origem comum, atribuindo ao comparecente os bônus e aos demais membros da comunidade os ônus.

          Wellington Moreira Pimentel leciona: "A sentença, como ato de vontade do Estado, e, portanto, como comando, produz efeitos, isto é, modificações no mundo jurídico. Como é facilmente compreensível, esses efeitos atingem, em especial, os titulares da relação jurídica deduzida em juízo, pois sobre aquela ter recaído a decisão, nos limites da lide. Entretanto, a relação jurídica de que resultou o conflito de interesses, e este, na medida em que foi posto em juízo, dando lugar ao surgimento da lide, não se situa isoladamente no mundo jurídico. Neste, os direitos e deveres se desenvolvem e coexistem, sem se cruzarem, mas, muita vez, se tocando tangencialmente ou se apresentando uns como "derivados" de outros. Quanto isso ocorre - e não é raro que aconteça - é identificável, a olho desarmado, a produção de efeitos, da sentença na esfera jurídica de terceiros, vale dizer, daqueles que não foram partes no processo, pois serão os titulares de relações jurídicas subordinadas, ou acessórias, da que haja sido objeto da sentença, e sofrem os efeitos desta. Mas não se sujeitam à coisa julgada" (Comentários ao Código de Processo Civil, RT, 1975, v. 3, pp. 578/579).

          João Monteiro justifica o instituto da coisa julgada, verbis: "Os vencidos nunca são convencidos. Mas vem a lei, e pondo na balança, de um lado o supremo ideal de justiça em sua insubmersibilidae teórica, e do outro o interesse prático da estabilidade econômica das relações de direito concretizadas, viu que este mais ponderava. Então, criou a coisa julgada. Por esta tornou impossível que se perpetue a instabilidade das relações de direito, e, portanto, firmou por ela a paz jurídica, tal como fizera com a prescrição. A ordem pública é, portanto, o fundamento político da causa julgada, e porque o é, se explica a sua força, que vai ao ponto de num jure faceres jus, de num ente ens; e porque o é, explanada fica a razão que dá à coisa julgada autoridade adversus omnes. O fato que a sentença definitivamente firmou entre os litigantes não pode ser outro para terceiros" (Processo Civil e Comercial, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1925, p. 737).

          Mostra-se, ainda, como fato consumado, imune aos comandos legislativos ou judiciais, a cobrança e o ingresso dos valores tributados no Erário, e a sua conseqüente utilização no custeio dos serviços municipais.

          É certo que tal fato consumado derivou de decisão do legislador municipal, manifestando atos que se qualificam como atos políticos, na doutrina que Rui Barbosa trouxe do direito estadunidense.

          Tratando da exclusão dos atos políticos do controle jurisdicional, o signatário teve a oportunidade de dizer:

          "Também os atos políticos ficam imunes, de regra, ao controle jurisdicional, ao menos do ponto de vista material.

          Todo ato estatal, de qualquer órgão, desde os mais elevados (Congresso Nacional, Presidência da República etc.) podem ser levados à apreciação jurisdicional - tais atos, no entanto, naquilo que diz respeito ao âmbito constitucional que se deu de liberdade aos órgãos da soberania, ficam imunes ao controle judicial: a declaração de guerra, o prazo de decadência das ações, os pressupostos legais para o exercício de direitos etc.

          Note-se que tal poder político deve ser exercitado em uma âmbito razoável.

          Alguns atos estatais, por suas próprias características, ficam imunes ao controle jurisdicional, como vimos, por exemplo, nas medidas legislativas que introduziram o chamado "Plano Cruzado" em que, através de decretos-leis de constitucionalidade duvidosa, alterou-se, entre outras medidas, inclusive o padrão monetário. Não teriam os juízes como reconhecer tal inconstitucioalidade, em casos concretos, pois será impossível que suas decisões tivessem o condão de criar, tão-somente para as partes, um quadro econômico-financeiro diverso da nova estrutura que fora implantada. Vale observar que, ainda que político, pode e deve o Judiciário conhecer dos elementos da validade dos elementos formais do ato como a competência, forma, extensão do objeto e concretude dos motivos" (Sentença cível, Rio, Forense, 5a edição, 1998, pp. 76/77),

          A EC no 19/98 considera vereadores e prefeitos como "membros de Poder", mesmo porque são agentes políticos, neles se exaurindo o poder de decisão sobre os temas constitucionalmente reservados para o Município.

          Configurando-se, assim, a edição das leis instituidoras dos tributos como ato político, dirigido a todos os integrantes da urbe, descaberia ao Judiciário excluir dos efeitos pertinentes somente o demandante, mesmo porque impossível criar para ele um insular mundo microeconômico, imune aos efeitos dos critérios macroeconômicos que influenciam os seus co-munícipes.

          Se inviável a economicamente justa apuração do quantum devido pela comunidade ao autor, evidentemente desproporcional ao valor da economia pública, protegido pelo art. 4o da Lei no 4.348/64 e no art. 1o da Lei no 8.437/92, a pretensão autoral de se isentar do pagamento e de repetir os valores pagos.

          Vale a transcrição de trecho do capítulo V da antes referida monografia de Cristina Gutiérrez, aprovada pela Escola da Magistratura:

          "As Leis nº 4.348/64 e nº 7.347/85, em seus arts. 4º e 12, respectivamente, condicionavam a suspensão de liminar ou de sentença à comprovação da ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

          Com efeito, verifica-se que o pressuposto fundamental a autorizar a utilização da via excepcional do pedido de suspensão de liminar ou de sentença, nada mais é do que a preservação do interesse público, em seu sentido lato, consubstanciado no risco de grave lesão aos bens jurídicos - ordem, saúde, segurança e economia públicas.

          Contudo, faz-se mister interpretar-se o alcance da alteração introduzida na Lei nº 8.437/92, em seu art. 4º, ao permitir a suspensão "em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade", e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

          Ora, de imediato, é possível vislumbrar-se a maior intenção do legislador - qual seja - a de erigir, sem dúvidas, o interesse público como bem jurídico de superlativa importância.

          Neste diapasão ensina o professor e Procurador de Justiça, José dos Santos Carvalho Filho:

          "Manifesto interesse público é aquele ostensivo e sobre o qual não haja a menor dúvida. Na verdade, a expressão guarda consonância com a grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Significa que a coletividade ou o próprio Poder Público podem sofrer sério gravame se a liminar for executada parcial ou totalmente. Desse modo, se a suspensão da execução da liminar atender interesse público manifesto, deve ser deferido o requerimento recursal".(1)

          Relevante também a distinção entre ilegalidade e ilegitimidade muito bem realçada pelo mesmo autor, ao tratar do pressuposto da ilegitimidade para a suspensão:

          "Veja-se que a lei se referiu a ilegitimidade, e o fez com exatidão. A idéia é diversa da de ilegalidade: esta emana apenas do confronto formal com a lei, ao passo que a ilegitimidade contraria o consensus, vale dizer, o sentimento geral das pessoas. A concessão da liminar pode ser aparentemente legal por estar prevista na lei, mas será ilegítima se a avaliação feita pelo juiz for inteiramente descompassada da que fazem as pessoas de modo geral. Tal ocorrendo, será suspensa a execução da liminar".(2)

          Salientam-se nesse terreno as palavras de Eros Roberto Grau:

          "Podemos afirmar, assim, que a norma jurídica é legítima - dotada de legitimidade - quando existir correspondência entre o comando nela consubstanciado e o sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir da realidade coletada como justificadora do preceito normatizado.

          A norma jurídica, por outro lado, é legal - dotada de legalidade - quando criada conforme o procedimento previsto pela Constituição, não tendo sido posteriormente revogada, segundo o procedimento também previsto na Constituição.

          Vê-se, desde logo, pois, que legalidade é o termo de um conceito formal, ao passo que legitimidade é termo de um conceito material".(3)

          No dizer de Nagib Slaibi Filho:

          "Se a legitimidade é o sentimento de utilidade da norma, a legalidade é critério meramente objetivo - verifica-se a legalidade pela comparação entre o ato e a norma".(4)

          Diogo de Figueiredo Neto também aborda com grande sapiência a questão da legitimidade, salientando que:

          "Por outro lado, as dimensões éticas do Estado contemporâneo se viram imensamente ampliadas no decorrer deste século, não só com a definitiva sedimentação da legalidade, essencial à realização do Estado de Direito, mas com o viçoso ressurgimento autônomo da legitimidade, essencial à realização do Estado Democrático e, ainda, como conquista in fieri, a introdução da licitude, também como valor autônomo, capaz de levar à realização do Estado de Justiça no próximo milênio.

          A juridicidade, assim, já não mais se reduz à legalidade mas só se realiza plenamente com a legitimidade e a licitude, fato esse que pode ser claramente observado na ordem constitucional inaugurada em 1988 no Brasil, que adota os três referenciais em inúmeros dispositivos".(5)

          Nessa temática, leiam-se os ensinamentos de Lucio Levi, no verbete "Legitimidade", em dicionário coordenado por Norberto Bobbio:

          "Legitimidade designa, ao mesmo tempo, uma situação e um valor de convivência social. A situação a que o termo se refere é a aceitação do Estado por um segmento relevante da população; o valor é o consenso livremente manifestado por uma comunidade de homens autônomos e conscientes. O sentido da palavra Legitimidade não é estático, e sim dinâmico; é uma unidade aberta, cuja concretização é considerada possível num futuro indefinido, e a realidade concreta nada mais é do que um esboço deste futuro. Em cada manifestação histórica da Legitimidade vislumbra-se a promessa, até agora sempre incompleta na sua manifestação, de uma sociedade justa, onde o consenso, que dela é a essência, possa se manifestar livremente sem a interferência do poder ou da manipulação e sem manifestações ideológicas. Antecipamos, assim, quais as condições sociais que possibilitam a aproximação à plena realização do valor inerente ao conceito de Legitimidade: a tendência ao desaparecimento do poder, quer das relações sociais, quer do elemento psicológico a ele associado: a ideologia".(6)

          Retornemos a Eros Roberto Grau: está a pretensão autoral no plano da legalidade, formal; a resistência municipal situa-se no patamar da legitimidade, material.

          Esta prepondera sobre aquela, mais densos os seus valores em face dos valores dos bens jurídicos postos pelo autor sob esta cognição judicial.

          As mesmas razões que obstam a imposição de condenação ao Município de devolver ao contribuinte as quantias dele recebidas, a despeito da inconstitucionalidade das normas municipais impositivas dos tributos, também impedem que ao mesmo contribuinte se exima, desde já, de continuar com o pagamento dos tributos, os quais, assim, se mostram exigíveis.


Dispositivo:

JULGAM-SEIMPROCEDENTES os pedidos.

Descabe a pronúncia da condenação nos ônus da sucumbência, com arrimo no poder de eqüidade a que se refere o disposto no art. 20, § 4o, da lei processual, pois iníquo seria vergastar, em critério dito de responsabilidade objetiva, a parte que vislumbrou fundamento de sua pretensão em decisão da Suprema Corte.

P. R. I.

Rio de Janeiro, em 08 de julho de 1999.

Nagib Slaibi Filho
Juiz de Direito


NOTAS

          1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo. Rio de Janeiro, 1995. p. 287.

          2. Idem.

          3. GRAU, Eros Roberto. A Constituinte e a Constituição que teremos. São Paulo: RT, 1985. p. 56.

          4. SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 45.

          5. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade Administrativa: Do Conceito à Efetivação. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro n. 46, 1993. p. 5.

          6. LEVI apud BOBBIO, Norberto et allii. Dicionário de Política. 7. ed. Brasília: UNB, 1995. v. 2. p. 675.


Autor

  • Nagib Slaibi Filho

    Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho.

    É membro honorário do Instituto de Advogados Brasileiros e especialista em Metodologia do Ensino Superior.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SLAIBI FILHO, Nagib. Constitucionalidade de IPTU progressivo e taxas de limpeza e iluminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16360. Acesso em: 26 abr. 2024.