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Constitucionalidade de IPTU progressivo e taxas de limpeza e iluminação

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01/08/1999 às 00:00
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Sentença da lavra do eminente juiz de Direito Nagib Slaibi Filho, decidindo pela constitucionalidade da cobrança de IPTU progressivo e também de taxas de iluminação pública e coleta de lixo, contrariando entendimento recente do STF

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Terceira Vara da Fazenda Pública

          Processo n° 98.001.200850-2 (TB 1.03.000879), distribuído em 7/12/98

          Ação declaratória de inexigibilidade de tributos c.c.com repetição de indébito fiscal

          Autor: Manoel de Azeredo Azevedo

          Advogado: Doutor Rômulo Cavalcante Mota

          Réu: Município do Rio de Janeiro

          Procurador do Município: Doutora Ilana Kuperman Bocikis


SENTENÇA

          Ementa:

          Ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com ação de repetição dos valores pagos pelo contribuinte e lançados pelo Município quanto ao imposto predial progressivo e taxas de iluminação e de coleta de lixo

          Direito Constitucional. Ministério Público. Interveniência. Direito da parte em juízo.

          Faz o Ministério Público em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional.

          Ao instituir o Ministério Público e estabelecer os delineamentos de sua atuação, quer a Constituição garantir o direito da parte ao julgamento justo, essencial ao Estado Democrático de Direito, e, assim, muito além do que assegurar prerrogativas funcionais aos seus integrantes ou autonomia administrativa e financeira à sua estrutura administrativa.

          O valor constitucional do direito da parte à intervenção ministerial é, ainda assim, de menor relevância que o seu direito à eficiente prestação jurisdicional, pelo que deve prosseguir o julgamento, sem prejuízo da interveniência em momento ulterior do processo.

          Direito Tributário. Pretensão de declaração de inexigibilidade de tributos vinculados à coisa imóvel em exercícios futuros. Possibilidade jurídica.

          Somente perdura a eficácia da sentença declaratória enquanto mantidos os elementos da ordem normativa em que se fundamenta em face da implícita condição rebus sic stantibus que a legitima.

          Direito Constitucional Processual. Vinculação dos tribunais à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal que reconhece incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (Constituição, art. 97).

          Competindo precipuamente ao órgão de cúpula da Justiça Nacional a guarda da Constituição, como esta lhe delegou expressamente no art. 102 em cláusula imutável decorrente da necessária separação das funções do Poder Público, mostra-se compatível com a norma procedimental do art. 97 da Carta da República o disposto no art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil (com a redação que lhe foi dada pela Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998): "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão."

          Inviável, assim, às instâncias ordinárias, no julgamento das demandas que lhes são submetidas, desatender à orientação do Supremo Tribunal Federal quanto à interpretação da Constituição da República, mesmo porque dispõe a mais Alta Corte do país de poderosos instrumentos processuais de preservação da autoridade de seus julgados para garantir a supremacia das normas constitucionais.

          Direito Tributário. Inconstitucionalidade do IPTU progressivo e das taxas de coleta de lixo e de iluminação pública. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no caso concreto.

          Assentou a Suprema Corte, em decisão plenária, por maioria qualificada, a inconstitucionalidade da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano, na modalidade progressiva, e, porque ausentes as características de especificidade e divisibilidade, das taxas de coleta de lixo e de iluminação pública (Recurso extraordinário 204827-SP, relator o Ministro Ilmar Galvão, julgado em 17 de dezembro de 1997, acórdão publicado no DJU de 25 de abril de 1998).

          A orientação do Supremo Tribunal Federal, na exegese dos temas que lhe são submetidos, opera com extremo vigor no campo normativo, mas não exclui dos órgãos jurisdicionais o seu poder constitucional de verificar no caso concreto a extensão e a densidade normativa sobre a realidade fática, pois do fato é que nasce o direito (ex facto oritur jus). A lei para as partes que resulta da decisão judicial é a individualização e a concretização necessária da norma geral e abstrata. Apenas o preconceito poderia obscurecer o fato de que a decisão judicial continua o processo criador do Direito, da esfera do geral e abstrato para a esfera do individual e concreto (Hans Kelsen).

          Direito Tributário. Ação de inexigibilidade de cobrança cumulada com ação de repetição dos valores pagos pelo contribuinte e lançados pelo Município quanto ao imposto predial e taxas de iluminação e de coleta de lixo.

          Se houve - e isto não se discute - prestação de serviços ao municípe mediante o custeio dos referidos tributos, fazer com que estes serviços indivisíveis e genéricos se tornem gratuitos implicaria em enriquecimento sem causa, à custa, afinal, de outros munícipes. A manutenção da validade das cobranças não implica em se insurgir contra a decisão do Excelso Pretório.

          Classificam-se os direitos do contribuinte como individuais homogêneos, conduzindo, assim, a decisão judicial a considerar os direitos e deveres daqueles que estão em situação idêntica à do demandante Em atenção à natureza destes tributos, não se tem como divorciar os efeitos do direito (no caso, a declaração de inexigibilidade do tributo e a repetição do que foi pago) da sua origem comum, atribuindo ao comparecente os bônus e aos demais membros da comunidade os ônus.

          A proporcionalidade linear do imposto predial e a divisibilidade e especificidade das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo, exigidas como requisitos constitucionais para a cobrança destes tributos, acabam por conduzir a óbices intransponíveis na medição do quantum debeatur que se pretende repetir e do que se deve manter quanto à necessária contribuição do munícipe para os serviços da urbe.

          A pretensão autoral está no plano da legalidade, formal; a resistência municipal situa-se no patamar da legitimidade, material. Esta prepondera sobre aquela, mais densos os seus valores em face dos valores dos bens jurídicos postos pelo autor sob a cognição judicial

          Demanda improcedente.

          Relatório:

          Contribuinte proprietário de quatro imóveis (três apartamentos e uma sala comercial), como demonstra pelos documentos que instruem a inicial, aponta a inconstitucionalidade da cobrança pelo Município do imposto predial e territorial (IPTU) e das taxas de coleta de lixo e limpeza pública (TCLLP) e de iluminação pública (TIP), invoca ensinamentos doutrinários e precedentes judiciais, principalmente as decisões pronunciadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 153.771-MG, relator designado o Ministro Moreira Alves; RE 204827-5, SP, relator o Ministro Ilmar Galvão), demonstra o pagamento dos tributos e, a final, requer:

  • o reconhecimento do seu direito de não pagar as taxas antes referidas e o IPTU, este até que outro lançamento fiscal seja efetuado por alíquota única ou pela alíquota de 0,15%;
  • a declaração de nulidade, com efeitos ex tunc , até o termo inicial de contagem da prescrição extintiva da ação em face do Poder Público, dos lançamentos fiscais impugnados, inexigíveis o seu pagamento, correspondentes aos exercício pagos pelo autor;
  • a condenação do Município à restituição dos valores indevidamente pagos e relativos aos exercícios ainda não prescritos, especialmente desde 1994, a serem liquidados com juros moratórios a 1% ao mês e com a multa moratória máxima, assim nos termos em que o Município impõe ao contribuinte, consoante o seu Código Tributário;
  • o mandamento ao réu para se abster de praticar qualquer ato de lançamento ou de imposição de qualquer sanção em decorrência da mora; e
  • a condenação nos ônus sucumbenciais, arbitrados os honorários advocatícios em 20% da condenação.

          Replicando o mesmo procedimento em causas similares e atestando a habitual diligência e o profundo respeito à Justiça que caracterizam o exercício de sua longa e proficiente Advocacia, esmerou-se o digno patrono do demandante em trazer, com a petição inicial, mais de duas centenas de folhas de cópias de decisões judiciais - até mesmo em sentido contrário ao seu posicionamento - a quase mesmo dispensar, assim, a pesquisa a que eventualmente carecessem os participantes nesta causa.

          A resposta municipal, igualmente primorosa na forma e no conteúdo, a impugnar a pretensão exordial em toda a sua extensão:

  • suscita preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de inexigibilidade de tributos para o futuro; e
  • no mérito, pede a improcedência integral da lide ou, sucessivamente, ao menos o reconhecimento do poder fiscal de cobrar o IPTU pela alíquota mínima vigente nas datas de ocorrência dos seus fatos geradores. Diz, ainda, que não é caso de progressividade, mas de proporcionalidade, na imposição do IPTU, reportando-se à doutrina e à jurisprudência quanto ao princípio da igualdade material na área fiscal. Defende, ainda, a constitucionalidade da cobrança do IPTU progressivo e das taxas municipais, estas sob o suporte do princípio da solidariedade social, posto que as pessoas diretamente beneficiadas pelo serviço público devem repartir entre si o seu custo e que o contribuinte inadimplente causa dano irreparável à coletividade, que se vê privada de recursos vinculados à prestação dos serviços que a todos aproveitam.

          Na oportunidade aberta pelo disposto nos arts. 326 e 327 da lei processual, manifesta-se o autor pela rejeição da preliminar, sustentando, ademais, os fundamentos da pretensão exordial.

          As partes manifestaram desinteresse à dilação probatória.

          O Ministério Público declarou que deixa de oficiar no feito sob o argumento de inexistência de dispositivo legal a justificar a sua interveniência.

          É o relatório.

          Motivação:

          As questões preliminares merecem cognição judicial mesmo ex officio (CPC, art. 301, § 4o; art. 267, IV; e art. 246), posto o caráter publicístico da processo - e daí a investigação sobre os seus pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular - como meio de solução pacífica das controvérsias que o preâmbulo da Constituição de 1988 erige como fundamento do Estado Democrático de Direito.


Interveniência do Ministério Público.

          A douta representante do Ministério Público perante este Juízo deixou de oficiar no feito, sob o fundamento de inexistência de dispositivo legal a conduzir a sua função de interveniente.

          Em face do princípio institucional da unicidade do Parquet¸ e ao menos nas instâncias ordinárias, tal declaração por si só, e desde logo, exime os órgãos judiciais de ambas as instâncias de determinar a intimação do seu representante para os atos processuais subseqüentes. Contudo, nas instâncias extraordinária e especial, em face da dualidade organizacional do Ministério Público nacional, cabe à diligente Procuradoria Geral da República novamente dizer se tem ou não interesse na causa.

          No aspecto estritamente prático, e porque ao juiz incumbe transpor, tanto quanto possível, os óbices para a cognição da lide, tem o signatário adotado o entendimento de que basta a intimação do Ministério Público, pelo que decorre do disposto no art. 246 da lei processual, para que se imunize o processo de qualquer alegação de nulidade (Sentença cível - fundamentos e técnica, Rio, Forense, 5a edição, pp. 7/12).

          A inegável seqüela é a perplexidade dos juízes, das partes, de seus representantes, e até mesmo do pessoal cartorário, todos compelidos a esquadrinhar alentados autos para apurar se deve ou não intervir o Ministério Público, sob a terrível ameaça de ver reconhecidos nulos os atos processuais, a inutilizar os esforços despendidos em seu ofício.

          A autonomia funcional do representante do Parquet, posta como prerrogativa constitucional, é avessa a qualquer ordem, até mesmos dos Tribunais ou da respectiva Chefia, no sentido de obrigá-lo à manifestação, não só em homenagem à antiga parêmia nemo cogi potest ad factum, como porque os membros de Poder (na expressão da Emenda Constitucional no 19/98) somente respondem por dolo ou fraude no exercício de suas funções.

          Neste sentido processualmente restrito, abstraindo-se do patamar constitucional, proclamou a Alta Corte de Direito Federal no RESp nº 5.469-0 - MS, sob a relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo, em julgamento pela Quarta Turma com data de 20 de outubro de 1992: "Processo Civil. Usucapião. Ausência de citação do cônjuge. Comparecimento espontâneo. Suprimento. Intervenção do Ministério Público. Suficiência da intimação. Julgamento antecipado da lide. Possibilidade. Recurso desacolhido. . . . O que enseja nulidade, nas ações em que há obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, é a falta de intimação do seu representante, não a falta de efetiva manifestação deste."

          Mas a nova ordem constitucional, fruto dos inolvidáveis esforços da doutrina liderada pela Confederação Nacional das Associações do Ministério Público (CONAMP), proclamou que o Ministério Público exerce função essencial à Administração da Justiça pois "´... é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

          Doutrinador do mais alto conceito na comunidade forense traz a lição de José Fernando da Silva Lopes: "Faz o Ministério Público em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional" (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal - promotor natural - atribuições e conflitos, Rio, Forense, 1989, p. 15).

          A questão da interveniência do Ministério Público não pode ser resolvida pela mera interpretação do significado linguístico de dispositivos de leis editadas na vigência da anterior ordem constitucional: "O programa normativo não é apenas a soma dos dados linguísticos normativamente relevantes do texto, captados a nível puramente semântico. Outro elementos a considerar são: (1) a sistemática do texto normativo, o que corresponde tendencialmente à exigência de recurso ao elemento sistemático; (2) a genética do texto; (3) a história do texto; (4) a teleologia do texto. Este último elemento "teleologia do texto normativo" aponta para a insuficiência de semântica do texto: o texto normativo quer dizer alguma coisa a alguém e daí o recurso à pragmática" (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Livraria Almedina, 1998, 2a edição, p. 1092).

          Até mesmo a interpretação sistemática não pode abstrair as normas de conteúdo organizatório das instituições constitucionais e - muito menos - os fatores históricos e axiológicos dos princípios proclamados em Constituição que pretende estabelecer o Estado Democrático de Direito como instrumento de prevalência dos fundamentos da soberania popular, da cidadania e da dignidade do ser humano (Constituição, art. 1o).

          O poder constituinte criou o Ministério Público como instituição permanente e essencial à Administração da Justiça; sua função de equilíbrio assegura o atendimento dos direitos da cidadania, entre os quais sobreleva, como garantia, o direito ao julgamento justo (Constituição, art. 5o, XXXV, LIV).

          Ao instituir o Ministério Público e estabelecer os delineamentos de sua atuação, a Constituição pretende garantir o direito da parte ao julgamento justo, muito além do que assegurar prerrogativas funcionais aos seus integrantes ou autonomia administrativa e financeira à sua estrutura administrativa.

          A intervenção ministerial é atividade pública de satisfação do interesse das partes, pois a ótica de atuação do Promotor de Justiça é diversa dos interesses em conflito e até mesmo do poder/dever do magistrado que dirige o processo e julga a causa.

          Mas o valor constitucional do direito da parte à intervenção ministerial é, ainda assim, de menor relevância que o direito à eficiente prestação jurisdicional, pelo que não deve a causa ficar sobrestada - se aplicado fosse o procedimento extremo do art. 28 da vetusta lei processual penal - enquanto se aguardasse a resolução da questão administrativo-funcional a ser levada pelo Juiz ao Senhor Procurador-Geral.

          Alternativa não resta, assim, a despeito da abstenção ministerial, senão prosseguir no julgamento das demais questões desta causa.


Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de
inexigibilidade de tributos para o futuro. Rejeição.

          Socorreu-se a defesa, na argüição da preliminar, da Súmula 239, do Supremo Tribunal Federal ("decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores" - ref.: Cód. Proc. Civil, art. 287, parágrafo único -- Agravo 11.227, de 5-6-44, DJU de 10-2-45, p. 816; MS 11.714, de 6-11-63, DJU de 25-6-64, p. 390).

          Contudo, conferiu-se interpretação restritiva ao enunciado sumular, como se vê na RTJ 99/414, acentuando o Ministro Rafael Mayer que o verbete está situado no plano do direito tributário formal, "mas se a decisão se coloca no plano da relação de direito tributário material para dizer inexistente a pretensão fiscal do sujeito ativo, por inexistência de fonte legal da relação jurídica que obrigue o sujeito passivo, então não é possível renovar a cada exercício o lançamento e a cobrança do tributo, pois não há a precedente vinculação substancial. A coisa julgada que daí decorre é inatingível, e novas relações jurídico-tributárias só poderiam advir da mudança dos termos da relação pelo advento de uma norma jurídica nova com as suas novas condicionantes".

          Nas relações jurídicas continuativas submetidas à cognição jurisdicional, rebus sic stantibus intelliguntur, pois "a eficácia da sentença declaratória perdura enquanto estiver em vigor a lei em que se fundamenta, interpretando-a" (RSTJ 8/341).

          Rejeita-se, assim, a preliminar.

          Mérito:

          Cabe o julgamento da causa no estado em que se encontra, incidente o suporte fático do inciso I do art. 330 da lei processual, mesmo porque presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder (4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14 de agosto de 1990, Ministro Sálvio Figueiredo, RESp n° 2.832-RJ, DJU de 19/09/90, p. 9.513).

          Questão prejudicial: Vinculação das instâncias ordinárias às decisões plenárias do Supremo Tribunal Federal em temas constitucionais (CPC, art. 481, parágrafo único) que proclamaram a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU, na modalidade progressiva, e das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo.

          Neste feito - como em milhares de outros recentemente aforados nos juízos fazendários municipais - ao cumular os pedidos de inexigibilidade da cobrança do IPTU progressivo e das taxas de iluminação pública e de coleta de lixo, com a repetição do indébito - o contribuinte agita em seu favor notórios precedentes do Excelso Pretório, entre os quais se destaca aquele que vinculou decisão da Alta Corte de Direito Federal, sobre os tributos ora em debate, como se vê a seguir:

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Acórdão RESp 116799/RJ ; RECURSO ESPECIAL (9600/792798-)
Fonte DJ       DATA:18/08/1997    PG:37787
Relator Ministro JOSÉ DELGADO (1105)
Ementa TRIBUTARIO. RECURSO ESPECIAL. TAXAS DE LIXO E DE ILUMINAÇÃO PUBLICA DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO. IPTU. MATERIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. A DOUTRINA E A JURISPRUDENCIA QUE INFORMAM O NOSSO SISTEMA JURIDICO POSICIONAM-SE, DE MODO UNIFORME, PELA IMPOSSIBILIDADE DE, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, SE DECIDIR A RESPEITO DE VIOLAÇÃO OU NEGAÇÃO DE VIGENCIA DE NORMA CONSTITUCIONAL, HAJA VISTA TAL MISSÃO SER RESERVADA PARA O AMBITO DO RECURSO EXTRAORDINARIO.
2. ESSA COMPREENSÃO DECORRE DA DICÇÃO CONTIDA NO ART. 105, III, LETRAS "A", "B" E "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A COMPETENCIA ATRIBUIDA AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIMITA A APRECIAÇÃO DO RECURSO ESPECIAL AS SITUAÇÕES EM QUE O RECORRENTE SE INSURGE CONTRA TRATADO OU LEI FEDERAL CONTRARIADO OU QUE SE LHES TENHA NEGADO VIGENCIA; SE HAJA JULGADO VALIDA LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL OU SE TENHA DADO A LEI FEDERAL INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE DA QUE LHE HAJA ATRIBUIDO OUTRO TRIBUNAL. PARA O CAMPO DO RECURSO EXTRAORDINARIO, COMPETENCIA EXCLUSIVA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A CARTA MAGNA RESERVOU ASPECTOS DETERMINADORES DE CONTRARIEDADE A DISPOSITIVO DA PROPRIA CONSTITUIÇÃO, DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE TRATADO OU LEI FEDERAL OU JULGAMENTO VALIDO DE LEI OU ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DA PROPRIA CARTA MAGNA.
3. O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DA COMPETENCIA JURISDICIONAL FIXADO PELA CARTA MAGNA OBEDECE A PRINCIPIOS RIGIDOS. NÃO PERMITE QUALQUER AMPLIAÇÃO PELO INTERPRETE. NO INSTANTE EM QUE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APRECIAR E DECIDIR A RESPEITO DE TEMA CONSTITUCIONAL, ESTA INVADINDO A COMPETENCIA ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR TAIS CAUSAS E INVALIDANDO A DECISÃO PROLATADA.
4. QUANDO O DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL APONTADO COMO VIOLADO É UMA REPETIÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL, NÃO HA DE SE CONHECER DE RECURSO ESPECIAL, PELA SUPREMACIA EXERCIDA PELO PRECEITO MAIOR. A RESPEITO, MERECEM CONFERENCIA OS PRECEDENTES SEGUINTES,ANOTADOS POR THEOTONIO NEGRÃO, IN CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR, 27A. ED., PGS. 1206/1207: "SE O DISPOSITIVO LEGAL TIDO COMO VIOLADO NÃO PASSA DE MERA REPRODUÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL, QUE O ABSORVE TOTALMENTE, E DO STF A COMPETENCIA EXCLUSIVA PARA DISPOR SOBRE A TEMATICA CONTROVERTIDA" (STJ-RT 698/198). O MESMO OCORRE SE O PRECEITO DE LEI ORDINARIA NÃO PASSA DE REPETIÇÃO MITIGADA" DO TEXTO CONSTITUCIONAL, COMO, POR EXEMPLO, O ART. 15 DO CC, EM RELAÇÃO AO ART. 36, PAR. 6., DA CF (RSTJ 55/132)".
5. E, AO MEU PENSAR, A HIPOTESE DOS AUTOS, NO RELATIVO AO DEBATE SOBRE A EXIGENCIA DO IPTU. O RECORRENTE INVOCA COMO VIOLADO O ART. 104, INC. I, DO CTN. ESTE REPRODUZ O PRINCIPIO DA ANTERIORIDADE PROTETOR DA EFICACIA DA LEI TRIBUTARIA E PRESENTE NO ART. 150, III, B, DA CF.
6. A DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL APRESENTADA ELEVA A DISCUSSÃO A RESPEITO DO TEMA AO PATAMAR CONSTITUCIONAL. INCIDE, PORTANTO, NA MESMA REGRA.
7. O RECURSO ESPECIAL INVOCA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 77 E 79, DO CTN, PARA REFORMAR O ACORDÃO NA PARTE QUE RECONHECEU A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA. TENHO, POREM, QUE CONSIDERAR QUE O ACORDÃO EM QUESTÃO AFASTOU A INCONSTITUCIONALIDADE DA MENCIONADA TAXA. A PARTE VENCIDA NÃO INTERPOS RECURSO EXTRAORDINARIO PARA ATACAR ESSA DECISÃO. TRANSITOU, ASSIM, EM JULGADO, OS SEUS EFEITOS, O QUE IMPOSSIBILITA A SUA REDISCUSSÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
8. ALEM DO MAIS, DESTAQUE-SE A SUBLIMAÇÃO FEITA PELO RECORRENTE EM SUA FUNDAMENTAÇÃO AO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL POSTO NO ART. 145, PAR. 2., DA CF, DE QUE "AS TAXAS NÃO PODERÃO TER BASE DE CALCULO PROPRIA DE IMPOSTOS."
9. TRATOU, DE MODO POTENCIALIZADO, COMO TENDO SIDO VIOLADO, O MENCIONADO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, BEM COMO, ENFRENTOU, DE IGUAL MODO, A TEMATICA CONSTITUCIONAL POSTA NO ART. 145, II, DA CARTA MAGNA, CONSISTE DE QUE A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICIPIOS PODERÃO INSTITUIR TAXAS, EM RAZÃO DO EXERCICIO DO PODER DE POLICIA OU PELA UTILIZAÇÃO EFETIVA OU POTENCIAL, DE SERVIÇOS PUBLICOS ESPECIFICOS E DIVISIVEIS, PRESTADOS AO CONTRIBUINTE OU POSTOS A SUA DISPOSIÇÃO.
10. OS ARTS. 77 E 79 DO CTN REPETEM, APENAS, TAIS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS. NÃO HA POSSIBILIDADE, PORTANTO, DE SE FIRMAR DECISÃO A RESPEITO SEM SE DEBATER A NORMA CONSTITUCIONAL.
11. A DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL APRESENTADA PELO RECORRENTE SE ELEVA, TAMBEM, AO MESMO PATAMAR.
12. NÃO E POSSIVEL, PELO EXPOSTO, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, SE DEBATER A PRETENSÃO ACIMA IDENTIFICA DO RECORRENTE.
13. O EXAME DA COBRANÇA DA TAXA DE LIXO INCIDE NOS MESMOS EFEITOS. O TEMA E PREPONDERANTEMENTE DE NATUREZA CONSTITUCIONAL.
14. O RECORRENTE, A RESPEITO, DA ENFASE, APONTANDO COMO TENDO SIDO VIOLADO, O PARAGRAFO UNICO DO ART. 77, DO CTN. ESTE, CONFORME JÁ ASSINALADO, E UMA REPRODUÇÃO DO ART. 145, II, DA CF.
15. CONSIDERE-SE, TAMBEM, QUE O COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, AO TRATAR DE TEMA IDENTICO COM REFERENCIA AO MUNICIPIO DE SÃO PAULO, DECIDIU NO RECURSO EXTRAORDINARIO N. 204827-SP, RELATADO PELO EMINENTE MINISTRO ILMAR GALVÃO, JULGADO EM DATA DE 17.12.96, ACORDÃO PUBLICADO NO DJU DE 25.04.97, ONDE A REFERIDA TAXA FOI EXAMINADA, ASSENTOU, CONFORME EMENTA A SEGUIR TRANSCRITA, QUE: "MUNICIPIO DE SÃO PAULO. TRIBUTARIO. LEI N. 10.921/90, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AOS ARTS. 7., 87 E INCS. I E II, E 94 DA LEI N. 6.989/66, DO MUNICIPIO DE SÃO PAULO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA. TAXAS DE LIMPEZA PUBLICA E DE CONSERVAÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PUBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS SOB ENFOQUE. O PRIMEIRO, POR INSTITUIR ALIQUOTAS PROGRESSIVAS ALUSIVAS AO IPTU, EM RAZÃO DO VALOR DO IMOVEL, COM OFENSA AO ART. 182, PAR. 4., II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE LIMITA A FACULDADE CONTIDA NO ART. 156, PAR. 1., A OBSERVANCIA DO DISPOSTO EM LEI FEDERAL E A UTILIZAÇÃO DO FATOR TEMPO PARA A GRADUAÇÃO DO TRIBUTO. OS DEMAIS, POR HAVEREM VIOLADO A NORMA DO ART. 145, PAR. 2., AO TOMAREM PARA BASE DE CALCULO DAS TAXAS DE LIMPEZA E CONSERVAÇÃO DE RUAS ELEMENTO QUE O STF TEM POR FATOR COMPONENTE DA BASE DE CALCULO DO IPTU, QUAL SEJA, A AREA DE IMOVEL E A EXTENSÃO DESTE NO SEU LIMITE COM O LOGRADOURO PUBLICO. TAXAS QUE, DE QUALQUER MODO, NO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR, TEM POR FATO GERADOR PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INESPECIFICO, NÃO MENSURAVEL, INDIVISIVEL E INSUSCETIVEL DE SER REFERIDO A DETERMINADO CONTRIBUINTE, NÃO TENDO DE SER CUSTEADO SENÃO POR MEIO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DOS IMPOSTOS GERAIS. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO DA MUNICIPALIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO DO CONTRIBUINTE".
16.- COMO VISTO, A MATERIA E DE NATUREZA CONSTITUCIONAL, SENDO IMPOSSIVEL, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO LEGAL APONTADO PELO RECORRENTE.
17.- RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
Data da Decisão 03/06/1997
Orgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA
Decisão POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO.
Indexação      DESCABIMENTO, RECURSO ESPECIAL, APRECIAÇÃO, LEGALIDADE, COBRANÇA, (IPTU), TAXA DE LIXO, TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA, OCORRENCIA, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO DA ANTERIORIDADE, COMPETENCIA, STF, APURAÇÃO, CRITERIO, DIVISIBILIDADE, ESPECIFICAÇÃO, SERVIÇO, CARACTERIZAÇÃO, MATERIA  CONSTITUCIONAL.
Catálogo CT0070   RECURSO ESPECIAL
         VIOLAÇÃO OBLIQUA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL
Referências
Legislativas
LEG:FED LEI:005172 ANO:1966
*****  CTN-66    CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL
        ART:00104 INC:00001 ART:00077 ART:00079
LEG:FED CFD:000000 ANO:1988
*****  CF-88     CONSTITUIÇÃO FEDERAL
        ART:00145 INC:00002 PAR:00002
Doutrina OBRA:  CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL EM VIGOR,
       27A. ED., PAGS. 1206/1207
AUTOR: THEOTONIO NEGRÃO
Veja RESP 32870-SP, (STJ)
RE 204827-SP, (STF)

          Do texto, extrai-se que até mesmo a Alta Corte de Direito Federal se vê compelida a harmonizar o seu entendimento com o do Supremo Tribunal Federal.

          Assim é porque a Constituição instituiu, no art. 102, caput, o Excelso Pretório como seu guardião e supremo intérprete, impondo-lhe a missão de conformar aos parâmetros de atuação pretendidos pelo poder constituinte originário a resolução dos litígios não só entre as entidades federativas ou órgãos dos Poderes da República, mas, e principalmente, entre os indivíduos e grupos sociais em face do Poder Público.

          Pedindo vênia a Oscar Dias Corrêa (Supremo Tribunal Federal: Corte Constitucional do Brasil, Rio, Forense, 1987), José Afonso da Silva não equipara o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional a Corte Constitucional, porque predomina ainda entre nós o sistema difuso de controle de constitucionalidade herdado dos estadunidenses, autorizando qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade por via de exceção (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 16a edição, p. 556).

          Nesta função julgadora monocrática, admite a ordem jurídica que este magistrado reiterasse o entendimento pessoal no sentido da constitucionalidade da cobrança tributária em comento (pelos fundamentos do voto, aliás minoritário, a despeito da densa e honrosa adesão do douto Desembargador Severiano Ignácio Aragão, nos Embargos Infringentes no 031/98, TJ-RJ, 9o Grupo de Câmaras Cíveis, por cópia a fls. 243/247, destes autos).

          No entanto, embora com a reserva da opinião própria sobre o tema, curva-se disciplinadamente este sentenciante às conseqüências decorrentes dos reiterados pronunciamentos da mais Alta Corte Judiciária ao proclamar que o Município vulnera a Constituição ao instituir as taxas de iluminação e de limpeza pública e o imposto predial, este na modalidade progressiva.

          A diligente procuratura municipal ainda esgrima em seu favor o argumento de que não decorreria vinculação aos demais órgãos judiciários quanto ao reconhecimento incidental de inconstitucionalidade pela Suprema Corte, cujo Regimento Interno, no art. 178, ainda exige a resolução, hoje prevista no art. 52, X, da Lei Maior, para a produção de efeitos erga omnes pela suspensão da eficácia do ato normativo, mesmo porque cada ordenamento municipal há de oferecer soluções próprias em atenção às peculiaridades das cinco mil urbes existentes no país.

          Neste último aspecto, pelo que se extrai da orientação do Supremo Tribunal Federal, basta que se verifique a normatividade local e, se reconhecida alguma faixa de progressividade na instituição do imposto predial, ou se o fato gerador das taxas de iluminação e de coleta de lixo não se mostre específico e divisível, alternativa não resta ao órgão judiciário senão coarctar, nos casos em julgamento, a violação às normas constitucionais.

          É o que forçosamente decorre da hermenêutica suprema: descabe IPTU progressivo, inviável a cobrança de taxas que não atendam à especificidade e à divisibilidade do serviço público em contrapartida.

          Quanto ao aspecto da extensão dos efeitos da declaração incidental sem a resolução senatorial, deve ser observado que esta é necessária para a vinculação dos órgãos públicos em todos os níveis federativos e em todas as esferas governamentais, pois o efeito da resolução é suspender a execução do ato normativo e assim cassando a sua eficácia ex nunc.

          Mas recentes leis processuais - e assim de vigência imediata - vincularam todos os órgão judiciários, na resolução das causas que lhe são apresentadas, às decisões do Supremo Tribunal Federal.

          É o que decorre de recente alteração da redação no art. 481, da lei processual, como vislumbrou o signatário em comentários a que se remete, a seguir transcrevendo alguns trechos (A argüição de inconstitucionalidade nos tribunais - notas sobre a nova redação que a Lei 9.576/98 deu ao art. 481 do CPC, artigo publicado no ADV-Informativo, da COAD/ADV, Rio de Janeiro, março de 1999, boletim no 13, pp. 196/193):

          A argüição de inconstitucionalidade nos tribunais

          (notas sobre a nova redação que a Lei no 9.756/98 deu ao art. 481 do Código de Processo Civil)

          A Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998, dispondo sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais, entre outras alterações na legislação processual civil e trabalhista, acresceu ao art. 481 do Código de Processo Civil um parágrafo com a seguinte redação:

          "Art. 481. ..........

          Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. "

          As disposições contidas nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil implementam procedimento para efetivar a norma decorrente do disposto no art. 97 da Constituição da República, a exigir que somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou do respectivo órgão especial poderão os tribunais reconhecer – em controle difuso ou concentrado - a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

          Os regimentos internos dos tribunais, ao tratar de tal procedimento em atenção ao disposto no art. 96, I, "a", da Carta Maior, geralmente se remetem às disposições da lei de ritos quanto ao procedimento da argüição de inconstitucionalidade.

          Desde logo, ressalte-se que o procedimento previsto nos arts. 480 a 482 da lei processual civil somente é cabível quando houver necessidade do reconhecimento incidental da inconstitucionalidade e não se aplica às ações de inconstitucionalidade ou às representações de inconstitucionalidade processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados (Constituição Federal, arts. 102, I, "a"; 125, § 2o), estas previstas nos regimentos internos dos respectivos tribunais.

          O mencionado procedimento é aplicado independentemente de ser federal ou estadual a Constituição objeto de comparação com a norma impugnada, pois o art. 480 refere-se genericamente a "argüída a inconstitucionalidade...".

          De qualquer forma, o denominado princípio da reserva de plenário que se extrai do disposto no art. 97 da Constituição é aplicável em qualquer reconhecimento de inconstitucionalidade pelos tribunais, servindo o roteiro dado pelos arts. 480 a 482 da lei processual como procedimento para o reconhecimento incidental – posto o tema de constitucionalidade como questão prévia ao julgamento da causa.

          . . .

          O espírito que levou o legislador constituinte a editar tal comando, na oportuna lição de Pontes de Miranda sobre o art. 116 da revogada ordem magna, foi o fim político-técnico de prestigiar o ato do poder público, inclusive a lei, só admitindo a desconstituição daquele, ou dessa, por maioria absoluta de votos dos tribunais (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1/69, Rio, Forense, 1987, tomo III, p. 611).

          É que somente se proclama a inconstitucionalidade além de qualquer dúvida razoável (beyond all reasonable doubt), mesmo porque todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, não estão acima de toda dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qualquer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, Rio, Forense, 1996, 16a ed., p. 307).

          Daí porque carecer o órgão fracionário de tribunal – justamente porque é fração e não o todo - de competência funcional para proclamar ex novo a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, submetendo-se obrigatoriamente, para tal, aos procedimentos referidos nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil e às normas regimentais para ensejar a cognição e a decisão da questão incidental pelo plenário ou pelo órgão especial do tribunal.

          Se o órgão judiciário não se qualifica como tribunal, nem dele é órgão fracionário - como os milhares de juízos monocráticos que em nosso País têm o dever de conhecer em primeiro grau da esmagadora maioria dos pleitos submetidos ao Poder Judiciário - continua com o poder de deixar de aplicar, motivadamente, nos casos que lhe são submetidos a julgamento, a norma que entender incompatível com a Constituição.

          . . .

          Vê-se, assim, que mui discretamente, o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil cristalizou normativamente o que a doutrina e a jurisprudência admitiam: a vinculação dos tribunais às decisões do Supremo Tribunal Federal no reconhecimento incidental da inconstitucionalidade, mesmo porque bastava, e ainda basta, ao relator, para não se conhecer de recurso constitucional, o fundamento de que o tema já fora apreciado pelo Excelso Pretório.

          Nem se pode argüir de inconstitucional a nova disposição ora em comento, sob o argumento de restringir a autonomia dos tribunais ou dos seus órgãos ou de seus integrantes.

          O art. 99 da Constituição garante a autonomia do Poder Judiciário – e não dos tribunais – e não podem agitar malferimento da autonomia funcional dos juízes aqueles que estão jungidos ao reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Plenário ou órgão especial do próprio Tribunal e, no tema constitucional, a Constituição erigiu a Suprema Corte ao papel de seu guardião.

          Aliás, se o Tribunal, por seu órgão fracionário ou mesmo pelo Pleno, ignorar a norma proibitiva contida no dispositivo em comento, estará desafiando, de um lado, recurso ao Superior Tribunal de Justiça por vulneração da norma decorrente do disposto no mencionado parágrafo único do art. 481, e, de outro, a reclamação prevista no art. 102, I, "l", da Constituição, a garantir a competência e a autoridade do mais Alto Tribunal do país.

          . . .

          Enfim, continuem os juízes monocráticos na motivada apreciação dos temas constitucionais que se vejam obrigados a enfrentar no julgamento das causas que lhe são submetidas, deixando de aplicar, nos casos concretos, as leis e atos normativos que, a seu ver, sejam incompatíveis com a Constituição.

          Mas os tribunais, independentemente de alteração das disposições regimentais, agora estão jungidos aos precedentes, seus e principalmente da Suprema Corte, nas questões constitucionais.

          Tais precedentes, se atendido o quorum qualificado referido no art. 97 da Constituição, ganham verdadeiro conteúdo normativo, mais uma vez demonstrando que hoje se mostra vazia e ultrapassada a rígida separação de Poderes e funções estatais que o antigo magistrado, Charles de Secondat, o Barão de Montesquieu, enxergou como fundamento suficiente para acabar com o absolutismo real."

          Aliás, ainda que este decisor somasse às suas as ponderáveis razões da diligente procuratura municipal, e intentasse navegar em sentido contrário ao dos precedentes da Suprema Corte, reconhecendo constitucional a cobrança dos tributos em debate, sequer veria a sua sentença, submetida a reexame necessário e aos eventuais efeitos de apelação, chegar à cognição da Turma revisora, coarctado o procedimento de revisão por antecipação de tutela concedida monocraticamente pelo relator.

          É que dispõe o art. 557 do Código de Processo Civil, mercê da redação que lhe foi dada inicialmente pela Lei no 9.139, de 30 de novembro de 1995, e depois pela recente Lei no 9.756, de 17 de dezembro de 1998:

          "Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

          § 1o A – Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

          § 1o . Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

          § 2o . Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor."

          Já se manifestara o signatário sobre tal inovação (artigo publicado no boletim Seleções Jurídicas, da COAD/ADV, Rio de Janeiro, março de 1999, pp. 11/16; também publicado na coletânea Doutrina 7, do Instituto de Direito, Niterói, 1999, pp. 104 e seguintes):

          "O § 1o A do art. 557 inova ao autorizar o relator a, desde logo, prover o recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

          Note-se a distinção: para negar seguimento ao recurso a lei se refere a orientação do respectivo tribunal, além do Supremo Tribunal e de Tribunal Superior; para prover o recurso só se a orientação for a ditada pelo Supremo Tribunal ou Tribunal Superior.

          Em face da competência funcional que a Constituição defere aos tribunais para dispor sobre o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais no respectivo regimento interno (art. 96, I, a), atendidas as leis processuais, não se evidencia injurídica a disposição regimental que venha conferir ao relator o poder de antecipar o provimento do recurso se a decisão recorrida confrontar com súmula ou com a jurisprudência dominante na mesma Corte.

          Da Constituição os tribunais vão haurir a sua competência, pelo que prevalecem as súmulas e a jurisprudência dominante dos Tribunais nos temas próprios de sua jurisdição, atendida a prioridade da Suprema Corte em matéria constitucional, mas somente nesta.

          É fácil discernir entre súmula e jurisprudência dominante: aquela tem o enunciado emitido nos termos regimentais e legais, esta expressa o entendimento ordinariamente seguido, mas que não mereceu ainda o patamar sumular.

          A apuração do que é jurisprudência dominante pode oferecer óbices intransponíveis em face da natural alteração da orientação seguida pelas Cortes, embora muito facilitem as ementas de acórdão, como algumas das Seções do Superior Tribunal de Justiça, declarando tal condição.

          A súmula do seu tribunal, ou de Tribunal Superior, é do conhecimento do relator, mesmo porque se diz que a súmula é menos do que uma ordem e mais do que uma recomendação; a jurisprudência dominante deve ser demonstrada ou ao menos indicada pelos interessados, embora ao relator reste o juízo sobre a incidência dos elementos normativos no caso em julgamento."

          Inútil, assim, a resistência das instâncias ordinárias, e principalmente desta originária, à orientação suprema.

          Conseqüência prática, extremamente gravosa, se pode extrair da mencionada vinculação.

          No foro carioca há ações em que contribuintes, sob os mesmos fundamentos desta causa, pretendem a restituição de milhões de reais: nas metrópoles brasileiras existem milhares de grandes edificações, com centenas de unidades comerciais e residenciais, cujas contribuições fiscais orçam a milhares de reais por mês, constituindo poderoso suporte ao Erário para o custeio dos serviços municipais essenciais à vida urbana.

          Nestas numerosas causas - se, eventualmente, as instâncias ordinárias pronunciassem a imediata inexigibilidade do crédito fiscal, suspendendo o fluxo de recursos para o Tesouro Municipal, porque o recurso extraordinário só tem efeito devolutivo - ainda assim não poderia o Município se socorrer do remédio cautelar previsto no art. 4o da Lei no 4.348/64 e no art. 1o da Lei no 8.437/92, a garantir relevantes valores de ordem e economia públicas (sobre o tema, com ampla bibliografia, ver Suspensão de liminar e de sentença, Maria Cristina Barros Gutiérrez, trabalho monográfico, EMERJ, julho de 1996).

          É que a cognição cautelar, característica dos procedimentos instituídos pelas mencionadas leis federais, não dispensa, antes exige, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, a sumária delibação sobre o mérito da causa, como proclamou o Pleno pela voz do Ministro Sepúlveda Pertence, nas SS no 846 e 1055:

          "A suspensão de segurança, concedida liminar ou definitivamente, é contracautela que visa à salvaguarda da eficácia plena do recurso que contra ela se possa manifestar, quando a execução imediata da decisão, posto que provisória, sujeita a riscos graves de lesão de interesses públicos privilegiados - a ordem, a saúde, a segurança e a economia pública: sendo medida cautelar, não há regra nem princípio segundo os quais a suspensão da segurança devesse dispensar o pressuposto do "fumus boni juris" que, no particular, se substantiva na probabilidade de que, mediante a futuro provimento do recurso, venha a prevalecer a resistência oposta pela entidade estatal à pretensão do impetrante." (ementa do acórdão da Suspensão de Segurança no 846).

          Percebe-se improsperável o argumento municipal de que, no caso do IPTU, a modalidade adotada pelo ordenamento local é o da proporcionalidade e não da progressividade: a distinção até mesmo fora vislumbrada por Plácido e Silva:

          "IMPOSTO - Do latim impositum, de imponere (impor, prescrever), é empregado na linguagem jurídica, notadamente do Direito Tributário, na equivalência de tributo, tributação ou contribuição.

          Representa-se, assim, a prestação ou a contribuição, que é devida por toda pessoa, seja física ou jurídica, ao Estado, para formação da receita, de que necessita, para acorrer às despesas com os seus serviços e manutenção de sua própria existência.

          É, pois, a porção de dinheiro com que, a título de encargo permanente e geral, cada cidadão contribui para o erário público.

          Por ser uma contribuição obrigatória ou contribuição coercitiva, merecia outrora a designação de imposição.

          E, neste particular, é que se difere da taxa, que, embora também contribuição, não é imposta, nem coercitiva, desde que é devida, simplesmente, em virtude de serviço prestado, representando uma compensação por serviço particularmente feito ou uma contraprestação.

          Segundo a natureza do tributo ou do encargo fiscal, expressão por que também se determina o imposto, há uma designação própria para cada espécie. É o que se diz de nomenclatura dos impostos.

          Em relação à sua natureza, origem ou forma de arrecadação, recebem os impostos especiais denominações.

          É assim que:

          a) quanto à forma de pagamento, diz-se in natura, se efetivado em serviço ou mercadorias; in specie, se em dinheiro;

          b) quanto à durabilidade: em ordinário ou permanente, se em caráter efetivo; extraordinário, quando em caráter transitório;

          c) quanto à incidência: em reais, quando considerada a pessoa como mero titular do bem ou da propriedade gravada (imposto predial, verbi gratia), ou pessoais, quando recaem sobre a pessoa, sem atenção às suas propriedades (imposto de renda);

          d) quanto ao modo de percepção, em diretos e indiretos;

          e) quanto à origem do poder: federais, quando devidos ou pertencentes à União; estaduais, quando pertencem aos Estados federados; e municipais, quando relativos aos Municípios;

          f) quanto ao grau de perequação: em fixo, adicional, proporcional, progressivo, de repartição ou cotidade.

          Fixo, quando se apresente invariável, em soma igual, para toda e qualquer espécie de contribuinte.

          Adicional, quando se mostra um aumento ao imposto primitivo, a que é acrescido, para ser cobrado simultaneamente com ele.

          Proporcional é o que resulta ou se verifica pela proporção, isto é, pela razão aritmética do valor da propriedade gravada ou do total das rendas auferidas pelo contribuinte.

          Progressivo, quando a tributação vai sendo progressivamente ampliada, à proporção que aumenta a soma da riqueza tributável.

          Vide: Imposto sobre a renda. Progressivo.

          De repartição, dito também de contingência, quando fixada previamente pela lei a importância total de que precisa o Estado para suas despesas, é repartida entre os contribuintes para a sua efetiva arrecadação.

          De cotidade, quando, depois de orçada a importância da receita tributária, se procede o lançamento para efetividade de sua arrecadação. É imposto que se diz previamente tarifado pela lei;

          g) quanto à taxação: em lançados e não lançados.

          Lançados ou de lançamento são os que, previamente, se tornam conhecidos e pelo lançamento se processa a arrecadação. São, assim, os impostos anuais e permanentes, a que se encontram sujeitos os que se consideram contribuintes deles.

          Não lançados, ou não previstos previamente, são os que decorrem de operações ou negócios feitos pelas pessoas, sem qualquer prefixação anterior, ou sem qualquer lançamento. Vão sendo, pois, arrecadados segundo a realização dos negócios, distinguindo-se dos lançados, que foram antecipadamente previstos pelo censo ou lançamento.

          A lei dá para cada espécie de imposto um nome próprio. A multiplicidade de nomes por que são os mesmos conhecidos, constitui a nomenclatura. (Vocabulário Jurídico, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, edição em CD-ROM, 1999).

          Enfim, inócua seria qualquer resistência deste sentenciante à adoção da orientação do Supremo Tribunal Federal, ousando desafiar diversos remédios processuais garantidores da autoridade de suas decisões, porque o direito da parte ao julgamento presto é imanente ao direito fundamental de acesso à jurisdição.

          Daí a conseqüência, ora adotada, de se pronunciar incidentalmente, nos exatos termos do v. aresto que consubstancia a decisão do RE 204827-5, a inconstitucionalidade da cobrança do IPTU, na modalidade progressiva, e das taxas de limpeza pública e de iluminação pública.

          Refugia-se este decisor na antiga parêmia: Roma locuta causa finita.

          Contudo, o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da legislação municipal, em questão prejudicial, não conduz necessariamente - como adiante se verá - ao acolhimento dos pedidos autorais de se proibir o Município de proceder a novos lançamentos enquanto não se alterar o fundamento normativo de cada tributo, nem ao reconhecimento de sua inexigibilidade com a conseqüente desconstituição dos lançamentos tributários realizados no quinqüênio precedente ao ajuizamento da demanda (e não da citação, em face do disposto no art. 263 do Código de Processo Civil, posto que, nesta Unidade da Federação, em face do Regimento de Custas Forenses baixado pela Lei no 1010/86, na distribuição do feito exige-se o pagamento das despesas com a citação, descabendo ao autor qualquer outra diligência, pelo que não há incidência do disposto no § 2o do art. 219: "promover a citação (...) significa requerê-la e arcar com as despesas de diligência; não significa ´efetivá-la´, pois no direito processual brasileiro a citação é feita pelo sistema de mediação" (STJ, 4a Turma, RMS 42-MG, unânime, relator o Ministro Athos Carneiro, DJU de 11 de dezembro de 1989, p. 18.140).

          A natureza jurídica vinculativa aos tribunais (dispensada, para eles, a resolução referida no art. 52, X, da Constituição pelo que está nos mencionados arts. 481, § único, e 557, da lei processual) dos efeitos decorrentes dos precedentes invocados como fundamento do direito autoral atuam no patamar normativo, (e assim genérico e abstrato, como as demais normas legislativas), orientam o juiz na formulação da norma individual e concreta que resolverá a lide (Código de Processo Civil, art. 468), mas não tem o vislumbrado condão de, por si só e desde logo, entregar ao demandante os bens jurídicos pretendidos no libelo inaugural.

          A incomensurável densidade normativa do comando constitucional não é suficiente, por si só, para alterar a realidade, pois é finita a capacidade humana de transformação do mundo.

          Retornemos a mestre Canotilho, na obra a que dedicou a Konrad Hesse e aos seus colegas e alunos brasileiros: "... a constituição normativa não é um mero conceito de ser; é um conceito de dever ser. ... Não é pelo facto de existir um documento designado constituição que temos uma constituição. Esta existe, sim, quando o documento contém regras jurídicas materialmente consideradas ´boas´, ´valiosas´ ou ´intrinsecamente legítimas´. (op cit., pp. 1004/1005).

          Neste sentido, sobre a praticabilidade do direito, Alfredo Augusto Becker: "O direito positivo não é uma realidade metafísica existindo em si e por si; a regra jurídica não é um fim em si mesma, mas um instrumento de convivência social. Todo o esforço do legislador consiste precisamente em criar este instrumento de ação social, moldando (transfigurando e deformando) a matéria-prima (´dados" e diretrizes), oferecidas pelas Ciências (inclusive pela Ciência Jurídica), ao melhor rendimento humano, porque a regra jurídica somente existe (com natureza jurídica) na medida de sua praticabilidade. O direito positivo não se mantém em estado de ´ideal descarnado´, pois o direito positivo só existe referindo-se à realidade social. A regra jurídica nasce na oportunidade de conflitos e situações sociais em que o Estado quer intervir. A regra jurídica deve ser construída não para um mundo ideal, mas para agir sobre a realidade social. Não se pode conceber outro direito positivo a não ser aquele destinado para este mundo onde nós vivemos. " (Teoria Geral do Direito Tributário, São Paulo, Lejus, 3a edição, 1998, pp. 71/72).

          O reconhecimento - ainda que por fonte superior - da inconstitucionalidade atua no campo da normatividade, genérico e abstrato; aqui, em decisão concreta e individual, há de se examinar o mundo material, mesmo porque ex facto oritur ius.

          Já o insuspeito (porque considerado o "pai" do Positivismo Jurídico neste século XX) Hans Kelsen afirmava: "Contrariamente ao que às vezes se afirma, o tribunal não formula apenas um Direito já existente. Ele não ´busca´ e ´acha´ apenas o Direito que existe, pronto e acabado, antes do pronunciamento. Tanto ao estabelecer a presença das condições quanto ao estipular a sanção, a decisão judicial tem um caráter constitutivo. A decisão, é verdade, aplica uma norma geral preexistente na qual certa conseqüência é vinculada a certas condições. Mas a existência das condições concretas em conexão com as conseqüências concretas, é, no caso concreto, estabelecida primeiro pela decisão do tribunal. As condições e conseqüências são relacionadas por decisões judiciais no domínio do concreto, assim como são relacionadas por estatutos e regras do Direito consuetudinário no domínio do abstrato. A norma individual da decisão judicial é a individualização e a concretização necessária da norma geral e abstrata. Apenas o preconceito, característico da jurisprudência da Europa continental, de que o Direito é, por definição, apenas normas gerais, apenas a identificação errônea do Direito com a regras gerais do Direito estatutário e consuetudinário, poderiam obscurecer o fato de que a decisão judicial continua o processo criador do Direito, da esfera do geral e abstrato para a esfera do individual e concreto. ( Hans Kelsen, Teoria geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo, Editora Martins Fontes, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1990, p. 138)

          No exercício constitucional do poder/dever de construção do Direito no caso em julgamento, continua este julgador monocrata na investigação dos fatos.

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Sobre o autor
Nagib Slaibi Filho

Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SLAIBI FILHO, Nagib. Constitucionalidade de IPTU progressivo e taxas de limpeza e iluminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16360. Acesso em: 28 mar. 2024.

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