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Restituição de ICMS cobrado de empresa de transporte aéreo: impossibilidade, por ser tributo indireto

Restituição de ICMS cobrado de empresa de transporte aéreo: impossibilidade, por ser tributo indireto

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Empresa de transporte aéreo requereu administrativamente a restituição do ICMS recolhido entre os anos de 1989 e 1994, em face da declaração de inconstitucionalidade de convênio que sustentava a cobrança. O parecer da Procuradoria do Estado do Maranhão é no sentido do indeferimento, em virtude de se tratar de tributo indireto, não havendo como verificar se o ônus foi suportado pela empresa.

PARECER N.º 0012/2002-PF/PGE

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO ICMS RECOLHIDO POR EMPRESA AEROVIÁRIA ENTRE OS ANOS DE 1989 E 1994, EM FACE DO JULGAMENTO DA ADIN 1089-1/DF. EFEITOS DA DECISÃO QUE DEU PELA INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DE DISPOSITIVOS DO CONVÊNIO ICMS N.º 66/88 QUE AUTORIZAVAM A COBRANÇA DO ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO. RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO, EM PRESENÇA DO DISPOSTO NO ART. 166 DO CTN.

I – O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, para excluir da compreensão destes dispositivos a interpretação que inclua na hipótese de incidência do imposto estadual os serviços de transporte aéreo.

II – Decisão de inconstitucionalidade que opera efeitos ex tunc, vez o STF não fizera qualquer ressalva quanto a sua eficácia temporal.

III – Restituição indevida porque, tratando-se de tributo indireto, a requerente não fizera prova de ter assumido o encargo financeiro do imposto, nem tampouco apresentara autorização de que tenha suportado tal ônus, incidindo a regra do art. 166 do CTN.


I.Da consulta

Cuida-se de consulta formulada pelo Corpo Técnico para Tributação – COTEC, órgão integrante da estrutura administrativa da Gerência de Estado da Receita Estadual, em face do Requerimento CT-DV 042/97, de 29 de abril de 1997, apresentado pela Viação Aérea São Paulo S.A. – VASP à Sra. Governadora do Estado do Maranhão.

Informa o consulente que a VASP estaria pleiteando a restituição de R$ 2.946.205,59 (dois milhões, novecentos e quarenta e seis mil, duzentos e cinco reais e cinqüenta e nove centavos), importe recolhido aos cofres do Estado do Maranhão a título de ICMS pago pela empresa de navegação aérea ao longo dos anos de 1989 a 1994.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.089-1/DF, movida pelo Sr. Procurador-Geral da República, declarou inconstitucional a cobrança de ICMS das empresas de navegação aérea com base no Convênio ICMS n.º 66, de 14 de dezembro de 1988. A ementa e o acórdão da ADIn:

"EMENTA: Transporte aéreo. ICMS.

Dada a gênese do novo ICMS na Constituição de 1988, tem-se que sua exigência em caso dos transportes aéreos configura nova hipótese de incidência tributária, dependente de norma complementar à própria carta, e insuscetível, à luz de princípios e garantias essenciais daquela, de ser inventada, mediante convênio, por um colegiado de demissíveis ad nutum.

Procedência da ação direta com que o Procurador-Geral da República atacou o regramento convenial da exigência do ICMS no caso dos transportes aéreos.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em julgar procedente a ação para, no art. 1.º, bem como no inciso IX do art. 2.º do Convênio ICMS n.º 66, de 14.12.88, excluir, sem redução do texto, a compreensão das palavras ‘serviços de transportes interestadual e intermunicipal’ a navegação aérea. E para declarar inconstitucionais as demais normas impugnadas do mesmo Convênio".

É precisamente com base neste julgamento do Supremo Tribunal que a VASP apresenta seu requerimento de restituição.

Por sua vez, indaga o órgão consulente se seria o caso de a decisão de inconstitucionalidade haver repelido apenas a forma por que foram regradas as relações jurídicas tributárias firmadas entre as empresas de navegação aérea e as unidades da Federação. Noutro falar, teria o Supremo Tribunal Federal rejeitado tão-somente o estabelecimento de normas gerais para a cobrança do ICMS de empresas de aviação comercial mediante o Convênio n.º 66/88, ou declarado que o próprio conteúdo da norma impugnada contraria o Texto Maior, de sorte que não há como ser exigido o imposto estadual das empresas deste ramo, seja através de convênio interestadual, seja por meio de lei complementar?

Quer saber, também, o consulente se o julgamento da ADIn opera efeitos retroativos, fulminando todas as relações jurídicas tributárias estabelecidas sob a égide das normas conveniais afastadas e, por conseguinte, dando vez à referida restituição. Alega que a resposta em favor dos efeitos ex tunc (retroativos) pode comprometer a segurança jurídica e a paz social, na medida em que põe em dúvida, por vezes, relações jurídicas formadas há anos, já consolidadas pelo tempo, e em relação às quais as partes se portaram de boa-fé. Cita vasta e abalizada doutrina, contra a qual dificilmente se pode erguer qualquer argumento.

O consulente questiona, ainda, se é possível a restituição do ICMS em face da regra do art. 166 do Código Tributário Nacional. É que, em se tratando de um imposto indireto, há de serem extremadas as figuras do contribuinte de fato e do contribuinte de direito. No caso em exame, a VASP seria apenas o contribuinte de direito que, pela própria natureza do imposto estadual, repassa ao consumidor, usuário de seus serviços, toda a carga financeira do tributo. O consumidor, então, seria o contribuinte de fato, aquele que efetivamente suporta, ainda que por via reflexa, o encargo tributário. Destarte, segundo parece ao consulente, a restituição pleiteada não se justifica, porquanto repor a alguém imposto que efetivamente não suportara é compactuar com o enriquecimento sem causa.

Concluindo, o órgão consulente apresenta, para resposta desta Procuradoria, os seguintes quesitos:

1.A decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.089-1 declarou inconstitucional a cobrança de ICMS sobre a navegação aérea?

2.A sobredita decisão produz efeitos ex nunc ou ex tunc?

3.Que outras teses, a favor ou contra o pedido da requerente, podem ser propostas?

4.À luz das respostas às questões acima, a requerente tem direito à restituição pleiteada?

Eis, em breve síntese, um relato da consulta.


II.Da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.089-1/DF

Cumpre, antes de tudo, fazer uma ligeira abordagem acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.089-1/DF, a qual, conforme exposto alhures, fundamenta o pedido de restituição apresentado pela Viação Aérea São Paulo S.A..

A ADIn inicialmente fora proposta pelo Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias impugnando as seguintes normas conveniais:

a)incisos V e X do art. 1.º, bem como os anexos a que fazem referência, arts. 30 a 36, 51 a 54 e ainda a expressão "aeroviário" do inciso IV do art. 67, todos do Covênio SINIEF n.º 6, de 21 de fevereiro de 1989;

b)Convênio ICMS n.º 54, de 29 de maio de 1989, que concede redução da base de cálculo na prestação de serviço de transporte aéreo;

c)Convênio ICMS n.º 72, de 22 de agosto de 1989, que dispõe sobre obrigações acessórias, prazo de apresentação de documento de informação e apuração mensal e forma de recolhimento do ICMS no transporte aéreo;

d)Convênios ICMS n.º 109, de 7 de dezembro de 1989, e n.º 89, de 12 de dezembro de 1990, que prorrogaram o regime especial concedido às empresas de transporte aéreo;

e)Convênio ICMS n.º 6, de 25 de abril de 1991, que prorroga a redução da base de cálculo na prestação de serviço de transporte aéreo;

f)Convênios ICMS n.º 25, de 25 de junho de 1991, e n.º 93, de 5 de dezembro de 1991, que concederam redução da base de cálculo na prestação de serviços de transporte aéreo;

g)art. 1.º e inciso IX do art. 2.º do Convênio ICMS n.º 66, de 14 de dezembro de 1988, para que sejam interpretados de modo a excluir da compreensão da expressão "serviços de transporte interestadual e intermunicipal" a navegação aérea.

Nada obstante o vasto rol de normas impugnadas, o objeto da ADIn pode ser resumido, como destacou seu nobre Relator, Min. FRANCISCO REZEK, por ocasião do julgamento da liminar, na análise da constitucionalidade da exigência do ICMS sobre os serviços de navegação aérea, em face das regras insertas no art. 21, XII, c, art. 22, X, art. 146, II, a, e art. 150, VI, a, todos da Constituição Federal. Destarte, o ponto fundamental do que fora decidido pelo Pretório Excelso reside na interpretação conferida aos dispositivos impugnados do Convênio ICMS n.º 66/88, quais sejam, os seus arts. 1.º e 2.º, IX. Atribuir-lhes uma interpretação mais ampla, que contemple a navegação aérea na expressão "serviços de transporte interestadual e intermunicipal", segundo o entendimento firmado pelo STF, representa afronta às disposições constitucionais supracitadas. As demais normas conveniais rejeitadas são mera decorrência desta interpretação mais vasta atribuída aos mencionados dispositivos do Convênio ICMS n.º 66/88.

Levantada, no curso da ADIn, a dúvida acerca da legitimidade do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias para este tipo de ação, o Supremo Tribunal rogou a manifestação do Sr. Procurador-Geral da República que, em vista da relevância da questão constitucional, tomou a iniciativa do feito, adotando os mesmos fundamentos jurídicos anteriormente expendidos pelo sindicato.

Dessa forma, a ADIn restou ajuizada com os seguintes fundamentos:

a)impossibilidade da exigência do ICMS sobre os serviços de navegação aérea em face da regra do art. 150, VI, a, da CF, que veda a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (imunidade recíproca). Destarte, sendo a exploração da navegação aérea atribuição da União (art. 21, XII, c, da CF), que a faz através de autorização, concessão ou permissão, não haveria como ser exigido o imposto estadual sobre tal atividade econômica;

b)impossibilidade de os Estados e o Distrito Federal normatizarem, através de convênios, matéria cuja competência privativa é da União, conforme o disposto no art. 146, III, a, da CF. Assim, as Unidades Federadas não poderiam, a despeito da regra do art. 34, § 8.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, editar convênio interestadual veiculando normas gerais acerca da tributação dos serviços de transporte aéreo, dado que tal é competência da União, que deverá exercê-la mediante lei complementar;

c)a expressão "serviços de transporte interestadual e intermunicipal", inserida na regra-matriz constitucional do ICMS (art. 155, II, da CF) não compreende os serviços de transporte aeroviário, conquanto a Constituição da República, quando a estes se refira, use a locução "navegação aérea" (arts. 21, XII, c e 22, X, da CF). Ademais, o ICMS sobre serviços de transporte é originário da fusão do antigo ICM com outros impostos, dentre os quais um tributo que era relacionado exclusivamente com o transporte de superfície. Assim, não houve da parte do constituinte originário de 1988 a intenção de ampliar a regra-matriz do imposto estadual, de modo a abranger a navegação aérea.

Em julho de 1994 fora deferida a liminar requerida pelo Procurador-Geral da República e, desde então, as empresas aeroviárias já estavam livres da exigência do ICMS com base no Convênio n.º 66/88.

Julgando procedente a ADIn, o Supremo Tribunal excluiu da compreensão das palavras "serviços de transporte interestadual e intermunicipal", lançadas no texto dos arts. 1.º e 2.º, IX, do Convênio ICMS n.º 66/88, a navegação aérea, e, ainda, declarou a inconstitucionalidade das demais normas conveniais impugnadas.

Do exame do acórdão que julgou a ADIn, infere-se que o Excelso Pretório se valeu da técnica de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, na medida em que os dispositivos impugnados do Convênio n.º 66/88 permaneceram com a sua redação intacta; apenas fora excluída deles uma interpretação que colidia com determinadas normas constitucionais. Trata-se, sem dúvida, de técnica de julgamento largamente utilizada pela Corte Constitucional e que encontra razão de ser no princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos em geral. No caso em apreço, o STF reconhece a inconstitucionalidade do dispositivo atacado pela ADIn, caso lhe seja atribuída certa interpretação que o coloque em conflito com o Texto Constitucional. Opera, então, o encarregado do controle abstrato de constitucionalidade como um autêntico legislador negativo, retirando (ou restringindo) a validade da norma atacada, o que pode ocorrer por meio da exclusão da norma por inteiro do ordenamento jurídico, ou de parte da norma (artigos, incisos, palavras e expressões etc.), ou ainda pelo simples afastamento de uma interpretação que colida com a Constituição da República, restando intocável o texto da norma, a qual, em virtude de sua presunção de constitucionalidade, deve ser preservada ao máximo.

Assim agiu o Supremo Tribunal Federal porque entendeu que o ICMS sobre o transporte aéreo é imposto novo, logo não poderia ser regrado através de convênio interestadual, conforme autorização do art. 34, § 8.º, do ADCT, que previu apenas a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal firmarem convênio para o exercício provisório de suas competências tributárias já existentes quando da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Destarte, a fórmula encontrada pelo Tribunal Constitucional para excluir do orbe do Convênio n.º 66/88 a exigência do ICMS sobre os transportes aéreos foi restringir a interpretação dos dispositivos impugnados (arts. 1.º e 2.º, IX), de modo que a norma convenial tivesse seu texto preservado, podendo ser, evidentemente, aplicada a qualquer outro tipo de serviço de transporte interestadual e intermunicipal.

Indaga o consulente se o STF reconheceu a inconstitucionalidade material ou apenas formal da exigência do ICMS sobre os serviços interestaduais e intermunicipais de transporte aéreo. A resposta a tal questionamento parece, com a devida vênia, irrelevante, já que, de uma forma ou de outra, os efeitos do julgamento da ADIn, no que diz com a restituição pleiteada, serão sempre os mesmos. De qualquer forma, é de se esclarecer que o voto do Relator enfrenta a questão sob o prisma da inconstitucionalidade formal, ou seja, o art. 34, § 8.º, do ADCT não autorizou a edição de convênio interestadual para a cobrança de imposto novo, como é o caso do ICMS sobre transportes aéreos. A ementa também tende para a inconstitucionalidade formal. O acórdão, porém, tomado isoladamente, leva a crer que o Supremo reconheceu a própria inconstitucionalidade material da cobrança de ICMS sobre transportes aéreos, tanto que excluiu dos dispositivos atacados a interpretação que abrangia esta atividade econômica.

Do voto do Relator, extrai-se o seguinte fragmento, do qual se infere o exame da questão constitucional pelo STF sob a ótica formal:

"O argumento fundamental da concessão da medida liminar permanece, a meu ver, de pé. Valoriza-se em maior ou menor medida o critério histórico na hermenêutica constitucional. O certo é que ele tem podido proporcionar apoio seguro a tribunais em todo o mundo. E neste caso, o que foi dito quando se firmou o juízo liminar permanece válido: o constituinte de 88 compôs o novo ICMS à base de certos elementos, nenhum dos quais incluía essa forma de atividade econômica (navegação aérea). O material de informação que flui dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte é de inteira univocidade. Não o fosse, aliás, e nós o saberíamos de modo farto, porque não teriam deixado escapar esse argumento, primorosamente defendidos como estiveram o tempo todo, os Estados da União. [...] O histórico a este propósito é unívoco. E aquilo de que se cogita, então, é saber se, diante da novidade que é o propósito de cobrar o ICMS desse gênero de atividade econômica, é bastante a metodologia do art. 34, § 8.º, do ADCT.

Eu o dissera no voto sobre a questão liminar: a situação seria outra se o próprio Congresso Nacional, em trabalho complementar à Constituição da República, fosse o inventor da figura nova. Dada a dificuldade de dizer que este imposto não é uma inovação, diante da sua irrecusável novidade no quadro tributário geral, defrontar-nos-íamos com uma situação diferente se a legislação complementar à Constituição, editada no prazo ou fora dele, mas editada um dia pelos representantes do povo, reunidos em Congresso Nacional, assim estabelecesse. Isso, entretanto, não aconteceu. E voltamos ao problema de saber se o art. 34, § 8.º, autoriza aquilo que sucedeu, e que agora é posto sob crítica de inconstitucionalidade. O parágrafo diz:

‘Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n.º 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria’.

Nesse particular, parece-me de inteira procedência a tese do Procurador-Geral da República. O que aconteceu não foi uma fixação de normas para regular provisoriamente a matéria à luz do figurino da Lei Complementar 24/75. O que aconteceu foi rigorosamente uma inovação no domínio tributário, foi a invenção de uma nova hipótese de incidência tributária. Recorde-se que a Lei Complementar 24/75, segundo sua ementa:

‘Dispõe sobre os convênios para concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e dá outras providências’.

Essa lei se refere à metodologia convenial. E diz no seu escopo: isenções, concessão e revogação de isenções, redução de base de cálculo, devolução ao contribuinte, concessão de créditos presumidos, outros incentivos ou favores financeiros, fiscais, concedidos com base no imposto de circulação de mercadorias, etc.

A lei recorda também a composição do colégio convenente. São representantes do Poder Executivo dos Estados da União e do Distrito Federal, sob a presidência do representante do governo federal. A composição do colégio convenente é executiva. Ela não tem cunho legislativo. O que nos incumbe neste passo? Interpretar a Carta, destacadamente na sua norma transitória, à luz do conjunto, e determinar se a prerrogativa da invenção de uma nova hipótese de incidência tributária era facultada a esse colégio. Tal como pareceu ao Chefe do Ministério Público Federal, a mim me parece que não. Tenho que a prerrogativa da regulação provisória da matéria não permite a produção do fenômeno novo. E tenho, a respeito do que a propósito se disse em torno do princípio da máxima efetividade da Constituição, uma interpretação diversificada. É um princípio constitucional elementar, como em todas as democracias representativas, o de que a exação tributária deve resultar da vontade do colégio legislativo, onde se reúnem pessoas eleitas pelo povo para esse mister. Essa regra é de absoluta centralidade na Constituição brasileira de 1988".

Parece evidente, portanto, que o Excelso Pretório examinou a matéria pelo ângulo da inconstitucionalidade formal, ou seja, o art. 34, § 8.º, do ADCT não autorizou a edição de convênio para o alargamento da hipótese de incidência do imposto estadual, como, de fato, sucedeu. Apenas a lei complementar possui permissão para tanto. O acórdão lançado na ADIn, que, visto em separado, faz crer que a inconstitucionalidade fora declarada em razão do próprio conteúdo da norma convenial, apenas valeu-se da técnica de reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, para excluir dos dispositivos atacados a interpretação que os punha em colisão com o Texto Maior. Diminuiu-se, assim, o alcance da norma, com a exclusão da parte que não poderia ser regrada através de convênio interestadual e que diz, precisamente, com a tributação dos serviços de transporte aéreo mediante ICMS.

Entretanto, como dito de passagem linhas atrás, pouca relevância há – ao menos no diz com o pedido de restituição formulado pela VASP – em saber se o Supremo declarou a inconstitucionalidade parcial dos arts. 1.º e 2.º, IX, do Convênio ICMS n.º 66/88 sob o prisma formal ou material. De um jeito ou de outro, os efeitos do julgado serão os mesmos. E é justamente deles que se passa a tratar.


III.Dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

O órgão consulente indaga acerca dos efeitos temporais da decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo: em tal situação, o julgamento da Corte Excelsa opera efeitos retroativos (ex tunc), ou tão-somente prospectivos (ex nunc)?

A questão assume importância sem igual no que diz com o pedido de restituição apresentado pela Viação Aérea São Paulo S.A. à Sra. Governadora do Estado. De fato, se se reconhece que o julgamento da ADIn n.º 1.089-1/DF, na qual restara declarada a inconstitucionalidade parcial do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, produz efeitos ex tunc, vale dizer, retroage à data em que entrou em vigor as normas conveniais impugnadas, é de se ter presente que, em assim sendo, a restituição é devida, já que as relações jurídicas tributárias firmadas entre a requerente e o Estado do Maranhão surgiram apoiadas em normas que contrariavam frontalmente o Texto Maior. De outra sorte, se os efeitos da mesma decisão manifestam-se apenas para o futuro, a restituição não é devida, conquanto as relações entre a requerente e o Fisco, nada obstante surgidas sob a égide de uma norma inconstitucional, estivessem protegidas pela presunção de constitucionalidade de que esta desfruta.

O deslinde do problema passa necessariamente pela análise da natureza da decisão que declara, em sede de ADIn, a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo. Autores do nível de REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, 3. ed., Revista dos Tribunais, p. 98-9) atribuem a esta decisão caráter constitutivo, na medida em que ela introduz uma alteração no atual estado das coisas. Assim:

"[...] consideramos que a sentença que declara a inconstitucionalidade é constitutiva, pois esta, embora visando à criação, alteração ou extinção de um direito, traz a certeza do mesmo e, a partir daí, a mudança de um estado. Como já salientamos, contudo, não é certo dizer que com ela serão criados direitos, estados ou situações jurídicas que antes não existiam pois, na verdade, o que acontece é que o direito à mudança ou à modificação existia antes do processo e a sentença apenas fez atuar o direito, instituindo a mudança como e nos limites da lei, a partir dessa data. A lei, enquanto não considerada inconstitucional pelo órgão competente, opera eficazmente e a sentença que a diga em contradição aos ditames constitucionais tem efeitos, a partir de então e não desde a data da própria lei".

Como é de se observar, para esta parcela da doutrina a sentença que declara a inconstitucionalidade em tese de uma norma qualquer possui natureza constitutiva. Noutro dizer, é ela própria (a sentença) quem introduz uma inovação no status quo, fazendo operar uma norma de direito que, até então, se encontrava em situação de latência. Transpondo esta lição para a seara do controle de constitucionalidade, tem-se que a norma inconstitucional somente pode ser assim considerada após o julgamento da Excelsa Corte que a declare incompatível com a ordem constitucional vigente. Destarte, antes do julgamento pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, a lei, a despeito de contrária ao Texto Maior, opera eficazmente, como se válida fosse, obrigando a quem quer que seja.

Doutra parte, a opinião majoritária da doutrina é no sentido de que a decisão de inconstitucionalidade é dotada de caráter declaratório negativo, porquanto o Poder Judiciário, ao julgar desse modo, nada cria, nada modifica, apenas declara uma situação preexistente, espancando qualquer dúvida que porventura haja acerca dela. A decisão é declaratória porque o estado de uma lei ser inconstitucional em nada depende do reconhecimento da Suprema Corte. A lei que é incompatível com a Magna Carta o é desde sempre, desde o instante em que editada. Sobre este ponto de vista, manifesta-se o notável mestre sulista CLÈMERSON MERLIN CLÈVE (A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, p. 164), fortalecido pelo magistério de ALFREDO BUZAID (Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, Saraiva, 1958):

"A decisão judicial (de inconstitucionalidade), segundo a doutrina consagrada, é declaratória (declara um estado pré-existente) e não constitutiva negativa. O ato judicial não desconstitui (puro efeito revogatório) a lei, tal como ocorre, por exemplo, no modelo austríaco, mas apenas reconhece a existência de um ato viciado. E, por esse motivo, a decisão produz efeitos ex tunc, retroagindo até o nascimento da norma impugnada.

Como sustenta Alfredo Buzaid:

‘O fundamento da doutrina americana e brasileira está, pois, em que, no conflito entre a lei ordinária e a Constituição, esta sempre prepondera sobre aquela. Se a lei inconstitucional pudesse adquirir validade, ainda que temporariamente, resultaria daí uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição. Ou, em outras palavras, o respeito à lei ordinária significa desacato à autoridade da Constituição’.

Segundo o pensamento do autor, ‘uma lei não pode, a um tempo, ser e deixar de ser válida. As leis inconstitucionais não recebem um tratamento diverso. Porém, até o julgamento pelo tribunal, elas são executórias, embora inválidas. Esposito observou que ‘as leis inconstitucionais, até a proclamação da Corte, são executórias, mas não obrigatórias; têm eficácia, mas não têm validade’. Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio".

Certo é que a natureza da sentença que julga a inconstitucionalidade (constitutiva ou declaratória) decorre da própria sanção a ser imposta à lei inconstitucional: seria, então, a norma alcançada pela eiva da inconstitucionalidade absolutamente nula ou tão-somente anulável? Se se considera que ela seja nula ipso jure, a sentença de inconstitucionalidade terá cunho declaratório, porque apenas torna certa uma situação jurídica previamente existente. De outra parte, se o caso é de um ato legislativo meramente anulável, a sentença receberá ares constitutivos, haja vista que a norma impugnada, até que declarado o seu vício, opera eficazmente, como se válida fosse.

REGINA MARIA MACEDO NERI FERRARI (Efeitos..., p. 135), citando CAPELLETTI, bem equaciona o problema, chamando a atenção para a existência de dois sistemas aptos a demonstrar qual a sanção decorrente da norma inconstitucional. São eles, portanto, o sistema norte-americano, tendente para a nulidade absoluta da lei inconstitucional, e o sistema austríaco, capitaneado por HANS KELSEN, para quem a lei contrária ao Texto Maior é apenas um ato anulável. Destarte:

"Capelletti, analisando o assunto, afirma existirem duas posições que buscam a solução do problema, havendo mesmo uma contraposição entre elas: uma encabeçada pelo sistema norte-americano e a outra, pelo sistema austríaco, salientando que, no primeiro, a norma contrária à norma superior é tida como sendo absolutamente nula, apresentando tal sistema um caráter meramente declaratório, isto é, a sentença que declara a inconstitucionalidade reconhece uma nulidade preexistente, já que esta ocorre desde o início, a partir do momento de elaboração da norma, já que, sendo a lei nula ab initio, não pode gerar efeitos.

No sistema austríaco, a Corte Constitucional não declara a nulidade da lei, mas sim a sua anulabilidade, vale dizer, enquanto não houver pronunciamento neste sentido; a lei é válida e, portanto, obrigatória, reconhecendo que a eficácia constitutiva da sentença de inconstitucionalidade opera para o futuro (ex nunc)".

A verdade é que no Brasil, tradicionalmente, tem sido adotado o sistema norte-americano. Aqui, portanto, a lei inconstitucional é lei nula de pleno direito, inapta a produzir qualquer efeito. Por conseguinte, a sentença que assim a reconhece é meramente declaratória, conquanto apenas afirme um vício preexistente. Nada cria, em nada inova; a decisão de inconstitucionalidade proferida em ADIn apenas torna certa uma situação já materializada, até então indeterminada. E assim é, porque em ordenamentos como o pátrio a Constituição é suprema e não encontra na ordem jurídica interna e externa comando que lhe seja superior. Trata-se, grosso modo, daquilo que se entende pelo princípio da supremacia das normas constitucionais, consoante o qual a lei ordinária, ainda que aparentemente boa, apta e eficaz, não pode sequer ingressar no ordenamento jurídico, caso encerre antinomia com relação ao Texto Maior. Do contrário, como assevera ALFREDO BUZAID, citado por CLÈMERSON CLÈVE, admitir que a lei ordinária possa ter validade até que declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, é promover "uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição". Disto tudo decorre, evidentemente, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, dando pela inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo qualquer, produz, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), já que sendo nula a norma eivada, é como se esta jamais houvesse existido.

O dogma da nulidade absoluta da lei inconstitucional é revelado, no sistema pátrio, pela possibilidade de qualquer juízo ou instância declarar a incompatibilidade constitucional in concreto de lei ou ato normativo aplicável à espécie (arts. 97 e 102, III, a, b e c, da CF), e, ainda, pela faculdade outorgada ao Poder Executivo para deixar de cumprir leis que considere contrárias à Constituição da República (STF, Rp 980, Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.11.1979, acórdão compendiado em RDA 140/49). Com efeito, somente a nulidade da lei justifica que o Poder Executivo ou que qualquer órgão do Poder Judiciário lhe negue aplicação. Fosse apenas anulável, e a lei inconstitucional obrigaria a todos, enquanto vigente, até que reconhecida a eiva, o que seria tarefa exclusiva da Corte Constitucional. No que toca à possibilidade de a Administração Pública afastar a aplicação de uma norma por entendê-la afrontosa à Magna Carta, assim se manifestou o Min. MOREIRA ALVES, em voto proferido na citada Representação n.º 980:

"[...] O princípio da legalidade, que norteia a Administração, não é infringido quando se nega cumprimento à lei substancial ou formalmente inconstitucional, porque tal ato, embora emanado do Poder Legislativo, é apenas formalmente lei. Tem feição de lei, mas não a eficácia necessária à formação de direitos subjetivos; não chegou a viver, porque nasceu morta. Não teve um único momento de validade. Se a lei não chegou a existir (cf. Tácito, Caio. RDA, 59:346; Buzaid, Alfredo. Da Ação Direta de declaração de inconstitucionalidade, p. 128), não integra a ordem jurídica. Daí porque a recusa da Administração em observá-la não ofende o princípio da legalidade".

Destarte, parece não haver dúvida de que, pelo sistema adotado no Brasil, que acompanha a clássica doutrina norte-americana, a lei inconstitucional é nula e a decisão que assim a declara, em controle abstrato, opera, em regra, efeitos retroativos. GILMAR FERREIRA MENDES (Jurisdição constitucional, 3. ed., Saraiva, p. 263) chama a atenção para a conclusão dos trabalhos Assembléia Constituinte que deu origem à atual Carta de 1988. Naquela ocasião, foi ventilada a introdução no Texto Constitucional de dispositivo que autorizava o Supremo Tribunal Federal a determinar se a lei que teve a sua incompatibilidade constitucional reconhecida em controle abstrato perderia sua eficácia ex tunc, ou tão-somente a partir da data da publicação da decisão. Tal proposta foi rejeitada, o que faz crer que o constituinte de 1988 optou pela eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade, a despeito de seu silêncio. O dispositivo possuiria redação aproximada à seguinte:

"Quando o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, determinará se eles perderão eficácia desde a sua entrada em vigor, ou a partir da publicação da decisão declaratória".

A despeito da opção do legislador constituinte pela tese da nulidade absoluta da lei inconstitucional, o Supremo tem obtemperado esta regra principiológica, para admitir, por vezes, que a lei ou o ato normativo em tal situação de conflito sejam apenas anuláveis e, por conseguinte, a decisão que assim os reconheça, produza efeitos apenas a partir de sua publicação. GILMAR FERREIRA MENDES (Jurisdição..., p. 261-2) dá notícia desta tendência:

"A lei declarada inconstitucional é considerada, independentemente de qualquer outro ato, nula ipso jure e ex tunc.

A disposição declarada inconstitucional no controle abstrato de normas não mais pode ser aplicada, seja no âmbito do comércio jurídico privado, seja na esfera estatal. Consoante essa orientação, admite-se que todos os atos praticados com base na lei inconstitucional estão igualmente eivados de iliceidade. Essa orientação, que já era dominante antes da adoção do controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro, adquiriu, posteriormente, quase o significado de uma verdade axiomática.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode-se identificar, todavia, tentativa no sentido de, com base na doutrina Kelsen, abandonar a teoria da nulidade em favor da chamada teoria da anulabilidade.

Segundo essa concepção, a lei inconstitucional não pode ser considerada nula, porque, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade, e sua aplicação continuada produziria conseqüências que não poderiam ser olvidadas.

A lei inconstitucional não seria, portanto, nula ipso jure, mas apenas anulável. A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo. Da mesma forma que o legislador poderia dispor sobre os efeitos da lei inconstitucional, seria facultado ao Tribunal reconhecer que a lei aplicada por longo período haveria de ser considerada como fato eficaz, apto a produzir conseqüências pelo menos nas relações entre pessoas privadas e o Poder Público. Esse seria também o caso se, com a cassação de um ato administrativo, se configurasse uma quebra da segurança jurídica e do princípio da boa-fé".

O nobre Advogado-Geral da União reconhece que mesmo nos Estados Unidos da América, berço da doutrina da nulidade absoluta da lei inconstitucional, este dogma vem sendo suavizado (Jurisdição..., p. 265-6).

"É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, onde a doutrina acentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão ‘lei inconstitucional’ configura uma contradictio in terminis, uma vez que ‘the inconstitutional statute is not law at all’, passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidade de se estabelecerem limites à declaração de inconstitucionalidade.

A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se as leis ou atos normativos nunca existiram enquanto tais, eventuais condenações neles baseadas quedam ilegítimas e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demanda em foi levada a efeito, não há que se cogitar de alteração de julgados anteriores".

Como era dito, há no STF uma certa tendência jurisprudencial a amenizar os efeitos da chamada declaração de nulidade ortodoxa da lei inconstitucional. Neste passo, vale destacar o voto do Sr. Min. LEITÃO DE ABREU, lançado no julgamento do RE 79.343-BA pela 2.ª Turma do Supremo:

"Acertado se me afigura, também, o entendimento de que se não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional. Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo".

Também digno de nota o entendimento do Excelso Pretório adotado no julgamento do RE 78.594-SP, da relatoria do Sr. Min. BILAC PINTO:

"Apesar de proclamada a ilegalidade da investidura do funcionário público na função de Oficial de Justiça, em razão da declaração de inconstitucionalidade da lei estadual que autorizou tal designação, o ato por ele praticado é válido".

Dessa forma, tem sua parcela de razão o órgão consulente quando aponta vasta doutrina inclinada à eficácia ex nunc da decisão de inconstitucionalidade, uma vez que há ressaído a tentativa de flexibilização dos efeitos retrooperantes da declaração de incompatibilidade vertical.

Recentemente, a doutrina da anulabilidade do ato inconstitucional recebera a anuência do legislador ordinário. Trata-se da Lei n.º 9.868, de 10 de setembro de 1999, que em seu art. 27 introduziu no sistema pátrio uma fórmula semelhante àquela preconizada por ocasião da Assembléia Constituinte de 1986-88, mas que terminara rejeitada. Está assentado no referido art. 27:

"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

Destarte, o que era apenas uma orientação jurisprudencial agora possui previsão normativa. Está, portanto, o Supremo Tribunal autorizado por lei a mitigar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, inclusive no que tange à sua eficácia temporal, em atenção aos pressupostos da segurança jurídica e do interesse social, e ainda respeitado o quórum qualificado. Merece aplausos a norma em comento. De fato, a declaração ortodoxa de inconstitucionalidade por vezes não atende aos reclamos da justiça, de sorte que, em tais situações, a Suprema Corte vê-se comumente obrigada a reconhecer a constitucionalidade de norma flagrantemente inconstitucional, apenas para evitar o aprofundamento de uma situação injusta. É de se registrar a angústia do Sr. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em face da ADIn 526, oferecida contra a Medida Provisória n.º 296/91, que concedera aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, deixando ao desamparo outros tantos funcionários que, em tese, também fariam jus ao mesmo benefício. Na ocasião, cuidava-se de apreciar a constitucionalidade da referida MP em face do art. 37, X, da CF, isto é, com relação a um dos consectários do princípio da igualdade. A questão que se pôs é se era dado ao Supremo considerar inconstitucional essa MP, porque afrontosa ao princípio da isonomia, sem que isso trouxesse qualquer benefício para a parcela do funcionalismo não agraciada pelo aumento. De fato, tal aumento era, em verdade, um reajuste monetário dos vencimentos, em virtude da perda de poder de compra da moeda; portanto, a ele faziam jus todos servidores federais, sem distinção. Mas se se expungisse do ordenamento jurídico esta MP, porque inconstitucional, a flagrante situação de injustiça (vencimentos corroídos pela inflação) apenas se acentuaria, sem que os servidores não contemplados auferissem qualquer vantagem.

A regra do art. 27 é salutar, mas confirma a opção do legislador pela tese da nulidade absoluta da lei inconstitucional. De fato, o texto do citado artigo deixa evidente que a eficácia apenas prospectiva (ex nunc) da decisão de inconstitucionalidade é algo excepcional, que reclama a ocorrência de pressupostos específicos, dentre os quais a deliberação do Pretório Excelso mediante quórum qualificado (dois terços de seus membros).

Como dito linhas acima, antes mesmo da edição da Lei n.º 9.868/99 já havia uma inclinação para o abrandamento do dogma da nulidade irremediável da lei em conflito com o Texto Maior. Tal tendência justificou opiniões doutrinárias no sentido de que o Supremo Tribunal poderia, mediante fundamentação explícita, mitigar os efeitos retrooperantes da decisão de inconstitucionalidade. Assim leciona OSWALDO LUIZ PALU (Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, Revista dos Tribunais, p. 158) acerca do tema:

"Se a declaração se dá no plano da norma, e se a lei inconstitucional é nula, como sanção ao vício da inconstitucionalidade (antes da declaração mera nulidade virtual), e se a norma nunca possui eficácia substancial (apenas formal, o que a fazia obrigatória), natural que os atos praticados com fundamento nela restem sem fundamento jurídico. Ou seja, a sentença declaratória normativa atinge as relações jurídicas subjacentes pela nulidade e perda de eficácia da norma em que se fundavam. Os limites da retroatividade, entretanto, podem ser fixados pelo Supremo Tribunal Federal, posto ser o controle jurisdicional da constitucionalidade, sucessivo. A norma (lei) ultrapassou o controle político da constitucionalidade antes de ser editada e, ao nascer, veio com a presunção de constitucionalidade.

O que parece claro, na via concentrada de sentença declaratória normativa e tutela abstrata, é que o Supremo Tribunal Federal pode determinar o grau de retroatividade da decisão (mínima, máxima, média) ou mesmo atribuir efeitos ex nunc, sempre fundamentadamente. A regra é a da retroatividade e para evitá-la deve haver explícita fundamentação. [...]".

Dessa forma, mesmo que a ADIn 1.089-1/DF, ora sob exame, tenha sido julgada antes da vigência da Lei n.º 9.868/99, ainda aqui o STF poderia ter mitigado os efeitos retroativos da decisão que deu pela inconstitucionalidade parcial do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, notadamente se a segurança jurídica, a paz social e a tutela da boa-fé assim recomendassem. Entretanto, como o Excelso Pretório não adotou tal postura, há de se ter presente que o acórdão que julgou a referida ADIn apenas reconheceu a nulidade absoluta dos dispositivos conveniais impugnados, caso se lhes atribua uma interpretação mais abrangente, que alargue a hipótese de incidência do ICMS, para alcançar os serviços de transporte aéreo. Funcionou o órgão de cúpula do Poder Judiciário tão-somente como um legislador negativo, que apenas declara um vício preexistente apto a impedir que as normas atacadas sequer ingressem no ordenamento jurídico pátrio. Não há dúvida, portanto, de que tal decisão opera efeitos retroativos. Logo, as relações jurídicas tributárias firmadas à sombra dos dispositivos impugnados restam maculadas. A restituição pleiteada pela empresa aeroviária requerente é, por esse argumento, autorizada.


IV.Da restituição do indébito em tributos indiretos

Sem dúvida, a restituição do indébito tributário atende aos imperativos constitucionais da proteção da propriedade privada (art. 5.º, XXII, da CF) e da vedação do confisco (art. 150, IV). Funda-se, igualmente, no princípio da legalidade (arts. 5.º, II, 37, caput, e 150, I, da CF), na medida em que ao Estado não é permitido invadir a esfera patrimonial do indivíduo sem que esta incursão esteja autorizada pela vontade soberana do povo, expressa na lei.

Atento aos ditames constitucionais supracitados, o Código Tributário Nacional, recepcionado, em sua maior parte, pela Constituição vigente na condição de lei complementar (art. 146, III, a e b), por seus arts. 165 e seguintes, dispôs sobre o ressarcimento ao contribuinte de valores por ele pagos a título de tributos. Dentre as várias regras ali inscritas, chama-se a atenção para a do art. 166, de aplicação inconteste ao pedido de restituição apresentado pela Viação Aérea São Paulo S.A.

"Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la".

O dispositivo em apreço, como bem se observa, separa os tributos em duas categorias: a) aqueles que, "por sua natureza", admitem a transferência do respectivo encargo financeiro, tradicionalmente conhecidos como tributos indiretos, e b) aqueles que não comportam tal transferência, os chamados tributos diretos.

No que tange aos tributos indiretos, há que serem extremadas as figuras do contribuinte de direito e do contribuinte de fato. Com efeito, tais tributos são aqueles cuja carga econômica é transferida para um terceiro que mantém com o sujeito passivo da exação uma relação jurídica qualquer. Assim, diz-se que o responsável pelo recolhimento do tributo aos cofres públicos é o contribuinte de direito (aquele definido em lei como sujeito passivo do tributo), o qual repassa para um terceiro todo o ônus da exação, este último, o contribuinte de fato.

Em verdade, segundo leciona SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (Manual de direito tributário, 1. ed., Forense, p. 466-7), todos os tributos são passíveis de translação, ou seja, de repasse do seu ônus para um terceiro, o que vai depender apenas da atividade desempenhada pelo contribuinte de jure. Destarte, até mesmo o imposto sobre a renda, típico imposto direto, pode ter o seu encargo financeiro transferido para outrem. Veja-se o caso da empresa comercial que repassa para os adquirentes de suas mercadorias, total ou parcialmente, o imposto de renda por ela devido, através dos mecanismos de formação dos preços. SACHA CALMON cita também o caso do IPTU (outro imposto direto autêntico), que pode ser transferido para o locatário, como uma das obrigações decorrentes do contrato de locação, ainda que o contribuinte de direito continue a ser o proprietário-locador.

Ocorre, outrossim, que o citado art. 166 faz menção aos tributos que "por sua natureza" comportem a translação do respectivo encargo financeiro. São estes, portanto, apenas os tributos que pela sua própria configuração jurídica (constitucional e legal) admitem a repercussão. Noutro dizer, tributo indireto não é qualquer um passível de translação, mas tão-somente aquele que pelo seu regramento legal e supralegal comporte a transferência do ônus correspondente a um terceiro. Não se trata, aqui, de averiguar a repercussão apenas econômica (viável em qualquer espécie de exação), que nada interessa ao Direito Tributário, mas, sim, a repercussão jurídica, que decorre da própria lei que disciplina o tributo.

Neste sentido, é o ICMS o tributo indireto por excelência. Também o são o IPI e o ISS, os quais, entretanto, passam ao largo deste trabalho.

O ICMS é tributo indireto e, como tal, é da sua essência que os valores pagos pelo contribuinte de jure sejam posteriormente cobrados do adquirente de suas mercadorias ou do tomador de seus serviços. É da própria natureza do imposto estadual que assim seja. Quando o legislador constituinte formatou este tributo, teve como certa a translação do gravame para o consumidor final. Veja-se o princípio da não-cumulatividade, previsto no art. 155, § 2.º, I e II, da Constituição da República. Que outra finalidade ele tem, afora evitar que a tributação do consumo seja por demais excessiva? Ciente de que o encargo financeiro do ICMS decerto seria transferido para o consumidor final, dada a natureza plurifásica do tributo, o constituinte de 1988 estabeleceu que o montante do imposto cobrado em operações e prestações anteriores serviria como moeda de pagamento para o montante do mesmo imposto cobrado em operações ou prestações subseqüentes. Assim, ao final do ciclo que vai do produtor ou fornecedor até o consumidor final, mesmo que transferidos para cada um dos adquirentes que formam esta cadeia o encargo financeiro do ICMS, ainda assim o consumidor final será tributado apenas com o valor correspondente à aplicação da alíquota do imposto sobre o valor da operação ou prestação que o envolva.

Por se tratar de imposto indireto, aplica-se ao ICMS a regra antes exposta, inserta no art. 166 do CTN. Destarte, a restituição de valores pagos indevidamente pelo contribuinte de direito a título de ICMS somente poderá ser deferida se este comprovar a assunção do ônus do tributo, através de documentos fiscais ou da sua escrituração contábil, ou, caso tenha transferido tal ônus, demonstrar que está autorizado pelo contribuinte de fato a reclamar a restituição. Não sendo assim, impossível o ressarcimento, sob pena de compactuar com o enriquecimento sem causa do contribuinte de jure, em detrimento do contribuinte de fato. Assim pontua o notável mestre mineiro (Manual..., p. 466):

"Quando o CTN se refere a tributos que, pela sua própria natureza, comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, está se referindo a tributos que, pela sua constituição jurídica, são feitos para obrigatoriamente repercutir, casos do IPI e do ICMS, entre nós, idealizados para serem transferidos ao consumidor final. A natureza a que se refere o artigo é jurídica. A transferência é juridicamente possibilitada. A abrangência do art. 166, portanto, é limitada, e não ampla.

Sendo assim, é possível, pela análise dos documentos fiscais e pela escrita contábil das empresas, verificar a transferência formal do encargo financeiro do tributo.

O CTN está rigorosamente certo. Não seria ético, nem justo, devolver o tributo indevido a quem não o suportou. Seria enriquecimento sem causa. Por isso mesmo, exige a prova da não-repercussão, ou então a autorização do contribuinte de fato, o que suportou o encargo para operar a devolução ao contribuinte de jure, o sujeito passivo da relação jurídico tributária. [...]".

O problema da restituição de indébito em tributos indiretos há muito tem preocupado o Excelso Pretório. Já no início da década de 60 fora editada a vetusta Súmula n.º 71, que preconizava uma solução extrema para estes casos, conquanto não admitisse, em hipótese alguma, a restituição de tributos indiretos cobrados indevidamente. O enunciado está assim redigido:

"Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto".

Posteriormente, já no final dos anos 60, o Supremo Tribunal, talvez reconhecendo o rigor excessivo da citada Súmula n.º 71, editou a de n.º 546, que, com outras palavras, reproduz o mesmo preceito encerrado no art. 166 do CTN:

"Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo".

A jurisprudência atual, nada obstante uma parcela da doutrina que não se conforma com a regra do art. 166 do CTN e apregoa que o mesmo não fora recepcionado pela Carta de 1988, consagra plenamente a impossibilidade de restituição de tributos indiretos a quem não prove a assunção do seu encargo financeiro, nem esteja autorizado pelo terceiro que suportou tal encargo. São do Superior Tribunal de Justiça:

"Tendo o encargo financeiro do tributo sido transferido ao contribuinte de fato, só este ou quem por este for autorizado, terá legitimidade para pleitear a restituição.

Sendo o ICMS tributo indireto, há a presunção de transferência do ônus tributário ao contribuinte de fato e a prova da não transferência envolve matéria fática, insuscetível de análise na via Especial (Súmula n.º 7 do STJ" (REsp 218.042-SP, Rel. Min. Garcia Vieira., j. 17.8.1999, DJU 27.9.1999).

"I – Compensação tributária é uma forma de restituição, na qual, o contribuinte que recolheu tributo indevido, em lugar de recuperar o respectivo dinheiro, apresenta seu crédito ao Fisco, imputando-o como pagamento da dívida que tenha para com este.

II – Em sendo forma de restituição, a compensação tributária de ICMS, submete-se à prova negativa de transferência do respectivo encargo (CTN, art. 166)" (REsp 191.005, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 21.10.1999, DJU 17.12.1999).

"O creditamento a posteriori equivale à efetiva repetição de indébito. Se o contribuinte já fez repercutir o tributo, transferindo a terceiros o respectivo encargo, não há mais como reconhecer-lhe direito ao creditamento sem ofender o art. 166 do CTN. Para que se efetive o creditamento a posteriori é necessária a prova de que o encargo do imposto respectivo não se transferiu ao contribuinte de fato" (Embargos em REsp 4.156-0-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 8.10.1993)."

Do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

"AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS). TRIBUTO INDIRETO. NÃO DEMONSTRADA A AUSÊNCIA DE REPASSE, CARÊNCIA DA AÇÃO PROPOSTA. Carece da ação proposta o contribuinte que postula restituição de imposto indireto descuidado da prova que não o repassou aos seus clientes" (APC1.484.986 DF, Rel. Des. Manoel Coelho, j. 19.9.1991, DJU 23.10.1991).

"TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS, AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS AUTORIZATIVOS. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DO ISS, POR SE TRATAR DE IMPOSTO INDIRETO. SÚMULAS 71 E 546 DO STF. Tratando-se de imposto indireto, a sua restituição somente se dará quando comprovado pelo contribuinte de jure, que não repassou o valor deste tributo para o contribuinte de facto. Apelo improvido" (APA 4.569.897 DF, Rel. Des. Ribeiro de Sousa, j. 9.10.1997, DJU 18.2.1998).

E do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"O ISS é tributo indireto e o art. 166, do CTN estatui que ‘a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la’. Havendo o Excelso Pretório sumulado a questão através de sua Súmula n.º 546 – ‘Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo’, ou seja, quando se tratar de tributo indireto, isto é, aquele em que há repercussão do tributo em relação a uma terceira pessoa, somente será possível a repetição de indébito se o contribuinte de direito, isto é, a pessoa jurídica, comprovar que não repassou a contribuinte de fato, ou seja, ao consumidor, aquele imposto que pretende receber de volta, pouco importando se o auto de infração é nulo, se o imposto é indevido ou se houve isenção" (Apelação Cível 1999.001.18795, Rel. Des. Ademir Pimentel, j. 28.3.2000).

Na caso em apreço, a Viação Aérea São Paulo S.A. requer a restituição de valores recolhidos aos cofres do Estado do Maranhão a título de ICMS pago ao longo dos anos de 1989 a 1994. Diz o órgão consulente que a pleiteante não exibira prova de ter assumido o encargo financeiro do imposto estadual recolhido, nem tampouco apresentara autorização de quem tenha suportado tal ônus para reclamar a restituição. Ante estas circunstâncias, força é convir que à requerente falece legitimidade para o pleito em exame. Do contrário, admitir que possa ela ser ressarcida de lesão que efetivamente não suportara, é compactuar com o enriquecimento sem causa, que repudia ao bom direito. Por tal motivo, é de ser indeferida a restituição.


V.Das respostas aos quesitos formulados

Em face da argumentação apresentada, passa-se a responder aos quesitos formulados pelo órgão consulente:

1.A decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.089-1 declarou inconstitucional a cobrança de ICMS sobre a navegação aérea?

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, para excluir destes dispositivos a interpretação que os coloca em conflito com a Magna Carta, por abranger, na hipótese de incidência do imposto estadual, os serviços de transporte aéreo. Por certo reconheceu a Suprema Corte que este ICMS, incidente sobre tais serviços, trata-se de um imposto novo que não poderia ser regrado através de norma convenial pautada no art. 34, § 8.º, do ADCT, mas tão-somente por meio de lei complementar. A inconstitucionalidade refere-se à forma por que editadas as normas impugnadas; todavia, ainda que cogitasse do conteúdo da regra, os efeitos, momente temporais, da declaração de inconstitucionalidade seriam os mesmos.

2.A sobredita decisão produz efeitos ex nunc ou ex tunc?

Como regra, as decisões do Supremo Tribunal em controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos produzem efeitos ex tunc. Este princípio, entretanto, pode ser excepcionado, notadamente após a edição da Lei n.º 9.868/99 que, em seu art. 27, expressamente prevê esta possibilidade. Em relação à ADIn 1.089-1/DF o Excelso Pretório não fez nenhuma ressalva quanto aos efeitos temporais de seu julgamento. Destarte, é de se ter presente que tal decisão produz efeitos retrooperantes.

3.Que outras teses, a favor ou contra o pedido da requerente, podem ser propostas?

Em face dos elementos de que se dispôs, não se vislumbra outras teses a serem erguidas contra o pedido em questão. Chegou-se a cogitar da ocorrência de prescrição, já que, a contar da decisão de inconstitucionalidade, a requerente teria, então, o prazo de 5 (cinco) anos para pleitear a restituição do indébito (art. 168 do CTN). Todavia, crê-se que tal argumento não resistiria à regra do art. 4.º do Decreto n.º 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que dispõe sobre a prescrição qüinqüenal para a cobrança de dívidas passivas da Fazenda Pública federal, estadual ou municipal. Diga-se, porém, que o quesito é muito aberto e que só uma análise minudente do requerimento formulado pela VASP permitirá conclusões mais precisas.

4.À luz das respostas às questões acima, a requerente tem direito à restituição pleiteada?

Tomados apenas os efeitos retrooperantes do julgamento da ADIn 1.089-1/DF, seria de se concluir favoravelmente à restituição. Entretanto, o deferimento do pleito apresentado pela empresa aeroviária vai de encontro ao disposto no art. 166 do Código Tributário Nacional. Como bem informa o órgão consulente, a VASP não trouxera com o seu requerimento nada que atestasse ter ela assumido o encargo financeiro do ICMS por ela recolhido entre 1989 e 1994. Também não cuidou em apresentar autorização, para pleitear o ressarcimento, de quem tenha suportado este ônus. Tendo em vista, portanto, estas considerações, é de ser indeferido o pedido de restituição em apreço.

É o parecer, s. m. j.

São Luís (MA), 9 de janeiro de 2002.

Oscar Cruz Medeiros Júnior

Procurador do Estado



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS JÚNIOR, Oscar Cruz. Restituição de ICMS cobrado de empresa de transporte aéreo: impossibilidade, por ser tributo indireto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16518. Acesso em: 10 maio 2024.