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Concretização do dano ambiental.

Objeções à teoria do "risco integral"

Concretização do dano ambiental. Objeções à teoria do "risco integral"

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1. Introdução

Nos últimos anos, tornou-se mais intensa, na doutrina jurídica brasileira e estrangeira, a abordagem de problemas ligados a danos causados ao meio ambiente e a valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos. Temas muito discutidos no âmbito da responsabilidade objetiva por dano ambiental são a dificuldade na determinação da participação concreta de cada um de múltiplos poluidores (por ex.: em pólos industriais); a inversão do ônus de prova para o lado do potencial poluidor; a valoração do dano ecológico, isto é, a definição do valor monetário a ser pago pelo poluidor por danos causados ao ambiente e à paisagem.

Esses assuntos, no entanto, não são objeto desse trabalho, que de concentra na discussão da questão se uma atividade pode ser considerada como "dano ambiental" embora esteja sendo desenvolvida dentro dos limites estabelecidos por lei ou autorização válida expedida pelo Poder Público. Como vamos ver adiante, a resposta não pode ser dada de maneira uniforme e unívoca para todos os casos de poluição e degradação ao meio ambiente e o desrespeito a valores estéticos, históricos, paisagísticos e turísticos.

O que nos parece ser o mais importante é voltar a atenção ao próprio conceito do dano utilizado na legislação material e processual sobre o meio ambiente, dando a ele uma interpretação coerente, virado sempre às circunstâncias do caso concreto.

Juntando alguns argumentos contra a teoria do "risco integral", não queremos, de maneira nenhuma, propagar um afrouxamento ou a diluição do rigor da responsabilidade objetiva por dano ambiental ou contrariar os sucessos do esforço desenvolvido durante os últimos anos por parte dos integrantes mais expressivos da doutrina do Direito Ambiental Brasileiro.

É a intenção desse estudo questionar, de maneira construtiva, alguns conceitos utilizados atualmente na doutrina nacional em relação ao "dano ambiental", e sugerir uma linha diferente de argumentação jurídica para podermos chegar, futuramente, num caminho mais seguro, à responsabilização administrativa e judicial dos poluidores e degradadores do meio ambiente.



2. Dano ao bem ambiental difuso e individual

O diploma legal básico para o tratamento jurídico do dano ambiental no Brasil é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n.º 6.938/81, cujo art. 14, § 1º, reza que "o poluidor é obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".

No sistema jurídico nacional podemos identificar uma "bifurcação" do dano ambiental: num lado, o dano público contra o meio ambiente, que é "bem de uso comum do povo" (Art. 225 CF), de natureza difusa, atingindo um número indefinido de pessoas, sempre devendo ser cobrado por Ação Civil Pública ou Ação Popular e sendo a indenização destinada a um fundo; no outro lado, o dano ambiental privado, que dá ensejo à indenização dirigida à recomposição do patrimônio individual das vítimas. (Cf. Edis Milaré, A Ação Civil Pública em defesa do ambiente, in: o mesmo - Coord., Ação Civil Pública - 10 anos, 1995, Edit. RT, p. 207.)

Contudo, o dano ambiental, no Brasil de hoje, raramente é alegado perante o Judiciário como prejuízo próprio, meramente individual de determinado cidadão, ressarcível somente com os meios do processo civil clássico. (Antônio Herman Benjamin, O princípio poluidor-pagador, in: o mesmo - Coord., Dano Ambiental - prevenção, reparação e repressão, 1993, Edit. RT, p. 233.)

Nesse caso, o objeto lesado é a face da propriedade privada ou saúde individual do bem comum meio ambiente. Essas ações individuais podem ser ajuizadas de maneira independente, não havendo efeito de coisa julgada entre a ação individual e a coletiva. Está sendo discutindo a possibilidade da propositura de Ação Civil Pública em defesa de vários indivíduos prejudicados por uma poluição ambiental por representar um "interesse individual homogêneo", sendo o dano deles de origem comum (Cf. Francisco José Marques Sampaio, Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente, Edit. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1998, p. 61ss.; C. A. Fiorillo/ M. A. Rodrigues/ R. M. Andrade Nery, Direito Processual Ambiental Brasileiro, 1996, Edit. Del Rey, p. 170). Nessas ações privadas, a responsabilidade do poluidor é objetiva também.

Por exemplo, a propriedade rural do fazendeiro F foi invadida por seu inimigo P que tocou fogo numa área remanescente de Mata Atlântica e despejou veneno no açude matando a fauna aquática. F pode abrir uma ação civil comum contra P, exigindo indenização pelo dano material que ele sofreu (valor comercial da madeira e dos peixes, mais danos morais). Além disso, é possível a propositura de uma Ação Civil Pública para ressarcir o dano ambiental causado à coletividade pelo comportamento de P (queimada da floresta, deterioração do recurso hídrico).

No caso em que o agente poluidor fosse o próprio F, para poder construir no seu terreno, por capricho ou negligência, a Ação Civil Pública se dirigiria contra ele mesmo, em virtude que F não é dono do valor ambiental dos ecossistemas existentes no seu terreno, sendo este bem ambiental difuso, pertencendo à toda coletividade.

Outros casos típicos de danos individuais por poluição são a sujeira na fachadas de casas particulares por emanação de fumaça de fábrica, problemas de saúde pessoal por emissão de gases e partículas em suspensão (ex.: bronquite ) ou ruídos, a infertilidade do solo de um terreno privado por poluição do lençol freático, doença e morte de gado por envenenamento da pastagem por resíduos tóxicos, etc.

Em alguns países europeus, como na Alemanha, onde se construiu, nas últimas décadas, um sistema administrativo relativamente eficiente de proteção aos recursos naturais, a prevenção ou indenização de um dano ambiental, no âmbito do processo civil, somente pode ser reivindicado como dano individual, que atinge o direito subjetivo de uma pessoa física ou jurídica. No sistema germânico, o meio ambiente por si - como bem de interesse difuso - (ainda) não é objeto de proteção jurídica-civil.

Lá, a água, o ar e o solo somente constituem "o caminho de passagem para a realização de um dano reparável que deve se produzir na vida, na integridade corporal, na saúde humana ou na conservação de uma coisa" (Detlev von Bretenstein, apud Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 6. Ed., 1996, Edit. Malheiros, São Paulo, p. 245). O interesse da coletividade de dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado está sendo protegido apenas por parte dos órgãos administrativos e, de menor escala, pelo direito penal.



3. Fundamentação teórica da responsabilidade objetiva por dano ambiental;
teorias do "risco integral" e do "risco-proveito"

Em geral, o sistema brasileiro de responsabilidade civil é de cunho subjetivo, tendo por seu fundamento a culpa do causador de um dano (art. 159 CC). No entanto, a legislação específica, em algumas áreas, retirou a necessidade da comprovação da culpa (dolo, negligência, imprudência ou imperícia) do agente de um ato lesivo. Exemplos são as áreas do transportes aéreo e ferroviário, acidentes de trabalho e, ultimamente, danos causados pelo produtor ou fornecedor de bens de consumo e a empresa prestadora de serviços (Código de Defesa do Consumidor).

No decorrer da história, desde a revolução industrial no século passado, o aumento da complexidade das atividades empresariais, a industrialização dos bens de consumo de massa e a mecanização dos processos produtivos levaram à impossibilidade da definição e comprovação exata do grau de culpa do agente causador de danos. Em inúmeros casos, a desigualdade econômica, a capacidade organizacional das empresas e as cautelas dos juizes na aferição dos meios de prova trazidos ao processo dificilmente lograram convencer da existência de culpa. (Cf. Francisco José Marques Sampaio, ob. Cit., p. 47ss.; Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 5. Ed., 1994, Edit. Forense, p. 262)

Com o advento da Lei n.º 6.938 sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, a responsabilidade civil para a reparação do dano ambiental passou a ser objetiva também (art. 14, § 1º), não sendo mais necessário comprovar a culpa do poluidor do meio ambiente. Uma das razões da introdução da responsabilidade objetiva nessa área foi também o fato de que a maioria dos danos ambientais graves era e está sendo causada por grandes corporações econômicas (indústrias, construtoras) ou pelo próprio Estado (empresas estatais de petróleo, geração de energia elétrica, prefeituras), o que torna quase impossível a comprovação de culpa concreta desses agentes causadores de degradação ambiental.

Indagando sobre a justificativa teórica da responsabilidade civil objetiva por danos ambientais, no entanto, podemos constatar uma certa confusão na literatura jurídica nacional. A maioria dos autores adere à teoria do risco integral, que não permite nenhum tipo excludente da responsabilidade, como vamos ver adiante. Esses autores, de regra, acrescentam que a responsabilidade objetiva por dano ambiental decorre também da teoria do risco-proveito ou "risco do usuário": quem obtém lucros com determinada atividade deve arcar também com os prejuízos causados à natureza, evitando assim "a privatização dos lucros e socialização dos prejuízos" (ubi emolumentum, ibi onus).

A teoria do risco-proveito nos parece apontar ao principal motivo da introdução da responsabilidade objetiva no direito brasileiro. Ela é conseqüência de um dos princípios básicos da Proteção do Meio Ambiente em nível internacional, o princípio do poluidor-pagador, consagrado ultimamente nas Declarações Oficiais da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92 - UNCED). Uma conseqüência importante dessa linha de fundamentação da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental é a possibilidade de admitir fatores capazes de excluir ou diminuir a responsabilidade como: o caso fortuito e a força maior, o fato criado pela própria vítima (exclusivo ou concorrente), a intervenção de terceiros e, em determinadas hipóteses, a licitude da atividade poluidora.

Não são poucos os autores que, em primeiro momento, se declaram adeptos da teoria do risco integral, que não permite excludentes à responsabilidade, e depois, para fundamentar a sua posição, passam a recorrer a argumentos muito mais ligados à teoria do risco-proveito (por ex.: Edis Milaré, ob. Cit., p. 210; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, 6. Ed., 1995, Edit. Saraiva, p. 78; Jorge ª Nunes Athias, Responsabilidade Civil e Meio Ambiente - breve panorama do direito brasileiro, in: ª Herman Benjamin - Coord. , ob. Cit., p. 244).

Vale ressaltar que, no âmbito da Responsabilidade do Estado, a doutrina clássica e a jurisprudência brasileira também nunca adotaram a versão "pura" da teoria do risco integral (veja Fernando Facury Scaff, Responsabilidade do Estado Intervencionista, 1990, Edit. Saraiva, p. 68), sempre admitindo fatores excludentes como a culpa da vítima e a força maior. Uma parte defende a teoria do "risco administrativo", que permite vários excludentes. (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 14. Ed., 1990, Edit. RT, p. 551.)

Os defensores do risco integral no contexto da responsabilidade objetiva do Estado (Art. 37, § 6º, CF) destacam que ela serve como meio de repartir por todos os membros da coletividade o ônus do danos atribuídos ao Estado (Caio M. da Silva Pereira, ob. Cit., p. 270, 274). O mesmo já não vale indiscriminadamente para todos os casos da ocorrência de um dano ambiental. O sujeito que deve indenizar aqui na maioria dos casos não é o erário do Estado e, em conseqüência, a coletividade, mas o poluidor particular, que muitas vezes até age com uma autorização válida concedida pelo próprio Estado.

Importante frisar, no entanto, que nessa área há uma importante distinção entre a responsabilidade do Estado por ato administrativo legítimo e a por ato ilegítimo, seguindo esta linhas de fundamentação bem diferentes daquela.

Na área do Direito Privado, de maneira geral, a teoria do risco-integral no Brasil igualmente "nunca fez escola" (Caio M. da Silva Pereira, ob. Cit., p. 281), salvo nas áreas especialmente regulamentadas pelo legislador. O francês Ripert observou bem que, "quando a teoria do risco entende que a responsabilidade civil deriva da lei da causalidade, destrói a idéia moral". (Apud Caio M. da S. Pereira, ob. Cit., p. 273.) A teoria do risco (integral) foi desenvolvida na França, acima de tudo para resolver o problema da indenização de acidentes de trabalho, em virtude da desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a menor disponibilidade de provas por parte do empregado que quase sempre levavam à improcedência da ação de indenização.

Podemos constatar que a maior parte da doutrina do Direito Ambiental Brasileiro, hoje, adere à "linha dura" da teoria do risco-integral, que não permite nenhum tipo de excludente nos casos de danos ambientais. (Por ex.: Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Civil Pública, 4. Ed., 1996, Edit. RT, p. 206; Nélson Nery Júnior, Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública, in Ver. Justitia, n° 131, p. 175s.)


4. A responsabilidade por atividade ou obra lícita

(legítima),
autorizada pelo Poder Público; o exemplo do Direito Civil Alemão


Desde o início queremos deixar claro que recusamos a afirmação apodíctica de alguns defensores da teoria do risco integral de que a obrigação da indenização de qualquer dano ambiental não possa ser condicionada à licitude do ato lesivo. Pelo contrário, defendemos que a legalidade do ato pode, em determinados casos, até excluir o próprio conceito de dano, que parece ser um conjunto de interferências fáticas sobre a natureza e jurídicas sobre a situação legal, o que vamos tentar mostrar em seguida.

Como foi acima exposto, a conseqüência da teoria do risco integral é o dever de indenizar mesmo que a conduta do agente causador do dano ao meio ambiente seja lícita, autorizada pelo poder competente e obedecendo os padrões técnicos para o exercício de sua atividade.

Alguns autores dessa corrente alegam que existe, tanto no direito público quanto no direito privado, um princípio pelo qual a licitude da atividade não exclui o dever de indenizar.

Fábio Lucarelli defende a desconsideração da licitude do ato poluidor, alegando que o Estado não teria o poder de admitir agressão à saúde pública e que ele, não raras vezes, especifica normas e padrões a serem respeitados agindo em causa própria, eis que também exerce atividades danosas ao ambiente. (Fábio Dutra Lucarelli, Responsabilidade Civil por dano ecológico, RT, n.º 700, 1994, p. 12.)

Ora, essa argumentação seria válida para a responsabilização somente do Estado pela emissão de licenças e autorizações descabidas, mas não para a condenação de particulares que operam fontes de poluição dentro dos limites estabelecidos. Resta deixar claro que muitos danos ambientais não surtem conseqüências imediatas na saúde pública da região, como nos casos de derrubada de árvores, poluição de recursos hídricos distantes de assentamentos humanos, morte de animais silvestres, deformação da paisagem litorânea, etc.

No sistema jurídico da Alemanha existem maneiras diversas como atos autorizadores de direito público (öffentlich-rechtliche Gestattungsakte) são capazes de influenciar pretensões individuais de direito privado (privatrechtliche Ansprüche) na área de incomodações e danos ao meio ambiente. A regra que prevalece lá é que particulares não podem exigir o embargo de obras ou atividades legalmente licenciadas, mas podem, em determinados casos, pleitear o pagamento de indenização por danos sofridos em seus direitos individuais. Em algumas hipóteses, a autorização pública inviabiliza até esse tipo de pretensão particular. (Cf. Rüdiger Breuer, Umweltschutzrecht, in: I. von Münch/ E. Schmidt-Aßmann - Coord., Besonderes Verwaltungsrecht, 9. Auflage, 1992, Verlag Walter de Gruyter, Berlin, p. 445.)

A Lei Federal de Responsabilidade Civil Ambiental (Umwelthaftungsgesetz, de 10.12.1990) da Alemanha de 1990 tem por objetivo melhorar a situação jurídica de pessoas que sofreram um dano individual em virtude de poluição ambiental. A lei introduziu uma responsabilidade objetiva, baseada no risco criado, de determinadas fontes poluidoras (sobretudo instalações industriais) para danos nos "meios" ecológicos ar, solo e água. A lei estabelece uma presunção de causalidade entre determinadas atividades poluidoras e o dano, o direito de informação do indivíduo afetado perante o dono da instalação e os órgãos públicos, para mudar a notória situação de inferioridade dos prejudicados e os seus problemas de comprovação do nexo causal.

Porém, o próprio texto legal determina que a presunção de causalidade não se aplica se a instalação está sendo explorada "de forma regular", o que é o caso quando são respeitadas as obrigações particulares como normas, autorizações e ordens executórias administrativas (§ 2º e 3º). Essa "presunção" de que não existe um dano ambiental, contudo, pode ser contrariada no caso concreto.

Os pontos fracos da teoria do risco integral se mostram ainda em outros aspectos. Para os seus defensores, essa teoria também se aplica no caso do dano ambiental individual, que está expressamente incluído no âmbito da vigência da responsabilidade objetiva (art. 14, § 1º, Lei 6.938/81). Como essa teoria não permite nenhum tipo de excludente subjetivo da responsabilidade, não é possível levar em consideração a participação do próprio prejudicado na concretização do dano.

Por exemplo, um fazendeiro move uma ação civil contra seu vizinho alegando que este lhe causou um dano na sua propriedade por ter derrubado a maior parte das árvores no seu terreno e poluído o seu solo com agrotóxicos, o que provocou a migração de uma certa espécie de insetos para o seu terreno onde eles causaram prejuízos nos animais e nas plantações. O laudo técnico de um agrônomo confirma que a causa concreta dessa "invasão" foi a poluição do terreno do réu. Independente da questão se o pretenso poluidor tenha agido com autorização do Poder Público ou não, poderíamos deixar fora do raciocínio o fato que o vizinho reclamante nunca vacinou os seus animais e tratou suas plantas contra a doença transferida pelos insetos, embora todos os fazendeiros da região tenham procedido de tal forma?

Esse exemplo aponta a inviabilidade do desligamento total da questão da responsabilidade civil por dano ambiental de fatores subjetivos. Em outros países existe a responsabilidade objetiva em determinadas áreas da poluição ambiental, porém não se aplica em todos os casos, sem qualquer possibilidade de distinção e admissão de fatores excludentes ou diminuintes da responsabilidade. Tem de ser considerado também que a adoção da teoria do risco integral no âmbito da responsabilidade civil pelo dano ambiental iria causar riscos incalculáveis para o empresário, que não poderia mais confiar em licenças válidas concedidas pelos órgãos administrativos.



5. O conceito legal do Dano Ambiental


O cerne do problema nos parece estar situado na questão do entendimento correto do conceito do dano ambiental no sentido do art. 14, § 1º, da lei 6.938/81. A referência ao conceito do dano ambiental volta à tona na lei processual sobre a Ação Civil Pública (n.º 7.347/85, art. 1°); é pacífico na doutrina que a questão o que seja um dano ao meio ambiente é respondida pela legislação material referente à proteção ambiental.

Viana Bandeira destaca com efeito que, na indagação sobre o conteúdo do conceito "dano ambiental", teríamos de considerar que o mesmo, por um lado, apresenta-se como um fenômeno físico-material, por outro lado pode integrar um fato jurídico qualificado por uma norma e sua inobservância e que somente pode cogitar-se um dano se a conduta for considerada injurídica no respectivo ordenamento legal; assim a injuridicidade decorre da violação de um interesse juridicamente protegido (Evandro F. de Viana Bandeira, O Dano Ecológico nos quadros da responsabilidade civil, in: Adilson A. Dallari/ Lúcia V. Figueiredo - Coord., Temas de Direito Urbanístico - 2, 1991, Edit. RT, p. 265, 268).

Portanto, não basta a simples opinião pessoal do aplicador do Direito (agente administrativo, promotor, juiz) que certo comportamento "faz mal ao meio ambiente"; sempre deve haver uma norma que proíbe certa atividade ou protege determinado bem ecológico. É claro, que no ato da subsunção dos fatos ao texto da norma sempre vai haver influência da atitude pessoal do intérprete. (Cf. Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6. ed., 1983, Fund. Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 205; Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 22. ed., 1995, Edit. Saraiva, p. 285.)

No art. 3º, III, da lei n.º 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito de poluição está sendo definido de maneira extremamente ampla, como

"degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos."

Podemos afirmar que, onde existir poluição no sentido do art. 3º, III, da Lei 6.938/81, muitas vezes vai haver também um dano ambiental de acordo com o art. 1º, inciso I, da Lei 7.347/85, visto que a definição do conceito de dano da lei processual se rege pelas normas do direito ambiental material.

Portanto, nem toda alteração negativa do meio ambiente pode ser qualificada como poluição ou dano. Na verdade, o conceito e o conteúdo do dano ambiental na legislação ficaram relativamente indefinidos. (Cf. Jair Lima Gevaerd Filho, Anotações sobre os conceitos de Meio Ambiente e Dano Ambiental, in Revista de Direito Agrário e Meio Ambiente, Curitiba, 1987, p. 17.) Hely Lopes Meirelles esteve com razão quando alegou que "de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidos e controlados quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caraterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade da prévia fixação técnica e legal dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora" (Proteção ambiental e Ação Civil Pública, in Revista dos Tribunais, n.º 611, 1986, p. 11).

A doutrina normalmente aponta três caraterísticas do dano ambiental: a sua anormalidade, que existe onde houver modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso; a sua periodicidade, não bastando a eventual emissão poluidora e a sua gravidade, devendo ocorrer transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais. (Paulo A. Leme Machado, ob. cit., p. 253; Fábio D. Lucarelli, ob. cit., p. 10.)

Essas tentativas de "caraterizar" um dano ambiental, no entanto, ajudam muito pouco nos casos de alterações do meio ambiente que foram autorizadas pelo Poder Público. O problema aqui não está na questão se existe ou não o fato ou o perigo de uma transformação do meio ambiente, mas questiona-se se essa mudança e legal ou ilegal e se o causador das mudanças ecológicas deve indenizar a coletividade.

Alguns autores, no entanto, parecem sentir a problemática do tema. Dantas de Carvalho, por exemplo, alega que, para verificar, no caso concreto, a incidência de um dano ambiental, a questão crucial seria "entender a amplitude da alteração necessária do meio ambiente, pois se levada a extremos, a simples derrubada de uma árvore para a construção de um hospital geraria o dever de ressarcir" (Michelle Dantas de Carvalho, Responsabilidade Civil do Estado por Danos Ambientais, in: Estudos de Direito Administrativo - em homenagem ao Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, 1996, Edit. Max Limonad, p. 309).

Por exemplo, o dono de um sítio recebe a autorização dos órgãos competentes para derrubar árvores no seu terreno para realizar uma construção; verifica-se, depois, que as árvores eram de uma espécie rara, valiosíssima para o meio ambiente local, e que órgão da prefeitura ou do Estado errou em concede-la. Parece inaceitável a propositura de Ação Civil Pública contra o particular por ter causado um dano ambiental. A co-responsabilidade do órgão expedidor da licença não melhora muito a situação do pretenso degradador ambiental, visto que ele vai ter de se defender no processo, e poderá até sofrer uma condenação para, depois, ter de ajuizar uma ação de regresso contra o Poder Público.



6. O sacrifício especial de direito individual


Para fundamentar a tese de que mesmo uma licença ou autorização válida do órgão ambiental competente para a atividade desenvolvida não serve como excludente da responsabilidade por dano ambiental, alguns autores tentam se valer do argumento de que existe, há muito tempo, uma regulamentação de efeitos idênticos na área do direito de vizinhança dos Códigos Civis do Brasil e de outros países. Alegam também que autorizações e licenças geralmente são outorgadas pelos órgãos administrativos com a "inerente ressalva de direitos de terceiros" (José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 1994, Edit. Malheiros, São Paulo, p. 216).

Nesse contexto, cita-se a lição de Karl Larenz, quem afirma que "o fundamento do dever de indenizar reside na exigência de uma justiça comutativa de que aquele que tem defendido seu interesse em detrimento do direito alheio, conquanto de maneira autorizada, tem de indenizar o prejudicado que teve de suportar a perturbação de seu direito." (Lehrbuch des Schuldrechts II - Besonderer Teil, 12. Auflage, 1981, § 78, apud Nelson Nery Jr. / Rosa M. de Andrade Nery, Responsabilidade Civil, Meio Ambiente e Ação Coletiva Ambiental, in: A. Herman Benjamin - Coord., ob. cit., p. 278, 280.)

Vale ressaltar, no entanto, que essas palavras do jurista alemão comentam o instituto da Aufopferung (sacrifício) do direito civil alemão (§ 906, II, BGB): as normas sobre o direito de vizinhança tratam do caso de que alguém está incomodando e prejudicando o imóvel vizinho com a emanação de gases, vapores, odores, fumaça, fuligem e ferrugem, calor, ruídos ou vibrações (em alemão chamados de Imissionen).

A regra, que a lei alemã estabelece, é que o vizinho prejudicado tem o direito de exigir o fim dessas incomodações físicas até se a fonte incomodadora está operando dentro dos padrões da autorização estatal (expressamente o art. 14 da Lei Federal de Proteção contra Impactos Ambientais Nocivos através de Poluição do Ar, Ruídos, Vibrações e fenômenos semelhantes (Bundes-Immissionsschutzgesetz) de 15.3.1974). Porém, não há este direito ao embargo das atividades incomodadoras nos casos em quais essas "Imissionen" sejam "comuns no local" (ortsüblich), isto é, que nesse bairro existem vários tipos dessas fontes de incomodação (por ex.: bares, restaurantes, padarias, escolas, comércios, indústrias). Todavia, essa obrigação de tolerar as incomodações (Duldungspflicht) é compensada através do direito de receber uma "justa indenização em dinheiro" quando as perturbações inviabilizam o aproveitamento comum do imóvel prejudicado e não podem ser evitadas mediante "medidas economicamente proporcionais". Temos, portanto, nessa hipótese do direito alemão, uma atividade, que, embora de ser legal, enseja o dever de indenização ao vizinho. (Cf. Hoppe, Werner /Beckmann, Martin, Umweltrecht, 1989, Verlag C. H. Beck, München, p. 262.)

O fundamento da indenização, nesses casos de vizinhança é a equidade: não é justo que um indivíduo sofra um dano ou prejuízo no seu patrimônio embora a atividade seja legal por ter sido autorizada pelo Poder Público.

No caso do dano ambiental difuso a situação se apresenta de maneira diferente: não existe a necessidade de repartir os ônus de alguns poucos que, comparados com a coletividade, sofrem um "sacrifício especial" nos seus direitos. O "interessado" aqui é a coletividade, cujos interesses, no Estado de Direito, estão sendo defendidos - bem ou mal - por parte do Poder Público, sobretudo dos órgãos administrativos da União, Estados e Municípios, ainda que reconheçamos que a "função ambiental" (Antônio H. Benjamin, Função Ambiental, in: o mesmo - Coord., Dano ambiental..., ob. cit., p. 52) não está sendo exercida exclusiva-mente pelo Poder Executivo.

Ousamos até afirmar que os próprios conceitos de "sacrifício especial individual" no sentido alemão e a "violação de interesse ou direito difuso" se excluem mutuamente.


7. Linhas paralelas com a Responsabilidade Objetiva da Administração Pública


Nessa linha de raciocínio, podemos aportar mais um exemplo de conjectura jurídica paralela. Trata-se da responsabilidade civil objetiva da Administração Pública. É pacífico na doutrina que pode haver uma responsabilidade solidária do Estado - ao lado do poluidor - nos empreendimentos sujeitos a aprovações do Poder Público no caso de autorizações legais, pelo critério da teoria objetiva; alguns aceitam essa tese desde que haja um dano (sacrifício) especial ao meio ambiente, afetando certas e determinadas pessoas da comunidade. (Assim Tóshio Mukai, Direito Ambiental Sistematizado, 1992, Edit. Forense Universitária, p. 72.)

Por exemplo, na concessão da autorização de uma fábrica, o funcionário do órgão ambiental do Estado age com toda perícia e prudência exigidas, estabelecendo padrões e limites de emissão segundo os conhecimentos atuais da ciência. Mesmo assim, as emanações da fábrica depois vêm a causar danos em algumas plantações de frutas da região. O Estado é co-responsável pelo dano provocado pela atuação não culposa do seu agente; o ato administrativo é legal, mas leva a responsabilidade objetiva do Estado pois houve um dano especial de determinados indivíduos.

Essa linha de raciocínio não está restrita ao âmbito do dano ambiental. Para admitir qualquer responsabilidade civil (objetiva) do Estado por ato administrativo legítimo, Celso Antônio Bandeira de Mello exige a existência de um "dano especial que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade" e afirma que "o fundamento da responsabilidade estatal, no caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso - é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De seguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito" (Curso de Direito Administrativo, 4. ed., 1993, Edit. Malheiros, p. 442, 456). Esse entendimento jurídico é o mesmo em vários países europeus (cf. Luis Barbosa Rodrigues, Da Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública em cinco Estados das Comunidades Européias, in: Fausto de Quadros - Coord., Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 248).

Se existe essa exigência do "sacrifício especial" e individual para a aceitação da responsabilidade objetiva do Estado por dano ambiental, nenhum argumento nos parece válido para não estender essa condição também aos casos da responsabilidade do particular que agiu dentro dos padrões estabelecidos pelo Poder Público.

Não olvidamos que a razão da introdução da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental (dificuldade de comprovação, cobrança maior contra o consumidor de recursos naturais) difere do fundamento da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos seus agentes (posição econômica forte do Estado com as suas prerrogativas legais perante o cidadão).

Também levamos em conta que, no caso da responsabilidade do Estado, normalmente se trata de danos causados a particulares mediante "atividades desempenhadas no interesse de todos", enquanto, no dano ambiental, o poluidor age, acima de tudo, em interesse próprio na perseguição de lucro pessoal.

A constelação de interesses envolvidos, no entanto, parece ser semelhante: se o Estado somente precisa indenizar os danos causados por aqueles atos legítimos, que são qualificáveis como "sacrifícios especiais", parece injusto que o particular, que cumpriu fielmente as exigências e padrões da autorização concedida pelo poder estatal, dever indenização por todo e qualquer dano que venha a se concretizar depois, especialmente o difuso.

Segundo a nossa opinião, o causador do prejuízo ecológico responde independentemente da licitude do seu ato somente onde existe um dano ambiental individual, em virtude da existência de um sacrifício especial de outrem, situação que exige, por motivos de equidade, a indenização dos prejuízos causados (solução do Código Civil Alemão).

As atividades produtivas ligadas aos setores da indústria, da construção civil, do comércio, do transporte, etc., normalmente surtem também efeitos positivos para a sociedade, como a criação de empregos, renda e tributos. Cabe ao Poder Público controlar e disciplinar essas iniciativas e ações e direcioná-las em caminhos e formas que não levam a danos à coletividade como à saúde e segurança das pessoas e ao meio ambiente.

Onde o Estado falha em preencher essa função e emite licenças que permitem impactos ambientais nocivos, não é justo repassar a responsabilidade ao particular, especialmente nos casos, onde ele podia ser confiante na certidão da autorização e a regularidade e licitude da sua atuação. O primeiro guardião dos interesses da coletividade como do bem difuso meio ambiente ainda é o Estado, não o cidadão.



8. Dano Ambiental: interpretação da lei e exercício de discricionariedade


Os órgãos públicos responsáveis pela defesa da saúde da população e a salubridade do meio ambiente - seja a Prefeitura, o órgão ambiental do Estado ou o IBAMA - produzem atos administrativos mediante subsunção do suporte fático aos conceitos das normas. A competência de declarar que há ou não um "perigo ao ambiente", um "impacto ecológico significativo", uma "degradação ambiental" ou um "risco à saúde pública" é, em primeiro momento, do Poder Executivo na sua função de aplicar a lei. Ao mesmo tempo, quase todas decisões administrativas ligadas ao licenciamento de atividades capazes de causar impactos ambientais representam, na verdade, autorizações por envolverem juízos de conveniência, e por isso, o exercício de discricionariedade administrativa.

No ato da concessão de autorização pública para a realização de uma atividade que onera os recursos naturais, o efeito negativo sobre o meio ambiente, muitas vezes, já é previsível, e os futuros impactos ambientais já são objeto de exercício da discricionariedade administrativa: calcula e avalia-se a relação entre os riscos da futura oneração do meio natural provocados pela atividade e os proveitos oriundos da atividade poluidora. (Veja a respeito: Édis Milaré/ A. Herman Benjamin, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, 1993, Edit. RT, p. 67ss.) A produção de cimento, celulose, produtos químicos e petrolíferos, etc. sempre vai causar algum impacto negativo sobre o meio ambiente local ou regional. O emprego de processos e métodos da tecnologia moderna de filtragem e limpeza dos efluentes, das emanações e dos resíduos sólidos é capaz de diminuir esses efeitos, porém nunca vai eliminá-los inteiramente.

A avaliação de um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), obrigatório para o licenciamento de determinados projetos e atividades (art. 2º da Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA), por sua natureza, já representa um processo complexo da valoração dos potenciais efeitos negativos, colocando-os em relação direta com as vantagens do projeto ou da atividade para o meio social da região.

O seguinte exemplo contribui para esclarecer o problema. A Resolução 02/96 do CONAMA, no seu art. 1º, determina que "para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento do empreendimento de relevante impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente com fundamento do EIA/RIMA, terá como um dos requisitos a serem atendidos pela atividade licenciada, a implantação de uma unidade de conservação de domínio público e uso indireto."

Parece difícil alegar que, depois da instalação da unidade de conservação, o efeito negativo que o empreendimento venha a causar a um ecossistema, ainda pode ser qualificado como "dano ambiental" e, portanto, levar à responsabilidade com base do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81.

No entanto, os defensores da "linha dura" teoria do risco integral, até em casos como este, devem exigir a condenação do pretenso "poluidor" a desfazer a degradação ou pagar indenização, visto que eles não querem levar em consideração o fato se a atividade é lícita (autorizada por lei ou ato administrativo) ou não, atitude que, evidentemente, nos levaria a resultados absurdos. Isto prova que, em certos casos, o próprio ato de autorização da atividade ou do empreendimento exclui a atribuição do conceito "dano" aos efeitos negativos sobre o meio ambiente por ele provocados.

Ao mesmo tempo, os próprios padrões de emissão (água, ar, solo, ruídos) elaborados pelo legislador ou órgãos administrativos (por ex. o CONAMA) são resultados de uma avaliação e decisão política dos respectivos órgãos sobre a questão se tais efeitos sobre o meio ambiente podem ser tolerados ou não. Enquanto o emissor fica abaixo dos limites estabelecidos, o seu comportamento é considerado tolerável face aos efeitos positivos os quais as atividades produtivas normalmente provocam, como a geração de emprego e de tributos.

É claro que o licenciamento de uma atividade que causa impactos ambientais nunca é capaz de legalizar possíveis acidentes ecológicos como vazamentos de gás ou substâncias venenosas na água, explosões, queimadas ou qualquer outro acontecimento imprevisto que prejudica os recursos naturais; esses fatos sempre são considerados ilícitos.



9. O papel especial do Poder Judiciário no contexto da Lei 7.347/85


Nesse ponto, vale ressaltar a posição destacada dos tribunais na interpretação da legislação ambiental. Onde uma prefeitura ou um órgão estadual licenciam um projeto ou uma atividade interpretando a legislação ambiental e/ou urbanística de uma determinada maneira e, em seguida, o Ministério Público ou uma Associação da Sociedade Civil discorda dessa interpretação e instaura uma Ação Civil Pública, o juiz enfrenta a situação de ter de verificar se o ato administrativo realmente operou a interpretação correta da norma material.

Porém, a função do Poder Judiciário nesse contexto não para nesse ponto. O Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que não há restrição ao poder revisional dos tribunais sobre o juízo da Administração, quando esta não reconhece os valores de vida referidos na lei 7.347/85. A identificação de um valor paisagístico, estético, histórico ou turístico, segundo o Relator Des. Jorge Almeida, não emerge de mera criação da autoridade administrativa, mas existe no plano da vida; ele arremata: "É de nossa organização política a posição superposta do Judiciário em face dos outros Poderes, sempre que se trate de interpretar e aplicar um texto de lei" (T.J.S.P., 8. Câmara Civil, Acórdão de 21.3.90, in Revista dos Tribunais, n.° 658, p. 91 e acórdão de 28.3.88).

O mesmo Tribunal não aceitou a alegação de que a construção de um emissário submarino pudesse causar danos à fauna marinha, em virtude do fato que o lançamento do esgoto no mar sem o emissário representaria um dano ambiental muito maior. (T.J.S.P., Ag. 128.735-1, 2.8.1990, in Revista do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vol. 128, pp. 263/5.)

Diomar Ackel Filho elogia essa possibilidade de identificação de valores do art. 1º da Lei 7.347/85 pelo Poder Judiciário por ser um "evolução dinâmica do Direito, contemplando a discricionariedade na sua devida posição, não como potestas impenetrável do titular do poder, mas como dever jurídico orientado pela legalidade e princípios basilares que direcionam toda a atividade administrativa no rumo das exigências éticas dos administrados" (Discricionariedade administrativa e Ação Civil Pública, in Revista dos Tribunais, n.° 657, 1990, p. 53).

Na mesma linha doutrinária da "identificação direta" - sem ser a prerrogativa dos Poderes Legislativo e Executivo - dos valores difusos do inciso III, art. 1º, Lei 7.347/85 pelo Judiciário anda Theotônio Negrão quando afirma que, para a incidência da Lei da Ação Civil Pública "não é necessário que os atos praticados violem a lei ou ato administrativo" (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 27. ed., 1996, Edit. Saraiva, p. 668s.; Cleide Previtalli Cais, Proteção constitucional do meio ambiente, in Revista de Direito Público, n.º 89, 1989, p. 125).

Não pode ser diferente o tratamento da identificação do dano ambiental (inciso I do art. 1º da Lei 7.347/85) isto é, a avaliação do bem por sua importância ecológica, o que inclui necessariamente uma ponderação do seu valor em relação a outros valores e interesses protegidos pelas Constituições.

Tem de ficar claro que essa "substituição" de juízo de valores - e, com isso também do mérito da questão - é uma importante inovação dentro do sistema jurídico brasileiro que tradicionalmente limitou ao máximo o poder de revisão de atos discricionários da administração pública pelos tribunais, com base da teoria da divisão dos poderes.

Essa visão tradicional, no Brasil, está sendo ultrapassada, sofrendo influências especialmente por autores conhecedores do sistema germânico de tratamento da questão da discricionariedade, que distingue entre os "conceitos jurídicos indeterminados", cuja interpretação pode ser controlada pelos Tribunais e a discricionariedade em sentido estrito (Ermessen), na parte da escolha dos meios apropriados para a resolução do caso, onde os juízos de conveniência e propriedade do Executivo via de regra não devem ser substituídos pelo Judiciário, salvo em casos de mal-informação sobre os fatos ou constelações excepcionais que somente permitem uma única solução, reduzindo-se a discricionariedade "a zero" (Ermessensreduzierung auf Null). (Cf. Almiro do Couto e Silva, Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro, in Boletim de Direito Administrativo, 1991, p. 227; Lúcia Valle Figueiredo, Ação Civil Pública - considerações sobre a discricionariedade..., in: Édis Milaré, ob. cit., p. 334.)

Não é possível, nesse lugar, aprofundar a discussão sobre os problemas ligados ao exercício e o controle da discricionariedade administrativa no sistema jurídico brasileiro. Resta constatar que essa questão deve ser considerada e refletida quando se indaga sobre a existência ou não de um dano ambiental no caso concreto.

Chegamos numa situação mais delicada ainda nos casos onde existe um ato legislativo municipal que legitima a mudança do meio ambiente com seus impactos negativos. Nessas circunstâncias, a representação eleita da população tem realizado uma ponderação política entre os valores ligados à proteção ambiental e, por outro lado, ao funcionamento de serviços públicos, a criação de empregos e geração de tributos, etc.

Surge a pergunta se o Poder Judiciário tem o direito de fazer valer a sua valoração e ponderação dos bens e interesses envolvidos no lugar do Legislativo, que normalmente possui um "espaço de livre conformação" da relação entre os interesses e valores sociais. Essa substituição de decisão legislativa sobre o valor ambiental de um bem parece possível somente em casos extremos, onde o legislador agiu com desrespeito evidente de valores consagrados na Constituição, sob aplicação do princípio de proporcionalidade (cf. Suzana de Toledo Barros, O Princípio de Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis restritivas de Direitos Fundamentais, Edit. Brasília Jurídica, 1996; Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, 1996, Edit. Saraiva, p. 198 passim). Nessas hipóteses, seria o caminho correto a propositura de ação direta de inconstitucionalidade para controle do ato perante a legislação superior.

O Tribunal de Justiça de São Paulo ponderou que as obras de construção de uma central telefônica não podiam ser consideradas como causadoras de dano ambiental, visto que existia uma "prévia desafetação e competente autorização por lei municipal específica" (T.J.S.P., AC. 100.001-1, 24.111988, in RJTJSP, vol. 117, p. 41). Em outra decisão sobre o assunto, o T.J.S.P. declarou que o direito do Ministério Público e das associações civis de agirem em defesa do meio ambiente tinha de ser colocado em relação a outros valores constitucionais, nesse caso a autonomia municipal, deixando claro que o "valor do meio ambiente tinha de ser entendido dentro dos seus devidos limites". (T.J.S.P., Apelação Civil n.º 104.577-1, de 27.10.88). Foi o caso de uma obra pública em Ribeirão Preto (SP), onde uma lei municipal, aprovada por unanimidade, decidiu a supressão de uma parte de um parque para tal fim.

Vale lembrar que a teoria do risco integral iria exigir a indenização do possível dano causado ao meio ambiente pela realização da obra pública, não levando em conta a importância da lei existente sobre a concretização do próprio conceito de "dano".



10. A relação entre "lesividade" e "ilegalidade" do ato público no âmbito da Ação Popular


Para robustecer a nossa tese da necessidade da consideração do ato público autorizador legal como possível fator excludente da responsabilidade civil por dano ambiental difuso, podemos apontar também à relação de interdependência entre a ilegalidade e a lesividade do ato público impugnado por uma Ação Popular. Segundo o art. 5, LXXIII, da Constituição Federal "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural [...]." (grifo nosso)

A lei n 4.717/65, por sua vez, determina que "a sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele[...]" (art. 11). Nesse caminho, pode-se perfeitamente chegar à condenação de um poluidor particular a indenizar um dano ambiental difuso, sendo ele o "beneficiário" do ato público autorizador no sentido da lei supra citada. No sistema da Ação Popular a condenação a pagar indenização é a conseqüência da invalidação do ato público estatal que causou ou possibilitou a lesão do bem público meio ambiente, que normalmente consiste num ato administrativo autorizador de atividade potencialmente poluidora.

Vale ressaltar que a maior diferença entre a Ação Civil Pública e a Ação Popular consiste no fato de que essa última somente pode ser instaurada por um cidadão particular, e não pelo Ministério Público ou associações civis, o que limitou bastante a sua importância prática na defesa do meio ambiente no passado.

As semelhanças entre o objetivo dos dois meios processuais leva à indagação sobre o relacionamento entre o ato público impugnado e a condenação a indenizar o possível dano ecológico. Na doutrina sobre os requisitos de procedência da Ação Popular sempre foi discutida a questão se seria suficiente a lesividade do comportamento estatal impugnado ou se era necessário também a sua ilegalidade.

Durante décadas, prevaleceu o entendimento que era indispensável "o binômio ilegalidade/lesividade", visto que os textos constitucionais anteriores, tratando da Ação Popular, mencionaram expressamente o critério de "nulidade ou anulabilidade" do ato lesivo como condição do cabimento da própria ação. (Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Popular, 2. ed., 1996, Edit. RT, p. 83). Depois da promulgação da Carta de 1988, a doutrina dominante e a jurisprudência continuam exigindo também a ilegalidade do ato como condição para a procedência da ação. (Cf. as referências de Tóshio Mukai, ob. cit., p. 91.)

Existe uma corrente atual que coloca ênfase na lesividade do ato impugnado, visto que o Art. 5, LXXIII, não faz mais referência a sua ilegalidade, alegando esses autores que a ilicitude do ato sempre estaria presente nos casos de lesividade ao patrimônio público, sendo esta um pressuposto daquela, reconhecendo, contudo, as dificuldades de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato. (Cf. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, 1992, Ed. RT, p. 234; Celso Bastos, Curso de Direito Constitucional, 1989, Edit. Saraiva, p. 237; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 1989, Edit. RT, p. 399.)

Importante ressaltar nesse ponto, que, provocado via Ação Popular, o Judiciário (também) não é autorizado a invalidar opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valorização refoge da competência da Justiça e é privativa da Administração. (Hely L. Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", 13. ed., 1989, Edit. RT, p. 93.) Rodolfo Mancuso (ob. cit., p. 83) lembra que, somente alegando a lesividade, o Judiciário acabaria na incômoda posição de ter que avançar no mérito ou na discricionariedade administrativa do ato sindicado, em busca da afirmada lesividade, quando de correlata ilegalidade não se tivesse queixado o autor popular.

Na base do exposto, podemos observar que, no âmbito da Ação Popular, até hoje não é possível uma condenação a indenização de um dano ambiental difuso quando existir um ato público autorizador legal do mesmo.



11. Evidência do dano causado ao meio ambiente; aspectos subjetivos da responsabilidade


Já afirmamos que até a responsabilidade objetiva não pode se desligar completamente da consideração de aspectos subjetivos. Alguns autores ligam a obrigação de indenizar apesar de uma autorização válida a aspectos do princípio da boa-fé, que hoje começa a infiltrar todas áreas do direito público e privado e, no fundo, é um corolário do princípio máximo da justiça material no caso concreto.

José Afonso da Silva afirma que a responsabilidade pelo dano ambiental existe mesmo que o poluidor exerça a sua atividade dentro dos padrões fixados, "o que não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se uma atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano" (Cf. Rüdiger Breuer, Umweltschutzrecht, in: Ingo von Münch/ Eberhard Schmidt-Aßmann, Besonderes Verwaltungsrecht, 9. ed., 1992, Verlag W. de Gruyter, Berlin, p. 444).

Essa "verificação" pode ser efetuada somente em casos de uma certa evidência do dano ambiental, bem como a obviedade dos efeitos negativos que a atividade causa no ambiente local, como a morte de animais, a destruição da vegetação ou reclamações constantes da população sobre doenças diretamente ligadas às emissões.

Parece imprescindível considerar também a capacidade individual do agente poluidor de reconhecer os danos por ele causados; o dano provocado por grandes indústrias que dispõem de equipes de cientistas e laboratórios próprios exige outro tratamento do que o dano acidentalmente causado por um particular. Isto é uma conseqüência dos princípios do "risco-proveito" e do "poluidor-pagador", através dos quais surge uma maior densidade de responsabilidade para o poluidor economicamente mais forte, que utiliza, de maneira intensa, recursos naturais para gerar o seu lucro.

No caso da deterioração ecológica da Serra do Mar pelas indústrias do Polo de Cubatão, os empresários responsáveis tinham conhecimento dos efeitos graves da poluição causada por suas fábricas, que era evidente. A alegação de que eles sempre tinham operado dentro dos limites de emissão fixados pelo órgãos competente do Estado (CETESB) não podia levar a uma exclusão da sua responsabilidade, visto que as circunstâncias do caso concreto não permitiam a existência de uma "boa-fé" por parte das empresas licenciadas, que possuíam todas condições econômicas e técnicas de realizar estudos sobre os danos que se estavam realizando, de maneira óbvia, no ambiente local e regional.

Outro exemplo ilustrativo pelo fato de que, no âmbito da responsabilidade objetiva, não podem ser excluídas todos aspectos subjetivos relacionados ao agente causador do dano é a impossibilidade de construir uma responsabilidade objetiva por omissão (Helli Alves de Oliveira, Da responsabilidade do Estado por danos ambientais, Rio de Janeiro, 1990, p. 50s.). Uma omissão somente pode ser equiparada a uma ação lesiva quando existe um dever de atuação para evitar um dano. Sem dúvida, os órgãos ambientais estatais são obrigados por lei a impedir qualquer ato contra o meio ambiente. Mas isto não é suficiente.

Ficando somente no plano da conexão causal, qualquer dano ambiental provocado por um particular ensejaria automaticamente também a responsabilidade do órgão estatal competente, porque, se este tivesse atuado, certamente poderia ter evitado o dano. Isto levaria a uma responsabilidade total do Estado por danos ambientais, com a conseqüência desagradável que o Poder Público, numa boa parte dos processos, teria indenizar pelo menos a metade do dano - com dinheiro do contribuinte!



12. Considerações finais


O dano ambiental é capaz de manifestar-se no plano coletivo bem como no individual. No primeiro, é a coletividade que é atingida no seu interesse difuso de dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. No segundo, um particular (pessoa física ou jurídica) sofre um prejuízo nos seus bens protegidos como a propriedade ou sua saúde através da degradação do meio ambiente ou de um recurso natural. As regras jurídicas para a concretização e reparação do dano ecológico diferem entre o dano individual e o coletivo/difuso.

O fundamento da introdução da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental no Brasil é a teoria do "risco-proveito", que é um corolário do princípio do "poluidor-pagador", consagrado internacionalmente como um dos princípios básicos do Direito Ambiental. Não convencem inteiramente os autores que vêem como fundamento dessa responsabilidade objetiva a teoria do "risco integral", que não permite fatores excludentes da responsabilidade.

A concretização do dano ambiental se opera no mundo fático bem como no mundo jurídico. Pode haver dano ambiental embora que nenhuma norma do direito material seja infringida. Por outro lado, já é considerado poluidor quem emite emissões além dos padrões permitidos pela autorização do empreendimento; nesse caso, a ultrapassagem dos limites estabelecidos leva à presunção da existência de um dano ao meio ambiente.

A concessão da autorização para o exercício de uma atividade potencialmente poluidora é um processo administrativo complexo que se opera através da interpretação de conceitos jurídicos indeterminados e quase sempre envolve também o exercício de discricionariedade por parte do órgão licenciador/autorizador. Esse processo administrativo produz efeitos sobre a questão se pode existir ou não, no caso concreto, um dano ambiental. Uma corrente moderna da doutrina concede esse direito de "identificação" de valores ambientais, paisagísticos, estéticos, etc. também ao Poder Judiciário.

No plano do dano ambiental individual é válido o argumento de que pode haver um sacrifício intolerável (por ser especial) de um bem ou interesse individual em prol da coletividade. A autorização da atividade poluidora pelo Poder Público, nesses casos, não impossibilita a reivindicação do particular de que o agente degradador indenize o dano sofrido por ele, o que é uma conseqüência do princípio da equidade, que vigora também nas relações entre vizinhos, onde determinadas atividades lícitas podem levar a obrigação de pagar uma indenização.

A mesma regra não poder valer sem ajuste no âmbito do dano ecológico difuso. A Administração Pública tradicionalmente é considerada o guardião e defensor do interesse coletivo. Onde os órgãos competentes autorizam uma atividade (potencialmente) poluidora, o dano difuso, que porventura venha a se realizar no mundo fático, não pode acarretar uma responsabilização do particular por não ter causado um "sacrifício especial" a ninguém.

O caminho correto, nesses casos, é a provocação do controle judicial do próprio ato administrativo autorizador, sob a alegação da má interpretação de conceitos jurídicos indeterminados perante os fatos ou face às normas constitucionais de defesa ambiental, e do exercício incorreto da discricionariedade. O sistema jurídico é uma unidade devendo o intérprete evitar contradições entre os ramos distintos do Direito, aqui entre o administrativo e o civil.

No caso da provocação de um dano ambiental difuso apesar da existência de uma licença/autorização pública válida para obra/atividade desenvolvida é decisiva a questão se o causador do prejuízo ecológico agiu com boa-fé, acreditando na certidão e legalidade do seu comportamento. Na indagação da existência dessa boa-fé, devem ser considerados o poder econômico do poluidor, a sua capacidade técnica e estrutura administrativa, que podem levar a presunção da sua "má-fé" em relação a seu comportamento.

Para evitar os danos ao meio ambiente, a solução adequada nos parece ser a melhoria das condições de trabalho dos órgãos da Administração Pública incumbidos da defesa do meio ambiente, seu equipamento com recursos humanos e materiais suficientes para o exercício mais eficiente de suas tarefas legais.

Nesse processo é indispensável a participação das populações atingidas pelos problemas ambientais, que devem exercer uma maior pressão política em relação aos governantes, parlamentares e administradores de todas três esferas federativas para que estes apertem as exigências técnicas nos licenciamentos e na fiscalização das atividades poluidoras.

Outro caminho de uma aplicação mais conseqüente do princípio do "poluidor-pagador" no direito ambiental brasileiro seria a cobrança de impostos e taxas pelo fato de determinada atividade poluir o meio ambiente. (Ricardo de Angel Yágüez, Algunas previsiones sobre el futuro de la responsabilidad civil, 1995, Editoral Civitas, Madrid, p. 54; José Marcos Domingues de Oliveira, Direito Tributário e Meio Ambiente, 1995, Edit. Renovar, p. 19ss. passim). Esses instrumentos, por enquanto, dificilmente estão sendo utilizados por parte dos governos nos três níveis da federação brasileira. Há também necessidade da exigência legal de um seguro obrigatório para atividades potencialmente causadoras de danos ambientais, com a fixação de valores mínimos de indenização.

Uma responsabilização indiscriminada de pretensos "poluidores" não parece ser a solução adequada para um Estado de Direito, onde existe o princípio da segurança e previsibilidade da situação jurídica e patrimonial do cidadão. Podendo ser justa a responsabilização do poluidor particular em alguns casos, pode se tornar esta solução injusta em outros como nos que envolvem pequenos produtores e fazendeiros bem como donos de pequenos e médios empreendimentos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental. Objeções à teoria do "risco integral". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1720. Acesso em: 26 abr. 2024.