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A (in)constitucionalidade da proibição do porte de drogas para consumo próprio

A (in)constitucionalidade da proibição do porte de drogas para consumo próprio

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A conduta de portar drogas para consumo pessoal é atípica, por falta de norma válida que a incrimine, e mais que isso, pela proibição constitucional a tal incriminação.

1. INTRODUÇÃO

Uma das grandes mazelas enfrentadas pela sociedade moderna é o tráfico ilícito de entorpecentes. Não bastasse o problema da difusão de substâncias psicoativas, gravitam em torno do tráfico outros delitos, como a lavagem de dinheiro e o porte ilegal de armas.

Uma discussão importante, reaquecida pelo lançamento do sucesso cinematográfico Tropa de Elite, é que o tráfico existe por conta do usuário. Segundo alguns, caso seja possível esvaziar o mercado consumidor das drogas, inevitavelmente, a atividade de traficância de entorpecentes seria extinta.

Por outro lado, muitos advogam que o tráfico e seus problemas correlatos são conseqüência lógica da criminalização das condutas relativas aos estupefacientes. Caso o cidadão pudesse utilizar tais substâncias dentro da legalidade, não haveria necessidade de recorrer ao mercado ilegal.

Ainda se argumenta que a repressão contra o consumo afasta os usuários - em especial, os dependentes - do Estado, dificultando seu tratamento e políticas sérias de redução de danos. Mas além de todos os argumentos de natureza social, moral, de segurança pública surge a necessidade de se investigar a possibilidade jurídica da criminalização, à luz da Constituição, da conduta de portar drogas para consumo próprio, encontrada na chamada "Nova Lei de Drogas"

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7º  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

O presente artigo tem a missão principal de investigar a constitucionalidade da proibição desta conduta. Não temos dúvida, que a análise exaustiva da lei, por meio de processos hermenêuticos, é trabalho fundamental do operador do direito, para revelar o sentido legal e aplicá-lo ao caso concreto.

Ocorre que não temos dúvida também, que o direito não pode se limitar a mera subsunção de fato à norma de maneira acrítica, sobretudo quando se trata de Direito Penal, caracterizado por proibir condutas sob pena de graves reduções de direitos individuais dos condenados.

Apesar disso, nos parece que a doutrina penal, ao se debruçar sobre a legislação de drogas no Brasil, muitas vezes se descuida de realizar análise de constitucionalidade dos preceitos nela contidos, notadamente em relação à proibição do porte de drogas para consumo próprio.

É nesse vácuo que pretendemos inserir este artigo. Estudar minuciosamente os fundamentos da proibição, na doutrina e jurisprudência, e assim, investigar a possibilidade constitucional desta incriminação.

Nota-se que o constituinte originário, quando tratou o Direito Penal, teve zelo em cuidar de limitar as formas de pena (art. 5º, XLVII da CRFB), as formas de criminalização de condutas (art. 5º, XXXIX da CRFB), mas não foi explícito no que diz respeito aos limites materiais para criminalização primária.

Tal situação, temos certeza, não sugere que o legislador possui "cheque em branco" para criminalizar condutas de forma aleatória ou arbitrária.

Nesse sentido, estudiosos do Direito Penal Brasileiro afirmam copiosamente que o legislador deve respeitar limites constitucionais ao criar leis incriminadoras. Devem respeito à dignidade da pessoa humana e devem sancionar somente atos que ponham em risco bem jurídico socialmente relevante. Retórica primorosa.

Após fixar a premissa de que o legislador infraconstitucional encontra limites ao criar tipos penais, inúmeros exemplos são criados para ilustrar o exposto. E diga-se, a doutrina penal é pródiga em criar tipos hipotéticos para provar que tal limitação existe. "Sorrir em momentos de felicidade – Pena: detenção, de 1 a 3 anos", "Utilizar gravatas amarelas – reclusão, de 6 a 20 anos", "Espirrar em público – reclusão, de 1 a 4 anos, e multa".

Não é preciso ler nenhum manual de Direito Penal para saber que não é possível incriminar tais condutas. A ciência do direito não pode se limitar a negar possibilidade de criação de tipos penais estapafúrdios, mas deve se posicionar justamente quando esses tipos se localizam em terreno limítrofe, entre a possibilidade constitucional de criminalização, com fito de defender bens jurídicos preciosos e o excesso inconstitucional, que viola direitos fundamentais.

Acreditamos que a situação da nova lei de drogas, quando regula o porte para consumo próprio, situa-se nessa zona nebulosa, pelo menos, primo ictu oculi. Teria havido excesso do legislador? O usuário tem direito a decidir o que deve fazer em relação ao seu próprio corpo? O simples porte de entorpecentes tem o condão de por em risco a saúde pública e assim, a criminalização é legítima? Finalmente, é constitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006?


2.DIREITO PENAL

2.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL

A primeira premissa necessária para o estudo do porte de entorpecentes para consumo próprio será conhecer os fundamentos do Direito Penal. Estes servirão de sustentação para se conhecer a natureza da norma, seu alcance, bem como sua compatibilidade com os princípios específicos deste ramo do direito.

Conforme lição de Mirabete [01], o direito possui função básica de ordenar a coexistência pacífica dos membros da sociedade. Condutas que vulneram interesse alheio, sendo, portanto, indesejadas, serão consideradas contrárias ao direito e por isso, merecerão sanção estatal, ainda que de natureza extrapenal.

Esclarece o mestre [02] em suas lições, que eventualmente, condutas humanas serão altamente lesivas ao convívio social, por vulnerarem preciosos bens jurídicos. Neste caso, diante da insuficiência da sanção de natureza civil para coibi-las, o Estado irá se valer de seu modo mais severo de repressão, a sanção penal. [03]

Assim, podemos concluir que o direito é verdadeiro balizador e limitador de condutas dos indivíduos que vivem em sociedade. Tal limitação, conforme vimos, está intimamente atrelada à finalidade de assegurar a vida em comum. [04]

Dentro deste contexto, irá surgir o chamado Direito Penal, assim conceituado por Heleno Cláudio Fragoso [05] como "o conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça de característica sanção penal."

Os estudiosos de direito penal, como regra, não costumam trazer conceitos muito díspares sobre este ramo jurídico, normalmente destacando um sistema de normas proibitivas e a vinculação de seu descumprimento a pena ou medida de segurança. Alguns autores, como Eduardo Magalhães Noronha [06], preferem acentuar o aspecto regulatório do poder punitivo estatal, enquanto Maggiore [07] prefere acentuar a perda ou diminuição de direitos pessoais por parte daqueles que cometem os delitos definidos por este ramo do direito.

Não obstante certa uniformidade na doutrina ao conceituar o Direito Penal, Eugênio Raul Zaffaroni [08] vai além do lugar comum, afirmando que o Direito Penal, além do conjunto normativo, é o sistema interpretativo destas disposições.

Nessa linha de raciocínio, esclarece Cesar Roberto Bitencourt [09], que tal interpretação resgata o papel do intérprete da norma, que deverá, num sistema jurídico moderno, ir muito além do mero texto das leis, para valorá-lo de acordo com princípios de justiça.

Ao já complexo conceito de Direito Penal até aqui exposto, deve-se acrescer a preciosa observação de Alberto Silva Franco [10], que explica que o Direito Penal é a forma de controle social, prévia e rigidamente definida em lei, para que se respeite o direito de liberdade do cidadão.

Assim, podemos definir o Direito Penal como o ramo do direito que relaciona condutas indesejadas com medidas de diminuição de direito dos indivíduos que as pratiquem, denominadas penas, por meio de leis anteriores à pratica delituosa, que devem ser interpretadas e aplicadas com justiça por seus operadores.

Definido um conceito de Direito Penal é importante desvendar sua missão dentro de um ordenamento jurídico, vale dizer, quais fins se pretende atingir através deste sistema.

A doutrina mais tradicional, quase em uníssono, afirma que a função do Direito Penal é tutelar bens jurídicos [11]. Vejamos o entendimento de Fragoso [12]

A função básica do Direito Penal é a defesa social. Ela se realiza através da chamada tutela jurídica: mecanismo com o qual se ameaça com uma sanção jurídica (no caso, a pena criminal) a transgressão de um preceito, formulado para evitar o dano ou perigo a um valor social (bem jurídico).

Sendo, portanto, a razão da existência do direito penal a proteção de bens jurídicos, cumpre ao estudioso do direito delimitar com exatidão o que seria este instituto. Assim o define Bitencourt [13], afirmando que "[...] bem jurídico pode ser definido como todo o valor da vida humana protegido pelo Direito", e, como ponto de partida da estrutura do delito é o tipo de injusto, representa a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido."

Nota-se na doutrina de Bitencourt um nítido caráter valorativo do conceito de bem jurídico, tendo em vista que este é um determinado valor que reside no cotidiano social, merecedor do status de protegido pelo direito, por vontade do legislador.

Corroborando o pensamento, esclarece Luiz Régis Prado [14], que a atividade valorativa para definição dos bens jurídicos é iniciada pelo Poder Constituinte Originário, que irá determinar quais valores irão estar contidos naquele pacto social.

Em momento posterior, o legislador infraconstitucional irá criminalizar condutas indesejadas, de acordo com o texto constitucional, havendo nele limitações intransponíveis para a edição de leis penais [15].

Não se pode, contudo, pensar no Direito Penal como um sistema exaustivo de proteção a todos os bens jurídicos sociais, a ser criado pelo legislador, conforme veremos de maneira mais detida ao tratar dos princípios deste ramo do direito, notadamente o princípio da fragmentariedade e da intervenção mínima.

Os bens jurídicos, previamente selecionados como contrários ao direito, receberão um tratamento penal na medida em que se revelarem mais importantes para convivência social.

Mas não somente na criação de tipos penais os bens jurídicos terão função primordial. Na atividade interpretativa também deve haver especial atenção a este instituto [16].

Isto porque o operador do direito deve ter em mente que o direito penal é finalista, isto é, está ligado a desiderato específico – a proteção de bens jurídicos.

Assim, as leis penais devem ser interpretadas de forma a cumprir esse mister sem extrapolá-lo – em respeito à proibição do excesso - ou ficar aquém desta proteção – em respeito à vedação da proteção deficiente.

Ainda sobre a função do direito penal, Mirabete [17] afirma que, além de sua primordial função de proteção de bens jurídicos, o direito tem função de viés ético, que seria evitar que fossem realizados ataques aos valores mais profundos da sociedade.

2.3 CONCEITO DE CRIME

Conceituar tal figura jurídica nos leva a analisar o fenômeno em diferentes aspectos. Neste estudo, há necessidade de formação do conceito distinguindo seus aspectos formal e material.

Quando se estuda o instituto "crime" em seu aspecto formal, chega-se a conclusão de que este é um fato hipotético previsto pelo legislador, como ilícito penal. Assim, para que se cometa um crime, do ponto de vista formal, é preciso tão somente que alguém pratique conduta que se amolde a preceitos legais (normal penal incriminadora).

Conforme ensina Mirabete [18], este aspecto evidencia somente o crime enquanto contradição entre uma conduta humana e uma norma penal que a proíbe. Alerta ainda que tal forma de análise não consegue penetrar na "matéria" do delito.

No mesmo sentido, vejamos os dizeres de Fernando Capez [19]

Aspecto formal: o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional da dignidade humana. (grifo presente no original)

Por outro lado, o crime, quando estudado de acordo com seu viés material, se relaciona intimamente com a função protetiva de bens jurídicos, conforme já demonstrado. Dessa forma, o crime será aquele ato que vulnera tais bens jurídicos, consagrados pela proteção penal, fazendo surgir a necessidade de reprimenda, por meio de pena.

Em síntese, Eduardo Magalhães Noronha [20] afirma que "crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei"

Pelo exposto, temos uma fundamental distinção a ser feita, que elucidará muitos dos questionamentos realizados no presente trabalho. Crime, do ponto de vista formal, é somente aquilo que a lei determina como tal. Porém, ainda é preciso que seja satisfeito outro ângulo para que possamos falar, substancialmente, em crime. Será necessário que o ato, em contradição com norma penal incriminadora, constitua "lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual ou difuso". [21]

Luiz Flávio Gomes [22], no mesmo sentido, funde os aspectos material e formal, para oferecer seu interessante conceito para o que seria "crime"

Crime, em suma, é a realização do fato descrito na lei e a conseqüente lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido. Conjugando-se essa clássica conceituação com o fundamental e prioritário princípio da intervenção mínima [...] temos a seguinte síntese: crime só pode ser a ofensa desvaliosa (lesão ou perigo concreto de lesão intolerável) a um bem jurídico relevante (digno de proteção, merecedor de proteção) protegido pela lei penal.

No complexo conceito trazido pelo autor, ressaltamos que para que haja crime, deve haver um bem jurídico relevante justificando esta proteção. Tal bem jurídico deve ter sofrido ataque intolerável por meio de conduta proibida em lei.

Entender o delito, por seu aspecto material, nos oferece segurança para afirmar que ainda que o legislador edite lei incriminando determinada conduta, tal previsão legal será somente o primeiro – ainda que importante - passo para que se caracterize um crime.

Por meio desta conclusão - que será reafirmada inúmeras vezes durante esta monografia – conclui-se que o trabalho do juiz, quando diante de determinada controvérsia penal, não está limitado à realização de operação de lógica formal, tendo como premissa maior a lei penal incriminadora e como premissa menor, a conduta praticada pelo réu.

É preciso verificar a presença dos pressupostos descritos para existência do crime, em seu aspecto material, tanto nos fatos trazidos ao seu conhecimento quanto no tipo previsto em abstrato pelo legislador.

Partimos, pois, da premissa que o legislador, ao criar leis penais incriminadoras, não possui liberdade arbitrária, devendo obediência aos conceitos aqui expostos. Nesse sentido, leciona Luiz Flávio Gomes [23]

Quem conta com esse poder de criminalizar condutas, portanto, sob o ponto de vista puramente descritivo, sempre teve (também) liberdade para delinear à sua maneira as decisões político-criminais. Mas todo esse panorama formalista ou positivista legalista está passando por profundas alterações. A evolução do Direito Penal e o reconhecimento dos direitos fundamentais como eixo do moderno Estado Constitucional e Democrático de Direito impõe restrições (formais e substanciais) a esse poder de criminalização, que hoje deve estar regido por critérios de merecimento e necessidade da pena.

Assim, tão somente por conceituar e demonstrar as finalidades do Direito Penal e da criminalização de condutas, pode-se visualizar uma série de barreiras a serem vencidas para que possa haver criminalização primária e secundária de condutas.

Tais barreiras serão mais bem entendidas quando se esmiuçar os princípios de Direito Penal, em seguida. Não obstante, já é possível concluir que:

a. Se o Direito Penal tem função de proteger bens jurídicos e o crime é a conduta que os expõe a perigo ou causam-lhe lesão, o legislador somente poderá criminalizar condutas que tenham aptidão hipotética para tanto. Caso contrário, estaria deturpando o próprio Direito Penal.

b. Da mesma forma, o juiz, quando aplicar a norma ao caso concreto, deverá verificar a presença da lesão ou perigo ao bem jurídico, sob pena de estar diante de irrelevante penal, por ausência de crime, em seu aspecto material.

c. A criação de normas penais incriminadoras está subordinada aos direitos fundamentais. Uma vez extrapolado este limite a pena é desnecessária, e tal excrescência passa longe de ser inofensiva, afinal, conforme vimos, o Direito Penal tem como característica a reação extremamente gravosa a ato contrário a suas proibições.

Superadas tais fases introdutórias, passa-se ao estudo minucioso dos princípios que regem este ramo do direito, como forma de melhor compreendê-lo.

2.4.2 PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE

Tal princípio é umbilicalmente conectado à função do Direito Penal de proteção de bens jurídicos, bem como sua função de possibilitar o convívio social evitando e punindo condutas que vulnerem este convívio. Aí reside a legitimidade do Direito Penal: utilizar a força do Estado de maneira mais drástica para possibilitar a defesa e manutenção de determinada comunidade. As condutas que vulneram o sobredito convívio são identificadas por sua capacidade de lesar ou colocar em perigo bens jurídicos tutelados pela norma penal. Portanto, "não se admitirá descrição típica (criminalização) de condutas que não ofendam concretamente um bem jurídico (proibição de criação de tipos penais sem objetividade jurídica real e definida). [24]"

Assim, segundo os ditames deste princípio, uma conduta deve vulnerar um bem jurídico para que seja criminosa, seja por meio de perigo, seja por meio de efetiva lesão.

Aprofundando o assunto, trazemos a doutrina de Capez [25]

Toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância social, será considerada nula e materialmente inconstitucional.

O intérprete também deve cuidar para que em específico caso concreto, no qual não se vislumbre ofensividade ou real risco de afetação do bem jurídico, não haja adequação na descrição abstrata contida na lei

Daí, podemos concluir que o mandamento tem dupla função, dirigindo-se ao intérprete, que no caso concreto deverá, necessariamente, constatar a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido, sob pena de estar diante de um irrelevante penal, como também ao legislador. Este, em seu trabalho de criação legal, somente tem autorização constitucional para formular um tipo penal, quando esta conduta hipotética, seja apta a oferecer, em tese, risco de dano ou dano ao bem jurídico tutelado.

Logo, somente pode ser objeto de sanção penal a conduta que possa vir a representar uma lesão a bem jurídico socialmente relevante. Isto porque a demonstração da "[...] existência de um bem jurídico e a demonstração de sua efetiva lesão ou colocação em perigo constituem, assim, pressupostos indeclináveis do injusto penal" [26]

Assim, é imperativo que a norma penal tenha intuito de proteger os bens jurídicos sociais mais caros e não somente visar formar cidadãos de acordo com uma determinada diretriz moral, considerada adequada em certo momento histórico. [27]

Por derradeiro, não se pode olvidar que a função de limitação de criação de tipos penais, representada pelo principio da ofensividade, dirigida ao legislador, não está dissociada da função interpretativa, dirigida ao aplicador da lei no caso concreto. Conforme esclarece Cesar Roberto Bitencourt, uma vez violado o principio em estudo, por atividade legislativa inadequada, cabe ao juiz readequá-la aos princípios do Direito Penal. [28]

O intérprete deve encontrar legitimidade para readequar o Direito Penal legislado na própria Constituição, tendo em vista que a lei penal, por si só, não constitui o direito aplicável, afinal, esta tem como condição de validade a perfeita adequação ao instrumento normativo superior.

Superada a avaliação de conformidade constitucional da lei penal incriminadora, o juiz instado a aplicá-la no caso concreto ainda precisa vencer nova barreira para a criminalização secundária. É preciso que a conduta exteriorizada pelo agente, tenho posto em risco de dano ou causado dano ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

Tal procedimento é necessário tendo em vista que uma norma penal, além de trazer em si uma proibição, traz também um valor, identificado pelo interesse que o legislador entendeu legítimo proteger. Conforme expusemos no capítulo anterior, o crime é a violação da conduta somada à violação do valor normativo, representado pelo bem jurídico. Nesse sentido, vejamos Gomes [29]:

[...] ao juiz compete descobrir, depois de verificada a subsunção formal da conduta à letra da lei, qual é o bem bem (sic) jurídico (qual é o valor) protegido e se esse bem jurídico foi concretamente afetado (lesado ou posto em perigo).

Assim, além da aptidão genérica da conduta para trazer dano ou perigo ao bem jurídico, é preciso que aquela conduta individualizada tenha atingido tal resultado. Desta forma encerramos este princípio com as seguintes conclusões:

a)O legislador somente tem legitimidade para criminalizar condutas que exponham a perigo ou causem lesão a bens jurídicos. Inaptas para tanto as condutas descritas, o tipo penal padece de vício por incompatibilidade com a Constituição, tendo em vista o excesso legislativo.

b)Diante de leis penais que não sejam, conforme descritas pelo legislador, aptas a alcançar tais resultados, o juiz deve abster-se de aplicá-las no caso concreto, por sua invalidade, em respeito ao princípio da ofensividade.

c)Normas descritas abstratamente podem abarcar condutas lesivas e não lesivas ao bem jurídico tutelado, afinal o legislador está impossibilitado de descer a minúcias. Desta forma, ao julgar, deve-se atentar para se aquela conduta efetivamente praticada violou a norma penal em seu aspecto material. Ausente tal violação, estaremos diante de conduta atípica, ainda que haja subsunção formal à norma incriminadora válida.

2.4.3 PRINCÍPIO DA ALTERIDADE

Tal princípio representa um passo além da simples ofensividade da conduta. Segundo tal diretriz, não há simplesmente a necessidade que determinada conduta, para ser considerada como injusto penal, ponha em risco um bem jurídico individual ou coletivo. É preciso que seja vulnerado um bem jurídico alheio.

Neste sentido é a dicção da Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão

Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5.º A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Assim, podemos notar um conceito básico de convívio social: a disposição de bem jurídico indivídual próprio ou sua má gestão por parte do titular não é situação apta a fundamentar qualquer interferência estatal.

Desta forma, haverá espaço para que o indivíduo possa se realizar como ser humano sem qualquer estímulo negativo do Direito Penal a condutas particulares. Vejamos a singela lição de Zaffaroni [30]:

[...] la conciencia individual es um ámbito que en esta tierra sólo incumbe a cada hombre. Sin embargo, debe impedir autoritariamente que algunos hombres realicen su elección en el mundo, porque de hacerla impedirían la realización de otros hombres"

Assim, o doutrinador argentino chega ao cerne do estudo deste princípio. A limitação de condutas por meio de Direito Penal se justifica pela capacidade que tal conduta teria em impedir a realização de outras condutas legítimas por diversos agentes daquela comunidade. É dizer, devemos utilizar o direito como forma de convivência harmônica de liberdade. Condutas que têm suas conseqüências limitadas ao agente que a pratica não legitimam a tutela penal em razão do princípio da alteridade.

Diante de tal premissa, Roxin [31] conclui que

"[...] só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não é simplesmente um comportamento pecaminoso ou imoral; ...o direito penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da sociedade, e além desse limite em está legitimado nem é adequado para a educação moral dos cidadãos

Nesse sentido trazemos a lapidar lição de Eugênio Raul Zaffaroni e Nilo Batista [32], que ensina que "[...] nenhum direito pode legitimar uma intervenção punitiva quando não medeie, pelo menos, um conflito jurídico, entendido como a afetação de um bem jurídico total ou parcialmente alheio, individual ou coletivo".

Assim notamos que o Estado Democrático deve garantir ao cidadão seu pleno desenvolvimento enquanto pessoa, pautando suas atitudes de acordo com seu julgamento pessoal de certo e errado, a despeito de convicções alheias em sentido contrário. De tal premissa extrai-se que o Estado, de igual modo, não pode proibir aquelas condutas que não extravasem o âmbito do próprio agente, pois situam-se no desenvolvimento de sua própria personalidade.

Como outra conseqüência temos que o legislador não pode criar tipos penais hipotéticos nos quais não se vislumbre a possibilidade de afetação de bem jurídico total ou parcialmente alheio. Agindo de maneira ilegítima o legislador, deve o aplicador da norma, no caso concreto, diante de nenhuma conseqüência social da conduta, reputá-la com atípica, diante do conceito material de delito e do princípio da alteridade, que deve funcionar com norte interpretativo da atividade judicante.

Assim o princípio da alteridade, impõe verdadeiro mandato de tolerância aos cidadãos, que devem suportar condutas que lhe pareçam impróprias, ou mesmo que prejudiquem aquele que as pratica, sendo-lhes garantido que também não se verão alvo de intromissões indevidas da coletividade em seu âmbito de intimidade.

Trazendo tal princípio para a questão ora discutida, cumpre investigar de qual forma a conduta de portar drogas com dolo específico de consumo próprio pode afetar direito alheio, tal qual a saúde pública como um todo. Isto porque para legitimar a tutela penal, é preciso que da conduta descrita abstratamente pelo legislador seja possível constatar a possibilidade que tal conduta atinja um bem jurídico, total ou parcialmente alheio.

2.4.6 PRINCÍPIO DA INTIMIDADE

Segundo Alexandre de Moraes [33], "[...] os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas"

O referido princípio, dentre outros desdobramentos, determina que o indivíduo, em seu âmbito pessoal, pode fazer escolhas, ainda que a coletividade as considere imorais, mas que exatamente por se situarem no âmbito intimo do indivíduo, não são aptas a violar direito alheio e por isso estão a salvo de intromissões externas.

Este princípio normalmente não é tido como um princípio do Direito Penal, especificamente, mas obviamente não está fora de contexto no presente trabalho, pois é preciso investigar a legitimidade estatal para intervir em escolhas pessoais. Nesse sentido se pronunciou a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo:

A simples posse de drogas para uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam perigo concreto para terceiros, são condutas que, situando-se na esfera individual, se inserem no campo da intimidade e da vida privada, em cujo âmbito é vedado ao Estado - e, portanto, ao Direito – penetrar. (TJSP, Apelação Criminal n.º 993.07.126537-3, julgada em: 31 de mar. 2008.)

Pelo exposto, o direito à intimidade funciona como barreira que pode ser imposta pelo cidadão ao Estado e que, conseqüentemente, torna qualquer intromissão em condutas que se circunscrevem à sua vida privada como atentatórias a CRFB.


3 DIREITO PENAL E Constituição

3.1 Princípios penais constitucionais implícitos

Depois de esmiuçar os princípios do Direito Penal, é necessária investigação sobre onde encontrá-los na Constituição, se é que isto é possível. Afinal, para que estes sirvam de parâmetro para controle eles devem se encontrar no chamado bloco de constitucionalidade e sua identificação no próprio corpo da Carta Magna, facilitaria tal entendimento.

Entendemos que não necessariamente, as normas que compõem o bloco de constitucionalidade devem estar contidas no texto constitucional, explícita ou implicitamente, tendo em vista que a interpretação constitucional deve ir muito além deste reducionismo.

Ilustrativamente, trazemos entendimento que se amolda ao dito no parágrafo anterior. No referido pensamento, relativo à natureza dos princípios do Direito Penal, Cabrera, sem explicitar qualquer dispositivo constitucional, esclarece sobre a ofensividade penal [34]

É de ordem constitucional, haja vista que o Direito Penal se desenvolve à luz de um Estado Democrático de Direito, onde seu verdadeiro fim é a justiça material, sendo certo que esse Estado corporifica em si a proteção da liberdade pessoal e política dos cidadãos e moderação de juridicidade de todo o exercício do poder público.

Conforme podemos constatar, o doutrinador, sem isolar nenhum dispositivo específico, consegue fundamentar de maneira clara a natureza constitucional deste princípio penal, referindo-o ao Estado de Direito (consagrado constitucionalmente), a missão constitucional de justiça social, além de idéias implícitas na carta.

Corroborando tal possibilidade, vejamos o ensinamento do Ministro Celso de Mello [35]

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para além de uma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar – distanciando-se, então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico – que a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual

Não obstante a claridade solar da lição do Ministro, alerta Bernardes [36] que

[...] no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro direto de controle – que aqui poderia ser chamado de bloco de constitucionalidade em sentido estrito – às normas contidas, ainda que não expressamente, em texto constitucional (as normas formalmente constitucionais). (grifos presentes no original)

Desta forma, apesar de não ser primordial para que se reconheça os princípios de Direito Penal como integrantes do texto constitucional de maneira explícita, demonstrar sua presença em algum dos dispositivos formais é, sem dúvida, de bom alvitre.

Se por um lado, tal providência será útil para afastar qualquer discussão sobre a possibilidade de funcionarem como parâmetro de controle de constitucionalidade, por outro não será difícil encontrá-los, implícitos, na Constituição.

Cabe ressaltar, inclusive, que parece mais palatável à jurisprudência realizar argumentações mais simples para legitimar a existência de tais princípios na Constituição. Por exemplo, o STJ, ao justificar o princípio da ofensividade, parte da expressão infração de menor potencial ofensivo, quando poderia deduzir tal princípio, através de um rico processo argumentativo, do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).

A título de exemplo, temos Fernando Capez, [37] que sugere que todos os princípios do Direito Penal que serão discutidos neste capítulo têm como fonte o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que este orienta todo o Direito Penal no Estado Moderno.

3.1.1 O princÍpio da ofensividade

Tal princípio não é encontrado de maneira expressa em nossa Constituição, o que seria bastante salutar, tendo em vista sua importante função limitadora do arbítrio estatal, conforme tratado neste trabalho.

É por esta razão que o professor Luiz Flávio Gomes [38] reivindica que a formulação expressa deste princípio figure no texto constitucional, ainda que não demonstre qualquer dúvida que este foi consagrado de maneira implícita pela Carta Magna.

Não obstante a ausência de previsão expressa deste princípio na Constituição, a doutrina e jurisprudência vem demonstrando sua adoção pelo legislador constitucional através de várias passagens da Lei Maior, notadamente, as contidas no artigo 5º e seus incisos, bem como no artigo 98, I da Constituição.

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (grifei)

Nota-se que o constituinte determinou a criação de juizados, de rito mais célere e característica de simplicidade de procedimento. E nestes serão julgadas as infrações de menor potencial ofensivo. Ou seja, sem potencial ofensivo, não existe competência jurisdicional para atuação, sob pena de violação da Constituição. Mesmo aqueles crimes considerados menos graves devem ter algum potencial ofensivo. Neste sentido decidiu o STJ

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE, EM SENDO IRRISÓRIO O VALOR SUBTRAÍDO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O Direito Penal, como na lição de Francisco de Assis Toledo, "[...] por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas." (in Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).

2. Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (artigo 98, inciso I).

3. O correto entendimento da impossibilidade das formas privilegiada e qualificada do furto, por óbvio, não inibe a afirmação da atipicidade penal da conduta que se ajusta ao tipo legal do artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, por força do princípio da insignificância.

4. Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente irrelevante, não extrapolando a órbita civil.

5. Ordem concedida

(STJ - HABEAS CORPUS: HC 21750 SP 2002/0047586-5) (grifei)

Não diverge a doutrina de Luiz Flávio Gomes [39]

[...] a doutrina moderna refuta o reconhecimento do perigo abstrato, em razão da adoção, pela Constituição Federal, do princípio da lesividade, comando que pode ser extraído, implicitamente, do artigo 98, I, do aludido diploma. Esse dispositivo trata dos juizados especiais e determina a sua competência para as infrações penais de menor potencial ofensivo, deixando evidente a exigência de ofensividade da conduta, para que essa seja considerada fato típico.

Demonstrando ampla aceitação doutrinária, o princípio da ofensividade, também é visto por Damásio [40] como contido neste dispositivo constitucional.

Assim, concluímos que o Direito Penal só deve ser aplicado quando a conduta ofende um bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa. Entre nós, esse princípio pode ser extraído do art. 98. I, da Constituição Federal, que disciplina as infrações de menor potencial "ofensivo"

Desta forma, resta claro que o princípio da ofensividade é princípio de matriz constitucional, podendo servir de parâmetro para controle de qualquer ato que deriva direta ou indiretamente da Constituição como seu fundamento de validade, seja norma penal incriminadora, seja sentença penal condenatória.

Ainda que se entenda que o artigo 98, I da Constituição esgote qualquer possibilidade de refutação do entendimento exposto, por amor ao debate, seguimos demonstrando em quais dispositivos, além deste, o legislador constituinte consagrou o princípio em análise.

O princípio da ofensividade também pode ser encontrado no artigo 5º, XXXV da Constituição, que em regra, tem uma conotação positiva, de acesso à Justiça, porém revela muito mais do que leitura apressada pode sugerir, no que tange ao Direito Penal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

No momento em que o constituinte determina que o Poder Judiciário jamais possa se afastar de lesão ou ameaça de lesão a direito ele também define sua função. Sem qualquer ameaça de lesão ou lesão de direito, a intervenção judicial não tem qualquer razão de ser, e tornando-se inútil, torna-se, por conseqüência, ilegítima.

Nesse sentido vejamos os ensinamentos de Marco Aurélio Moreira de Oliveira, transcrito em precioso artigo de Victor Avelino [41]

[...]o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, indica como juridicamente relevante a causação de lesões efetivas ou ameaças a direitos, só podendo ser entendidas, como verdadeiras ameaças, as que sejam concretas, pois ameaças abstratas simplesmente inexistem. Em conseqüência, não se deve admitir crimes de perigo abstrato, por não conterem as condições concretas e diretas para afetarem bens fundamentais juridicamente protegidos. Além disso, a lógica jurídica indica como prioritária a tarefa de definir o que seja crime, isto é, conduta que causa lesão ao sujeito passivo ou, pelo menos, a que cria ameaça a direito, de modo concreto e direto. Só após, se cominarão penas. Com isso, se estará afastando um abusivo expansionismo penal, marcado por punições simbólicas, desnecessárias, ineficazes e injustas.

Assim, análise aprofundada do dispositivo nos faz compreender que a própria Constituição entendeu como irrelevantes as condutas que sequer colocam algum direito em risco.

A título de informação, sobre o acolhimento do princípio da ofensividade, ainda há arguto raciocínio, exposto pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que afirma que este está contido no princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX da CRFB) em seu sentido material. Segue trecho de aresto deste Tribunal

O princípio da lesividade  ou ofensividade (nullum crimem sine iuria) possui lastro constitucional exatamente no art. 5o, inciso XXXIX, da Carta Magna, que enuncia o princípio da legalidade (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal).

(APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0148.02.005986-8/001 - COMARCA DE LAGOA SANTA - APELANTE(S): EDVANDO COSTA DE RESENDE - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO)

Pelo exposto nesse tópico, não nos resta dúvida de que o chamado princípio da ofensividade ou lesividade está previsto de maneira implícita na Constituição, podendo ser utilizado como parâmetro para controle de constitucionalidade em face de lei ordinária, tal qual a lei 11.343/2006.

3.1.3 Princípio da alteridade

Conforme exposto em momento oportuno, o princípio em questão dita que somente será relevante do ponto de vista penal a conduta que viola direito alheio, estando longe da alçada do Direito Penal a autolesão.

Assim como o princípio da ofensividade, este não possui dispositivo expresso na Constituição, funcionando como maior garantia para o jurisdicionado, o que justifica nosso clamor para que faça parte da Carta, tendo em vista sua importância.

Nesta esteira, trazemos o Artigo 19 da Constituição da República da Argentina

Artículo 19- Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe.

Em tradução livre "as ações privadas dos homens que de forma alguma ofendam a ordem e a moral pública, nem prejudiquem terceiro, estão somente reservadas a Deus e isentas da autoridade dos magistrados"[...]

Em que pesem críticas a presença de evocação de "Deus" - o que poderia sugerir violação a laicidade do Estado e ao respeito ao direito de livre crença - este dispositivo tem grande importância para a limitação da discricionariedade do legislador ao criar tipos penais.

A partir do dispositivo supra, o legislador constitucional argentino conseguiu fixar premissas básicas do princípio da alteridade, colocando seus cidadãos a salvo de intromissões estatais indevidas toda vez que praticarem atos que, por mais questionáveis que sejam, não ofendam direito alheio.

Desta forma, foi criada barreira que poderá ser oposta ao Estado, pelo cidadão portenho, toda vez em que seu legislador infraconstitucional arvorar-se em regulador de condutas privadas à custa da liberdade do indivíduo, quando pratica atos que não extrapolam o limite de sua própria intimidade e não vulneram direito alheio.

Não obstante sua não ocorrência explícita na Constituição, o princípio da alteridade poderá ser inferido, indubitavelmente, do artigo 5, X da CRFB, que segue transcrito

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Não há dúvida, de que se a intimidade do cidadão deve ser preservada, fatos que somente possam lesar direitos seus, sem risco de expansão, não estão sujeitos a intromissão estatal, sob pena de inconstitucionalidade.

Corroborando o raciocínio, vejamos o ensinamento de Maria Lúcia Karam [42]

[...] o direito à intimidade e à vida privada, garantido no artigo 5º, inciso X de nossa Constituição Federal, permite depreender, como se deve depreender de qualquer ordenamento jurídico que se pretenda democrático, que o Direito só pode intervir em condutas que tenham potencialidade para afetar terceiros.

De forma semelhante, Salo de Carvalho [43] se pauta na Constituição para descrever o que chamamos de princípio da alteridade penal

Os direito da intimidade e vida privada instrumentalizam em nossa Constituição o postulado da secularização que garante a radical separação entre direito e moral. Neste aspecto, nenhuma norma penal criminalizadora será legítima se intervier nas opções pessoais ou se impuser aos sujeitos determinados padrões de comportamento que reforçam concepções morais

Pelo exposto, também não nos resta menor dúvida sobre o assento constitucional do princípio da alteridade, que, inegavelmente, possui papel primordial na investigação da constitucionalidade do porte de drogas para consumo próprio.

3.2.1 Controle de constitucionalidade de leis penais incriminadoras

Conforme se demonstrou neste capítulo, existem limites impostos pela Constituição ao legislador no momento da criação de tipos penais. O Direito Penal moderno já não mais admite que a simples previsão abstrata de um comportamento em lei como proibido seja suficiente para conferir legitimidade à intervenção estatal. A Constituição limitou o conteúdo das leis incriminadoras, na forma dos princípios supra.

Assim, fixa-se a importância destes princípios como limites intransponíveis pelo poder público, conforme destaca Maura Robertti [44]:

A importância da existência dos princípios constitucionais limitadores da interferência penal reside no fato de fixar fronteiras ao Poder Público, com escopo de garantir a inviolabilidade do direito à liberdade e de outras prerrogativas individuais.

Assim como toda manifestação estatal, a lei penal incriminadora deve obediência à Constituição e, portanto não há legitimidade para que o Poder Judiciário aplique a legislação que afronta a lei maior.

Diz-se isso, pois os princípios constitucionais do Direito Penal precisam ser confrontados com a legislação vigente, para que se possa perquirir sobre a validade das leis penais enquanto inseridas em um sistema normativo escalonado, que encontra a Constituição em seu ápice. Caso haja contradição lógica entre os princípios constitucionais e a determinada norma incriminadora, a intervenção estatal se faz ilegítima e deverá ser afastada pelo intérprete, sob pena de violação aos fundamentos do Estado Constitucional de Direito.

Diante de tal situação, o Judiciário deve adotar as seguintes condutas, segundo Luiz Flávio Gomes [45]

O legislador, portanto, dentro do Estado constitucional e democrático de Direito, no momento de criminalizar uma conduta, está submetido a uma serie de barreiras infranqueáveis que não podem ser superadas. E quando não observa os limites constitucionais do ius puniendi dá ensejo ou a uma atividade de censura constitucional (declaração de inconstitucionalidade) ou a uma atividade interpretativa de correção (que incumbe ao intérprete ou ao aplicador da lei).

Não obstante a claridade solar de tais afirmações, ainda existe na jurisprudência pátria, inexplicável resistência à realização de juízos de constitucionalidade de normas penais incriminadoras, sob a alegação de que o legislador possui discricionariedade quando elege condutas a serem dignas da proteção penal. Por todos, vejamos os argumentos do Des. Raul Quental [46], em aresto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, colacionado por Alberto Silva Franco e Rui Stocco.

Avultam, em primeiro lugar, grosseiro erro técnico a equivocada compreensão do papel do intérprete e aplicador da lei, permitindo-se a Juíza descumprir disposição legal vigente a pretexto de que a conduta nela reprimida não teria "tipicidade penal" por não ser ofensiva ao bem jurídico tutelado.

[...]

Observe-se, por fim, que afirmações como a do Prof. Zaffaroni, tão citado no despacho recorrido (e evidente inspirador das idéias de sua prolatora, que o reputa "sem dúvida o maior penalista da América Latina na atualidade"), no sentido de que o legislador tem uma margem muito ampla de decisão política, porém o Juiz tem o dever de exigir dele um mínimo de racionalidade na seleção de condutas que criminaliza", importam na atribuição de um poder superior ao Juiz, que não daria aplicação à lei penal senão quando esta lhe parecesse "racional". A técnica jurídica de solução dos problemas sociais, caracterizada pela garantia da observância dos critérios abstratos normativos por aqueles a quem incumbe a função de aplicá-los, estaria sobreposto o sistema do arbítrio individual, em que cada Juiz, em cada caso, cumpriria ou não a lei conforme se lhe afigurasse ou se não revestida é "um mínimo de racionalidade" segundo critérios necessariamente subjetivos, subordinados a variáveis como o grau de inteligência, o preparo intelectual e até o equilíbrio emocional de cada julgador. No fundo de tudo isso, tendências despóticas inconscientes de certos juristas e Juízes, pendor ditatorial para sobrepor à autoridade das leis as próprias convicções filosóficas e políticas. Nada disso tem a ver com a concepção de estado democrático de direito, fundado no princípio da divisão das competências e predomínio das leis. (grifei)

Obviamente, não é tema desta monografia a discussão sobre o positivismo jurídico e eventuais críticas que possam ser feitas. Não obstante, faremos rápidas considerações para fundamentar porque consideramos o referido julgado um desserviço ao direito brasileiro.

Tais palavras refletem uma forma descompromissada de agir por parte de um magistrado, que se limita a ser boca repetidora da lei. Pretender igualar condicionamento de aplicação de normas incriminadoras à Constituição ao despotismo e arbítrio é algo que não se sustenta no Estado Constitucional de Direito.

Em incisiva lição, Luiz Flávio Gomes [47] afirma que

A sacralização do legislador foi a causa principal, sem dúvida, da eclosão do mais nefasto e pernicioso legalismo, na medida em que difundiu a idéia de que a lei é a suprema e (praticamente) única fonte do Direito, o que significa que os juízes podem e devem resolver todos os conflitos com base (quase exclusivamente) nela.

O chamado "predomínio da lei", em expressão utilizada pelo magistrado, não se sustenta diante da força vinculante e supremacia da Constituição. Conforme alerta Streck [48], "há um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se ‘adaptar’ a Constituição às leis ordinárias".

Tal fascínio precisar ser superado, tendo em vista que a Constituição é ápice do ordenamento jurídico, sendo fundamento de validade de todas outras normas jurídicas e por isso, obviamente, predomina.

Ademais, tratar o princípio da separação dos poderes tal como se fosse uma barreira intransponível para que o Poder Judiciário aplique a Constituição, devendo limitar-se a carimbar decisões políticas do Poder Legislativo e Executivo [49], é insustentável. Vejamos a real função deste princípio, segundo Suordem [50]

Na sua dimensão orgânico-funcional, o princípio da separação dos poderes deve continuar a ser encarado como princípio da moderação, racionalização e limitação do poder político estatal, no interesse da liberdade. Tal constitui seguramente seu núcleo imutável.

Assim, em lição irretocável, Américo Bedê Freire Júnior [51] conclui que a separação dos poderes, ao contrário de ser fim em si mesma é forma para que se alcance a efetivação de direitos humanos. Arremata, nos lembrando que, na verdade, "todos os ‘poderes’ estão abaixo da Constituição"

É para essa forma de atuação judicial que queremos chamar atenção. A decisão de primeiro grau, lamentavelmente reformada, afastava a aplicação de lei que previa como crime o porte de drogas para consumo por violação ao princípio da ofensividade. Afastar norma infraconstitucional por violação a tal princípio não é afronta à separação dos poderes. É correta aplicação constitucional (art. 98, I e art. 5º, LIV e XXXV da CRFB).

Para quem ainda não se convenceu das afirmações aqui expostas, Gomes [52] nos lembra que durando 12 anos, o Regime Nazista foi responsável pela morte de 6 milhões de judeus, além de outros 3 milhões de óbitos entre homossexuais, ciganos, comunistas, deficientes físicos, negros e testemunhas de Jeová. Tal constatação, que ultraja a todos os cidadãos possuidores de qualquer resquício de decência, é agravada pelo fato de que todas essas ações foram baseadas na própria legislação alemã vigente à época.

Arremata, Luciano Feldens [53]

Uma primeira aproximação entre as funções da Constituição e as finalidades do Direito Penal nos permitirá afirmar que o legislador penal se encontra materialmente vinculado à Constituição precisamente naquilo que diz respeito ao epicentro dessa anunciada relação entre a ordem constitucional e o Direito Penal: a tutela de direitos fundamentais.

Reputamos, portanto, como incorreta, qualquer forma de sobrepor as leis penais à Constituição, em argumentações dos que, em nosso entender, esquivam-se da responsabilidade maior dos magistrados: aplicar a Constituição, ainda que isso importe confronto com a opinião da maioria ou jurisprudência dominante.

4.4 Da (in)constitucionalidade da criminalização

Assim, passamos a próxima fase da análise, que seria investigar a constitucionalidade do ilícito penal inscrito no artigo 28 da lei 11.343/2006.

Para que se proceda à análise da constitucionalidade do tipo penal previsto no artigo 28 da lei 11.343/2006, é necessário que se estude o bem jurídico tutelado, supostamente, a saúde pública e sua forma de afetação pela conduta descrita neste artigo.

De fato, há uma grande dificuldade em compatibilizar, empiricamente, o discurso legitimador da defesa da saúde pública e a criminalização do porte de drogas para consumo próprio. Ainda assim, e talvez até por essa razão, poucos autores e pequena fração da jurisprudência [54] ocupa-se em analisar de maneira minuciosa a questão, preferindo simplesmente reproduzir o discurso comum na doutrina brasileira. [55]

Isto posto, passamos a expor o entendimento de renomados estudiosos do Direito Penal Brasileiro. Fernando Capez se propõe a solucionar a questão: [56]

No delito previsto no artigo 16 da Lei n. 6.368/76, poder-se-ia alegar ofensa a este principio, pois que usa droga só está fazendo mal a própria saúde, o que não justificaria uma intromissão repressiva do Estado (os drogados (sic) costumam dizer: "se eu uso droga, ninguém tem nada a ver com isso, pois o único prejudicado sou eu")

Tal argumento não convence.

A lei n. 6.368/76 não tipifica a ação de "usar droga", mas apenas o porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando facilitar a circulação do substância entorpecente pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de uso próprio. Assim, existe transcedentalidade na conduta e perigo para a saúde da coletividade, bem jurídico tutelado pela norma do art. 16

De forma semelhante, temos a doutrina de Vicente Greco Filho [57]

A razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa. Mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la, coloca a saúde pública em perigo, porque é fato decisivo na difusão dos tóxicos. Já vimos ao abordar a psicodinâmica do vício que o toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter dinheiro para aquisição da droga, além de psicologicamente estar predisposto a levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu paraíso artificial ou de seu inferno

O professor Israel Domingos Jório [58] esclarece, com precisão habitual:

Há um interessante caso a comentar. No caso do usuário de drogas, que tem sua conduta normalmente tipificada pelo art. 28 da Lei 11.343/06, por mais que pareça, não há punição pela autolesão. O mal que o usuário de drogas causa a si próprio, isto é, os danos que se auto-inflige pelo consumo de substância tóxica, são penalmente irrelevantes. O comportamento criminalizado pelo dispositivo legal mencionado não é o consumo, em si. É a criação de um risco proibido, decorrente da manutenção e circulação de substâncias tóxicas no seio social. Considerou-se que as várias ações físicas dispostas no tipo incriminador caracterizam exposições a perigo, não do usuário em si, mas da saúde pública. Deixando de lado o inflamável questionamento acerca da legitimidade e da eficácia da proibição que se realiza sob uma ameaça de pena, o certo é que não é a causação de danos à saúde do próprio usuário, por ingestão voluntária, que é incriminada; é a "colaboração" para o aumento da possibilidade da afetação da saúde dos membros da coletividade, consubstanciada nas ações que importam na detenção e circulação dos entorpecentes, mantidos sempre presentes nos meios sociais.

Por fim, trazemos argumento que muitas vezes subjaz a criminalização do porte de drogas para consumo próprio. Em momentos de sinceridade apaixonada, Renato Posterli [59], após concluir que o usuário é "perigoso socialmente", chega a afirmar que

É interessante frisar que todo farmacodependente acaba sendo traficante, depois que se esgotam suas reservas financeiras. Assim procede ele com objetivo de conseguir a droga que o tornou dependente. Isso é que faz equiparar o usuário ao traficante, no pensamento de muitos. (grifos presentes no original)

Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, entendemos que o argumento supra transcrito não se difere do esclarecimento geral da doutrina, ao justificar a proteção do bem jurídico que redunda na criminalização do porte de drogas para uso próprio. A razão, normalmente repetida pelos operadores do direito, é que a isso facilitaria a circulação das drogas a partir daquele que a porta, seja de maneira onerosa ou gratuita. Assim, criminalizando a conduta estar-se-ia protegendo a saúde pública.

Como primeiro esclarecimento, não obstante a abordagem médica não seja o cerne deste artigo, é fato notório que não se pode tratar indistintamente o usuário experimental, o usuário ocasional e o dependente químico. Tratar todo usuário como dependente, para assim inferir que quem porta, necessariamente, precisa sustentar um custoso vício é incorreto, do ponto de vista médico. A título de esclarecimento, trazemos informações do portal do Ministério da Saúde. [60]

Todo usuário de drogas vai se tornar um dependente?

A maioria das pessoas que consomem bebidas alcoólicas não se torna alcoólatra (dependente de álcool). Isso também é valido para grande parte das outras drogas. De maneira geral, as pessoas que experimentam drogas o fazem por curiosidade e as utilizam apenas uma vez ou outra (uso experimental). Muitos passam a usá-las de vez em quando, de maneira esporádica (uso ocasional), sem maiores conseqüências na maioria dos casos. Apenas um grupo menor passa a usar as drogas de forma intensa, em geral quase todos os dias, com conseqüências danosas (dependencia)(sic). O grande problema é que não se dá para saber, entre as pessoas que começam a usar drogas, quais serão apenas usuários experimentais, quais serão ocasionais e quais se tornarão dependentes.

É importante lembrar, porém, que o uso - ainda que experimental - pode vir a produzir danos à saúde da pessoa.

Retomando a justificativa de Capez e Greco e a abordagem jurídica, cabe-nos indagar: como é possível prever que um mero usuário irá praticar condutas de traficância? E caso as pratique, para isso existe legislação penal punitiva. O que não se pode conceber é que se admita, no direito penal moderno, a presunção de que alguém, por sua condição, irá delinqüir.

Sobre a validade prática de tal argumento, Maria Lúcia Karam [61], traz paralelo traçado pelo magistrado Enrique Petrachi em acórdão da Suprema Corte Argentina

[...] castigar a quien consume em razón de que es um potencial traficante equivaldria a castigar, por tenencia, vgr: a um coleccionista fanático porque es um potencial ladrón de los objetos de la espécie que colecciona.

Em tradução livre "castigar quem consome por razão de ser um potencial traficante equivaleria a castigar, pelo porte, um colecionador fanático, porque é um potencial ladrão de objetos da espécie que coleciona".

O que tenta alertar o ministro da Suprema Corte, em momento de distinta felicidade, é para o fato de como é desprovida de qualquer base científica, a afirmação de que a droga portada para consumo próprio será difundida entre terceiros. Tal suposição, frise-se, é preconceituosa, o que não pode ser admitido em um Estado Democrático.

Conforme frisa Maria Lúcia Karam [62], considerando a situação hipotética que um consumidor venha a se tornar um traficante, é nesse momento que ele deverá ser punido, tendo em vista que, aí sim, sua conduta não mais diz respeito a sua esfera pessoal, pois passa a atingir bens jurídicos alheios.

Ou mesmo que não se faça a inferência de que aquele que porta para consumo irá fazer circular a droga com intuito de lucro - talvez para sustentar o vício - normalmente se diz que este poderá fazer com que a droga seja utilizada por terceiro, mesmo que gratuitamente.

O problema apresentado por tal raciocínio seria conformá-lo com a necessidade de destinação própria (elementar do tipo previsto no artigo 28 da lei 11.343/2006). Se o porte é destinado para consumo próprio, não se pode simplesmente presumir que o estupefaciente será difundido entre terceiros.

Tentando clarear o raciocínio, podemos dizer que é bastante contraditório o fato da própria lei já determinar qual é a finalidade do porte, e o fato desta finalidade – consumo próprio - dever ser necessariamente contrariada – consumo alheio - para que haja possibilidade de lesão a direitos de terceiros.

Em outras palavras, caso o usuário utilize a substância entorpecente de acordo com o modo proibido pela lei, não existe qualquer possibilidade de lesão a bem jurídico alheio. Dispõe de forma semelhante, sobre a destinação do consumo a revogada lei 6.368/76 e a lei 11.343/2006. Primeiro vejamos a mais antiga

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa. (grifei)

Segue o artigo que o artigo incriminador na Nova Lei de Drogas

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (grifei)

Atenta a tamanha incongruência, alerta Maria Lúcia Karam [63]

Não há como negar a incompatibilidade entre a aquisição ou posse de drogas para uso pessoal – não importa em que quantidade – e a ofensa à saúde pública, pois não já como negar que a expansibilidade do perigo e a destinação individual são coisas antagônicas. A destinação pessoal não se compatibiliza com o perigo para interesses jurídicos alheios. São coisas conceitualmente antagônicas: ter algo para si próprio é o oposto de ter algo para difundir entre terceiros, sendo totalmente fora de lógica sustentar que a proteção à saúde pública envolve a punição da posse de drogas para uso pessoal.

Retomamos a lição de Maria Lúcia Karam, [64] para enfrentar tema que será primordial para que se entenda os chamados crimes contra a saúde pública. Conforme explica a autora, os crimes de perigo comum, tais quais aqueles contra a saúde pública, ocorrem em relação a uma coletividade de indivíduos, sem que se possa individualizá-los.

Também esclarece Carrara [65] sobre a saúde pública:

‘O vaso d’água destinado a um só, o ar do meu aposento, o alimento que só para mim é preparado, serão objetos de um direito que me é exclusivo. Mas, se se tem em conta o ar que circunda uma coletividade de pessoas, a água que a todos é destinada para desalteração da sede, os víveres expostos à venda em público de modo que possam vir a ser alimento de indeterminado número de consociados, é manifesto que em tais condições o ar, a água e os víveres tornam-se objeto de um direito social, atinente a cada um dos consociados, bem como de toda a coletividade... Qualquer ação que torne deletérios ou letais êsses elementos de vida ofendem o referido direito... O direito à preservação da saúde pública nasce, portanto, comum a todos os consociados em razão do fato mesmo da consociação’.

Como marca distintiva dos chamados crimes contra a saúde pública, nos quais se adéqua supostamente o porte de drogas para consumo próprio, assevera Noronha [66] que "caracterizam-se pelo vulto ou expansão da ofensa, que não visa a higidez de certas e determinadas pessoas, mas de um número indeterminado delas".

É necessário, portanto, que haja expansão do perigo, fazendo com que o resultado daquela conduta seja apto a atingir, negativamente, um número indeterminado de pessoas.

Partindo dessa premissa, é inegável que a criminalização do porte de drogas pra consumo próprio não apresenta risco para a saúde pública, tendo em vista que, a mesma norma que incrimina o porte, circunscreve a possibilidade de produção de efeitos da conduta ao próprio portador.

No mesmo sentido afirma Nilo Batista, ao discorrer sobre o princípio da lesividade, especialmente no que tange ao seu aspecto de "proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor": [67]

O mesmo fundamento veda a punibilidade da autolesão, ou seja, a conduta externa que, embora vulnerando formalmente um bem jurídico, não ultrapassa o âmbito do próprio autor, como por exemplo o suicídio, a automutilação e o uso de drogas. No Brasil, o artigo 16 da lei nº 6.368, de 21. out. 76, incrimina o uso de drogas, em franca oposição ao princípio da lesividade e às mais atuais recomendações político-criminais.

Interessante notar que o autor sequer tem o cuidado de tratar o tema como o porte para consumo, afirmando que o que se criminaliza com o tipo penal supra transcrito é o uso de drogas.

Em sentido bastante semelhante temos a lição de Alexandre Morais da Rosa [68], que conclui que "no caso de porte de substâncias tóxicas inexiste crime porque ao contrário do que se difunde, o bem jurídico tutelado pelo art. 16 da Lei 6.369/76 é a integridade física e não a incolumidade pública".

Ao que nos parece, ambos tentam alertar para que o argumento de que a droga poderá a vir ser difundida, e por isso ser violada a saúde pública, é somente um subterfúgio para que não se revele o verdadeiro fito da norma. Incriminar o uso da droga por ser fato contrário a moral dominante.

Ainda que não seja a posição majoritária, é possível encontrar na jurisprudência indícios de que a criminalização do porte de entorpecentes para consumo próprio, de fato, visa proteger o usuário de sua própria conduta. Vejamos trecho de julgado do TJRJ, em voto de Menna Barreto, sobre a função da punição do usuário, afirmando que

[...]existe, exatamente para não permitir a continuidade de uma conduta que o levaria à desgraça, e, isso com lastro no princípio da prevenção geral, pois é considerável o número de jovens que deixam de experimentar o tóxico receosos de um processo criminal. (TJRJ AC 958 – Rel. Menna Barreto)

Tal entendimento, decorrente da simplista visão do jurista de que a saúde pública nada mais é do que a soma da saúde individual de todos os cidadãos, legitima a proibição pelos malefícios que os estupefacientes trazem para o corpo, seja por proteger, indiretamente, o bem jurídico saúde pública, seja por proteger a saúde individual. Decerto que para quem segue essa linha de raciocínio, a falta de exercícios físicos poderia ser descrito em tipo penal incriminador omissivo, tendo em vista que o sedentarismo traz inúmeros malefícios à saúde...

Diante disso, é preciso apontar que caso esteja se incriminando simplesmente o uso, não há dúvida que o bem jurídico protegido é a saúde individual do usuário. Conforme demonstramos no presente trabalho, o Estado não possui legitimidade para atuar nesta esfera. Há legitimidade para se incriminar condutas que agridam direito alheio, e não próprio.

Destarte, temos duas soluções para se tratar o tema e ambas inconstitucionais. Por um lado, é possível admitir que o que está sendo tutelado pela norma é a saúde individual do usuário, o que violaria o princípio da alteridade, de matriz constitucional. Por outro lado, é possível sustentar ser o bem jurídico tutelado a saúde pública e se imputar ao usuário a condição de traficante potencial, sem nenhum indício ou base científica de que isso irá acontecer.

A segunda solução nos parece ainda pior, afinal, cria incongruência lógica entre a norma jurídica e o bem jurídico tutelado. Se a destinação do entorpecente é para consumo próprio, não há possibilidade de expansão do perigo, logo a conduta não é apta, em abstrato, a causar dano à saúde pública. Se a destinação do entorpecente é para terceiro, a conduta, por sua vez, é apta a causar dano à saúde pública, porém não está descrita no tipo penal, o que causa sua atipicidade relativa, em relação ao artigo incriminador.

Precisamos frisar, no entanto, apesar de trazermos discussão sobre eventual incriminação do uso, que o próprio texto legal nos afasta completamente da possibilidade de considerarmos este incriminado, até por falta deste verbo no tipo penal. A jurisprudência, quase em uníssono, nega que a finalidade do tipo é incriminar o uso e por isso, difícil aceitar que o bem jurídico tutelado seja a saúde individual. Por todos, citamos aresto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Agente que fez uso de entorpecente em momento anterior a sua prisão – Fato penalmente atípico – "A lei não pune o agente por haver feito uso de entorpecente, mas sim pela posse do mesmo, exigindo sua apreensão" (TJSP – AC 200.837-3 – Rel. Gomes Amorim – JTJ 181/286)

Por todo o exposto neste trabalho, entendemos que o tipo penal previsto no artigo 28 da lei 11.343/2006, padece de vício de inconstitucionalidade, por afronta aos princípios da ofensividade (art. 98, I da CRFB), da alteridade, intimidade e vida privada (art. 5, X da CRFB).

Dizemos isso porque simples posse de droga não pode ser considerada apta a vulnerar a saúde pública, logo, o tipo penal não é dotado de qualquer ofensividade.

Além disso, incriminando o uso, entendemos que o legislador estaria buscando consagrar uma conduta moral a ser seguida por todos, o que lhe é vedado, tendo em vista o princípio da intimidade.

Como se não bastasse, entendemos que o legislador, ao delimitar a possibilidade de consumo ao uso próprio, impede que algum malefício extrapole direito do usuário. Então, por falta de lesão a direito alheio, entendemos violado o princípio da alteridade.

Como conseqüência do vício, contido na norma lei repressora de drogas brasileira, entendemos que esta deverá ser compreendida como não pertencente ao ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser expurgada em definitivo do sistema, por meio de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, pelo STF, bem como ser afastada, em cada caso concreto, por qualquer juiz de direito instado a aplicar este artigo.

Desta forma, em respeito aos ditames do princípio da legalidade penal, que condiciona à existência de crime a lei anterior que o defina, concluímos que a conduta de portar drogas para consumo pessoal é atípica, por falta de norma válida que a incrimine, e mais que isso, pela proibição constitucional a tal incriminação.


Notas

  1. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 03
  2. Ibid. p. 03
  3. Ibid. p. 03
  4. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 04
  5. Ibid. p. 03
  6. Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 03
  7. Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 03
  8. Ibid. p. 03
  9. Ibid. p. 02
  10. FRANCO, Aberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 49.
  11. JESUS, Damásio E. de . Direito Penal: Parte Geral. 28. ed. 1. vol. Saraiva: São Paulo, 2006. P. 04
  12. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 17. ed. vol. 1. Forense: Rio de Janeiro, 2006. p. 3
  13. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 8. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 204
  14. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral: arts. 1 a 120. 8. ed. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 137.
  15. Ibid. p. 137.
  16. Ibid. p. 137
  17. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 03
  18. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 81-82
  19. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. (arts. 1º a 120) 7. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 10
  20. Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 82
  21. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral: arts. 1 a 120. 8. ed. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 231
  22. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Parte Geral. v.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 166
  23. Ibid. p. 166
  24. , Israel Domingos. Latrocínio: a desconstrução de um dogma: da inconstitucionalidade à inexistência do tipo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 47.
  25. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. (arts. 1º a 120) 7. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 24.
  26. JORIO, Israel Domingos. Latrocínio: a desconstrução de um dogma: da inconstitucionalidade à inexistência do tipo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 50
  27. Silva, Ângelo Roberto. Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 93.
  28. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 10. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 29
  29. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 500
  30. ZAFFARONI, Eugênio Raúl, Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo II. Buenos Aires: Ediar. 1987. p. 442.
  31. Apud BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan. 2007.
  32. ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Direito Penal Brasileiro: 2. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Revam, 2003. p. 226
  33. Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 52
  34. LOPES, Maurício Ribeiro; Liberati, Wilson Donizetti (org.) Direito Penal e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 291
  35. Apud. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado: 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 206
  36. Ibid. p. 206-207
  37. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. (arts. 1º a 120) 7. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 10.
  38. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 500
  39. GOMES, Luiz Flávio. A Constituição e os Crimes de Perigo Abstrato. 15/02/2007. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070214091633277>. Acesso em: 21 abr. 2010
  40. JESUS, Damásio E. de . Direito Penal: Parte Geral. 28. ed. 1. vol. Saraiva: São Paulo, 2006. . 10
  41. Apud. AVELINO, Victor Pereira. Discussão acerca da natureza jurídica da decisão político-criminal adotada pelo legislador no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 .Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2448, 15 mar. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14513>. Acesso em: 21 abr. 2010.
  42. KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias: 2. ed. Niterói: Luam, 1993. p. 130.
  43. Carvalho, Salo de, A política criminal de drogas no Brasil: Estudo criminológico e dogmático. 4. ed. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2007, p. 256.
  44. ROBERTTI, Maura. A Intervenção Mínima como Princípio no Direito Penal Brasileiro. 1. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001. p. 63
  45. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 397
  46. FRANCO, Alberto Silva; STOCCO, Rui (Cord.). Leis Penais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 3239
  47. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
  48. Apud CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2007, p. 121
  49. FREIRE JR, Américo Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 39
  50. Ibid. p. 38
  51. Ibid. p. 38 .
  52. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Introdução e princípios fundamentais. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 461
  53. FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 39.
  54. A título de mera curiosidade, trazemos o pitoresco argumento do Desembargador Raul Quental, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao justificar o perigo que o porte para consumo próprio traz para a saúde pública
  55. [...] é sabido que o usuário, a par de se auto lesionar, concorre, pelo exemplo, para a propagação do vício, mormente entre os jovens, freqüentemente induzidos pelo espírito de imitação próprio da idade. (TJRJ – Rec. Sent. Estr. Rel. Raul Quental – RDTJRJ 6/296)

    Entendemos que tal argumentação estraçalha a capacidade de autodeterminação do ser humano, tornando-o mero espelho de condutas alheias, sem capacidade de valoração, tanto de suas atitudes, quanto do sistema de normas proibitivas.

  56. CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2007, p. 253
  57. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. (arts. 1º a 120) 7. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 13
  58. GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: Prevenção – Repressão. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 113
  59. JORIO, Israel Domingos. Latrocínio: a desconstrução de um dogma: da inconstitucionalidade à inexistência do tipo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 52
  60. POSTERLI, Renato. Tóxicos e Comportamento Delituoso. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 155
  61. BRASIL. Ministério da Saúde. Efeito e Tipos de Drogas. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=12104> Acesso em: 26 Abr. 2010
  62. KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias: 2. ed. Niterói: Luam, 1993. p. 136
  63. Ibid. p. 137
  64. KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias: 2. ed. Niterói: Luam, 1993. p.126.
  65. Ibid. p.125.
  66. Apud HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4 ed. IX vol. Rio de Janeiro: Revista Forense. 1958. p. 96
  67. Apud PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal. Parte Especial. Arts. 121 a 361. 2 ed. 2 vol. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007, p. 619.
  68. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan. 2007, p. 92
  69. Apud. CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2007, p. 254

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SMITH, Rafael Torres. A (in)constitucionalidade da proibição do porte de drogas para consumo próprio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2664, 17 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17627. Acesso em: 26 abr. 2024.