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Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível?

Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial

Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível? Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial

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É possível a separação patrimonial para a constituição de dois patrimônios distintos mesmo sabendo-se que no nosso sistema jurídico vige o princípio da indivisibilidade patrimonial?

RESUMO

O presente trabalho visa responder a seguinte pergunta: limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível? Para tanto, aborda, criticamente, a tese que postula a limitação da responsabilidade desse tipo de empresário por intermédio da separação patrimonial, que se resume no surgimento de duas esferas patrimoniais distintas em benefício do empresário singular: uma condizente com o patrimônio geral, e outra afeta à atividade econômica. Ademais, sabendo-se que no nosso ordenamento jurídico vige o princípio da unicidade patrimonial, bem como o da responsabilidade ilimitada, esta pesquisa também busca responder outras duas perguntas complementares àquela primeira e que são: a) é possível a separação patrimonial para a constituição de dois patrimônios distintos mesmo sabendo-se que no nosso sistema jurídico vige o princípio da indivisibilidade patrimonial? b) e sendo positivo, é possível limitar a responsabilidade do empresário individual ao patrimônio especial resultante, posto que a regra geral seja a da responsabilidade ilimitada?

Palavras-chave: empresário individual; responsabilidade limitada; separação patrimonial; responsabilidade objetivamente limitada; universalidade de direito.


INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica se insere no âmbito do Direito Empresarial, na qual foi selecionado um tema importante e interessantíssimo, a limitação da responsabilidade do empresário individual.

O empresário individual está subjugado ao regramento do artigo 591 do Código de Processo Civil, isto é, caso não cumpra voluntariamente as obrigações assumidas, responderá com todos os bens pessoais presentes e futuros, sejam eles empresariais ou pessoais. Porém, reflexamente a isto, existe uma grande tendência jurídica de se limitar os riscos daqueles que exercem atividades econômicas, no sentido de que se constitua um patrimônio-garantia próprio às obrigações empresariais, o que impediria o acesso dos credores afetos à atividade empresarial aos bens pessoais de qualquer empresário, e isto é perceptível quando analisamos o regime jurídico outorgado a algumas sociedades empresariais como as sociedades limitadas e as sociedades anônimas.

Diante desse tratamento jurídico tão díspare e de ações negativas perpetradas pelos empresários individuais como, por exemplo, a constituição das sociedades fictícias ou "sociedades de fachada", nesta monografia se buscaram meios jurídicos viáveis e plausíveis à limitação da responsabilidade do empresário singular, o que se enquadrou na seguinte pergunta-objeto: limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível? Porém, tal questão não foi analisada sem um norte ou um prisma próprio a sua solução. Pesquisamos e encontramos quatro teorias, mas escolhemos apenas uma. Tal teoria preceitua que a limitação da responsabilidade do empresário individual será juridicamente possível mediante a separação patrimonial, ou seja, mediante a cisão do patrimônio do empresário individual em dois, tendo por fito que um fique circunscrito às obrigações empresariais e que o outro esteja relacionado às obrigações comuns, impedindo, portanto, que os credores afetos às obrigações empresariais satisfaçam seus direitos com bens do patrimônio pessoal do empresário singular, bem como que os credores ligados às obrigações comuns busquem os bens constituintes do patrimônio empresarial.

A utilização da referida teoria como instrumento para se buscar uma resposta à pergunta acima frisada não foi feita dogmaticamente. Fizemos uma análise livre de preconceitos e pautada na razão, assim, a todo instante perquiriu-se se tal teoria era racional e suficientemente "forte".

Tendo isso como uma realidade e também sabendo de antemão que no nosso sistema jurídico vige o princípio da unicidade patrimonial e o da responsabilidade ilimitada, seja para os empresários singulares como as pessoas físicas em geral, formulamos outras duas perguntas complementares, porque percebemos que uma resposta à perquirição principal somente seria alcançada se solucionássemos estas primeiramente. Tais perguntas são:

a) É possível a separação patrimonial para a constituição de dois patrimônios distintos mesmo sabendo-se que no nosso sistema jurídico vige o princípio da indivisibilidade patrimonial?

b) E sendo positivo, é possível limitar a responsabilidade do empresário individual ao patrimônio especial resultante, posto que a regra geral seja a da responsabilidade ilimitada?

O cerne desta pesquisa, portanto, insere-se numa questão principal e em outras duas questões suplementares que, uma vez resolvidas, darão subsídios jurídicos à solução daquela, o que será realizado adiante.


1 - RESPOSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

1.1 – Considerações Iniciais

Na introdução desse trabalho foi "desenhado" o objeto e o objetivo ao escolhê-lo. Neste capítulo se analisará o princípio da responsabilidade ilimitada, que está expresso no artigo 591 do Código de Processo Civil, e ao qual o empresário individual deve respeito. Busca-se mostrar que esse regramento é ruim e que existem tentativas legislativas no sentido de atenuar seus efeitos com a adoção de outra medida, a responsabilidade limitada, para que se compatibilize com a realidade do empresário individual e sela, além disto, um meio compensatório em função dos efeitos benéficos que a atividade empresarial brasileira proporciona.

Por fim, serão mencionados alguns efeitos negativos resultantes da manutenção desse princípio.

1.2 – Tentativas de atenuação do princípio da responsabilidade ilimitada do empresário individual

O empresário individual está subjugado ao princípio da responsabilidade ilimitada, que está expresso no artigo 591 do Código de Processo Civil, o que significa que, caso não cumpra voluntariamente as obrigações assumidas, responderá com todos os bens pessoais presentes e futuros, sejam eles empresariais ou pessoais.

Segundo Silvio Marcondes Machado, esse princípio "vincula os bens da pessoa ao cumprimento de suas obrigações e atua, sem quaisquer restrições ou limites", e no caso do empresário, cujo patrimônio pessoal responde pelas obrigações pessoais, suporta, ele só, a totalidade dos riscos próprios do empreendimento, concomitantemente. 1

Existem, no entanto, tentativas de atenuação dos efeitos dessa sistemática legal. Tudo começa pela averiguação de que a atividade empresarial possui uma característica toda especial. Ela é dotada de um risco, o empresarial, que é resultante de várias causas aleatórias à vontade do empreendedor. Não é totalmente previsível. Pode-se criar um negócio hoje e amanhã tê-lo de encerrar em virtude de seu insucesso, da enorme carga tributária ou da responsabilidade trabalhista, entre outros.

Uma vez que o risco empresarial "se materializa", o insucesso empresarial é uma causa provável, porque o empresário eventualmente pratica condutas que podem levá-lo a tal fim. Cita-se, por exemplo, a redução violenta do preço de venda, a demissão de funcionários, a troca de imóvel em função do valor do aluguel, os empréstimos de toda ordem; e, por via reflexa, essas atitudes redundam em endividamento incontrolável, fluxo de caixa incompatível com os resultados, empréstimos realizados repetidamente e sem controle, perda constante de clientes e etc.

Levando-se em consideração os riscos ilimitados e o fato de o empresário individual não querer perder todos os seus bens, arruinando-se de vez, ele se afasta das iniciativas individuais, direcionando seus investimentos a empreendimentos mais sólidos, como as sociedades de responsabilidade limitada e as sociedades anônimas, em virtude da limitação da responsabilidade que propiciam.

Infere-se daí que a manutenção da responsabilidade ilimitada não se compatibiliza mais com a realidade empresarial, e em função desta constatação, conforme já frisado, tentativas de atenuação da responsabilidade em prol do empresário individual surgem. Um primeiro exemplo é o Projeto de Lei nº. 5805 do Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP). Veja-se notícia a respeito, ipsis litteris:

"Projeto de Lei limita responsabilidade de micro e pequenos empresários

SÃO PAULO - As atividades dos pequenos empresários podem ser facilitadas. Esta é a expectativa gerada pelo Projeto de Lei 5805/05, do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), que tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados.

A proposta desobriga o micro e pequeno empresário de responder com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa". 2

Essa foi uma excelente medida tomada pelo Poder Legislativo, porém, no dia 31 de janeiro de 2007, foi arquivada pela Câmara, com fundamento no artigo 105, caput, do Regimento Interno da Instituição, porque, ao final da legislatura de 2006, apesar de ser submetido ao crivo da mesma, ainda estava em tramitação.

Salienta-se que o autor do projeto, em 28 de fevereiro de 2008, apresentou requerimento solicitando o desarquivamento. 3 Esperemos os resultados, então.

Afora essa iniciativa, há outra.

Trata-se da inclusão do instituto da limitação da responsabilidade do empresário individual no artigo 69, caput, da Lei Complementar nº. 123 (Estatuto Nacional da Microempresa e as Empresas de Pequeno Porte). Tal artigo explicita, in verbis:

"Do Empreendedor Individual de Responsabilidade Limitada

Relativamente ao empresário enquadrado como microempresa ou empresa de pequeno porte nos termos desta lei complementar, aquele somente responderá pelas dívidas empresariais com os bens e direitos vinculados à atividade empresarial, exceto nos casos de desvio de finalidade, de confusão patrimonial e obrigações trabalhistas, em que a responsabilidade será integral". 4

Esse dispositivo, porém, foi vetado.

Vê-se, por conseguinte, que a não atenuação da responsabilidade em beneficio do empresário individual demonstra ser um contrassenso, porque é de constatação geral que o princípio da responsabilidade patrimonial ilimitada é incompatível com as características da realidade empresarial moderna, uma vez que a amplitude e a complexidade dos negócios, seus respectivos riscos e perigos impõem a limitação da responsabilidade do empresário. No entanto, parece que o legislador, no momento, não está atento a esse fato muito importante.

1.3 – Efeitos negativos da manutenção do princípio da responsabilidade ilimitada

O Poder Legislador não pode estar alheio à realidade, principalmente no que tange ao âmbito econômico, pois neste cenário exerce o papel "de geração, execução e julgamento de regras básicas", que acabam por regular o cotidiano dos sistemas econômicos e se torna. 5

Sob esse ponto de vista, o Estado, por meio do Poder Legislativo, deve regular a vida econômica. Normalmente, essa atividade resume-se na outorga de direitos aos empresários que produzam benefícios efetivos e na imputação de deveres àqueles que hajam de forma contrária.

Será, entretanto, que a manutenção da responsabilidade é um gravame imposto pelo Poder Legislativo em função do empresário produzir efeitos negativos no exercício de sua atividade?

A resposta é negativa!

No caso do empresário individual, o Legislador não regula a sua atividade de forma equitativa, porque o recompensa com medidas ineficazes e inúteis - o princípio da responsabilidade ilimitada -, tudo em contraposição com os efeitos benéficos que produz.

Frisam-se alguns para o melhor entendimento.

Um deles é ser uma alternativa de ocupação importante para uma parcela da população que tem condição de desenvolver seu próprio negócio. Este efeito é tão importante que demonstrou ser, no final da década de 80, uma alternativa para a ocupação de mão-de-obra excedente, porque nessa época houve recesso no crescimento econômico do país e, por conseqüência, o crescimento do desemprego. 6

Pode-se verificar, ainda, o quão pertinente são seus efeitos quando observamos que no Brasil foram constituídas 1.372,346 firmas individuais 7 entre os anos de 2001 a 2005, considerando-se as regiões Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul.

Outro importante dado, é que o empresário individual ocupa cerca de 7,3 milhões de pessoas em nosso país, ou seja, 9,7% da População Ocupada. 8

Conclui-se, então, que essa atividade é um "colchão" amortecedor do desemprego no Brasil.

Além disso, essa forma de atividade é um meio mais viável para o pequeno investidor que pode se organizar na forma de pequenos empreendimentos, atendendo a demanda de necessidades básicas e mais imediatas do consumidor e estando normalmente estabelecido próximo ao local de moradia, o que implica maior dispersão no território nacional. 9

É imperativa, por conseguinte, a conclusão que o empresário beneficia a sociedade de muitas formas e não recebe a contrapartida do Estado, no sentindo de políticas públicas aplicadas por meios de Leis que possibilitem o exercício da atividade empresarial individual de forma simples e segura.

Decorrência desse ato negativo por parte do Legislador são efeitos colaterais negativos para o empresário individual, e o primeiro deles é o afastamento ou desânimo das iniciativas individuais, investindo-se o capital em empreendimentos mais confiáveis e sólidos, o que, aliás, é comum.

Nesse diapasão, a atividade informal surge com toda a sua força. O seu manuseio não está sujeito às mesmas normas viciosas a que o empresário com constituição jurídica está. Assim, os empresários informais não são fiscalizados efetivamente, não pagam tributos ou encargos das relações trabalhistas – um grande exemplo disto é a existência dos chamados "camelôs" – e etc. E este é um ramo bastante promissor, basta examinar o seguinte:

a) que aqueles que não são registrados nas respectivas juntas comerciais representaram, no ano de 2003, 10.335.962 em todo país, e desse montante, os empresários individuais são 95%; 10 e,

b) o conjunto desses empresários informais produz atualmente uma receita de 17,6 bilhões de reais. 11

Esse, porém, não é necessariamente o destino de todos os empresários. Casos há em que o empresário é sócio de uma determinada sociedade empresarial, mas que, de fato, é ele quem a controla, sendo os demais apenas sócios "laranjas", e este tipo de artifício acaba por se constituir um fenômeno da vida econômica e que está à margem da lei. 12

O doutrinador português António de Arruda Ferrer Correia, em 1948, constatou a estrutura desse meio à margem da lei, ipsis litteris:

"[...] o que já pertence ao domínio do possível é que os fundadores da sociedade, todos à excepção de um, por acordo das partes, devam assumir a posição de meros sócios fictícios: não lhes será exigido que concorram para a formação ou integração do capital social, nem que realizem na empresa qualquer actividade própria de sócio (salvo a que for estritamente necessária à manutenção da aparência) – e em contrapartida não lhes pertencerá direito à percepção de dividendos, nem às chamadas quotas de liquidação, nem a qualquer forma de ingerência na administração da sociedade. Há uma só pessoa interessada na empresa – e, seja o que for que venha dizer-nos o Direito acerca disso, a verdade é que de facto, econòmicamente, a empresa pertence a essa pessoa. Estamos, pois, em presença de uma sociedade de facto e desde a origem nas mãos de um só". 13

Modernamente, no Brasil, o modelo jurídico-empresarial mais corrompido é o da sociedade limitada em razão da facilidade de constituí-la e da própria limitação da responsabilidade, porém, isso, para nosso sistema jurídico, é uma afronta, porque estamos coesos na premissa de que a natureza jurídica de toda sociedade é o contrato plurilateral, isto é, a sua existência se resume no acordo mútuo de duas ou mais pessoas que tem por finalidade a prática da atividade empresarial e o rateio dos resultados, sejam eles positivos ou negativos. Isto é o que está expresso no artigo 981, caput, do Código Civil. 14

A má utilização desse meio jurídico, no entanto, é fruto da própria inércia de nosso legislador. Conforme pensamento de Antonio Pereira de Almeida, ipsis litteris:

"Quando o legislador não fornece os meios adequados para satisfazer interesses econômicos e sociais legítimos, os particulares recorrem às formas jurídicas de que dispõem [...]. Foi o que aconteceu com as sociedades fictícias.

[...]

Mas, porque as sociedades fictícias e unipessoais se prestam a abusos e confusão de patrimônios, [...] a doutrina e a jurisprudência reagiram [...], nos últimos anos, o tema da limitação da responsabilidade do comerciante individual reganha atualidade, e a isto não é certamente indiferente a crescente importância nas economias modernas das pequenas e médias empresas, às quais o instituto se adapta particularmente". 15

Por fim, um grande efeito decorrente é a mortalidade das empresas. 16


2 - ANÁLISE CONSTITUCIONAL

2.1 – Considerações iniciais

Observamos nos itens anteriores que o legislador ordinário está em déficit com os empresários individuais, uma vez que o fato de subjugá-los ao princípio da responsabilidade ilimitada resulta num ônus de vários matizes, o que, efetivamente, condiciona a mudança do status quo no sentido de que esses empresários sejam beneficiados com a medida da responsabilidade limitada.

Essa conclusão obtida será analisada agora sob a ótica constitucional, tendo em vista demonstrar que: o déficit do legislador redunda numa inconstitucionalidade se o compararmos com a realidade jurídico-normativa dada a atividades similares; e que a concessão da responsabilidade limitada aos empresários individuais é constitucional, ou melhor, é uma exigência constitucional.

2.2 – Princípio da responsabilidade ilimitada: uma inconstitucionalidade patente

Ressaltamos que, no nosso entender, o problema da responsabilidade ilimitada do empresário individual redunda em uma inconstitucionalidade. Se fizermos o devido confronto entre o regramento estatuído ao empresário individual e aquele estabelecido aos empresários que exercem atividades empresariais de forma coletiva, isto é, mediante a constituição de uma sociedade empresarial, verificamos que há um tratamento desigual sem um fundamento plausível.

O empresário individual, conforme já salientado na seção retro, está subjugado ao princípio da responsabilidade ilimitada, que acaba por unificar todos os seus bens como uma garantia aos credores. Já os empresários que exercem as suas atividades econômicas associadamente com outros, dependendo do tipo de sociedade empresarial que escolham – como a limitada 17 -, respondem limitadamente sobre aquilo que investiram.

Na tabela logo abaixo demonstraremos isso com mais clareza.

Empresário individual: responde ilimitadamente pelas obrigações não adimplidas.

Sociedades empresariais: conforme o tipo de sociedade a responsabilidade dos sócios está limitada àquilo que integralizaram.

Tendo em vista esse panorama, o que afirmamos é que há um tratamento jurídico que culmina numa desigualdade e, por conseguinte, acaba por afrontar o princípio constitucional da igualdade expresso no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.

Devemos, no entanto, analisar o que significa o princípio da igualdade, para sabermos se, realmente, esse tratamento resulta numa desigualdade infundada.

O princípio da igualdade, sem maiores aprofundamentos, significa tratar equanimemente aqueles que estão num mesmo nível, porém, adquire outra faceta, que é tratar desigualmente os desiguais, tendo por fito buscar também um tratamento equânime.

Antes de adentrarmos na presente questão, pensamos ser importante realçar a ideia do jurista Seabra Fagundes que denota que o primeiro destinatário desse princípio é o próprio legislador, dando a entender que este, ao idealizar e criar uma lei, ipsis litteris:

"[...] deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas desigualdades". 18

Se o legislador é o primeiro destinatário do princípio da igualdade e deve observar as peculiaridades, em cada caso, antes de aplicá-lo, questionamos se realmente o nosso legislador foi equânime ao regular a atividade do empresário individual e de algumas sociedades empresariais?

O principal argumento que fundamenta essa distinção jurídica é o seguinte: quanto mais pessoas, maior o capital investido e, por conseguinte, maior o potencial de solvabilidade das obrigações empresariais assumidas; e, segundo essa ordem de ideias, o empresário singular, por ser único, teria um capital menor para aplicar e um menor potencial para solver as suas obrigações, o que, reflexamente, significa ter um maior risco de inadimplemento.

Essa premissa, por conseguinte, acabaria por justificar a responsabilidade ilimitada do empresário individual, pois, em razão do seu menor potencial de solvabilidade e do maior potencial de inadimplemento, todo o seu patrimônio serviria como um lastro quando tais potências se efetivassem.

Essa premissa, no entanto, não é um fundamento forte a ponto de legitimar esse tratamento jurídico tão dispare. O deferimento da limitação da responsabilidade a um empresário não pode ter por fundamento tal premissa, o risco em razão da pessoa e do seu investimento, mas o risco em relação à própria atividade econômica, isto é, deve-se analisá-la como sendo um fator natural e comum a qualquer atividade econômica e que, portanto, tanto o empresário individual como as sociedades empresárias estão sujeitos a sua incidência.

Todos os empresários têm isso como uma realidade, tanto que, apesar de quererem aplicar o capital que dispõem, o fazem mediante uma postura cautelosa, pois não desejam perder tudo aquilo que possuem em função dos riscos empresariais.

Sendo assim, a ideia de se limitar a responsabilidade dos sócios (empresários) 19 é comum aos mesmos, o que legitima e torna positiva a atitude do legislador de lhes proporcionar tal medida, bem como é uma idéia comum aos empresários singulares que, apesar disto, não foram beneficiados.

O Poder Legislativo não se atentou para tal situação, pois se reparasse, outorgaria o benefício da responsabilidade limitada às sociedades empresariais e aos empresários singulares, porém, como isso não fez, criou dois regimes jurídicos distintos, o que, patentemente, é uma inconstitucionalidade.

Segundo o ponto de vista por nós utilizado, empresários individuais e sociedades empresariais estão nivelados em razão dos riscos a que estão sujeitos, independentemente do tamanho de tal risco, portanto, tratá-los diferentemente não é buscar o principio constitucional da igualdade, mas afrontar tal princípio.

2.3 – O outro lado da questão: a limitação da responsabilidade do empresário individual é uma exigência constitucional

Um fato decorrente do exame que fizemos acima é que existe uma situação a qual o nosso Poder Legislador deve dar uma resposta positiva, isto é, deve limitar a responsabilidade do empresário individual como medida benéfica e, além de tudo, uma medida constitucional, porque outorgar esse benefício ao empresário singular é nivelar, juridicamente, a sua posição diante de algumas sociedades empresárias, o que significa observar o princípio constitucional da igualdade.

Ademais, a limitação da responsabilidade individual não é somente um imperativo que decorre da apreciação dessa situação fática diante do principio constitucional da igualdade, outros preceitos constitucionais maiores impõem ao nosso legislador o dever de criar situações benéficas ao empresário individual.

Analisaremos, contudo, uma questão, previamente, tendo por fito aclarar o que examinaremos posteriormente.

Quando salientamos questões constitucionais, salientamos a própria Constituição Federal, que representa não só a estrutura do Estado, a forma de aquisição do Poder (função legislativa, função judiciária e a função executiva) e o seu respectivo exercício, mas também representa os valores emergentes de uma sociedade, representa escolhas políticas e etc.

Com isso queremos frisar que o constituinte antes de criar a Constituição que lhe cabe, deve tomar posições, escolher ideologias, selecionar os valores que fundamentarão a norma maior, e os empresários ou a denominada livre iniciativa estão justamente nesse contexto, porque o constituinte de 1988 ao elaborar a nossa Constituição, escolheu a livre iniciativa, conjuntamente com o trabalho, como sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A livre iniciativa, assim, acaba por ser um princípio constitucional, mas não qualquer princípio constitucional, e sim um princípio constitucional politicamente conformador, que, segundo o jurista português J. J. G. Canotilho, significa, ipsis litteris:

"Designam-se por princípios politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflete a ideologia inspiradora da Constituição. Expressando as concepções políticas triunfantes ou dominantes numa assembléia constituinte, os princípios políticos constitucionais são uma Constituição política [...]". 20

Tanto a livre iniciativa como o trabalho se constituem numa concepção ideológica do próprio constituinte, tendo em vista que são fenômenos econômicos de grande expressão social, porém, quando tal opção foi positivada no artigo 1º, inciso IV, da Constituição, acabou por refletir também outra característica de enorme significação, que é ser um dos pilares da República Federativa do Brasil, ou seja, é ser um dos seus fundamentos, e ser um fundamento é ser uma diretriz para o Estado em todas as suas ações.

O Poder Legislativo, portanto, enquanto um órgão do Estado, está adstrito a esse fundamento, e deve em todas as suas ações observá-lo, mas não o fez quando instituiu o princípio da responsabilidade ilimitada em malefício dos empresários individuais, no entanto, ainda deve fazê-lo.

Esse aspecto, entretanto, não se esgota nisso, pois existe um dispositivo no artigo 170, inciso IX, da Constituição Federal que define que as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País devem ter tratamento favorecido.

Esse princípio é um princípio constitucional impositivo, pois, no âmbito da Constituição, impõe "[…] aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas". 21 22

Bem, conforme examinamos na seção retro, o empresário individual é um micro empresário ou uma empresa de pequeno porte, conforme o caso, e a limitação de sua responsabilidade expressa um tratamento jurídico diferenciado e benéfico, logo emerge ao Poder Legislativo o dever de outorgar essa medida.

Quando examinamos a problemática da limitação da responsabilidade do empresário sob a ótica constitucional, logo podemos afirmar que se trata de uma medida constitucional e, ainda mais, um dever ao Poder Legislativo de efetivá-la.


3 - LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

3.1 – Considerações iniciais

A limitação da responsabilidade do empresário individual é um tema atualíssimo e um dos mais intrigantes e apaixonantes do meio jurídico-empresarial, mas não se resume, unicamente, na afirmação de que a sua efetivação é importante ou que é constitucional ou uma exigência de cunho constitucional. Neste instante outro aspecto se mostra. A questão agora gira em torno do "como", ou seja, de que forma podemos buscar tal intento.

Tal aspecto foi objeto de investigação de muitos juristas que, no afã de lhe apresentar uma solução satisfatória, divergiram quanto à sua forma, isto em razão do ponto de vista que utilizaram, do meio histórico em que viveram ou, ainda, do contexto legislativo que estavam sujeitos.

Duas grandes correntes doutrinárias existem sobre o tema. A primeira é denominada de corrente objetiva em razão de pregar a limitação da responsabilidade do empresário singular mediante a separação patrimonial, isto é, com a divisão do patrimônio em dois, um pessoal e outro pertinente a sua atividade econômica, o empresário terá sua responsabilidade circunscrita a um conjunto de bens definidos, o que não permitirá aos credores relativos à sua atividade econômica buscarem bens de seu patrimônio particular, e nem os seus credores particulares buscarem os bens que formam esse patrimônio especial. A segunda corrente é chamada de subjetiva, pois seus adeptos visam limitar a responsabilidade do empresário individual por meio da personalização da empresa, do estabelecimento comercial ou a constituição de uma sociedade formada por um único sócio, meio este que faz surgir uma nova pessoa de direitos e deveres, a pessoa jurídica, que, por natureza, possui autonomia patrimonial e responde pelas obrigações adquiridas com o seu patrimônio, não sendo permitido aos credores buscarem os bens constantes do patrimônio do único sócio.

Dessas duas correntes, apenas analisaremos uma, a corrente objetiva.

3.2 – Formação doutrinária da corrente objetiva na Europa

Essa corrente jurídica tendente a formular um instituto hábil à limitação da responsabilidade do empresário individual encontra suas raízes no passado, mais precisamente no século XIX, e seu nascedouro foi na Europa, por volta de 1887, na Inglaterra, onde o jurista Sir G. Jessel suscitou pela primeira vez a problemática da limitação da responsabilidade do empresário individual.

Num certo momento, Jessel questionou sobre qual seria o fundamento lógico que levava muitos juristas a afirmarem que o empresário individual não deveria ter sua responsabilidade limitada. E tal questão, para ele, não se enquadrava mais nos moldes da sociedade em que vivia, pois, em virtude do alto grau que ela atingira, a manutenção da responsabilidade ilimitada do empresário singular significava uma "barbárie", isto é, um retrocesso. E não via a existência de nenhuma "lei natural" que sujeitasse esse tipo de empresário a responder por encargos superiores às forças dos investimentos que fizera. 23

O jurista argentino Enrique Aztiria elucida que a existência das companhias privadas na Inglaterra e o advento da Lei, em 1892, que instituiria as sociedades de responsabilidade limitada na Alemanha, seriam os motivos pelos quais Jessel afirmou o que afirmou, ademais, ambos os acontecimentos representaram naquele tempo um "grave peso" na evolução do assunto. 24

Ao analisar tais aspectos jurídicos oriundos de seu meio, Jessel notou uma lógica de caráter muito simples, que é: porque duas pessoas podem ter o benefício da limitação da responsabilidade e uma não?

Assim, como não verificou nenhum óbice, deduziu que o mais racional seria que o empresário individual também se beneficiasse de tal medida jurídica. 25

Jessel não foi o único que sentiu o impacto trazido pela criação das companhias na Inglaterra e a instituição das sociedades de responsabilidade limitada na Alemanha, outros também sentiram. Um exemplo disto foi o movimento doutrinário emergente da Suíça, onde muitos juristas se dedicaram ao tema.

Paul Speizer é um deles. Ele expressou que a implantação das sociedades de responsabilidade limitada na Alemanha demonstrou de forma decisiva a nítida distinção entre "fortuna comercial e fortuna privada", o que beneficiaria o empresário individual, porque, de fato, existiria uma separação entre patrimônio comercial e o individual do mesmo. E, ainda, "considerava que a exclusão das empresas individuais do beneficio da limitação da responsabilidade constituiria um privilégio injustificado das empresas sociais".26

Na Áustria, em 1910, outro jurista, o professor Oskar Pisko, se interessou também pelo assunto e resolveu dar-lhe vida real mediante a formulação de um projeto de lei.

Seu projeto de lei tinha por fundamento cinco princípios básicos, que são:

a) as "relações negociais" existentes e os respectivos riscos da atividade empresarial impõem a necessidade de se limitar a responsabilidade do empresário singular;

b) o legislador deferiu a limitação da responsabilidade em beneficio das sociedades e não ao empresário individual, porque aquelas possuem um "substrato", o conjunto de sócios, que possibilita a existência da pessoa jurídica;

c) sociedade empresarial e responsabilidade limitada não constituem uma união absoluta, mas o legislador preferiu restringir a aplicação de tal instituto àquela, pois tanto a sociedade de responsabilidade limitada como a anônima possuem um conjunto de bens (fortuna comercial) que serve de garantia caso a pessoa jurídica resultante não adimpla suas obrigações;

d) já que a responsabilidade limitada é deferida a esses tipos societários, basta constituir a mesma situação em beneficio do empresário individual (a separação patrimonial);

e) a eventual insegurança dos credores, em razão da implantação da limitação da responsabilidade do empresário individual, é assegurada pelo patrimônio separado que não estaria sujeito aos dissabores da vida particular de seu titular. 27

Os argumentos de Oskar Pisko poderiam levá-lo a formulação de dois institutos, que seriam: a personificação do patrimônio do empresário individual, o que resultaria na criação de uma pessoa jurídica e na posição do empresário como simples gerente; e a separação patrimonial, mantendo o empresário na titularidade. 28

Ele acolheu a segunda opção e traçou duas diretivas para a sua implementação, que eram: a constituição de um patrimônio com fim determinado; e o seu resguardo por meio de regra especifica. 29

O projeto de lei desse jurista somente logrou êxito em 1929 no principado de Lichtenstein, "mediante a incorporação e regulamentação da ‘Empresa individual de responsabilidade limitada’, em seu Código sobre o direito das pessoas e das sociedades". 30

Toda essa movimentação intelectual na Europa e a implantação do projeto de lei de Oskar Pisco em Liechtenstein resultaram em mais inovações.

O jurista Roger Ischer trouxe uma especial contribuição, pois, após criteriosa pesquisa sobre a responsabilidade, verificou que tal instituto tinha por origem a responsabilidade moral, mas que, modernamente, isto não mais se verificava. Seu fundamento seria o risco. E, sob este prisma, definiu a responsabilidade "como sendo a organização da repartição dos riscos entre os diversos membros da sociedade".

Questionou, também, sobre qual seria o empecilho da limitação da responsabilidade, já que, segundo sua definição, responsabilidade significa limitar riscos, e se o que concluiu seria imoral. E respondeu negativamente, porque considerou a responsabilidade como sendo uma definição técnico-jurídica. 31

Ademais, Roger Ischer não aceitou os princípios que fundamentaram o projeto de lei de Oskar Pisko, pois o considerou inaplicável na Suíça e, em razão disto, preferiu a personalização do patrimônio, o que resultou também em um projeto de lei. 32

3.3 – Formação doutrinária da corrente objetiva na Argentina

A exemplo do ocorrido na Europa, o assunto aqui na América do Sul também se desenvolveu.

Do que se tem notícia, em 1937, foi publicado na Revista del Colegio de Abogados de Buenos Aires um artigo intitulado de Responsabilidad Individual Limitada de autoria do professor argentino Lamadrid. No seu bojo, este jurista expressa que já há algum tempo pensava na hipótese de criar um novo instituto jurídico capaz de "produzir importantes benefícios no movimento econômico da sociedade", e que não sabia se essa idéia já havia sido elaborada em outros países em razão de não possuir tempo hábil e nem elementos para investigar tal hipótese. Porém, mesmo assim, reclamou para si toda a originalidade do pensamento que baseava o novo instituto. 33

E explicou a idéia que baseava a nova instituição nos seguintes moldes, ipsis litteris:

"Na realidade, não acontece outra coisa que desenvolver até sua última possibilidade o principio da responsabilidade no direito contratual, que é um dos caracteres, como é sabido, das sociedades anônimas e das de responsabilidade limitada.

Porque não estender ao individuo humano, a pessoa física, capaz de direitos e deveres, o benefício dessa limitação responsabilidade permitindo-lhe separar de seu patrimônio geral um ou vários particulares, afetando estes a responsabilidade de operações comerciais sobre determinado gênero de negócio? " 34

E finaliza seu raciocínio afirmando que, além do direito contratual, há formas de limitação já concebidas, como a situação do herdeiro que não responde pelas obrigações do de cujus com seus bens particulares. 35

A iniciativa inovadora de Lamadrid foi contraditada pelo professor Mario A. Rivarola, que publicou um artigo na mesma revista, na qual argumentou que desde 1914 já abordava o assunto quando ministrava aulas na Faculdade de Ciências Econômicas, e, em meio aos estudos sobre créditos e responsabilidade, ensinava aos seus alunos "que não acreditava longe o dia em que qualquer indivíduo pudesse, dentro da lei, e sem recorrer à sociedade anônima fictícia, limitar sua responsabilidade para determinada empresa". 36

O secretário da legislação suíça na Argentina, Jacques-Albert Cuttat, analisou tanto o projeto de lei de Lamadrid como a Lei de Liechtenstein e as comparou. E, após isto, entendeu que a aplicação do instituto da separação patrimonial seria um caso de conveniência de cada país, o que nos permite concluir que não tratou o tema como uma necessidade absoluta. 37

Posteriormente, em 1940, dois trabalhos sobre o assunto foram publicados na Argentina – ambos frutos de seminários ocorridos em 1938 e 1939 na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Nacional de La Plata, com coordenação do jurista Francisco Orione. 37

O primeiro, de Alberto Sordelli, continha ensinos e entendimentos que ratificavam a teoria do patrimônio separado com respaldo nos antecedentes europeus e na nova doutrina argentina sobre o caso. E o segundo foi desenvolvido por Ball Lima que também defendeu esta tese e propôs um "projeto de lei sobre afetação limitada do patrimônio individual". 38

Noutro momento, em abril de 1940, foi realizado o Primeiro Congresso Nacional de Direito Comercial da Argentina, onde frutificaram idéias de dois juristas, Carlos C. Malagarrida e Mario A. Rivarola, ambos defensores da limitação da responsabilidade do empresário individual por meio da separação patrimonial. 39

3.4 – Formação doutrinária da corrente objetiva no Brasil

O movimento intelectual que ocorreu na Argentina fez nascer o interesse de juristas brasileiros, uns preferindo a tese da separação patrimonial e outros a personificação.

Inicialmente, prevaleceram às teses subjetivas, para depois surgirem alguns adeptos da teoria objetiva.

O curitibano, Adolf Thiler, que, em 1940, abordou o tema, por influências de Lamadrid, Rivarola e Cuttat. 40

Três anos mais tarde, Trajano de Miranda Valverde, com fundamento na tese das fundações, afirma que "nenhum inconveniente advirá em se adotar o estabelecimento autônomo de personalidade jurídica", pois, para ele, caminharemos "talvez, mais rapidamente, com essa solução, para a separação da empresa de seu dono". 41

Em 1944, Adamastor Lima, na Revista Paraná Judiciário, demonstrou sua preferência pela sociedade constituída por uma única pessoa, ou "sociedade individual de responsabilidade limitada". 42

Em 1950, foi realizado o Congresso Jurídico Nacional Comemorativo do Cinqüentenário da Faculdade de Direito de Porto Alegre. Neste congresso dois juristas salientaram o tema da limitação do empresário singular, o primeiro foi o argentino Salvador R. Perrota, e o segundo foi o jurista brasileiro Antonio Martins Filho.

Salvador R. Perrota entende que a prática demonstra que a limitação da responsabilidade em função dos riscos sem causar danos aos credores é medida salutar e que beneficia a todo tipo de empresa. Ademais, assevera que os empresários, apesar de quererem aplicar o capital que dispõem, o fazem mediante uma postura cautelosa, pois não almejam perder tudo aquilo que adquiriram em razão dos riscos dos negócios. Assim, por conseguinte, afirma, ainda, que é natural surgir à idéia de limitação da responsabilidade do empresário singular por meio do instituto chamado "Empresa Individual de Responsabilidade Limitada". 43

A tese, no entanto, que realmente envolveu quem lá estava presente foi a do segundo palestrante. Ela versava sobre a limitação da responsabilidade do empresário singular por meio da personificação da empresa.

Para fundamentá-la, Antonio Martins Filho demonstrou que numa pequena análise sobre a história do comércio é possível notar que é "evidente a tendência de limitação da responsabilidade, que aliás corresponde a sua mais eqüitativa repartição dos riscos entre os agentes da atividade mercantil". 44

Esclareceu, ainda, que a noção do termo responsabilidade fundamenta a tendência crescente de se limitar responsabilidades, porque pensa no mesmo sentido de Roger Ischer, ou seja, o significado daquele termo jurídico não é mais a moralidade, e sim a noção técnico-jurídica de divisão "eqüitativa dos riscos". Ou melhor, a responsabilidade é nada mais do que "corrigir a repartição dos riscos, o que representa, afinal de contas, um problema de ordem técnica". 45

E, diante dessas argumentações, acha que é mais do que natural que o princípio da limitação da responsabilidade evolua em beneficio do empresário individual, porque, segundo ele, "encontra a sua explicação em imperativos de ordem sociológica, que nada mais significa do que a revolta dos fatos contra a lei". 46

O tema da limitação da responsabilidade do empresário singular somente girava em torno da personalização. Somente em 1956 foi publicada uma obra que abordaria a limitação sobre a perspectiva objetiva. Coube a Sylvio Marcondes Machado a sua criação.

Esse autor delineou todas as formas de limitação já existentes e as sujeitou a uma critica ferrenha para verificar qual delas melhor se encaixava na sistemática legal brasileira, e concluiu que a melhor seria a limitação da responsabilidade por intermédio da separação patrimonial, porque entendia que "o patrimônio separado fornece solução ao problema da empresa individual com responsabilidade limitada". 47

Para Sylvio M. Marcondes a efetivação legal do patrimônio separado em beneficio do empresário singular somente é possível se conjugarmos dois princípios: o primeiro é o instituto da universalidade de direito; e o segundo "consiste em circunscrever a responsabilidade patrimonial do empresário, na satisfação das relações passivas, ao limite do que constitua o ativo existente na empresa". 48

A universalidade de direito de direito, segundo esse autor, constitui a natureza do patrimônio, o que permite a separação patrimonial. 49

De 1956 até 2005 pouco se escreveu sobre o tema, o que, de certa forma, permitiu o seu atrofiamento. Somente em 2006 ele foi objeto de pesquisa. A advogada paulista, Wilges Ariana Bruscato, dissertou sobre o mesmo. 50

3.5 – Aspectos relevantes à pesquisa

Essa digressão histórica nos demonstra que há um pressuposto que fundamenta a teoria objetiva, que é: em virtude dos riscos naturais que são oriundos da atividade econômica, a limitação da responsabilidade para o empresário singular é uma necessidade imediata. 51

No tópico 1.3 supra, concluímos que a outorga desse beneficio ao empresário singular é de extrema urgência e importância e, ainda, que a manutenção do princípio da responsabilidade ilimitada se torna um contra-senso quando verificamos os efeitos positivos decorrentes do exercício da atividade econômica de forma individual para o meio econômico e o social e mesmo para o próprio Estado.

Além disso, sabendo que a responsabilidade limitada é deferida as sociedades empresariais, pois estas possuem um conjunto de bens (fortuna comercial) que serve de garantia caso a pessoa jurídica resultante não cumpra suas obrigações, basta constituirmos a mesma situação em benefício do empresário singular, ou seja, a separação patrimonial.

E essa separação patrimonial será possível, segundo a concepção de Sylvio Marcondes Machado, mediante a aplicação do instituto da universalidade de direito, pois disto resultará um patrimônio especial ou separado em beneficio do empresário individual; e a circunscrição da responsabilidade deste nesse novo patrimônio.

3.6 – Críticas importantes

Esses, então, são os principais fundamentos da teoria objetiva que busca limitar a responsabilidade do empresário singular, mas a nossa análise não se esgota em verificar tais bases. As mesmas nos sujeitam a criticá-las, pois são premissas contrapostas aos princípios vigentes no nosso Direito Privado que regem a atividade do empresário singular.

A tabela exposta logo abaixo demonstrara bem esse confronto.

Tabela 1 Tabela 2

 

Princípios regentes da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial: o princípio da divisibilidade patrimonial e o princípio da responsabilidade limitada.

Princípios do Direito Privado que regem a atividade do empresário individual: o princípio da unicidade patrimonial e o princípio da responsabilidade ilimitada

Esse diapasão cria um impasse, portanto.

Se, porém, a teoria que salientamos acima realmente destina-se a postular a possibilidade de se limitada a responsabilidade do empresário individual por intermédio da separação patrimonial, deve, por conseguinte, dar conta desse impasse no sentido de buscar um meio satisfatório para culminar no fim almejado.

Como crítica a essa teoria tem por paradigma os seus princípios versus os princípios vigentes no nosso Direito, formulamos as seguintes perguntas:

a) É possível a separação patrimonial para a constituição de dois patrimônios distintos mesmo sabendo-se que no nosso sistema jurídico vige o princípio da indivisibilidade patrimonial?

b) E sendo positivo, é possível limitar a responsabilidade do empresário individual ao patrimônio especial resultante, posto que a regra geral seja a da responsabilidade ilimitada?

É de ressaltar que tais questões possuem a característica de serem perguntas complementares à principal questão desta monografia, porque se a teoria que escolhemos não nos disponibilizar elementos jurídicos suficientes para fazer frente aos princípios que regem o nosso sistema jurídico – lembrando que são óbices jurídicos a ela -, não poderemos, por conseguinte, respondê-la num sentido positivo, mas de forma negativa.

Bem, nas próximas seções nos dedicaremos, a saber, se tal teoria oferece soluções ao que perquirimos.


4 – SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DE FATO

4.1 – Considerações iniciais

O objeto de nosso exame neste instante é responder a questão "a" do item 3.6 retro, para saber se o patrimônio do empresário singular pode ser dividido em dois, o que resultaria num patrimônio especial pertinente a sua atividade empresarial e num segundo, o patrimônio pessoal, sem que haja contato entre ambos.

Esse, porém, tema será analisado sob dois focos. O primeiro foco diz respeito a uma análise econômica da divisão patrimonial, para demonstrar que de fato a sua divisibilidade é admissível. E o segundo foco é afeto à elaboração de um substrato jurídico ao que de fato já existe.

Apesar de ambos os prismas se referirem ao mesmo objeto, iremos analisá-los apartadamente, pois cada um possui peculiaridades próprias.

Neste ínterim, tendo por escopo fazermos o exame do primeiro foco, abordaremos a teoria do jurista italiano, Alberto Asquini, denominada de "teoria poliédrica da empresa", porque nela é estudado, entre outros temas, o fenômeno da separação patrimonial no exercício da atividade empresarial.

Iremos analisar, portanto, essa teoria.

4.2 – Precedentes doutrinários quanto ao conceito jurídico da empresa

A formulação dessa teoria, pelo citado jurista, teve por pressuposto as grandes divergências doutrinárias ocorridas no seu tempo quanto ao conceito jurídico do instituto da empresa.

Verificaremos alguns exemplos de tais divergências para melhor entendermos essa teoria.

Foi com a implementação do Código Comercial Francês de 1804 que os juristas da época iniciaram o questionamento quanto ao conceito jurídico da empresa, pois no artigo 632 daquele diploma legal eram enumerados desde os atos de comércio até as empresas que as praticavam, porém, não existia um conceito legal da empresa. 52

Os doutrinadores franceses não obtinham muito sucesso ao definir a empresa, porque, geralmente, o conceito de empresa era desenvolvido em torno da ideia de atos de comércio, em que cada um possui aspectos particulares e outros similares, mas nunca há uma igualdade, o que permite conceitos diferentes. 53

Mesmo assim, muitas iniciativas se desenvolveram no sentido de definir a empresa enquanto instituto jurídico.

Na mesma Itália, outro jurista, Vivante, conceituou a empresa como sendo"[...] um organismo econômico que sob o seu próprio risco recolhe e põe em atuação sistematicamente os elementos necessários para obter um produto destinado à troca." 54

Já para o professor Alfredo Rocco, após analisar as várias espécies de empresas elencadas no artigo 3º do Código Civil Italiano, entende que o elemento "organização do trabalho de outrem" é o que melhor define o que seja empresa, devido estar presente em todas aquelas espécies. 55

Em Portugal, o já citado Antonio de Arruda Ferrer Correia, "pelo menos num certo momento de seu pensamento, equiparou a empresa ao estabelecimento comercial [...]". 56

No Brasil, em 1933, J. X. Carvalho de Mendonça definiu a empresa como sendo, ipsis littris:

"[...] a organização technico-economica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade". 57

Todas as definições acima expostas, ao que nos parece, não são convergentes. Uns se referem a "organismo econômico" ou "organização do trabalho de outrem", como sendo os elementos definidores do fenômeno chamado empresa, outros remontam a termos distintos, como "a organização technico-economica que se propõe a produzir" ou equiparam a mesma ao "estabelecimento".

Essas, então, são algumas das divergências que precederam e que fomentaram a formulação da teoria poliédrica da empresa.

4.3 – Aspectos relevantes dos precedentes doutrinários e a teoria poliédrica da empresa

Examinamos os precedentes doutrinários tendentes à conceituação da empresa, no entanto, apesar de existir muita divergência, podemos, mediante minuciosa atenção, abstrair do conteúdo deles algumas peculiaridades relevantes, que são:

a)os doutrinadores citados não se utilizam de institutos jurídicos para definir a empresa;

b) mas todos fazem uso de conceitos puramente econômicos para a realização desse fim.

Esses dois aspectos estão em consonância com a constatação de que a empresa não é um fenômeno jurídico, mas econômico e, por conseguinte, a inexistência de elementos jurídicos para conceituá-la é uma conclusão necessária.

Sylvio Marcondes Machado elucida melancolicamente a mesma constatação, ipsis litteris:

"E de concluir-se pela inexistência de componentes jurídicos que, combinados aos dos econômicos, formem um conceito genérico de empresa; ou, considera a constância do substrato econômico, pela inexistência de um conceito de empresa como categoria jurídica". 58

A empresa, portanto, é um fenômeno econômico.

Entretanto, essa conclusão não é a única, outro aspecto relevante é que esse fenômeno é complexo ou multifacetado.

Quanto a esse aspecto Alberto Asquini ensina que, ipsis litteris:

"O conceito de empresa é o conceito de um fenômeno econômico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil, pelo qual o fenômeno econômico é encarado. Esta é a razão da falta de definição legislativa; é esta, ao menos em parte, a razão da falta de encontro das diversas opiniões até agora manifestada na doutrina. Um é o conceito de empresa, como fenômeno econômico; diversas as noções jurídicas relativas aos diversos aspectos do fenômeno econômico". 59

Assim, não é possível e admissível um conceito jurídico amplo de empresa, porque sempre lhe faltará algo.

4.4 – Teoria poliédrica da empresa

A conclusão de que a empresa é um instituto das ciências econômicas e que possui múltiplas facetas é o que possibilitou Alberto Asquini criar a teoria poliédrica da empresa.

Essa teoria consiste no conjunto de constatações que tendem a individualizar cada aspecto econômico da empresa.

A empresa, sob seu aspecto econômico, possui no mínimo quatro faces, que são: a subjetiva, relativa ao empresário; a funcional, pertinente à empresa num sentido estrito; a patrimonial, correlata ao estabelecimento; e, por último, a corporativa, que caracteriza a empresa como instituição.

Segundo Alberto Asquini, a primeira face, a subjetiva, emerge do próprio artigo 2.082 do Código Civil Italiano, no qual está expresso que é "[...]empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada, tendo por fim a produção ou a troca de serviços". 60

Quanto ao perfil funcional, ele entende que a empresa "aparece como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado escopo". 61

O perfil patrimonial se erige no momento do exercício da atividade empreendedora, o que possibilita "a formação de um complexo de relações jurídicas", que uma vez expressado na seara patrimonial, "dá lugar a um patrimônio especial distinto para o seu fim, do remanescente patrimônio do empresário [...]". 62

E o corporativo é a análise da empresa como instituição, ou seja, a união de empresário e seus empregados e colaboradores.

4.5 – Aspectos relevantes à pesquisa

O exame da teoria poliédrica da empresa, quanto ao perfil instrumental, nos possibilita depreender que, na medida em que o empresário exerce a sua atividade econômica, surge um patrimônio sui generis em relação ao seu patrimônio particular.

Essa é uma conclusão que deflui da analise dessa teoria, porém, devemos verificar se ela é realmente verdadeira.

4.6 – Análise do patrimônio separado sob a ótica econômica

Toda pessoa física que se predispõe a exercer a atividade empresarial deve, de imediato, reunir os meios necessários para tal fim, angariando e organizando um conjunto de bens que possam dar base ao empreendimento.

Esse conjunto de bens, recursos e valores destinados ao exercício da atividade empresarial é denominado de estabelecimento empresarial.

Sob o prisma econômico, a formação do estabelecimento empresarial depende da conjugação de três elementos básicos, que são: o capital, o trabalho e a organização.

Oscar Barreto Filho ensina que para a consecução do objetivo econômico é indispensável, inicialmente, a aplicação de dinheiro (capital) na aquisição de bens atinentes ao exercício da atividade econômica (máquinas, matérias-primas, mercadorias e etc), mas esclarece também que isso não é suficiente, porque se não existir a conjugação de um elemento dinâmico, o trabalho, toda essa operação não se efetiva. 63

O trabalho é o elemento central entre aqueles que formam o estabelecimento, pois é o que possibilita, efetivamente, a produção de bens e serviços, ou seja, a mão-de-obra contratada pelo empresário manuseia e se utiliza dos bens que formam o estabelecimento comercial tendo por fito produzir bens ou prestar serviços.

O citado autor acrescenta, ainda, que os bens e os serviços são conjugados em razão do fim colimado, e daí surge, por consequência, o elemento estrutural (a organização), porque não basta "a coexistência desordenada de fatores de produção em uma quantidade qualquer; é preciso que os diversos elementos se encontrem em certa proporção, consoante a sua finalidade". 64

Visto isso, devemos nos atentar que o exame do estabelecimento do empresário singular permite constatar algumas peculiaridades que o difere do patrimônio pessoal do mesmo.

A primeira diz respeito à característica do estabelecimento empresarial ser um todo muito valorizado e que, por conseqüência, adquire autonomia em face do patrimônio pessoal do empresário.

Um exemplo são as marcas e patentes de determinadas empresas que são bens imateriais e que podem adquirir valores expressivos no mercado e se tornarem ícones de referencia para toda e qualquer pessoa.

Muitos empresários pagam caro para a aquisição do direito de uso, mediante contrato de franquia, dessas marcas e patentes (artigo 2º da Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994). 65

Esse exemplo nos demonstra que o estabelecimento pode ter mais valor do que o resto do patrimônio pessoal do empresário e, por via reflexa, ser considerado uma unidade distinta e autônoma.

Outra peculiaridade se refere ao fim a que o estabelecimento comercial está destinado e que o distingue visivelmente.

O jurista Geraldo Magela Leite explica que o estabelecimento comercial é um todo ou um complexo formado por bens materiais, imateriais ou de relações jurídicas, e que é voltado para um determinado fim, a realização do comércio. E sob esse aspecto entende que há uma similitude entre ele e o patrimônio separado, pois tanto um como o outro tem uma característica singular, a especialidade. Característica essa que faz com que o próprio estabelecimento não se confunda com os de mais direitos patrimoniais do mesmo sujeito e que obriga ao legislador a dar-lhe tratamento especifico. 66

A terceira peculiaridade é atinente à administração desses complexos de bens, pois, por muitas vezes, o estabelecimento é administrado separadamente. Um profissional qualificado pode ser contratado para geri-lo, ou mesmo o empresário o administra, mas tanto um como o outro o administram de forma autônoma do patrimônio não-empresarial mediante a discriminação dos bens que o formam e a criação de um balanço contábil próprio, entre outros.

Tendo em vista esses aspectos, podemos concluir que há de fato, e não juridicamente, uma linha tênue que separa o patrimônio particular e o patrimônio empresarial.

Alberto Asquini também analisou esse aspecto e ensina que, ipsis litteris:

"Tal patrimônio especial do empresário tem sido portanto, particularmente, estudado pela doutrina frente as seguintes considerações: que se trata de um patrimônio resultante de um complexo de relações jurídicas heterogêneos (reais, obrigacionais, ativas ou passivas) tendo objetos heterogêneos (bens materiais. Imóveis, móveis, bens imateriais, serviços); que o conteúdo de tal patrimônio especial é separado de tal maneira que nas relações que o regulam e nas quais não atua a lei, (como nos casos de gestão compulsória), mas a vontade privada (gestão voluntária, transferência etc.), esta pode abranger ou restringir o conteúdo de tal patrimônio discricionariamente (patrimônio bruto, patrimônio liquido dos débitos ou de alguns débitos etc.); que, enfim a característica eminente de tal patrimônio é a de ser resultante de um complexo de relações organizadas por uma força em movimento – a atividade do empresário – que tem o poder de desmembrar-se da pessoa de empresário e adquirir por si mesma um valor econômico (organização, aviamento); assim, tal patrimônio surge como uma entidade dinâmica, e não estática. A este patrimônio é dado o nome de estabelecimento concebido como universitas iurium". 67

Apesar disso, para fins de responsabilidade, tal separação patrimonial não existe, porque o empresário individual estará sempre sujeito ao regime jurídico constante do artigo 591 do Código de Processo Civil 68, respondendo com seus bens indiscriminadamente. 69 Mas mesmo não se reconhecendo essa separação patrimonial para fins de responsabilização, o nosso ordenamento jurídico institui um regime jurídico que dá tratamento ao estabelecimento do empresário singular como se fosse um patrimônio separado.

No artigo 1.143 do Código Civil está expresso que o estabelecimento pode ser "objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza".

Com tal tratamento, o estabelecimento é considerado uma universalidade de fato, que é um complexo de direitos e deveres reunidos e considerados como um todo para uma destinação especifica (artigo 90 do Código Civil).

Segundo o regramento exposto no artigo acima mencionado, o empresário pode desagregar todos os bens, direitos e deveres atinentes a sua atividade econômica de seu patrimônio, sem considerar os demais bens pessoais que o formam, tendo por fito alienar essa massa patrimonial mediante o trespasse.

Ademais, o mesmo diploma legal estabelece que o empresário singular, no exercício de sua atividade, deve usar um instrumento denominado de Diário, que é um livro no qual escriturará com individuação, clareza e caracterização, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa e, ainda, lançará nele o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico contábil legalmente habilitado e pelo próprio empresário (artigo 1.184 do Código Civil e § 2º do mesmo artigo).

Esses direitos outorgados e os deveres impostos ao empresário individual são relativos somente ao seu estabelecimento empresarial, sem considerar o seu patrimônio particular e, por conseguinte, está claro que o Código Civil dá tratamento jurídico diferenciado a essa massa patrimonial. 70

4.7 – Considerações finais

A principal finalidade da teoria objetiva é a separação patrimonial de modo que o empresário singular possua duas esferas patrimoniais distintas, a particular e a empresarial.

Economicamente isso é admissível.

O patrimônio formado pelo empresário para dar base ao seu empreendimento é denominado de estabelecimento, e, na medida em que este é usado por aquele, ganha autonomia ou, por assim dizer, se torna um patrimônio especial ou separado.

Seus elementos têm uma grande valorização no mercado e são avaliados por terceiros de forma dissociada em relação aos demais elementos do patrimônio pessoal do empresário. Também se diferencia em razão da finalidade a que é destinado, que é a atividade empresarial. E, por fim, possui regime jurídico totalmente diferente.

Essa separação patrimonial, entretanto, é apenas funcional, o que significa que juridicamente o estabelecimento não é considerado um patrimônio separado e a regra da responsabilidade ilimitada persiste.

Com efeito, nos caberá adiante coletar elementos jurídicos suficiente para dar um substrato jurídico a essa separação patrimonial econômica ou de fato, bem como respondermos a questão "a" exposto no tópico 3.6.


5 – SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DE DIREITO

5.1 – Considerações iniciais

Examinamos na seção anterior que, quando o empresário individual exercita sua atividade econômica, acaba por agregar mais direitos, bens e obrigações ao seu patrimônio, porém, quando analisada essa agregação patrimonial sob a ótica econômica, temos uma linha tênue que a distingue e, por assim dizer, a separa do patrimônio geral do empresário individual, pois, claramente, trata-se de um patrimônio com caráter empresarial.

Essas duas massas patrimoniais são somente discerníveis sob a ótica econômica, o que não condiciona nenhum efeito na seara jurídica, ou seja, de fato, sob a ótica jurídica, o empresário individual não possui duas esferas patrimoniais distintas e independentes e, uma vez não cumprindo suas obrigações, responderá com todo o seu patrimônio, seja ele de origem empresarial ou não.

Sabemos, no entanto, que a ideia de separação patrimonial tem um substrato fático, o que nos possibilita angariar elementos para dar a esse fenômeno econômico uma realidade jurídica ou um substrato jurídico.

Para culminar nesse fim, respectivamente, examinaremos os seguintes institutos de direito civil: a universalidade de direito, o patrimônio, a pertinência da correlação entre um e outro, e a efetiva separação patrimonial.

5.2 – Universalidades. Conceito

O Código Civil de 2002 classifica os bens sob diversos pontos de vista, que são: os bens considerados em si mesmos (artigo 79 a 91); os bens reciprocamente considerados (artigo 92 a 97); e os bens públicos (artigo 98 a 103). E o que interessa a presente pesquisa é o primeiro prisma utilizado pelo legislador, mais precisamente, uma de suas subclassificações, a universalidade de direito (artigo 91 do Código Civil).

Etimologicamente, a palavra universalidade é derivada do latim universitas, de universales, que encerra a idéia de generalidade ou totalidade. 71

Esse vocábulo, ainda, gramaticalmente, é um substantivo, portanto, tem a finalidade designar algo ou alguma coisa.

Fazendo a conexão entre o sentido etimológico dessa palavra e sua natureza gramatical, é possível depreender que tal vocábulo indica algo ou alguma coisa que possui como característica marcante a totalidade ou a generalidade.

No Direito Privado, o instituto da universalidade significa a consideração unitária de coisas72 singulares ou relações jurídicas, mas que mantém cada uma sua autonomia funcional.

O sentido etimológico e gramatical desse vocábulo, por conseguinte, está presente na sua definição jurídica, porque a idéia de totalidade ou generalidade no Direito, quanto à universalidade, significa consideração unitária ou totalizadora de coisas ou relações jurídicas singulares e independentes.

O doutrinador italiano Roberto Ruggiero acrescenta que tal terminologia foi primeiramente empregada pelos jurisconsultos romanos, pois se baseavam na filosofia estóica, que dividia as coisas em três gêneros 3:

a) os simples: que são as "coisas que constituem uma unidade natural, como a pedra e a viga".

b) os compostos: que é a união corporal de coisas simples, sem que nenhumas destas percam a sua individualidade, como "o edifício, o navio, o armário".

c)e a universalidade: em que coisas individuais são consideradas unas ou um todo, como "o povo, a legião e o rebanho".

Dos ensinamentos romanos essa classificação passou para a doutrina moderna.

Nesse ínterim, é importante frisar e ressaltar que o ato de atribuir agregação ou unidade às coisas e às relações jurídicas individuais e independentes é puramente ideal e que, por conseqüência, não faz parte da natureza intima daquilo que estará sendo abstratamente agregado.74

5.3 Universalidade de direito

Feita a análise da acepção etimológica, gramatical e jurídica desse instituto, é de se antecipar que a doutrina tradicional afirma que tal instituto possui duas subespécies, a universalidade de direito e a universalidade de fato, e que tal dicotomia é devida aos glosadores e, em especial, a Bartolo, que teve contato com as escrituras romanas. 75

A cultura jurídica brasileira absorveu essa divisão, que foi positivada no Código Civil de 1916 (artigo 54 a artigo 57) e no Código Civil atual (artigo 90 e artigo 91).

Das duas espécies apenas uma será analisada, a universalidade de direito, porque esta é que serve aos propósitos desta pesquisa.

Apesar da universalidade de direito estar positivada, o seu conceito causa muita discussão doutrinária, e quanto mais se busca pacificar os entendimentos, menos consenso se obtém.

Clóvis Beviláqua ao planejar o projeto primitivo do Código Civil de 1916, intencionalmente, não quis incluí-la neste diploma legal e, muito menos, a universalidade de fato, pois as considerou artificiais, sem interesse prático e, ainda, em virtude da indecisão da doutrina a respeito, havendo naquela época muita obscuridade que não fora sanada. 76

Bem, a universalidade de direito é de essencial importância para esta pesquisa, porém, não cabe, neste momento, "mergulharmos" nas discussões doutrinárias quanto ao assunto, pelo contrário, nosso problema é de direito positivo, portanto, devemos buscar seu significado real no conteúdo do Código Civil.

5.4 – Conceito. Interpretação do artigo 91 do Código Civil

A definição da universalidade de direito, segundo o atual Código Civil, resulta do artigo 91, no qual está expresso: "Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico".

Se não é possível formular um juízo perfeito relativo a uma cidade sem conhecer suas diferentes regiões, da mesma forma não se dá com esse conceito legal, portanto, iremos fragmentá-lo em seus elementos fundamentais, pois conhecendo as partes, conheceremos o todo e poderemos exteriorizar um conceito mais exato.

Da análise da definição legal desse instituto se obtém os seguintes elementos:

a)"o complexo": este é um termo que significa e indica tudo aquilo que abrange ou encerra muitos elementos ou partes.

A universalidade de direito, então, é constituída por algo que abrange ou encerra muitos elementos ou partes.

b)"de relações jurídicas" 77: destes vocábulos conclui-se que a universalidade de direito é formada por vínculos existentes entre pessoas, em virtude de uma norma que cria direitos e deveres. 78

A relação jurídica é um instituto fundamental 79 do direito privado que demonstra ser uma "situação de bilateralidade" existente entre sujeitos, um em posição de poder, e o outro "em correspondente posição de dever". Situações essas criadas pelo direito para a proteção de um interesse, "entendendo-se como interesse a necessidade de bens materiais ou imateriais que constituem em razão para agir". 80

Segundo o texto legal, por conseguinte, o que constitui auniversalidade de direito é cada relação jurídica em que uma determinada pessoa participa.

Não consideramos, porém, que essa conclusão seja a mais correta, só que manifestaremos o nosso posicionamento após a análise do próximo item.

c)"de uma pessoa": o termo "de" é uma preposição, isto é, um elemento gramatical que liga partes de uma oração, exprimindo as relações que elas têm entre si.

No caso em tela, esse vocábulo estabelece uma relação entre os vocábulos: "complexode relações jurídicas" e "uma pessoa".

Essa correlação nos permite inferir que uma pessoa exerce "posse" sobre um complexo de relações jurídicas, ou melhor, que estas lhe pertencem, porém, questionamos: esta conclusão é a mais acertada?

Cremos que não, pois as relações jurídicas, conforme já analisado, são apenas vínculos que interligam duas ou mais pessoas, e nada mais. Quando uma pessoa participa de uma determinada relação jurídica como credor ou devedor, não tem posse, não é dona do vinculo abstrato, o que, efetivamente, ela detém são os direitos e deveres oriundos dele.

Agora,quanto à questão formulada no item retro, podemos respondê-la da seguinte forma: o que constitui a universalidade de direito são os direitos e deveres pertencentes a uma pessoa física ou jurídica.

d)"dotadas de valor econômico": os direitos e deveres, que encerram a universalidade de direito, devem ser apreciáveis pecuniariamente, que são: os direitos reais; os créditos; as dívidas; os direitos à indenização decorrente de danos materiais e morais e etc; e, por conseguinte, não se enquadram: os direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, ao nome, à integridade física, entre outros; os direitos e deveres de família puros, como o poder familiar e a lealdade conjugal e etc.

Ainda, no entanto, resta uma dúvida concernente à correlação da denominação universalidade de direito e o conceito que advenho de nossa conclusão.

O adjetivo direito significa lei, e tal termo, gramaticalmente, imprime qualidade ao substantivo universalidade, o que designa que esta somente é instituída por lei, e tal conclusão é adotada por muitos doutrinadores. 81

A universalidade de direito, assim, é a consideração unitária, feita pela lei, dos direitos e deveres apreciáveis economicamente, que são decorrentes de vínculos jurídicos (relações jurídicas) e que pertencem a uma única pessoa, seja ela física ou jurídica.

5.5 – Finalidade da universalidade de direito

Sabemos o conceito da universidade de direito, porém, qual a sua finalidade jurídica?

São poucos os doutrinadores que analisaram e exteriorizam uma noção de qual seja a finalidade jurídica desse instituto.

Os juristas Roberto Ruggiero, Arnoldo Wald e Barbosa de Magalhães analisaram o fim desse instituto. O primeiro esclarece, de forma literal, que a finalidade da instituição da universalidade de direito pela lei é sujeitar o complexo de direitos e deveres de uma pessoa a um regime jurídico distinto daquele que rege cada um individualmente, o que culmina na criação de um patrimônio separado ou especial. 82 O segundo e o terceiro pensam que a finalidade do instituto é também sujeitar o complexo de direitos e deveres de uma pessoa a um regime jurídico distinto daquele que rege cada um individualmente, porém, são omissos quanto à criação do patrimônio separado. 83

Entendemos que a afirmação do primeiro jurista é mais completa, porque a existência do próprio patrimônio separado pressupõe um regime jurídico diferenciado, isto é, a lei estabelece um conjunto de regras especificas e diferentes das regras que regulam o patrimônio geral.

Esse novo conjunto de normas viabiliza a desagregação de direitos do patrimônio geral, formando um todo único, um patrimônio especial que coexistira e se manterá incomunicável com aquele, entre outros aspectos.

Compreendemos, portanto, e em tese, que a universalidade direito estabelece um regime jurídico diferenciado a determinados direitos de um patrimônio, o que pode redundar na separabilidade patrimonial e, por conseguinte, a criação de um todo independente, o patrimônio especial.

5.6 – Aspectos relevantes à pesquisa

A universalidade de direitopode cumprir, enquanto instituto jurídico, um papel importante no contexto desta pesquisa, pois se se presta realmente a criar patrimônios separados, teremos o que almejamos.

Clarificada a ideia de universalidade de direito e sua finalidade, iremos buscar uma melhor compreensão quanto ao conceito de patrimônio e a sua correlação com aquele instituto, tendo por intuito saber se a universalidade de direito realmente cria um regime jurídico diferenciado tendente a cindir um patrimônio, criar duas esferas patrimoniais distintas e permitir que ambas coexistam harmonicamente.

5.7 – Patrimônio. Conceito

Patrimônio é, segundo o entendimento comum, a reunião de bens pertencente a uma pessoa e que tenha uma utilidade econômica, de modo a poder avaliar-se diretamente em dinheiro, no entanto, em sentido jurídico, é o complexo de relações jurídicas relativo a uma pessoa, que tem uma utilidade econômica, e são, por isto, suscetíveis de estimação pecuniária. 84

Esse é o entendimento doutrinário, porém, não concordamos.

O problema se localiza na conclusão de equiparar a relação jurídica aos direitos e deveres dela resultantes.

O jurista San Tiago Dantas demonstra bem essa equiparação quando ensina que dizemos "[...] relações jurídicas para abranger seus dois elementos, o direito e o dever. Tanto fazem parte de nosso patrimônio os direitos subjetivos que temos contra outras pessoas, como os deveres que também tenhamos [...]". 85

Para se obter uma noção correta desse instituto, é necessário "separar o joio do trigo".

Conforme já examinado, as relações jurídicas são vínculos abstratos que interligam um credor e um devedor, no mínimo, e que tanto o credor como devedor não podem ser donos ou possuírem relações jurídicas. O que pertencem a eles não são as relações jurídicas propriamente ditas, mas os direitos e deveres que delas advêm.

O patrimônio, portanto, é, mais acertadamente, o complexo de direitos e deveres apreciáveis economicamente, e que pertencem a um sujeito de direito em razão de figurar como credor ou devedor em diversas relações jurídicas.

É de se atentar, também, que todo direito ou dever recai sobre um bem, fato que é melhor analisado, por exemplo, numa operação de venda e compra 86, na qual uma pessoa tem o direito de receber determinada coisa móvel e o dever de pagar em dinheiro por ela, e outra pessoa, respectivamente, tem a obrigação de transferir o objeto da negociação e o direito de receber o pagamento a que faz jus (artigo 481 do Código Civil).

Esses objetos exteriores, no entanto, não são considerados em si mesmos para a conceituação do patrimônio, porém, são considerados em relação aos direitos e deveres que recaem sobre eles, e que pertencem a uma pessoa.

Um bem está na esfera jurídica de alguém, pois esse alguém tem direito sobre ele ou um dever.

O patrimônio é composto de direitos reais, de direitos obrigacionais, dos direitos intelectuais, do direito à indenização em virtude de dano material ou moral, dos direitos de caráter econômico relacionados às relações de família, como, por exemplo, o direito à pensão alimentícia, entre outros.

Em suma, esse enquadramento é exemplificativo, mas o que deve orientar o interprete em cada caso concreto é o que caracteriza os exemplos citados, que é a qualidade dos direitos e deveres serem apreciáveis pecuniarimente.

Ainda, deduzimos que não se incluem no conceito de patrimônio todos os direitos e deveres não apreciáveis economicamente como os direitos da personalidade, os direitos puros de família e etc.

Outro aspecto, que não pode ser esquecido, é que o patrimônio pode ser considerado somente pelo conjunto de direitos e deveres, quando é denominado patrimônio bruto, ou então, descontando-se deste último, o conjunto de débitos, quando se tem o patrimônio líquido. A aplicação tanto de um como do outro, vária para se estatuir regimes jurídicos diversos.

5.8 – Natureza Jurídica

A natureza jurídica do patrimônio é um assunto árido e há uma grande divergência doutrinária.

Sobre tal questão debatem-se vivamente duas correntes: a clássica ou subjetiva e a moderna ou objetiva.

A teoria clássica foi elaborada por dois juristas franceses, Aubry e Rau, que entediam que o patrimônio era um prolongamento da personalidade humana, ou melhor, uma figura econômico-jurídica essencialmente ligada à personalidade, o que nos faz concluir que entre o patrimônio e a personalidade existe um nexo intimo e indissolúvel.

Sob a luz desse princípio, Aubry e Rau afirmam o seguinte, ipsis litteris:

"Por ser o patrimônio a emanação da personalidade e a expressão do poder jurídico de que uma pessoa se acha como tal investida, resulta: 1 - que só as pessoas físicas ou jurídicas podem ter um patrimônio; 2 - que toda pessoa tem, necessariamente, um patrimônio, ainda que atualmente nenhum bem possua; 3 - que a mesma pessoa só pode ter, um patrimônio, segundo o sentido próprio deste vocábulo [...]". 87

Já em contraposição a essa teoria, erige-se a teoria moderna que tem por cerne a afirmação de que inexiste patrimônio quando não há bens efetivamente.

Entendem seus defensores que os adeptos da teoria tradicional não levam "na devida conta a circunstância de representar, o patrimônio, o ter e não o ser de uma pessoa, erro do qual resultou a rigidez de suas conclusões". 88

A teoria moderna nega a tese central de que o patrimônio seja emanação da personalidade, entendendo que a constituição econômica não guarda tal vínculo de dependência.

Para fins dessa tese, portanto, o patrimônio é um conjunto de bens coesos, e o que os interliga ao sujeito de direitos é o fim que a eles é dado 89, ou seja, são bens afetados.

5.9 – Impasse e solução

Analisamos no tópico 5.6que a universalidade de direito pode dividir um patrimônio. Já no tópico 5.7 concluímos que faríamos o exame do instituto do patrimônio e a sua correlação com o instituto da universalidade de direito, tendo por fito saber se isso resultaria na constituição de dois patrimônios, no entanto, após verificarmos o conceito do primeiro instituto e sua natureza jurídica, nos deparamos com uma situação que poderá não permitir essa correlação, que é a sua natureza jurídica.

A natureza jurídica do patrimônio é um tema complicadíssimo e duas teorias postulam a verdade, porém, nenhuma das duas nos autoriza concluir que a universalidade de direito seja aplicável ao patrimônio e que tal correlação redunde na existência de dois patrimônios, o geral e o especial.

A primeira teoria professa que há uma interligação indissolúvel entre patrimônio e personalidade, o que resulta na unicidade patrimonial e na indivisibilidade da mesma.

A segundo teoria entende que não existe tal interligação e que o patrimônio é apenas um conjunto de bens destinados a um fim, sem considerar a aplicação do instituto da universalidade de direito.

Existe, portanto, um impasse.

Entre essas duas correntes doutrinarias, porém, existem muitas outras.

O jurista português Paulo Cunha alerta que, ipsis litteris:

"[...] rigorosamente não há, no campo das doutrinas, saltos bruscos. Os cambiantes, as modalidades, as modificações aceitas pelos autores; as adoções parciais de teorias diversas, sendo aceito por um escritor certo aspecto que outro repudia, para logo se verificar a hipótese inversa relativamente a um segundo e a um terceiro aspecto; a inevitável interpenetração de doutrinas daí resulta, - tudo isso se dispõe de maneira que de um extremo a outro das concepções em conflito se estabelece insensível transição, uma série de gradações e de pequenas modificações, que permitem ir passando de uma doutrina para outra, sem aparecer flagrante a mudança de concepção.

Das teorias mais exclusivamente personalistas, até as mais rasgadamente objetivistas, pode caminhar-se através de uma gama de modalidades doutrinárias, cujas diferenças são quase imperceptíveis, se formos seriar todas essas modalidades e considerá-las uma a uma". 90

O mesmo jurista, mediante clara lucidez, define sistematicamente o conteúdo de cada uma das teorias que versam sobre a natureza do patrimônio 81, que são:

a) Primeira teoria: o patrimônio constitui emanação da personalidade, e com ela quase se confunde, fato este que lhe imprime três características: a unicidade, a indivisibilidade e a inseparabilidade da pessoa (inalienável e indispojável). Todo e qualquer desvio existente na lei e que se afaste desta concepção é uma anomalia ou desnaturação.

b) Segunda teoria: esta tende a preservar os mesmo princípios da primeira, pois considera que o patrimônio mantém uma noção intimamente ligada á personalidade e, em razão disto, constitui uma unidade única, indivisível e inseparável da pessoa. Mas admite exceções para que tal concepção não se torne dogmática, porque se deve, em alguns momentos, moldá-la à realidade.

c)Terceira teoria: os defensores desta teoria argumentam que é exagerada e, de certa forma, errada a afirmação de que o patrimônio seja uma noção intimamente ligada à personalidade e, por isso, não admitem os princípios da unicidade, indivisibilidade e inseparabilidade do patrimônio.

Ademais, mudam o eixo de análise, pois argumentam que a personalidade é um pressuposto de existência do patrimônio e, ainda, que este é uma universalidade de direito, porém, sem erguer como princípios básicos à ligação do patrimônio à personalidade.

d) Quarta teoria: professam seus seguidores que o patrimônio não é um prolongamento da personalidade, ou que esta seja seu pressuposto e, além disso, recusam a característica do patrimônio ser uma universalidade de direito.

e) Quinta teoria: para esta o patrimônio é um conjunto de direitos subjetivos ou um complexo de bens que pode pertencer a uma pessoa ou não pertencer, fato este que demonstra que o patrimônio, em verdade, pertence a um fim a que está afetado.

f) Sexta teoria: o patrimônio é um complexo de riquezas, e seu pressuposto único é a afetação a que está sujeito, o que torna insignificante a argumentação que o patrimônio pertença a uma pessoa, que seja formado por direitos subjetivos.

É perceptível a complexidade do assunto relativo à natureza jurídica do patrimônio, mas entendemos que a terceira teoria é a que melhor se encaixa aos nossos propósitos e que seus princípios são fundamentos do nosso direito.

5.10 – Personalidade jurídica versus patrimônio

O conceito de personalidade está implicitamente definido no artigo 1º do Código Civil, que expressa: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil".

A personalidade jurídica, no texto de lei, é sinônima de capacidade, termo que, numa análise rápida, demonstra ser aplicável, porém, se nos aprofundarmos, constataremos que não é tecnicamente correto, porque o vocábulo "capacidade" possui um sentido estrito.

Capacidade ou capacidade jurídica indica o exercício de fato da personalidade jurídica pelo sujeito de direito. É uma técnica legal cujo sentido mais se enquadra à idéia de restrição ou limitação do exercício da personalidade.

Para nós a personalidade é a aptidão para adquirir direitos e deveres.

É de se esclarecer que a existência de um patrimônio é condicionada ao exercício da personalidade, enquanto aptidão, mas tal condicionamento não quer dizer interligação entre um e outro. A personalidade é apenas um pressuposto de existência, e somente isso.

A gênese do conceito da personalidade se resume na característica de ser ativa, isto é, quando uma pessoa a exercita, adquiri de imediato um direito ou um dever, o que efetiva a sua principal função, que é justamente ser aptidão dirigida à aquisição de direitos e deveres.

Tal característica precípua da personalidade também é o que permite a constituição de um patrimônio.

Quando um sujeito exercita a sua personalidade, participando de relações jurídicas, adquire os direitos e deveres que tais relações jurídicas lhe conferem. Se participar de relações jurídicas com características econômicas, como credor ou como devedor, adquirira direitos e deveres apreciáveis pecuniariamente.

Ora, o patrimônio não é justamente o conjunto de direitos e deveres apreciáveis pecuniariamente que pertence a uma dada pessoa?

Evidente que sim.

Os direitos e deveres apreciáveis economicamente adquiridos em razão de uma pessoa participar de relações jurídicas, exercitando claramente sua personalidade, formam um patrimônio.

Se uma pessoa, porém, não for credor ou devedor em relações jurídicas diversas, exercitando para esse fim a sua personalidade, conclui-se que não adquirirá direitos e deveres e, por conseqüência, não terá patrimônio.

Conclui-se, então, que a existência de um patrimônio está condicionada ao exercício da personalidade, o que confere a esta a qualidade de ser um pressuposto de existência do patrimônio, pois se exercitada, ele existirá, se não for exercitada, não existirá.

E, ainda, um aspecto desse fenômeno jurídico comprova que não há um liame indissociável entre personalidade e patrimônio, que é o fato de uma pessoa não exercitar sua personalidade para adquirir direitos e deveres, pois mesmo não existindo um patrimônio, essa aptidão persiste.

5.11 – Patrimônio versus universalidade de direito

O artigo 57 do Código Civil de 1916 esclarecia que o patrimônio era uma universalidade, no entanto, o artigo 91 do atual Código Civil se omite.

Vejamos, logo abaixo, as tabelas que demonstram, respectivamente, as posições de cada diploma legal.

Tabela 1 Tabela 2

 

Art. 57. O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais. (grifo nosso)

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Afinal, o patrimônio é ou não é uma universalidade de direito?

Era mencionado no artigo 57 do Código Civil de 1916 que o patrimônio constitui uma universalidade, no entanto, não diz se é de direito ou de fato.

Um de seus codificadores, Clóvis Bevilaqua, afirma, categoricamente, que para "o código civil, o patrimônio é uma universalidade de direito" 92, e muitos doutrinadores também assim entendem. 93

O atual Código Civil, entretanto, não frisa se o patrimônio é uma universalidade de direito.

Será que a nova sistemática civilista não outorga mais essa característica ao patrimônio?

Pensamos, em verdade, que o artigo 91 do atual diploma legal foi sintético e objetivo, ao contrário do artigo 57 do diploma legislativo anterior, que foi prolixo e exemplificativo ao mencionar como sendo universalidade de direito tanto o patrimônio como a herança.

Tanto o patrimônio como a herança 94 são complexos de direitos e deveres e também são universalidades de direito. O legislador atual nada mais fez do que expressar a essência desses dois institutos nesse artigo. Por isso não recorreu a exemplos.

Está claro, por conseguinte, que para o nosso Direito Privado o patrimônio é uma universalidade de direito, e isto se torna evidente quando analisamos o inadimplemento do devedor e a sujeição de seu patrimônio ao processo de execução instaurado pelo credor.

O artigo 591 do Código de Processo Civil expressa que a pessoa que não cumpre as suas obrigações responderá, para o cumprimento das mesmas, com todo o seu patrimônio ativo. 95

Essa norma, na hipótese de inadimplemento, aplica o instituto da universalidade de direito, porque o vocábulo "todo" demonstra isso.

A palavra todo significa totalidade ou generalidade, e tal termo está diretamente correlacionado com os seguintes termos: "responde" e "o seu patrimônio".

A lei, portanto, considera o patrimônio do devedor como um todo ou uma universalidade, tendo por fim torná-lo uma garantia em prol do credor.

5.12 – Patrimônio e universalidade: viabilidade da separação patrimonial

Dessa breve cognição podemos depreender que a personalidade é um pressuposto do patrimônio, e que este é uma universalidade de direito, mas outro aspecto deve ser ratificado, que é a divisibilidade patrimonial, porque queremos saber se a correlação entre o instituto da universalidade de direito e do patrimônio resulta na divisão deste.

Uma espécie de universalidade de direito brevemente analisada acima, a herança, demonstra ser um fato jurídico muito importante e de grande relevância ao fim que pretendemos culminar.

Havendo a morte de uma pessoa natural seu patrimônio, de imediato, "defere-se como um todo, ainda que vários sejam os herdeiros" (artigo 1.791 do Código Civil), e permanecerá como uma universalidade de direito até a partilha, quando serão divididos os quinhões e transmitidos em definitivo a quem de direito (os herdeiros, caso não haja testamento, pois, se houver, participaram também os legatários). Mas para que o herdeiro, de fato, receba parte do patrimônio do de cujus,deve aceitá-la mediante declaração expressa (por escrito), ou tacitamente (quando o herdeiro age como se fosse dono das coisas que compõem a herança - artigo 1.804 c/c o artigo 1.805 do Código Civil).

Na esfera jurídica do herdeiro, com a aceitação e até a partilha, existem dois patrimônios, o particular e a herança propriamente dita, e esta não se comunica com aquele em função da lei lhe imprimir a qualidade ser uma universalidade, isto é, torna-se um patrimônio separado com direitos e deveres próprios sujeitos a um regime jurídico singular, e, em função desta ordem de ideias, os credores do falecido terão seus direitos satisfeitos até o montante ativo da herança e não poderão buscar os direitos e bens particulares dos herdeiros.

Não há, porém, somente esse exemplo de separação patrimonial, outros existem no bojo do nosso atual Código Civil.

A título de exemplo, o instituto da comunhão parcial se caracteriza por instituir dois patrimônios distintos em beneficio dos cônjuges, que são, por exemplo:

a) o patrimônio comum: que é o conjunto de direitos e deveres que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, e cada um dos cônjuges é titular em comum do mesmo patrimônio (artigo 1.658 e artigo 1.660, incisos I a V, do Código Civil).

b) patrimônio particular de cada cônjuge: que se constitui de todos direitos e deveres que tinha antes do casamento e aqueles que não se comunicam com o patrimônio comum (artigo 1.659, incisos I a VII, e artigo 1.661 do Código Civil).

E, ainda, por lógica, o Código Civil, no seu artigo 1.666, dispõe que as dívidas, contraídas por qualquer um dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns, o que nos permite concluir que os credores pessoais, em relação a esses bens particulares, não podem buscar os bens comuns, e o inverso também não.

Aquele casal que escolher o regime de comunhão parcial e expressar tal opção no pacto antenupcial (artigo 1.653 do Código Civil), se beneficiará da possibilidade de possuir dois patrimônios diferentes, o comum e o particular.

Enfim, é notório, nesse caso, que a divisibilidade patrimonial é viável e, por conseqüência, a existência de dois patrimônios com finalidades distintas na esfera jurídica do titular.

5.13 – Apontamentos

Corroborada está, portanto, a terceira teoria, que é a adotada pelo nosso Código Civil, pois descobrimos que a personalidade é um pressuposto do patrimônio, que este é uma universalidade de direito e que a correlação entre patrimônio e universalidade viabiliza a divisibilidade patrimonial e, por conseguinte, a existência de dois patrimônios.

O jurista J. M. de Carvalho Santos ao comentar o artigo 57 do Código Civil de 1916 exterioriza o mesmo entendimento, porque para ele a personalidade "não é mais do que um pressuposto exterior; uma qualidade do sujeito", e como tal "não se pode dizer que a personalidade do sujeito penetre no patrimônio", e tanto é assim que este pode ser cindido em beneficio do sujeito "e não é indivisível, como deveria ser, se aquela penetração da personalidade fosse verdadeira. Porque se a personalidade é una, não pode ser cindida pelo sujeito, nem dividida em partes". 96

5.14 – Patrimônio Separado

Cumpre-nos alertar também que, em razão do patrimônio separado ser uma universalidade de direito, a sua constituição somente pode ocorrer se houver disposição legal que assim o permita, caso contrário, não ocorrerá.

O jurista alemão Andréas Von Tuhr afirma que a regra da unicidade patrimonial é norma geral, porém, "excepcionalmente, e por disposição da lei, um grupo de direitos, em certa medida, pode ter existência separada do patrimônio". E conclui que não cabe ao titular "dividir arbitrariamente seus direitos patrimoniais em duas massas distintas". 97

Para que a pessoa física que exerce atividade econômica individualmente possa se beneficiar, assim, deve o legislador positivar o instituto da separação patrimonial atinente à atividade empresária.

Ainda quanto à afirmação de Von Thur, há um princípio explícito que demonstra a sujeição do titular do patrimônio separado a somente integrar nele direitos, o que nos faz deduzir que não poderá isto quanto às obrigações, assim, inicialmente, o patrimônio especial somente se constituirá de direitos; ademais, acrescentamos que tais direitos devem ter por objetos bens livres e desembaraçados, isto é, que não haja sobre eles quaisquer tipos de ônus como o penhor, a anticrese ou a hipoteca, entre outros, que são direitos reais de uma segunda pessoa (o credor) e, por tal razão, servem de garantia (artigo 1.419 e segs. do Código Civil). Se o titular transferisse direitos cujos objetos estão onerados, tal possibilidade se qualificaria como sendo fraude contra credores (artigo 158 do Código Civil).

Neste instante, cabe a seguinte pergunta: um patrimônio especial formado somente por direitos não feriria o conceito geral de patrimônio, já que este é considerado como sendo o complexo de direitos e deveres?

Concluímos que não, pois quem pode o mais, ter um patrimônio formado por direitos e deveres, pode o menos, um patrimônio formado somente de direitos. Além disto, uma universalidade de direito não se forma necessariamente de direitos e deveres, casos há em que não existe um passivo, mas somente o ativo, como a herança, pois o de cujus, quando em vida, pode não ter contraído dívidas.

Outra exemplificação de universalidade de direito formada somente pelo ativo vem do julgamento prolatado pelo STJ em sede de recurso especial, no qual foi relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, que diz, in verbis:

"I – PROCESSUAL – FGTS – NATUREZA JURÍDICA - CORREÇÃO MONETÁRIA - LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO.

1. O FGTS é uma universalidade de direito (CC, Art. 54, II) constituída pela agregação dos saldos em contas vinculadas. Tais saldos, uma vez agregados, perdem individualidade, tornando-se cotas ou frações ideais. Os trabalhadores, donos das contas agregadas, são cotistas (condôminos) do fundo". (grifo nosso) 98

Quanto à constituição do patrimônio separado, Pontes de Miranda traz lições elucidativas que serão importantes a presente pesquisa.

Segundo o doutrinador, o patrimônio especial é formado por aquilo que o seu titular integrou ou, após sua criação, por tudo aquilo que adquirir "em virtude de direito pertencente ao patrimônio, ou pelo que se há de sub-rogar àqueles ou a esses elementos, e pelo que se adquire em virtude de negocio jurídico ou ato jurídico stricto sensu, referente ao patrimônio". E afirma ainda que a "especialidade do patrimônio faz nascerem direitos, pretensões, ações e exceções que não tinha o titular do patrimônio geral". 99

Observada, assim, a lição de Pontes de Miranda, entra na constituição do patrimônio separado tudo aquilo que o titular integrar, vier a integrar, ou tudo aquilo que se sub-rogar nos direitos existentes, o que se qualifica como sendo o ativo do patrimônio especial.

O patrimônio separado também possui um passivo que sujeitará o ativo do mesmo, ou seja, na medida em que a pessoa, titular desse patrimônio, contrai dívidas, tudo aquilo que forma o ativo do patrimônio separado acaba por se tornar numa garantia aos credores, e, assim, ou ele cumpre voluntariamente tais obrigações ou sofrerá uma execução, medida pela qual os seus credores poderão satisfazer seus créditos. E quanto a isto, Pontes de Miranda traz um entendimento salutar, ipsis litteris:

"O passivo do patrimônio especial é o conjunto de dívidas, obrigacionais, situações passivas nas ações e exceções que expõem o patrimônio especial à satisfação dos titulares desses elementos passivos. Por abreviação, mas somente por abreviação, diz-se que são dívidas do patrimônio especial, dívidas da massa concursal, obrigações e situações passivas do patrimônio especial, da massa concursal, etc. Devedor, obrigado, sujeito passivo das ações e exceções é o titular do patrimônio especial. Apenas pelo patrimônio especial e com os elementos do patrimônio especial é que se hão de cumprir (execução voluntária, execução forçada) aqueles deveres, obrigações, ou que for". 100

Do exposto está claro que o responsável pelas obrigações que sujeitam o patrimônio separado é o seu titular e não o próprio patrimônio e, ainda, aquele somente pode responder pelas suas dividas com tudo aquilo que forma este e nada mais. Não pode solvê-las com direitos de seu patrimônio geral e nem os seus credores poderão buscá-los mediante execução forçada. Os créditos destes ficam circunscritos ao patrimônio especial. 101

Outro aspecto importante é a finalidade a que o patrimônio separado está atrelado, porque o fim dele contribui para se determinar a quem está afeta a administração do patrimônio, uma vez que pode ser realizada tanto pelo próprio titular como por um administrador. Quando o patrimônio é administrado pelo próprio titular, é menos clara a separação patrimonial, "e toca ao titular o dever de respeitar a discriminação, com as conseqüências de direito civil, penal e administrativo" 102, o que não ocorre quando a mesma é organizada por um segundo contratado, pois a distinção patrimonial é bem nítida em razão de se saber que o patrimônio geral é organizado pelo titular e o especial pelo administrado em seu nome.

5.15 – Patrimônio separado versus patrimônio autônomo

Devemos, neste ínterim, fazer algumas distinções, porque pode haver confusão entre o instituto do patrimônio separado e o instituto do patrimônio autônomo.

Como já observado, o patrimônio separado é uma universalidade de direito, um complexo de direitos e deveres que são desagregados do patrimônio de uma determinada pessoa, e que acaba por se constituir num segundo patrimônio e que não mantém nenhuma interligação com o primeiro, a não ser a titularidade subjetiva (o mesmo titular).

O patrimônio autônomo não é um patrimônio separado, e não existe nenhuma confusão conceitual entre um e outro. Aquele um é um conjunto de direitos e bens a que a lei atribui personalidade jurídica. 103

A fundação é um exemplo de patrimônio autônomo que se destina a servir a um objetivo, desde o início e por toda a sua duração, e a que a lei outorga personalidade jurídica.

A fundação nasce pela vontade de seu fundador e aprovação do Estado, e somente a este cabe o direito de controlar o seu nascimento.

Não se deve confundir, por conseguinte, patrimônio separado e patrimônio autônomo, uma vez que este é uma pessoa jurídica, e aquele nem a isso chega a ser.

5.16 – Patrimônio separado versus patrimônio de afetação

Existe outra corrente doutrinária que também defende a separação patrimonial, mas denominam de afetação patrimonial.

Seus seguidores entendem que a separação patrimonial somente é inteligível quando se atribuí uma finalidade precisa a um conjunto de direitos e bens, e que tal atribuição é feita unicamente pela lei.

O jurista Pontes de Miranda é um de seus adeptos, pois entende que todo "patrimônio especial tem um fim. Esse fim é que lhe traça a esfera própria, lhe cria a pele conceptual, capaz de armá-lo ainda quando nenhum elemento haja nele". 104

Para essa corrente, então, o patrimônio separado não é resultante da aplicação do instituto da universalidade de direito, mas pela simples afetação legal, que é capaz de criar uma esfera jurídica patrimonial independente do patrimônio geral do titular.

Nesse instante, portanto, estamos diante de um impasse.

O doutor Manoel Justino Bezerra Filho, em sua tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo, constatou que existem várias denominações outorgadas ao fenômeno da separação patrimonial (patrimônio especial, patrimônio separado e patrimônio de afetação), cada uma afeta as teorias que analisamos acima, e concluiu sua posição do seguinte modo, ipsis litteris:

"Os termos ‘patrimônio especial’, ‘patrimônio separado’ ou ‘patrimônio de afetação’ têm sido usados indiferentemente pelos autores, para significar o mesmo fenômeno jurídico consistente na especialização de determinada quantidade de bens que se caracterizam pelo fato de estarem destinados a uma finalidade própria, diferente da finalidade do patrimônio geral, que é a de servir de garantia ao cumprimento das obrigações assumidas pelo titular do patrimônio.

[...]

Sem adentrar aqui a discussão sobre a oportunidade de valer-se de nomes diversos para identificar o mesmo fenômeno e sem tentar precisar eventuais diferenças teóricas, ainda assim faz-se necessário tentar extrair a diferenciação que se pretende estabelecer para termo ‘afetação’, o que será necessário para o exame futuro da ‘afetação’ como forma de garantia de obrigações. A rigor, todo patrimônio especial é patrimônio separado, no sentido de que esta separado do patrimônio geral, este patrimônio separado sempre se configurará também como patrimônio de afetação, na exata medida em que estará sempre a um determinado fim". 105

O citado jurista, como pode ser observado, conjuga a característica precípua da teoria da separação patrimonial, que é o fenômeno da separação do patrimônio especial em face do patrimônio geral, com o principal aspecto da separação patrimonial mediante afetação legal, que é a separação aliada a uma finalidade, portanto, concluindo que o patrimônio especial é um patrimônio separado pelo simples fato de estar apartado do patrimônio geral, e que também é um patrimônio afetado, na justa medida de estar sua a criação condizente com um fim especifico.

Concluímos, entretanto, que a teoria da separação patrimonial mediante a aplicação do instituto da universalidade de direito prevalece sobre a teoria da separação patrimônio por meio da afetação legal.

A primeira teoria, efetivamente, já guarda em seu âmago as duas características que Manoel Justino Bezerra Filho conciliou, pois:

a) o patrimônio resultante é uma universalidade de direito e, por isso, é um todo unitário que não se comunica com o patrimônio de origem, o que o torna um patrimônio separado; e

b) o legislador sempre busca um fim especifico quando permite a separação patrimonial, e tal finalidade somente é discernível caso a caso.

Ademais, a característica natural da universalidade de direito, a sujeição de direitos de um patrimônio qualquer a um novo regime jurídico, se sobreleva ao aspecto da afetação da segunda teoria, porque para termos a figura do patrimônio especial, não basta haver direitos e bens destinados a um fim qualquer, mas é mais necessário que esses elementos sejam organizados num todo em razão de um regime jurídico próprio, constituindo, assim, uma universalidade de direito, um complexo de direitos e deveres com vida própria, e que permanece incomunicável com os elementos do patrimônio geral.

E, ainda, como a separação patrimonial é analisada por nós sob a ótica das regras civilistas, não haveria lógica de se renegar o instituto da universalidade de direito, que também é um instituto de direito civil, e, por conseguinte, aplicar a teoria da afetação patrimonial.

5.17 – Considerações finais

A conceituação e análise interior do instituto da universalidade de direito e sua correlação com outro instituto, o patrimônio, nos proporcionou concluir que é possível a divisibilidade do patrimônio da pessoa física em dois, e que ambos coexistam harmonicamente. Portanto, tal conclusão responde a pergunta que fizemos no tópico 3.6, item "a", porém, não soluciona a segunda pergunta formulada no mesmo tópico, só que no item "b", ou seja, questionamos se sendo juridicamente admissível a separação patrimonial da pessoa física, se também era possível limitar a responsabilidade do empresário individual no patrimônio especial resultante, posto que a regra geral é a responsabilidade ilimitada.

Ora, analisaremos essa questãona próxima seção.


6 - LIMITACAO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL: UMA TENDÊNCIA LÓGICA

6.1 – Considerações iniciais

Agora o objeto de nosso exame neste instante é saber se a responsabilidade do empresário singular pode ser limitada a um conjunto de bens específicos, tendo por fim responder a questão "a" do item 3.4 retro.

Esse ponto será analisado sob dois focos. O primeiro foco diz respeito à análise prévia de que a limitação da responsabilidade do empresário individual é uma tendência lógica da evolução do próprio Direito Empresarial. E o segundo foco é afeto à elaboração de um substrato jurídico que, por si só, possibilite que a responsabilidade do empresário singular seja limitada ao patrimônio especial destinado somente à atividade empresarial.

Apesar de ambos os prismas se referirem ao mesmo objeto, nos os examinaremos apartadamente, pois cada um possui peculiaridades distintas. O primeiro está mais ligado a uma analise histórica do problema, sem se ater a aspectos jurídicos. Já o segundo trata-se exclusivamente de uma analise jurídica da questão.

6.2 – A tendência lógica da limitação da responsabilidade do empresário individual

Antes de qualquer coisa, devemos ter em mente que a responsabilidade civil sob a ótica do Direito Empresarial possui traços técnicos e que possui a sua natureza intimamente ligada à limitação de riscos. Isto tem respaldo na própria realidade da atividade exercida pelos empresários, que é dotada de um risco natural. Por conseguinte, conforme se observará a seguir, nesse ramo do Direito há uma grande preocupação em se criar normas que viabilizem a mitigação de tais riscos, tendo por fito permitir a própria existência de atividades econômicas tão importantes à sociedade. Ademais, nessa linha progressiva também existe uma tendência à limitação dos riscos do empresário singular.

Esses dois aspectos serão verificaremos a seguir, portanto.

Primeiramente, no Direito Romano, o instituto da societas foi a primeira construção jurídica tendente à limitação de riscos. Claro que não se tratava das modernas sociedades empresariais, mas se consubstanciava na união de duas ou mais pessoas que se obrigavam mutuamente a destinar bens pessoais e serviços a um objetivo comum, visando diminuir os riscos que por ventura teriam se buscassem o mesmo fim de forma autônoma. 106

Posteriormente, com o desenvolvimento e a expansão das cidades italianas, surgiram dois novos tipos de sociedades, a sociedade em nome coletivo e a sociedade comanditária. Quanto à primeira, ela sobrevive até hoje e, apesar de atribuir a cada sócio responsabilidade ilimitada e solidária, possui um fator interessantíssimo: nela se evidenciou pela primeira vez a configuração de um patrimônio empresarial distinto que não se confunde com o patrimônio dos sócios. Outro aspecto importante é que nas relações internas desse tipo de sociedade os riscos podem ser divididos em razão daquilo que cada sócio se responsabilizou perante a sociedade. 107 108 Quanto à segunda, nela a limitação dos riscos é encarada de forma diferente, porque existem dois tipos de sócios, o sócio comoditado e o sócio comoditário. O primeiro responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e o segundo responde somente pelo valor da quota investida na sociedade. 108 109

Noutro momento, com as transformações ocorridas no inicio da idade moderna, que determinaram um grande desenvolvimento das atividades econômicas, surgiu a sociedade anônima, que se tratou de um novo instituto jurídico capaz de atender ao vulto crescente das operações mercantis e dos respectivos riscos. 110

Isso se caracterizou por ser mais uma evolução da limitação dos riscos daqueles que exercem a atividade empresarial, porque a principal característica da sociedade anônima que podemos abstrair é que ela permitiu que muitos acionistas limitassem suas respectivas responsabilidades no que investiram.

Outra evolução no assunto foi a criação da sociedade limitada, porque a mesma possibilitou que atividades de pequeno porte fossem exploradas por no mínimo dois sócios e que estes também limitassem as suas responsabilidades naquilo que investiram.

Bem, dessa pequena digressão podemos depreender que a responsabilidade civil no âmbito do Direito Empresarial se refere nitidamente à limitação da responsabilidade daqueles que desejam exercer atividades econômicas e, ainda, que ao passar dos tempos foram criados institutos que limitaram a responsabilidade de muitas pessoas como no caso das sociedades anônimas, ou de poucas pessoas como no caso das sociedades limitadas. Porém, outro ponto se erige dessa digressão, que é: se muitos e poucos puderam se beneficiar da limitação de seus riscos, o empresário individual também deveria ser beneficiado, porque exerce atividades econômicas importantes e também está sujeito aos mesmos riscos.

Limitar a responsabilidade do empresário singular é, portanto, uma tendência lógica do progresso do Direito Empresarial. E, ainda mais, representa, nesse assunto, o estágio final da procura de se limitar os riscos empresariais, pois se terá atingido todas as formas de empresários indistintamente.

No nosso sistema jurídico, porém, a essa lógica não corresponde uma realidade normativa, isto é, apesar de se perceber que o empresário individual também deve ser beneficiado com essa medida, o nosso legislador não "arregaçou as mangas" no sentido de criar um instituto apropriado.

6.3 – Considerações finais

Conforme o exposto, verificamos que a responsabilidade no Direito Empresarial se consubstancia na limitação de riscos, e que tal limitação, progressivamente, foi outorgada a vários tipos de empresários. Desse contexto também verificamos que o deferimento de tal medida ao empresário singular seria uma conseqüência lógica que, no entanto, ainda não foi efetivada pelo nosso legislador até o presente momento.

Em razão dessa lógica, na próxima seção buscaremos elaborar um substrato jurídico que de uma realidade jurídica à limitação da responsabilidade do empresário singular e que solucione a questão que levantamos no tópico 3.6, item "b".


7 - RESPONSABILIDADE LIMITADA DE DIREITO

7.1 – Considerações iniciais

Buscaremos nesta seção elaborar um substrato jurídico ao que concluímos no tópico 6.3 retro, ou seja, que a limitação da responsabilidade do empresário individual é uma tendência lógica do Direito Empresarial moderno.

Nesse passo, seguiremos a mesma premissa utilizada na seção 5, isto é, tentaremos resolver esse problema mediante o exame de institutos jurídicos já existentes na realidade do nosso ordenamento.

À pergunta feita no tópico 3.6, item "b" analisaremos exclusivamente o instituto civil da obrigação. Buscaremos o seu conceito e, logo depois, os seus elementos exatos, tendo por fito isolar aquele que é mais pertinente a presente pesquisa, que é exatamente a responsabilidade, pois queremos saber se juridicamente ela pode ser limitada a um patrimônio especial destinado à atividade empresarial.

7.2 – Obrigação. Conceito

A obrigação é um termo amplamente utilizado e, segundo o meio em que é empregado, pode ter variados sentidos, mas, independentemente disto, ela sempre possui um sentido imutável, que é ser um vínculo.

Etimologicamente, tal palavra é oriunda do latim obligatio, do verbo obligare que, literalmente, exprime a idéia de ligação ou vinculação entre duas "coisas" no sentido mais amplo.111

Trasladando esse sentido às relações humanas, a palavra obrigação acaba por significar o vínculo que interliga uma pessoa à outra.

A obrigação pode ter varias causas no seio social, tais como: as regras de conteúdo moral, as regras de convivência, as regras quanto à honra, as regras oriundas dos usos sociais e, também, as normas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado. 112

Como se trata da busca do conceito de um instituto jurídico, daremos atenção somente a essa última causa que mencionamos acima e, em especial, à obrigação oriunda do direito privado.

No período clássico do Direito Romano a obrigação foi conceituada, juridicamente, como sendo um vinculo entre pessoas (nexum), ou seja, "um juris vinculum hábil a prender um devedor a um credor". 113

A obrigação tinha por objeto um dare (dar), um facere (fazer) ou um non facere (abster-se) e um prestare (prestar).

O devedor estava sujeito ao credor e, somente se desvinculava de tal situação, se cumprisse um desses deveres, conforme a situação. Caso não cumprisse, responderia pessoalmente, isto é, o seu corpo era a garantia da satisfação do crédito. 114 Aplicava-se, então, o instituto da manus iniectio, "em virtude da qual o credor podia vender o devedor como escravo, ou utilizar diretamente a sua força de trabalho". 115

A natureza pessoal da obrigação permaneceu intacta até 427 a.C., mas se modificou quando entrou em vigência a Lex Poetelia Papira que substituiu a execução pessoal (manus iniectio) pela responsabilidade patrimonial (pgnoris captio). A partir desse instante, uma vez não cumprida a obrigação, o devedor respondia com seu patrimônio. 116

O Direito Moderno não modificou muito a essência do conceito romano de obrigação, sendo para muitos 117 um vínculo jurídico existente entre no mínimo duas pessoas, no qual o devedor está sujeito ao interesse do credor, em razão de ter-lhe de cumprir um dever cujo objeto é: um dar (artigo 233 do Código Civil), um fazer (artigo 247 do Código Civil) ou um não fazer (artigo 250 do Código Civil). E, também, manteve-se a sua natureza patrimonial (artigo 591 do Código de Processo Civil). Entretanto, acrescentam que a natureza da prestação obrigacional deve ser econômica, ou seja, apreciável em dinheiro. 118

7.3 – Elementos da obrigação

A obrigação decompõe-se em três elementos: o elemento subjetivo (os sujeitos), o elemento objetivo (o objeto da obrigação) e o vínculo jurídico.

O elemento subjetivo se constitui pelos sujeitos de direito que participam de determinada relação jurídica. É dúplice a sua essência, porque de um lado há o credor e do outro o devedor. Ao primeiro defere-se o direito de exigir a prestação a que faz jus, e ao segundo impõe-se o dever de cumprir tal prestação em benefício daquele. 119

No Direito Romano, como já visto, a natureza da obrigação era pessoal, então, não se permitia à substituição dos sujeitos, em virtude do vinculo ser intuito personae. Erigia-se a regra da determinação dos sujeitos portanto. No entanto, os romanos admitiam a atenuação de tal princípio. Havia a possibilidade de se executar a obrigação "em favor de pessoa diferente do reus stipulandi, como ainda outros em que respondia pelos seus efeitos pessoa diversa do reus debendi". 120

Hoje se mantém a regra de que os sujeitos da obrigação devam ser determinados, no entanto, tal princípio é maleável. Tanto o sujeito ativo como o passivo podem ser substituídos, e isto é facilmente percebido quando analisamos os institutos cíveis da cessão de crédito, em que o credor transfere para terceira pessoa seu direito creditício (artigo 286 do Código Civil), e da assunção de dívida, na qual o devedor transfere para outrem, mediante aceitação do credor, a dívida constituída (artigo 299 do Código Civil).

O elemento objetivo da obrigação é a prestação cuja natureza se resume no cumprimento de uma prestação (comportamento), seja ele ativo (dar e fazer) ou passivo (não fazer). 121 Estes deveres são objetos imediatos da prestação. O objeto mediato é "o bem ou serviço a ser prestado, a coisa em que se dá ou o ato em que se prática". 122

Numa venda e compra (artigo 481 do Código Civil) os objetos imediatos são: a obrigação de dar do vendedor, que se consubstancia na transferência do bem; e a outra obrigação de dar do comprador, que é o dever de entregar o dinheiro em pagamento; e, também, o direito do comprador de receber esse pagamento, e o direito do comprador de receber a coisa que comprou. Já o objeto mediato é: o bem que comprador almeja e o dinheiro que vendedor faz jus.

O objeto da obrigação para ser válido deve respeitar os requisitos constantes do artigo 104, inciso II, do Código Civil, ou seja, deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.

Objeto lícito é aquele que não ofenda a lei, a moral e os bons costumes. 123

Sua possibilidade deve ser física ou jurídica. A primeira é o respeito às leis físicas ou naturais, e a segunda é o respeito ao ordenamento jurídico. 124

O objeto da obrigação deve ser definido (determinado) ou suscetível de determinação no momento de sua execução. 125

Ademais, todo objeto de uma obrigação dever ser apreciável economicamente, isto é, que seja possível a sua conversão em pecúnia. E isto é perceptível no momento em que a prestação não é cumprida, porque a ordem jurídica possibilita ao credor buscar a satisfação de seu crédito mediante a execução forçada do patrimônio do devedor.

Já o vínculo jurídico é um elemento da obrigação cuja natureza é abstrata e, por meio da qual, credor e devedor estão interligados.

No dizer de Roberto Ruggiero esse elemento é um "vinculo de direito" que limita a liberdade individual do devedor e outorga ao credor o direito de exigi-lo, isto é, constrangê-lo "a determinada atividade (positiva ou negativa) e aquele pode, na falta, pagar-se pelo patrimônio do outro". 126

Existem três teorias que explicam a natureza efetiva do vínculo jurídico. A primeira explica que a natureza deste é a sujeição da pessoa do devedor à pessoa do credor. A segunda concebe esse vínculo jurídico como sendo a interligação entre o credor e o patrimônio do devedor. E a terceira entende esse vinculo em correlação aos atos que o devedor deverá cumprir.

Modernamente, é inconcebível a idéia de sujeição da pessoa do devedor a do credor, pois a sujeição do obrigado não gera nenhum poder ao credor, nem um estado de dependência pessoal do devedor. Ocorre, em verdade, a limitação da liberdade do devedor, o que não quer dizer destruição ou diminuição da mesma. Não é outorgado ao credor o poder de retirá-la do devedor, muito menos ela se constitui em objeto do vinculo, porque é destinada a um comportamento, seja ele ativo ou negativo, "e o devedor (ainda quando a prestação seja estritamente pessoal) pode, violando a obrigação, não cumprir ou cumpri-la, sem que o credor tenha a possibilidade de uma coerção física sobre a pessoa". 127

É de se ressaltar que uma obrigação não cumprida converte-se em perdas e danos 128 e a dívida civil, em nosso país, não mais resulta em prisão, por força do artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, salvo o descumprimento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e o descumprimento causado pelo depositário infiel.

A natureza do vínculo jurídico também não se assenta na tese que a considera como sendo a interligação entre o credor e o patrimônio do devedor, porque, para o nosso direito, o patrimônio deste constitui-se em mera garantia do direito creditício do credor (artigo 591 do Código de Processo Civil).

Acertada é a teoria que considera o vinculo jurídico como sendo dirigido a uma ação determinada. O devedor tem sua liberdade limitada em razão do ato ativo ou passivo específico que terá de cumprir, e não em toda a sua liberdade. Ademais, tal situação é temporária, pois se consuma no momento de sua efetivação (cumprimento). Caso contrário,seria uma afronta ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal que preconiza a garantia da liberdade para os brasileiros e para os estrangeiros aqui residentes.

7.4 – Colaboração doutrinária: o débito e a responsabilidade

A moderna dogmática jurídica distingue no bojo da obrigação outros dois elementos: o débito (Schuld) e a responsabilidade (Haftung). Coube ao jurista alemão Brinz alertar ao mundo jurídico sobre essa dicotomia no conteúdo da obrigação. Sua iniciativa influenciou muitos outros juristas na Alemanha e, posteriormente, na Itália, onde houve a elaborou-se doutrinariamente uma tese, o que permitiu um entendimento mais completo desse aspecto.129

O dever consiste na prestação positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer) a que o devedor está sujeito a cumprir em benefício do credor. E a responsabilidade é a sujeição do devedor ao poder outorgado pela ordem jurídica ao credor de agredir seu patrimônio quando não cumprir uma prestação para a satisfação do crédito deste.

O Schuld e o Haftung são elementos que estão presentes simultaneamente na maioria das formas de obrigação, no entanto, tal situação não é uma condição necessária, pois casos há em que o débito está desacompanhado da responsabilidade e a responsabilidade também está desacompanhada do débito.

Exemplo claro de que existe dever sem responsabilidade é aquele referente à obrigação natural. Esta é o vínculo que gera para o devedor um dever, mas se este dever não for cumprido, não assiste ao credor o direito de exigir judicialmente o pagamento mediante constrição patrimonial, mas, se cumprido, não se admite por parte do devedor a repetição daquilo que pagou, ou seja, a sua devolução.

As obrigações decorrentes de jogos ou apostas são obrigações naturais (artigo 814, caput, do Código Civil). O credor, nestes casos, não dispõe de poder jurídico (exigibilidade) para buscar no patrimônio do devedor alguns bens suficientes para a satisfação de seu crédito, ou seja, o devedor não possui responsabilidade. Porém, se o devedor cumprir o dever, não poderá requerer a devolução.

Já quanto à responsabilidade sem dívida, podemos mencionar o caso do contrato de fiança (artigo 818 do Código Civil), no qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Ao devedor assiste o dever de cumprir a obrigação e ao fiador à responsabilidade.

No processo de execução, o fiador que for indicado ao pagamento total da dívida poderá requerer que os bens do devedor sejam executados primeiro (artigo 827 do Código Civil), mas, se este não tiver bens, ou se tiver e eles forem onerados ou protegidos por lei como impenhoráveis (artigo 648 e artigo 649 do Código de Processo Civil), claramente o fiador responderá pela obrigação e terá de dispor de alguns ou todos os bens de seu patrimônio para a satisfação do crédito do credor até o montante acordado em contrato.

Mesmo sendo inteligível a dualidade de elementos na obrigação (a divida e a responsabilidade), muitos jurista consideram essa tese artificial. Mas existem outros estudiosos que a defendem, como jurista brasileiro Arnoldo Wald que entende, ipsis litteris:

"Ao se decompor uma relação obrigacional, verifica-se que o direito de crédito tem como fim imediato, uma prestação, e remoto, a sujeição do patrimônio do devedor, Encarda essa dupla finalidade sucessiva pelo lado passivo, pode-se distinguir, correspondentemente, o dever de prestação, a ser cumprido espontaneamente da sujeição do devedor, na ordem patrimonial, ao poder coativo do credor. Analisada a obrigação perfeita sob essa dupla perspectiva, descortinam-se os dois elementos que compõem seu conceito. Ao dever de prestação corresponde o debitum, à sujeição, a obligatio, isto é, a responsabilidade". 130

Nós também entendemos que essa teoria é verdadeira e, ainda, acreditamos que ela é prática, porque permite analisar com mais exatidão a obrigação e os casos em que divida e responsabilidade não estão necessariamente unidos, como os mencionados acima.

7.5 – Responsabilidade limitada

A obrigação sendo desta forma analisada também permite verificar duas fases distintas: a primeira consistente pelo cumprimento voluntário de uma prestação, seja ela positiva ou negativa, pelo devedor em favor do credor; e a segunda caracterizada pela responsabilidade do devedor quando não cumpriu a prestação, o que o sujeita ao pagamento mediante a disposição de seu patrimônio em processo executivo.

O legislador dá especial atenção a essa segunda fase, tanto que criou instrumentos que permitem ao credor satisfazer seu crédito. No Código de Processo Civil institui várias formas de processos executivos, que são: a execução para entrega de coisa certa; a execução das obrigações de fazer e não fazer; a execução por quantia certa contra devedor solvente; a execução de prestação alimentícia; e a execução por quantia certa contra devedor insolvente. Também instituiu nesse código a denominada execução extrajudicial, que foi reforçada pela lei nº 11. 382, de 6 de dezembro de 2006.

O mesmo legislador entende que o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, mas, ao mesmo tempo que isto expressa, não preconiza seu entendimento de forma inflexível, pois admite exceções, desde que essas exceções estejam expressas em lei (artigo 591 do Código de Processo Civil).

Uma analise atenta do artigo 591, in fine,do Código de Processo Civil nos permite concluir duas coisas:

a) a responsabilidade do devedor pode ser limitada desde que tal hipótese esteja expressa em lei;

b) uma vez positivada tal hipótese, a responsabilidade do devedor fica circunscrita a um conjunto de bens específicos; e

c) alguns bens do devedor não são alcançados pelos atos expropriatórios inerentes ao processo de execução.

Na seção 4, tópico 4.7, concluímos que a separação patrimonial é possível, e mediante esta assertiva levantamos a questão elaborada na seção 3, tópico 3.6, item "b", isto é, se positiva a separação patrimonial, se era admissível à limitação de uma responsabilidade neste. O artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil expressa que é possível a limitação da responsabilidade de qualquer pessoa a um conjunto de bens, com exclusão de outros. Assim, está claro que esse dispositivo legal nos autoriza concluir que a responsabilidade do empresário singular pode ser sim limitada a um conjunto de bens, que, in casu, é o patrimônio separado, o que não permitira aos seus credores buscarem seus bens particulares.

Além disso, o mesmo dispositivo nos possibilita concluir outra coisa, que é: a responsabilidade originaria do inadimplemento de uma obrigação pessoal também será limitada ao patrimônio particular do empresário, não permitindo a incidência da execução sobre o patrimônio especial relativo à sua atividade econômica.

Temos, assim, como certo a possibilidade de se limitar à responsabilidade do empresário singular ao seu patrimônio especial quando se tratar de responsabilidade oriunda de inadimplemento de obrigações ligadas a sua atividade, e também a limitação de sua responsabilidade ao patrimônio pessoal quando se tratar de responsabilidade originaria de obrigações pessoais. Mas, conforme o exposto no artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil, a limitação da responsabilidade de qualquer pessoa somente é admissível, se tal hipótese estiver expressa em lei, então, no caso do empresário individual, o legislador para beneficiá-lo deve positivar o que concluímos acima.

7.6 – Acepções diversas relativas à palavra responsabilidade

O doutrinador alemão Ludwig Eneccerus, em seu livro intitulado Derecho de las obligaciones, explica que a palavra Haftung (responsabilidade) "se aplica na Alemanha em diversos sentidos". 131

Portanto, nesse ínterim, cabem alguns esclarecimentos quanto a esse elemento do vinculo jurídico para buscarmos sua real significação.

A doutrina explica que há duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade quantitativamente limitada e a responsabilidade objetivamente limitada. 132

Quanto à responsabilidade quantitativamente limitada, Enneccerus nos explica a sua essência quando ensina, ipsis litteris:

"Às vezes a responsabilidade ou sujeição se limita a um valor máximo (responsabilidade quantitativamente limitada). Então se trata de uma delimitação do conteúdo da dívida, de uma obrigação delimitada que nos parece limitada, porque a comparamos com outra de maior alcance. Porém, ao conteúdo delimitado da divida está sujeito todo o patrimônio do devedor, e a execução forçada é admissível sobre os objetos do patrimônio, que estão sujeitos em geral a execução forçada". 133

Sob essa perspectiva, verificamos que a responsabilidade quantitativamente limitada não se refere à limitação de uma responsabilidade, e sim a limitação de outro elemento da obrigação, que é a dívida. E, por consequência, num eventual inadimplemento, o devedor responde ilimitadamente com seu patrimônio, o que não se presta ao nosso propósito.

O legislador brasileiro não faz essa análise e, por conseguinte, comete algumas imprecisões.

Exemplo disso é o artigo 1.052 do Código Civil, no qual está expresso que na "sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social".

Nesse caso, o sócio não tem sua responsabilidade limitada ao valor de suas quotas, mas uma dívida (obrigação) limitada ao valor das mesmas e, além disto, quando não integralizar o capital social, responderá ilimitadamente.

Quando duas ou mais pessoas decidem contratar a formação de uma sociedade do tipo limitada, eles, claramente, deverão expressar o acordado em um instrumento de contrato, que é o contrato social (artigo 997 do Código Civil).

Esse contrato social deverá ser inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sede da sociedade nos trinta dias subseqüentes (artigo 998 do Código Civil). Após essa inscrição o contrato social surte seus efeitos naturais, e um desses efeitos é a criação de uma pessoa jurídica (artigo 45 do Código Civil) que, por si só, adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador (artigo 1.022 do Código Civil).

Outro efeito decorrente é o nascimento de uma relação jurídica entre os sócios e a pessoa jurídica que exerce a atividade empresária (sociedade empresária). E, também, tal relação jurídica confere direitos e deveres a cada um (artigo 1.001 do Código Civil).

Bem, a integralização do capital é uma dívida consistente numa obrigação de dar, cujo objeto mediato pode ser pecuniário, bens móveis ou imóveis, ou uma obrigação de fazer, cujo objeto mediato é uma prestação de serviços, conforme o caso. Quando o sócio, efetivamente, integraliza o capital social a que se comprometeu no contrato social, solve de imediato a sua dívida perante a sociedade (pessoa jurídica). Porém, se não cumprir essa prestação, sujeitará todo o seu patrimônio ao poder constritivo daquela (responsabilidade ilimitada), conforme o expresso no artigo 591 do Código de Processo Civil.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui farta jurisprudência, na qual consta que, uma vez não integralizado o capital social pelo sócio em beneficio da sociedade limitada, emerge para esta o direito de buscar no patrimônio pessoal daquele um conjunto de bens suficientes para a efetiva satisfação de seu crédito. Exemplo de tal posição é a seguinte decisão: "PENHORA - Bens particulares de sócio - Sociedade por cotas de responsabilidade limitada - Integralização do capital social não comprovada - Constrição válida - Inteligência do art. 2º do Dec. 3.708/19". 134 (grifo nosso)

A responsabilidade objetivamente limitada, assim, não tem por fim o que buscamos, que é a limitação da responsabilidade em um conjunto patrimonial específico, pois não se trata de responsabilidade limitada, e sim de dívida limitada e também de responsabilidade ilimitada num eventual descumprimento de dever.

Refutada a ideia acima, devemos analisar doravante se a responsabilidade objetivamente limitada resulta ou não em uma efetiva limitação de responsabilidade.

Enneccerus explica também esse tipo de responsabilidade, ipsis litteris:

"Porém também há casos nos quais a responsabilidade ou sujeição se limita a determinados objetos do patrimônio, de sorte que só ‘estes’ estão afetados e, portanto, a execução forçada só pode recair sobre os mesmos (sujeição ou responsabilidade limitada quanto aos objetos ou as coisas)". 135

O mesmo jurista alemão ensina que a responsabilidade objetivamente limitada pode circunscrever-se em patrimônios separados, porque dá como exemplo o caso do herdeiro que só responde pelas dívidas da herança com os bens deixados pelo de cujus. 136

Com essas afirmações, temos elementos suficientes para formarmos um juízo mais correto, que consistirá na constatação que a responsabilidade objetivamente limitada cumpre efetivamente a missão de limitar a responsabilidade em razão de um conjunto patrimonial especial.

Sylvio Marcondes chegou à mesma conclusão, porque concluiu em seus estudos que, ipsis litteris:

"A responsabilidade limitada manifesta-se, em sentido próprio e com rigor, no campo patrimonial do devedor, se demarca uma área circunscrita de bens, destinada a suportar, no caso de inadimplemento, a ação de credores, cuja eficácia se confina nos lindes intransponíveis dos valores ai realizados. Trata-se, então, da responsabilidade objetivamente limitada". 137

7.7 – Argumentos contrários

Há muito preconceito quanto à limitação da responsabilidade do empresário individual a um patrimônio especial ou separado.

Orlando Gomes, quando elaborou seu anteprojeto tendente a reformar o Código Civil de 1916, no artigo 348 do mesmo, afirmou que não há empecilho algum em se criar um "patrimônio separado precisamente para o fim de se limitar a responsabilidade, uma vez que se cerque a constituição de cautelas para impedir as formações fraudulentas, e se exija a publicidade necessária [..]" 138, no entanto, há outros juristas que não aceitam essa medida.

O jurista e doutrinador Calixto Salomão Filho, em sua tese de mestrado denominada "A sociedade Unipessoal", argumenta que a limitação da responsabilidade ao patrimônio separado do empresário singular não é possível. Para ficar mais claro analisemos literalmente sua afirmação, ipsis litteris:

"O art. 591 do Código de Processo Civil contém a regra geral de responsabilidade patrimonial integral do devedor pelos seus débitos, à exceção das previsões legais contrárias. Essas exceções legais expressas são as previstas no art. 649 do mesmo código. Nelas não se encaixa a hipótese de patrimônio separado para fins da de exercício da atividade de empresa. Nenhuma disposição existe quanto aos bens destinados a uma determinada atividade comercial.

O único dispositivo que poderia aproximar-se da hipótese aqui discutida é o inc. I do art. 649 do Código de Processo Civil, que diz serem impenhoráveis os bens inalienáveis e os bens declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução. Poder-se-ia ter a impressão que o legislador teria aberto uma brecha para a separação voluntária de patrimônios. Não foi o que ocorreu, no entanto. Em primeiro lugar, o dispositivo refere-se aos bens absolutamente impenhoráveis. Assim sendo, no caso de um comerciante pretendesse utilizá-lo para formação de seu ‘patrimônio separado’, qualificando como não sujeito à execução os bens nele compreendidos, a conseqüência seria pura e simplesmente que esses bens não seriam também pouco penhoráveis pelas dívidas comerciais. Ou seja, na prática, o comerciante não teria bens livres para dar em garantia e, consequentemente, não teria crédito.

Mas essa hipótese, além de sua inviabilidade prática, é também sistematicamente inadmissível. Com efeito, uma tal interpretação seria incompatível com o art. 591do Código de Processo Civil, segundo o qual as exceções à responsabilidade patrimonial integral decorrem de lei e não da vontade das partes. Isso porque nesse caso a impenhorabilidade estaria sendo claramente utilizada como artifício para obter a limitação de responsabilidade. A conclusão é, portanto, pela inexistência de reconhecimento legislativo do patrimônio separado no Brasil". 139

Entendemos, porém, que tal argumentação é insubsistente.

Primeiramente, esse jurista afirma que as únicas hipóteses de limitação de responsabilidades são aquelas constantes do artigo 649 do Código de Processo Civil, no entanto, se esquece que o rol desse artigo é apenas exemplificativo. Há outras hipóteses em leis esparsas, como, por exemplo, o que está expresso no artigo 1º da Lei 8.009, de 29 de março de 1990, que é, in verbis:

"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei". 140

O bem de família, por força de tal Lei, é impenhorável, assim toda e qualquer pessoa responde com todos os seus bens quando não adimplir suas obrigações, com exceção daquele.

A limitação da responsabilidade de qualquer pessoa somente é possível se a lei assim o determinar, essa é a interpretação exata que podemos depreender do artigo 591 do Código de Processo Civil. Assim, se cabe a lei limitar a responsabilidade de qualquer pessoa, por via indireta, cabe ao legislador estipular quais bens são ou não impenhoráveis. Se não fosse essa a interpretação mais acertada, o referido jurista estaria correto em seu argumento, porém, os fatos demonstram a veracidade de nossa constatação. Cabe ao legislador estabelecer as hipóteses de limitação da responsabilidade, e tanto é assim que elaborou uma hipótese fora do rol do artigo 649 do Código de Processo Civil, que é o artigo 1º d Lei 8.009.

Os juristas que defendem a limitação da responsabilidade do empresário singular mediante a separação patrimonial buscam isto por meio da atividade legislativa, ou seja, oferecem subsídios jurídicos para que o legislador institua através da lei a limitação da responsabilidade do empresário singular, e não pela subversão do sistema legislativo.

Em segundo, realmente não é possível utilizar-se do inciso I, do artigo 649, do Código de Processo Civil, mas não porque o mesmo impede a limitação da responsabilidade do empresário mediante a criação de um patrimônio de forma voluntária, porém, pela própria característica do patrimônio separado, que é criado somente se houver disposição legal nesse sentido. 141

E, por último, é interessante observar que o referido jurista argumenta que se deve respeitar o artigo 591 do Código de Processo Civil no sentido de não adotar a limitação da responsabilidade do empresário singular, pois isto se constituiria numa afronta ao artigo. Mas em outro ponto de sua tese de mestrado, afirma que muitos criticam a adoção da sociedade unipessoal por se tratar de um meio que afronta o sistema legislativo vigente, isto é, toda sociedade é formada por no mínimo duas pessoas e não uma, como é o caso da sociedade unipessoal, entretanto, ao mesmo tempo em que isso demonstra, acredita que o respeito ao sistema legislativo vigente deve ser deixado de lado, porque ordens de natureza fática, como as sociedades fictícias, impulsionam o legislador a estabelecer exceções. Ora, ou se respeita o sistema legislativo ou não. 142

Os adeptos da teoria objetiva em todo momento tenderam a criar um instituto que respeite a ordem legislativa posta, sem elucubrações. A criação de um patrimônio especial é embasada no instituto da universalidade de direito, e a limitação da responsabilidade é fundamentada na ação do legislador neste sentido com o devido respeito ao artigo 591 do Código de Processo Civil.

7.8 – Artigo 591 do Código de Processo Civil versus o artigo 391 do Código Civil

Sabemos que o artigo 591 do Código de Processo Civil autoriza ao legislador limitar a responsabilidade do empresário singular se assim dispuser em lei, no entanto, o artigo 391 do Código Civil expressa que "pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor", sem estabelecer exceções no seu bojo.

A regra constante do artigo 591 Código de Processo Civil estaria revogada pelo Código Civil, já que este é uma norma posterior e não estatui exceções a regra da responsabilidade ilimitada?

Primeiramente, é de se salientar que, apesar de não existir exceções no artigo 391 do Código Civil, há hipóteses de exceção nos demais dispositivos deste diploma legal como, por exemplo, a já citada responsabilidade limitada do herdeiro com a aquisição da herança do de cujus, bem como a responsabilidade limitada do cônjuge no patrimônio particular.

Idealizemos, porém, que tais exceções não existam.

Se ficássemos presos às regras de aplicação das normas jurídicas, concluiríamos que a limitação da responsabilidade do empresário individual estaria frustrada, no entanto, tal conclusão é extremamente superficial. Concluir isto é aceitar um sofisma que é carecedor de conteúdo.

A responsabilidade realmente é um instituto de direito privado, no entanto, se efetiva mediante a aplicação de regras processuais.

Quando o credor se vê numa situação em que o devedor não cumpriu a prestação que avençaram como sendo o objeto de determinada obrigação, de imediato, para ter satisfeito seu crédito, propõe uma ação executiva tendo por finalidade o pagamento forçado do devedor em seu beneficio ou a constrição de alguns bens do patrimônio deste para que os aliene judicialmente e com o fruto de tal medida (dinheiro) ver-se ressarcido.

Não se vê por ai a constrição de bens de maneira extrajudicial, até porque não existe previsão legal, e se realmente ocorresse, a sua efetivação por qualquer credor consistiria em um crime, isto é, cometeria o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do Código Penal), o que resultaria numa pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência, se houver.

A "operacionalização" da responsabilidade é matéria afeta ao Código de Processo Civil, e não ao Código Civil, que, por conseqüência, disciplina algo que não lhe compete.

Afastados, por conseguinte, estão os efeitos do artigo 391 do Código Civil, e, para nós, o artigo 591 do Código de Processo Civil surte seus efeitos de forma plena.

7.9 – Considerações finais

Conceituamos o instituto civil da obrigação, abstraímos os seus principais elementos e, por último, isolamos o elemento mais pertinente a presente pesquisa, que foi justamente a responsabilidade. Esse elemento, conforme verificamos acima, tem uma realidade bem definida, que condiz com a sujeição de todo o patrimônio do devedor à execução em beneficio do credor, o que significa uma responsabilidade ilimitada. Porém, esse elemento pode ser limitado ou circunscrito a um conjunto de bens, possibilitando que o devedor responda pelo inadimplemento de suas obrigações somente com os bens destinados a tal fim, permitindo também a exclusão de outros bens não correlacionados.

Essa conclusão veio por força da análise que fizemos do artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil, pois o mesmo institui uma exceção ao pesado princípio da responsabilidade ilimitada que se configura nas seguintes linhas:

a) a responsabilidade do devedor pode ser limitada desde que tal hipótese esteja expressa em lei;

b) uma vez positivada tal hipótese, a responsabilidade do devedor fica circunscrita a um conjunto de bens específicos; e

c) alguns bens do devedor não são alcançados pelos atos expropriatórios inerentes ao processo de execução.

Entendemos, portanto, que a questão formulada na seção 3, tópico 3.6, item "b", foi superada, uma vez que é admissível a limitação de uma responsabilidade a um patrimônio separado.

Noutro passo, podemos também dar uma realidade jurídica àquela tendência mencionada na seção anterior, isto é, o exame da obrigação e da sua respectiva limitação nos possibilitou dar um substrato jurídico ao último passo lógico que o Direito Empresarial deveria tomar, que é a limitação da responsabilidade do empresário individual.

Também verificamos que o instituto da responsabilidade limita é detentor de duas acepções, a responsabilidade quantitativamente limitada e a responsabilidade objetivamente limitada. Dessas duas denominações podemos apreender que somente a última condizia com a gênese do instituto, porque a responsabilidade do devedor estava adstrita a um conjunto de bens, enquanto que a primeira estava mais relacionada a uma divida limitada e, que se não fosse adimplida, resultava numa responsabilidade ilimitada.

Felizmente, assim, concluímos que a responsabilidade do empresário individual é possível sob a ótica da teoria objetiva em face do nosso ordenamento jurídico.


8 – APONTAMENTOS SOBRE LEIS PERTINENTES

8.1 – Considerações iniciais

Conseguimos concluir logo acima que a responsabilidade do empresário singular pode ser sim limitada a um patrimônio separado, o que significa uma medida de incrível peso em beneficio desse tipo de empresário. No entanto, preferimos não nos limitar unicamente nisso. Estendemos um pouco mais o nosso campo de pesquisa, tendo por fito saber se já existe algum instituto jurídico positivado com o perfil esposado nessa monografia, e encontramos dois exemplos, um relativo à Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, apesar de ter algumas características peculiares divergentes, e o outro que é afeto a uma legislação estrangeira, a Lei nº 1.034 de 1983 do Paraguai, que se enquadra nas nossas expectativas.

Sem nos aprofundarmos, faremos alguns apontamentos sobre as mesmas, buscando conhecer como é a realidade de cada uma e como o legislador "trabalhou" a questão.

8.2 - Artigo 31 - A da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964: única hipótese legal nacional que mais se próxima à consecução da presente tese

Encontramos, após minuciosa pesquisa do nosso ordenamento jurídico, uma única hipótese jurídica em que o empresário singular pode ter a sua responsabilidade limitada a um conjunto de bens apartados de seu patrimônio geral. Essa hipótese encontra-se na Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, mais especificamente no seu artigo 31 – A, no qual é disciplinada a hipótese do incorporador criar um patrimônio separado e com ele limitar a sua responsabilidade. 143 Mas antes de adentrarmos no estudo desse artigo, devemos examinar outro artigo da Lei supra mencionada, visando melhor clarear o que acima afirmamos.

Primeiramente, o que embasa a nossa afirmação é que no artigo 29 dessa Lei está expresso que o incorporador pode ser uma pessoa física que explore a atividade da incorporação de forma comercial, ou modernamente dizendo, de forma empresarial, isto é, que explore profissionalmente atividade econômica organizada de compromissar ou efetivar a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou de aceitar propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas. 144

Agora tendo isso como premissa, podemos analisar o que acima frisamos.

Segundo o artigo 31 – A da Lei nº 4.591, introduzido pela nº 10.931, de 2004, o incorporador, que conforme já analisado pode ser o empresário individual, pode submeter à incorporação ao regime da afetação, ou seja, o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

Aspecto importante que decorre dessa disciplina legal é que esse patrimônio separado constituído não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador, e que só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva 145 146, o que significa que, caso o incorporador esteja sujeito à falência ou à decretação da insolvência civil, o patrimônio separado (os terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação) não integrara a massa concursal. 147

Do exposto, se conclui, inequivocamente, que nessa hipótese legal o empresário individual pode constituir um patrimônio separado e, além disso, limitar a sua responsabilidade no mesmo, no entanto, trata-se de um caso isolado que possui características próprias que o afasta um pouco da linha de nossa pesquisa, por que:

a)se destina a um grupo bem restrito, os incorporadores, sem beneficiar a todos os empresários singulares; e

b) a tese que fundamenta a separação patrimonial é a da afetação, e não da universalidade de direito.

Apesar disso, é uma hipótese legal que tem por fito limitar a responsabilidade do empresário singular mediante a separação patrimonial, o que demonstra que tal medida ganha terreno no nosso "mundo jurídico".

8.3 – Lei nº 1.034 de 1983 do Paraguai: a única lei estrangeira que positivou a presente tese

Distintamente da hipótese legal que analisamos logo acima, a Lei nº 1.034 de 1983 148 do Paraguai, denominada de Ley del comerciante, institui a figura jurídica da Empresa Individual de Responsabilidad Limitada, que é o instituto jurídico que mais representa o ideal de se permitir o acesso livre de todo empresário que, individualmente, deseja limitar a sua responsabilidade a um patrimônio especial, a um patrimônio distinto de seu patrimônio geral.

Conforme o artigo 15 da Lei nº 1.034 de 1983, o instituto da Empresa Individual de Responsabilidad Limitada possui os seguintes contornos:

a)é destinado às pessoas físicas capazes de exercer atividades empresariais;

b)a constituição desse tipo de empresa depende, inicialmente, da atribuição de um capital determinado;

c)os bens que formam esse capital constituem um patrimônio separado ou independente dos demais bens pertencentes ao empresário individual; e

d)a finalidade desse patrimônio especial é a limitacao da responsabilidade do empresário singular, tendo por fito ser um lastro-garantia de sua responsabilidade em face das obrigações empresariais. 149

8.4 – Constituição da E.I.R.L.

A forma de constituição da empresa individual de responsabilidade limitada é bem simples. Basta que o empresário individual se utilize de uma escritura pública para a consecução do fim almejado. Porém, tal documento deve conter os seguintes elementos:

a) o nome e sobrenome, estado civil, nacionalidade, profissão e domicílio do instituinte;

b) a denominação da empresa, que deverá incluir sempre o nome e sobrenome do instituinte seguido da locução: "Empresa Individual de Responsabilidade Limitada", o monte do capital, e a localização da empresa;

c) a designação específica do objeto da empresa;

d)o monte do capital separado, com indicação se é dinheiro ou bens de outras espécies;

e) o valor que se atribui a cada um dos bens; e

f) a localização do administrador, que pode ser o instituinte ou outra pessoa que o represente. 150

Após a formalização da escritura pública, o empresário deve registrá-la no Registro Público do Comércio para que inicie as suas respectivas atividades. 151 Porém, para que essa disposição surta seus efeitos, é necessário que o juiz disponha, previamente, a publicação dum resumo do ato constitutivo da empresa num diário de grande circulação, por cinco vezes no lapso de quinze dias.152

8.5 – Segurança jurídica dos credores

O parágrafo anterior nos demonstra que o legislador paraguaio teve por grande preocupação a clareza da constituição da E.I.R.L. 153 Clareza essa que tem por fito proteger os credores, pois, na medida em que é imposto ao magistrado o dever de dispor, previamente, a minuta do ato constitutivo da E.I.R.L num diário de grande circulação, por cinco vezes no lapso de quinze dias, busca-se que a sociedade, bem como qualquer credor, tenha ciência de que negociará com um empresário individual com responsabilidade limitada.

Essa mesma finalidade também é discernível quando analisamos o artigo art. 20 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso que os livros, documentos e anúncios da empresa devem conter o nome e o sobrenome do instituinte, bem como, a locução completa: "Empresa Individual de Responsabilidade Limitada", e o montante do capital. 154

O descumprimento dessas obrigações por parte de empresário individual resultará na perda do beneficio da responsabilidade limitada, o que significa incorrer em responsabilidade ilimitada.155

8.5 - Capital mínimo para a formação do patrimônio especial

Outra medida criada pelo legislador paraguaio foi a instituição de um limite mínimo para a formação do patrimônio especial afeto à E.I.R.L, que é o equivalente a "dos mil jornales mínimos legais". Tal capital deverá ser totalmente mencionado no ato constitutivo da empresa, e, se esse capital for formado por imóveis, o juiz ordenará a inscrição de cada um no Registro de Imóveis da Direção Geral dos Registros Públicos, bem como, o depósito do dinheiro efetivo na conta bancária em nome da empresa. 156

8.6 – Falência empresarial

Princípio lógico instituído pelo legislador paraguaio é de que a falência da E.I.R.L não ocasiona a falência do empresário individual, num sentido de que este não responde com seus bens pessoais quanto às obrigações empresarias. 157

Claro que tal premissa é um desdobramento do princípio da responsabilidade limitada, pois se a responsabilidade do empresário está adstrita ao patrimônio especial correlato a E.I.R.L, logo seu patrimônio pessoal não estará sujeito ao mesmo fim.

A essa regra, porém, existem duas exceções, que serão analisadas no item "c" do próximo tópico.

8.7 – Formas de resolução da responsabilidade limitada

A Lei nº 1.034, de 1983 estabelece algumas hipóteses em que o empresário individual perde o beneficio da responsabilidade limitada e, por conseguinte, passa a responder ilimitadamente. Tais hipóteses são:

a)se o empresário individual agir com dolo, ou tentar fraudar ou descumprir as disposições dessa Lei; 158

b)se não cumprir as regras dos já mencionados artigos 19 e 20;

c)se o administrador designado não cumprir as obrigações a ele impostas por essa Lei ou pelo ato constitutivo, com prejuízo possível a terceiros, ou se a empresa falir em razão de culpa ou dolo; 159 e

d)se o empresário singular designar um valor excessivo aos bens que não sejam dinheiro, assim como a parte do que não integralizou. 160

8.8 – Formas de extinção da E.I.R.L

E, por ultimo, a E.I.R.L se extingue em razão das seguintes causas:

a)as previstas no ato constitutivo;

b)por decisão do instituinte, desde que sejam observadas as mesmas formalidades prescritas para a constituição da E.I.R.L;

  1. a morte do empresário;
  2. a quebra da empresa; e
  1. a perda de pelo menos 50% do capital declarado ou quando o capital atual tenha se reduzido a uma quantidade inferior ao mínimo legal determinado (vide art. 21).161

Também é de se frisar que em todas essas hipóteses de extinção da E.I.R.L o instituinte (o empresário individual) ou seus herdeiros procederam à liquidação da empresa pela via correspondente, conforme o caso. 162

8.9 – Considerações finais

Assim, conforme o exposto, existe, atualmente, duas hipóteses legais, uma nacional e outra paraguaia, que instituem, cada uma com peculiaridades próprias, a limitação da responsabilidade do empresário individual, que, no entanto, concretizam de alguma forma a linha de pensamento perfilhada nessa monografia.


CONCLUSÃO

A resposta, portanto, que será dada à pergunta-objeto desta pesquisa se resume na afirmação de que a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível, porém, conforme é observável desde a primeira seção até a última, tal conclusão está embasada sobre uma estrutura jurídica e argumentativa complexa.

Num primeiro instante, na primeira seção, concluímos que a imposição da responsabilidade ilimitada ao empresário singular, pelo menos numa visão econômica, significa um peso, um gravame, ou melhor expressando, um custo, porque se examinarmos os benefícios que a sua atividade resulta à econômica nacional e para a própria sociedade em geral, não é justificável que lhe seja dado um regramento que lhe prejudique ou que não se compatibilize com tais resultados.

Conclusão imediata a essa foi a que o nosso legislador está desatento aos fatos econômicos e aos importantes efeitos resultantes da atividade do empresário individual, o que se resume num déficit daquele para com este.

Tal premissa logo em seguida, na segunda seção, foi objeto de nossa análise sob uma ótica constitucional, e deste prisma podemos abstrair outras duas conclusões, que são: a não outorga desse benefício ao empresário individual, além de ser economicamente injustificável, é inconstitucional, pois se verificarmos o tratamento jurídico deferido pelo legislador a algumas sociedades empresárias como as limitadas e as anônimas, constataremos que consiste numa desigualdade juridicamente infundada, o que deslumbra uma grande ofensa ao princípio constitucional da igualdade expresso no artigo 5º, caput, da Constituição Federal que o legislador ordinário está vinculado e que, por conseqüência, deveria observar; e que a concretização desse beneficio é uma exigência constitucional, porque o Estado, seja na figura representativa do Poder Legislativo ou de qualquer outro órgão, deve ter por base de todos os seus atos o valor da livre iniciativa, bem como do valor do trabalho (artigo 1, inciso IV, da Constituição Federal), o que combinado com a obrigação de dar um tratamento favorável aos empresários individuais expresso no artigo 170, inciso IX, da Constituição Federal resulta num dever constitucional imposto ao Poder Legislativo de outorgar esse beneficio, uma vez que a sua concessão significa dar um tratamento favorável aos empresários singulares.

Sabendo que era importante e constitucional a outorga da responsabilidade limitada ao empresário individual, nos propusemos na terceira seção a pesquisar a questão de como concretizar isso, isto é, de saber qual o instituto jurídico poderia efetivamente dar contornos reais à limitação da responsabilidade do empresário singular. Para tanto inventariamos várias teorias que fossem afetas a presente questão, e dentre elas escolhemos apenas uma, aquela que preconiza que a responsabilidade do empresário individual pode ser limitada mediante a separação patrimonial, porque isto resultaria em dois patrimônios distintos, o patrimônio comum afeto somente as obrigações pessoais do empresário, e o patrimônio especial destinado unicamente às obrigações empresariais, o que demonstra uma responsabilidade limitada.

Nesse diapasão, fizemos uma varredura da formação histórico-jurídica dessa teoria, tendo por fito abstrair seus principais fundamentos, e tendo por base tais premissas fizemos duas outras perguntas por achá-las extremamente importantes e pertinentes ao tema, pois percebemos que a resolução da pergunta-objeto dessa pesquisa somente seria sanada se respondêssemos outras duas, que são:

a) É possível a separação patrimonial para a constituição de dois patrimônios distintos mesmo sabendo-se que no nosso sistema jurídico vige o princípio da indivisibilidade patrimonial?

b) E sendo positivo, é possível limitar a responsabilidade do empresário individual ao patrimônio especial resultante, posto que a regra geral seja a da responsabilidade ilimitada?

O pano de fundo que nos mobilizou a fazer tais perguntas foi a ciência de que no nosso ordenamento jurídico, em especial no Código Civil, vigem os princípios da unicidade patrimonial e da responsabilidade ilimitada.

No decorrer das seções que formulamos, por conseguinte, buscamos saber se essas perguntas complementares eram respondíveis ou não, no entanto, antes que verificássemos a solução jurídica corresponde a cada uma, fizemos algumas análises preliminares que acabaram por legitimar uma realidade jurídica correspondente, ou seja, quanto à separação patrimonial examinamos e entendemos que, num aspecto econômico, ou num aspecto de fato, a cisão patrimonial e a correspondente existência de dois patrimônios distintos, um pessoal e outro econômico, já era há muito tempo admissível, mas que isso não resultava numa separação patrimonial jurídica, e quanto à limitação da responsabilidade do empresário individual a um patrimônio especial, analisamos, sob os resultados obtidos da digressão histórica da limitação da responsabilidade dos empresários no Direito Empresarial que fizemos, que a limitação da responsabilidade do empresário singular é uma tendência lógica dentro desse ramo do Direito.

Diante desse contexto, resolvemos dar um substrato jurídico ou uma realidade jurídica a cada conclusão que obtivemos previamente. Quanto à cisão patrimonial, concluímos que ela é juridicamente possível mediante a aplicação do instituto da universalidade de direito que, uma vez combinado ao patrimônio do empresário singular, cria um regime jurídico peculiar ao mesmo, o que viabiliza a sua divisão em duas massas independentes e mantém o empresário como o titular único. E, quanto à limitação da responsabilidade do empresário individual a um patrimônio especial resultante, concluímos também pela sua admissibilidade, pois no artigo 591, in fine, do Código de Processo Civil, o legislador expressou que a limitação de responsabilidade a um patrimônio somente é admissível se houver disposição legal para tanto.

De uma só vez, assim, pudemos dar um substrato jurídico àquelas analises prévias que mencionamos e respondemos positivamente às duas perguntas complementares formuladas, o que deu respaldo à resposta da pergunta-objeto desta monografia no sentido que afirmamos no inicio deste tópico.

Percebemos, no entanto, que poderíamos ir mais longe, assim estendemos o nosso campo de pesquisa e buscamos saber se já havia institutos jurídicos com o perfil semelhante da tese aqui esposada, e encontramos duas hipóteses, uma relativa ao 31 - A da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, no qual está estatuído a viabilidade de um incorporador pessoa física, que exerça a sua atividade empresarialmente, limite a sua responsabilidade na respectiva incorporação, e outra relativa à Lei nº 1.034 de 1983 do Paraguai que sedimenta a limitação da responsabilidade limitada para todos os empresários individuais indistintamente mediante a instituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, mais conhecida pela locução "E.I.R.L.".


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Notas

1 MACHADO, Sylvio Marcondes. A responsabilidade limitada do exercício do comércio. São Paulo: RT, 1956, p. 11.

2 PREITE SOBRINHO, Wanderley. Projeto de lei limita responsabilidade de micro e pequenos empresários. São Paulo: UOL, setembro de 2005. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/infopessoal/noticias/_HOME_OUTRAS_386015.shtml>, acesso em 09-04-2007.

3 BRASIL. Câmara. Proposições. Fonte: < http://www2.camara.gov.br/proprosições >, acesso em 18-04-2007.

4 BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 124 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LCP/Lcp123.htm>, acesso em 18 – 04 – 2007.

5 ROSSETI, José Paschoal. Op. Cit., p. 166.

6 AGUIAR, Renato J. As micro e pequenas empresas comerciais e de serviços no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2003, p.15. Disponível em: <www.sebrae.com.br> , acesso em 21/04/2007.

7 BRASIL. DNRC. Estatísticas. Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/Caep147.htm>, acesso em 21-04-2007.

8 AGUIAR, Renato J. Op. Cit., p. 23.

9 Id. Ibid., p. 21.

10 JORGE, Ângela Filgueiras (coordenadora), et al. Economia informal urbana 2003. Brasil: IBGE, 2003, p. 31. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br>, acesso em 06- 06-2007.

11 Id. Ibid..

12 FERRER, Antonio de Arruda. Sociedades fictícias e unipessoas. Coimbra: Atlântica Coimbra, 1948, p. 02.

13 Id. Ibid., p. 3.

14 BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm >, acesso em 10 – 08 – 2007.

15 ALMEIDA, António Pereira de. A Limitação da responsabilidade do comerciante individual: novas perspectivas do direito comercial. Coimbra: Almedina, 1988, p. 269 e 288.

16 Foi constatado que no Estado de São Paulo cerca de 29% das empresas fecham no 1º ano de vida, 49% fecham até 3 anos, e 56% não atingem 4 ou 5 anos de vida. 28 E, no Brasil como um todo, segundo o DNRC (Departamento Nacional de Registro Comercial), no período de 2000 a 2005, cerca de 392.581 de empresas individuais foram extintas. (BRASIL. DNRC. Op. Cit.)

17 Vide artigo 1.052 do Código Civil.

18 FAGUNDES, Seabra. O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo. São Paulo: RT nº 235, maio de 1955, p. 3.

19 Não fazemos uso de uma terminologia totalmente técnica nesse caso, pois quando salientamos a responsabilidade limitada dos sócios, salientamos uma responsabilidade limitada de fato, pois, apesar de sabermos que, juridicamente, os sócios não têm uma responsabilidade limitada, mas uma dívida limitada (vide tópico 7.3.1.1), tal regramento jurídico, reflexamente, possibilita aos sócios de fato terem as suas responsabilidades limitadas.

20 CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 5ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 1991, p. 178.

21 Id. Ibid., p. 179.

22 Vide também GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1998. 11 ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 254.

23 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 48 e 49.

24 "Indudablemente se inspiraba en la situação de las private companies inglesas que, junto con la ley alemana de sociedades de responsabilidad limitada de 1892, significaron uno grave paso en la evolución hacia la limitación de la responsabilidad". AZTIRIA, Enrique.Empresa individual de responsabilidad limitada. In Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Gazeta Mercantil, 1951, vol. 1º, p. 645. (tradução livre)

25 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos e outras figuras jurídicas. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 234.

26 ISCHER, Roger. "Vers la responsabilité limitée du comerçant individual". Lausanne: Spes, 1933, p. 59. Apud MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 49, 50 e 51.

27 ISCHER, Roger. Op. Cit., p. 100 a 110. Apud MACHADO, Sylvio Marcondes. ibidem, p. 54 e 55.

28 ISCHER, Roger. Op. Cit., p. 110. Apud MACHADO, Sylvio Marcondes. ibidem, p. 56.

29 MACHADO, Sylvio Marcondes. Ibidem, p. 56.

30 "[...] las idéias y el proyecto de Pysco, que obtuvieran su consagración legislativa en el Principado de Lichtenstein, en 1926, mediante la incorporación y regulamentación de la ‘Empresa individual de responsabilidad limitada’ en su código sobre el derecho de lãs personas y de las sociedades". AZTIRIA, Enrique. Op. Cit., p. 654. (traduação livre)

31 ISCHER, Roger. Op. Cit., p. 7 a 11. Apud MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 66 e 67.

32 MACHADO, Sylvio Marcondes. Ibidem,, p. 67 e 68.

33 "Desde hace algún tiempo llevo en la mente la ideia de la creacion de una nueva institución jurídica, llamada, en mi concepto, a produzir importantes beneficios en el movimento económico de la sociedad.

Sin tiempo ni elementos para investigar si esa institución existe en otros países, reinvidico plenamente para mí la originalidade del pensamiento fundamental de esa institución". LAMADRID, Esteban. Responsabilidad individual limitada. In Revista del Colégio de Abogados de Buenos Aires. Buenos Aires: julho e agosto de 1937, p. 175. (tradução livre)

34 "En realidad, no he hecho cosa que desenvolver hasta su última possibilidade el principio de la responsabilidad limitada en el derecho contractual, que es uno de los caracteres, como es sabido, de las sociedades anónimas y de las de responsabilidad limitada.

Por qué no extender al individuo humano, a la persona física, capaz de derechos y responsabilidad permitiéndolhe separar de su patrimonio general uno o varios particulares, afectando éstos a la responsabilidad de operaciones comerciales sobre determinado género de negocio?". Id. Ibid. (tradução livre)

35 "Fuera del derecho contractual, la limitación de la responsabilidad personal no es una novedad. Basta citar al efecto el beneficio de inventario concedido al heredero que las obligaciones del causante no toquen sus propios bienes". Id. Ibid. (tradução livre)

36 "[...] que no creía lejano el dia en que cualquier individuo pudiera, dentro de la ley, y sin recurrir a la sociedade anónima fictícia, liminar sua propia responsabilidad para determinada empresa ". RIVAROLLA, Mario A. Afetacion individual del patrimonio. In Revista del Colégio de Abogados de Buenos Aires. Buenos Aires: maio e junho de 1937, p. 292. (tradução livre)

37 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit. p. 76.

37 Id Ibid., p. 77.

38 Id. Ibid., p. 77 e 78.

39 No mesmo ano corrente ocorreu também a Quinta Conferência Nacional de Abogados que se reuniu em Santa Fé, e nela o jurista Barcia Lopez defendeu aguerridamente a idéia de personalização da empresa.

A tese de Barcia Lopes criou muita discussão, tanto que houve uma cisão, isto é, duas correntes, uma que defendia sua idéia e outra que não. E, após isto, o Instituto Argentino de Direito Comercial patrocinou, em 1943, a iniciativa de se elaborar um projeto de lei, e que coube ao jurista Waldemar Arecha formulá-lo - este defendia a personificação da empresa. (MACHADO, Sylvio Marcondes. Op.Cit., p. 85)

40 TRILER, Adolf. Empresa Individual de responsabilidade limitada. Curitiba: Paraná Judiciário, ano 1940, p. 10 et seq.

41 VALVERDE, Trajano de Miranda. Estabelecimento autônomo. In Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 1943, vol. 96, p. 577.

42 LIMA, Adamastor. Sociedade individual de responsabilidade limitada. Curitiba: Paraná Judiciário, 1944, vol. 40, p. 4 et. seq.

43 "[...] la prática, há comprobado que la limitación de los riesgos en los negocios sin dañar los intereses de los credores, favorece en general toda clase de empresa. Animados los comerciantes y industriais por las esperanzas de realizar beneficios con capitales puestos al servicio de una iniciativa, la audácia acompaña la certeza de no arriesgar toda la fortuna y su acción no se ve paralizada por el temor de comprometer en los azares de uno negocio toda posición económica labrada quizás depues de muchos años de tabajos e innumerables fatigas.

Como consecuencia de ello há surgido la idea de limitar la responsabilidadde del comerciante en su giro, solo capital comprometido, creando la llamada ‘Empresa Individual de Responsabilidad Limitada’ ". (PERROTA, Salvador R. Algunas cuestiones mercantiles ante el derecho. Anais do Congresso Jurídico Nacional Comemorativo do Cinqüentenário da Faculdade de Porto Alegre. In Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre. Porto Alegre: URGS, 1950, vol. 1º, p. 350 e 351. (tradução livre)

44 MARTINS FILHO, Antonio. Limitação da responsabilidade do comerciante individual. Anais do Congresso Jurídico Nacional Comemorativo do Cinqüentenário da Faculdade de Direito de Porto Alegre. In Revista da Faculdade de Porto Alegre. Porto Alegre: URGS, 1950, vol. 1º, p. 289.

45 Id. Ibid.

46 Id. Ibid..

47 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 284.

48 Id. Ibid.

49 Ib Ibid., p. 239.

50 Em 1997, o jurista Calixto Salomão Filho escreveu uma monografia a respeito das sociedades unipessoais, e a defende em contraposição às teorias da personificação da empresa ou do estabelecimento.

51 Na Áustria o jurista Orkar Pisko (adepto da teoria objetiva) já afirmava que esse pressuposto é o que força o legislador a beneficiar o empresário individual com a limitação da responsabilidade (vide tópico 3.2), bem como, Salvador R. Perrota da Argentina e os juristas brasileiros, Trajano de Miranda Valverde e Antonio Martins Filho (adeptos da teoria subjetiva - vide tópico 3.4).

52 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, vol. 1º, p. 52.

53 O jurista italiano, Alberto Asquini, relata, também, que com o advento do Código Civil de seu país, em 1942, uma grande desorientação surgiu, em razão de não constar no bojo desse diploma legal a definição jurídica da empresa. (ASQUINI, Alberto. Profili dell'impresa.Tradução de Fábio Konder Comparato. In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, 1998, vol. 35, nº 104, p. 109).

54 VIVANTE, Cesare. Apud REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 53.

55 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1931, p. 190

56 CORDEIRO, António Menezes. Manual de direito comercial. Coimbra: Almedina, 2003, vol. 1º, p. 225.

57 MENDONCA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Freitas Bastos, 1933, p.492.

58 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p.162.

59 ASQUINI, Alberto. Op. Cit., p. 110.

60 Id. Ibid., p. 114.

61 Id. Ibid., p. 116.

62 Id. Ibid., p. 119.

63 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. Tese de mestrado. São Paulo: Max Limonad, 1969, p. 62

64 Id. Ibid., p. 62 e 63.

65 BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L8955.htm>, acesso 15 – 12 – 2007.

66 LEITE, Geraldo Magela. O estabelecimento commercial como objeto de negócio jurídico. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1982, p. 59.

67 ASQUINI, Alberto. Op. Cit., p.119.

68 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ CCIVIL/Leis/L5869.htm>, acesso 15 – 12 – 2007.

69 O jurista Alberto Asquini também elucida que o ordenamento jurídico italiano "[...] tem sempre excluído e exclui toda construção tendente a fazer do patrimônio especial, de que estamos falando, um patrimônio juridicamente separado do remanescente patrimônio do empresário (patrimônio com escopo; Sondervermogen; Patrimoine d’ affection)". Id. Ibid., p. 118.

70 Geraldo Magela Leite entende que tal tratamento jurídico deferido ao estabelecimento empresarial institui uma "separação funcional", visto que são regras coligadas e apropriadas à função precípua desse patrimônio, que é ser empresarial (LEITE, Geraldo Magela. Op. Cit., p. 60).

71 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 843.

72 A palavra "coisas" deve ser entendida como tudo aquilo que existe no mundo e que interessa ao direito, não em si mesma, mas como objeto do poder de sujeitos.

3 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Traduzido por Ary dos Santos. 3ª ed. (6 ed. do original). São Paulo: Saraiva, 1972, p. 268 e 269.

74 Essa união abstrata não se baseia apenas em princípios de ordem filosófica e jurídica, mas, também, em fundamentos econômicos, porque a consideração unificadora de bens singulares viabiliza a criação de "um todo econômico, com função própria". (SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, vol. 1, p. 343).

75 RUGGIERO, Roberto de. Op. Cit. p. 269.

76 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, vol. 1º, p. 298.

77 A correta compreensão do conceito de relação jurídica está condicionada à análise de seu pressuposto de existência, a relação humana propriamente dita.

Vivendo em sociedade o homem entra em contato com os seus semelhantes, o que enseja relações, que, por sua vez, são reguladas por diversas regras e, entre elas, as normas jurídicas, e essa normatização do comportamento humano existe em virtude de um único motivo, a potencialidade do homem de gerar conflitos de interesses (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 115).

78 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. 2ª. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 149.

79 As relações jurídicas são oriundas de fatos que a lei considera como idôneos a produzi-las, que são: os fatos jurídicos strictu sensu: quando a relação jurídica surge de um fato natural que independe da vontade das pessoas (artigo 185 do Código Civil); os negócios jurídicos: quando se origina de um acordo de vontades de duas ou mais pessoas que visam criar, modificar, manter ou extinguir um direito (artigo 104 e segs. do CC/02); e, por último, os atos ilícitos: na qual a relação jurídica emerge em virtude de uma ação ou omissão voluntária, de negligência ou imprudência que viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (artigo 186 e segs. do Código Civil).

80 Id. Ibid., p. 153 e 154.

81 RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3ª ed.. São Paulo: RT, 1991, vol. 2º, p. 763; LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. Cit, p. 343; Gonçalves, Cunha. Tratado de direito civil. São Paulo: Max Limond, 1958, vol. 3º, p. 140; ESPINOLA, Eduardo. Introdução ao estudo do direito civil. São Paulo: Freitas Bastos, 1939, p.526; RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 270.

82 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 271.

83 WALD, Arnoldo. Op. Cit., p. 205; MAGALHÃES, Barbosa de. Do estabelecimento comercial: estudo de direito privado. Coimbra: Ática, 1951, p. 84.

84 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit, 225; RAO, Vicente. Op. Cit., p. 771; GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 225; FONSECA, Tito Prates da. Noções de direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1941, p. 81; NADER, Paulo. Curso de direito civil: parte geral. Rio de Janeiro: 2003, Vol. 1º, p.296.

85 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 199 e 200.

86 A expressão venda e compra não é usual, no entanto, entendemos a mais correta, porque na realidade do comércio o vendedor aliena primeiro para o comprador depois adquirir.

87 Aubry e Rau. apud RAO, Vicente. Op. Cit., 768

88 RAO, Vicente. Ibid., p. 768

89 WALD, Arnoldo. Op. Cit., p. 235.

90 CUNHA, Paulo A. V. Do patrimônio. Lisboa: Livraria Clássica, 1934, vol. 1º, p. 54.

81 Id. Ibid., p. 149.

92 BEVILAQUA, Clóvis. Op. Cit., p. 282.

93 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 193; RAO, Vicente. Op. Cit., p. 771; NADER, Paulo. Op. Cit., p. 300; SANTOS, J. M de Carcalho.Código civil brasileiro interpretado: Parte Geral. São Paulo: Freitas Bastos, 1964, vol. 2º, p. 61; ESPINOLA, Eduardo. Op. Cit., p. 526.

94 Teixeira de Freitas afirma que a herança nada mais é que um patrimônio ou parte dele que se transfere do de cujus para outras pessoas, os herdeiros (FREITAS, Teixeira de.Tratado de direito civil. Parte especial. Direito das sucessões: sucessão em geral e sucessão legitima. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1966, tomo LV, p. 6)

95 Conforme observado no item 5.5, a lei, para determinados fins que queira buscar, pode considerar o patrimônio em razão somente de seu pólo ativo ou passivo, e, nesse caso, o desiderato é constituir o patrimônio ativo de uma pessoa em garantia da solvência de suas obrigações.

96 SANTOS, J. M de Carcalho. Op. Cit., p. 59.

97 "[...] en principio, rige la norma de que a cada sujeto le corresponde un único patrimonio; solo excepcionalmente, y por disposición de la ley, un grupo de derechos, em cierta medida, puede tener existencia separada del patrimonio. El sujeto no puede dividir arbitrariamente sus derechos patrimoniales em dos masas distintas [...]". TUHR, Andréas Von. Derecho civil: teoria general del derecho civil alemán. Tradução de Tito Ravá. Madrid: Marcial Pons, 1998, vol. 1º, p. 322. (tradução livre)

98 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. EREsp 286020, DJ 01.07.2002. p. 205. Disponível em: < http://www.stj.gov.br>, acesso 22 – 10 – 2007.

99 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3ª ed. Rio de Janeiro: RT, 1984, tomo V, p. 378 e 379.

100 Id. Ibid., p. 380.

101 Exemplo disso é a herança ou patrimônio especial dos cônjuges quando casados sob o regime de comunhão parcial. Isto é uma característica que é agregada ao patrimônio especial na medida em que é considerada uma universalidade de direito.

102 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., p. 379.

103 GOMES, Orlando. A reforma do código civil. Bahia: Publicações da Universidade da Bahia, 1965, p. 201.

104 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., p. 379.

105 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Da fidúcia à securitização: as garantias dos negócios empresariais e o afastamento da jurisdição. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 2006, págs. 77 e 78.

106 MARTINS FILHO, Antonio. Op. Cit., p. 290.

107 Id. Ibid.

108 Vide artigo 1.039, parágrafo único, do Código Civil.

108 Vide artigo 1.045 do Código Civil.

109 Conforme já mencionado na introdução dessa seção, analisamos esse problema sob uma ótica histórica, assim, por conseguinte, quando nos referimos a responsabilidade limitada dos sócios de uma sociedade, frisamos uma responsabilidade expressa na lei, sem nos atermos a rigores da boa técnica. Se estivéssemos presos a um rigor técnico, não afirmaríamos o que afirmamos, pois sabemos que os sócios não possuem uma responsabilidade limitada, mas uma divida limitada ao valor investido na sociedade que, por ventura, se não for integralizado, gera uma responsabilidade ilimitada para o sócio (vide tópico 7.3.1.1).

110 MARTINS FILHO, Antonio. Op. Cit., p. 291.

111 SILVA, De Plácido e. Op. Cit., p. 567.

112 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 3.

113 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, vol. 2º, p. 10

114 Id. Ibid.

115 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 2ª ed. São Paulo: Sugetões Literárias, 1969, p. 16

116 BOFANTE, Pedro. Apud WALD, Arnoldo. Ibid.

117 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 4; PEREIRA, Caio Mario da Silva. Op. Cit., p. 13; WALD, Arnoldo. Op. Cit, p. 14; GOMES, Orlando. Obrigações. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 16.

118 Esse ponto será analisado no tópico 7.3.

119 PEREIRA, Caio Mario da Silva.Op. Cit., p. 14.

120 Id. Ibid.

121 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 23.

122 WALD, Arnoldo. Op. Cit, p. 21;

123 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.26.

124 Id. Ibid.

125 Id. Ibid., p. 27.

126 RUGGIERO, Roberto. Op. Cit., p. 6.

127 Id. Ibid.

128 Vide artigos 234, 236, 239, 247, 248, 251, 254 e 255 do Código Civil.

129 RUGGIERO, Roberto de. Op. Cit., p. 9.

130 WALD, Arnoldo. Op. Cit., p. 18 e 19.

131 "La palavra ‘Haftung’ (sujeción, responsabilidad, afectación) se emplea en alemán en muy distintos sentidos ". ENNECERUS, Ludwig. Derecho de las obligaciones. Traduzido por Blas Pérez Gonzáles e José Alguer. Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1954, p. 10. (tradução livre)

132 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 267.

133 "A veces la responsabilidad o sujeción se limita a un importe máximo (responsabilidad cuantitativamente limitada). Entonces se trata de una delimitación del contenido de la deuda, de una obligación delimitada, que nos parece limitada porque la comparamos con otra de mayor alcance. Pero al contenido delimitado de la deuda está sujeito todo el patrimonio del deudor, la ejecución forzosa es admisible sobre los objetos del patrimonio, que están sometidos en general a la ejecucion forzosa". ENNECERUS, Ludwig. Op. Cit. p 10. (tradução livre)

134 BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça.Jurisprudência. 2º TACivSP. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br/consulta/Jurisprudencia.aspx> , acesso 09 - 12 – 2007.

135 "Pero tambíen hay casos en los cuales la responsabilidad o sujeicón se limita a determinados objetos del patrimonio, de suerte que solo ‘estos’ están afectos y, portanto, la ejecución forzosa solo puede recaer sobre los mismos (sujeción o responsabilidad limitada en cuando a los objetos o las cosas)". ENNECERUS, Ludwig. Op. Cit. p 10. (tradução livre)

136 "Asi, por ejemplo, en ciertos casos, el herdero solo responde de las deudas de la herancia con el caudal relicto". Id. Ibid. (tradução livre)

137 MACHADO, Sylvio Marcondes. Op. Cit., p. 270.

138 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 201.

139 FILHO, Calixto Salomão. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 42 e 43.

140 BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ CCIVIL/LEIS/L8009.htm>.

141 Vide tópico 5.7.

142 FILHO, Salomão Calixto. Op. Cit., p. 37.

143 BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4591.htm>, acesso em 01 – 03 – 2008.

144 Artigo 966 do Código Civil c/c o artigo 29 da Lei nº 4.591/1969.

145 Vide § 1º do artigo 31 – A da Lei nº 4.591/64, incluído pela Lei nº 10.931, de 2004.

146 Conforme o expresso no artigo 31 – B dessa Lei, esse patrimônio separado será constituído mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno.

147 Vide artigo 31 – F da Lei nº 4.591, de 1964, incluído pela Lei nº 10.931, de 2004.

148 Paraguai. Lei nº 1.034, de 1983. Disponível em: <http://leyes.com.py/todas_disposiciones/1983/leyes/ ley_1034_83.php>, acesso em 02 – 03 – 2008.

149 Vide artigo 15 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

Toda persona física capaz de ejercer el comercio podrá constituir empresas individuales de responsabilidad limitada, asignándoles un capital determinado.

Los bienes que formen el capital constituirán un patrimonio separado o independiente de los demás bienes pertenecientes a la persona física. Aquellos bienes están destinados a responder por las obligaciones de tales empresas.

La responsabilidad del instituyente queda limitada al monto del capital afectado a la empresa […]. (Id. Ibid.) (tradução livre)

150 Vide artigo 16 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

La empresa individual de responsabilidad limitada debe constituirse por escritura pública. El acto constitutivo contendrá:

a) El nombre y apellido, estado civil, nacionalidad, profesión y domicilio del instituyente;

b) La denominación de la empresa, que deberá incluir siempre el nombre y apellido del instituyente seguido de la locución: "Empresa Individual de Responsabilidad Limitada", el monto del capital, y ubicación de la empresa;

c) La designación específica del objeto de la empresa;

d) El monto del capital afectado, con indicación de sí es en dinero o bienes de otra especie;

e) El valor que se atribuya a cada uno de los bienes; y

f) La designación del administrador, que puede ser el instituyente u otra persona que lo represente. (Id. Ibid.) (tradução livre)

151 Vide artigo 18 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

La empresa individual de responsabilidad limitada no podrá iniciar sus actividades antes de su inscripción en el Registro Público de Comercio. (Id. Ibid.) (tradução livre)

152 Vide artigo 19 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso que: "A los efectos del Artículo anterior, el Juez dispondrá previamente la publicación de un resumen del acto constitutivo de la empresa en un diario de gran circulación, por cinco veces en el lapso de quince días." (Id. Ibid.) (tradução livre)

153 Essa é a forma abreviada da locução "Empresa Individual de Responsabilidade Limitada".

154 Vide artigo 20 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

Los libros, documentos y anuncios de la entidad llevarán impresos el nombre y apellido del instituyente, la locución completa: "Empresa Individual de Responsabilidad Limitada", y el monto de su capital. El incumplimiento de la presente disposición y el de la contenida en el Artículo anterior hará incurrir al empresario en responsabilidad ilimitada. (Id. Ibid.) (traducao livre)

155 Vide artigo 20 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso que: "El incumplimiento de la presente disposición y el de la contenida en el Artículo anterior hará incurrir al empresario en responsabilidad ilimitada". (Id. Ibid.) (tradução livre)

156 Vide artigo 21 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

El capital de una empresa individual de responsabilidad limitada no podrá ser inferior al equivalente de dos mil jornales mínimos legales establecidos para actividades diversas no especificadas de la Capital.

El capital deberá ser íntegramente aportado en el acto de constitución.

El Juez ordenará la inscripción de los inmuebles en el Registro de Inmuebles de la Dirección General de los Registros Públicos, y el depósito de dinero efectivo en cuenta bancaria a nombre de la empresa. (Id. Ibid.) (tradução livre)

157 Vide artigo 22 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso: "La quiebra de la empresa no ocasiona la del instituyente […]". (Id. Ibid.) (tradução livre)

158 Vide artigo 15 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso: "En caso de dolo, fraude o incumplimiento de las disposiciones ordenadas en esta Ley, responderá ilimitadamente con los demás bienes de su patrimonio". (Id. Ibid.) (tradução livre)

159 Vide artigo 22 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

La quiebra de la empresa no ocasiona la del instituyente, pero si éste o el administrador designado no cumple las obligaciones impuestas por la Ley o por el acto de creación, con perjuicio posible de terceros, o si la empresa cae en quiebra culpable o dolosa, caducará de pleno derecho el beneficio de limitación de responsabilidad. (grifo nosso) (Id. Ibid.) (tradução livre)

160 Vide artigo 23 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso: "El instituyente responderá ilimitadamente por el exceso del valor asignado a los bienes que no sean dinero, así como la parte del capital en efectivo no integrado". (Id. Ibid.) (tradução livre)

161 Vide artigo 25 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso, in verbis:

La empresa termina por las causas siguientes:

a) Las previstas en el acto constitutivo;

b) La decisión del instituyente, observando las mismas formalidades prescritas para su creación;

c) La muerte del empresario;

d) La quiebra de la empresa; y

e) La pérdida de por lo menos el 50% del capital declarado o en su caso cuando el capital actual se haya reducido a una cantidad inferior al mínimo legal determinado en el Art. 21º […]. (Id. Ibid.) (tradução livre)

162 Vide artigo 25 da Lei nº 1.034, de 1983, no qual está expresso:"En todos los casos el instituyente o sus herederos procederán a la liquidación de la empresa por la vía que corresponda.". (Id. Ibid.) (tradução livre)


Autor

  • Luciano Batista de Oliveira

    Luciano Batista de Oliveira

    Advogado sócio do escritório Oliveira & Mattisen Advocacia especializada. Graduado em Direito pela Universidade São Francisco em 2008 e especialista em Direito Imobiliário pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) em 2010. Pós-graduando em Engenharia do Meio Ambiente pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP). Ex-Aluno da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2008, apresentando monografia sobre o tema: A caracterização da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pelo Supremo Tribunal Federal. Ex-monitor a Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2011, no curso: Constituição e Política, sob a supervisão do Prof. Me. Daniel Wei Liang Wang. Ex-monitor de Direito Empresarial, sob a supervisão do Prof. Me. Sérgio Gabriel, na Universidade São Francisco, 2008.

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OLIVEIRA, Luciano Batista de. Limitar a responsabilidade do empresário individual é juridicamente possível? Análise crítica da limitação da responsabilidade do empresário individual mediante separação patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2764, 25 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18346. Acesso em: 26 abr. 2024.