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Leis ordinárias e leis orgânicas no sistema constitucional espanhol

Leis ordinárias e leis orgânicas no sistema constitucional espanhol

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Muitos dos dilemas enfrentados pelos espanhóis na resolução de conflitos entre "leyes orgánicas"e "ordinarias" desafiam também solução no sistema brasileiro no tange a conflitos entre leis ordinárias e complementares.

I – Introdução

O presente estudo é motivado por três questões tradicionais da teoria constitucional de fontes do direito na Espanha. São elas: (i) o que é uma "ley orgánica"?; (ii) em que se diferencia a "ley orgánica" da "ley ordinaria" na Espanha?; (iii) como devem ser solucionados os conflitos entre uma "ley orgánica" y "ley ordinaria"? Estas são as três questões principais que trataremos de responder.

No decorrer do artigo, traduziremos "ley orgánica" por "lei orgânica" e "ley ordinaria" por "lei ordinária". Devemos advertir ao leitor brasileiro, porém, que a "ley orgánica" espanhola guarda referência com a lei complementar brasileira, em especial no que tange ao quórum de aprovação. Em verdade, é exatamente essa semelhança que confere interesse ao estudo deste tema pelo meio acadêmico brasileiro, uma vez que muitos dos dilemas enfrentados pelos espanhóis na resolução de conflitos entre leyes orgánicas e ordinarias desafiam também solução no sistema brasileiro no tange a conflitos entre leis ordinárias e complementares.

Antes de responder à primeira das três perguntas fundamentais que mencionamos antes, ou seja, antes de definir o que é a lei orgânica, é necessário desvendar o que é uma lei em geral, é mister investigar os conceitos clássicos da lei, desde os quais se pode buscar a semelhança ou a diferença entre a lei ordinária e a lei orgânica. A partir dessa investigação inicial, poderemos chegar à resposta da pergunta "ii" antes mesmo de se responder à pergunta "i". Esse método pode parecer inadequado sobre o ponto de vista lógico-dedutivo; sem embargo, não vemos como é possível saber o que é uma lei orgânica sem examinar previamente seus traços e cotejá-los com as características tradicionais que são atribuídas às leis em geral. Assim, começaremos analisando as concepções de lei e então verificaremos se elas podem ser empregadas para descobrir alguma distinção ontológica entre a lei orgânica e a lei ordinária.

Na sequência, examinaremos brevemente os procedimentos legislativos das leis ordinárias e das leis orgânicas previstos na constituição espanhola. Assim procederemos porque, se a análise dos conceitos doutrinários de lei não forem suficientes para a diferenciação entre uma e outra espécie legal, o procedimento constitucional legiferante poderia nos indicar algum caminho de discriminação científica.

Depois deste exame superficial, trataremos de identificar as características que usualmente são identificadas pela doutrina constitucional espanhola a fim de reconhecer autonomia e identidade própria às leis orgânicas. Acolhendo ou repudiando essas características, buscaremos, finalmente, responder à pergunta "ii" e, a seguir, à pergunta "i"; ou seja, sabendo o que se pode entender por "lei" e como são produzidas as leis ordinárias e orgânicas na Espanha, veremos quais  características especiais pode ter a lei orgânica e, somente então, poderemos descobrir o que é a lei orgânica no sistema constitucional espanhol. Finalmente, ultrapassadas todas essas etapas, será possível concluir como podem ser solucionados os conflitos entre uma lei orgânica e uma lei ordinária no sistema jurídico espanhol.

Antes de iniciar nossa tarefa, não obstante, devemos advertir que não serão objeto de nosso estudo as leis orgânicas que instituem estatutos de autonomia[1] ou que autorizam a celebração de tratados internacionais que transferem competências derivadas da constituição espanhola. Essas duas espécies de leis orgânicas possuem peculiaridades que as distinguem em suas naturezas jurídicas. Por isso, em todo o corpo do artigo, quando nos referimos à lei orgânica, estaremos mencionando todas as demais espécies de leis orgânicas, nunca essas duas.


II – Os conceitos de "lei" na Espanha

No sistema constitucional espanhol, assim como nos sistemas jurídicos europeus continentais como um todo, a lei – "ordinária" – surge histórica e teoricamente como a expressão máxima da vontade popular. Na verdade, essa noção político-jurídica da lei é anterior ao próprio surgimento da constituição como marco legitimador do direito. De fato, a concepção da constituição como fonte de norma jurídica é relativamente recente na Espanha (assim como em toda a Europa), tornando-se efetiva somente no constitucionalismo democrático posterior à Primeira Guerra Mundial[2]. Antes disso, na Espanha, a "Constitución no era, pues, norma jurídica que estuviera por encima de los poderes que ella misma organizaba, sino que la Constitución eran el Rey y las Cortes Generales, la Constitución estaba permanentemente a disposición de estos dos órganos del Estado, titulares conjuntamente del poder legislativo"[3]. Naquele momento, era corrente a confusão entre o poder constituinte e o poder constituído, não se podendo ainda falar em uma "soberania constitucional", mas sim em uma "soberania do Parlamento"[4].

Dessa maneira, desde já muito tempo, a lei é o documento político por meio do qual se expressam os órgãos legitimados para a representação da vontade geral – las Cortes Generales. Essa ideia, de que a lei seria "la única norma del ordenamiento que goza de directa legitimidad democrática", é ainda muito presente na doutrina constitucional espanhola moderna[5].

Atualmente, é possível compreender que a lei é o espaço constitucionalmente legítimo para a formulação das regras de convivência da sociedade política espanhola. A constituição, nesse sentido, seria o conjunto das "regras do jogo" político, às quais os poderes políticos deveriam obedecer quando exercem a atividade de criação de normas jurídicas. Uma vez obedecidas as "regras do jogo" constitucionais, seria lícito e legítimo para a sociedade, por meio de seus órgãos representativos, dispor sobre qualquer tema e formular coercitivamente qualquer espécie de norma jurídica, norma esta que é legitimada democraticamente por sua fonte formal: a lei. Assim, enquanto a Constituição seria a "metafonte", a fonte das fontes, a lei seria "el principal modo de creación del Derecho"[6], ou seja, seria a fonte do direito por antonomásia.

O conceito de lei que explicamos é um conceito político, baseado na ideia de lei como manifestação do princípio democrático. Segundo Luis María Díez-Picazo, essa noção de lei é identificada com base em sua expressão como "valor de lei"[7]. Nessa perspectiva valorativa, a qualidade intrínseca da lei se traduziria na autodeterminação da comunidade política, na autodisposição da comunidade sobre si mesma, sendo a lei a expressão verdadeira e legítima da vontade geral[8]. Eis aqui uma concepção de lei que se origina nas teorias contratualistas sobre o nascimento do Estado e adota as lições de Jean-Jacques Rousseau sobre como o homem, ao aceitar o contrato social, deixa no passado sua liberdade negativa de homem natural e passa a ganhar a liberdade positiva de cidadão, a qual seria exercida pelo corpo coletivo na formulação das leis. De fato, segundo Rousseau, cada pessoa, se colocando sob o poder absoluto do Estado, passa a ser parte integrante deste. São suas palavras: "Cada uno de nosotros pone en común su persona y todo su poder bajo la suprema dirección de la voluntad general; y nosotros recibimos corporativamente a cada miembro como parte indivisible del todo"[9]. Dessa forma, sendo parte da coletividade política, a pessoa também ganharia a liberdade de participação na formulação da vontade geral, a qual é documentada formalmente na lei.

Se preferimos um conceito tipicamente material, diremos que a lei é o ato por meio do qual são criadas regras gerais e abstratas que vinculam indeterminadamente todos os membros – ou parte deles – da comunidade estatal. Neste conceito material, os traços fundamentais que caracterizam a lei são: i) sua abstração, ou seja, sua formulação abstrata que prevê uma hipótese de fato e imputa um resultado normativo; ii) sua generalidade, que significa sua possibilidade de aplicação indefinida a uma coletividade indeterminada de pessoas. Segundo o constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, este seria o conceito de lei majoritário nas doutrinas jurídicas clássicas alemã, francesa e portuguesa, em que por lei se entenderia: "(1) uma deliberação tomada, não em concreto, em vista de um caso particular e actual, mas abstracto para regular todos os casos da mesma natureza que no presente ou no futuro possam ser abrangidos pela disposição legal; (2) uma disposição que não é tomada em face de um ou vários indivíduos determinados, mas que se destina a ser aplicada a todos os indivíduos nas condições previstas pelo texto"[10].

O conceito puramente material de lei, ainda que esteja bastante difundido no constitucionalismo europeu, não é suficiente para distinguir a lei stricto sensu de outras fontes normativas que, a partir da perspectiva material, também produziriam normas típicas de lei. Por isso, o constitucionalismo espanhol – assim como o europeu como um todo – tratou de desenvolver outros critérios jurídicos que servem para separar o conceito de lei de outros institutos político-normativos. Entre esses critérios, destaca-se o relativo à primariedade da lei, ou seja, a qualidade da lei en quanto fonte normativa primária.

Em um sistema jurídico baseado na normatividade constitucional, a primariedade da lei faz referência a sua direta relação com a Constituição, à "característica de lei", quer dizer, ao lugar que ocupa a fonte legal na estrutura orgânica da ordem jurídica, imediatamente debaixo da lei constitucional[11]. Num primeiro momento, a primariedade da lei se confunde com seu aspecto formal, o qual "coincide con el hecho mismo de la sujeción directa a la Constitución, de suerte que esta última es el canon para enjuiciar la validez de todas las normas primarias"[12]. Dessa perspectiva formal, a lei seria fonte normativa primária porque não existiria nenhuma outra fonte acima, salvo a Constituição. Essa qualidade formal de primariedade seria justamente o fundamento para a presunção de validade de toda lei[13], presunção esta que somente poderia ser superada por meio dos estritos procedimentos previstos na Constituição.

Sem embargo, paralela à concepção formal de primariedade legal, há também uma concepção de primariedade material, de acordo com a qual a lei é ato de finalidade independente, com conteúdo político livre. A partir dessa perspectiva, a lei não seria um ato de execução da Constituição, senão um ato de fim livre que é produzido de forma compatível com as normas formais constitucionais. Assim, a partir dessa perspectiva, não haveria um propósito predefinido para todas as leis. Estas estariam sempre abertas ao "jogo das maiorias", ao debate público e à deliberação democrática. Segundo as palavras de Luis María Díez-Picazo, esta "es la esencia, pues, de la primariedad en sentido material: la libertad en cuanto fin, que ha de ser fijado según criterios de oportunidad política"[14].

O conceito material de primariedade legal é plenamente compatível com o conceito político clássico de lei, ou seja, é bastante conveniente para legitimar a ideia liberal de que os cidadãos devem autogovernar-se por meio das instituições políticas democraticamente legitimadas, devendo o espaço de deliberação política ser o mais amplo possível. Essa é, pois, uma noção mais adequada a estados constitucionais tipicamente liberais, sendo um pouco difícil sua assimilação completa em estados constitucionais sociais, já que, em um Estado Social de Direito, está previsto constitucionalmente que o Poder Legislativo dite leis que desenvolvam princípios constitucionais sociais e econômicos, como os positivados nos artigos 39 a 52 da Constituição espanhola. Por isso, segundo Luis María Díez-Picazo, "siendo cierta la primariedad material o libertad causal de las leyes como principio o regla general, existe un no desdeñable número de supuestos en que esta característica, por imperativos constitucionales, se ve atenuada o, incluso, desaparece"[15].

Nas constituições (como as da América Latina, por exemplo) em que os direitos socioambientais, econômicos e culturais são considerados direitos fundamentais da mesma classe que os direitos fundamentais liberais de defesa e participação, a atuação legislativa positiva do Estado é ainda mais juridicamente exigível, o que danifica gravemente o conceito tradicional de primariedade material das leis. Na Espanha, sem embargo, considerando a existência de regra constitucional expressa (artigo 53.3, CE) de discriminação entre direitos individuais liberais e os sociais, econômicos e culturais, a primariedade legal material conserva ainda grande parte de seu significado original, ainda que, de uma forma ou de outra, os princípios constitucionais previstos nos artigos 39 a 52 da Constituição espanhola devam guiar a atividade legislativa estatal, principalmente tendo em conta a cláusula geral do Estado Social previsto no primeiro artigo do texto constitucional. Em qualquer caso, a primariedade material das leis espanholas deve ser traduzida na concessão de maior grau de discricionariedade política aos órgãos legislativos, em comparação com o que passa em outros sistemas constitucionais, como o brasileiro, por exemplo.

Indiferente a todos os conceitos de lei que aqui estamos abordando, do texto literal da Constituição espanhola, o que se extrai é meramente um conceito extrínseco de lei, de acordo com o qual, segundo Javier Pérez Royo, a "Ley es el acto del Parlamento siguiendo el procedimiento legislativo"[16]. Nas palavras de Luis María Díez-Picazo, esse seria o conceito tradicional de lei que também seria um legado do constitucionalismo liberal europeu e que se baseia na "la definición puramente formal de ley como acto que emana de un determinado órgano o complejo orgánico (el Parlamento o el Parlamento con el Jefe del Estado), [que] es elaborado a través de cierto procedimiento y adopta una concreta forma ad solemnitatem"[17].

Como se pode observar, o conceito extrínseco de lei, na Espanha (e em muitos países europeus), está vinculado à existência de um procedimento legislativo. Por isso, estudar as leis na Espanha é, antes de tudo, examinar os procedimentos previstos na Constituição para a criação de leis válidas. Passaremos a examinar, portanto, os procedimentos legislativos das leis ordinárias e orgânicas previstos na Constituição espanhola. Antes disso, no entanto, é necessário registrar que, até aqui, depois de abordar as diversas características que definem a lei, todas elas são plenamente aplicáveis tanto às leis ordinárias quanto às leis orgânicas. Assim, os conceitos clássicos de lei não são úteis para marcar uma discriminação entre uma espécie de lei e outra. Ao contrário, as concepções anteriormente examinadas parecem confirmar que não existe diferença substancial entre lei ordinária e lei orgânica. Veremos, agora, se o estudo dos procedimentos legislativos pode apontar uma conclusão diversa.


III – Os procedimentos legislativos das leis ordinárias e orgânicas

As linhas fundamentais do processo de formação das leis orgânicas e ordinárias estão desenhadas na Constituição do Estado. Dessa forma, no texto constitucional encontramos as normas do procedimento legislativo dos dois tipos normativos, com regras sobre iniciativa legislativa, tramitação, deliberação e aprovação parlamentar e sobre os atores – órgãos político-constitucionais – que podem intervir nesse procedimento. Como poderemos observar, as mesmas normas procedimentais são aplicáveis aos dois tipos legais, com exceção dos casos de aprovação de Estatutos de Autonomia e dos tratados internacionais previstos no artigo 93 da Constituição, os quais, em razão de suas especificidades, estão fora do âmbito de exame do presente trabalho.

De acordo com o artigo 87 da Constituição espanhola, o Gobierno, o Congreso de los Diputados e o Senado têm o poder de iniciativa legislativa. As Assembleias das Comunidades Autônomas e os cidadãos, de forma muito limitada (artigo 87, parágrafos 2 e 3, CE), também são reconhecidos como possíveis legitimados para a iniciativa legislativa. Porém, de todos os órgãos políticos, na prática, é o Governo o titular mais importante do direito de iniciativa[18], sendo, atualmente, este instrumento político um dos mais importantes para a governabilidade do Estado. Quando é o Poder Executivo quem inicia o procedimento legislativo, o documento que se apresenta ao Congresso de Deputados se chama "proyecto de ley", devendo ser este aprovado previamente pelo Conselho de Ministros (artigo 88, CE). Em todo caso, as normas constitucionais sobre iniciativa legislativa são idênticas para a lei orgânica e a lei ordinária (com exceção, certamente, dos casos de aprovação do Estatuto de Autonomia e de tratados internacionais que transferem competências derivadas da Constituição).

No artigo 89.1 da Constituição espanhola, está estabelecido que a "tramitación de las proposiciones de ley se regulará por los Reglamentos de las Cámaras, sin que la prioridad debida a los proyectos de ley impida el ejercicio de la iniciativa legislativa". Desse fragmento constitucional, pode-se extrair quatro conclusões: i) os documentos de iniciativa legislativa originados em alguma das Câmaras são chamados de "proposiciones de ley"; ii) existe uma prioridade dos "proyecto de ley" sobre as "proposiciones de ley", quer dizer, dos projetos do Governo sobre as proposições das Câmaras; iii) a prioridade aqui mencionada não pode "impedir" o exercício da iniciativa legislativa dos demais legitimados, quer dizer, a pauta legislativa não pode simplesmente abranger os projetos do Executivo e esquecer absolutamente as proposições legislativas pendentes; iv) a tramitação de propostas legislativas deve obedecer às normas previstas no Regulamento de cada uma das Câmaras. As quatro regras do artigo 89.1 que anunciamos já correspondem a outra fase do procedimento legislativo: a tramitação.

A fase da tramitação se desenvolve a partir da iniciativa de um dos legitimados até o momento em que as Câmaras vão deliberar sobre o mérito político dos projetos e propostas. Como se pode perceber, a Constituição confere liberdade de conformação ao Congresso e ao Senado para que eles regulamentem como deverá ser a tramitação legislativa. Todavia, algumas regras constitucionais devem ser observadas pelas Câmaras. Em primeiro lugar, como aduzimos, deve ser garantida a prioridade aos "proyectos de ley" (do Poder Executivo). Em segundo lugar, deve se reservar também um espaço para as "proposições de lei" (do Poder Legislativo), sem violar, naturalmente, a prioridade anteriormente mencionada. Em terceiro lugar, na fase de tramitação que ocorre no Senado, deve também ser obedecida a norma prevista no artigo 90.2 da Constituição, a qual determina que o "Senado en el plazo de dos meses, a partir del día de la recepción del texto, puede, mediante mensaje motivado, oponer su veto o introducir enmiendas al mismo" (esse fragmento constitucional transcrito nos fala sobre normas de tramitação – o prazo de dois meses – e normas de deliberação legislativa – a motivação do veto e da introdução de emendas). Cumpridas essas condições, a forma de tramitação deve ser entendida como alcançada pela autonomia regulamentar das Cortes Gerais[19].

Ao fim da tramitação do projeto ou da proposta de lei, começa a fase lógica procedimental da deliberação legislativa. Como regra geral, cada Câmara somente pode deliberar com a assistência mínima da maioria de seus membros (artigo 79.1, CE). Esse quórum de deliberação vale tanto para as leis ordinárias como para as leis orgânicas. Contudo, o quórum de aprovação de um tipo de lei é distinto de outro. Enquanto as leis ordinárias podem ser aprovadas por meio dos votos da maioria dos membros presentes (artigo 79.2, CE), as leis orgânicas, para serem aprovadas, exigem os votos da maioria absoluta do Congresso (artigo 81.2).

Observando as regras gerais do procedimento de elaboração das leis ordinárias e orgânicas, percebemos que não há características diferenciadoras entre os procedimentos de uma espécie ou de outra (uma vez mais, recordamos que os Estatutos de Autonomia e os tratados previstos no artigo 93 não estão incluídos na presente análise). A única diferença que se pode constatar é o quórum de aprovação de uma e outra, o que, per se, não é um elemento extraordinário de diferenciação. Dessa forma, assim como os conceitos clássicos de lei não servem para distinguir a lei orgânica da lei ordinária, tampouco o procedimento legislativo constitucionalmente previsto é apto para promover tal distinção, ressalvada a diferença do quórum de aprovação.


IV – A busca de características definidoras da lei orgânica

Se os conceitos tradicionais de lei e o procedimento legislativo apontado pela Constituição espanhola não podem separar substancialmente a lei orgânica da lei ordinária (salvo, evidentemente, a mera existência de quórum especial de aprovação das leis orgânicas), devemos buscar na doutrina constitucional características especiais que confiram identidade própria às leis orgânicas.

Como é de conhecimento comum na literatura constitucionalista espanhola, a instituição da espécie legal chamada "ley orgánica" na Constituição de 1978 foi inspirada pela figura homônima francesa, a "loi organique", prevista na Constituição da 5ª República da França, de 1958[20].  Assim, se se busca uma resposta existencial sobre a identidade jurídica da lei orgânica, a investigação deve começar na França[21].

Na Constituição francesa de 1958, não existe um conceito de "loi organique". O que existe é um procedimento legislativo para sua criação (artigo 46), em que está prevista a necessidade de aprovação pelas duas Câmaras ou pela maioria absoluta dos membros de l’Assemblée nationale. Além do procedimento, também se faz menção no texto constitucional à necessidade de "loi organique" para desenvolver 31 matérias dispostas na Constituição[22]. Na verdade, de uma leitura simples da Lei Política da 5ª República, se pode constatar que em quase todas as matérias em que o constituinte não logrou concretizar todas as regras tratadas genericamente no texto constitucional, há menção à "complementação" por uma lei orgânica. Esse fato, numa primeira análise, gera a impressão de que, sempre que uma matéria não pôde ser regulada inteiramente pela Constituição devido à ausência de consenso constitucional suficiente, remeteu o constituinte francês a decisão sobre seu conteúdo normativo à inovadora espécie da loi organique.

Partindo dessa perspectiva, é compatível com o texto constitucional francês a ideia de que a existência de uma espécie legal como a lei orgânica se justificaria, sob a ótica do poder constituinte, em virtude da impossibilidade de se alcançar, no momento de produção da Constituição, o consenso político suficiente para regular determinadas matérias. Deste modo, não se chegando a um consenso a priori, reservar-se-ia às leis orgânicas a "complementação" da Constituição. Desse ponto de vista, a lei orgânica seria um anexo do texto constitucional, talvez formando o que se chama de bloco de constitucionalidade, tendo um "valeur quasi-constitutionnelle"[23].

Essa mesma ideia foi trabalhada no seio acadêmico espanhol, desenvolvendo-se uma análise da lei orgânica desde o ponto de vista político-institucional que observa na lei orgânica um prolongamento do pacto constitucional[24]. Em sua substância, essa teoria se baseia nas mesmas razões que orientaram a doutrina francesa.

Essa primeira tentativa de distinção não nos parece razoável (em especial, para a realidade constitucional espanhola). Em primeiro lugar, se não há consenso suficiente para tratar determinadas matérias no momento do exercício do poder constituinte originário, o natural seria que essas matérias fossem tratadas pelo legislador ordinário. Em verdade, a existência em si mesma de uma constituição é uma limitação da liberdade de autogoverno de cada geração, já que esta está sempre limitada às decisões políticas que a geração constituinte ajustou como regras e princípios básicos de convivência e de organização estatal. Por isso, não é adequado que toda matéria seja elevada ao nível constitucional. Somente os acordos indispensáveis devem sê-lo. Assim, se no momento constituinte não existe ainda esse consenso, não há sentido algum em limitar a liberdade das gerações futuras e o princípio democrático majoritário por meio da criação de uma espécie legal com quórum especial de aprovação. Deste modo, não cremos que a complementação de um consenso constitucional inexistente possa justificar a existência em si mesma da lei orgânica enquanto instituto legal autônomo.

Cremos também que é especialmente inadequada a teoria da complementação constitucional ao sistema jurídico espanhol, visto que a constituição da Espanha de 1978, diferentemente da francesa de 1958, é muito mais restrita (ainda que, em certos casos, também mais imprecisa) na definição das matérias que são reservadas à lei orgânica. Assim, em vez da discriminação de mais de trinta hipóteses (como no caso francês), a Constituição espanhola reserva às leis orgânicas o desenvolvimento de direitos fundamentais, os Estatutos de Autonomia, o regime eleitoral geral (artigo 81.1, CE) e outras 19 matérias discriminadas[25] no texto constitucional. Apesar de não serem poucas as matérias reservadas, não se pode concluir que todas as hipóteses de desenvolvimento da Constituição espanhola foram atribuídas às leis orgânicas, como parece ser o caso francês. Desse modo, se existem matérias que "desenvolvem" a Constituição e não são reservadas à lei orgânica, a teoria da complementação constitucional não pode ser aceita no sistema espanhol.

Na realidade, a ideia de complementação constitucional pode ser defendida para explicar as leis orgânicas que aprovam Estatutos de Autonomia ou que autorizem a celebração de tratados internacionais que transferem competências derivadas da Constituição. Nessas duas hipóteses, como bem se pronunciou Mercè Barceló i Serramalera, a lei orgânica "deviene funcionalmente Constitución"[26]. Sem embargo disso, esses dois tipos especiais de lei orgânica diferem substancialmente de todos os outros, têm natureza distinta que não pode ser exposta suficientemente nas breves linhas deste artigo. Por essa razão decidimos excluir do âmbito deste estudo essas duas espécies de lei orgânica. Assim, quando nos referimos às leis orgânicas, queremos mencionar todas as leis orgânicas que não se encontram nessas duas hipóteses. E para essas leis orgânicas que "não se transmutam funcionalmente em Constituição" negamos a característica de complementação do texto constitucional.

A segunda forma de diferenciar substancialmente a lei orgânica é defender que ela materializa um apoio democrático mais intenso, sendo assim uma fonte do direito reforçada. De acordo com essa ideia, pelo fato de ser aprovada por maioria absoluta de votos e não por mera maioria simples, a lei orgânica teria mais respaldo democrático que a lei ordinária. Esse mesmo raciocínio também é utilizado a fim de defender uma superioridade hierárquica da lei orgânica sobre a lei ordinária.

A nosso ver, a tese da superlegitimação democrática da lei orgânica também está equivocada. Especialmente na Espanha, onde prevalece o sistema parlamentarista, a formação de maiorias absolutas é relativamente fácil. E mais, a existência de uma maioria absoluta é em si mesma uma condição para a constituição do Governo. Desta maneira, se o Governo sempre tem maioria parlamentar e se essa sempre deve estar de acordo nos temas legislativos, não há nenhuma diferença substantiva entre o alcance de uma maioria absoluta ou de uma maioria simples. Se a exigência constitucional fosse de uma maioria sobrequalificada, com necessidade de voto positivo de uma maioria expressiva que demonstrasse não só uma prevalência de posições e interesses senão também um consenso compreensivo, nossa leitura poderia ser diferente. De fato, uma maioria de, por exemplo, dois terços do Parlamento, no âmbito da realidade política espanhola, representa uma decisão política claramente consensual e suprapartidária. Uma maioria absoluta, sem embargo, não chega sequer a ser um consenso; é uma mera decisão majoritária. Portanto, não reconhecemos maior legitimidade democrática à votação de uma lei orgânica que à aprovação de uma lei ordinária.

A terceira forma de explicar a especificidade conceitual da lei orgânica consiste em defender que sua finalidade seria estabelecer regras sobre a "organização das instituições básicas do Estado"[27]. Aqui estaria a justificativa ao nome deste tipo legal: a lei é orgânica porque organiza as instituições estatais[28]. Esta seria uma linha de pensamento muito próxima à que sustenta a característica de complementariedade da lei orgânica, quer dizer, essa visão segundo a qual a lei orgânica se define por seu objetivo de tratar da organização do Estado é plenamente compatível com a perspectiva de que a lei orgânica seria um complemento da Constituição. Com efeito, se organizar as instituições básicas do Estado é uma tarefa própria da Constituição, e se o constituinte traspassa parte dessa função ao legislador "orgânico", este, em certo sentido, estaria complementando o texto constitucional.

Tampouco nos pode convencer essa explicação. Pensamos que em regras constitucionais procedimentais (como as relativas aos procedimentos legislativos) não há finalidades intrínsecas, senão regras de competência. Obviamente, em toda norma de organização há uma lógica de distribuição de tarefas. Não obstante, essa lógica não se confunde com uma finalidade, quer dizer, com a busca de um fim pensado como "bom" (avaliado positivamente). Em normas que reconhecem direitos ou impõem tarefas substantivas aos Poderes Públicos efetivamente existem finalidades; nas normas formais de organização e procedimento, não. Estas últimas espécies de normas são axiologicamente neutras; não se inclinam a finalidade alguma. Por isso, não se pode definir lei orgânica por sua suposta "finalidade" se no texto constitucional – na parte que trata da formação de leis orgânicas e leis ordinárias – só se pode encontrar normas de procedimento e competência.

Finalmente, a última forma de diferenciar a lei orgânica da lei ordinária é perceber que, ainda que sejam as duas espécies conceitualmente similares, há entre elas uma distinção de competência, segundo a qual algumas matérias são reservadas à lei orgânica e outras são do campo próprio da lei ordinária. Pensamos que essa é a perspectiva mais compatível com o texto constitucional espanhol. De fato, aqui, não se pode reconhecer um conceito distinto de lei orgânica e lei ordinária; nenhuma das perspectivas (funcional, de legitimidade democrática, de finalidade etc.) a partir das quais se pode intentar diferenciar as duas espécies legais são justificáveis da posição do direito constitucional espanhol positivado. A única possibilidade de distinção está na discriminação de competências entre uma e outra espécie legal.

Dessa maneira, além do procedimento legislativo diferenciado (o qual, por si só, não é suficiente para firmar uma distinção conceitual, como já observamos anteriormente), a única diferença existente entre a lei ordinária e a lei orgânica está nas regras de competência previstas no artigo 81.1 e em outros diversos dispositivos normativos da Constituição espanhola. A partir dessas normas de competência, é possível enumerar as matérias que são reservadas às leis orgânicas na Espanha. São as seguintes:

i) Desenvolvimento de direitos fundamentais;

ii) Aprovação ou alteração dos Estatutos de Autonomia, assim como de normas de distribuição de competências administrativas e financeiras entre Estado e Comunidades Autônomas;

iii) Aprovação ou alteração do regime eleitoral geral;

iv) Regulação das bases da organização militar;

v) Instituição e regulação das funções do Defensor do Povo;

vi) Previsão de hipóteses de suspensão dos direitos relacionados à detenção preventiva e à inviolabilidade do domicílio e das comunicações em investigações correspondentes à atuação de bandos armados ou elementos terroristas;

vii) Resolução de dúvidas sobre a sucessão real;

viii) Estipulação de regras sobre a eleição dos Senadores;

ix) Regulamentação da iniciativa legislativa popular;

x) Regulamentação do referendo;

xi) Autorização para celebração de tratados internacionais que atribua a uma organização ou instituição internacional o exercício de competências derivadas da Constituição;

xii) Determinação das funções, princípios básicos de atuação e estatutos das forças e corpos de segurança;

xiii) Regulamentação da composição e competência do Conselho de Estado;

xiv) Regulamentação dos estados de alarme, de exceção e de sítio, e das competências e limitações correspondentes;

xv) Determinação da constituição, funcionamento e governo dos Juizados e Tribunais, assim como do estatuto jurídico dos Juízes e Magistrados de carreira;

xvi) Estabelecimento do estatuto e do regime de incompatibilidades dos membros do Conselho Geral do Poder Judicial, assim como de suas funções e da composição do Conselho;

xvii) Regulamentação da composição, organização e funções do Tribunal de Contas;

xviii) Alteração dos limites territoriais das províncias;

xix) Regulamentação do funcionamento do Tribunal Constitucional, do estatuto de seus membros, do procedimento ante o Tribunal e as condições para o exercício das ações, assim como da competência do Tribunal e das pessoas e órgãos legitimados para a interposição dos recursos ante o Tribunal.

Como se observa a partir do texto constitucional espanhol, as matérias reservadas às leis orgânicas são as mais variadas. Um jurista adepto à teoria da complementação do pacto constitucional afirmaria que os 19 temas anteriormente mencionados são, de uma forma ou de outra, sobrepostos a normas constitucionais e, por isso, poderiam ser considerados uma prolongação dessas normas. Deveras, há sempre um vínculo entre alguma norma constitucional e a norma "orgânica". Porém, esse vínculo não é exclusivo das leis orgânicas. Na verdade, quase toda matéria legal tem algum vínculo com normas constitucionais; isso se explica pela função central e primordial que a Constituição exerce hoje em diversos sistemas jurídicos ocidentais (e na Espanha não é diferente). No caso espanhol, é especialmente interessante assinalar que todos os princípios fundamentais sociais e econômicos (os quais, em outros sistemas constitucionais, são identificados como normas de direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais plenamente exigíveis judicialmente) previstos nos artigos 39 a 52, relativos à proteção da família, dos filhos, aos direitos laborais, à segurança social, ao direito à saúde, ao acesso à cultura, ao direito ao meio ambiente saudável, à proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico, ao direito à moradia digna, à proteção dos deficientes físicos, sensoriais e psíquicos, à proteção dos cidadãos durante a terceira idade e à defesa dos consumidores, podem ser desenvolvidos por leis ordinárias, não havendo nenhuma reserva à lei orgânica. Ou seja, todas as normas que formam o núcleo do Estado Social espanhol estão no espaço de decisão da legislação ordinária.

Desta maneira, não acreditamos que haja uma racionalidade específica na reserva das matérias às leis orgânicas na Espanha. O que existe é uma decisão formal constitucional de reserva de algumas matérias às leis orgânicas e de outras às leis ordinárias. Essa decisão, para o jurista estudioso do Direito Constitucional, é uma verdade objetiva, pura e simples, uma realidade inquestionável, que deve ser reconhecida como dado e obedecida como norma. Sem embargo, essa decisão não nos revela nenhuma finalidade ou motivação; trata-se, simplesmente, de normas de competência que se traduzem na necessidade ou não de uma forma legal distinta, ainda que sejam ontologicamente semelhantes as duas formas possíveis.

Segundo nos parece, essa percepção de que não há diferença causal, ontológica ou teleológica entre lei orgânica e lei ordinária conduziu o Tribunal Constitucional da Espanha a adotar uma interpretação restritiva no reconhecimento das normas que estão reservadas à lei orgânica. De fato, a jurisprudência dessa Corte é no sentido de que, no sistema constitucional espanhol, a exigência de lei orgânica deve ser uma exceção, sendo a regra a lei ordinária, que é resultado da preponderância democrática da maioria parlamentar simples. Segundo consta na Sentencia 76/1983, "en un sistema democrático como el instaurado por nuestra Constitución, basado en el juego de las mayorías parlamentarias, por lo que la exigencia de que éstas sean cualificadas o reforzadas sólo puede tener carácter excepcional y ha de ser explícitamente prevista en la Constitución".

Na mesma sentença, motivado pela mesma linha hermenêutica restritiva, o Tribunal Constitucional decidiu que pela expressão "direitos fundamentais" contida no artigo 81.1 da Constituição da Espanha se deve interpretar somente os direitos previstos na Seção 1ª do Capítulo II[29], e não todos os que podem ser objeto de recurso de amparo, como defendia a corrente doutrinária mais expansiva.

Também motivado pela leitura restritiva das reservas de lei orgânica, o Tribunal Constitucional espanhol, na Sentencia 6/1982, decidiu que, em tema de direitos fundamentais, somente seu desenvolvimento "direto" justifica a exigência de lei orgânica[30]. Segundo decidiu o Tribunal, "el art. 81 de la C. E. se refiere al desarrollo 'directo' de los derechos fundamentales, pues este artículo y las otras muchas alusiones de la Constitución al instrumento de la Ley Orgánica en materias concretas, que, como se ha dicho, convierte a las Cortes en 'constituyente permanente' no puede extremarse, con los importantes problemas de consenso interno que conlleva, al punto de convertir el ordenamiento jurídico entero en una mayoría de Leyes Orgánicas, ya que es difícil concebir una norma que no tenga una conexión, al menos remota, con un derecho fundamental".

Finalmente, na Sentencia 127/1994, proferida em recursos de inconstitucionalidade contra a Lei ordinária 10/1988, que trata de regras sobre o funcionamento de televisões privadas, o Tribunal Constitucional confirmou de modo categórico sua jurisprudência no sentido de que a reserva de lei orgânica prevista no artigo 81.1 da Constituição deve ser interpretada da forma mais restritiva possível. Nesta sentença, o Tribunal decidiu que a regulamentação de funcionamento de televisões privadas não afeta diretamente o regime jurídico de direito à liberdade de informação e, assim, negou provimento aos recursos.

Cremos que a mesma razão hermenêutica que orientou as sentenças aqui comentadas deve ser aplicada a todas às matérias reservadas à lei orgânica. Se esta não difere em sua natureza da lei ordinária e se ela é excepcional no sistema constitucional espanhol, todas as hipóteses de reserva orgânica previstas na Constituição devem ser lidas restritivamente. E mais, sempre que estivermos em uma zona cinzenta, quer dizer, em uma dúvida interpretativa sobre a existência ou não de reserva de lei orgânica, devemos optar pela leitura que dá à lei ordinária a decisão sobre a matéria. Em outras palavras: em caso de dúvida, decida-se em favor do princípio democrático da maioria simples.


V – Os conflitos entre lei ordinária e lei orgânica

Uma vez superada a questão de saber se uma matéria está ou não alcançada pela reserva de lei orgânica, é necessário indagar como devem ser resolvidos os conflitos entre lei orgânica e lei ordinária. A solução desse problema depende, antes de tudo, da resposta à seguinte pergunta: a relação entre a lei orgânica e a lei ordinária é de hierarquia ou de competência?

Como bem expõe Luis María Díez-Picazo, a hierarquia exige "una relación de supra y subordinación entre dos tipos normativos que son, en principio, aptos para regular una misma materia". Ao contrário, a competência "supone el reparto de materias entre dos tipos normativos", de maneira tal que "se excluye a radice la superposición de ambos tipos normativos"[31]. Assim, se se reconhece a existência da hierarquia entre lei orgânica e lei ordinária, se admite que as duas espécies normativas podem tratar de mesma matéria, hipótese em que prevaleceria a primeira. Por sua vez, sendo caso de competência, já não se pode reconhecer que, validamente, dois tipos legais distintos possam tratar da mesma matéria.

Escolhendo o critério da coincidência ou não da matéria, se chegaria, a nosso ver, à conclusão de que, no sistema constitucional espanhol, não há hierarquia entre a lei orgânica e a lei ordinária, porquanto elas não podem tratar da mesma matéria. Assim, ou uma matéria é reservada à lei orgânica, ou está no âmbito de competência da lei ordinária. Na lógica jurídica pura, não poderiam os dois tipos legais tratar da mesma matéria. Contudo, a questão não é simples. Essencialmente, o reconhecimento da hierarquia ou competência depende da adoção ou não de alguma das teorias que anteriormente expusemos sobre a distinção de natureza entre leis orgânicas e leis ordinárias.

Caso se entenda que a lei orgânica é um complemento da constituição, ou que a lei orgânica ostenta um plus de legitimidade democrática por ser aprovada por quórum de maioria absoluta, ou também que a lei orgânica é distinta por sua finalidade de organização básica do Estado, a conclusão mais verossímil será a superioridade hierárquica da lei orgânica e a inferioridade da lei ordinária. Assim, nesse caso, sempre que uma lei orgânica estivesse em conflito com uma lei ordinária, a primeira prevaleceria.

Diferentemente, caso se admita que não há diferença ontológica, de natureza, entre a lei orgânica e a lei ordinária e que, ademais do procedimento legislativo superficialmente distinto, a única distinção possível é de competência, a conclusão deve ser no sentido de que não existe hierarquia entre uma e outra espécie legal. Como já se pode perceber, é esta nossa opinião. Cremos que a lei orgânica e a lei ordinária têm o mesmo valor, quer dizer, têm a mesma natureza normativa. A solução do conflito, então, deve obedecer ao princípio da competência: se a matéria está reservada à lei orgânica e a lei ordinária dispõe sobre ela, esta última lei é inconstitucional por violar uma norma de competência. Se, por sua vez, uma matéria não está compreendida por norma de reserva de lei orgânica e ainda assim uma lei orgânica delibera sobre ela, teremos duas possibilidades interpretativas: ou (a) a lei orgânica é conhecida como lei ordinária e, desta forma, é validada; ou (b) a lei orgânica é declarada inconstitucional por violação de norma de competência. Pensamos que a primeira opção é a correta, uma vez que: (i) o procedimento legislativo da lei orgânica, na Espanha, é igual ao da lei ordinária, com a única exceção do quórum de aprovação, o qual, por ser superior, não pode invalidar a lei; (ii) a preservação da validade da lei – orgânica, neste caso – é conforme aos propósitos de segurança jurídica e é necessária sob a perspectiva democrática.

Desta maneira, concluindo que a teoria da competência é mais adequada e que uma norma "não-orgânica" introduzida em uma lei orgânica deve valer como norma de lei ordinária, é necessário também concluir que, neste caso, o conflito normativo deve ser resolvido por meio dos outros critérios disponíveis no sistema jurídico, quer dizer, por meio dos critérios de especialidade (Lex specialis derogat generali) ou de superveniência (lex posterior derogat priori).

O Tribunal Constitucional espanhol, na primeira oportunidade que teve para analisar a questão aqui examinada, também decidiu em favor da teoria da competência[32]. Colacionamos os fragmentos pertinentes da Sentencia 5/1981, ditada pelo Pleno em 13 de fevereiro de 1981:

"Cuando en la Constitución se contiene una reserva de Ley ha de entenderse que tal reserva lo es en favor de la Ley orgánica -y no una reserva de Ley ordinaria- sólo en los supuestos que de modo expreso se contienen en la norma fundamental (art. 81.1 y conexos). La reserva de Ley orgánica no puede interpretarse de forma tal que cualquier materia ajena a dicha reserva por el hecho de estar incluida en una Ley orgánica haya de gozar definitivamente del efecto de congelación de rango y de la necesidad de una mayoría cualificada para su ulterior modificación (art. 81.2 de la C.E.), pues tal efecto puede y aun debe ser excluido por la misma Ley Orgánica o por Sentencia del Tribunal Constitucional que declaren cuáles de los preceptos de aquélla no participan de tal naturaleza. Llevada a su extremo, la concepción formal de la Ley orgánica podría producir en el ordenamiento jurídico una petrificación abusiva en beneficio de quienes en un momento dado gozasen de la mayoría parlamentaria suficiente y en detrimento del carácter democrático del Estado, ya que nuestra Constitución ha instaurado una democracia basada en el juego de las mayorías, previendo tan sólo para supuestos tasados y excepcionales una democracia de acuerdo basada en mayorías cualificadas o reforzadas.

Por ello hay que afirmar que si es cierto que existen materias reservadas a Leyes Orgánicas (art. 81.1 de la C.E.), también lo es que las Leyes Orgánicas están reservadas a estas materias y que, por tanto, sería disconforme con la Constitución la Ley orgánica que invadiera materias reservadas a la Ley ordinaria."

Sem embargo disso, na mesma Sentencia 5/1981, o Tribunal Constitucional parece construir um caminho de exceção ao princípio de competência permitindo que uma lei orgânica imunize, contra futuras leis ordinárias, parte de suas normas que não estão alcançadas pela reserva constitucional de lei orgânica mas que são conexas às matérias reservadas. No entendimento do Tribunal, essa possibilidade se reconheceria em favor da segurança jurídica. São as palavras do Tribunal:

"Pues bien, cuando se dé el supuesto que acabamos de indicar y, por consiguiente, en una misma Ley orgánica concurran materias estrictas y materias conexas, hay que afirmar que en principio éstas también quedarían sujetas al régimen de congelación de rango señalado en el art. 81.2 de la Constitución y que así debe ser en defensa de la seguridad jurídica (art. 9.3 de la C.E.). Pero este régimen puede ser excluido por la propia Ley Orgánica en relación con alguno de sus preceptos, indicando cuáles de ellos contienen sólo materias conexas y pueden ser alterados por una Ley ordinaria de las Cortes Generales o, en su caso, por leyes de las Comunidades Autónomas. Si tal declaración no se incluyera en la Ley orgánica, o si su contenido no fuese ajustado a Derecho a juicio del Tribunal Constitucional, será la Sentencia correspondiente de éste la que, dentro del ámbito propio de cada recurso de inconstitucionalidad, deba indicar qué preceptos de los contenidos en una Ley orgánica pueden ser modificados por Leyes ordinarias del Estado o de las Comunidades Autónomas, contribuyendo de este modo tanto a la depuración del ordenamiento como a la seguridad jurídica, que puede quedar gravemente afectada por la inexistencia o por la imperfección de las citadas normas de articulación."

Na hipótese de ausência de norma explícita da lei orgânica, de acordo com o fragmento antes transcrito, segundo o entendimento do Tribunal Constitucional espanhol, deve valer a norma conexa incluída na lei orgânica como norma de qualidade "orgânica", não podendo ser ela, desta maneira, alterada por outras normas de leis ordinárias posteriores (ou por leis das comunidades autônomas, dependendo do caso). Consequentemente, se fosse intenção do legislador conferir um valor meramente ordinário à norma, deveria ele fazer expressa menção neste sentido na lei. Não obstante, na mesma Sentencia 5/1981, pode-se encontrar um fragmento em que é possível uma interpretação em sentido contrário, ou seja, em que se conclui pela estatura ordinária da norma conexa em uma situação em que não há na lei orgânica referência à hierarquia da norma. Eis o mencionado texto:

"La presencia de este art. 38 en la Ley Orgánica de Centros no es inconstitucional, pero como en él se regula una materia conexa y no estrictamente vinculada al desarrollo de un derecho fundamental, sobre ella podrán legislar las Comunidades Autónomas catalana y vasca (o cualesquiera otras que en el futuro tengan sus mismas competencias en materia educativa), siendo sus Leyes aplicables en tal materia con preferencia a las del Estado."

Dois anos depois, na Sentencia 76/1983, o Tribunal Constitucional retornou ao tema da possibilidade de inserir normas conexas na lei orgânica e assim lhes conceder um valor legal superior. Naquela oportunidade, o Pleno se manifestou neste sentido:

"Este Tribunal, en su Sentencia de 13 de febrero de 1981, ha mantenido que la Ley orgánica puede contener preceptos no orgánicos relativos a materias conexas. Asimismo ha señalado que, como la inclusión produce la congelación de rango salvo excepción expresa, el legislador debe precisar en la Ley orgánica cuáles sean tales preceptos no orgánicos, sin perjuicio de la competencia de este Tribunal para concretarlos mediante sentencia, en caso de impugnación de la Ley.

Pero el que una Ley orgánica pueda contener preceptos no orgánicos no significa – como pretende el Abogado del Estado – que sea suficiente la existencia de algún precepto de contenido orgánico para que pueda atribuirse a toda la Ley dicho carácter. Es preciso, en primer término, que el núcleo de la Ley afecte a materias reservadas a la Ley orgánica, de acuerdo con lo establecido en el art. 81.1 de la Constitución, y la conexión no puede consistir en yuxtaponer preceptos referidos a materias distintas de las reservadas a tal tipo de Ley. Por otra parte, la Ley orgánica sólo puede incluir preceptos que excedan del ámbito estricto de la reserva cuando su contenido desarrolle el núcleo orgánico y siempre que constituyan un complemento necesario para su mejor inteligencia, debiendo en todo caso el legislador concretar los preceptos que tienen tal carácter."

Do texto da jurisprudência constitucional por último transcrito, se pode chegar a algumas conclusões: (i) a lei orgânica somente pode conter "preceitos não-orgânicos" se o núcleo da lei afete as matérias reservadas à lei orgânica; (ii) os "preceitos não-orgânicos" devem ser conexos com os "preceitos orgânicos", no sentido de que devem desenvolver o núcleo orgânico, constituindo um complemento para sua melhor interpretação e aplicação; (iii) o legislador "deveria" especificar que preceitos têm natureza orgânica e quais têm natureza ordinária; (iv) se a lei é omissa, a natureza dos preceitos conexos é de norma de lei orgânica; (v) em todo caso, sendo expresso ou implícito o legislador, pode o Tribunal Constitucional decidir se tal ou qual norma é orgânica ou não; (vi) se a lei não é objeto de decisão do Tribunal Constitucional, ou se esse não se pronuncia sobre a questão, valem as regras anteriormente mencionadas.

Essa parece ser a jurisprudência ainda válida do Tribunal Constitucional espanhol. No nosso humilde entendimento, essa não é a melhor interpretação constitucional. Se se admite (como parece admitir o Tribunal Constitucional) que não há distinção ontológica entre lei orgânica e lei ordinária e que a diferença entre as duas é uma mera questão de competência, cremos que a única conclusão lógica é admitir que somente ostentam valor de lei orgânica os "preceitos orgânicos"; os demais deveriam ser conhecidos como normas de lei ordinária, alteráveis, obviamente, por leis ordinárias posteriores. Concluir de outro modo seria admitir que a vontade expressa em uma lei orgânica pode mudar uma norma constitucional de competência que impõe o procedimento legislativo ordinário em uma matéria, que a destina ao jogo democrático majoritário ordinário.

Tampouco nos convence o argumento do Tribunal de que sua interpretação preservaria a segurança jurídica. Na realidade, o efeito da segurança já é suficientemente obtido com a simples manutenção da validade dos preceitos não-orgânicos incluídos na lei orgânica (teoricamente, poder-se-ia inclusive advogar pela total negação de validade a esses preceitos, por vício formal de constitucionalidade).

É plausível que se questione o que ocorre se, adotando nossa interpretação lógica, um preceito não orgânico é incluído em uma lei orgânica e esta não é contestada no Tribunal Constitucional. Qual seria, neste caso, o valor dessa norma? A questão é, de fato, plausível, porém não parece ser útil. É que, se uma norma legal não tem sua constitucionalidade questionada na Espanha, essa norma, em razão de presunção constitucional, "vale" e é eficaz de modo absoluto. Assim, pouco importa se é uma norma teoricamente de natureza orgânica ou ordinária. Nessa hipótese, cabe ao Parlamento interpretar se tal matéria está ou não reservada à lei orgânica (como ocorre em todo procedimento legislativo). Se as Casas Legislativas entendem que a norma em questão é ordinária e decidem reformá-la por meio de uma lei ordinária, essa nova lei também vale e é eficaz de modo absoluto até que o Tribunal Constitucional decida em sentido contrário (isso é decorrência da preponderância do controle concentrado de constitucionalidade na Espanha). Não há, desta forma, nenhuma necessidade de defender regras intermediárias de modificação da hierarquia legal de preceitos que se encontram fora do âmbito de reserva da lei orgânica.

Dessa maneira, a nosso ver, os conflitos entre uma norma de lei orgânica e uma norma de lei ordinária na Espanha devem ser resolvidos de forma bastante simples. Antes de tudo, deve-se saber se o objeto da norma é reservado à lei orgânica ou se está no campo da lei ordinária. No primeiro caso, a lei ordinária é formalmente inconstitucional e, desta maneira, inválida, não apresentando, portanto, nenhum conflito real. No segundo caso, a lei orgânica e a lei ordinária tratam da mesma matéria porque a lei orgânica contém normas que deveriam ser introduzidas por lei ordinária. Nesse caso, as normas "ordinárias" da lei orgânica devem ser conhecidas – e validadas – como normas pertencentes à lei ordinária, e o conflito com outras normas de leis ordinárias deve ser resolvido com base nos critérios de especialidade e superveniência.


VI – Conclusão

Tratamos de demonstrar que, no sistema constitucional espanhol, não há distinção de natureza, causa ou finalidade entre leis orgânicas e leis ordinárias (exceto os Estatutos de Autonomia e os tratados previstos no artigo 93 da Constituição, pelas razões já expostas). Todas as concepções e características de lei são plenamente aplicáveis aos dois tipos legais. Os procedimentos legislativos também são semelhantes, salvo o quórumqualificado de aprovação das leis orgânicas. Assim, o que verdadeiramente difere uma e outra espécie legal é a competência para tratar de tais e quais matérias, sendo, de todo modo, excepcional a reserva de lei orgânica na ordem constitucional espanhola. Ou seja, a interpretação sobre a existência ou não de reserva de lei orgânica sempre deve pender em favor do princípio democrático da maioria simples, interpretando-se restritivamente as normas constitucionais que requerem a reserva de lei orgânica.

A partir dessas considerações, concluímos que não pode haver hierarquia entre lei orgânica e lei ordinária. Ambas ostentam a mesma hierarquia e natureza normativa. Assim, o conflito entre lei orgânica e lei ordinária deve ser, em primeiro lugar, resolvido com base no princípio de competência. Por isso, a lei orgânica prepondera sempre que a matéria está reservada estritamente a essa espécie legal. Na realidade, nessa hipótese, a lei ordinária que invade a competência da lei orgânica é formalmente inconstitucional. Contudo, se a lei orgânica "invade" o âmbito próprio da lei ordinária, o "preceito não-orgânico" não pode valer como se fosse orgânico. Por razões de segurança jurídica e de respeito ao princípio democrático, não se pode declarar inconstitucional a lei orgânica na parte que trata de matéria ordinária, porém, nessa porção ordinária, a norma incluída na lei orgânica tem o mesmo valor de uma norma de lei ordinária e deve competir com esta pelos meios hermenêuticos ordinários, quer dizer, pelos tradicionais critérios de especialidade ou superveniência.


VII – Referências bibliográficas

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ROUSSEAU, Jean-Jacques: Del Contrato Social y Discursos, tradução de Mauro Armiño, Madrid, Alianza Editorial, 1996.


Notas

[1]    Estatutos de autonomia, no direito constitucional espanhol, são leis aprovadas pelo Poder Legislativo das comunidades autônomas e do Estado espanhol, nas quais são transferidas competências à comunidade e estabelecidas as regras fundamentais de seu funcionamento institucional. Cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, revisado por Manuel Carrasco Durán, Madrid, Marcial Pons, 2007, p. 880.

[2]    Cf. Javier Pérez Royo: Fuentes del Derecho, 4ªed., Madrid, Tecnos, 1998, p. 34.

[3]    Cf. idem, ibidem, p. 32.

[4]    Cf. Luis María Díez-Picazo: "Concepto de Ley y Tipos de Leyes", in Revista Española de Derecho Constitucional, n. 24, 1988, pp. 51-52.

[5]    Cf. Luis López Guerra et. alli.: Derecho Constitucional, v. 1, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2007, p. 79.

[6]    Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 48.

[7]    Cf. Ob. cit., p. 77.

[8]    Cf. idem, ibidem.

[9]    Cf. Jean-Jacques Rousseau: Del Contrato Social y Discursos, tradução de Mauro Armiño, Madrid, Alianza Editorial, 1996, p. 23.

[10]  Cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ªed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 715.

[11]  Cf.  Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 71.

[12]  Cf. idem, ibidem.

[13]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 72.

[14]  Cf. Ob. cit., p. 74.

[15]  Cf. Ob. cit., p. 75.

[16]  Cf. Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 695.

[17]  Cf. Ob. cit., p. 48.

[18]  Cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 695; Victor Mendoza Olivan: "Tipología de las Leyes en la Constitución", em Dirección General de lo Contencioso del Estado: La Constitución Española y las Fuentes del Derecho, v. 1, Madrid, Instituto de Estudios Fiscales, 1979, pp. 85-86.

[19]  A respeito da autonomia regulamentar, cf. Javier Pérez Royo: Curso de Derecho Constitucional, ob. cit., p. 666.

[20]  Cf. Lucio Pegoraro y Angello Rinella: "Las Fuentes del Derecho Constitucional Comparado", en Diego López Garrido, Marcos Fco. Massó Garrote y Lucio Pegoraro (coord.): Nuevo Derecho Constitucional Comparado, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2000, p. 139.

[21]  A invenção francesa da "loi organique" influenciou outras constituições europeias, além da espanhola. Assim, tomando de exemplo o caso português, ainda que não se possa declarar absolutamente que a "lei orgânica" portuguesa seja idêntica à francesa, tampouco se pode negar a inspiração naquele texto político de 1958. Cf. J. J. Gomes Canotilho: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 749.

[22]  A Constituição francesa impõe que lois organiques estabeleçam regras sobre as mais diversas matérias. É possível observar a menção a esta espécie normativa nos seguintes artigos do vigente texto constitucional francês: 6º, 7º, 11, 13, 23, 25, 27, 34, 34-1, 39, 44, 47, 47-1, 57, 61-1, 63, 64, 65, 68, 68-2, 69, 71, 71-1, 72, 72-1,72-2, 72-4, 73, 74, 77 y 88-3.

[23]  Cf. Jacques Lauze: "La Loi Organique devant le Conseil Constitutionnel: une Conformité sous Réserves", en Revue Française de Finances Publiques, nº 76, Paris, 2001, p. 169.

[24]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 58.

[25]  Cf. artigos 8º, 54, 55, 57.5, 69-2, 87.3, 92, 93, 104, 107, 116, 122 (1 y 2), 136.4, 141.1, 144, 161.1, 162.2 y 165 da Constituição espanhola.

[26]  Cf. La Ley Orgánica, Ámbito Material y Posición en el Sistema de Fuentes, Barcelona, Atelier, 2004, p. 37.

[27]  Cf. Victor Mendoza Olivan: "Tipología de las Leyes en la Constitución", ob. cit., pp. 90-91.

[28]  Idem, ibidem.

[29]  Essa orientação interpretativa foi mantida pelo Tribunal Constitucional em outras sentenças posteriores, como a STC 166/1987, por exemplo.

[30]  Em sentido semelhante, cf. STC 67/1985.

[31]  Cf. Luis María Díez-Picazo: ob. cit., p. 58.

[32]  Na opinião de Javier Pérez Royo, haveria espaço eventual para o princípio da hierarquia entre lei orgânica e lei ordinária na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Cf. Las Fuentes del Derecho, ob. cit., p. 82. Não estamos de acordo com o eminente constitucionalista. Pensamos que a doutrina do Tribunal é inequívoca no sentido da teoria da competência, ainda que haja alguns deslizes argumentativos e sejam empregadas palavras que podem conotar um sentido hierárquico.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. Leis ordinárias e leis orgânicas no sistema constitucional espanhol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2767, 28 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18374. Acesso em: 25 abr. 2024.