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Ativismo judicial ou inativismo parlamentar?

Ativismo judicial ou inativismo parlamentar?

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O julgamento pelo STF da ADI 4277 e da ADPF 132, iniciado no dia 04 e encerrado em 05/05/2011, que importou no reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como união estável, reacendeu o debate sobre o ativismo judicial.

Não faltaram críticas ao fato de a questão ter sido decidida pelo Judiciário, e não por meio de lei ou Emenda à Constituição discutida e elaborada pelo Legislativo federal, formado por deputados e senadores eleitos pela população para esse fim.

O ativismo judicial (ou a judicialização da política) pode ser resumido na atitude dos juízes de interpretar as normas jurídicas sem se limitar às restrições formais e objetivas, e levando em conta que a aplicação das leis é variável, no tempo e em cada caso concreto [01]. Isso pode causar a extensão de direitos não expressamente previstos em lei ou na Constituição, motivo pelo qual se afirma que essa postura judicial importa na "criação" de direitos, a partir de uma interpretação ampliativa de normas escritas, ou com fundamento em princípios jurídicos genéricos (igualdade, razoabilidade, dignidade da pessoa humana, etc.).

Há alguns meses foi noticiado na imprensa que a Câmara dos Deputados passou a adotar ações para minimizar ou impedir esse ativismo, inclusive com a elaboração de proposta de Emenda Constitucional (PEC 03/2011) com o objetivo de permitir ao Legislativo "sustar os normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa" [02].

As censuras ao ativismo judicial ocultam dois fatos básicos: (a) no Brasil, o Judiciário (em regra) só age sob provocação, ou seja, o juiz apenas decide o que as pessoas lhe pedem (princípio dispositivo, ou da inércia jurisdicional, previsto no art. 2º do Código de Processo Civil) [03]; (b) e que o ativismo se desenvolve principalmente nas omissões legislativas, derivando da insatisfação dos cidadãos com a falta de tratamento legal para as controvérsias que surgem e se multiplicam diariamente.

Os mesmos deputados e senadores também elaboraram a extensa Constituição de 1988, que em seus 250 artigos (acrescidos de inúmeros parágrafos, incisos e alíneas, e dos 97 artigos do ADCT) trata dos mais diversos assuntos, e permitem que sejam levados a julgamento do Supremo Tribunal Federal processos que tratam de qualquer tipo de controvérsia jurídica, de brigas entre vizinhos até a disputa sobre a posse de um papagaio (Reclamação 10595), ou a elegibilidade de candidatos a cargos políticos (como no caso da "lei da ficha limpa").

Há vários anos o Supremo vem decidindo favoravelmente mandados de injunção e ações de inconstitucionalidade por omissão, e reconhecendo diversos direitos previstos na Constituição, mas ainda não devidamente regulamentados por lei, tais como o direito à aposentadoria especial para os servidores públicos (garantido pelo § 4º, III, do art. 40), o aviso prévio proporcional (art. 7º, XXI) e o direito de greve de servidores públicos (art. 37, VII). E o que fez o Congresso Nacional para suprir essas lacunas? Nada!

Ainda, o STF declarou a inconstitucionalidade de todos os dispositivos da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) em 30/04/2009 (ADPF 130/DF). Passados mais de 2 anos, o Congresso já debateu e votou lei para regulamentar o exercício da profissão de jornalista? Não!

Conforme já destaquei anteriormente [04], o STF também tem a iniciativa de realizar audiências públicas para debater temas polêmicos com a sociedade, como nos casos da Lei de Biossegurança (especialmente o uso de células-tronco), do abortamento de anencéfalos, da importação de pneus usados e, mais recentemente, sobre o Sistema Único de Saúde e as ações afirmativas.

Não poderiam o Senado e a Câmara dos Deputados realizar audiências públicas para debater com a sociedade a união entre pessoas do mesmo sexo, as cotas nas universidades, o abortamento de fetos anencéfalos, ou a saúde pública no Brasil? Ou, ao menos, elaborar e votar leis que reflitam a dinâmica social e as necessidades atuais?

Apesar de tentar aparentar o contrário, o Congresso Nacional não cumpre o seu papel institucional (intencionalmente ou não), e transfere ao Judiciário a competência para decidir os assuntos polêmicos (evitando, assim, a indisposição com eleitores ou com grupos sociais).

Enquanto os 81 Senadores e 513 Deputados não tomarem iniciativas como essas, as questões mais polêmicas do país inevitavelmente continuarão a ser decididas pelos 11 Ministros do STF.

Em virtude das reiteradas omissões legislativas, o cidadão que votou em seu parlamentar e não tem seu direito satisfeito (ou ao menos regulamentado por lei), irá buscar no Judiciário a efetivação dos direitos que entende ter.

Logo, os problemas não serão resolvidos com a aprovação da PEC 03/2011 ou com a limitação das decisões judiciais ou as críticas ao ativismo judicial, mas apenas com o fim do inativismo parlamentar.


Notas

  1. Acerca da questão: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 215-220.
  2. Sobre o assunto: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/3/24/camara-reage-ao-ativismo-judicial.
  3. "Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais".
  4. CARDOSO, Oscar Valente. Lei de Imprensa e mora do Legislativo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2134, 5 maio 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12755. Acesso em: 5 maio 2011.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Ativismo judicial ou inativismo parlamentar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2865, 6 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19047. Acesso em: 7 maio 2024.