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Ativismo judicial ou inativismo parlamentar?

06/05/2011 às 10:58
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O julgamento pelo STF da ADI 4277 e da ADPF 132, iniciado no dia 04 e encerrado em 05/05/2011, que importou no reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como união estável, reacendeu o debate sobre o ativismo judicial.

Não faltaram críticas ao fato de a questão ter sido decidida pelo Judiciário, e não por meio de lei ou Emenda à Constituição discutida e elaborada pelo Legislativo federal, formado por deputados e senadores eleitos pela população para esse fim.

O ativismo judicial (ou a judicialização da política) pode ser resumido na atitude dos juízes de interpretar as normas jurídicas sem se limitar às restrições formais e objetivas, e levando em conta que a aplicação das leis é variável, no tempo e em cada caso concreto [01]. Isso pode causar a extensão de direitos não expressamente previstos em lei ou na Constituição, motivo pelo qual se afirma que essa postura judicial importa na "criação" de direitos, a partir de uma interpretação ampliativa de normas escritas, ou com fundamento em princípios jurídicos genéricos (igualdade, razoabilidade, dignidade da pessoa humana, etc.).

Há alguns meses foi noticiado na imprensa que a Câmara dos Deputados passou a adotar ações para minimizar ou impedir esse ativismo, inclusive com a elaboração de proposta de Emenda Constitucional (PEC 03/2011) com o objetivo de permitir ao Legislativo "sustar os normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa" [02].

As censuras ao ativismo judicial ocultam dois fatos básicos: (a) no Brasil, o Judiciário (em regra) só age sob provocação, ou seja, o juiz apenas decide o que as pessoas lhe pedem (princípio dispositivo, ou da inércia jurisdicional, previsto no art. 2º do Código de Processo Civil) [03]; (b) e que o ativismo se desenvolve principalmente nas omissões legislativas, derivando da insatisfação dos cidadãos com a falta de tratamento legal para as controvérsias que surgem e se multiplicam diariamente.

Os mesmos deputados e senadores também elaboraram a extensa Constituição de 1988, que em seus 250 artigos (acrescidos de inúmeros parágrafos, incisos e alíneas, e dos 97 artigos do ADCT) trata dos mais diversos assuntos, e permitem que sejam levados a julgamento do Supremo Tribunal Federal processos que tratam de qualquer tipo de controvérsia jurídica, de brigas entre vizinhos até a disputa sobre a posse de um papagaio (Reclamação 10595), ou a elegibilidade de candidatos a cargos políticos (como no caso da "lei da ficha limpa").

Há vários anos o Supremo vem decidindo favoravelmente mandados de injunção e ações de inconstitucionalidade por omissão, e reconhecendo diversos direitos previstos na Constituição, mas ainda não devidamente regulamentados por lei, tais como o direito à aposentadoria especial para os servidores públicos (garantido pelo § 4º, III, do art. 40), o aviso prévio proporcional (art. 7º, XXI) e o direito de greve de servidores públicos (art. 37, VII). E o que fez o Congresso Nacional para suprir essas lacunas? Nada!

Ainda, o STF declarou a inconstitucionalidade de todos os dispositivos da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) em 30/04/2009 (ADPF 130/DF). Passados mais de 2 anos, o Congresso já debateu e votou lei para regulamentar o exercício da profissão de jornalista? Não!

Conforme já destaquei anteriormente [04], o STF também tem a iniciativa de realizar audiências públicas para debater temas polêmicos com a sociedade, como nos casos da Lei de Biossegurança (especialmente o uso de células-tronco), do abortamento de anencéfalos, da importação de pneus usados e, mais recentemente, sobre o Sistema Único de Saúde e as ações afirmativas.

Não poderiam o Senado e a Câmara dos Deputados realizar audiências públicas para debater com a sociedade a união entre pessoas do mesmo sexo, as cotas nas universidades, o abortamento de fetos anencéfalos, ou a saúde pública no Brasil? Ou, ao menos, elaborar e votar leis que reflitam a dinâmica social e as necessidades atuais?

Apesar de tentar aparentar o contrário, o Congresso Nacional não cumpre o seu papel institucional (intencionalmente ou não), e transfere ao Judiciário a competência para decidir os assuntos polêmicos (evitando, assim, a indisposição com eleitores ou com grupos sociais).

Enquanto os 81 Senadores e 513 Deputados não tomarem iniciativas como essas, as questões mais polêmicas do país inevitavelmente continuarão a ser decididas pelos 11 Ministros do STF.

Em virtude das reiteradas omissões legislativas, o cidadão que votou em seu parlamentar e não tem seu direito satisfeito (ou ao menos regulamentado por lei), irá buscar no Judiciário a efetivação dos direitos que entende ter.

Logo, os problemas não serão resolvidos com a aprovação da PEC 03/2011 ou com a limitação das decisões judiciais ou as críticas ao ativismo judicial, mas apenas com o fim do inativismo parlamentar.


Notas

  1. Acerca da questão: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 215-220.
  2. Sobre o assunto: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/3/24/camara-reage-ao-ativismo-judicial.
  3. "Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais".
  4. CARDOSO, Oscar Valente. Lei de Imprensa e mora do Legislativo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2134, 5 maio 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12755. Acesso em: 5 maio 2011.
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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Ativismo judicial ou inativismo parlamentar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2865, 6 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19047. Acesso em: 26 abr. 2024.

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