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Revalorizando a "ética".

Estudo jusfilosófico sobre a questão da racionalidade da Idade Moderna, da racionalidade político-jurídica contemporânea, dos direitos humanos e da cidadania

Revalorizando a "ética". Estudo jusfilosófico sobre a questão da racionalidade da Idade Moderna, da racionalidade político-jurídica contemporânea, dos direitos humanos e da cidadania

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Apresentam-se reflexões jusfilosóficas sobre a questão da racionalidade da idade moderna e da racionalidade político-jurídica contemporânea, com o objetivo de revalorizar a ética.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Progresso ou regresso? (Os valores éticos e a racionalidade jurídica podem ser uma saída para a emancipação social?); 2 Direito, moral (deveres), revolução/evolução no pensamento de Norberto Bobbio; 3Racionalidade e validade no pós-positivismo de Alexy: reflexões e críticas; 4 A racionalidade jurídica de Dworkin; 5 Linguagem e racionalidade comunicativa em Habermas; 5.1 O direito moderno: um direito justificado pelo caminho da racionalidade; 6 O lado perverso da globalização em Milton Santos; Considerações Finais; Bibliografia.

RESUMO

O artigo pretende apresentar reflexões jusfilosóficas sobre a questão da racionalidade da idade moderna e da racionalidade político-jurídica contemporânea com o objetivo de revalorizar a ética. Enfoca-se também a questão dos direitos humanos e da cidadania. Para tanto, buscaram-se fundamentações teóricas com base em juristas, filósofos e sociólogos nacionais e da literatura estrangeira. Convém registrar que o artigo é o resultado de estudos desenvolvidos no programa de doutorado em Direito Político e Econômico da Universidade Prebisteriana Mackenzie-SP, a partir da linha de pesquisa a "Cidadania modelando o Estado".

PALAVRAS-CHAVE

Técnica – Racionalidade – Direitos Humanos – Modernidade – Ética – Globalização – Cidadania

ABSTRACT

The article aims to present a study on the issue legal philosopher of the modern age of rationality, rationality contemporary political-legal, human rights and citizenship. The goal is to value ethics. To do so, sought to theoretical predictions based on lawyers, philosophers, sociologists and national and foreign literature. This work is the result of studies conducted in the Mackenzie Presbyterian University, Brazil. Research Line: "Citizenship shaping the State".

KEY-WORDS

Technical - Rationality - Human Rights - Modernity – Ethics – Globalization – Citizenship


INTRODUÇAO

Ao final do século XVIII, Kant questionou se "o gênero humano está em constante progresso em direção ao melhor" [1], levando-se em conta que o século das "Luzes" depositou esperança na emancipação da humanidade pelo caminho da "razão". Contemporâneo do Iluminismo, ao lado de Voltaire, Diderot e Condorcet, assumiu a tarefa de conciliador entre o pensamento político de Locke e de Rousseau. Não desprezou o movimento do Aufklärung, expressão histórica do desenvolvimento da sociedade, que teve a finalidade de levar a criatura humana ao livre e pleno domínio de si mesmo. O movimento também foi importante para a afirmação do homem enquanto "individuo" em todos os campos de atividade, à exigência de felicidade, materializando-se no progresso econômico, num ambiente fértil de exaltação da razão humana. De modo que Kant, "foi tirado por Rousseau da fé cega no progresso do saber, para o reconhecimento dos valores morais, quer dizer, Kant recebia, ao mesmo tempo, o influxo do Iluminismo e do Pré-Romantismo" [2].

Na opinião de Milton Santos [3], dois grandes eventos históricos representam para a humanidade um avanço, a saber: o primeiro é que as várias técnicas existentes (razões técnicas ou instrumentais) passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação assegura o desenvolvimento das práticas comerciais em nível global, que antes não era possível. O segundo é que as técnicas apenas se realizam, tornando-se história, com a intermediação da política, isto é, da política de empresas e da política dos Estados, conjunta ou separadamente.

"O desenvolvimento da história vai de par com o desenvolvimento das técnicas. Kant dizia que a história é um progresso sem fim; acrescentamos que é também um progresso sem fim das técnicas. A cada evolução técnica, uma nova etapa histórica se torna possível. As técnicas se dão como famílias [...] Essas famílias de técnicas transportam uma história, cada sistema técnico representa uma época. Em nossa época, o que é representativo do sistema de técnicas atual é a chegada da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática e da eletrônica" [4].

Na condição de homo faber, a criatura humana surge na história como um inventor e, principalmente, como um fabricante. Fascinado pela descoberta das potencialidades das ciências naturais (Naturwissenchaften) e pelo domínio da técnica, depara-se com a chocante admiração ante o milagre do Ser (thaumazein). A intervenção na natureza pelo caminho da técnica deve-se ao distanciamento à ação contemplativa, pois "o motivo para essa mudança de ênfase é óbvio: o cientista criava apenas para conhecer, não para produzir coisas, e o produto era um mero subproduto, um efeito colateral". [5]

"As primeiras atividades da vita activa a se promoverem à posição antes ocupada pela contemplação foram as atividades de fazer e fabricar [making and fabricating] – prerrogativas do homo faber. Isso era bastante natural, visto que foi um instrumento, e, portanto, o homem na medida em que é um fabricante de instrumentos, que levou à moderna revolução. Daí em diante, todo progresso científico tem estado mais intimamente ligado ao desenvolvimento cada vez mais sofisticado da manufatura de novas ferramentas e instrumentos. [...] Não foi somente a parafernália de instrumentos e, portanto, o auxílio que o homem teve de angariar do homo faber para adquirir o conhecimento que fez com que essas atividades ascendessem de sua antiga posição humilde na hierarquia das capacidades humanas" [6].

Na ótica de Octavio Ianni [7]:

"Se querermos compreender a crescente importância das tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas no mundo da mídia, o que é fundamental para compreendermos a crescente importância da mídia em todas as esferas da sociedade nacional e mundial, é importante começar pelo reconhecimento de que o século XX está profundamente impregnado, organizado e dinamizado por técnicas sociais. São inúmeras as inovações tecnológicas que adquirem o significado de poderosas e influentes técnicas sociais. Assim, o que parece neutro [...] logo se revela eficiente, influente ou mesmo decisivo, no modo pelo qual se insere nas relações, processos e estruturas que articulam e dinamizam as diferentes esferas da sociedade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. Tomados em seu devido tempo e contexto, esse pode ser o caso do telefone, telégrafo, rádio, cinema, televisão, computador, fax, correio eletrônico, Internet, ciberespaço e outras inovações e combinações de tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas."

A sociedade global foi invadida por uma série de "parafernálias" de ordem tecnológica, afetando o estilo de vida das pessoas e os comportamentos. A ciência do Direito também não está imune aos impactos de uma revolução tecnológica em constante mutação. Hoje, desponta-se um novo ramo do Direito, qual seja o direito digital. Muitas operações contratuais são celebradas virtualmente, as contas bancárias são movimentadas, fraudes são praticadas e novas operações são criativamente desenvolvidas pelos peritos na área.

"Nesse nível, a sociedade global é um universo de objetos, aparelhos ou equipamentos móveis e fugazes, atravessando espaços e fronteiras, línguas e dialetos, culturas e civilizações. Ao tecer a economia e a política, a empresa e o mercado, o capital e a força de trabalho, a ciência e a técnica, a eletrônica e a informática, tecem também os espaços e os tempos, as nações e os continentes, as ilhas e os arquipélagos, os mares e os oceanos, os singulares e os universais. O mundo se povoa de imagens, mensagens, colagens, montagens, bricolagens, simulacros e virtualidades. Representam e elidem a realidade, vivência, experiência. Povoam o imaginário de todo o mundo. Elidem o real e simulam a experiência [...] As imagens substituem as palavras, ao mesmo tempo em que as palavras revelam-se principalmente como imagens, signos plásticos de virtualidades e simulacros produzidos pela eletrônica e pela informática. Esses objetos, aparelhos, tais como computador, televisão, telefax, telefone celular [...] permitem atravessar fronteiras, meridianos e paralelos, culturas e línguas, mercados e regimes de governo." [8]

Sobre a relação entre a revolução tecnológica, a explanação visionária de Marx e o avanço técnico no sentido de reduzir as necessidades, assim se posiciona Buarque [9]:

"Marx não errou: ele simplesmente não podia ter previsto que o avanço técnico se reorientaria, da criação de novas e mais eficientes técnicas de produzir, gerando abundância, para técnicas criadoras de novo produtos, gerando necessidades. Se a revolução socialista tivesse ocorrido antes do final do século XIX, se a comuna de Paris houvesse prevalecido e se espalhado pelo mundo, a utopia marxista teria se realizado. A humanidade socialista orientaria o avanço técnico no sentido de reduzir as necessidades, criando uma sociedade de abundância dos bens essenciais. Mas o fato é que o capitalismo prevaleceu e passou a usar o avanço técnico para criar necessidades".

Em termos "técnicos" tudo indica um significativo avanço. E no campo ético? A experiência mundial revelou algum progresso? [10] Em que medida avançamos em matéria de cidadania e de inclusão social? A humanidade está mais tolerante em relação às minorias? Os direitos humanos estão longe de serem efetivados? Será um dia concretizado o sonho kantiano – universal – de reunião dos povos num convívio harmônico e solidário? Sucumbiremos à dominação destruidora de uma minoria rica, poderosa e irresponsável? [11] Enfim, são questões que sempre se renovam.

A visão hegeliana [12] enxerga o progresso da humanidade (isto é, a marcha em direção a um novo estágio de consciência) através da afirmação da existência de conflitos inexoráveis. A visão dialética, enquanto transformação de uma realidade, também foi debatida por Marx, mas em outra perspectiva. Neste, o que "empurra" em direção ao futuro é a realidade concreta, de modo que o que nos dá a consciência é a "existência". As lutas e as contradições também são inexoráveis, portanto.

A defesa kantiana de uma paz perpétua e de uma razão fundada no sujeito, universal e imutável contribuiu para a construção da ideia de Direitos Humanos válidos para todos os povos e nações.

Michel Villey [13] atacou a construção moderna da ideia dos Direitos Humanos, pois o direito é um "construído" a partir da realidade; assim pensava Aristóteles na Antiguidade, filósofo sistematizador da Justiça, preocupado com a "Ética" e com a felicidade dos homens, tidos por ele como "animais cívicos". Não estabelecia qualquer diferença entre política e moral, pois ambas caminham juntas.

Sobre o respeito às Leis e à Liberdade, buscou atacar os atos de corrupção, leoninos ao bem comum. Entendia que: tendo o homem sido feito para a vida social, a Política é, relativamente à Ética, uma "ciência arquitetônica", capaz de construir boas leis e organizar as instituições do Estado.

"Conhecendo os meios pelos quais se corrompem e se dissolvem os Estados, podemos também saber por que meios eles se conservam. Causas contrárias produzem efeitos contrários; ora, a conservação é o contrário da corrupção. Deve-se, portanto, num Estado bem constituído, observar cuidadosamente que nada se faça contra as leis e os costumes, e sobretudo prestar atenção, desde o começo, nos abusos, por pequenos que sejam. A corrupção introduz-se imperceptivelmente; é que, como as pequenas despesas, repetidas, consomem o patrimônio de uma família. Só se sente o mal quando está consumado. Como ele não acontece de uma vez, seus progressos escapam ao entendimento e se parecem àquele sofisma que do fato de cada parte ser pequena infere que o todo seja pequeno. Ora, se é indubitável que o total seja composto de coisas pequenas, é falso que ele próprio seja pequeno. O ponto capital, portanto, é deter o mal desde o começo. A atenção não deve ser menos vigilante contra as armadilhas que se armam contra o povo." [14]

Houve na história uma inversão de valores. Entre os Antigos, a "virtude política" era a verdadeira fonte de Justiça. Entre os Modernos, o que conta é a "virtude individual". O problema da "virtude" dos modernos é a descaracterização da política. Para os Antigos, em especial para Aristóteles, os governantes são corruptos porque os cidadãos deixaram-se levar pelos atos de corrupção. Entre os Modernos existe uma inversão na ideia: A corrupção do Estado não se comunica com as ações particulares do indivíduo. Ora, se existem políticos corruptos é porque somos coniventes com a corrupção (cada cidadão, individualmente considerado, é responsável). De modo que a Justiça deve permear entre o "corpo político" e as "partes".

O direito racional moderno ou natural abstrato, prima pelas "formas jurídicas". O direito moderno é uma invenção da burguesia revolucionária, formal e ideológico. O "conteúdo" diante da "forma" praticamente desaparece. Na medida em que o Estado burguês foi sendo aprimorado, técnicas jurídicas de dominação também passaram pelo crivo da "sofisticação" e as ações instrumentais praticada por especialistas agigantaram-se.

A "ironia da história" demonstrou que o desenvolvimento do conceito de Direitos Humanos derivou da ação filosófica de pensadores "não-juristas" no século XVI, com Hobbes, e no século XVII, com Locke. Ambos possuíam uma "teologia cristã" na maneira de pensar os acontecimentos históricos da Inglaterra. De modo que a ideia de "direitos do homem" é uma construção ideológica jusnaturalista inspirada na teologia judaico-cristã a serviço dos interesses reinantes naquela época. Em Hobbes, a construção de um "Estado artificial" e a justificação filosófica da legitimação do poder do monarca absolutista. Em Locke, a justificação dos direitos de propriedade a partir da ideia de "direitos naturais", a serviço da burguesia.

A política contemporânea faz um uso indiscriminado do conceito de "Direitos Humanos". Uma expressão precariamente construída ou uma ideia mal elaborada? Michel Villey, portanto, propôs lançar mão dessas questões a partir de uma crítica ao conceito moderno de Direitos Humanos, repensando a história e a filosofia do direito, visando esclarecer a notória diferença entre o pensamento jurídico dos Antigos e o dos Modernos.

Com efeito, o autêntico "conceito de direito" compreendido a partir de uma tradição aristotélica [15] foi desvirtuado por filósofos "não-juristas" modernos.

Uma questão se impõe: proclamar a ideia de Direitos Humanos é possível, mas efetivá-los significa um grande desafio. Desafio ainda maior é a absorção dessa ideia pelos povos islâmicos. Como universalizar os Direitos Humanos com base na razão? A razão é universal? Estaria certo Kant?

De certa forma estamos diante de um desafio ético, qual seja o de superar as contradições jurídicas e os paradoxos pelo caminho de uma racionalidade ética. Entre os arautos do "pós-positivismo", este tem sido um desafio. A questão será abordada nos capítulos 3, 4 e 5.

O fato é que estamos em épocas de incertezas. E o objetivo da presente pesquisa é ofertar ao leitor (pesquisador) algumas reflexões jusfilosóficas sobre o problema da modernidade, da técnica e da racionalidade político-jurídica. Essas questões apresentam uma discussão do ponto de vista "ético", pois a dignidade humana está ameaçada. Além disso, pretende-se abordar algumas questões angustiantes, pois o mal estar e a crise civilizacional continuam a imperar na vida do homem contemporâneo.

"O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por sérios analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar da civilização. Aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado [...] atulhados de aparatos tecnológicos vivemos tempos de impiedade e de insensatez. Sob certos aspectos regredimos à barbárie mais atroz.". [16]

Esta "falta de cuidado" tem repercussões no descaso pela coisa pública (atos de corrupção, por exemplo), no descaso manifesto pelo destino dos pobres (sequer ingressaram no exército de reserva do capital) e no abandono crescente da sociabilidade nas cidades, posto que o que tem predominado é a sociedade hedonista ("do orgasmo" pelo caminho do consumismo desenfreado), do espetáculo e do entretenimento.

Uma afirmação, que talvez possa servir de consolo ao leitor: a filosofia foi projetada pelos gregos para oferecer mais "perguntas" do que propriamente "respostas". Também é certo que as "saídas" dependem de verificações práticas.

"Existem duas possibilidades de proceder à investigação de um problema: ou acentuando o aspecto ‘pergunta’, ou acentuando o aspecto ‘resposta’. Se o aspecto ‘pergunta’ é acentuado, os conceitos básicos, as premissas, os princípios ficam abertos à dúvida. Isto é, aqueles elementos que constituem a base para a organização de um sistema de enunciados que, como teoria, explica um fenômeno, conservam seu caráter hipotético e problemático, não perdem sua qualidade de tentativa, permanecendo abertos à crítica. [...] O enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida". [17]


1 PROGRESSO OU REGRESSO? (OS VALORES ÉTICOS E A RACIONALIDADE JURÍDICA PODEM SER UMA SAÍDA PARA A EMANCIPAÇÃO SOCIAL?)

As mentes do Iluminismo acreditavam que a "razão" poderia emancipar a humanidade do jugo da opressão.

"De todo modo, principalmente a partir do século XVIII, e instalada na mente coletiva, especialmente por Turgot e seu discípulo Condorcet, a idéia de progresso e perfectibilidade dos povos, viveu-se um tempo de grande entusiasmo, alimentado pelas idéias de progresso ético e de liberdade cidadã para uma sociedade mais justa e solidária".[18]

Kant, na qualidade de Iluminista, também apostava na emancipação pelo caminho da "razão". Questionava--se: "o gênero humano progride ou tende ao retrocesso?". Os feitos humanos são destrutivos? É evidente que a criação da "ogiva nuclear" colocou a humanidade em ameaça, e, a sociedade internacional, mobilizada, buscou instituir Tratados Internacionais para conter os abusos dos testes nucleares. Em resposta, a Carta de São Francisco instituiu a ONU para atuar contra a violação dos Direitos Humanos e assim assegurar a defesa da paz.

Ao lado desse avanço no campo jurídico, outro evento histórico, talvez, apontou para o progresso ético: a defesa das liberdades públicas e individuais, a criação de direitos subjetivos, a consagração de direitos fundamentais e a importância dos textos constitucionais para a organização do Estado Democrático de Direito. A defesa da liberdade, da igualdade e da fraternidade ocorreu entre os Franceses revolucionários. Entre os Americanos, em sede de Declaração de Direitos (Virgínia), consagrou-se o direito à vida, à liberdade, além da sustentação da bandeira do direito à felicidade.

"Hegel, descobre o princípio dos novos tempos: a subjetividade. Valendo-se desse princípio explica simultaneamente a superioridade do mundo moderno e sua tendência à crise: ele faz a experiência de si mesmo como o mundo do progresso e ao mesmo tempo do espírito alienado. Por isso, a primeira tentativa de levar a modernidade ao nível do conceito é originalmente uma crítica da modernidade. De modo geral, Hegel vê os tempos modernos caracterizados por uma estrutura de auto-relação que ele denomina subjetividade: O princípio do mundo moderno é em geral a liberdade da subjetividade, princípio segundo o qual todos os aspectos essenciais presentes na totalidade espiritual se desenvolvem para alcançar o seu direito. Quando Hegel caracteriza a fisionomia dos novos tempos (ou o mundo moderno), elucida a ‘subjetividade’ por meio da ‘liberdade’ e da ‘reflexão’." [19]

Um princípio moderno de democracia também foi levantado por Kant no século XVIII, segundo o qual existe um direito que um povo tem de não ser impedido por outras forças de dar a si próprio uma constituição civil que ele considerou boa.

De certa forma, na crítica dos costumes, Kant lançou os fundamentos filosóficos para a construção do princípio racional da "autodeterminação dos povos", tal qual postumamente consagrado na esfera científica do Direito Internacional. De modo que a "universalidade" foi determinante para compreender a "razão universal" (ainda que pensada de maneira solipsista) proposta em Kant. Neste, também, se faz presente a defesa de uma Constituição em harmonia com os direitos naturais do homem (inatos e adquiridos), bem como toca na esfera de discussão sobre a "liberdade".

"O princípio de toda ação está na vontade de ser livre [...] Não é a palavra liberdade que não significa nada, é a palavra necessidade. Imaginar um ato qualquer, ou um efeito, que não derive de um princípio ativo, é realmente supor efeitos sem causa, é cair num circulo vicioso. Ou não há primeiro impulso, ou todo primeiro impulso não tem causa anterior, e não há verdadeira vontade sem liberdade [...] Temos aí a causalidade por liberdade, a idéia mestra da razão prática kantiana. [...] Causalidade por liberdade e causalidade por necessidade, entendendo-se, em tal contexto, como necessidade aquilo que é dado pelo estado das relações sociais, e nesse sentido não é livre. A primeira seria traço do moderno, a segunda o traço do antigo. Nesse contexto, usamos ‘necessidade’ para a tradição, designando o que está posto e que, pela coerção, seja de que natureza for, aparece como obstáculo à racionalidade porque não se orienta por critérios objetivos, para a vontade geral. Nessa ordem de considerações, Sócrates e Paulo de Tarso podem ser utilizados como paradigmas da modernidade. A inscrição do Oráculo de Delfos – conhece-te a ti mesmo – significa que é o mergulho na própria interioridade, que nada mais é que a prática da racionalidade, e não o que está posto pela tradição em si mesmo considerada, que deve legitimar a conduta". [20]

Ocorre que a 2ª Guerra Mundial ensejou certo ceticismo na humanidade (e na sociedade internacional). Eis uma questão de desconforto entre nós contemporâneos: "o que se acreditava na Aufklärung (Era das Luzes) vale para os dias atuais?". Será que estamos alcançando a emancipação pelo caminho da razão?

A ideia de "progresso" em matéria de "conquistas", no plano jurídico, é falaciosa? Os filósofos de orientação marxista defendem a tese de que, em vez do direito moderno resolver efetivamente o problema da miséria e da exclusão social, ao contrário, "reforçam" ainda mais os imperativos predatórios do sistema capitalista, bem como "solidificam" as "formas jurídicas burguesas". [21]

Em Habermas, existe um "desafio ético" (presente numa modernidade ainda em construção, pois se trata de um "projeto inacabado" [22]), isto é, uma forte preocupação "ética" em como concretizar a solidariedade e o consenso entre os povos pelo caminho da razão comunicativa. Na visão habermasiana a razão prática do Iluminismo não tem se sustentado na idade contemporânea, posto que solipsista. Além de ter fracassado, ela é arbitrária na medida em que a racionalidade fundada no "eu" é incapaz de produzir "consensos".

Por outro lado, o projeto meramente "reformista" de Habermas não propõe uma "superação" das "formas jurídicas burguesas", nem mesmo defende a abolição do sistema capitalista. Tão reformista é a defesa do "perdão da dívida externa" dos países pobres e o completo "desarmamento" dos Estados. Um pensamento jurídico revolucionário (crítico no sentido de radicalizar o pensamento reformista e conservador reinante) não acredita no modelo kantiano de "paz perpétua", nem mesmo na possibilidade da "razão comunicativa" produzir "consensos".

Acreditava-se, no Iluminismo (e mesmo na filosofia positivista de Augusto Comte), que o progresso ético "caminhava" juntamente com o progresso científico. Durante o período em que Habermas tinha estreitos vínculos com os filósofos marxistas da Escola de Frankfurt, levantou a tese de que a razão instrumental é um tipo de "razão" dirigida para fins de dominação, e isso foi sustentado em Technik und Wissenchaft als "Ideologie".


2 DIREITO, MORAL (DEVERES), REVOLUÇÃO/EVOLUÇÃO NO PENSAMENTO DE NORBERTO BOBBIO

Uma "revolução copérnica" ocorreu na seara da moral: "há sempre um código de deveres ou de obrigações, não de direitos". [23] Afirmar os direitos humanos, em Kant, representou uma inversão radical na história secular da moral. Posto que "Os códigos morais [...] de todos os tempos são compostos essencialmente de normas imperativas, de comandos e proibições." [24] A começar pelos Dez Mandamentos.

De modo que, Bobbio, lança um debate sobre a "lei", bem como sobre a importante função "do Legislador" no centro gravitacional de reflexões. Enfim, o "objeto principal do estudo da moral é a lei" (que define os limites – públicos e privados – entre a permissão e a proibição).

Direito e dever são conceitos correlatos, como pai e filho. Poderia existir o filho sem o pai? De modo que a obrigação vem antes do direito. A relação entre "pai e filho", de certa forma, está vinculada ao mito.

"Um dos heróis, no sentido hegeliano da palavra, ao lado do condottierre, no mundo clássico, é o grande legislador, Minus, Licurgo, Sólon. A admiração pelo legislador, definido como aquele que, tomando a iniciativa de fundar uma nação deve se sentir capaz de mudar a natureza humana, chega até Rousseau". [25]

Entre os escolásticos do século XIII e até mesmo no seio das contribuições de Cícero, a lei natural era definida a partir da ideia de "comando e proibição".

Ainda, em Bobbio,[26] metaforicamente, o direito e o dever são como duas faces de uma moeda. Pergunta-se: qual é o verso e qual é o reverso? A ação é relativa, pois depende do ângulo em que olhamos para o fenômeno. A história do pensamento jurídico olhou muito mais para o "lado" (da moeda) dos deveres do que propriamente para a "posição" dos direitos. Explica-se o motivo. As prescrições morais e legais foram feitas para a preservação do grupo social. A modernidade (no processo de arquitetura da Era dos direitos) focou a tutela dos indivíduos, produzindo uma inversão: "que o problema começasse a ser observado não mais apenas do ponto de vista da sociedade, mas também do ponto de vista do indivíduo". O preceito moral "não matarás", isto é, de que "não devemos matar" foi edificado para a salvaguarda do grupo e não para proteger a vida individualmente considerada. A mudança de foco deve-se aos seguintes fatores: a) Na transição entre Idade Média e Moderna houve uma nova concepção cristã de vida; b) De Hobbes (séc. XVI) a Kant (XVIII) floresceu uma nova ética cristã, portanto; c) Bobbio não faz esta abordagem, mas entendemos que os filósofos-teólogos nominalistas (D. Scoto e G. de Ockam) contribuíram para a mudança de foco, e, neste aspecto, impõe-se a necessidade de apresentar as "bases teóricas" de Michel Villey, identificadas na obra "Lições de Filosofia do Direito"; d) Os homens no "estado de natureza" não são "bestas-feras" [27] e sim, seres "em liberdade" (Locke); e) Durante longa e ininterrupta tradição, os tratados de política, tanto no pensar clássico quanto no pensar medieval e moderno, consideraram muito mais a pessoa do "príncipe" do que a do governado. Além disso, o objeto principal da política sempre foi focar o "bom e o mau governo", revelar as formas de como conquistar o poder, e como exercê-lo da melhor maneira possível, como fazer as leis, como declarar a guerra e celebrar a paz, como nomear os ministros e os embaixadores, etc. [28]; g) O principal dever (que é o dever de obediência às leis), impregnara as mentes dos pensadores políticos da Era dos Deveres.

Outra questão. Houve uma evolução sobre a doutrina dos direitos do homem a partir dos modernos. Em primeiro lugar, os direitos naturais foram positivados pelas Constituições [29]. Em segundo, a "fé divina" foi transformada em "fé jusnaturalista". [30]

Interessante a prescrição contida no corpo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a saber: "a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana".

No âmbito dos direitos políticos, também tivemos um avanço ético. As revoluções sociais dos operários, a "luta pelo direito" nas fábricas, possibilitaram o exercício do direito ao voto, antes, tão só, destinado aos homens "de posse". Quanto às mulheres, ao se transformarem em "força de guerra", levando-se em conta que trabalharam nas fábricas durante a primeira e segunda grande guerra, o Estado reconheceu o direito ao sufrágio.

Outro avanço "ético" merece ser objeto de reflexões no campo do direito internacional. A pessoa física passou a ser reconhecida como um sujeito de direito internacional, atribuindo-se-lha a legitimidade de cobrar judicialmente, em nível supranacional, a aplicação de um direito fundamental sonegado, contra o próprio Estado. [31]

"Que fique claro, uma coisa é a pretensão, mesmo que justificada com os melhores argumentos, outra coisa é a sua satisfação. À medida que as pretensões aumentam, a sua proteção torna-se cada vez mais difícil. Os direitos sociais são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade; a proteção internacional é mais difícil do que a proteção interior do próprio Estado". [32]

Na visão de Fábio K. Comparato [33]:

"Não se pode deixar de indagar: qual o rumo do processo evolutivo? A História nos mostra um aperfeiçoamento, ou uma degradação da humanidade no tempo? Dada a ambigüidade ética essencial do ser humano, haveria no correr dos séculos uma intensificação de vida, ou, em sentido radicalmente oposto, uma decadência fatal em direção à morte?"

Bobbio [34], também não deixa de ter certa razão ao afirmar que:

"Da constatação de que a ferocidade do homem – à qual, talvez, exatamente o progresso científico e técnico tenha fornecido meios cada vez mais terríveis de destruição e morte – não apenas não diminuíra mas, a partir desses mesmos meios, foi reforçada, foi-se formando a opinião comum de que a idéia de progresso em direção ao melhor, para retomar a expressão de Kant, tinha sido uma estúpida e perigosa ilusão. Mas dessa maneira os olhos se fecharam diante do fato de que o progresso científico e técnico, o progresso no sentido original da palavra, continuara ininterruptamente com enorme e crescente sucesso. Efetivamente, o que ocorreu neste século não é o fim, e muito menos a interrupção do progresso, mas o fim da confiante convicção, iluminista antes e positivista depois, de que progresso técnico-científico e o progresso moral e civil avançam lado a lado, aliás, em um certo sentido, estavam ligados entre si e, sobretudo, que a luz do saber não apenas dissolveria as trevas da ignorância, mas também melhoraria os costumes, e elevaria o homem a uma mais consciente e duradoura moralidade".

O fato é que o progresso humano não era, para Kant, necessário, apenas possível.


3 RACIONALIDADE E VALIDADE NO PÓS-POSITIVISMO DE ALEXY: reflexões e críticas

Na visão de Alexy, o debate sobre a validade moral do direito se faz presente tanto nas teorias do direito natural, quanto nas do direito racional. A validade de uma norma de direito natural ou de direito racional não se encontra somente sob a base da eficácia social, nem mesmo em sua legalidade, mas unicamente em sua "correção material", que deve ser demonstrada através de uma justificação moral. O objeto do conceito ético de validade é a validade moral. Alexy argumenta, em "Conceito e validade do direito", que a principal polêmica acerca do direito é a relação existente entre direito e moral. Essa discussão se arrasta mais de dois mil anos, e duas formas de racionalidade jurídica se enfrentam: a positivista e a não positiva. A primeira, defende a tese da separação entre direito e moral, determinando que o conceito de direito deve ser definido de modo que não seja incluído "aspectos morais", pois entende-se que não existe conexão necessária entre aquilo que o direito ordena e o que a justiça exige, ou entre o direito como ele "é" e como "deve ser".

O Prof. Tércio Sampaio Ferraz Júnior [35] entende que é necessário reconhecer certa similaridade entre as normas jurídicas e os preceitos morais, uma vez que ambos possuem caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações em uma forma objetiva, ou seja, não há necessidade do consentimento subjetivo. O positivismo jurídico, ao definir o direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano, nada mais fez do que introduzir o elemento de validade do direito pelo caminho da eficácia da norma. Sem a eficácia e a coação, a norma perde o seu sentido. O direito, privado do aspecto moral, perde o sentido, embora necessariamente não perca o império, validade e eficácia. Isso revela o motivo pelo qual "direito" e "força" estão conectados, mas "as necessidades exigenciais da racionalização do direito fazem, contudo, com que essa identificação seja evitada".

"O direito aparece, em geral, como conjunto de regras que se fazem valer pela força, isto é, um ordenamento normativo de eficácia reforçada. Ora, aquele que está em condições de exercitar a força para tornar eficazes as normas é, por conseqüência, o poder soberano, o qual detém o monopólio do exercício da força. Donde se segue que a teoria do direito como regra coativa e teoria do direito como emanação do poder soberano são convergentes (...) Não se nega certa relação entre poder e força (física), pois se reconhece que os detentores do poder são aqueles que têm a força necessária para fazer respeitar as normas que eles emanam. Admite-se, pois, que a força é instrumento necessário do poder, mas nega-se que seja seu fundamento. Sutilmente, vai dizer o jurista que a força é necessária para exercitar o poder, mas não para justificá-lo. O que justifica é o consenso." [36]

Ao passo que na visão do Prof. Alaor Caffé Alves, o direito contemporâneo é produzido artificialmente, disponível de acordo com o exercício voluntário de órgãos especializados na produção normativa tanto geral quanto individualizada. Em razão do desenvolvimento de novas tecnologias, sobretudo o da informática e das comunicações, o direito passou por transformações, dando lugar a novas concepções no âmbito de sua elaboração. O sistema capitalista, por outro lado, com sua racionalidade e contradições, produz um direito a serviço do capital, desvinculando-se dos aspectos éticos.

"O fato de que o sistema capitalista determinou uma dinâmica extremamente concentradora de riqueza permitiu, é claro, em seu processo de acumulação, a ampliação da produção e conseqüentemente a extrema divisão social do trabalho, a inserção e o desenvolvimento tecnológico e da ciência cada vez mais universalizados, permitindo um processo produtivo gigantesco e muito sofisticado, a ponto de negar sua própria base essencial, ou seja, a força de trabalho. O que encontramos hoje é isto: as imensas dificuldades decorrentes do desemprego estrutural, causadas justamente pela extensa aplicação da tecnologia e da ciência, realizada pelo movimento do capital. Isso vai levar a grandes conseqüências na produção do direito positivado, como é o caso da flexibilização jurídica no plano do direito social. O capital absorve a ciência e a tecnologia, como base de sua própria competitividade, mas por outro lado ele vai expulsando exatamente o elemento central e fundamental de sua própria vida, qual seja, a força de trabalho. Por não distribuir renda suficiente, porque substitui trabalho por tecnologia altamente sofisticada, ele vai ter um mercado consumidor cada vez mais frágil, mais estreito, o qual não vai absorver a extensa e ampla produção causada por atividades. Vejam que paradoxo! E isso é inerente ao funcionamento do sistema". [37]

A partir do último quarto do século XX, inicia-se as especulações de cunho "pós-positivista", cuja visão do direito autoriza novas exigências de valoração e consideração sobre circunstâncias e fatores contextuais dos casos concretos para uma adequada construção jurídico-normativa em face dos reclamos da vida hodierna.

Desta feita, no pós-positivismo de Alexy, para ter validade, a norma precisa ser nutrida de elementos "éticos". Além disso, a norma jurídica deve assumir as formas axiológicas e teleológicas, que expressam os valores e fins que devem ser protegidos em um determinado contexto histórico e social.

Na visão de Alexy, uma norma jurídica individual carece de um mínimo de justificabilidade moral quando não é extremamente injusta. No entanto, uma norma meramente injusta pode ser juridicamente válida. Aos sistemas jurídicos, há que se fazer uma constatação: uma relação de validade jurídica e validade social, de um lado, e validade jurídica e validade moral, de outro. A validade jurídica de um sistema jurídico depende mais de uma validade social do que da validade moral, pois um sistema jurídico que não seja eficaz socialmente, entre em colapso como sistema jurídico. De outro lado, um sistema jurídico pode manter sua existência, mesmo que não seja moralmente justificado, entrando em colapso quando em caso de extrema injustiça.


4 A RACIONALIDADE JURÍDICA DE DWORKIN

Na qualidade de positivista "ético", Ronald Dworkin, desenvolveu o "princípio da integridade" na obra "O Império do Direito". Em "Levando os Direitos à Sério", apresentou uma série de casos concretos derivados da experiência dos tribunais dos EUA. Dworkin, por exemplo, lança uma questão de ordem ética e jusfilosófica na seguinte direção: Os juízes criam um direito novo ao julgar ou existe algo bem maior do que a lei em cada caso concreto no qual eles descobrem a resposta correta? A maioria deles sempre está a serviço da lei, isto é, a obedecem? Caso contrário, em qual situação estará um cidadão apto ou moralmente livre para desobedecer a lei ou a uma decisão judicial? Enfim, sobre tais questões, Dworkin lança mão de uma série de discussões jusfilosóficas nos capítulos I, II, III, IV e V da respectiva obra. E também: Como se deve portar um juiz diante de um caso difícil (hard case), em que se discute, por exemplo, a questão da discriminação racial ou étnica?

Dworkin ataca o juspositivismo estrito. Contudo, da leitura atenta à obra, é possível extrair a seguinte conclusão: embora ataque o juspositivismo estrito pode ser enquadrado como um "juspositivista ético" [38], pois a interpretação dos juízes que incide sobre as normas e casos concretos deve necessariamente prestar a um objetivo ético.

Por isso, ele tenta afastar, com argumentos, o economic utilitarianism (o utilitarismo econômico). Para o autor em análise, os cidadãos devem ter seus direitos políticos e morais reconhecidos pelo Estado, pois são prioritários para o bem estar da maioria. Tais direitos devem estar além do aspecto puramente econômico. Aponta para o fato de que as decisões judiciais nos EUA possuem um forte apelo econômico, sem se preocupar com questões de ordem ética. Ataca duramente o positivismo jurídico sustentado por L. A. Hart.

Eis alguns argumentos de Dworkin elencados por Marcio Sotelo Felippe [39], a saber:

"1 – A sujeição dos juízes a padrões de eficiência, justiça e racionalidade não permite que se lhes classifique as decisões como discricionárias. A decisão de um juiz seria semelhante a de um sargento que recebe ordem de escolher cinco homens experientes para uma patrulha. Não existe um critério único para experiência, mas ele sabe que terá que dar conta de sua tarefa do modo menos suscetível a críticas. Nesse sentido, uma decisão que adjudicasse os bens ao herdeiro assassino seria certamente qualificada de incorreta; 2 – Não é raro que os tribunais não apliquem normas estabelecidas, ou modifiquem o seu sentido mediante interpretação. Quando tal ocorre, a mudança é justificada porque favorece algum princípio. O juiz pesa também princípios conservadores, como, por exemplo, o da supremacia legislativa. Assim, uma norma é obrigatória quando conta o apoio de princípios que o tribunal não pode ignorar; ou uma norma é obrigatória quando está justificada por princípios conservadores, ou ambas as coisas; 3 – Os princípios não se ajustam ao critério da regra de reconhecimento de Hart, pela qual a validade de uma norma decorre de ter sido promulgada por alguma instituição competente. Nos casos concretos mencionados, os princípios não se originam em uma decisão de algum tribunal ou órgão legislativo, ‘mas em um sentido de conveniência e oportunidade que, tanto no foro como na sociedade, se desenvolve com o tempo".

Com efeito, desenvolveu uma nova teoria aplicada nos julgamentos, aplicando-a aos casos centrais e politicamente importantes julgados pela Suprema Corte dos EUA quando a matéria diz respeito à aplicação da Constituição.

Através da análise da "Teoria da justiça" de J. Rawls, afirma que entre os direitos políticos o que é fundamental é o direito de cada indivíduo poder ser respeitado em condições de igualdade. A partir daí, fornece uma teoria da obediência juntamente com a lei designada, não simplesmente na tentativa de responder questões teóricas a respeito da desobediência civil [40], mas fornece-a como uma espécie de "guia" aos cidadãos.

Considera o direito à liberdade como um direito fundamental para se chegar à igualdade, e aponta para o fato de que existem distintas liberdades individuais, mas todas elas não são derivadas de preceitos jurídicos abstratos considerados em si, but from the right to equal concern and respect itself.

A partir de experiências concretas, demonstra de que maneira os juízes americanos estão vinculados aos princípios aos quais não podem ser extraídos a partir da regra de reconhecimento. Entretanto, aponta para o fato de que a teoria da lei de Hart também faz incluir a tese de que na maioria dos hard cases, os juízes americanos desviam-se da lei válida e passam ordenadamente a buscar uma decisão sensível (de bom senso) a partir do exercício do ato discricionário.

De modo que, Dworkin, considera esta "permissão" para a atuação discricionária um grande paradoxo do positivismo defendido por L. A. Hart.

Enfim, sobre os casos difíceis, em situação hipotética, talvez semelhante à ideia de "posição original" defendida por Rawls, para a resolução dos hard cases, teve de lançar mão da figura imaginária de um juiz Hércules, representante da jurisdição americana, que aceita as normas em sua jurisdição, isto é, que consente que os estatutos jurídicos têm o poder geral de criar e extinguir direitos, e que os juízes têm o dever geral de seguir os casos anteriormente julgados. Em Dworkin, portanto, é possível dar uma resposta "juridicamente ética" mesmo diante de um caso difícil, sem ter de apelar para a "discricionariedade", sustentada por Hart e radicalizada por Hans Kelsen.

"Dworkin reconhece que sua crítica ao Positivismo põe mais questões do que soluciona. Não se sabe, por exemplo, quais princípios devem ser considerados, ou como um deve prevalecer sobre outro. Mas conclui, essas e outras questões são mais promissoras que a simplicidade do modelo positivista. Esclareça-se que a regra de reconhecimento de Hart e a norma fundamental de Kelsen são diferentes formulações de um mesmo ponto de vista. A norma fundamental é uma pressuposição de quem pretende descrever o Direito objetivamente e que constata que, por exemplo, é Direito o que determina o autor da Constituição. A regra de reconhecimento, segundo Hart, tem um ponto de vista externo, o do observador que verifica o fato de que, em uma dada sociedade, os juízes aceitam que, por exemplo, é Direito o que a rainha aprova no parlamento". [41]


5 LINGUAGEM E RACIONALIDADE COMUNICATIVA EM HABERMAS

O objetivo de Habermas é fornecer critérios para que os atores sociais possam tomar decisões racionais, não arbitrárias, sobre assuntos relevantes, e o aspecto da linguagem que lhe importa é o uso das sentenças com intenção comunicativa.

Nessa dimensão pragmática "revela-se todo o conjunto da comunicação, que inclui a situação da fala, a aplicação da linguagem e a consideração de seus contextos, as pretensões de validez erguidas pelos falantes e, finalmente, seus papéis dialogais". [42]

O consenso obtido de maneira satisfatória, isto é, fundamentado racionalmente, depende da realização da ação comunicativa. O que torna possível a realização da ação comunicativa é o uso da fala, da linguagem e o conjunto de significados que são compartilhados pelos atores sociais. O ato de "compartilhar" entre os atores se dá na Lebenswelt.

A linguagem possui, basicamente, três funções. A função cognitiva, permite que os atores formulem proposições referentes ao mundo objetivo; a função apelativa, permite que os atores utilizem sentenças apelativas de ordenação aos destinatários, "faça isso, faça aquilo". As funções expressivas da linguagem tornam conhecidas as experiências pessoais do falante.

Os atores que se comunicam erguem "pretensões de validade" e esperam que as afirmações sejam verdadeiras, se referidas ao mundo objetivo. Se referidas ao mundo social, os atores que se comunicam esperam que o conteúdo das proposições seja correto, justo; se referidas ao mundo subjetivo, os atores erguem pretensões de validade, na expectativa de que as proposições sejam sinceras.

Nesse momento, importa esclarecer que o agir comunicativo não pode ser confundido com o agir estratégico, pois "uma coordenação da ação bem-sucedida não depende da racionalidade teleológica das orientações da ação, mas da força racionalmente motivadora de realizações de entendimento, isto é, de uma racionalidade que se manifesta nas condições para um consenso obtido comunicativamente". [43]

A teoria da ação comunicativa é baseada na teoria dos atos de fala sustentada por Austin e Searle. Os atos de fala são unidades essenciais da comunicação lingüística. São divididos em locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Nos locucionários, o falante apenas diz algo, expressa um estado-de-coisas. Nos ilocucionários o ator realiza uma ação enquanto diz algo, e, nos perlocucionários, ao falar, causa um efeito sobre o ouvinte, produz algo no mundo.

"Habermas se baseia na distinção entre atos de fala de tipo ilocucionário e de tipo perlocucionário para estabelecer uma grande linha divisória entre dois tipos de ação social. É desse modo, portanto, que consegue fundamentar a especificidade de sua ação social de tipo comunicativo (o agir comunicativo) como aquela em que o falante busca realizar o telos ou a função da fala, a saber, alcançar entendimento, em relação à ação social de tipo teleológico (ação teleológica), em que o falante procura causar algum efeito ou reação no ouvinte, com seu proferimento. Na primeira, o que é constitutivo do ato de fala é o sentido do que é dito; na segunda, a intenção do agente". [44]

Na ação estratégica, um ator procura influenciar o comportamento de outro por meio de "ameaças" ou da perspectiva de gratificação a fim de fazer com que a interação continue conforme o primeiro deseja, ao passo que, na ação comunicativa, um ator procura racionalmente a "motivação", acreditando no efeito compulsório da locução da oferta contida no ato de fala.

"Ao critério formal do imperativo categórico kantiano, Habermas substitui um princípio processual de discussão (D) segundo a qual só podem pretender à validade as normas que são aceitas (ou que poderiam sê-lo) por todas as pessoas concernentes, desde que participem de uma discussão prática". [45]

No curso da discussão prática, os atores decidirão sobre a validade das normas que desejam aceitar, pautando-se numa regra de argumentação que se enuncia assim: "Toda norma válida deve satisfazer a condição de que as conseqüências e os efeitos secundários, que (de maneira previsível) provêm do fato de a norma ter sido universalmente observada na intenção de satisfazer os interesses de cada um, podem ser aceitos por todas as pessoas concernentes". Trata-se do princípio de Universalidade (U) tão importante para a fundamentação da ética da discussão defendida por Habermas.

Na visão de Tércio Sampaio Ferraz Jr. [46]:

"O problema, manifesto numa teoria da justiça que traz este tipo (habermasiano) de solução (aceitabilidade racional como base de uma concepção universal de justiça), conduz a algumas dificuldades conhecidas, convergentes na hipótese de que, para qualquer sujeito ou conjunto de sujeitos, haveria proposições independentes do seu juízo. Esta independência é que daria sentido final a um postulado de correspondência, pois não teria pela crença de um ou de vários no sentido da justiça que se garantiria completamente a verdade do juízo. Contudo, deste modo, a universalidade de uma proposição sobre a justiça não seria alcançada por meio de uma imediata confrontação, mas requereria a mediação de outras proposições, o que conduziria à asserção de uma primeira proposição, cujos fundamentos estariam articulados numa competência pragmática transcendental de todo e qualquer sujeito comunicativo. Entretanto, isto não elidiria a persistente dualidade entre estas condições transcendentais e uma possibilidade de equívoco, por mais racionais sejam aquelas: mesmo um acordo argumentativo ideal-transcendental entre os dialogantes exigiria alguma noção primitiva de justiça verdadeira (...)".

5.1 O direito moderno: um direito justificado pelo caminho da racionalidade

Para Habermas [47] "os direitos humanos e o princípio da soberania do povo formam as idéias em cuja luz ainda é possível justificar o direito moderno".

Com efeito, tanto os direitos humanos, quanto o princípio da soberania do povo são ideias construídas a partir da racionalidade. Nesse sentido, na visão habermasiana, o direito moderno é incompatível com a ideia de um direito fundado em tradições metafísicas ou religiosas. Hoje as fundamentações são "pós-tradicionais", posto que o direito moderno busca sua fundamentação e justificação na racionalidade. Conseqüentemente, o direito moderno não é justificado pelo caminho da moral religiosa. O fundamento do direito moderno, igualmente, não está na natureza das coisas (daí a advertência do autor: "sem apelar para motivos de ordem religiosa ou metafísica") [48], já que a sua estrutura está assentada na ideia de direitos humanos e no princípio da soberania do povo. Mais especificamente, no nível "pós-tradicional" de justificação, "só vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade" [49].

Por conseguinte, a racionalidade moderna concebe o homem na condição de sujeito de direitos. Dessa maneira, ela afirma a sua autonomia, ao mesmo tempo em que emancipa o homem, já que este adquire sua liberdade pelas vias da racionalidade. Com efeito, o homem racional é capaz de se "autorealizar" e de se "autodeterminar" perante o Universo. O mesmo raciocínio vale para a dimensão social, isto é, o homem pelo caminho da racionalidade tem o condão de se "autorealizar" e de se "autodeterminar" perante a sociedade em que vive.

"As questões da democracia política, da cidadania e da participação popular se sobressaem no Estado moderno, mesmo em relação às formações políticas que o antecederam (até mesmo em relação à Grécia, pois havia o regime da escravidão: havia muitos serviçais alheios aos assuntos políticos da pólis, grande era o número de escravos trabalhadores). No Estado moderno as opiniões dos atores têm de ser ouvidas ao se estabelecerem os objetivos a serem perseguidos pelo poder político, ou seja, para evocar as formulações de Habermas, se é certo afirmar em uma tendência à ‘colonização do mundo da vida’ pelo sistema político, nem por isso deixaria de haver, efetivamente ou como possibilidade, a influência da sociedade sobre o próprio Estado". [50]

O fato é que, na modernidade, não só o direito foi separado da moral, mas esta foi separada da Ética. A exigência habermasiana de justificação racional do direito é bem estruturada e não há que se falar em confusão entre esferas moral e jurídica: não significa que o direito esteja assentado exclusivamente no mundo da vida. Ele se apresenta como esfera de intermediação entre sistema e mundo da vida [51].

O direito moderno foi separado da Ética e da Moralidade. E este fenômeno "separatista" deve-se principalmente ao filósofo alemão Immanuel Kant.

Na medida em que as questões morais e éticas se diferenciaram entre si, a substância normativa, filtrada discursivamente, encontra a sua expressão na dimensão da autodeterminação e da autorealização. Os direitos humanos e a soberania do povo não se deixam subordinar a essas duas dimensões. Entretanto, existem "afinidades entre esses dois pares de conceitos". Com efeito, as duas tradições políticas clássicas (Estados Unidos da América), caracterizadas como "liberais" e "republicanas", concebem os direitos humanos como expressão da "autodeterminação moral" e a soberania do povo como expressão da "autorealização ética". Nesta perspectiva, os direitos humanos e a soberania do povo não aparecem como elementos complementares, e sim, concorrentes. Os liberais não aceitam a tirania da maioria, defendem o primado dos direitos humanos que garantem as liberdades pré-políticas do indivíduo e são contra a vontade soberana do legislador político. Por outro lado, os representantes do humanismo republicano conferem maior destaque ao valor próprio, não-instrumentalizável, da auto-organização dos cidadãos, "de tal modo que, aos olhos de uma comunidade naturalmente política, os direitos humanos só se tornam obrigatórios enquanto elementos de sua própria tradição, assumida conscientemente".

Na visão liberal, os direitos humanos impõem-se ao saber moral como algo dado, ancorado num estado natural fictício; ao passo que na interpretação republicana a vontade ético-política de uma coletividade que está se auto-realizando não pode reconhecer nada que não corresponda ao próprio projeto de vida autêntico. No primeiro caso, prevalece o momento moral-cognitivo, no segundo, o ético-voluntário [52].

Curiosamente, Rousseau e Kant apreendem a cognição e a vontade a partir da ideia de complementação, "de tal modo que a idéia dos direitos humanos e o princípio da soberania do povo se interpretassem mutuamente" [53]. No entanto, eles não conseguiram entrelaçar simetricamente os dois conceitos, já que em linhas gerais, "Kant sugeriu um modo de ler a autonomia política que se aproxima mais do liberal, ao passo que Rousseau se aproximou mais do republicano" [54].

O nexo interno entre soberania do povo e direitos humanos reside no conteúdo normativo de um modo de exercício da autonomia política, que é assegurado através da formação discursiva da opinião e da vontade. Nem Kant, nem Rousseau conseguiram descobrir esse nexo. Este é o entendimento de Habermas.

Sob premissas da filosofia da consciência, é possível aproximar razão e vontade no conceito da autonomia, seja ao self da crítica da razão prática, seja ao povo do "Contrato Social".

Se a vontade racional só pode formar no sujeito, então a autonomia moral deste deve passar através da autonomia política da vontade unida de todos, a fim de garantir antecipadamente, por meio do direito natural, a autonomia privada de cada um. Se a vontade racional só pode formar-se no sujeito superdimensionado de um povo ou de uma nação, então a autonomia política deve ser entendida como a realização autoconsciente da essência ética de uma comunidade concreta; e a autonomia privada só é protegida contra o poder subjugador da autonomia política através da forma não-discriminadora de leis gerais. Ambas as concepções passam ao largo da força de legitimação de uma formação discursiva da opinião e da vontade, na qual são utilizadas as forças ilocucionárias do uso da linguagem orientada pelo entendimento, a fim de aproximar razão e vontade – e para chegar a convicções nas quais todos os sujeitos singulares podem concordar entre si, sem coerção. Todavia, se discurso e negociações, cujos procedimentos são fundamentados discursivamente, constituem o lugar no qual se pode formar uma vontade racional, a legitimidade do direito apóia-se, em última instância, num arranjo comunicativo: "enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos."

Por conseguinte, o nexo interno entre soberania popular e direitos humanos só se estabelecerá, se o sistema dos direitos apresentar as condições exatas sob as quais as formas de comunicação – necessárias para uma legislação política autônoma – podem ser institucionalizadas juridicamente. O sistema dos direitos não pode ser reduzido a uma interpretação moral dos direitos, nem a uma interpretação ética da soberania do povo, porque a autonomia privada dos cidadãos não pode ser sobreposta e nem subordinada à sua autonomia política [55].

Portanto, na visão habermasiana, embora tenham chegado perto, tanto Kant quanto Rousseau não foram capazes de identificar o nexo interno entre a soberania popular e os direitos humanos, já que um concebeu a autonomia política mais próxima ao modelo liberal, e o outro, aproximou a respectiva autonomia ao modelo republicano. Isto acabou dando margem para que os norte-americanos reivindicassem o primado de um sobre o outro. Deve-se à tradição.

De um lado, os republicanos priorizam a soberania popular, e de outro, os liberais defendem a supremacia dos direitos humanos; de modo que os republicanos se apóiam na ideia de autorealização ética ("vontade") e os liberais na autodeterminação moral ("cognição-razão").

Logo, para Habermas, não há direitos humanos sem soberania popular, nem esta sem direitos humanos, já que ambos estão entrelaçados de modo a formar um "nexo interno". Com isso, o autor quer dizer que o sistema de direitos deve ser fundamentado com base na interpretação moral dos direitos, bem como na ética da soberania do povo, pois a autonomia privada (liberdades negativas) dos cidadãos não pode ser sobreposta e nem subordinada à sua autonomia política (liberdades positivas, de participação). Ambas as ideias devem fundamentar o sistema, uma vez que as liberdades de participação decorrem das liberdades negativas (autonomia privada dos cidadãos), ao mesmo tempo em que estas derivam das liberdades de participação.


6 O LADO PERVERSO DA GLOBALIZAÇÃO EM MILTON SANTOS

Em Milton Santos, existe uma forte crítica à globalização perversa, uma tal perversidade sistêmica (de impactos globais) com bases ideológicas que legitimam o sistema capitalista. Dinheiro, produção, informação e consumo integram, portanto, o sistema. De modo que existe uma lógica perversa capaz de regular e auto-regular o sistema capitalista.

Existe uma nova forma de totalitarismo (se bem que o sentido de totalitarismo seja diverso em sua origem, pois o conceito está mais vinculado à invasão estatal na vida privada das pessoas através da estrutura e do modelo de Estado Nazista, capaz de anular o ser tido como "diferente", "fora do padrão" ou potencialmente degenerativo ao tecido social alemão);

Também se faz presente, neste contexto, um fenômeno de enfraquecimento das soberanias estatais, bem como um retrocesso à noção de bem público e de solidariedade, além das reduções políticas e sociais do Estado [56].

Explica-se a razão de ser dessa realidade, a partir de um enfoque "existencialista": "vivemos num mundo confuso e confusamente percebido" [57].

De fato, houve um progresso tecnológico. Novas relações sociais se constituíram. Outras estão sendo constituídas, rompendo com mitos, tabus, dogmas e paradigmas. Mas em matéria de progresso humano e ético, houve algum progresso?

O fato que na idade contemporânea tudo é muito veloz. Informações fluem com rapidez. Dados são acessados em tempo real.

As explicações mecanicistas e utilitaristas não dão conta de respostas às grandes questões contemporâneas. Por isso, em Santos, a razão instrumental deve ter limites éticos.

As bases materiais onde são construídas as identidades (e as personalidades), bem como os desafios de uma modernidade em constante mutação tem gerado uma gama de patologias. Uma dessas patologias é a perda do sentido.

Ao nível do estilo de vida individual mostra-se a perda do sentido, antes de tudo, na unilateralidade da condução da vida, a qual, por carência de substrato ético, reduz-se a uma atitude instrumental com relação a si próprio e aos outros. Como conseqüência produzem-se problemas de orientação (Orientierungsprobleme) na esfera privada e problemas de legitimação na esfera pública. [58]

Neste estágio civilizatório, no mais alto patamar de desenvolvimento das práticas capitalistas, se faz presente a construção de imaginários, signos e identidades, impostas por uma indústria cultural, que produz e que necessita de um grande mercado de consumidores, que não especulam (isto é, que não questionam se necessitam ou não do produto ou serviço), mas que consomem por "consumir", ou melhor, que vivem para consumir e não são tidos, pelo sistema, como criaturas que consomem para viver. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo; a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.

Em Milton Santos, o que é, é imposto. O dever ser, isto é, o ideal é o progresso em direção a uma outra globalização, mais humana, mas inclusiva. Não pretende voltar a um estágio civilizatório anterior (sua visão, portanto, não é reacionária), e sim dar um salto qualitativo ético, sem suprimir as relações globais entre os seres humanos.

Fala-se que a aldeia global possui um sistema de informações que realmente deixa as pessoas a par dos assuntos. Outra fábula: o Estado está desaparecendo e perdendo a sua força. A morte do Estado, portanto, tem sido levantada. Ao contrário, o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos de finanças [59].

Do ponto de vista perverso, a globalização tem produzido um grande contingente de seres humanos desempregados. Além disso, existe não só o problema da miséria, mas também o da corrupção, bem como o da má distribuição das riquezas socialmente produzidas. Os comportamentos competitivos (exemplo, lançar as pessoas no "paredão" ou "deletá-las" de seus postos de trabalho) e as ações individualistas têm promovido grandes conflitos sociais, desilusões e falta de utopias. Ocorre que no entendimento de Milton Santos é possível a construção de um outro mundo, uma globalização mais humana. O problema é que a razão técnica tem impedido o progresso para uma globalização mais humana. As bases técnicas e a razão instrumental são perversas, portanto. Se as bases técnicas forem usadas para a emancipação de povos, para a afirmação de culturas e preservação de etnias, uma saída será possível na visão do autor.

Milton Santos [60], vislumbra dois grandes eventos históricos os quais representam para a humanidade um avanço, a saber: o primeiro é que as várias técnicas existentes (razões técnicas ou instrumentais) passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação assegura o desenvolvimento das práticas comerciais em nível global, que antes não era possível. O segundo é que as técnicas apenas se realizam, tornando-se história, com a intermediação da política, isto é, da política de empresas e da política dos Estados, conjunta ou separadamente.

"O desenvolvimento da história vai de par com o desenvolvimento das técnicas. Kant dizia que a história é um progresso sem fim; acrescentamos que é também um progresso sem fim das técnicas. A cada evolução técnica, uma nova etapa histórica se torna possível. As técnicas se dão como famílias [...] Essas famílias de técnicas transportam uma história, cada sistema técnico representa uma época. Em nossa época, o que é representativo do sistema de técnicas atual é a chegada da técnica da informação, por meio da cibernética da informática e da eletrônica".[61]

Na verdade a técnica não pode ser vista como um dado absoluto, mas como técnica já relativizada, ou seja, tal como usada pelo homem.

Nesse sentido, existe em Milton Santos um pensamento que confirma a convergência de momentos.

"A unicidade do tempo não é apenas o resultado de que, no mais diversos lugares, a hora do relógio é a mesma. Não é somente isso. Se a hora é a mesma, convergem, também, os momentos vividos. Há uma confluência dos momentos como resposta àquilo que, do ponto de vista da física, chama-se de tempo real e, do ponto de visto histórico, será chamado de interdependência e solidariedade do acontecer". [62]

O capitalismo passou por períodos e nosso momento histórico de desenvolvimento das práticas capitalista está em crise.

"Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças. Daí o papel avassalador do sistema financeiro e a permissividade do comportamento dos atores hegemônicos, que agem sem contrapartida, levando ao aprofundamento da situação, isto é, da crise". [63]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia kantiana de que o direito que um povo tem de não ser impedido por outras forças de dar a si próprio uma constituição civil representou um avanço no campo jurídico. A mudança da "Era dos Deveres" para a "Era dos Direitos" também significou para a civilização ocidental um progresso. O avanço em matéria técnica, seja ela jurídica ou tecnológica também é um fato. O trabalho revelou a importância da racionalidade jurídica moderna enquanto justificadora da norma e do Estado Democrático de Direito. Entre os "positivistas éticos", apela-se para uma racionalidade ética. De modo que o direito moderno e o contemporâneo são racionais. Ao lado disso, a razão técnica (instrumental), as parafernálias do mundo contemporâneo e os impactos da globalização da economia na vida das pessoas têm sido assuntos de relevância ética, não só para sociólogos, mas para os juristas também. O que ainda precisamos superar é o problema da exclusão social promovida pelo lado perverso da globalização, um modelo insustentável na atualidade. O consumismo também tem sido um grande problema.

Com efeito, Habermas propõe uma "saída" racional às patologias sociais, qual seja a adoção de um modelo procedimental deliberativo-participativo talvez possível de ser concretizado numa esfera pública autônoma onde são formadas as opiniões e as vontades, de cidadãos articulados e que se comunicam visando ao consenso. Em Habermas, nesse viés, com forte apelo ético, é possível a absorção dos Direitos Humanos pelas culturas "não ocidentais" pelo caminho comunicacional e do direito discursivo. No entendimento do autor, é possível justificar racionalmente o discurso moral dos Direitos Humanos. Vislumbra a possibilidade de universalizá-los, pois se "somos seres de fala é porque buscamos o consenso". Além disso, aposta na concretização de uma pacificação cosmopolita, ideia sustentada por Kant em "A paz perpétua".

"A paz perpétua, que o abade St. Pierre já invocara, é para Kant um ideal que deve conferir atratividade e força elucidativa à idéia da condição cosmopolita. Com isso, Kant acrescenta uma terceira dimensão à teoria do direito: ao direito público e ao direito internacional vem somar-se o direito cosmopolita. Essa inovação traz muitos desdobramentos. A ordem republicana de um Estado constitucional baseado sobre direitos humanos não exige apenas uma imersão atenuada em relações internacionais. Mais que isso, a condição jurídica no interior de um mesmo Estado deve antever como término para si mesma uma condição jurídica global que una os povos e elimine as guerras: A idéia de uma constituição em consonância com o direito natural do ser humano, isto é, que os obedientes à lei, unidos, também devam ser ao mesmo tempo legisladores, subjaz a todas as formas de Estado;" [64]

Na falta de democracia, de direitos fundamentais, de autonomia pública e privada garantida constitucionalmente, inviável se torna o processo de busca ao consenso. Não haveria espaço, nem ambiente para uma pacificação cosmopolita. A garantia dos direitos fundamentais é essencial para amenizar as tensões entre diferentes culturas e a liberdade é um valor primordial para os que desejam a consagração de um direito cosmopolita.

Por outro lado, a construção de um espaço "livre de interferências" trata-se de uma utopia atacada por seus opositores. Como criar "as condições livres de interferência na comunicação" num cenário demasiadamente desigual, plural e contraditório? Nesse sentido, Habermas tenta ofertar outro caminho que convença a oposição: O consenso não incide sobre os "conteúdos" (como preferem alguns, "às questões substanciais"), mas sim sobre os "procedimentos". Por isso, aposta no regime democrático e no "sistema de direitos", arquitetado em Faktizität und Geltung, ao afirmar que a vantagem da democracia procedimental-deliberativa (também participativa) está na possibilidade de ser reiniciada a qualquer tempo.

"1. Direitos Fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação. Esses direitos exigem como correlatos necessários: 2. Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do status quo de um membro numa associação voluntária de parceiros do direito; 3. Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual. (...) 4. Direitos fundamentais à participação, em igualdade de chances, em processos de formação da opinião e da vontade, nos quais os cidadãos exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam direito legítimo. (...) 5. Direitos fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica e ecologicamente, na medida em que isso for necessário para um aproveitamento, em igualdade de chances, dos direitos elencados de (1) até (4)". [65]

Pagamos o preço da democracia procedimental-deliberativa, mas será que ela continua sendo o melhor modelo para uma real transformação das instituições políticas do Estado? Não seria uma proposta tão somente "reformista" em vez de verdadeiramente "transformadora"? Teríamos de destruir as "estruturas" internas do sistema capitalista para avançarmos política e eticamente, no sentido de uma autêntica emancipação social?

Por outro lado, os filósofos do direito de orientação marxista defendem a destruição das "estruturas" que alimentam o sistema capitalista, caso contrário o problema da exclusão social não será resolvido. Neste horizonte marxista, a ruptura deve ser radical. O juspositivismo ético habermasiano ao propor aquele modelo não rompe com as "estruturas", ao contrário, reforçam-nas. A teoria do consenso não se sustenta numa realidade demasiadamente competitiva, consumista e conflituosa. As possibilidades de entendimento, sobretudo em nossa realidade latino-americana, são mínimas. Os grupos que exercem "pressões" políticas não defendem interesses comuns, mas são direcionados às vantagens; logo, reivindica-se, pois, por algum benefício "classista". Também é inegável que a sociedade fundada em modelos liberais é caracterizada por uma tensão entre a subjetividade individual dos agentes na sociedade civil e a subjetividade monumental do Estado. Marshall, por exemplo, tentou buscar uma saída ao problema da exclusão social: devemos articular a cidadania com a classe social, e a partir dessa articulação, será possível amenizar a tensão entre a cidadania e o capitalismo. Mas não restam dúvidas de que o principal agente das transformações progressistas dentro do capitalismo foi a classe operária, ao reivindicar direitos sociais e tratamento isonômico.

Hoje, outros segmentos e novos atores exercem a cidadania participativa pelo canal dos movimentos sociais articulados, a exemplo dos jovens, dos movimentos ecológicos, feministas, pacifistas (direitos humanos), anti-racistas, consumidores, de auto-ajuda, movimento contra a impunidade e de inclusão social através da justa distribuição de terras ou da efetivação do direito constitucional à moradia. Logo, a cidadania pressupõe a liberdade para o exercício dos direitos fundamentais definidos pelo texto constitucional num regime democrático.

Ademais, onde há "tirania do capital" não existem cidadãos. A democracia representativa liberal (que é diferente da democracia participativa e da deliberativa) não consegue efetivar a garantia do exercício da cidadania e dos direitos fundamentais. O abuso do poder econômico e de um mundo apelativo em torno do fator consumismo tem produzido o enfraquecimento do exercício da cidadania, um direito fundamental, e, a educação, passa a ser fator secundário diante daquele fator.

"Desde Adam Smith e seus seguidores, que haviam lutado por obter uma economia livre de compromissos morais e religiosos, que se movesse por si mesma, os fundamentos éticos foram expulsos, sobretudo mais tarde, na sociedade de consumo. Nesta, é o ‘ter’ que permite o ‘ser’, isto é: pessoas ou grupos que têm tais e tais coisas ganham do meio uma determinada identidade. Assim, valores secundários (como ter este ou aquele automóvel) são tornados essenciais, enquanto valores vitalmente essenciais (como, por exemplo, a educação) passam a figurar como secundários. Junto com tudo isso, vai-se vendo acentuada despersonalização das relações humanas, no leito de um individualismo e de uma competitividade agressiva".[66]

Por outro lado, hoje existem garantias constitucionais que permitem a reivindicação de direitos, bem como o exercício do direito subjetivo público ao pleito judicial. E isto também representa um avanço. O Ministério Público, por outro lado, tem ocupado uma posição relevante na garantia de um regime democrático no Brasil, contribui para a solidificação das instituições democráticas. Dessa forma, é possível avançarmos jurídica e eticamente, desde que sejam combatidas as ações deletérias do sistema capitalista excludente, promotor de patologias sociais. A ampliação dos espaços democráticos na sociedade e a garantia do "direito à voz" (com base em Direitos fundamentais à participação – em igualdade de chances, em processos de formação da opinião e da vontade, nos quais os cidadãos exercitam sua autonomia política) aos movimentos sociais, que reivindicam com base em valores éticos, exigindo transparência dos órgãos públicos e a efetivação de políticas públicas, são saídas potencialmente estratégicas ao problema da exclusão social no Brasil.

De modo que, mesmo diante dos impactos de uma globalização perversa, ainda é possível resgatar valores éticos perdidos e apostarmos numa sociedade civil compromissada com a transformação de uma realidade caótica com base na cidadania. Portanto, o ceticismo e as visões reducionistas nos redirecionarão ao regresso humano e ético. O antídoto para isso é o otimismo: ser progressista é olhar para o futuro com consciência de que o "agora" pode ser transformado. Para tanto, é necessário resgatarmos os valores éticos e apostarmos numa sociedade mais solidária, educada para o exercício de uma cidadania que seja capaz de modelar o Estado.


BIBLIOGRAFIA

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[2] DE CICCO, C. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. 150 p.

[3] SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. 25-26 p.

[4] Ibid., 25 p.

[5] ARENDT, H. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 371 p.

[6] Ibid., 368-369 p.

[7] IANNI, O. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 155 p.

[8] IANNI, O. A era do globalismo. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 27 p.

[9] BUARQUE, C. et al. O desafio ético. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 99-100 p.

[10] O conceito de ética, para fins do presente artigo, diz respeito ao agir do homem na vida pública, "com zelo e cuidado", isto é, "colocando-se no lugar de outrem", com respeito e consciência das ações, perante uma dada comunidade de concidadãos que, a princípio, preocupam-se com a boa convivência. O ato de consciência capaz de distinguir o "público" e o "privado" também dependem de uma reflexão de cunho ético. Nessa mesma ordem de ideias, o uso da "razão pública" possui o mesmo significado. Contudo, esgarçada pelo uso cotidiano que a transformou em expediente retórico e vazio de significado real, a ética desempenha hoje, mais do que nunca, papel fundamental como fator de preservação da espécie humana.

[11] Essa questão foi levantada por F. K. Comparato.

[12] Hegel, quando jovem, assistiu a Revolução Francesa. Fora um gênio ao descobrir em seu tempo (logo após a pacífica e solipsista filosofia kantiana, incapaz de ver as contradições no mundo, já que o "bom senso" é a saída racional para os entraves, que se apresentam aos nossos sentidos como mera "aparência") que a contradição, a dúvida, a mutabilidade das coisas e a transformação faz girar a "engrenagem do mundo", melhor dizendo, tem o poder de mover a história em outro nível, diferente à "tese" e mesmo até como um "estágio" inovador em relação à "anti-tese".

[13] VILLEY, M. O Direito e os Direitos Humanos. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 102 p.

[14] ARISTÓTELES. A Política. Trad. Roberto L. Pereira. Martins Fontes: São Paulo, 2002. 232 p.

[15] Justiça universal, justiça corretiva, justiça distributiva e equidade (comparada à "Régua de Lésbos") mais flexível do que a rigidez da lei, são conceitos aristotélicos importantes para nortear o próprio "conceito de direito". Interessante, pois, a atuação da burguesia nos períodos de consolidação do Estado burguês: os pretensos "Direitos Humanos" tiveram de ser positivados. Antes, a ideia de direitos naturais (universais e imutáveis) era usada como forma de oposição de "direitos" às instituições tradicionais combativas ao ideal de liberdade aspirado pela burguesia revolucionária.

[16] BOFF, L. Saber cuidar: Ética do humano. 16ª Edição, Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1999. 18-20 p.

[17] FERRAZ JUNIOR, T. S. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª Edição, São Paulo: Atlas, 2003. 40-41 p.

[18] MORAIS, Regis. Sociologia Jurídica Contemporânea. Campinas: Edicamp, 2002. 232 p.

[19] HABERMAS, J. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 25 p.

[20] FELIPPE, M. S. Razão Jurídica e Dignidade Humana. São Paulo: Max Limonad, 1996. 28-29 p.

[21] O filósofo brasileiro de orientação marxista, Alysson Mascaro, tece críticas ao sistema capitalista. Também critica a filosofia do direito conservadora, presente na maioria dos juristas brasileiros. Além disso, aposta numa filosofia do direito progressista, de horizonte crítico. Cf. Filosofia do Direito, Atlas, 2010. 5-6 p.

[22] Ao receber o Prêmio Adorno, em 1980, assim se posicionou Jürgen Habermas.

[23] BOBBIO, N. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos". Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Editora Campus: Rio de Janeiro, 2008. 476 p.

[24] Ibid., 477 p.

[25] Ibid., 477 p.

[26] Ibid., 481 p.

[27] Lucrécio, Cícero, Vico e Hobbes.

[28] Incluímos outra preocupação: a de garantir ao príncipe um governo de "boas leis" e de "boas armas". Outra discussão importante no pensamento de Maquiavel: existe o governante que se mantém no poder em razão do "mérito" (da habilidade e do esforço). De maneira diferente, em situação precária, existe o governante que ocupa o "cargo" em razão da mera tradição, isto é, da herança (o "trono" que é transferido "de pai para o filho", por exemplo).

[29] A burguesia revolucionária usou a ideologia "direitos naturais" como forma de oposição de tais direitos (inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis) ao governo monárquico absolutista (que concentrava poderes na pessoa do monarca). Em situação pós-revolucionária, a mesma burguesia, ao tomar o comando político do Estado, resolveu positivar os "direitos naturais", estabelecendo formas jurídicas burguesas, a exemplo do Código Civil de Napoleão e do princípio jurídico da autonomia da vontade em matéria de contratos. Portanto, a "mudança de posição" ocorreu por mera conveniência. De modo que a "política" cria e altera as formas jurídicas dependendo do estado de conveniência, tendo razão Carl Schmitt, posto que a força do "político" é muito maior do que a força do "jurídico".

[30] Por outro lado, M. Villey, em "Os Direitos e Os Direitos Humanos", critica a construção moderna do conceito, alegando que a ideia de Direitos Humanos não foi desenvolvida por juristas e sim por filósofos-teólogos, de maneira que houve muita abstração, em detrimento da ideia aristotélica de justiça, bem mais realista e empírica.

[31] Convém citar aqui o caso da "família Damião", que pleiteou na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a reparação de um dano cometido contra um ente familiar. A reparação foi negada pelo Estado brasileiro, o caso, levado até à última instância, esgotando-se todas as possibilidades recursais no Brasil. O desfecho da discussão foi a condenação da República Federativa do Brasil pela Corte Internacional, compelindo-a a pagar uma indenização em prol da família da vítima.

[32] BOBBIO, N. Op. Cit., 481. p.

[33] COMPARATO, Fábio K. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Cia das letras. 695 p.

[34] BOBBIO, N. Op. cit., 2008, 667 p.

[35] FERRAZ JUNIOR, T. S. Estudos sobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. 2ª Edição, São Paulo: Atlas, 2004. 25 p.

[36] Ibid., 24-26 p.

[37] ALVES, A. C. O que é a filosofia do direito?. Barueri: Manole, 2005. 95 p.

[38] MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010. 357 p.

[39] FELIPPE, M. S. Op. cit., 1996. 71 p.

[40] Em Habermas, o sentido de desobediência civil é ético. As intuições democráticas e as leis do Estado de Direito, incluindo a própria Constituição, podem ser questionadas pelos cidadãos articulados. Se atuarem de acordo com fins e propósitos racionais, o direito à desobediência se faz legítimo. O apelo à violência deslegitima toda e qualquer ação de desobediência, pois a busca por soluções na pós-modernidade deve ser pacífica e democrática, sob pena de retrocesso histórico. Portanto, o sentido de "superação" em Habermas se dá por três caminhos: a) pelo direito; b) pela razão comunicativa; c) pela democracia procedimental-deliberativa com a finalidade de se atingir o máximo possível de consenso.

[41] FELIPPE, M. S. Op. cit., 1996, 72 p.

[42] ARAGÃO, Lúcia Maria de Carvalho. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2002. 112 p.

[43] Ibid., 115 p.

[44] Ibid., 115 p.

[45] MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Tradução de Maurício de Andrade. Barueri, SP: Manole, 2005. 430 p.

[46] FERRAZ JUNIOR, T. S. Op. cit., 2004. 264-265 p.

[47] HABERMAS, J. Direito e Democracia. Trad. entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. (Vol. I). 133 p.

[48] Ibid., 169. p.

[49] Ibid., 172. p.

[50] DOMINGUES, José Maurício. Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 93 p.

[51] NEVES, Marcelo; SOUZA, J. Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Editora UNB, 2001. 113 p.

[52] HABERMAS, J. Op. cit., 1997, 133 p.

[53] Ibid., 133 p.

[54] Ibid., 134 p.

[55] Ibid., p. 134. p.

[56] SANTOS, M. Op. cit., 2000, 37-39 p.

[57] Ibid., 17 p.

[58] SOUZA, J. Patologias da Modernidade. São Paulo: Editora Annablume, 1997. 106 p.

[59] SANTOS, M. Op. cit., 2000, 25-26 p.

[60] Ibid., 25 p.

[61] Ibid., 25 p.

[62] Ibid., 27 p.

[63] Ibid., 35 p.

[64] HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. Paulo A Soethe. São Paulo: Edições Loyola. 193 p.

[65] HABERMAS, J. Op. cit., 1997, 159 p.

[66] DE MORAIS, Regis. Op. cit., 2002, 240-241 p.


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BRAY, Renato Toller. Revalorizando a "ética". Estudo jusfilosófico sobre a questão da racionalidade da Idade Moderna, da racionalidade político-jurídica contemporânea, dos direitos humanos e da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2915, 25 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19407. Acesso em: 26 abr. 2024.