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O interrogatório por videoconferência.

Aspectos processuais constitucionais e penais

O interrogatório por videoconferência. Aspectos processuais constitucionais e penais

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O uso do mecanismo, desde que excepcional e devidamente justificado pela autoridade, deve ser admitido, pois não viola as garantias processuais constitucionais.

RESUMO

O artigo aborda as mudanças introduzidas pela Lei 11900/09 no processo penal brasileiro, no que diz respeito à possibilidade de realização de interrogatório de réus presos pelo sistema da videoconferência, analisando os argumentos favoráveis e desfavoráveis da utilização do mecanismo, bem como sua relação com as garantias processuais constitucionais. O tema é de suma relevância, pois permite reflexões acerca das consequências desta ferramenta tecnológica frente aos direitos e garantias do réu e a relação deste instrumento com o controle e redução de custos por parte do Estado.

Palavras-Chave: Interrogatório. Videoconferência. Possibilidade. Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais.


1 INTRODUÇÃO

A promulgação da Lei 11900/09 renovou os debates nos Tribunais e no meio jurídico sobre a constitucionalidade do interrogatório por videoconferência. Apenas renovou, pois, quando os estados de São Paulo e Rio de Janeiro começaram a utilizar tais instrumentos, editando as Leis nº 11.819 de 05 de janeiro de 2005 e nº 4.554 de 02 de junho de 2005, respectivamente, muito se debateu sobre a questão. O principal argumento contrário ao interrogatório por videoconferência, antes da Lei 11900/09, era justamente o fato da ausência de uma legislação federal que regulasse a matéria, argumentando-se pela inconstitucionalidade dos referidos diplomas legais acima mencionados em razão dos Estados estarem legislando sobre matéria processual, que é de competência exclusiva da União, conforme artigo 22, inciso I, da Constituição da República.

Os Estados usavam em sua defesa o argumento de que tais leis regulavam procedimentos, portanto não estariam contrariando a Constituição. Tal argumento revela-se frágil, pois é notório que o assunto envolve o direito de defesa dos acusados, garantia constitucional, não podendo ser considerado mero procedimento, pois altera ato processual, qual seja, o interrogatório. Tal entendimento foi demonstrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o Habeas Corpus 90.900-1/ São Paulo, em sessão plenária, oportunidade em que só a relatora, Ministra Ellen Gracie, defendeu a constitucionalidade formal da lei paulista. Neste mesmo julgado alguns ministros (Marco Aurélio, Cesar Peluso e Carlos Ayres Britto) anteciparam o debate sobre a constitucionalidade material de uma lei federal sobre o mesmo tema, tendo estes ministros de antemão se posicionado pela inconstitucionalidade.

A permissão do interrogatório por videoconferência ainda era debatido em face dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário: Convenção de Palermo, Pacto de São José da Costa Rica, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Convenção Interamericana de Direitos Humanos, sendo tais normas usadas concomitantemente como argumento favorável e desfavorável ao uso da videoconferência nos interrogatórios. Assim, ainda persistia a controvérsia.

A edição da lei 11900/09 parece ter sanado a polêmica, ao menos sobre a constitucionalidade formal, ao regular a matéria em todo o país. Prevalecem, entretanto, as discussões sobre a constitucionalidade material e divergentes são os entendimentos acerca do tema.

Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 975) elenca alguns pressupostos a serem observados para o efetivo uso da nova tecnologia:

[…]

1.A transmissão audiovisual bidirecional (two-wau), de molde a permitir a efetiva interação entre o acusado (ou a testemunha remota) e os demais participantes do ato processual, além da continuidade da transmissão durante todo o ato processual;

2.Um padrão de qualidade e clareza na transmissão do sinal que permita a perfeita audição e visualização recíproca entre todos os participantes do ato processual, além da continuidade da transmissão durante todo o ato processual;

3. A plena visualização por parte das pessoas situadas na sala de audiências de todos os recantos do recinto onde o acusado ou a testemunha remota se encontram, a fim de evitar a presença de pessoas estranhas, que estejam orientando ou coagindo tal testemunha.

Questão importante a ser observada é se após as intensas discussões, o Poder Judiciário irá efetivamente utilizar-se da medida ou, caso contrário, continuar resistindo às inovações tecnológicas frente a um discurso meramente conservador.

Assim, os pontos acima levantados serão discutidos no presente estudo, que terá a seguinte estrutura: Introdução; Conceito e Natureza Jurídica do Interrogatório; Os princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao interrogatório por videoconferência; A segurança pública e a ordem pública como fundamentos do interrogatório on line; Legislação Internacional relacionada ao interrogatório virtual; Argumentos favoráveis e desfavoráveis acerca da utilização do mecanismo tecnológico; Posicionamento do STF acerca do tema; Conclusão e Referências Bibliográficas.

O presente trabalho não pretende esgotar todas as questões acerca do assunto, mas lançar algumas luzes que irão possibilitar reflexões futuras ainda mais profundas.

1.1.Conceito e Natureza Jurídica do Interrogatório

Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Alencar (2011, p. 396), "o interrogatório é a fase da persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa."

Questão extremamente dual e conflitante diz respeito à natureza jurídica do interrogatório. Duas principais correntes surgiram com o intuito de solucionar a discussão.

A primeira vertente defende que a medida é um meio de prova pela qual o denunciado é considerado como instrumento para se obter elementos probantes no bojo do processo. Tal fato encontra fundamentação legal no Capítulo III do Título VII, do CPP.

A segunda posição é aquela que considera o momento processual como meio de defesa, consoante com os princípios constitucionais das garantias individuais, na qual o réu é um sujeito de direitos e deve ver preservado o seu direito à ampla defesa. Tal pressuposto inclui o dever do Estado em oferecer um defensor (constituído ou nomeado) para o acusado durante o interrogatório, permitindo que o mesmo possa conversar reservadamente com seu defensor antes do início da audiência. No ato, caberá ao acusado a discricionariedade de apresentar ou não (conveniência) em juízo sua versão dos fatos. Merece registro o fato de que, mesmo que permaneça calado, tal atitude não implica em presunção de culpabilidade em desfavor do acusado, que pode até mesmo reservar-se ao direito de não dizer a verdade. Caso tal direito ao interrogatório perante autoridade judicial seja violado ou restringido, impõe-se que seja decretada a nulidade absoluta do processo.

Posicionamo-nos no sentido de reconhecer uma natureza intermediária ao procedimento. Assim, o interrogatório seria dotado de um caráter misto, uma vez que seria meio de prova e de defesa ao mesmo tempo, pois o réu tem a oportunidade de expor sua versão acerca do fato ou de calar-se, além do juiz poder extrair do ato elementos imprescindíveis para proferir e fundamentar sua sentença, no caso, por exemplo, do réu confessar a prática do ato delituoso. Tal entendimento é que o tem prevalecido no STJ.

1.2.Os Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais aplicáveis ao interrogatório por videoconferência

O interrogatório por videoconferência é regido por princípios constitucionais e infraconstitucionais imprescindíveis para um processo justo e equitativo. A seguir, faremos uma breve análise dos principais princípios atinentes a tal ato processual.

1.2.1 Princípio da ampla defesa e contraditório

O princípio da ampla defesa no processo penal é um desdobramento do princípio do contraditório. Se é por meio deste que se atribui a igualdade entre as partes, será por meio da ampla defesa que essa igualdade ganhará corpo, tornando-se efetiva e palpável.

Nas palavras de Pacceli (2010, p. 31):

O contraditório garante não só o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes e o direito à reação (contrariedade a ambos) – vistos, assim, como garantia de participação-, mas também garantia que a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão.

A ampla defesa e o contraditório representam a possibilidade do réu em contraditar todos os fatos arguidos pela acusação, utilizando-se de todos os meios de prova em direito admitidas.

Partindo-se de uma perspectiva mais abrangente, deve-se considerar incluído no princípio da ampla defesa, o direito à participação de uma defesa técnica (advogados) dos corréus durante o interrogatório de todos os acusados. Tal premissa faz-se necessária em virtude da colisão de interesses entre os réus, o que já seria motivo suficiente para propugnarmos pela presença do defensor daquele corréu sobre o qual incidem acusações por parte do outro. Assim, enquanto o contraditório exige a possibilidade de participação no ato processual, a ampla defesa tem sua incidência ampliada, impondo a efetiva realização dessa participação, sob pena de nulidade caso venha a prejudicar o acusado.

1.2.2 Princípio da igualdade processual

O princípio da igualdade processual, também conhecido como princípio da paridade de armas, garante o tratamento igualitário entre as partes durante todo o processo, conforme preceitua o art. 5º, caput, da Constituição Federal. Tal dispositivo da Carta Magna refere-se à chamada igualdade material, na qual os desiguais devem ser tratados desigualmente no tocante à sua desigualdade. Merece registro que, nossa CF, em seu art. 134, ressalta a garantia de tal princípio ao instituir a autonomia das Defensorias públicas.

Távora e Alencar (2010, p. 47) fazem uma crítica acerca da efetividade de tal princípio:

Seria fictícia a paridade, se o órgão ministerial, acusador oficial, desfrutasse da estrutura e condição digna e necessária de trabalho,ao passo que os defensores, assoberbados pelas demandas que acumulam, ficassem na condição de pedintes, subjugados a boa vontade do Executivo para que pudessem galgar um mínimo de estrutura para desempenhar as suas funções. Foi um pequeno passo, porém ainda há muito a se fazer.

1.2.3 Princípio da publicidade dos atos processuais

O princípio da publicidade dos atos processuais é a regra. Porém, admite-se o sigilo quando a defesa da intimidade ou o interesse social o justificarem (art. 5º, LX, CF). O CPP, em seu art. 792, § 1º, também contém previsão de sigilo da publicidade do ato que puder causar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem.

A EC nº 45 de 2004, alterou o art. 93, inciso IV, assegurando que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

1.2.4 Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da CF, que diz que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Ele está previsto em lei, a qual consagra a garantia de um processo tipificado, vedada a supressão ou mitigação de atos essenciais.

Nas palavras de José Herval Sampaio Júnior (2008, p. 137):

Vê-se que esse princípio assume dentro do processo uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador, porquanto, deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão, não havendo lugar para a interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que sejam observados os condicionamentos e limites que decorrem da cláusula due process of law.

1.2.5 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade tem sede constitucional, tendo seu âmbito de importância ressaltado pelo direito processual penal. Existe grande divergência doutrinária se tal princípio é sinônimo do princípio da razoabilidade ou se, caso contrário, não se confunde com este.

A 1ª corrente entende que proporcionalidade não se identifica com razoabilidade, uma vez que este representa uma norma jurídica com função interpretativa que conduz o julgador a decisões justas, ao passo que aquele representa um procedimento de interpretação/aplicabilidade de dada norma jurídica com o objetivo de concretizar um direito fundamental diante de um caso concreto.

A 2ª vertente entende que razoabilidade e proporcionalidade são expressões sinônimas, em que esta representa uma forma de aplicação do Direito compreendida em três etapas (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), enquanto a primeira não exige tal procedimento, pois serve tão somente para orientar o intérprete a não aceitar decisões judiciais que conduzam a abusos e arbitrariedades.

Por fim, vale ressaltar que tal princípio não pode ser aplicado em detrimento a direitos individuais do acusado, principalmente no Brasil, marcado pelo histórico de violação a direitos humanos. Tal regra não é absoluta e pode ser relativizada, conforme entendeu o STF no julgamento do HC 80949/RJ, que admitiu a hipótese restrita de sua abrangência "em caso extremo de necessidade inadiável e incontornável, situação que deve ser considerada tendo em conta o caso concreto".

1.3 A Segurança Pública e a Ordem Pública como fundamento do interrogatório on line

O art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal, com as inovações introduzidas pela Lei 11900/09, elenca as situações em que é permitido o interrogatório por videoconferência, in verbis:

Art. 185 [...]

§ 2º  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

O mesmo artigo, ao permitir a realização do interrogatório sem a presença de réu e juiz no mesmo local, deixa claro a excepcionalidade da medida, exigindo a fundamentação da decisão que o determinar.

É justamente as situações de segurança pública e ordem pública que possuem maior conotação subjetiva, razão pela qual causam maiores debates e polêmicas.

A justificativa da segurança pública é fundamentada em razão da existência do perigo de fuga ou do preso pertencer à facção criminosa, pois como é sabido e amplamente divulgado pela mídia presos que pertencem a facções criminosas como Comando Vermelho no Rio de Janeiro e Primeiro Comando da Capital em São Paulo desafiam as forças policiais em confrontos rotineiros. Os que argumentam a favor do uso da videoconferência alegam que há altos riscos e custos na escoltas destes presos, não podendo os cidadãos e agentes públicos serem submetidos a tais riscos. Defendem ainda que tais criminosos não podem ter o mesmo tratamento que criminosos comuns pois aqueles afrontam o próprio Estado Democrático de Direito. Os que advogam contrariamente alegam que tal medida é um retrocesso das garantias individuais conquistadas, correndo-se o risco de voltarmos a processo inquisitorial, meramente formal. Aduzem que garantias individuais dos cidadãos, ainda que considerados perigosos, não podem ser banalizadas.

As alegações contrárias à permissão da utilização da medida no tocante ao pressuposto da "questão de ordem pública" é criticada pela indefinição e vagueza do termo, o que traria insegurança para a defesa. Entretanto é pacífico o entendimento que ordem pública está ligado ao convívio harmônico e pacífico dos indivíduos de uma sociedade em busca dos interesses coletivos.

Para Celso Furtado (1997, p. 132): "Ordem Pública é a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam".

Neste raciocínio, difícil será, em situações de normalidade, justificar o interrogatório por videoconferência usando o argumento de manutenção da ordem pública.

É necessário, entretanto, que se entenda que não se pode ignorar direitos fundamentais dos cidadãos presos. Contudo, tais direitos não são absolutos podendo e, sobretudo, devendo o Estado adotar medidas legais eficientes para garantir a aplicação da lei penal.

Vale ressaltar a posição de Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 980) acerca do uso da videoconferência:

Impõe-se, portanto, uma interpretação progressiva, no sentido de que, doravante, o direito de presença física do acusado perante o juiz possa ser exercido direta ou remotamente. De fato, se considerarmos que há anos doutrina e jurisprudência já admitem a realização do interrogatório por carta rogatória ou de ordem, o que já reflete a ideia de ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado para a realização do interrogatório, não se pode negar que a utilização da videoconferência incrementa sensivelmente a possibilidade de o juiz da causa verificar, por si só, as características relativas à personalidade, condição socioeconômica, estado psíquico do acusado etc.

1.4 Legislação Internacional relacionada ao interrogatório virtual

Diversos países como França, Portugal, Espanha, Itália, Estados Unidos, Canadá, entre outros, promoveram modificações em suas legislações para permitir o uso da videoconferência nos processos, conforme análise do Procurador Vladimir Aras ao abordar o tema com o direito comparado. É imperativo entender que a realidade social em todo o mundo alterou-se. Invocar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) e Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos elaborados na década de 60, para fundamentar a negativa do interrogatório por videoconferência não nos parece coerente e razoável. Os tratados de épocas mais recentes como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional são taxativos em permitir o uso de recursos tecnológicos no combate a criminalidade, em especial o uso da videoconferência. Mais uma vez é preciso reforçar a ideia que a tecnologia atual permite conciliar a defesa ampla e irrestrita dos acusados com a eficiência processual, rechaçando-se os argumentos impeditivos para a efetiva utilização da videoconferência.

Nesse sentido é a lição de Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 980):

Quanto ao argumento de que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não se referem à videoconferência, há de se ter em mente que ambos foram elaborados em uma época (década de 60) em que sequer se cogitava da utilização da tecnologia para a prática de atos processuais.


2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS ACERCA DA UTILIZAÇÃO DO MECANISMO TECNOLÓGICO

Existem duas correntes teóricas que ajudam a explicar os argumentos positivos e negativos da utilização desse novo mecanismo tecnológico.

A primeira delas, apoiada no garantismo penal, argumenta acerca dos aspectos desfavoráveis da medida, apontando que a videoconferência violaria o princípio fundamental da ampla defesa (tanto técnica quanto autodefesa), pelo fato de impedir a presença física do interrogado na audiência.

Gervan de Carvalho Almeida (2008, p.124), esclarece a política criminal defendida por tal corrente:

O Garantismo, por sua vez, situa-se como uma política de direito penal mínimo, eis que seu fundamento primordial é que o Direito Penal não é o grande "remédio para todos os males da sociedade", devendo, por conseguinte, ser reservado para aqueles casos mais graves.

Tal modelo penal não deseja a punição de todas as condutas criminosas, mas sim a dos delitos em que reste comprovada a culpabilidade do agente. Defende, assim, algumas medidas a serem adotadas pelo Poder Público, como a descriminalização de condutas insignificantes ou não mais reprováveis socialmente, a descarcerização e a despenalização, viabilizando a aplicação de penas alternativas.

Com base no exposto acima, faz-se mister salientar a importância da preservação do princípio da ampla defesa durante a fase de depoimentos, a fim de se garantir um efetivo contraditório, evitando-se o risco de se condenar inocentes e absolver culpados. Tal princípio em momento algum sofre qualquer risco de mitigação, pois a própria lei é expressa em garantir o direito de conversa reservada do réu com o seu defensor antes da audiência, bem como a presença de um defensor no fórum e outro no presídio.

Pacceli (2010, p. 35-36), na mesma esteira, complementa a importância do modelo garantista no atual Estado Democrático de Direito:

[...] a solução de um caso penal somente poderá obter legitimidade quando fundada em procedimento judicial no qual se permitam o mais amplo conhecimento dos fatos e a mais ampla possibilidade de argumentação jurídica. Procedimento, então, realizado em contraditório, para que possam os interessados (autor e réu) participar intensamente de todas as questões debatidas, e, mais que isso, em que a atividade defensiva seja a mais ampla possível.

Dentre os argumentos contrários à adoção do mecanismo, pode-se citar:

a) Violação ao princípio da publicidade dos atos processuais, pois como o ato será realizado numa sala do presídio a fim de garantir a segurança e manutenção da ordem pública, seria um contra-senso franquear amplo acesso da população interessada em assistir ao interrogatório, pois tal fato iria colidir com a finalidade preconizada pela inovação.

Neste sentido, Tourinho Filho (2009, p. 536) faz duras críticas ao modelo processual no tocante à violação do princípio da publicidade:

Difícil será fazer respeitar o princípio da publicidade, dogma constitucional. Decerto as autoridades responsáveis pelo presídio não irão abrir as portas do estabelecimento para que as pessoas que quiserem assistir ao interrogatório possam fazê-lo. Não irão nem poderão, por medida de segurança. Se por um lado há a vantagem de se evitar eventual fuga, por outro vamos voltar ao tempo da Inquisição, com os interrogatórios entre quatro paredes.

Entretanto, ao contrário do que acima foi afirmado, a adoção da medida acabaria por reafirmar o princípio da publicidade, uma vez que várias pessoas poderiam, por exemplo, acompanhar a audiência virtualmente pela Internet, inclusive os parentes e familiares que não quisessem comparecer à sessão poderiam valer-se da Internet para acompanhar a retransmissão simultânea dos atos praticados na sessão.

b) Impedimento do contato físico entre juiz e acusado, o que acarretaria em prejuízos para a instrução do feito, haja vista que o magistrado não teria possibilidade de conhecer e perceber a personalidade e o caráter do indiciado. Os adeptos dessa tese advogam que é extremamente necessário que o magistrado possa perceber as reações físico-emocionais do acusado para que consiga delinear o perfil do denunciado e formar sua convicção.

Neste sentido é o posicionamento de Tourinho Filho (2009, p. 538):

É pelo interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena. Ademais, malgrado meio de defesa, durante o interrogatório colhe o Juiz elementos para o seu convencimento. É natural, pois, a necessidade desse contato entre julgador e imputado, quando aquele ouvirá, de viva voz, a resposta do réu à acusação que se lhe faz.

No mesmo sentido, posiciona-se Dotti (apud NUCCI, 2009, p. 428) ao afirmar que:

A tecnologia não poderá substituir o cérebro pelo computador e muito menos o pensamento pela digitação. É necessário usar a reflexão como contraponto da massificação. É preciso ler nos lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinqüente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio de Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão.

Com a devida vênia do posicionamento dos renomados autores, não será o juiz o responsável por fazer este "laudo psicológico" acerca do acusado, mas sim os psiquiatras forenses. Ademais, não poderá o juiz fundamentar sua decisão com base em critérios subjetivos que pôde perceber quando do contato com o réu. Por mais que o magistrado fique convencido da falsidade das declarações ou inverdades proferidas, jamais poderá tomar estes elementos como referência para fundamentar sua decisão.

Ademais, a modalidade on-line não mitiga o princípio da necessidade de presença física do juiz, uma vez que a transmissão das imagens é em tempo real e interativa, na qual as indagações são feitas diretamente ao réu, sem intermediários. Ao magistrado, defensor do acusado e Promotor de Justiça são assegurados pleno contato com o réu durante a audiência. Existem dois monitores na sala, um focado no réu e captando todas as reações corporais por ele expressadas e outro que reproduz num ângulo de 360º a imagem panorâmica de todo o recinto da audiência.

O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e o Pacto de Nova Iorque (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) dos quais o Brasil é signatário, prevêem o direito do réu de prestar seu depoimento desde que na presença do juiz. A partir destes diplomas legais, inúmeras vozes ecoaram para defender a inconstitucionalidade da Lei 11900/09.

Porém, fazendo-se uma interpretação sistemática do dispositivo, apreende-se que não há exigência de que tal apresentação seja física, pessoal, nada impedindo que possa ocorrer virtualmente, desde que asseguradas todas as prerrogativas legais.

No mesmo sentido, a CR/88 não exige o comparecimento físico do acusado perante o juiz, conforme se extrai do seu art. 5º, LXII, in verbis: "a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre preso serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada".

Corroborando nosso entendimento, preleciona o desembargador Ferraz de Arruda (HC nº 52136/07-RJ):

O argumento de que o contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aniquilar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica. Em vinte anos de carreira, não li e nem decidi um processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos, do Código de Processo Penal.

c) Enormes gastos para a compra de equipamentos, montagem e manutenção dos mesmos nos fóruns e presídios, o que acabaria por inviabilizar o objetivo primordial da lei que é dar tramitação rápida a processos de réus de alta periculosidade.

d) Dificuldade da espontaneidade do ato, uma vez que por realizar-se dentro do estabelecimento prisional, o réu geralmente ficaria constrangido e com medo de delatar outros infratores que com ele praticaram o ato criminoso, ficando receoso com as atitudes dos outros presos caso descubram que ele o entregou. O medo se estende a de pagar com sua própria vida a confissão.

Em contraposição aos argumentos da 1ª corrente, surgiu uma segunda, denominada Eficientismo, defendendo a utilização da videoconferência, apoiando-se em premissas ligadas à economia processual e celeridade dos julgamentos. Um dos críticos das ideias por ela defendidas é o notável jurista Luigi Ferrajoli.

Ferrajoli (1985, p. 23) esclarece os ideias do Eficientismo:

O Eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado "políticas criminais autoritárias", anti-garantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita e seus corolários. Essa política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende obter reside em que nenhum culpado fique impune.

Tal modelo busca a redução da criminalidade pela atuação estatal, a qual tem sido ineficiente, provocando assim a criação de novas figuras típicas pelo Legislativo, a supressão de garantias individuais e a utilização de tortura para obtenção de confissões e delações. Tais medidas acabam gerando um aumento no número de crimes, ocasionando, novamente, a atuação das autoridades policiais, agora de maneira mais repressiva e interventiva, configurando dessa forma um círculo vicioso interminável.

As principais teses argumentativas favoráveis à adoção da medida são as seguintes:

a) Preservação da integridade física do juiz, dos serventuários da Justiça e dos membros do MP, evitando-se que se desloquem até o presídio para colheita do depoimento do réu, principalmente em virtude de alta periculosidade do mesmo, muitas vezes integrante de facções criminosas. Assim, o interrogatório por videoconferência evitaria um contato físico próximo que pudesse colocar em risco a integridade física de qualquer dos presentes na sessão. Vale ressaltar que se o Estado tem sido ineficiente no cumprimento de sua obrigação de garantir segurança básica ao cidadão comum, o que dizer da integridade de membros do poder público quando em contato com outros presos de facções criminosas ou quadrilhas de extermínio?

b) Possibilidade de maior liberdade e autonomia para que as testemunhas possam prestar seus depoimentos, uma vez que a presença do acusado juntamente com seus familiares poderia intimidá-las ou amedrontá-las em virtudes de possíveis ameaças, retaliações ou coações que pudessem vir a sofrer antes ou após a audiência.

As recentes reformas do Judiciário, principalmente após a vigência da EC 45/04, pautam-se pela busca da efetivação e celeridade processuais no julgamento dos feitos, uma vez que a espera do cumprimento de cartas em outra jurisdição e tomada de depoimento de testemunhas em comarcas contíguas acaba por retardar a entrega da prestação jurisdicional. Com a utilização do interrogatório virtual, seria possível um encerramento e entrega da resposta jurisdicional num lapso temporal menor.

Ronaldo Pinto disserta sobre o tema em artigo denominado "Interrogatório on line ou virtual: Constitucionalidade do ato e vantagens em sua aplicação", argumentando que:

[...] A inovação privilegia, principalmente, a celeridade do processo. Celeridade, que é preciso se ressaltar, não é benéfica apenas à sociedade, que tem uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido, mas, principalmente, ao réu que, preso, vê sua situação mais rapidamente definida. As constantes delongas que assolam o regular andamento do processo, causadas, como já apontamos, por problemas no deslocamento dos réus presos (isso sem falar nas mega-operações organizadas para o transporte de acusados perigosos, onde até helicópteros são utilizados e enorme contingente de pessoal mobilizado), são evitadas com o interrogatório a distância.

c) Economia burocrática e financeira, evitando-se gastos vultosos por parte do Estado no transporte, escolta e alimentação dos réus. [01]

d) Prevenção de fugas dos presos durante o trajeto até o Fórum onde irão prestar seus depoimentos, chegando a colocar em risco até mesmo a integridade dos policiais que estiverem na escolta, pois grupos armados ligados aos acusados poderão organizar forte esquema de ataque às viaturas onde se encontram tais bandidos. Com isso, pode-se refletir que a utilização da medida em muito contribuiria para um maior policiamento ostensivo nas ruas, garantindo segurança à população, vez que ocorreria significativa redução do efetivo policial utilizado na escolta, segurança e deslocamento de réus para prestarem seus depoimentos.

Em recente artigo publicado na Revista Jus Navigandi, intitulado "Lei que permite interrogatório por videoconferência economizará R$ 6 milhões", o pesquisador do IPC-LFG, Danilo Fernandes Christófaro, apresenta estudo estatístico realizado na cidade de São Paulo na qual conclui que a adoção da videoconferência acarretará em economia de 6 milhões de reais para as finanças do referido Estado, além de se disponibilizar cerca de 900 policiais para o policiamento ostensivo nas ruas. Tal pesquisa revelou que as locomoções de presos em 2008 para apresentação em juízo custaram aos cofres públicos R$ 6.637.868 e contaram com o emprego de 63.980 viaturas. Se somados os gastos dos três últimos anos, os valores ultrapassam a casa dos R$ 17 milhões, entre alimentação, estadia, salário de policiais, combustível e manutenção de veículos. Segundo dados coletados pela Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo no ano de 2008 (antes da vigência da Lei 11900/09), mais de 120 mil policiais foram usados na escolta de 186.437 presos e adolescentes para interrogatórios em juízo. Na época do levantamento desses dados, o Estado contava com aproximadamente 155 mil presos, que, na maioria das vezes, se deslocavam mais de uma vez por ano para apresentação em juízo.

Portanto, a efetiva utilização do mecanismo em muito contribuiria para que se reduzam os gastos do Estado e se alcance a tão desejada celeridade processual.

Vale registrar que a primeira iniciativa de implantação do sistema no Brasil deveu-se ao ato do então jurista à época, Luis Flávio Gomes.

Segundo relato do próprio jurista:

Em 1996, quando eu ainda era juiz de direito em São Paulo, realizei os primeiros interrogatórios on-line no nosso país (provavelmente os pioneiros também da América Latina). Naquela época dávamos a denominação modem-by-modem, porque não tínhamos recursos tecnológicos suficientes para se fazer a videoconferência (que hoje permite a interação de áudio e vídeo: um interlocutor veja e escuta o outro, pode dialogar com o outro). O tema gerou muita polêmica, que até hoje perdura.

Como se depreende da narração do renomado tratadista, houve grande evolução tecnológica capaz de permitir um aprimoramento de todo o sistema. Agora, incumbe ao Poder Público implantar e gerir todo o sistema, o que requer investimentos na manutenção de todo o aparato.


3 POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DO TEMA

Antes da edição da Lei 11900/09, inúmeras foram as discussões jurisprudenciais acerca da constitucionalidade de leis estaduais permitindo a regulamentação do interrogatório virtual.

Quando da edição de legislações estaduais sobre o tema, inúmeras foram as ações movidas perante o STF para se declarar a inconstitucionalidade das mesmas, sob o fundamento de usurpação de competência e inconstitucionalidade. O entendimento que se consolidou à época foi pelo acolhimento da inconstitucionalidade, em especial a inconstitucionalidade formal, contudo sem deixar de debater a inconstitucionalidade material de tais normas.

No julgamento de Habeas Corpus (HC 88914) em 14 de Agosto de 2007 (antes da edição da Lei 11900/09), o ministro Cezar Peluzo, relator do writ, afirmou que "a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal" e torna a atividade judiciária "mecânica e insensível". Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa.

O presidente da Turma, ministro Celso de Mello, disse que a decisão "representa um marco importante na reafirmação de direitos básicos que assistem a qualquer acusado em juízo penal". Para ele, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário.

Diante da relevância do tema percebe-se que a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do tema é intensa e está longe de encontrar um ponto que seja pacífico e incontroverso. Contudo ate o momento o STF ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre a lei, mas dá sinais de considerá-la constitucional, na medida em que será usado de forma excepcional e devidamente fundamentado quando adotado. Tal expectativa se justifica pelo equilíbrio encontrado pela lei 11900/2009 que conciliou a eficácia processual penal ao modelo garantista de processo sustentado por Ferrajoli, fundamentado nas premissas da jurisdicionalidade, inderrogabilidade do juízo, separação das atividades de julgar e acusar, e presunção de inocência e contraditório.

Sustentando a constitucionalidade do interrogatório por videoconferência, assevera Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 979-980) que:

A nosso juízo, a realização do interrogatório por videoconferência não atende somente aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça. Atende também à segurança da sociedade, do magistrado, do membro do Ministério Público, dos defensores, dos presos, das testemunhas e das vítimas, razão pela qual não pode ser tachada de inconstitucional.

Se é verdade que direitos e garantias individuais do cidadão funcionam como limites intransponíveis aos poderes persecutórios do Estado, não menos correto é que tais direitos e garantias não são absolutos, podendo sofrer limitações, desde que tais restrições estejam fundamentadas em lei e se mostrem compatíveis com o princípio da proporcionalidade.


4 CONCLUSÃO

A permissão da realização do interrogatório por videoconferência no processo penal brasileiro foi responsável por uma mudança de paradigma no que diz respeito ao modelo até então utilizado. Grande parte dos membros do Poder Judiciário e advogados criminalistas insurgiram-se questionando a constitucionalidade da Lei 11900/09 frente aos direitos e garantias do réu, que em tese, seriam mitigados caso o sistema fosse utilizado. A mesma polêmica e discussão que tem gerado a inovação puderam ser vividas pela comunidade jurídica nos anos de 1920, quando foram incorporados ao Poder Judiciário as máquinas de digitar e o método da estenotipia. Nota-se, assim, uma forte resistência da Justiça em aderir e utilizar novas ferramentas tecnológicas, justificando tal posição com base num discurso meramente conservador.

A Justiça brasileira deve acompanhar a modernização que grande parte das nações desenvolvidas já utilizam e que tem surtido excelentes resultados na entrega célere e eficiente da prestação jurisdicional. Dessa forma, nossa Justiça não deve ficar inerte em relação à evolução tecnológica, assumindo uma posição de alienação, sendo vista como uma excluída digital.

Portanto, o formalismo que sempre permeou o ato processual é necessário e deve continuar existindo, desde que harmonizado com as inovações tecnológicas existentes na atualidade e preservando-se os direitos e garantias fundamentais do réu (principalmente ampla defesa, contraditório e devido processo legal). O uso do mecanismo, desde que excepcional e devidamente justificado pela autoridade, deve ser admitido, pois não viola as garantias processuais constitucionais e permite que se alcance os ideais de justiça, celeridade, razoabilidade, eficiência e proporcionalidade que norteiam o processo penal.


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Nota

01  O Brasil presenciou há alguns anos atrás o enorme esquema tático, aéreo e de segurança organizado para o transporte do mega traficante brasileiro “Fernandinho Beira-Mar” quando se deslocava do presídio de Catanduvas-PR  até Vitória-ES, onde iria prestar seus depoimentos.Outro exemplo que ainda merece registro, ocorrido no mês de abril deste ano, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi a utilização pela primeira vez do recurso de videoconferência para colher depoimentos fora do país. Trata-se do  caso dos pilotos do jato Legacy, que se chocou contra um Boing da Gol que fazia o voo 1907, em 2006, e provocou a morte de 154 pessoas no segundo maior acidente da aviação brasileira. Em entrevista ao portal R7, o desembargador Edison Brandão, da 4ª Câmara do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que também é diretor da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), considerou a adoção da medida um feito positivo para a Justiça nacional, mas, segundo ele, o Brasil demorou a utilizar um procedimento que hoje é considerado comum em vários países.


Autores


Informações sobre o texto

Orientadora: Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, Domingos de Araújo; VITAL, Aroldo Martins. O interrogatório por videoconferência. Aspectos processuais constitucionais e penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3000, 18 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20005. Acesso em: 27 abr. 2024.