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Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?

Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?

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Os limites à flexibilização impõem a noção de que a flexibilização não é sinônimo de “desregulação”. Ainda que haja relativização das normas jurídicas trabalhistas, estas não podem ser livres, abertas e irrestritas, sujeitando-se a limitações constitucionais e infraconstitucionais.

Então, entenderás justiça, e juízo, e equidade, e todas as boas veredas. Porquanto a sabedoria entrará no teu coração e o conhecimento será suave à tua alma.

Provérbios 2:9 e 10.

RESUMO

O presente trabalho discorre sobre a flexibilização trabalhista, abordando dados históricos, conceito, causas motivadoras, classificação, correntes doutrinárias, limites e formas em que esta se dá, sempre atento ao objetivo principal de geração e manutenção de empregos. Apresenta ao leitor um panorama diversificado sobre o tema, embasado em doutrinas favoráveis e contrárias à flexibilização, de forma a criar um panorama suficientemente claro ao leitor. Os objetivos gerais do presente trabalhos são a análise dos aspectos históricos dos direitos trabalhistas e dos fatores que influenciam o direito do trabalho, na relação entre empregado e empregador. Como objetivos específicos, estão a descrição das causas da crise de emprego e das formas de flexibilização do direito trabalhista. Para atingir os objetivos a metodologia utilizada no presente estudo se pauta na coleta e análise de informações doutrinárias, de autores com posições diversas acerca do tema. A visão ampla acerca de tema tão polêmica é fundamental para não trazer ao presente estudo um caráter meramente defensivo da flexibilização, mas uma exposição abrangente sobre o tema. A situação-problema colocada em evidência no presente estudo é a garantia do emprego em situações de crise, mostrando-se eventuais possibilidades de flexibilização das normas jurídicas laborativas em prol de um benefício maior, que é a manutenção do trabalhador em seu posto de trabalho. Dentro das hipóteses estudadas, estão a possibilidade de flexibilização trabalhista por intermédio da mudança nas formas de pactuação do serviço, assim como as hipóteses de flexibilização albergadas pela Constituição Federal, no que tange ao salário e à jornada de trabalho. Por questão didática, dividiu-se o presente trabalho em quatro capítulos, divididos em subtópicos, que abordarão grande parte dos assuntos pertinentes à flexibilização trabalhistas, à saber, o histórico, conceito, causas motivadoras da flexibilização, classificação, correntes, limites e formas da flexibilização trabalhista, sempre voltada à oferta e manutenção do emprego.

Palavras-chave: Flexibilização trabalhista. Transação trabalhista. Geração de empregos. Desemprego. Direito do Trabalho.


NOTAS INTRODUTÓRIAS

Quando se trata acerca do Direito do Trabalho, em seu aspecto histórico, observa-se que este surgiu a partir da conjunção de três fatores: Econômico, Social e Político (Delgado, 2008, p. 87). Traduz-se o fator econômico no caráter produtivo da relação entre empregado e empregador, na produção de bens e riquezas a partir dessa relação; o fator social tange ao cuidado quanto ao empregado, o trabalhador que cede a força laborativa; o fator político diz respeito às ações da sociedade e do Estado voltadas à contratação e gerenciamento da força de trabalho.

A correlação dos três fatores supramencionados nos faz entender as diretrizes trabalhistas de cada época. Observe-se, v.g., que nos séculos XVIII e XIX, quando preponderava a doutrina liberal, o fator principal que direcionava as relações de emprego era o econômico (Robortella, 1994, p. 94). Assim, o caráter produtivo do trabalho prevalecia sobre seu aspecto social, e, por conseguinte, as normas jurídicas afins à área primavam por maior proteção da economia e produção, ao invés do trabalhador.

O Direito do Trabalho, de acordo com Robortella, "sempre oscilou entre o econômico e o social, funcionando como mediador, na procura de soluções de compromisso, transacionais, entre os interesses da economia e as necessidades sociais" (1994, p. 97). Desta forma, desde que se tem notícia deste ramo jurídico, trabalha-se com o intermitente conflito entre a classe dona dos meios de produção e a classe dos trabalhadores, em busca de um caminho agradável a ambos.

O Direito Trabalhista Brasileiro, considerado neste caso a partir do ano de 1943, em que ocorreu a promulgação do Decreto-Lei 5.452, Consolidação das Leis do Trabalho, constituiu-se inicialmente em um caráter autoritário (Delgado, 2008, p. 113), com a proteção estatal a alguns direitos trabalhistas individuais, e controle da mobilização coletiva (sindical). Até 1988, observa-se ainda a preponderância dos fatores econômicos no Direito Laboral brasileiro, caracterizado principalmente pela pouca liberdade sindical e a frágil possibilidade de acesso do trabalhador à justiça.

Entretanto, a partir da Constituição Federal de 1988, o Direito do Trabalho brasileiro renova-se, e passa a ter uma forte carga social e protetiva, passando o empregado a ser o centro da norma trabalhista, e o trabalho a ser mais do que um fator de produção, constituindo-se em um verdadeiro direito social (art. 1º, §4º, Constituição Federal de 1988).

O vínculo de emprego, com as amplas garantias que lhe ofereceu a Constituição Federal de 1988, é o meio laboral privado mais protetivo ao trabalhador. A legislação, constitucional e infraconstitucional, garante um amplo catálogo de direitos, tanto de caráter material quanto processual, seja na esfera individual ou no campo coletivo, que protegem o emprego e o empregado.

Entrementes, a preponderância dos fatores sociais no moderno Direito do Trabalho nos trouxe uma nova problemática: Não basta termos uma norma trabalhista protetiva ao empregado se não se abre à massa trabalhadora a possibilidade de estabelecer um vínculo de emprego.

A crise empregatícia impõe novas linhas ao Direito do Trabalho, pautada na possibilidade de manter-se a protetividade das normas trabalhistas, sem, no entanto, sacrificar o vínculo de emprego.

Esta é a situação problema do presente trabalho, que, buscando discorrer sobre possíveis alternativas, trabalha com a flexibilização de alguns aspectos do Direito do Trabalho, intimamente ligados à oferta e manutenção do vínculo de emprego.

Para Robortella (1994, p. 97):

[...] definimos a flexibilização do direito do trabalho como o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.

Cabe salientar que a flexibilização ora tratada no presente trabalho não se confunde com qualquer prática liberal ou neoliberal de "desregulação" dos direitos trabalhistas, mas sim de adaptação das práticas trabalhistas à realidade fática. Assim, os aspectos da flexibilização do Direito do Trabalho ora abordados no presente trabalho, em nenhuma hipótese, importarão no abandono das garantias dispensadas ao emprego ou ao empregado.

Em que pese não sejam abandonadas as garantias conferidas pela lei, por vezes estas poderão ser relativizadas, dentro de condições previstas pelo ordenamento jurídico, para que seja atingido o escopo de manutenção do vínculo de emprego. Alguns aspectos da flexibilização ora trabalhada podem relativizar as garantias fundamentais do trabalhador, mas sempre dentro do limite amparado pelo direito brasileiro.

Os objetivos do presente trabalhos podem ser taxados em gerais e específicos. Como objetivos gerais, estão a análise dos aspectos históricos dos direitos trabalhistas e dos fatores que influenciam o direito do trabalho, na relação entre empregado e empregador. Como objetivos específicos, estão a descrição das causas da crise de emprego e das formas de flexibilização do direito trabalhista.

Para atingir os objetivos a metodologia utilizada no presente estudo se pauta na coleta e análise de informações doutrinárias, de autores com posições diversas acerca do tema. A visão ampla acerca de tema tão polêmica é fundamental para não trazer ao presente estudo um caráter meramente defensivo da flexibilização, mas uma exposição abrangente sobre o tema.

A situação-problema colocada em evidência no presente estudo é a garantia do emprego em situações de crise, mostrando-se eventuais possibilidades de flexibilização das normas jurídicas laborativas em prol de um benefício maior, que é a manutenção do trabalhador em seu posto de trabalho.

Dentro das hipóteses estudadas, estão a possibilidade de flexibilização trabalhista por intermédio da mudança nas formas de pactuação do serviço, assim como as hipóteses de flexibilização albergadas pela Constituição Federal, no que tange ao salário e à jornada de trabalho.Por questão didática, dividiu-se o presente trabalho em quatro capítulos, divididos em subtópicos, que abordarão grande parte dos assuntos pertinentes à flexibilização trabalhistas, à saber, o histórico, conceito, causas motivadoras da flexibilização, classificação, correntes, limites e formas da flexibilização trabalhista, sempre voltada à oferta e manutenção do emprego.

No capítulo inicial, cumpre trazer a abordagem histórica do tema, resgatando a Revolução Industrial e demais fatos históricos que simbolizam o conflito de interesses entre empregados e empregadores. De fato, o histórico confundir-se-á, por vezes, com o próprio histórico da formação do Direito do Trabalho, talhando a importância e as dificuldades da conquista dos direitos laborativos, criando um contraponto à pura e simples ideia de flexibilização. Ademais, cumpre trazer também no capítulo primevo, os diversos conceitos acerca da flexibilização trabalhista, cada um refletindo a ideologia de seu criador consoante à adoção desta prática, verificando-se conceitos bastante amplos e abertos, assim como alguns receosos, em face da relativização das normas trabalhistas.

As causas motivadoras da flexibilização também são de estudo obrigatório, trazendo o presente trabalho, em seu segundo capítulo, algumas causas corriqueiramente apontadas pela doutrina abalizada como ensejadoras dos preceitos da flexibilização. Dentre elas, menciona-se as crises econômicas, os encargos sociais, a globalização e o desemprego, como causas motrizes da flexibilização, por caracterizarem situações em que a garantia do emprego, ou de sua oferta, encontra-se mais restrita.

O terceiro capítulo é dedicado ao estudo dos aspectos teóricos e doutrinários que circundam o tema da flexibilização trabalhista, quais sejam, as classificações, correntes e limites apontados pela doutrina em relação às práticas flexibilizatórias. Neste ponto do trabalho, torna-se mais intensa a visualização da discrepância entre as ideologias doutrinárias, transmitindo-se o aspecto controverso do tema.

No capítulo derradeiro, adentra-se de fato nas formas de flexibilização voltadas à geração de emprego, a saber, as formas de contratação de força laboral diversas da forma convencional (contrato de trabalho por tempo indeterminado), aptas a acrescentarem postos de trabalho. Frize-se que todas as formas de flexibilização estudadas possuem previsão e regulamentação legais, intentando o presente estudo abordar práticas palpáveis à realidade brasileira.

Trata-se de tema atual, que guarda suas polêmicas, mas de estudo necessário ao profissional do direito. Ainda que o estudioso jurídico guarde grandes ressalvas à relativização das normas trabalhistas, não pode fechar os olhos à uma realidade tão evidente e discutida como a flexibilização trabalhista, objeto do presente estudo.


CAPÍTULO I - ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITO DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

O Objetivo do presente capítulo é analisar os antecedentes históricos e legislativos da flexibilização dos direitos trabalhistas passa necessariamente pelo conhecimento histórico da construção e conquista destes direitos. A partir do momento em que ficamos a par da luta por melhores condições de trabalho, que transcendeu séculos, entende-se os severos embates que cercam o tema.

Ademais, cumpre também trazer, no capítulo inicial do presente trabalho, o conceito de flexibilização trabalhista, na visão de abalizados autores, como forma de esclarecer e delimitar, com máxima precisão, o objeto de discussão do presente trabalho.

Importante salientar que o objetivo desta pesquisa é a análise da flexibilização trabalhista e suas possíveis implicações na oferta e manutenção do emprego, trazendo como contraponto, de um lado, a crise empregatícia, e de outro a manutenção dos direitos trabalhistas.

1.1 Antecedentes Históricos do Conflito de Interesses entre Empregados e Empregadores

A flexibilização trabalhista é, sem dúvida, um dos temas mais controvertidos do Direito do Trabalho. Lidar com uma balança que pesa, de um lado, os direitos dos trabalhadores e, de outro, os ganhos do empregador, é uma atividade bastante complexa e conflituosa. Umberto Romagnoli (1998. p. 22) explicita, de forma ímpar, que a flexibilização dos direitos trabalhistas, para grande parte dos empresários, é "considerada como uma droga: se acostumam com ela rapidamente, nunca têm o suficiente e querem doses cada vez maiores".

O conflito de interesses entre empregadores e empregados, de fundamental importância para o estudo da flexibilização do direito do trabalho, tem sua origem nos primórdios do trabalho assalariado. Remonta o período da Revolução Industrial, principiada em países da Europa, principalmente na Inglaterra, e o gradativo êxodo da mão de obra campestre para as cidades, com a substituição das práticas laborativas advindas do período feudal pela forma assalariada de sua prestação. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 05):

Com os novos métodos de produção, a agricultura também passou a empregar um número menor de pessoas, causando desemprego no campo. Inicia-se, assim, a substituição do trabalho manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Havia necessidade de que as pessoas viessem, também, a operar máquinas não só a vapor, mas as têxteis, o que fez surgir o trabalho assalariado.

Com o surgimento e disseminação da forma assalariada de prestação de serviços, assim como pela crescente mecanização dos setores produtivos, iniciam-se os conflitos e oposições entre a classe assalariada e os empregadores, proprietários dos meios de produção. Tais conflitos resumem-se na correlação entre o lucro empresarial e os ganhos salariais dos empregados e na necessidade social cada vez maior da disponibilidade de emprego remunerado.

A dinâmica da relação de emprego à época da Revolução Industrial se dava basicamente pela noção de oferta e procura: As fábricas necessitavam de mão de obra para consecução de seus fins produtivos, oferecendo, para tanto, vagas de trabalho remuneradas. Os trabalhadores, frente à disponibilidade de empregos urbanos, saíam dos centros rurais e aderiam ao serviço assalariado, em que, na arguta lição de Mauricio Godinho Delgado (2008, p. 85), combinava-se a liberdade (separação do titular da mão de obra e do detentor dos meios de produção) e a subordinação.

Entretanto, a dinâmica de oferta e procura não foi suficiente, e nem se propunha a tal, para garantir o equilíbrio entre empregadores, titulares dos meios de produção, e empregados, detentores da mão de obra.

Com a mecanização das fábricas, principiam-se as primeiras crises de emprego, tendo em vista a menor necessidade de força laboral, resumida ao controle e utilização dos novos artefatos mecânicos. Com a diminuição da oferta de emprego, cria-se uma imensa massa laborativa disponível nos centros urbanos, em busca constante por novas oportunidades de labor assalariado. Segundo Antônio Ferreira Cesarino Júnior e Marli A. Cardone (1993, p. 62):

Ao emprego dos maquinismos se atribui o aparecimento da desocupação e o rebaixamento do nível intelectual do operário, em virtude de a divisão do trabalho sujeitá-lo a fazer eternamente o mesmo serviço. Houve, a princípio, até a destruição das máquinas e das fábricas pelos operários, petições no sentido de interdizer por lei as máquinas e as fábricas, donde a necessidade de leis para proteção das máquinas.

Como efeito da vigência da lei de oferta e procura, a grande oferta de mão de obra faz com que aqueles que trabalhavam nas fábricas se sujeitassem a desumanas condições de trabalho, buscando garantir de toda forma o trabalho exercido, tendo em vista a fácil substituição de empregados em exercício pela massa laboral ociosa.

Neste contexto, surgem os primeiros movimentos de oposição e contestação ideológica ao sistema até então vigente. Um dos movimentos mais emblemáticos foi o Ludismo, formado por trabalhadores ingleses seguidores de Nell Ludd, que uniam forças para literalmente destruir as máquinas que compunham as fábricas, às quais creditavam a crise de emprego, e, por consequência, todas as mazelas decorrentes da crise empregatícia. Acerca do ludismo, Voltaire Schilling [01] expõe a aterradora situação causada pelo movimento:

Liderados pelos assim apontados como ‘homens de maus desígnios’, usando máscaras ou escurecendo o rosto, os esquadrões luditas, armados com martelos, achas, lanças e pistolas, aproveitando para se deslocarem à noite, vagavam de um distrito ao outro demolindo tudo o que encontravam pelo caminho, apavorando os donos das fábricas. O comandante da operação chamava-se de ‘General Ludd’, com poder de vida e morte sobre os companheiros Em Nottingham revelou-se um tipo enorme, Enoch Taylor, um ferreiro que levava ao ombro uma poderosa maça de ferro batizada com o seu nome mesmo: Enoch. Bastava uma martelada daquelas para que a porta do estabelecimento viesse abaixo, enquanto que mais uma outra aplicada num engenho qualquer dentro da oficina reduzia-o a um monte de ferro inútil".

No campo teórico, pensadores como Karl Marx e David Ricardo (MARTINS, 2009, p. 06) expunham em suas obras todo descontentamento e necessidade de mudança do sistema vigente. Marx aclarava a nova dinâmica das relações de trabalho, criticando a forma com que o Estado negligenciava os males dela advindos (MARX, 2004, p. 47):

A criação do proletariado sem lar nem pão – despedido pelos grandes senhores feudais e cultivadores, vítimas de repetidas e violentas expropriações – era necessariamente mais rápida que a sua absorção pelas manufaturas nascentes. Por outro lado, estes homens, bruscamente arrancados de suas ocupações habituais, não se podiam adaptar prontamente à disciplina no novo sistema social, surgindo, por conseguinte, deles, uma porção de mendigos, ladrões e vagabundos. Daí a legislação contra a vadiagem, promulgada nos fins do século XVI, no oeste da Europa. Os pais da atual classe operária foram duramente castigados por terem sido reduzidos ao estado de vagabundos e pobres. A legislação os tratou como criminosos voluntários, supondo que dependia de seu livre arbítrio o continuar trabalhando (...).

A ação predatória dos empregadores se dava principalmente pela vigência do liberalismo, doutrina que apregoava a intervenção mínima do Estado e, em consequência, a regulação do mercado pela lei da oferta e da procura. Na arguta lição de Sergio Pinto Martins (2009, p. 07):

No Liberalismo não há intervenção do Estado na economia. É representado pela expressão francesa: "laissez faire, laissez passer, Le monde va de lui-même" (deixa fazer, deixa passar, o mundo caminha por ele mesmo). Haveria liberdade de toda e qualquer manifestação da vida humana, na liberdade e da propriedade. O Estado interviria na vida das pessoas dentro de certos limites. O trabalho seria regulado pela lei da oferta e da procura, inclusive os salários.

O Liberalismo influenciava as relações laborativas na medida em que propiciava aos proprietários dos setores produtivos a possibilidade de aumento dos lucros em detrimento do interesse dos trabalhadores. A contraprestação salarial não era limitada por um piso mínimo, mas pela conjuntura das relações produtivas do momento, em geral tendente a diminuir o valor do trabalho humano em detrimento do lucro empresarial (MARTINS, 2009, p. 07). Interessante observarmos que no período de prevalência do Liberalismo, ao Estado cumpria somente garantir os direitos fundamentais de cunho individual, a exemplo da vida, da liberdade e da propriedade, não intervindo ou garantindo direitos na área social.

Engels, um dos grandes pensadores do socialismo, explicava a ação estatal como decorrência do poder das forças detentoras dos meios de produção (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 90). O poder do Estado estaria a serviço dos proprietários dos meios de produção, omitindo-se em meio às péssimas condições vividas pelos trabalhadores assalariados, em prol do aumento desenfreado do lucro.

Durante longos anos as condições de trabalho a que eram submetidos os empregados foram as piores possíveis. Jornadas de trabalho extenuantes, retribuição salarial ínfima, elevados índices de acidentes de trabalho, péssimas condições de higiene e saúde, ausência de descanso semanal, entre outros, eram as consequências visíveis da disparidade de empregados e empregadores. Como assevera Carlos Henrique Bezerra Leite (2009, p. 36):

Esse quadro de injustiças e desigualdades sociais propiciou o acúmulo de riquezas para uns poucos e bolsões de pobreza e miséria para muitos. Com o passar dos anos, o modelo político liberal perdeu a capacidade de organizar uma sociedade marcada pelas diferenças sociais decorrentes da Revolução Industrial.

Em face das mazelas observadas nos grandes centros urbanos, decorrentes da nova ordem econômico-laboral, houve a urgente necessidade de amparo do Estado à massa trabalhadora emergente. O cuidado estatal aos trabalhadores ocorreu de forma lenta e gradativa, forçada por levantes sociais e pelas ideias de grandes pensadores.

A partir da força social criada pela grande massa assalariada urbana, os direitos laborativos foram, paulatinamente, sendo conquistados, quebrando a barreira do capital e da negligência do Estado. Assevera Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 95):

[...] na esteira dos ideais socialistas, foi a correção das desigualdades econômicas através da instituição de desigualdades jurídicas que, suprimindo liberdades, geram igualdade jurídica real. Sob esse prisma, o direito do trabalho clássico opõe-se à maior liberdade no jogo das forças do mercado e na gestão da empresa[...].

A conquista dos direitos sociais relacionados ao trabalho, na arguta lição de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 93), subdivide-se em quatro fases principais: Manifestações Incipientes ou Esparsas, Sistematização e Consolidação, Institucionalização e, por fim, a fase de Crise e Transição.

Na fase de Manifestações Incipientes, tem-se como marco a expedição do Peel`s Act, em 1802 na Inglaterra, o qual estabeleceu restrições à utilização do trabalho de menores nas fábricas, até então prática corrente no país, onde proprietários de fábricas empregavam famílias inteiras, idosos, adultos, jovens e crianças.

Na fase de Sistematização e Consolidação tem como marco inicial o Manifesto Comunista (1848), elaborado por Marx e Engels, e se estende até o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, com a criação da OIT (1919). Nesta fase, observa-se a intensidade das ideias revolucionárias ao regime então vigente, de exploração do homem pelo capital. A classe trabalhadora começa a movimentar-se de forma coletiva, tornando-se voz ativa na sociedade, conseguindo grandes avanços nas condições de trabalho (DELGADO, 2008, p. 95).

A terceira fase, de Institucionalização dos Direitos Trabalhistas, inicia-se com a criação da OIT (1919), findando no pós Segunda Grande Guerra Mundial (1945). Neste período, os direitos trabalhistas passam definitivamente a compor a estrutura dos Estados, adentrando a ordem jurídica, deixando-se para trás o Estado Liberal omisso às questões laborativas. Começa-se de fato uma tentativa de equilíbrio na balança entre empregadores e empregados.

Por fim, na fase de Crise e Transição, que compreende as últimas décadas do século XX (1980), os direitos trabalhistas buscam se adequar aos novos conceitos tecnológicos e às cíclicas crises econômicas vivenciadas pelos setores produtivos. Passa-se do simples e puro temor da mecanização a um processo de especialização da mão de obra, o qual continua a garantir postos de trabalho.

Aclara-se, por este rápido histórico da conquista e consolidação do Direito do Trabalho, o árduo caminho percorrido por trabalhadores, pensadores e governantes para que de fato houvessem conquistas e melhorias nas condições laborativas. Muitos batalharam intensamente para que o Direito do Trabalho fosse hoje reconhecido como um ramo de elevado prestígio jurídico em diversos países do Mundo.

Os opositores da flexibilização dos direitos trabalhistas encontram argumentos justamente neste fato: as conquistas sociais trabalhistas demoraram muitos anos para se consolidarem, e a sua relativização seria um retrocesso. Em verdade, defende-se, com razão, que as normas fundamentais representativas dos direitos sociais, cuja conquista se deu por esforço da humanidade em busca da justiça social, jamais sejam suprimidas (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 205).

Observa-se, pelo histórico ora acostado no presente trabalho, que o tema flexibilização trabalhista é, de fato, assunto dos mais debatidos, por circundar o inóspito campo que intermedeia a economia e os direitos sociais.

1.2 Conceito de Flexibilização Trabalhista

Conceituar um fato ou ideia é atividade intelectual das mais árduas. Trata-se de separar os elementos componentes e explicitar o nexo que os liga, de forma que o todo seja suficientemente claro e delimitado para compreensão do leitor/intérprete. Na colocação ímpar de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 49):

Definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos.

Antes de adentrar-se especificamente com os conceitos propriamente ditos, urge a reflexão acerca da origem lexical e denominações costumeiramente utilizadas substituir o termo flexibilização.

Flexibilizar vem do latim flecto, flectis, flectere, flexi, flectum, que possuem o sentido de curvar, dobrar, fletir (MARTINS, 2009, p. 09). Conota ao tema a ideia de quebra da rigidez pertinente à legislação trabalhista, em face do seu caráter nuclear de proteção ao trabalhador. Trata-se, em verdade, de um neologismo, termo não constante nos dicionários de língua portuguesa, originária do espanhol flexibilización.

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (HOLANDA, 2004, p. 908) nos traz a seguinte significação para o léxico flexibilização: "Flexibilização (cs). [De flexibilizar + -ção] S. f. 1. Ato ou efeito de flexibilizar. 2. Afrouxamento ou eliminação de leis ou normas, esp. as que afetam relações econômicas: ‘O presidente da Argentina...prometeu...avançar nas medidas de flexibilização trabalhista’."

A relativização da rigidez das normas e institutos trabalhistas possui outras denominações, as quais são de estudo pertinente ao presente trabalho. "Direito do trabalho da crise", ou "da emergência", é a denominação utilizada por alguns autores, dando a ideia da necessidade de adoção de novas medidas em face das crises econômicas, e também empregatícias, vividas em determinado contexto histórico (Martins, 2009, p. 09). De fato, a relativização das normas trabalhistas possui forte ligação com períodos de crise, entretanto não se resume somente a tais períodos, buscando a maior dinâmica das relações laborativas em todo tempo.

Alguns utilizam o termo "Desregulamentação" (MARTINS, 2009, p. 10) de forma equívoca, tendo em vista que o pretendido pela flexibilização não é a ausência de normas laborativas, mas a adaptação destas à realidade contemporaneamente vivida. Trata-se de termo equivocado, que não pode ser usado como sinônimo do tema ora abordado. Conforme bem asseverado por Arnaldo Süssekind et al (2005, p. 206):

A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.

De fato, não se cogita no presente trabalho o estudo da"desregulamentação", tendo em vista que esta seria um retrocesso sem precedentes nos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, voltando-se ao período do liberalismo puro, já abordado quando do estudo do histórico do tema. Para encerrar a presente distinção, faz-se necessário colacionar a brilhante colocação de Sergio Pinto Martins (2009, p. 14):

Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação, o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação, a lei simplesmente deixa de existir, pois é retirada a proteção do Estado em relação ao trabalhador. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. Formatação diferente da citação anterior!!!!

Caro Figueiroa (1989, apud ROBORTELLA, 1994, p. 95) utiliza-se do termo "Neoregulação", idealizando a mudança do sentido e intensidade das normas sem necessariamente se desfazer da legislação.

De todas as denominações abordadas, a de maior utilização e melhor técnica, conforme assevera Sergio Pinto Martins (2009, p. 10), é a Flexibilização, conotando a "flexão" da rigidez das normas trabalhistas.

Feita a abordagem acerca da origem lexical e das denominações, cumpre agora adentrar propriamente conceituar o tema. Especificamente acerca da flexibilização trabalhista, trabalhar com um conceito específico torna-se tarefa ingrata, tendo em vista a forte carga ideológica que permeia os expositores do tema, ora defensores, ora severos críticos de suas práticas. Entretanto, cumpre trazer alguns conceitos que trilham caminhos razoavelmente imparciais, condizentes com o intento da presente obra.

Sergio Pinto Martins (2009, p. 13) nos fornece, em obra ímpar acerca do tema, a seguinte conceituação: "Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho".

No conceito acima explicitado, observa-se o componente mais importante que circunda a flexibilização trabalhista: compatibilização das mudanças ocorridas em face do progresso com as normas que regem o capital e o trabalho, que em última instância, é o próprio direito do trabalho.

A compatibilização das normas trabalhista à conjuntura econômica é a principal bandeira hasteada pelos adeptos da flexibilização das normas trabalhistas. A ideia implícita é que a rigidez do sistema normativo não é capaz de resolver os problemas trabalhistas advindos em épocas de crise. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 11), "(...) é possível dizer que se trata de uma reação aos padrões até então vigentes das legislações que estão em desacordo com a realidade, das legislações extremamente rígidas que não resolvem todos os problemas trabalhistas (...)".

Trata-se, em verdade, da busca de meios alternativos à rigidez da legislação trabalhista, não como forma de supressão de direitos, mas com o escopo de zelo econômico e manutenção da oferta de emprego. Na arguta lição de Arnaldo Süssekind (2005, p. 206):

Com a flexibilização, os sistemas legais preveem fórmulas opcionais ou flexíveis de estipulação de condições de trabalho, seja pelos instrumentos de negociação coletiva, ou pelos contratos individuais de trabalho, seja pelos próprios empresários. Por conseguinte: a) amplia o espaço para a complementação ou suplementação do ordenamento legal; b) permite a adaptação de normas cogentes a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; c) admite derrogações de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia.

A adaptação da norma à realidade econômica é, de fato, o cerne da flexibilização trabalhista, cujas formas serão devidamente abordadas em momento posterior do presente trabalho.

Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 97), em estudo vanguardista acerca do tema, define flexibilização trabalhista como:

[...] o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.

Neste conceito, evidenciam-se, além da noção de adaptação das normas, os objetivos da flexibilização das normas trabalhistas. Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 94) expõe o desenvolvimento econômico e o progresso social como ideais buscados com a adaptação normativa à realidade vigente. Desta forma, destaca que a flexibilização não é um fim em si mesmo, uma mera relativização de normas trabalhistas, mas a coloca em um patamar maior, de auxílio a trabalhadores e empresas nas relações juslaborativas. Assevera ainda que a flexibilização "é apenas meio para aflorar questões fundamentais do mercado de trabalho, tais como custo e produtividade da mão de obra, competitividade, modernização, mercado, lucro e desenvolvimento econômico".

Júlio Assunção Malhadas (MALHADAS, 1991, p. 143 apud MARTINS, 2009, p. 12) nos dá um conceito de menor rigidez em relação ao já abordados, ao esclarecer ser a flexibilização:

[...] a possibilidade de as partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões.

Depreende-se do conceito acima colacionado, em rápida leitura, que este possui maior abertura, aproximando-se mais da ideia de "desregulação", à medida que apregoa menor subordinação das relações empregatícias ao Estado.

Mario Pasco Cosmopolis (1996, p. 118, apud MARTINS, 2009, p. 13) assevera ser a flexibilização a "modificação atual e potencial das normas laborais que se traduz na atenuação dos níveis de proteção dos trabalhadores e que frequentemente vai acompanhada de uma aplicação da faculdade patronal de direção".

Vários são os conceitos dados à flexibilização trabalhista. Os apontados no presente trabalho giram em torno de um componente fundamental: a adaptação das normas (ou atenuação) à realidade econômica vivida pelo Estado. Sua aplicação possui grande proximidade com as crises econômicas e financeiras, surgindo como meio de manutenção do setor produtivo e da oferta de emprego. Entretanto, para que se alcance tal objetivo, insurge como necessária a diminuição da proteção do Estado ao empregado, sem que, no entanto, deixe de garantir o fundamental para que este exerça seu ofício dignamente.

Trata-se, como dito no princípio do presente capítulo, de uma balança, pesando de um lado os direitos trabalhistas e, de outro, a necessidade de produção e de oferta de emprego. Conforme expões Sergio Pinto Martins (2009, p. 13), "(...) a flexibilização é a capacidade de renúncia a determinados costumes e de adaptação a novas situações".

Adaptação esta que se faz necessária, tendo em vista a velocidade com que a tecnologia e os meios de produção vêm se modificando. Conforme acentuado por Arnaldo Süssekind (2005, p. 204):

O nosso mundo está vivendo, indubitavelmente, uma fase de transição resultante da nova revolução tecnológica, que se processa de forma acelerada, desde o invento dos chips. A informática, a telemática e a robotização têm profunda e ampla repercussão intra e extra-empresa, configurando a chamada época pós-industrial.

Nos próximos capítulos discorrer-se-á acerca das causas da flexibilização, assim como a sua classificação, limites e formas de concretização. Patente esclarecer-se, conforme já mencionado no início do presente capítulo, que todo o presente trabalho conterá divergências doutrinárias, fruto do grande conflito doutrinário gerado quando se discute o tema da flexibilização das normas trabalhistas.

Entrementes, ater-se-á o presente estudo em uma exposição objetiva, sem defender com radicalismo alguma posição, de forma a explicitar, da forma mais abrangente possível, as posições doutrinárias pertinentes ao tema, sejam favoráveis ou contrárias, mas de toda forma fruto de renomados autores, com opiniões extremamente qualificadas acerca da temática ora abordada.

Assim, a partir do próximo tópico, onde serão abordadas as causas motivadoras da flexibilização, atentar-se-á para sempre expor a ideia da flexibilização da forma mais abrangente possível.


CAPÍTULO II - CAUSAS MOTIVADORAS DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA: ENFOQUE NA CRISE EMPREGATÍCIA

Insta no presente capítulo abordar as possíveis causas apontadas pela doutrina especializada como ensejadoras das ideias relacionadas à flexibilização das normas do direito do trabalho.

Tais causas, que via de regra possuem conotação econômica, são fatores determinantes para criação e desenvolvimento dos conceitos pertinentes à flexibilização trabalhista (ROBORTELLA, 1994, p. 98).

Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 35), diversas são as causas motivadoras da flexibilização, a saber:

As causas da flexibilização compreendem vários fatores: (a) desenvolvimento econômico; (b) globalização; (c) crises econômicas; (d) mudanças tecnológicas; (e) encargos sociais; (f) aumento do desemprego; (g) aspectos culturais; (h) economia informal; (i) aspectos sociológicos.

Luiz Carlos Amorim Robortella, em sua obra ímpar sobre do tema, arrola os seguintes fatores determinantes da flexibilização:

a) os imperativos de desenvolvimento econômico; b) a competição econômica no plano internacional; c) a velocidade das mudanças tecnológicas; d) o aumento do desemprego; e) a tendência à formação de forte economia submersa, informal, para fugir à rigidez da lei.

Muitas, como exposto, são as causas mencionadas pela doutrina especializada como determinantes para o crescimento das noções de flexibilização trabalhista. No presente trabalho, mencionar-se-á algumas destas causas, dando-se enfoque especial à crise empregatícia.

Cumpre esclarecer que a exposição de tais causas não possui conteúdo ideológico, é dizer, o objetivo do presente capítulo não é defender a prática da flexibilização trabalhista, mas apontar as principais causas motivadoras arroladas pela doutrina.

2.1 Crises Econômicas

As crises econômicas, correntes ao decorrer da história da economia mundial, são apontadas como uma das causas motivadoras da flexibilização trabalhista. Conforme assevera Sergio Pinto Martins (2009, p. 35):

A partir de 1973, começaram a surgir as crises econômicas, como a que ocorreu com o petróleo, aumentando o preço destes produtos. Em seguida, vieram várias outras crises, como a das bolsas de valores nos países, do dólar, etc. As crises acabam sendo permanentes e cíclicas. Trouxeram as crises um agravamento do processo inflacionário nos países de um modo geral, não apenas no Brasil e nos países em vias de desenvolvimento, mas em toda parte.

Como corolário das crises econômicas, advém dificuldades financeiras às empresas (empregadoras por excelência), influenciando-se de forma direta a oferta empregatícia. Daí a necessidade, aclamada pela doutrina defensora da tese, da adequação das normas trabalhistas, como forma de que estas atuem como fiel da balança entre a oferta de emprego e o desenvolvimento econômico, conforme assevera Sergio Pinto Martins (2009, p. 37):

As crises econômicas, a globalização das economias, a automação são situações que não se identificam com a rigidez da legislação. Ao contrário, esta acaba atrapalhando ou até impedindo a maleabilização das relações trabalhistas para enfrentar aquelas situações. Daí a necessidade da flexibilização, de forma a poder adaptar a situação, de fato, mediante norma estabelecida pelas próprias partes, assegurando um mínimo obrigatório e que deve estar previsto em lei.

As crises econômicas, pelo seu caráter de excepcionalidade, exigem medidas urgentes dos Estados, de forma a controlar o impacto econômico nos setores produtivos. Para os defensores da flexibilização trabalhista, a maior abertura das normas trabalhistas seria uma forma dinâmica de adequação das empresas frente a um novo quadro econômico, de forma a evitar problemas maiores à economia interna, e. simultaneamente, garantir a manutenção do emprego. Assim discorre José Francisco Siqueira Neto, em artigo bastante aprofundado sobre o tema (OLIVEIRA et al, 1996, p. 334-335):

A flexibilização do direito do trabalho é também entendida como um instrumento de adaptação rápida do mercado de trabalho. Neste sentido é concebida a parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento.

Aclara-se, desta forma, que a flexibilização das normas laborais é apontada como meio de solução rápida em meio a crises econômicas, consoante à atenuação do impacto negativo nas empresas, de forma a atuar em prol da manutenção e oferta de emprego.

Cita-se como exemplo do presente subtópico, o grande acordo coletivo feito pela General Motors na Alemanha, onde pactuou em maio de 2010, com o sindicato operário, que defende o interesse de cerca de 50.000 (cinquenta mil) empregados, o congelamento dos salários por dois anos, como forma de enfrentamento de séria crise financeira [02].

Trata-se de reação rápida e flexível em relação à garantia de manutenção do valor real do salário, utilizada como forma de contenção de crise financeira, buscando-se evitar despedida em massa de um grande número de empregados. Entretanto, deve-se observar a garantia mínima de direitos aos obreiros, de forma que a maleabilização das normas jurídicas laborais não seja uma forma oculta de extinção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

2.2 Globalização

A globalização é apontada como causa ensejadora da flexibilização das normas trabalhistas à medida que acentua a competição econômica internacional. As empresas, analisadas em âmbito global, buscam investir seu capital e montar suas linhas de produção em locais onde se possa, pelo menor custo possível, oferecer ao mercado produtos de boa qualidade. Neste quadro, buscam localidades onde a oferta de mão de obra, além de ampla, seja menos dispendiosa, do ponto de vista do rigor das normas trabalhistas. Neste sentido é a arguta lição se Sergio Pinto Martins (2009, p. 35):

A globalização determina a competição econômica internacional. Houve a expansão do comércio internacional. A partir da década de 1960, a tendência do sistema internacional foi a competição entre as empresas. Para onde são levados os capitais, são criados empregos. Os capitais fogem de economias excessivamente regulamentadas, do ponto de vista do custo do trabalho. O mundo tem sido extremamente competitivo, para efeito da colocação dos produtos nas empresas, como a concorrência entre Japão, Europa e Estados Unidos, em que se pretende colocar um produto pelo preço mais baixo possível, mas com a melhor qualidade desejada pelo consumidor.

Observa-se pelo trecho acima mencionado que o autor faz uma correlação entre a maleabilidade das normas trabalhistas e a atração de investimentos (capital) de empresas estrangeiras, com a consequente oferta de empregos. Normas trabalhistas extremamente rígidas, de outra face, afastariam investimentos externos, e prejudicariam a concorrência com empresas estrangeiras, à medida que aumentariam o custo de produção e oferta de bens de consumo.

A tendência trazida pela aproximação de países, assim como a concorrência entre empresas estrangeiras, é a aproximação dos modelos jurídicos trabalhistas observados nos países de uma maneira global. É dizer: busca-se uma aproximação da realidade justrabalhista dos diversos países, em face da crescente concorrência internacional. Neste sentido é a esclarecedora lição de Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 125):

Vemos, portanto, que o fenômeno da globalização interfere no Direito do Trabalho, trazendo como uma de suas consequências a tendência de modificações nas relações entre prestadores e tomadores de serviço, como forma de aproximação entre os modelos jurídicos dos vários países.

A globalização, sob a ótica da concorrência internacional, orienta-se a uma contínua flexibilização das normas referentes ao salário e contratos de trabalho dos empregados. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 47):

Assistimos: a) à diminuição dos seus níveis em alguns setores do processo produtivo, e ao aumento, em outros; b) a novas formas de remuneração do trabalho que procuram ancorar o ganho do trabalhador ao aumento da produtividade e ao desempenho das empresas, redesenhando-se um novo quadro remuneratório, que se distancia dos padrões legais tradicionais, formas de enfrentar a competitividade, as incidências salariais e os encargos salariais; c) às jornadas de trabalho reduzidas para reduzir gastos.[...] Assiste-se à retipificação dos contratos individuais de trabalho. Cresceu a adoção de contratos a prazo determinado, e a experiência da Espanha foi no sentido da sua ampla concessão seguida de alterações nessa política. Incentivou-se o contrato por prazo indeterminado com subsídios previdenciários, com o que foi possível a redução do número de contratados por prazo determinado e por curto tempo.

A tendência relativizadora gerada pela concorrência internacional é um dos fortes argumentos dos defensores da flexibilização das normas trabalhistas, de forma a situar a economia interna de país aos padrões internacionais de disputa de mercado. José Francisco Siqueira Neto manifesta-se neste sentido (OLIVEIRA et al, 1996, p. 334-335):

Neste sentido, a desregulamentação e a flexibilização teriam, então, por fundamento o aumento da produtividade e da competitividade das empresas e das economias nacionais. Oscar Ermida Uriarte traduz com clareza e objetividade o sentido do movimento desregulador, quando descreve que a proposta flexibilizadora consiste em afrouxar, eliminar ou adaptar, de acordo com os casos, a proteção trabalhista clássica, para aumentar o emprego, a inversão ou a competitividade internacional.

Em um mercado tão voltado ao comércio externo como o brasileiro, é de se pensar as proposições da doutrina defensora da flexibilização das normas laborais, sob a ótica da concorrência internacional, tendo em vista que o crescimento do empresariado e do setor produtivo nacional traduz-se em maior geração de empregos.

Neste contexto, pertinente a crítica feita por Sergio Pinto Martins (2009, p. 37), quando esclarece que, por vezes, a rigidez extrema das normas trabalhistas, em determinadas situações, geram efeito diametralmente inverso ao originalmente objetivado:

O Direito do Trabalho, de modo geral, é extremamente rígido, de forma a estabelecer uma proteção à parte mais fraca da relação trabalhista, que é o empregado, o hipossuficiente. Em razão dessa rigidez, acaba criando um efeito inverso. Em vez de proteger, acaba desprotegendo, porque o trabalhador é colocado à margem do sistema legal.

Interpretando-se o trecho acima sob a ótica do presente subtópico (globalização), observa-se pelas colocações doutrinárias dos defensores da flexibilização que a excessiva rigidez das normas juslaborais, ao invés de exercer a proteção da forma intentada ao empregado, acaba por gerar diminuição da oferta do emprego e menor duração do vínculo empregatício, de forma a gerar, ao menos em parte, efeito inverso ao pretendido.

Trata-se de opinião controversa, onde encontramos posições doutrinárias diametralmente opostas, tendo em vista a necessidade de proteção dos direitos dos trabalhadores. Quando se padronizam as relações trabalhistas, não são levadas em conta as diferenças socioeconômicas e culturais dos diversos países envolvidos, fazendo com que trabalhadores menos favorecidos ou esclarecidos sejam explorados pelo capital. Esta é a oposição suscitada pelo ilustre Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 126):

Eis por que não tem cabimento afirmar que o fenômeno chamado de globalização, que não é recente, mas apenas mais incisivo nos dias de hoje, possa ser benéfico às relações de trabalho nos países do Terceiro Mundo, pois o capitalismo impõe sempre medidas que preservem e aumentem o lucro, o que importa, sempre, em diminuir os custos de mão-de-obra e, por consequência, agravar as condições de trabalho.

E, ainda (2006, p. 129):

[...] a flexibilização e a terceirização são prejudiciais aos trabalhadores. Isso porque ambas são modos de tratamento da prestação de serviços que oferecem vantagens ao capital, mesmo porque, se assim não fosse, ao empregador de nada adiantaria e, portanto, delas não se utilizaria. E, se são formas de economizar com mão-de-obra, é evidente que resultam em prejuízo aos trabalhadores. Não obstante isso, tais fenômenos são fruto dos tempos atuais, da grande concentração de capitais e das leis de mercado que vivemos.

Evidentes são as discrepâncias doutrinárias acerca do tema. De toda forma, a globalização é apontada como causa motivadora dos ideais da flexibilização trabalhista, ainda que sejam de peso as opiniões contrárias ao avanço da concorrência global em detrimento das condições de trabalho, principalmente em países pobres.

2.3 Encargos sociais

Os protetores da tese da flexibilização das normas trabalhistas apontam os severos encargos sociais (no Brasil), como uma das causas motrizes da tendência à relativização de normas laborativas. Isto porque, com o peso dos encargos sociais (tributários via de regra) incidente sobre o vínculo de emprego, o valor da contratação do trabalhador tornar-se-ia por demais dispendioso, havendo necessidade de uma modificação na rigidez da pactuação entre tomadores e prestadores de serviço. Assim argumenta Sergio Pinto Martins (2009, p. 36):

Quando os encargos sociais são altos, dificultam a contratação de trabalhadores, pretendendo-se estabelecer flexibilização de certas condições de trabalho, até dos próprios encargos sociais. Se não houvesse a rigidez legal dos encargos sociais, talvez fosse possível a contratação de mais trabalhadores. Os desempregados também têm maior dificuldade de nova contratação pela rigidez da legislação. A carga tributária excessiva incidente sobre as empresas é suscetível de afetar sua competitividade num contexto global. Entretanto, no sistema brasileiro, as contribuições têm natureza tributária (art. 149 da Constituição), só podendo ser modificadas por lei (art. 150, I, da Lei Maior) e não por norma coletiva

De fato, a excessiva carga tributária incidente sobre a contratação de empregados pode ter o efeito de engessar o aumento da oferta de emprego. Ademais, como já explanado, em períodos de crise, tende-se o corte de gastos a recair sobre o emprego quando este é demasiado dispendioso para a empresa.

A doutrina que ostenta a bandeira da flexibilização propõe a flexibilização nas normas referentes à contratação de mão de obra como forma de aumentar a oferta de emprego e de adequar o mercado de trabalho ao crescimento econômico dos setores produtivos. Assim pontifica Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 99):

A Organização Internacional Du Travail, analisando a situação do emprego no mundo, destacava, em 1988, que todos os países vêm manifestando exigências de flexibilidade e de mobilidade, em razão da evolução técnica e da necessidade de preparar o mercado de trabalho para o crescimento da economia, da produtividade e do nível de emprego.

Veja-se que a discussão acerca dos excessivos encargos sociais incidentes sobre a contratação de empregados não é recente. Ainda na última década do século passado discutia-se doutrinariamente o tema. Conforme abordado por Anselmo Luis dos Santos (OLIVEIRA et al, 1996, p. 221):

A discussão sobre o peso dos encargos sociais no custo do trabalho no Brasil vem se acirrando nos últimos anos e ganhando importância nos estudos sobre economia do trabalho. Seguindo uma forma tradicional de calcular os encargos sociais, que assemelha-os aos custos decorrentes de todas as despesas legais incidentes sobre a folha de salários das empresas, alguns estudos (Pastore, 1994; FIESP 1993; IOB 1993ª) têm apontado que os encargos sociais representam um gasto adicional equivalente a pouco mais do que é gasto com a remuneração direta paga ao trabalhador.

Em estudo elaborado recentemente pelo DIEESE [03] (2010, p. 02), em fevereiro do ano corrente, temos uma definição bastante prática acerca dos encargos sociais, assim como um impacto mais realista deste na contratação dos trabalhadores:

Encargos sociais são aquela parcela do custo do trabalho que não vai para o bolso do trabalhador, como é admitido pelos próprios consultores empresariais. São a contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), para o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e demais instituições que compõem o Sistema S, para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para o seguro de acidentes do trabalho, para o salário educação e para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). No conjunto, representam 25,1% da remuneração total do trabalhador.

De fato, é importante a citação acima colacionada, tendo em vista que a maioria dos cálculos elaborados pelo setor produtivo acerca dos encargos sociais inclui nestes verbas como o décimo terceiro salário, o adicional de férias, o FGTS, a rescisão contratual, férias, repousos semanais, feriados e ausências remuneradas, que, consabidamente, são verbas revertidas direta ou indiretamente ao trabalhador. O cálculo elaborado por Anselmo Luis dos Santos (OLIVEIRA et al, 1996, p. 225) inclui tais verbas no rol de encargos sociais, fazendo, entretanto, a ressalva (OLIVEIRA et al, 1996, p. 226):

Assim, as estimativas do peso dos encargos sociais nos referidos estudos escondem diferenças importantes, tratando todas as despesas como se fosse da mesma natureza, e têm resultado (e muito provavelmente também um objetivo) que pode ser apreendido facilmente: confundir despesas decorrentes de importantes conquistas e direitos dos trabalhadores – que claramente estão associados à remuneração do trabalho, como o 13º salário, 1/3 de férias, férias FGTS e outros – com itens de despesas, também incidentes sobre a folha, embora de natureza muito distinta, que devem ser considerados como encargos sociais, como é o caso das contribuições para a previdência social, para entidades patronais e para financiamento de outras atividades de caráter social.

Observa-se, desta forma, que muito embora o peso dos encargos sociais possa engessar a oferta de emprego, deve-se analisar tal causa da flexibilização de forma criteriosa, tendo em vista que os cálculos elaborados pelo setor produtivo, dentro de um interesse próprio, distorcem em parte a realidade do peso desses encargos na contratação de mão de obra, incluindo verbas que possuem nítido caráter remuneratório ou que se traduzem em benefício imediato ao trabalhador.

2.4 Desemprego

Outra causa apontada pela doutrina especializada como motivadora da flexibilização, de especial interesse ao presente trabalho, é o desemprego. Trata-se da crise que de longa data é preocupação dos governos e da sociedade. Segundo Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 99):

Um dos mais graves problemas do Primeiro Mundo, e que se alastra pelo Segundo e Terceiro, é o persistente, contínuo e aparentemente incontrolável aumento do desemprego. Em todas as economias os estudiosos apontam para um desemprego estrutural e não meramente conjuntural. O modelo de industrialização ou reestruturação não favorece a criação de empregos; ao contrário, o que se vê é a diminuição de postos de trabalho, apesar da paradoxal realidade do aumento da produtividade.

Trata-se de discussão das mais importantes da atualidade, tendo em vista ser um problema global, de efeitos extramente prejudiciais à subsistência do homem e à economia interna de diversos países. O emprego fixo, outrora sólida instituição social, vem paulatinamente sendo derrubado, em face das demandas econômicas. Ainda segundo Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 100):

A questão colocou-se para o direito do trabalho de forma dramática. O contrato de trabalho clássico, sem duração determinada, com ânimo de permanência e perspectiva de estabilidade ou garantia de emprego, está a cada dia mais ameaçado pelo aumento das facilidades na demissão individual ou coletiva, bem como pelas formas atípicas de contratação, que se caracterizam pela precariedade.

No Brasil, são alarmantes os índices de desemprego. Observam-se nas tabelas a seguir [04] o nível de desemprego, por sexo, nas grandes metrópoles do nosso país:

Período

Regiões Metropolitanas e Distrito Federal

Belo Horizonte

Distrito Federal

Porto Alegre

Total

Homens

Mulheres

Total

Homens

Mulheres

Total

Homens

Mulheres

1998

15,9

13,7

18,7

19,7

17,4

22,1

15,9

13,7

18,6

1999

17,9

15,9

20,4

22,1

19,2

25,2

19,0

16,7

21,9

2000

17,8

16,1

19,9

20,2

17,7

22,9

16,6

14,2

19,6

2001

18,3

16,2

20,8

20,5

17,6

23,6

14,9

12,3

18,2

2002

18,1

15,7

20,8

20,7

18,0

23,6

15,3

13,1

17,9

2003

20,0

17,1

23,3

22,9

20,2

25,7

16,7

13,9

20,2

2004

19,3

16,8

21,9

20,9

17,9

24,0

15,9

13,1

19,1

2005

16,7

14,0

19,7

19,0

15,9

22,1

14,5

11,9

17,6

2006

13,8

11,0

16,9

18,8

15,9

21,8

14,3

12,0

16,9

2007

12,2

8,9

15,9

17,7

14,7

20,7

12,9

10,2

16,0

2008

9,8

7,2

12,7

16,6

13,4

19,8

11,2

8,8

13,9

2009

10,3

8,2

12,8

15,8

13,0

18,8

11,1

9,1

13,5

janeiro/2010

9,6

7,8

11,7

14,7

12,4

17,0

9,7

7,6

12,0

fevereiro/2010

9,7

7,9

11,9

14,1

11,5

16,9

9,6

7,8

11,6

 

 

Período

Regiões Metropolitanas e Distrito Federal

Recife

Salvador

São Paulo

Total

Homens

Mulheres

Total

Homens

Mulheres

Total

Homens

Mulheres

1998

21,6

19,0

24,9

24,9

22,9

27,1

18,2

16,1

21,1

1999

22,1

19,6

25,2

27,7

25,8

29,9

19,3

17,3

21,7

2000

20,7

18,2

23,9

26,6

24,1

29,3

17,6

15,0

20,9

2001

21,1

17,8

25,3

27,5

25,0

30,2

17,6

14,9

20,8

2002

20,3

17,6

23,6

27,3

24,9

29,9

19,0

16,4

22,2

2003

23,2

20,0

27,0

28,0

26,1

30,1

19,9

17,2

23,1

2004

23,1

20,3

26,5

25,5

23,2

28,0

18,7

16,3

21,5

2005

22,3

19,2

26,0

24,4

21,3

27,8

16,9

14,4

19,7

2006

21,3

18,4

24,8

23,6

20,4

27,0

15,8

13,4

18,6

2007

19,7

16,9

23,1

21,7

18,4

25,3

14,8

12,3

17,8

2008

19,6

16,9

22,9

20,3

16,5

24,1

13,4

10,7

16,5

2009

19,2

16,3

22,7

19,4

15,9

23,2

13,8

11,6

16,2

janeiro/2010

17,9

14,9

21,4

17,7

14,6

21,0

11,8

9,9

14,1

fevereiro/2010

19,0

16,0

22,5

18,8

15,4

22,5

12,2

10,4

14,3

Fonte: Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego. Amostras em porcentagem.

Pelo gráfico acima acostado, evidencia-se que a margem de desemprego nas grandes metrópoles do País, muito embora tenha retrocedido no começo de 2010, ainda encontra-se em taxas alarmantes.

O trabalho (seja oriundo de vínculo empregatício ou não) é um direito constitucionalmente valorado a todos os cidadãos. Reconhece o art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 o trabalho como um "Valor Social". Segundo Pedro Lenza (2009, p. 759):

Trata-se, sem dúvida, de importante instrumento para se implementar e assegurar a todos uma existência digna, conforme estabelece o art. 170, caput. O Estado deve fomentar uma política econômica não recessiva, tanto que, dentre os princípios da ordem econômica, destaca-se a busca do pleno emprego (art. 170, VIII). Aparece como fundamento da República (art. 1º, IV), e a ordem econômica, conforme os ditames da justiça social, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

Como direito constitucionalmente garantido, o Estado, e a doutrina de uma forma geral, buscam alternativas para solução da crise empregatícia, onde surge, novamente, a ideia de flexibilização, para aqueles defensores da relativização dos direitos trabalhistas em prol de um bem maior: a oferta e manutenção do emprego.

Neste sentido, do combate ao desemprego, surgem opiniões doutrinárias diversas, das mais brandas até àquelas que já apontam para o radicalismo. É o caso da apocalíptica opinião de Jeremy Rifkin (1995, p. 13):

Para alguns, especificamente para os cientistas, engenheiros e empregadores, um mundo sem trabalho sinalizará o início de uma nova era na história, na qual os seres humanos serão libertados finalmente de uma vida de árduo trabalho e de tarefas repetitivas sem sentido. Para outros, a sociedade sem trabalhadores evoca a idéia de um futuro sombrio de desemprego em massa e pobreza generalizada, acentuada por tumultos sociais e revoluções. Em um ponto, virtualmente todas as correntes em disputa concordam. Estamos, efetivamente, entrando em um novo período na história – em que cada vez mais as máquinas tomarão o lugar dos seres humanos no processo de fabricação e de transporte de bens e fornecimento de serviços. Esta conscientização levou o Newsweek a considerar o impensável num recente artigo dedicado ao desemprego tecnológico. ‘E se realmente não existissem mais empregos?’perguntou o Newsweek. A ideia de uma sociedade não baseada no trabalho é tão completamente estranha a qualquer conceito que tenhamos sobre como organizar grandes quantidades de pessoas num todo social, que nos defronta com a perspectiva de precisar repensar a própria base do contrato social.

Algumas opiniões significativas posicionam-se favoravelmente à prática da flexibilização trabalhista como forma de manutenção e oferta de emprego remunerado. Começa-se por Sergio Pinto Martins, que assevera (2009, p. 36):

O aumento do desemprego também é causado, entre outras hipóteses, pela rigidez da legislação trabalhista. Daí se pretender flexibilizar a relação de trabalho para a diminuição do desemprego, a eliminação de horas extras, o trabalho a tempo parcial, a divisão do posto de trabalho, etc.

Observa-se, no trecho supramencionado, opinião no sentido de que uma menor rigidez nas relações de trabalho seria apta a uma modificação no mercado de trabalho tendente a uma maior oferta de emprego. Discutíveis são as formas apontadas para tal intento, entretanto, tais formas serão discutidas no momento oportuno.

No mesmo sentido é a arguta lição de Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p.101), para quem:

O crescimento constante do desemprego é um fato concreto e, por isso, as políticas passam da lógica social para a lógica do emprego. A flexibilização do contrato individual pode contribuir para a manutenção dos empregos, quando propõe substituir a rigidez da qualificação profissional pela polivalência de funções do empregado, ensejando maior mobilidade ocupacional. Essa técnica beneficia o emprego na medida em que, ampliando o jus variandi, aumenta as possibilidades de sua conservação.

Para Luiz Carlos Amorim Robortella, conforme evidenciado pelo excerto acima colacionado, a flexibilização do contrato individual de trabalho é o caminho apto para uma maior oferta de empregos. Através, da ampliação do bojo de tarefas (polivalência) do empregado, este estaria apto a ocupar os mais diversos postos de trabalho, o que lhe possibilitaria tanto a permanência na mesma empresa (remanejamento), como a busca por outro posto de trabalho, com maior facilidade. Sugere ainda (1994, p. 101) a reforma das leis trabalhistas, de forma que estas sejam um incentivo à geração de empregos.

Segundo artigo elaborado pelo DIEESE [05], a redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas seria uma forma hábil para criação de postos de trabalho. Trata-se, de fato, de uma forma de flexibilização extremamente benéfica aos trabalhadores. Assim dispões o artigo:

g) O Brasil tem um contingente grande de desempregados – em torno de 3 milhões, apenas nas sete regiões metropolitanas pesquisadas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE, a Fundação Seade e convênios regionais. A proposta de redução da jornada das atuais 44 para 40 horas semanais tem potencial para gerar mais de 2,5 milhões de postos de trabalho. [...] i) A jornada de trabalho no Brasil está cada vez mais flexível, dado que às tradicionais formas de flexibilização do tempo - como a hora extra, o trabalho em turno, o trabalho noturno, as férias coletivas -, somaram-se novas formas - como a jornada em tempo parcial, o banco de horas e o trabalho aos domingos. (grifo nosso)

Mencionado artigo do DIEESE pauta-se em proposta de Emenda Constitucional, em trâmite no Congresso Nacional (PEC 231/95 [06]), voltado a redução da jornada máxima de trabalho semanal, atualmente de 44 horas, para 40 horas. Dentre as justificativas para tal atenuação da duração semanal de trabalho está justamente a possibilidade de abertura de novos postos de trabalho, advindos da brecha deixada pela redução da jornada, fazendo com que atuem dois empregados onde normalmente atua somente um. Acerca do assunto, importante a lição de Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 41):

A classe trabalhadora começou a lutar por bandeiras diferentes das tradicionais, dentre as quais a redução das horas de trabalho como meio de combate ao desemprego, na medida em que o tempo preenchido em horas extras com um empregado poderia servir à ocupação de outro. Na Europa, mediante acordos coletivos, houve significativas reduções da jornada de trabalho, exemplificando-se, na Alemanha, com o acordo entre a Volkswagen e o sindicato dos trabalhadores, que permitiu a conservação de cerca de 30.000 empregos. Ampliaram-se, em alguns países, os contratos por prazo determinado, como na Espanha e Argentina, autorizados em novas hipóteses e desonerando a empresa de alguns encargos sociais, com o objetivo de promover a absorção de desempregados na medida da redução do custo do trabalho no término do vínculo jurídico.

Deve-se, também, de outro giro, evidenciar a opinião de ilustres doutrinadores que repudiam a ideia da flexibilização, mesmo em situação emergenciais, como no caso da crise empregatícia. Neste, sentido, manifesta-se Maurício Godinho Delgado (2008, p. 201):

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar efetiva liberdade no contexto da relação empregatícia: é que aquele contingencialmente atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial.

Para Maurício Godinho Delgado, deve prevalecer em todo o caso os princípios da Imperatividade das Normas Trabalhistas e da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas (2008, p. 201), de forma que é incabível a flexibilização que de qualquer forma afete direitos dos trabalhadores de forma prejudicial.

Segundo Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p.130), não seria possível, por ser proibida constitucionalmente, a flexibilização de normas trabalhistas sem uma contrapartida de igual benefício, ou seja, a supressão de um direito trabalhista só seria permitida mediante uma contrapartida referente a um benefício de igual peso. Neste sentido:

Vemos, desde logo, que, dada a seriedade do tema, o legislador constitucional permite negociação, mas sempre coletiva, a fim de que haja negociação em situação de igualdade entre empresa e sindicato, o que não ocorre na relação empresa e empregado individualmente considerado. E a nosso ver, não permite o legislador constitucional, ainda que por instrumento coletivo, simples redução ou supressão de garantia constitucional ou legal, mas negociação que altere certo benefício em troca de outra vantagem, ou retire certo direito em favor de outra garantia compensatória. (Grifou-se)

Pelo exposto, observa-se a pertinência da flexibilização trabalhista quando aborda-se o tema do desemprego. Pautado na opinião da doutrina abalizada, evidencia-se que a relativização de algumas normas jurídicas trabalhistas poderia vir a ser meio hábil para criação de postos de trabalho. De outro giro, muitos são os que refutam com veemência a possibilidade de qualquer prejuízo aos direitos trabalhistas, ainda que em situação emergencial.

No próximo capítulo, onde serão abordados os limites da flexibilização trabalhista, ficará mais clara a posição daqueles que refutam tal tese, assim como os limites daqueles que a apregoam.


CAPÍTULO III - CLASSIFICAÇÃO, CORRENTES E LIMITES: PANORAMA SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

Após o estudo das causas geradoras, ou motivadoras, da flexibilização trabalhista, insta-nos trabalhar, neste momento, com questões doutrinárias circundantes do tema.

No presente capítulo, serão abordadas questões doutrinárias pertinentes à flexibilização trabalhista, segundo as mais diversas vertentes dos doutos na questão, com intuito de conceder ao leitor uma visão mais ampla sobre o tema.

Tendo em vista que o presente trabalho, em momento algum, buscou defender uma posição definitiva acerca da questão, cumprindo somente a instrutiva intenção de trazer luzes acerca do tema, importante enfocar aspectos doutrinários abordados por diversos autores que enfrentaram a questão.

Quando da abordagem das possíveis classificações da flexibilização trabalhista, busca-se trazê-las da forma mais ampla possível, notando-se que por diversas vezes, esta classificação confundir-se-á com a própria classificação do ordenamento jurídico trabalhista.

Quanto aos limites da flexibilização, pertinente o foco nas questões legais, principiológicas e doutrinárias que limitam o alcance da relativização das normas trabalhistas, de forma a não deixar o trabalhador sem qualquer forma de proteção estatal.

Segundo Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 211), "o Direito do Trabalho caracteriza-se como um ramo do Direito de natureza marcadamente protecionista", de forma que não pode manter-se completamente alheio, não havendo de falar-se em "desregulamentação", conforme já exposto no primeiro capítulo do presente estudo.

Acerca das correntes sobre a flexibilização, patente o caráter doutrinário da abordagem, conquanto apontar-se-ão alguns autores, e posições, acerca do tema. Tratam-se de opiniões técnicas nas mais diversas vertentes, que vão da afirmação da possibilidade de relativização dos direitos laborais, à completa negativa desta possibilidade.

Indica-se ao leitor que, ao estudar o presente capítulo, desprenda-se de qualquer posição pré-formada, de forma a alcançar o mais amplo conhecimento acerca da matéria, em uma visão panorâmica acerca da questão.

3.1 Classificações doutrinárias da flexibilização trabalhista

A abordagem acerca das diversas classificações da flexibilização trabalhista é de grande interesse acadêmico, sendo também de utilidade prática para entendimento das formas através das quais se efetiva a relativização dos direitos obreiros. Importante a lição de Carrió (1986, p. 99, apud MARTINS, 2009, p. 31), quando aduz que "as classificações não são verdadeiras ou falsas, mas úteis ou inúteis". Busca-se no presente trabalho limitar-se o número de classificações, de forma a trazer aquelas de conteúdo mais prático.

Quanto à legalidade, a flexibilização pode ser legal (ou autorizada), ou ilegal (MARTINS, 2009, p. 31). Será legal ou autorizada quando a própria lei permite a flexibilização trabalhista, como na redução da jornada de trabalho (Art. 7º, XIII, da CF), ou na redução salarial mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF). Será ilegal ou ilícita quando a flexibilização for utilizada para fins escusos, com o intento de burlar a lei e os direitos trabalhistas. Pedro Paulo Teixeira Manus é preciso ao abordar o tema (2006, p. 130):

Todavia, a redução de custos deve ser feita de forma lícita, isto é, buscando reduzir despesas possíveis de se evitar, sob pena de infringir a lei. Nesse sentido é que se condena a terceirização, quando se busca utilizá-la de forma ilícita, precarizando as condições de trabalho. É possível terceirizar quando a empresa que passa a prestar aqueles serviços tem condições de fazê-lo de forma melhor que a tomadora de serviços por conta própria. Mas tal modificação encontra óbice quando as condições contratuais dos novos trabalhadores passam a ser desvantajosas em relação aos contratos mantidos pela tomadora de serviços.

Na obra de Amauri Mascaro Nascimento encontramos exemplos de flexibilizações legais operadas no direito estrangeiro (2009, p. 171):

O Chile, com o Código do Trabalho de 1973, igualou os direitos mais amplos previstos para determinadas profissões com os fixados para o trabalhador em geral, aumentou o poder do empregador para alterar as funções dos empregados, o local de trabalho e os horários e vetou a duplicidade de indenizações de dispensa, a legal e a convencional, e a reintegração do trabalhador no emprego pela via judicial.

O Panamá, com a Lei n. 1/86, Lei de Reforma Laboral, ampliou a duração do contrato de experiência, reduziu o adicional de horas extraordinárias e redefiniu o salário.

A Colômbia, com a Lei n. 50/90, também diminuiu o adicional de horas extras e reconceituou o salário.

O Equador, com a Lei n. 133/91, promoveu restrições à atividade sindical e à autotutela(...).

A flexibilização também pode ser legislada ou negociada (MARTINS, 2009, p. 31). Confunde-se a flexibilização legislada com a flexibilização legal, tendo em vista que ambas pautam-se na questão da origem da relativização ser a própria Lei. Já flexibilização negociada, segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 171), é "resultante da autonomia coletiva para adaptação e re-regulamentação do direito do trabalho(...)". Na legislação pátria, temos já exemplos de flexibilização negociada, a exemplo da possibilidade de redução salarial mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF).

Importante e pertinente a lição oferecida por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 207):

Em linhas gerais, porém, pode-se esclarecer que as diversas garantias fixadas pela ordem jurídica não tem caráter absoluto, usualmente acolhendo restrições. Ilustrativamente, a proteção relativa ao valor do salário ainda não o preserva de perdas decorrentes da corrosão monetária; a vedação a mudanças contratuais e normativas provocadoras da redução de salários pode ser flexibilizada mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF/88); a garantia de integralidade salarial, com controle de descontos em seu montante, é excepcionada pela própria norma jurídica que a instituiu (Art. 462, CLT); a proteção contra constrições externas, como a penhora, embora ampla, encontra exceção na prestação alimentícia (art. 649, CPC).

Arnaldo Sussekind (2005, p. 209), em sua obra conjunta com outros mestres, nos traz uma classificação quanto aos agentes da flexibilização, aduzindo que, quanto a esta, a flexibilização pode ser:

a)Unilateral, quando imposta por autoridade pública ou pelo próprio empregador (p. ex.: Chile, Panamá e Peru);

b)Negociada com o sindicato ( p. ex.: Brasil, Espanha e Itália);

c)Mista, isto é, unilateral ou negociada, conforme a hipótese (p. ex.: Argentina).

Quanto à fonte do direito da qual emana, a flexibilização pode ser heterônoma ou autônoma (MARTINS, 2009, p. 32). Será heterônoma quando vier de forma externa às partes, a exemplo do Estado, que estabelece Leis sem prévio ou necessário consentimento de empregado ou empregador. É considerada autônoma a forma de flexibilização feita pela vontade das partes, a exemplo da forma negociada, já trabalhada no presente tópico.

Ainda, quanto à finalidade, ou seja, o intuito do Estado ou das partes quando da relativização das normas jurídicas trabalhistas, a flexibilização pode ser de proteção, adaptação ou de desproteção. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 32):

Com respeito à finalidade, a flexibilização pode ser: (a) de proteção, visando preservar a ordem pública social, de forma a adaptar a lei à realidade dos fatos, mediante acordos derrogatórios; (b) de adaptação, em que são feitos acordos derrogatórios; (c) de desproteção: quando há a total supressão de direitos dos trabalhadores, que foram adquiridos no curso do tempo.

Quanto à finalidade de "desproteção", insta salientar não ser esta uma finalidade permitida no Brasil, tendo em vista a constitucionalização dos direitos trabalhistas, que ganharam status de direitos e garantias fundamentais do ordenamento pátrio. Segundo Carlos Roberto Cunha, Juiz do Trabalho e ex-professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2004, p. 289):

Os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988 são direitos fundamentais e, em face disso, não podem ser alvo de desconstitucionalização e escapam da alçada do Poder Constituinte derivado. Trata-se de matéria imutável, que não pode ser objeto de emenda constitucional. É verdadeiro que o constituinte ‘não deve converter-se em tirano, aprisionando em camisa de força as gerações futuras e subtraindo-lhes a autonomia decisória e a capacidade de adaptação às mutações sociais’, mas em contrapartida é preciso salvaguardar a constituição das pretensões de maioria parlamentar de ocasião, de derrubada de matéria que constitui pilar da ordem jurídica."

Entrementes, pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 209) que, nas hipóteses de flexibilização esculpidas na própria Constituição Federal, não poderá ser invocada a garantia prevista no artigo 468 da CLT (inalterabilidade contratual lesiva), tendo em vista que a Carta Magna delegou aos entes trabalhistas coletivos a possibilidade de dispor de direitos individuais dos empregados por eles representados. Trata-se de verdadeiro aval constitucional para que o sindicato, em situações pertinentes, sopesando benefícios e ônus, restrinja direitos trabalhistas de seus representados.

Outra classificação pertinente é a que divide a flexibilização em quantitativa externa, quantitativa interna e flexibilização funcional. Tal classificação relaciona-se ao âmbito do empregador (âmbito empresarial) e da atividade produtiva empresarial. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 32):

Tem-se dividido a flexibilização do trabalho em: (a) quantitativa externa, que trata da contratação do trabalhador e das facilidades com que pode ser despedido de acordo com as necessidades da empresa; (b) quantitativa interna, que engloba a utilização do tempo do empregado, como o horário de trabalho, o trabalho a tempo reduzido, a modificação da função do trabalhador; (c) flexibilização funcional, que diz respeito aos métodos ou técnicas de gestão de mão-de-obra em decorrência das exigências da produção.

Esta forma de classificação enfoca sobremaneira os interesses empresariais em detrimento do interesse do empregado. Pode-se visualizar nesta forma de classificação uma grande relativização do princípio da proteção, já consagrado no direito laboral pátrio. Maurício Godinho Delgado (2008. p. 196-197) enfoca sobremaneira a importância do princípio da proteção nas relações laborais, que atua como verdadeiro balanceador das relações entre empregados e empregadores, tendo em vista a patente diferença de forças entre as partes:

Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.

Quanto à mobilidade, a flexibilização pode ser externa e interna (MARTINS, 2009, p. 33). Reputa-se externa a flexibilização que reflete sobre a contratação do empregado pelo empregador, ou seja, sobre a forma de pactuação do contrato de trabalho (se por tempo determinado ou indeterminado, em caráter de experiência ou não, o período de jornada a ser exercida, etc.). A flexibilização interna, por sua vez, analisa a mobilidade horizontal ou vertical do trabalhador, no que diz respeito à possibilidade de alteração de funções de um mesmo trabalhador, transferência em caso de necessidade, promoção ou rebaixamento de função.

Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169), acerca da flexibilização externa e interna, respectivamente, aduz a seguinte proposição:

A primeira designa os tipos de contrato de trabalho diante da nova tecnologia, da economia de serviços, da sociedade de informação e do desemprego; a segunda, dentro do contrato individual de trabalho, isto é, inerente aos direitos do trabalhador, como já foi acima mostrado.

Entretanto, deve-se observar a garantia mínima de direitos aos obreiros, de forma que a maleabilização das normas jurídicas laborais não seja uma forma oculta de extinção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Para encerrar as classificações expostas pela doutrina abalizada, trazidas em caráter exemplificativo, e não exauriente, fala-se em flexibilização in mellius e flexibilização in pejus (Martins, 2009, p. 34). A primeira diz respeito às formas de flexibilização que trazem melhorias às condições de trabalho, sendo benéficas ao empregado. A segunda, por sua vez, reflete-se nas medidas tomadas em tempos de crise, e que por sua vez são prejudiciais aos trabalhadores, à exemplo do que ocorre com a possibilidade de redução salarial mediante negociação coletiva, utilizada em épocas de crise para que se possa evitar a dispensa dos empregados dos postos de trabalho que ocupam.

Verifica-se o vasto espectro de classificações dadas pela doutrina à flexibilização das normas trabalhistas. Muitas se confundem, ou são verso e anverso de uma mesma folha. De toda forma, bastante úteis são estas classificações para que se entenda a dimensão e o alcance da flexibilização no âmbito normativo e empresarial

3.2 Correntes doutrinárias sobre a aplicabilidade da flexibilização trabalhista

A doutrina consente em ao menos três correntes sobre a flexibilização trabalhista: a flexibilista, a antiflexibilista e a semi-flexibilista (NASCIMENTO, 2009, p. 169). Pela própria nomenclatura, evidencia-se, em apanhado raso, tratarem-se de teorias pró, contra e mista acerca da flexibilização. Cada uma destas teoria possuem defensores no plano nacional e internacional.

Para aqueles filiados à corrente flexibilista, a flexibilização é uma realidade palpável e necessária ante a realidade econômica vivenciada em determinados períodos. Adaptação é a palavra chave para esta corrente, que vê na relativização das normas trabalhistas uma forma de atenuar os efeitos de crises econômicas no âmbito empresarial, e também como forma de evitar dispensa em massa de empregados. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169):

Primeira, a flexibilista, cujas ideias são sintetizadas na manifestação de Lobo Xavier, em Portugal, no seu Curso de direito do trabalho (1993), que mostra que o direito do trabalho passa por fases diferentes, a da conquista, a promocional e a de adaptação à realidade atual, com as convenções coletivas de trabalho desenvolvendo cláusulas in melius e in pejus, na tentativa de dar atendimento às condições de cada época e de cada setor. É a posição, no Brasil, dentre outros, de Robortella, ao mostrar a natureza cambiante da realidade econômica, com o que uma norma pode ser socialmente aceita num período de abastança, mas absolutamente nociva numa sociedade em crise e desemprego.

De fato, temos em Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 94) um dos maiores expoentes nacionais da corrente flexibilista, tendo em vista que já no século passado defendia posição favorável à adaptação normativa à realidade econômica. Em sua obra O Moderno Direito do Trabalho, trabalhou com grande profundidade a questão da flexibilização em contraponto com os dogmas trabalhistas. Veja-se o seguinte (1994, p. 113-114):

A flexibilização é uma realidade do mercado de trabalho, a exigir o devido diagnóstico da ciência jurídica e, em decorrência, o estudo das soluções normativas adequadas. Não se pode ignorá-la, como se não dissesse respeito ao direito do trabalho. É uma realidade inafastável, palpitante, que anseia pela intervenção do jurista, dando-lhe o tom, o ritmo e o conteúdo.

A polêmica sobre a conciliação das políticas flexibilizatórias com os princípios do direito do trabalho é intensa. Os defensores da flexibilização muitas vezes caem em certo dogmatismo em suas posições.

Esbarram os defensores da corrente flexibilista, de fato, na grande tutela do Estado para com o trabalhador, tendo em vista o vasto rol normativo e principiológico que ampara o obreiro, com o intuito, anteriormente já dito, de equiparar juridicamente forças diferentes.

Para Sergio Pinto Martins (2009, p. 29), a corrente flexibilista pressupõe o fato de o Direito do Trabalho passar por fases distintas, sendo que em um primeiro momento deve-se assegurar os direitos trabalhistas, enquanto uma conquista dos trabalhadores. Em um segundo momento, ocorre a promoção, a divulgação ou popularização, das normas trabalhista. E, por fim, em um terceiro momento, devem as normas trabalhistas se adaptarem à realidade dos fatos, aplicando-se normalmente a lei em períodos de tranquilidade, e flexibilizando-a em épocas de crise, como forma de atenuar os seus efeitos nocivos, inclusive prejudicando a condição dos trabalhadores enquanto a situação assim perdurar.

Em uma leitura global da obra de Sergio Pinto Martins, observa-se sua tendência flexibilista, como podemos ver no excerto a seguir, ainda na introdução da obra (2009, p. 2):

A necessidade das mudanças nas relações trabalhistas, de forma a reduzir os custos do trabalho para o empregador, levam à necessidade da flexibilização do Direito do Trabalho e de serem estabelecidas modificações.

Afirma Portalis que "é preciso mudar, quando a mais funesta de todas as inovações seria, por assim dizer, não inovar. Não devemos ter preconceitos cegos. Tudo o que é antigo já foi novo.

Como dizia Camões: "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; muda-se o ser, muda-se a confiança; todo mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades".

Há, portanto, necessidade de mudanças também no campo do Direito do Trabalho.

A segunda corrente citada pela doutrina é a denominada corrente antiflexibilista. São defensores dessa proposição aqueles que veem a flexibilização como um retrocesso as garantias dos trabalhadores. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169):

Segunda, a antiflexibilista, sustentada, de certo modo, por Vazquez Vialard, em sua obra La flexibilidade em el derecho Del trabajo (1998), que pergunta se essa proposta é mero pretexto para reduzir os direito dos trabalhadores ou é, na verdade, uma adequação dos direito do trabalho à realidade. É a posição, no Brasil, dentre outros, de Orlando Teixeira da Costa, que diz que a flexibilização pode agravar a condição dos hipossuficientes sem contribuir para o fortalecimento das relações de trabalho.

Para Sergio Pinto Martins (2009, p. 29), a corrente antiflexibilista, para seus defensores, aponta a relativização de direitos trabalhistas como um grave retrocesso, tendo em vista que os direitos sociais, conquistados ao decorrer de longos anos, a duras penas, pelos trabalhadores, não podem ser simplesmente suprimidos. Cumpre evidenciar o excerto que sintetiza tal ideia (2009, p. 29):

A teoria antiflexibilista mostra que a flexibilização do Direito do Trabalho é algo nocivo para os trabalhadores e vem a eliminar certas conquistas que foram feitas nos anos, a duras penas. Seria uma forma de reduzir direitos dos trabalhadores. Poderia haver agravo das condições dos trabalhadores, sem que houvesse qualquer aperfeiçoamento ou fortalecimento das relações de trabalho.

Para os defensores dessa corrente, os direitos trabalhistas, tanto aqueles consubstanciados em normas quanto aqueles expressos em princípios, constituem óbice à flexibilização, que, por sua vez, seria um verdadeiro retrocesso aos direitos conquistados pelos obreiros. No Brasil, Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 129) adere à teoria antiflexibilista, propugnando ser a flexibilização um teoria prejudicial ao obreiro. Cumpre colacionar trecho de sua lição:

[...] a flexibilização e a terceirização são prejudiciais aos trabalhadores. Isso porque ambas são modos de tratamento da prestação de serviços que oferecem vantagens ao capital, mesmo porque, se assim não fosse, ao empregador de nada adiantaria e, portanto, delas não se utilizaria. E, se são formas de economizar com mão-de-obra, é evidente que resultam prejuízo aos trabalhadores. Não obstante isso, tais fenômenos são fruto dos tempos atuais, da grande concentração de capitais e das leis de mercado que vivemos.

Temos em Maurício Godinho Delgado também um ferrenho defensor dos direitos trabalhistas, propugnando que a função do direito do trabalho é equilibrar a posição jurídica de partes economicamente diversas. Nesse sentido, propugna o ilustre Ministro (DELGADO, 2008, p. 195):

Toda estrutura normativa do Direito Individual do Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central desse ramo jurídico específico. Em tal relação, o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações – ainda que intra-empresariais – têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla.

Em contrapartida, no outro polo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que, como sujeito desse vínculo sócio jurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comuniário. Essa disparidade de posições na realidade concreta fez emergir um Direito individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego. (Grifo nosso)

Sendo a função primordial do Direito Individual do Trabalho o equilíbrio jurídico das partes pactuantes do contrato laborativo, evidencia-se ma flexibilização um desnível que não poderia ser aceita pelas normas trabalhistas, tendo em vista o prejuízo a ser arcado pelos trabalhadores.

Por fim, temos a chama corrente semiflexibilista. Essa corrente, e os defensores a ela filiados, propugna que a flexibilização tem cabimento somente quando há intervenção do ente coletivo representante dos trabalhadores. É dizer: somente pela autonomia coletiva pode se dar a flexibilização dos direitos individuais dos trabalhadores. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 170):

Terceira, a semiflexibilista, que nos parece resultar de posicionamentos como o de Romagnoli (1992), na Itália, para quem a flexibilização deve começar pela autonomia coletiva, para evitar riscos, por meio de negociações coletivas, tese que é simpática também a Uriarte (1992), no Uruguai, que propõe a desregulamentação do direito coletivo.

Pressupõe esta corrente que, representados os obreiros pelo seu órgão coletivo (sindicato), haveria uma maior proteção aos seus direitos, que só seriam feridos em casos extremos, como forma de se evitar, por exemplo, a dispensa do posto de trabalho ocupado. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 29):

Prega a teoria semiflexibilista a observância da autonomia privada coletiva e também sua valorização plena. A flexibilização seria feita pela norma coletiva, havendo uma desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho, por meio das convenções ou acordos coletivos.

Evidencia-se, portanto, a diversidade de correntes adotadas por aqueles que enfrentam o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas. As três correntes possuem méritos, devendo o leitor filiar-se àquela que melhor coaduna com o entendimento jurídico acerca do tema. Cada uma destas correntes privilegia uma determinada finalidade: enquanto a corrente flexibilista visa a adequação do direito à realidade econômica, a corrente antiflexibilista põe em evidência os direitos dos trabalhadores e a teoria semiflexibilista ressalta a importância da liberdade da negociação coletiva.

3.3 Limites aos atos de flexibilização das normas trabalhistas

Como já exposto em capítulo anterior do presente trabalho, e rememorado na introdução do presente capítulo, a flexibilização dos direitos trabalhistas não implica, para a maioria dos autores que a defendem, uma prática de desregulamenção.

Embora já explicitado no tópico pertinente, que abordava o conceito de flexibilização, cumpre novamente evidenciar, aos estudarmos os limites da flexibilização trabalhista, que esta não implica a total omissão, ou falta de tutela, estatal em relação ao trabalhador. Há um mínimo, segundo cada autor, que deve ser respeitado como forma de preservação da dignidade do trabalhador. Conforme apontado por Arnaldo Sussekind (2005, p. 206):

A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.

Sergio Pinto Martins (2009, p. 129) aponta que os limites à flexibilização trabalhista, sob o prisma da admissibilidade, podem ser entendidos como admissíveis ou inadmissíveis. Admissíveis são os limites que, mesmo em momentos de crise, garantem um mínimo de direitos aos trabalhadores, permitindo a continuidade da empresa (setor produtivo). Inadmissíveis são os limites estabelecidos com fim único de suprimir direitos trabalhistas.

Insta salientar que os limites à flexibilização variam segundo a corrente defendida acerca da aceitação da relativização das normas trabalhistas. Assim, para a corrente antiflexibilista, toda forma de flexibilização não permitida pela Constituição será considerada lesiva ao interesse do trabalhador, e portanto não será aceita (MANUS, 2006, p. 130). Para aqueles defensores da corrente flexibilista, os limites serão os mínimos possíveis. Assim pontifica Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 122):

A proteção do trabalho se obtém por meios outros que não a norma estatal. Os interesses do trabalhador podem ser defendidos pelos entes coletivos, no exercício da autonomia privada, até mesmo quando, por livre deliberação do grupo, se entenda adequada e necessária uma redução de direitos. O grupo sempre será o melhor juiz de seus interesses e, com isto, se estará assegurando a plena vigência do princípio da proteção.

O que se propõe é a superação da polêmica entre protecionismo e flexibilidade, para vir à luz o que se pode denominar protecionismo dinâmico ou protecionismo flexível, em lugar do protecionismo estático.

Criticada a posição acima delineada, tendo em vista a concepção de muitos mestres de que o mercado, ou unicamente a autonomia privada, não é capaz de garantir um mínimo digno ao trabalhador, marcadamente hipossuficientes em relação aos empregadores, donos dos meios produtivos. Conforme pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 207):

Como bem acentuou Lúcio Rodrigues de Almeida, "nos tumultuados tempos em que vivemos, mais avulta a importância do Direito do Trabalho, com a imperatividade de suas normas, como instrumento de luta pelo estabelecimento de uma ordem social justa". Essa imperatividade, com a condição de indisponibilidade, deve corresponder, no entanto, ao nível de proteção abaixo do qual não se pode admitir o trabalho humano com dignidade. Afinal, prescreve o art. 1º da Constituição brasileira que um dos fundamentos do "Estado Democrático de Direito" é "a dignidade da pessoa humana". O que nos parece inconcebível, uma vez que socialmente inaceitável e politicamente perigoso, é que o mundo seja impulsionado unicamente pelas leis do mercado. (grifo nosso)

Interessante a lição trazida por Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 177), quando aponta a tendência moderna, iniciada na Itália, da substituição do garantismo heterônomo pelo garantismo coletivo. Desta forma, intentam alguns defensores da flexibilização que a proteção ao trabalhador, que via de regra se pauta em regras estatais (garantismo heterônomo), passe a se dar a partir da intervenção dos entes coletivos representantes das classes empregadas (garantismo coletivo), de forma que se relegue à iniciativa privada a possibilidade de regular-se sem a intervenção do Estado. Conforme abordado anteriormente, na doutrina brasileira, não é bem vista qualquer possibilidade de se relegar ao setor privado, à economia de mercado, a possibilidade de cuidar das relações empregatícias sem a tutela estatal.

Conforme a didática empregada por Sergio Pinto Martins (2009, p. 129-138), dividiremos os limites à flexibilização em constitucionais e legais, segundo origem de onde emanam (Constituição Federal ou normas infraconstitucionais).

O conhecimento de tais limites é fundamental ao profissional jurídico e ao legislador na abordagem da flexibilização das normas trabalhistas, e seu desconhecimento pode levar o operador do direito a desconsiderar os benefícios trabalhistas conquistados a duras penas, no decorrer de vários anos, em prol da classe trabalhadora.

3.3.1 Limites Constitucionais à flexibilização trabalhista

A Constituição Federal do Brasil, ao mesmo tempo em que prevê formas de flexibilização de alguns direitos trabalhistas, pontifica limites a sua implementação, buscando a proteção do trabalhador, de forma que não seja prejudicado pela desproporção de forças com o empregador.

O primeiro limite constitucional a ser trabalhado refere-se à possibilidade de redução salarial somente por acordo ou convenção coletiva (Art. 7º, inciso VI, Constituição Federal de 1988). A redução salarial, no ordenamento jurídico brasileiro não é possível de forma individual, sendo considerada alteração contratual lesiva ao empregado, revestindo-se o salário de indisponibilidade na esfera individual (MARTINS, 2009, p. 130). Desta forma, a negociação coletiva é um limite a ser respeito para a flexibilização operada sobre os salários, prevista constitucionalmente.

Entretanto, tal limitação constitucional vem sendo acolhida de forma restrita pela jurisprudência. Conforme leciona Maurício Godinho Delgado (2008, p. 765):

A ordem justrabalhista, entretanto, não tem conferido a semelhante garantia toda a amplitude possível. Ao contrário, como se sabe, prevalece, ainda hoje, a pacífica interpretação jurisprudencial e doutrinária de que a regra da irredutibilidade salarial restringe-se, exclusivamente, à noção do valor nominal do salário obreiro (art. 468 da CLT, combinado com art. 7º, VI, CF/88). Interpreta-se ainda hoje, portanto, que a regra não assegura percepção ao salário real pelo obreiro ao longo do contrato. Tal regra asseguraria apenas a garantia de percepção do mesmo patamar de salário nominal anteriormente ajustado entre as partes, sem viabilidade à sua diminuição nominal. Noutras palavras, a ordem jurídica heterônoma estatal, nesse quadro hermenêutico, teria restringido a presente proteção ao critério estritamente formal de aferição do valor do salário.

A redução salarial prevista na Constituição federal abrange todas as verbas explicitadas no parágrafo 1º do artigo 457 da CLT (verbas de natureza salarial). Entretanto, não se deve confundir a irredutibilidade salarial com a remuneração. Esta, por sua vez, pode ser individualmente diminuída, como demonstra Sergio Pinto Martins (2009, p. 130):

A Constituição determina a impossibilidade de redução de salários e não da remuneração. O art. 457 da CLT estabelece que a remuneração é composta de salário mais gorjeta. Salário é o que é pago diretamente pelo empregador ao empregado. Gorjeta é paga pelo cliente. Nada impede, portanto, a redução das gorjetas, que não são salário. O que é proveniente do empregador, que é o salário, não poderá ser reduzido, salvo por negociação coletiva. Salário compreende as verbas contidas no §1º do art. 457 da CLT, como abonos, diárias, gratificações ajustadas, comissões, percentagens, prestações in natura.

Ademais, a própria negociação coletiva concernente à redução de salários não é ilimitada. Conforme pontuado por Sergio Pinto Martins (2009, p. 131), em hipótese alguma a redução salarial pode deixar este em montante inferior ao salário mínimo, garantido constitucionalmente aos trabalhadores (Art. 7º, inciso IV, CF/88).

Ainda que se pactue, no acordo ou convenção coletiva, a redução de jornada de trabalho juntamente com a redução salarial, o salário nunca poderá ficar em margem inferior ao salário mínimo. Ademais, não é conditio sine qua non a existência de uma situação econômica de extrema gravidade, bastando estipularem-se no acordo ou convenção coletiva os limites e condições para redução salarial, que deve possuir caráter temporário, tendo em vista ser medida excepcional (MARTINS, 2009, p. 131).

Ademais, muito embora não seja necessária a comprovação de situação econômica grave à atividade empresarial, patente está que a redução salarial possui um nítido caráter de excepcionalidade. Se assim não fosse, seria utilizado como expediente corriqueiro, de forma prejudicial ao empregado (alteração contratual lesiva). Carlos Roberto Cunha, citando Arnaldo Sussekind acentua este aspecto (2004, p. 265):

A quebra do princípio da irredutibilidade salarial só é válida sob a tutela sindical. Aos contratantes, per si, individualmente considerados, é defeso transacionar a compressão salarial, entretanto a entidade de classe, representante dos interesses coletivos da categoria ou de determinada empresa "poderá – obviamente em situações excepcionais – formalizar essa redução, com as condições em que ele perdurará, no instrumento pertinente da negociação coletiva", acentua Arnaldo Sussekind.

É de suma importância abordar que a redução salarial deve estar acompanhada da garantia de emprego. Isto porque não faria sentido a redução salarial se o escopo não fosse a manutenção do posto de trabalho, de forma a sacrificar temporariamente os ganhos do empregado em prol de um fim maior, que é a continuidade da relação empregatícia. Neste sentido é a arguta lição de Carlos Roberto Cunha (2004, p. 266):

A redução de salários como proposta de negociação coletiva surge sempre acompanhada da ameaça de desemprego. E a negociação coletiva tem por escopo, justamente, preservar o emprego, em troca de um salário menor. Neste passo, a redução salarial, pura e simplesmente, sem a contrapartida do emprego garantido, padece de juridicidade. Sob aparente transação, o que estará sendo convencionado é a renúncia e a disponibilidade injustificada de direitos, o que não é possível, diante de uma suposta autonomia de vontade, entorpecida pelo forte temor reverencial dos trabalhadores, expostos a uma situação de fragilidade mais acentuada, suscetíveis de acatar uma renúncia quase imposta. Dessarte, "só é lícita a redução salarial se o empregado auferir em troca a garantia de emprego. No mínimo, enquanto vigorar o acordo escrito entre os signatários".

Eis uma das formas de flexibilização que coaduna sobremaneira com a ideia do presente trabalho, onde, mediante negociação coletiva, há a redução temporário do salário do empregado, garantindo-se, em contrapartida, a manutenção do posto de trabalho, o que em tempos de altas taxas de desemprego, é um bônus de grande valia ao trabalhador.

Outra forma de flexibilização limitada à negociação coletiva é a que diz respeito à jornada de trabalho, no que concerne à redução ou compensação de horas, na forma do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal.

A flexibilização da duração da jornada de trabalho, ou dos períodos em que o trabalhador deverá exercer suas funções (compensação de horas), deve ser objeto de negociação coletiva, conforme pondera Sergio Pinto Martins (2009, p. 132):

Se o empregado pactuar, mediante acordo individual com o empregador, a compensação do horário de trabalho, terá o segundo de pagar como extras as horas trabalhadas além da oitava diária, pois a compensação de horários, a partir de 5 de outubro de 1988, somente pode ser feita por acordo coletivo ou por convenção coletiva de trabalho, nunca por acordo individual. [...]

Tal entendimento poderia, em uma leitura inicial, esbarrar no conteúdo do enunciado nº 85 [07] do TST, o qual dispõe o seguinte:

Regime de Compensação de Horário Semanal - Pagamento das Horas Excedentes

I - A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

II - O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)

III - O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

IV - A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (grifou-se)

Muito embora seja aceito doutrinária e jurisprudencialmente a pactuação individual da compensação de horas, há um limite, imposto constitucionalmente (art. 7º, inciso XIII, da CF) para tal pacto: a negociação coletiva. Ainda que possam empregadores e empregados decidir na esfera individual a compensação de horas, tal acordo fica adstrito aos limites ponderados pelo acordo ou convenção coletiva aplicável ao caso concreto. Neste sentido, pontua Sergio Pinto Martins (2009, p. 133):

Cabe à norma coletiva estabelecer o limite da compensação e não à lei ordinária, sendo inconstitucional a determinação do §2º do art. 59 da CLT. Assim, a norma coletiva determinará qual é o limite para a compensação da jornada, que pode ser de 120 dias, de um ano, de dois anos, ou qualquer outro período, pois a lei não pode limitar a matéria.

A pactuação em acordo coletivo, e posteriormente o contrato individual de trabalho, da redução da jornada, não implica necessariamente na redução salarial, conforme bem esclarecido por Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 291). Isto porque, segundo o autor, "se o legislador tencionasse acompanhar a redução da jornada de redução salarial, teria sido explícito". Como a Constituição não fez a ligação da flexibilização da jornada de trabalho com a flexibilização do salário, não pode o empregador estipular tal situação em caráter individual, ficando a matéria reservada à negociação coletiva.

Ainda na Pontual lição de Sergio Pinto Martins, devemos colocar em pauta o artigo 7º, inciso XIV da Constituição Federal, o qual estipula o a jornada de 6 horas de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, salvo por negociação coletiva. Pondera que (MARTINS, 2009, p. 133):

Determina o inciso XIV do art. 7º da Lei Magna ser de 6 horas o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. O limite de horas a serem trabalhadas nos turnos ininterruptos de revezamento será determinado na norma coletiva, que poderá especificar 7 horas de trabalho, 8 horas de trabalho, 9 horas, 10 horas etc. O inciso XIV do art. 7º da Constituição não dispõe que adotada jornada superior a 6 horas deve-se observar o limite de 44 horas ou de 36 horas. Se a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. A Constituição ressalva a previsão de negociação coletiva, que portanto não precisa respeitar o módulo semanal, salvo se a norma coletiva dispuser exatamente nesse sentido.

Conforme ainda pontificado pelo autor, devemos observar a súmula 423 do TST (2009, p. 133), a qual dispõe [08]:

Turno Ininterrupto de Revezamento - Fixação de Jornada de Trabalho - Negociação Coletiva

Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras. (grifou-se)

A súmula estipula, corroborando com o texto constitucional, que, somente mediante negociação coletiva, podem-se estender os turnos interruptos de revezamento além das 6 horas previstas normativamente. Em uma interpretação contrariu sensu, entende-se que qualquer forma de ampliação da jornada, em turnos ininterruptos de revezamento, para além das 6 horas previstas, que seja feita de forma individual, é inválida.

Quanto aos limites constitucionais, é bastante explícita a Carta Magna, nas poucas situações em que flexibiliza direitos trabalhistas, em aclarar que estes só poderão ser modificados com intervenção do ente coletivo representante dos trabalhadores. Conforme abordado no tópico referente às classificações da flexibilização, diz-se que a forma adotada pela Constituição Federal é a forma negociada (MARTINS, 2009, p. 31), onde se privilegia a pactuação coletiva, entendendo-se que esta preserva de melhor forma os interesses do obreiro, de forma que haja de fato uma transação entre empregados e empregadores, e não uma mera renúncia.

3.3.1 Limites Legais à flexibilização trabalhista

Estudados os limites constitucionais, de valor primordial na ordem jurídica trabalhista pátria, cumpre ainda a busca e estudo de alguns limites à flexibilização que, embora amparados pela Carta Constitucional, possuem previsão expressa nas normas infraconstitucionais, constituindo óbice à livre relativização dos direitos dos trabalhadores, atuando na proteção destes.

Pontua a doutrina de Sergio Pinto Martins (2009, p. 135), que são limites legais todas as normas infraconstitucionais de caráter público, imperativo, que não podem ser derrogadas por iniciativa das partes, por revestirem-se de patente caráter de indisponibilidade.

É o exemplo das normas referentes ao intervalo intrajornada a ser gozado pelo trabalhador. Segundo Maurício Godinho Delgado (2008, p. 922):

As normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica dos intervalos trabalhistas também são, de maneira geral, no Direito brasileiro, normas imperativas. O caráter de obrigatoriedade próprio às regras do Direito do Trabalho também é aqui especialmente enfatizado.

[...]

A transação meramente bilateral, sem substrato em negociação coletiva, também se submete ao mesmo conjunto indissolúvel de princípios e regras. Desse modo, como critério geral, será inválida a transação bilateral que provoque prejuízo ao trabalhador. Ilustrativamente, redução de intervalo por aquém do mínimo fixado na legislação (como o intervalo para refeição e descanso de, pelo menos, uma hora – art. 71, caput, CLT); ou eliminação de intervalo remunerado habitual, espontaneamente concedido pelo empregador (súmula 118, TST).

Conforme bem pontuado por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 923), somente na situação prevista no artigo 71, §3º da CLT pode o empregador diminuir o período de intervalo intrajornada, pois tal condição não representa prejuízo ao trabalhador, tendo em vista que se aplica no caso do local de trabalho contar com todo aparato para alimentação de forma ágil e higiênica para seus empregados, devendo haver aval do Ministério do Trabalho para que ocorra tal diminuição.

Aduz ainda o renomado autor (DELGADO, 2008, p. 923) que o limite para negociação coletiva acerca do intervalo é o chamado princípio da adequação setorial negociada, onde só podem prevalecer as normas negociadas quando implementarem, aos trabalhadores, um padrão setorial superior ao padrão geral (a norma coletiva for mais benéfica que a norma geral), e versarem sobre normas trabalhistas de indisponibilidade relativa (vedação à transação sobre direitos absolutamente indisponíveis dos empregados).

Tais normas de ordem pública constituem limites à flexibilização, pois inibem a pactuação (negociação) individual acerca de direitos revestidos de indisponibilidade pelo ordenamento jurídico. Segundo pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 202):

O Estado moderno, que deve regular a ordem econômica e social de maneira que sejam respeitados os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de proteção ao trabalho, sublinhando, com essa atitude, a preponderância dos preceitos de ordem pública atinentes ao Direito do Trabalho. Nas relações de trabalho, ao lado do conteúdo contratual, que é livremente preenchido pelo ajuste expresso ou tácito entre as partes interessadas, prevalece, assim, o conteúdo institucional ditado pelas normas jurídicas de caráter imperativo (leis, convenções coletivas, sentenças normativas, etc.).

Esclarecidos, de forma sucinta, os limites constitucionais e legais da flexibilização trabalhista, cumpre por fim, expor interessante trecho da obra de Sergio Pinto Martins (2009, p. 137), quando expõe que:

As condições de trabalho deveriam, ainda, respeitar a cláusula rebus sic stantibus. Enquanto as coisas permanecerem como estão, não haverá modificação da situação de fato. Havendo alteração das condições econômicas, como nas crises, é que devem existir mecanismos jurídicos para estabelecer a flexibilização.

Aclara o renomado autor que a flexibilização trabalhista, a redução de certos direitos dos trabalhadores, reveste-se de um caráter de excepcionalidade, sendo que este caráter pode, também, ser considerado um limite à ação dos empregadores. A flexibilização não pode ser utilizada como prática corriqueira, nem muito menos ser regra dentro do contrato de trabalho individual.

Conforme assevera Maria Helena Diniz (2007, p. 164), em lição pertinente ao Direito Civil, mas com alguns reflexos pertinentes à matéria ora estudada, a cláusula rebus sic stantibus: "[...] corresponde à fórmula de que, nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório ficará subordinado, a todo tempo, ao estado de fato vigente à época de sua estipulação".

Aponta esta teoria que, em momentos em que a conjuntura torna-se diversa daquela do momento em que o contrato foi pactuado, há possibilidade de revisão ou resolução contratual.

No Direito do Trabalho, concernente à flexibilização trabalhista, esta regra demonstra o caráter de excepcionalidade da redução de direitos, e por isso foi usada por Sergio Pinto Martins, tendo em vista que em períodos de crise, na opinião do autor, urgem medidas capazes de adequar a realidade do contrato de trabalho à realidade da conjuntura econômica.

Com o presente capítulo, encerram-se os aspectos de maior relevância que circundam o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas, cabendo, no próximo e último capítulo, a abordagem das formas em que pode dar-se a flexibilização, por óbvio em rol exemplificativo, tendo em vista as inúmeras formas em que a mesma pode ocorrer.

É de extrema necessidade a abordagem dos temas tratados nos três primeiros capítulos, tendo em vista que o entendimento doutrinário, jurisprudencial e legal acerca do assunto só se dá de forma completa com o entendimento das suas circunstâncias circundantes, de forma que, ao adentrar-se no estudo das formas de flexibilização, o leitor já esteja apto a criar um ponto de vista sobre a matéria.


CAPÍTULO IV - FORMAS DE FLEXIBILIZAÇÃO VOLTADAS À GERAÇÃO E MANUTENÇÃO DO EMPREGO

Neste último capítulo do presente estudo, serão focadas as formas de flexibilização do direito do trabalho, com primazia àquelas voltadas à geração e manutenção do emprego. De fato, trata-se este último capítulo de fechamento do tema do presente estudo, colocando situações de flexibilização concretas, disponíveis pela Lei, para consecução do objetivo proposto no presente estudo, qual seja, a oferta e manutenção do emprego.

Muitas são as espécies flexibilizatórias que poderiam ser abordadas no presente capítulo. Entretanto, por fugir ao objetivo do presente estudo, será priorizado o foco naquelas formas de flexibilização com respaldo na legislação, e portanto, com maior chance de aplicabilidade prática.

Segundo Sérgio Pinto Martins (2009, p. 41), as formas de flexibilização podem ser de cinco espécies: da remuneração, da jornada de trabalho, da contratação, do tempo de duração do contrato e da dispensa do trabalhador. A flexibilização da remuneração diz respeito à possibilidade de redução em momentos de crise (a exemplo do artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal). Já a flexibilização que versa sobre jornada, contratação, duração do contrato e dispensa do trabalhador, são formas de relativização das normas legais protetivas dos trabalhadores, de forma a reduzir alguns direitos como forma de alcançar a estabilidade do emprego em momentos de crise (MARTINS, 2009, 41).

Impende lembrar que todas estas formas flexibilizatórias revestem-se do caráter de excepcionalidade, abordado no capítulo anterior. Não são utilizadas via de regra, mas em situações de crise, conforme explicitado em abordagem anterior, como forma de propiciar ao trabalhador, em ainda que se reduzam alguns direitos, a possibilidade de manutenção do seu vínculo de emprego.

Mesmo o contrato por tempo determinado, que será abordado adiante, não pode ser adotado pelo empregador como regra, sendo de uso excepcional (SUSSEKIND et al, 2005, p. 266), tendo em vista que, muito embora haja previsão legal da possibilidade de contratos por tempo determinado, a regra no Direito do Trabalho continua a ser o contrato de trabalho por período indeterminado, que gera para o trabalhador situação contínua de emprego.

Ademais, todas as formas a seguir trabalhadas possuem regramento no ordenamento jurídico brasileiro. Seria despiciendo, devido à finalidade do presente trabalho, trabalhar-se com formas de flexibilização utilizadas no direito trabalhista estrangeiro, sem possibilidade de efetivação prática em nosso País.

4.1 Contrato de Trabalho por prazo determinado da Lei nº 9.601/98

Esta forma contratual, de criação recente em comparação as demais formas de pactuação do contrato de trabalho, visa a geração de empregos, sendo uma tentativa legislativa de aumento da oferta de emprego, ainda que em detrimento do princípio da continuidade da relação empregatícia. Conforme assevera Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 100):

Com o objetivo de estimular novas formas de contratação, buscando minimizar os malefícios do desemprego, ainda que sem efeito prático considerável, criou o legislador nova modalidade de contrato a prazo, que não se submete às regras rígidas do art. 443, §1º e §2º, da CLT, que acabamos de examinar.

[...]

Todavia, como forma de evitar dispensa de empregados fixos para admitir nos termos da nova lei, fixa ela um percentual possível de novos contratados a ser calculado sobre o número de empregados permanentes da empresa, conforme fixado na norma coletiva autorizador que se situa entre 50% dos empregados fixos para empresas menores até 20% para as empresas grandes. Tal fato garante a manutenção dos contratos dos demais, servindo como requisito para a nova contratação.

Evidente o intuito prático do legislador em criar novos postos de trabalho, ainda que de caráter temporário, tendo em evidência a extensão da crise de emprego que assola nosso País, conforme já trabalhado no presente estudo. Trata-se o contrato de trabalho previsto pela Lei 9.601/98 de uma forma de flexibilização, que segundo a classificação de Sergio Pinto Martins (2009, p. 41), situa-se no tempo de duração do contrato de trabalho.

Este mesmo autor (2009, p. 46) conceitua o presente contrato de trabalho da seguinte forma:

É o contrato de trabalho por tempo determinado, estabelecido na Lei nº 9.601/98, uma espécie de contrato laboral de termo certo, com algumas características diferenciadas das previstas na CLT. O art. 1º da Lei nº 9.601 é claro no sentido de que o contrato instituído pela referida norma é derivado do art. 443 da CLT. Apenas algumas regras dos contratos de trabalho por tempo determinado especificadas na CLT não lhe são aplicáveis.

O contrato de trabalho ora estudado possui derivação no contrato de trabalho por tempo determinado previsto na CLT. Entretanto, para que pudesse de fato efetivar os objetivos idealizados pelo legislador, aprouve a este tornar o contrato da Lei nº 9.601/98 de pactuação menos burocrática que o contrato por tempo determinado previsto na CLT. Pontua Maurício Godinho Delgado (2008, p.557) que:

A Lei n. 9601/98 busca escapar às restrições estabelecidas pela CLT à pactuação de contratos a prazo no mercado de trabalho. Efetivamente, o novo diploma autoriza a celebração do contrato a termo que regulamente independentemente das condições estabelecidas no art. 443, §2º da CLT.

As condições fixadas pelo dispositivo celetista são três, como já se viu: serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; atividades empresariais de caráter transitório; contrato de experiência. Tais condições, portanto, não se aplicam aos contratos por tempo determinado que se celebrem nos moldes da Lei n. 9.601/98.

A não exigência dos requisitos celetistas para pactuação do contrato de trabalho por prazo determinado ora estudado não significa falta de cautela do legislador, que estipulou outros requisitos, mais brandos, mas ainda sim limitadores, conforme adiante se demonstrará.

É patente a característica flexibilizatória do presente contrato de trabalho, tendo em vista o princípio vigente no Direito do Trabalho que privilegia a continuidade da relação empregatícia. Sem dúvida, o contrato de trabalho por tempo indeterminado é de natureza mais benéfica ao trabalhador, havendo prevalência e prioridade no ordenamento jurídico obreiro para esta forma de pactuação, conforme aclara Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 96):

Quando falamos de duração do contrato de trabalho, cuidamos de sua projeção no tempo. Interessa ao Direito do Trabalho que os contratos sejam celebrados sem determinação quanto a sua vigência, de modo que as relações prolonguem-se até a aposentadoria do empregado. Com efeito, sendo o trabalho a fonte de subsistência do trabalhador, há de se fazer o possível para que as relações de emprego sejam perenes.

É com esse espírito que o legislador privilegia o contrato que denomina de "sem prazo determinado", em detrimento dos contratos "com prazo determinado", restringindo as hipóteses de predeterminação de prazo, a fim de que as relações entre empregado e patrão sejam duradouras.

Importante não se confundir entre a espécie de trabalho ora estudada e o contrato por prazo determinado denominado de trabalho temporário, previsto na Lei 6.019/74, tendo em vista tratar-se de formas contratuais amplamente diversas, conforme acentuado por Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 832):

Não se confundem também as figuras do trabalhador temporário e do empregado contratado por prazo certo. Aquele é contratado pela empresa de trabalho temporário, que o envia para prestar serviços ao seu tomador ou cliente. Assim, a presença física do trabalhador temporário nas dependências da empresa do tomador ocorre não porque mantém um vínculo jurídico direto com este, mas porque lá está em nome da empresa de trabalho temporário. O empregado contratado por prazo certo está numa empresa porque tem um contrato de trabalho direto com ela. Assim, esta responderá pelos direitos desse empregado, que a ela ficará subordinado. Observa-se, dessa maneira, que as necessidades transitórias de pessoal de um empregador podem ser satisfeitas de dois modos diferentes: com empregados contratados por prazo certo ou com trabalhadores temporários.

O vínculo jurídico do empregado temporário é diverso da forma contratual ora analisada, tendo em vista que se estabelece, conforme aclarado no excerto acima, não de forma direta com o tomador de serviço, mas com a empresa de trabalho temporário, que dita o local de prestação dos serviços.

Sinteticamente, conforme bem abordado por Sergio Pinto Martins (2009, p. 47), a principal diferença entre o contrato ora estudado e contrato de trabalho temporário está na relação jurídica, que no caso do trabalho temporário é triangular, envolvendo o trabalhador, a empresa de trabalho temporário e o tomador de serviços. Assevera ainda o renomado autor (MARTINS, 2009, p. 48) que o prazo é elemento diferenciador dos contratos a termo: enquanto no contrato da Lei nº 9.601/98 o prazo máximo de duração é de 2 anos, no contrato temporário é de 3 meses (salvo autorização do Ministério do Trabalho para ampliação), e no contrato de experiência é de, no máximo, 90 dias.

O contrato por prazo determinado da Lei nº 9.601/98 possui requisitos a serem obedecidos pelo empregador para que seja reputado válido. Segundo Maurício Godinho Delgado, dois são os requisitos exigidos normativamente para pactuação do contrato ora abordado (2008, p. 557):

No tocante ao primeiro requisito (contrato instituído por negociação coletiva), quer a lei que tal contrato somente seja pactuado caso tenha recebido autorização de diploma normativo autônomo negociado. Não há possibilidade jurídica, desse modo, à utilização do contrato a termo, nos moldes da Lei n. 9.601/98, sem o manto prévio da negociação coletiva, através de seus instrumentos formais (convenção e/ou acordo coletivo do trabalho). Note-se que a lei, propositadamente, inverte as expressões (fala em convenções e os acordos coletivos do trabalho), evitando dubiedade semântica da palavra acordo (bilateral ou coletivo). Quer a ordem jurídica exigir, portanto, a formalidade da convocação de assembleia geral específica para tratar do tema (arts. 611 e 612 , CLT), celebrando-se diplomas normativos negociais coletivos autorizadores de pactuação aventado pela Lei n. 9.601/98. [...]

O segundo destes requisitos, como visto, é que seja o contrato de trabalho instituído para pactuar admissões que representem acréscimo no número de empregado. Isso significaria que o temor de que haja utilização desse contrato para admissão de obreiros que não traduzam real acréscimo no número de empregados teria encontrado lenitivo no próprio texto legal: será irregular a contratação que se faça sem verdadeiro incremento no número de postos de trabalho.

Conforme o excerto colacionado, observa-se mais uma vez o enfoque dado pelo legislador à negociação coletiva, como forma de se preservar o melhor interesse obreiro. No capítulo anterior, na abordagem acerca dos limites constitucionais à flexibilização, evidenciou-se a preferência constitucional brasileira à flexibilização negociada, privilegiando as tratativas coletivas em detrimento da negociação particular (bilateral) entre empregado e empregador.

Outro interessante aspecto da Lei 9.601/98 é o oferecimento de benefícios fiscais aos empregadores que dela fizerem uso para contratação de empregados por prazo determinado (MANUS, 2006, p. 100). A lei oferece tais benefícios como forma de implementar a ideologia motivadora de sua criação, ou seja, a geração de empregos. Tendo em vista que, como já abordado, é requisito para esta forma de contratação o acréscimo de empregados ao quadro já existente, os incentivos fiscais buscaram incentivar o empregador a aumentar o uso da mão de obra (DELGADO, 2008, p. 576).

Ademais, a Lei prevê, além de benefícios fiscais, benefícios creditícios. Aos empregadores que aderirem à forma de contratação por prazo determinado prevista na Lei nº 9.601/98, segundo o seu artigo 5º, é garantida preferência na obtenção de recursos no âmbito dos programas executados pelos estabelecimentos federais de crédito, especialmente junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (DELGADO, 2008, p. 577).

Para esta forma de contratação, devem ser observadas as estipulações do instrumento coletivo. Sergio Pinto Martins, com base na Lei 9.601/98, esclarece os limites porcentuais que não podem ser ultrapassados pelo empregador, nem mesmo quando da pactuação do instrumento coletivo (2009, p. 58):

Para a contratação de empregados com base na Lei nº 9.601, deve-se observar o limite estabelecido no instrumento decorrente de negociação coletiva, não podendo ultrapassar os seguintes porcentuais, que serão aplicados cumulativamente:

a)50% do número de trabalhadores, para a parcela inferior a 50 empregados;

b)35% do número de trabalhadores, para a parcela entre 50 e 199 empregados;

c)20% do número de trabalhadores, para a parcela acima de 200 empregados.

Tal porcentual toma por base o número de empregados contratos pela empresa por período indeterminado, excluindo-se aqueles contratados por tempo determinado, contratos de experiência, obra certa, de aprendizagem, dentre outros (MARTINS, 2009, p. 58). Busca-se evitar, dessa forma, que a ampla utilização da contratação por prazo determinado substitua a forma básica de contratação, que é a por tempo indeterminado.

Alguns caracteres são fundamentais a essa forma de pactuação contratual. Em primeiro lugar, esta forma de contratação respeita o artigo 445 da CLT, não podendo ser pactuado por período superior a 2 anos, sob pena de ser considerada contratação por tempo indeterminado (DELGADO, 2008, p. 581). Entretanto, não se aplica o artigo 451 da CLT, conforme bem ponderado por Sérgio Pinto Martins (2009, p. 61):

No entanto, o contrato por tempo determinado poderá ser prorrogado mais de uma vez, sucessivamente, não sendo observado o art. 451 da CLT, que veda a prorrogação por mais de uma vez do contrato por tempo determinado; apenas deve haver a limitação do prazo máximo em dois anos. As empresas, portanto, poderão prorrogar o mesmo contrato de trabalho por tempo determinado quantas vezes quiserem, tendo de observar apenas o prazo máximo de 2 anos para os contratos por tempo determinado, previsto no art. 445 da CLT. Tanto poderá haver uma única prorrogação, como mais de uma ou várias.

Segundo a arguta lição de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 567), o contrato previsto na Lei 9.601/98 é um contrato formal, solene, que só pode ser lavrado por escrito (não é válido de forma tácita), devendo ser depositada cópia do mesmo no órgão do Ministério do Trabalho.

Outro aspecto que ressalta o caráter flexibilizatório do contrato sob estudo são alguns encargos diferenciados a ele pertinentes (DELGADO, 2008, p. 574-575). O FGTS, por exemplo, nesta forma contratual, por previsão legal, é recolhido à margem de 2% (e não os 8% habituais). Ainda, não se aplicam as indenizações estabelecidas nos artigos 479 e 480 da CLT, pertinentes aos contrários por tempo determinado.

Em contrapartida, o art. 2º, parágrafo único, da Lei 9.601/98, cria uma forma diversa de indenização, que não possui natureza salarial, a qual nos é explicada por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 575):

A Lei n. 9.601/98 (Art. 2º, parágrafo único) cria um depósito bancário trabalhista, de periodicidade mensal, a ser efetuado pelo empregado em conta vinculada do obreiro. O instrumento negocial coletivo é que fixará os demais critérios de cálculo e saques periódicos da respectiva verba – porém sua existência não poderá deixar de ser contemplada pela negociação coletiva.

Dado a finalidade do presente trabalho, não é possível esgotar todos os detalhes acerca do contrato por tempo determinado aqui abordado. Entrementes, os principais aspectos do mesmo, que ressaltam seu caráter de flexibilização, foram expostos de forma inteligível.

Por fim, tendo em vista o presente trabalho não filiar-se a qualquer posição acerca da flexibilização, mas voltar-se somente a expor as principais ideias acerca do tema, cumpre ressaltar a crítica de Arnaldo Sussekind acerca do contrato em pauta (2005, p. 126):

A virtude órfã da Lei n. 9.601/98 reside no prestígio dispensado à negociação coletiva (Art. 1º, caput). Nada mais. O ambicioso objetivo de reduzir a alarmante taxa de desemprego fracassou. Os riscos oferecidos pela lei foram de tal ordem que as empresas preferiram não constituir passivos trabalhistas. Os sindicatos de trabalhadores rechaçaram a precarização do emprego. Portanto, uma boa terapêutica, mas ministrada a uma enfermidade gravíssima. Resultado: o desemprego que desasossega os dias presentes nem sequer foi arranhado. No entanto, a lei está plenamente cônsona com a diretriz constitucional de impulsionamento do diálogo entre os interlocutores sociais e, portanto, de prevalência da disciplina autônoma das relações de trabalho (art. 7º, XXVI, da CF) sobre o regramento estatal das condições de trabalho não gravadas com o timbre da ordem pública.

A lei 9.601/98 possui fortes traços da flexibilização voltada para geração de empregos. A sua utilização pelos setores produtivos, entretanto, fica restrita devido ao temor de complicações jurídicas, advindas da burocracia a sua implementação, conforme acentuado por Arnaldo Sussekind (2005, pag. 126).

Na prática, esta forma contratual não tem sido utilizada com frequência. Mas de toda forma, é pertinente ao presente estudo, pois possibilita ao empregador uma forma de contratação diferenciada da forma padrão, diferindo inclusive da contratação por tempo determinado prevista na CLT. Não deixa de ser, sem sombra de dúvida, uma forma de flexibilização voltada à geração de empregos.

4.2 Contrato de trabalho temporário

Trata-se da forma de contratação trazida pela Lei 6.019/74, que trouxe a possibilidade de utilização de mão de obra por um tomador de serviços sem a necessidade de contratação direta do obreiro. Liga-se à ideia de locação de mão de obra, conforme bem ressaltado lição de Carlos Roberto Cunha (2004, p. 205):

A permissibilidade de locação de mão-de-obra foi o impacto adveniente ao FGTS, no limiar da década de setenta. O contrato de trabalho, antes regular, entre dois contratantes (tomador e prestador de serviços), adquiriu aparente formato triangular (empresa fornecedora de mão-de-obra, o cliente ou tomador de serviços e o trabalhador). A lei 6.019 de 03 de janeiro de 1974, instituiu, como opção, o chamado trabalho temporário e tornou possível a quebra da bilateralidade da relação de emprego, por autorizada intercessão de um intermediário que arregimenta o pessoal e o aluga para outrem, retirando a sua lucratividade dessa espécie de comercialização de mão-de-obra humana.

O conceito de contrato de trabalho temporário nos é dado pela própria Lei 6.019/74, em seu art. 2º, que expõe ser o contrato temporário "aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços".

Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 833) ressalta que o trabalhador temporário não é empregado da empresa tomadora de serviços, mas é subordinado à empresa de trabalho temporário da qual recebe a remuneração. Ressalta ainda o brilhante autor os direitos garantidos aos trabalhadores temporários:

Confere a Lei nº 6.019, de 1974, os seguintes direitos ao pessoal temporário: a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional; b) jornada máxima diária de 8 horas; c) adicional de horas extras de 20%; d) férias proporcionais de 1/12 por mês de serviço ou fração superior a 15 dias, salvo em caso de despedimento com justa causa e pedido de demissão (Lei n. 5.107, artigo 26); e) repouso semanal remunerado (Lei n. 605, de 1949); f) adicional noturno de 20%; g) indenização por despedimento sem justa causa ou término do contrato, correspondente a 1/12 do salário por mês de serviço; h) seguro contra acidente de trabalho; i) previdência social.

Some-se a esses direitos o pagamento do FGTS, estipulado no artigo 15, parágrafo 1º, da Lei 8.036/90, à margem padrão de 8% ao mês (NASCIMENTO, 2009, p. 836).

Outros aspectos marcantes dessa forma de contratação laboral nos são dados por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 455). O contrato de trabalho temporário é solene, devendo ser feito por escrito, tanto em relação ao trabalhador, quanto em relação às empresas tomadoras e fornecedoras de mão de obra. O prazo máximo para essa forma de contratação é de 3 meses, prazo este que pode ser ampliado com autorização do Ministério do Trabalho.

Quanto às hipóteses de pactuação, o próprio artigo 2º da Lei é bastante explícito em aclará-los, mas cumpre colacionas a lição do mestre Maurício Godinho Delgado (2008, p. 453) como forma de ampliar a didática exposta ao leitor:

A primeira dessas hipóteses (necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora) diz respeito a situações rotineiras de substituição de empregados originais da empresa tomadora (férias; licença-maternidade; outras licenças previdenciárias, etc.).

A segunda dessas hipóteses (necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa tomadora) abrange situações de elevação excepcional da produção ou de serviços da empresa tomadora. Ilustrativamente, elevação excepcional de vendas, em face de nova e excepcional contratação; elevação de vendas em face de períodos de festas anuais, etc. No tocante a esta segunda hipótese cabe se observar que o desaparecimento da excepcionalidade, seja pelo retorno ao anterior nível produtivo, seja pelo alcance de um novo patamar rotineiro mais elevado da própria produção, é fator que suprime a continuidade de utilização da fórmula prevista pela Lei n. 6.019/74.

O contrato de trabalho temporário só poderá ser prorrogado por uma única vez, e ainda sim, somente se presente um de dois requisitos, previstos de forma alternativa: a necessidade transitória de mão de obra de delongar por além dos 3 meses previstos na lei, ou permanecer as circunstâncias que geraram acréscimo extraordinário de serviço (MARTINS, 2009, p. 78).

O trabalho temporário é uma forma de flexibilização trabalhista que tende à geração de empregos, assim como auxilia empregadores em circunstâncias excepcionais. Conforme bem frisado por Sergio Pinto Martins (2009, p. 78):

Representa o Trabalho Temporário uma forma de flexibilização, pois compreende contratação de tempo determinado para necessidades de serviços temporários, diversa da normal, que é a contratação por tempo indeterminado. Trata-se de forma contratual amplamente utilizada, e que, embora precário por sua natureza temporária, é bastante útil, conforme estudado, para geração de empregos, coadunando com o objetivo do presente estudo.

4.3 Contrato a tempo parcial

Trata-se de forma de flexibilização da relação de emprego no que concerne à jornada de trabalho. Trata-se forma mais flexível de contratação, conforme nos ensina Carlos Roberto Cunha (2004, p. 244):

O mesmo alento que levou o legislador a alquebrar o modelo clássico de relação de emprego e instituir o novo tipo de contrato por prazo determinado, mais flexível e precário, deu impulso à regulamentação ao trabalho part time. O contrato de trabalho a tempo parcial, como bem designa o seu enunciado, é aquele ajustado sob a baliza de uma jornada sensivelmente mais curta, em relação à carga horária semanal máxima, estipulada pela Constituição Federal.

O trabalho part time saiu do anonimato e abeirou-se ao rol oficial de instrumentos de flexibilização de direitos trabalhistas, como uma opção a mais para incentivar novas admissões com custo reduzido, refletida numa jornada mais curta e salário proporcional ao tempo trabalhado. Não mais que uma fórmula de gerar subemprego, em combate ao desemprego ou permitir o ingresso de jovens e mulheres no mercado de trabalho, interessados num trabalho de meio-período.

É uma forma contratual voltada à geração de empregos de forma menos dispendiosa ao empregador, desde que se adeque nas características de sua atividade produtiva. Amauri Mascaro Nascimento, baseado na disposição celetista, conceitua o contrato de emprego a tempo parcial da seguinte forma (2009, p. 829):

Tempo Parcial (CLT, art. 58-A) é aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais, caso em que o salário a ser pago poderá ser proporcional à duração reduzida da jornada, observados os quantitativos pagos para os que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.

As formalidades para contratação, neste forma contratual, são as mesmas para a contratação por tempo indeterminado, adequando-se às disposições específicas da CLT consoante à proporcionalidade de férias e salário (NASCIMENTO, 2009, p. 830). Exemplificativamente, o regime de férias, segundo o art. 130-A da CLT, varia de 8 a 18 dias anuais.

Merece especial destaque a conversão do tempo integral em tempo parcial. Neste caso, novamente a lei privilegia a negociação coletiva em detrimento da simples pactuação bilateral, consoante o disposto no art. 58-A, parágrafo 2º, da CLT. Conforme indica Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 830):

[...] A conversão de tempo integral em parcial depende de opção formal manifestada pelo empregado, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva, uma vez que nesse caso estará havendo redução da jornada de trabalho dos empregados, lícita mediante acordo ou convenção coletiva, na forma disposta pela Constituição.

Quanto ao salário, o empregado contratado a tempo parcial deve recebê-lo proporcionalmente a jornada exercida. Entretanto, o empregador deve observar a equivalência de salário-hora entre empregados em tempo parcial e em jornada integral. Assim é a arguta lição de Sergio Pinto Martins (2009, p. 89):

Já há menção expressa de que o salário dos empregados a tempo parcial será proporcional à sua jornada em relação aos que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral. Isso quer significar que o empregado contratado a tempo parcial deve ganhar o mesmo salário horário que outro empregado exercente da mesma função. Não se aplica aqui a regra do art. 461 da CLT, que permite ao paradigma que tem mais de dois anos de tempo de serviço na função ou maior produtividade e perfeição técnica ganhar mais do que o equiparando. A lei, no caso, dispõe que o salário deve ser igual para o exercício da mesma função, calculado de forma horária.

Ademais, pondera Sergio Pinto Martins (2009, p. 89-90), que para que o sistema de trabalho parcial funcione, é necessária a aceitação tanto do empregado como do empregador, tendo em vista a necessidade de verificar se no mesmo há vantagem em relação ao trabalho em tempo integral.

Por fim, cumpre aclarar a crítica de parte da doutrina, consoante ao contrato de trabalho por tempo parcial ser uma forma parcial de desemprego, com ganho ínfimo. Neste sentido, cirúrgica a lição de Sergio Pinto Martins (2009, p. 90):

O trabalho a tempo parcial pode ajudar a minorar os efeitos do desemprego; porém, dependendo da hipótese, pode constituir-se numa forma de desemprego parcial, dada sua precariedade. Entretanto, é melhor ter um emprego, ainda que o salário seja modesto e o trabalho seja em algumas horas do dia, do que simplesmente não se ter emprego.

De fato, o contrato a tempo parcial é mais um forma de flexibilização voltada à geração de empregos, que, mesmo sendo paliativo, possui seus méritos frente a grande crise enfrentada a tempos por nosso País.

4.4 Contrato de aprendizagem

Trata-se de uma forma de flexibilização do contrato de trabalho típico, voltada à formação do jovem empregado, buscando-se a inserção do jovem trabalhador no mercado de trabalho através do aumento de conhecimentos técnicos. Carlos Roberto Cunha (2004, p. 249) assevera que:

A qualificação profissional, em circunstância diversa, é dirigida para outro público alvo: o menor-aprendiz. A formação profissional do menor é estimulada no âmbito de um contrato de aprendizagem, proporcionando a um só tempo o aprendizado e preparação do jovem estudante para ingresso no mercado de trabalho, além do recebimento de contraprestação salarial. O contrato de aprendizagem é uma espécie de contrato de trabalho, destinado aos menores entre quatorze e dezoito anos, participantes de cursos de aprendizagem, para fins de formação técnico-profissional.

A CLT, em seu artigo 428, conceitua tal contrato laborativo, elastecendo o limite etário abordado por Carlos Roberto Cunha, tendo em vista alteração legislativa ocorrida pela Lei 11.180/2005. Tal é o conceito legal do contrato de aprendizagem:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação. (Redação dada pela Lei nº 11.180, de 2005)

Observa-se, pela lei, tratar-se também de flexibilização ao padrão de continuidade dos contratos de trabalho, por tratar-se de contrato por prazo determinado. Ademais, estabelece o dispositivo legal os limites etários, mínimo e máximo, de forma a limitar o alcance deste contrato a jovens em idade de formação profissional.

Esta forma contratual, conforme bem asseverado por Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 783-784) possui requisitos formais e materiais para sua válida pactuação. Formalmente, deve haver instrumento escrito com o empregador, anotação em CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), a inscrição do jovem em programa de aprendizagem e matrícula em escola voltada à conclusão do ensino fundamental (previsões dos parágrafos do artigo 428 da CLT). Materialmente, é necessária a inscrição do jovem em programa de aprendizagem de modo que a inobservância dessa exigência legal afeta a natureza do vínculo, que não poderá ser considerado de aprendizagem (artigo 430 da CLT).

O contrato de aprendizagem é uma forma legal de flexibilização, que, em meio à crise empregatícia vivenciada em nossos tempos, é uma meio extremamente útil de inserção do jovem trabalhador no mercado de trabalho.

4.5 Contrato de trabalho em domicílio

O artigo 6º da CLT é claro ao declarar que "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego". Desta forma, mais um forma de flexibilização do modo padrão de emprego é contrato de trabalho em domicílio. Conforme acentua Sergio Pinto Martins (2009, p. 82):

O trabalho à distância é uma espécie de flexibilização da relação de emprego, já que as tarefas são prestadas fora do âmbito da empresa. A subordinação pode ficar mitigada, porque o número de ordens de serviço pode ser menor, justamente pelo fato de que o empregado não trabalha no ambiente interno da empresa.

Trabalho em domicílio é o prestado na residência do empregado e não na sede do empregador. É o que ocorre, em certos, com o teletrabalho.

Trata-se de forma diversa do modelo trabalhista padrão estabelecido no Brasil. Entretanto, conforme apontado por Carlos Roberto Cunha, é uma forma de exercício da atividade laboral com antecedentes bastante remotos (2004, p. 260):

O trabalho a domicílio surgiu no século XVI, ao tempo do capitalismo da fase mercantil. Os artesãos arruinados passaram a trabalhar e depender dos empresários, que financiavam-lhes a matéria-prima e deles obtinha a produção doméstica, mediante um estipêndio. Estes tecelões formaram, mais tarde, o proletariado da Revolução industrial, que sobrevivia da faina encoberta, ao recanto domiciliar, vítimas da exploração do sistema, sem poderes de organização, caindo logo na extrema miséria.

Deve-se observar que, no presente caso, estuda-se verdadeiro contrato de emprego, e não contrato de trabalho autônomo (MARTINS, 2009, p. 81). No trabalho em domicílio ora estudado, estão presentes todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, inclusive a subordinação, inexistente se a relação fosse de trabalho autônomo.

Subordinação e pessoalidade devem ser especialmente observadas, conforme evidenciado por Sergio Pinto Martins (2009, p. 82):

Para a caracterização do vínculo de emprego com o empregador, é preciso que o empregado em domicílio tenha subordinação, que poderá ser medida pelo controle do empregador sobre o trabalho do empregado, como estabelecendo côa de produção, determinando dia e hora para entrega do produto, qualidade da peça, etc.

A pessoalidade também será necessária para a confirmação do contrato de trabalho, pois se o trabalhador é substituído por familiar na prestação de serviços, não há pacto laboral. Os familiares poderão colaborar, porém não de forma frequente.

Nesta forma laboral, há flexibilização do horário e local da prestação de serviços, sendo o controle do empregador efetivado sobre a produtividade (MARTINS, 2009, p. 82).\

Trata-se de forma de flexibilização que quebra com o paradigma do trabalhador exercer seu ofício somente no estabelecimento do empregador. Por ser uma forma laborativa controlada pela produção é benéfica tanto para empregados quanto para empregadores, obviamente nos ramos trabalhistas em que tal forma de pactuação seja possível.

Sem dúvida, é uma forma diversa de exercício do trabalho, que possibilita uma forma diferenciada de acesso ao emprego.

Desta forma, encerra-se o presente trabalho, aclarando, exemplificativamente, algumas formas de flexibilização do modelo trabalhista padrão estipulado no Brasil (contrato de trabalho integral por prazo indeterminado).

Muitas outras formas poderiam ser levantadas, mas com estas fica devidamente satisfeito o intuito do presente trabalho, aclarando ideias acerca da flexibilização das normas trabalhistas, e algumas formas (menos polêmicas) flexibilizatórias voltadas à geração de empregos.

Trata-se de tema polêmico, mas de estudo muito agradável, tendo em vista sua aplicabilidade prática em tempos de crise empregatícia e econômica.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A flexibilização dos direitos trabalhistas, ainda que guarde suas polêmicas, é assunto em evidência na realidade econômica de nosso país. Conforme abordado no segundo capítulo do presente trabalho, muitas são as causas que dão ensejo ao tema, sejam as crises vivenciadas pelos setores produtivos, os efeitos da globalização, os altos encargos a serem arcados pelas empresas na contratação de empregados ou a necessidade de maior oferta de emprego diante da perene crise empregatícia vivenciada em nosso país.

De fato, sem deixar de lado o histórico da conquista dos direitos laborativos, abordado no primeiro capítulo deste estudo, não pode o operador do direito, na atualidade, desviar seus olhos do tema da flexibilização. Seja para defesa, ou para repúdio desta doutrina, deve o profissional jurídico atentar-se para suas causas, efeitos e consequências.

O próprio ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional ou infraconstitucional, já traz em seu bojo algumas formas flexibilizatórias, conforme já abordado, tanto formas relacionadas à diminuição temporária de direitos (com intervenção sindical), quanto formas de contratação diferentes das formas típicas, com maior abrandamento à burocracia e encargos advindos da relação empregatícia.

Observa-se que as formas legais de relativização dos direitos trabalhistas, estudadas no último capítulo, são aptas a gerarem empregos e, em determinadas épocas de crise, auxiliarem na manutenção deste vínculo. Entretanto, algumas delas ainda são vistas com ressalvas pela sociedade, trabalhadores, setores produtivos e doutos na ciência justrabalhista.

O trabalho desenvolvido aponta que algumas práticas flexibilizatórias, tais como as formas diferenciadas de contratação, a flexibilização salarial e da jornada (previstas estas últimas na Constituição Federal), que podem ser utilizadas como forma de auxiliar a geração de empregos. Entretanto, deve-se resguardar o trabalhador de qualquer forma de desregulação, que deixa este a mercê das leis de mercados, o que é inconcebível e retrógrado ante a imensa luta para conquista dos direitos laborativos.

No estudo do primeiro capítulo, aclarou-se a grande divergência que paira sobre o tema, derivada de seus aspectos históricos. Até mesmo na conceituação da flexibilização trabalhista encontra-se discrepâncias, relacionadas ao posicionamento de cada autor perante o tema. A histórica luta pela conquista dos direitos trabalhistas, em contraposição à relativização desses direitos, gera opiniões diametralmente opostas, cada uma guardando a sua parcela de razão.

Quando da abordagem das causas geradoras da flexibilização, fez-se um apanhado de dados cotidianos, relacionados ao desemprego, à globalização, à alta carga tributária imposta na contratação de um empregado (altos encargos sociais), às crises empregatícias, enfim, a assuntos cotidianos que tem estrita ligação com a flexibilização trabalhista, funcionando como a força motriz desta corrente. De fato, as situações postas caracterizam situações de risco à geração e à manutenção do emprego, servindo de força motriz ao ideário da flexibilização. Se estas situações servem de fundamento às práticas flexibilizatórias, cabe ao estudioso do direito, dentro de suas concepções, averiguar, sendo que o objetivo do presente trabalho, de trazer luzes sobre o tema, não permite uma visão única e estática sobre o tema.

No terceiro capítulo, voltou-se o trabalho para uma grande gama de aspectos doutrinários que circundam o tema. Dentro destes aspectos, é notório a carga ideológica de cada doutrinador, uns mais seguros quanto à adoção da flexibilização, outros mais receosos e resguardados quanto a qualquer prática que possa tocar os direitos do trabalhador. Quando do estudo das correntes sobre a flexibilização, aclarou-se sobremaneira a divisão doutrinária sobre o tema, com autores favoráveis (corrente flexibilista), parcialmente favoráveis, adotando a flexibilização de forma mitigada (corrente semi-flexibilista) e aqueles que refutam a aplicabilidade desta tese (anti-flexibilista).

As classificações da flexibilização trabalhista denotam sua origem, extensão, e o âmbito da aplicabilidade, sendo estudo de grandes efeitos práticos. Os limites à flexibilização, tópico dos mais importantes do presente trabalho, impõem a noção de que a flexibilização não é sinônimo de "desregulação", tendo em vista que, ainda que haja relativização das normas jurídicas trabalhistas, estas não podem ser livres, abertas e irrestritas, sujeitando-se a limitações constitucionais e infraconstitucionais.

Por fim, no derradeiro capítulo, adentrou-se de fato nas formas de flexibilização que mais coadunavam com a ideia do estudo, qual seja, a geração de empregos. Entretanto, buscou-se não incorrer no estudo de práticas desregulamentadoras, sendo que todas as formas de pactuação laboral estudadas possuem previsão e normatização legais. O contrato por tempo parcial da Lei 9.601/98, o contrato de trabalho temporário, o contrato de aprendizagem, o contrato de trabalho de tempo parcial e o contrato de trabalho em domicílio são formas contratuais plenamente hábeis à geração de empregos, ainda que nem todas possuam franca aceitação na conjuntura de mercado.

O tema é convidativo, e não se esgota nas páginas desta monografia. O profissional jurídico deve estar sempre atento a temas como este, de grande aplicação prática e de patente controvérsia doutrinária. A aplicabilidade da flexibilização trabalhista, no Brasil, ainda é restrita, mas, conforme estudado, já existem formas legais pela a qual a mesma pode efetivar-se na realidade Justrabalhista nacional.


REFERÊNCIAS

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Oliveira, Carlos Eduardo Barbosa de, et al. Crise e trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado? Organizadores Carlos Eduardo Barbosa de Oliveira e Jorge Eduardo Levi Mattoso. – São Paulo: Scritta, 1996.

Rifkin, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho; tradução Ruth Gabriela Bahr; revisão técnica Luiz Carlos Merege. – São Paulo: Makron Books, 1995.

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Schilling, Voltaire. O movimento Ludita. Disponível em: educaterra.com.br/ voltaire/mundo/2006/03/13/001. Acessado em 16/04/2010.)

SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho – 22. Ed. Atual. São Paulo: LTr, 2005.


Notas

  1. (Schilling, Voltaire. O movimento Ludita. Disponível em: educaterra.com.br/voltaire/mundo/2006/03/13/001. Acessado em 16/04/2010)
  2. Disponível em: http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2010/05/21/gm-congela-salarios-e-inicia-reestruturacao-na-europa.jhtm. Acessado em 25/05/2010.
  3. DIEESE. Redução da jornada de trabalho para 40 horas já! Disponível em: www.dieese.org.br/notatecnica/notaImprensaJornada0209.pdf
  4. Taxa de desemprego total por sexo – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 1998/2010. Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego. Disponível em: http://turandot.dieese.org.br/icv/TabelaPed?tabela=5)
  5. (DIEESE. Redução da jornada de trabalho para 40 horas já! Disponível em: www.dieese.org.br/notatecnica/notaImprensaJornada0209.pdf. 2010, p. 04 ).
  6. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=14582. Acessado em 31/05/2010.
  7. TST Enunciado nº 85 - RA 69/1978, DJ 26.09.1978 - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003 - Incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 182, 220 e 223 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.
  8. Súmula nº 423 - TST - Res. 139/06 – DJ 10, 11 e 13.10.2006 - Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Joseph Bruno dos Santos. Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20414. Acesso em: 25 abr. 2024.