Capa da publicação Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?
Capa: http://www.flickr.com/photos/stevec77/
Artigo Destaque dos editores

Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?

Exibindo página 1 de 5
11/11/2011 às 08:01
Leia nesta página:

Os limites à flexibilização impõem a noção de que a flexibilização não é sinônimo de “desregulação”. Ainda que haja relativização das normas jurídicas trabalhistas, estas não podem ser livres, abertas e irrestritas, sujeitando-se a limitações constitucionais e infraconstitucionais.

Então, entenderás justiça, e juízo, e equidade, e todas as boas veredas. Porquanto a sabedoria entrará no teu coração e o conhecimento será suave à tua alma.

Provérbios 2:9 e 10.

RESUMO

O presente trabalho discorre sobre a flexibilização trabalhista, abordando dados históricos, conceito, causas motivadoras, classificação, correntes doutrinárias, limites e formas em que esta se dá, sempre atento ao objetivo principal de geração e manutenção de empregos. Apresenta ao leitor um panorama diversificado sobre o tema, embasado em doutrinas favoráveis e contrárias à flexibilização, de forma a criar um panorama suficientemente claro ao leitor. Os objetivos gerais do presente trabalhos são a análise dos aspectos históricos dos direitos trabalhistas e dos fatores que influenciam o direito do trabalho, na relação entre empregado e empregador. Como objetivos específicos, estão a descrição das causas da crise de emprego e das formas de flexibilização do direito trabalhista. Para atingir os objetivos a metodologia utilizada no presente estudo se pauta na coleta e análise de informações doutrinárias, de autores com posições diversas acerca do tema. A visão ampla acerca de tema tão polêmica é fundamental para não trazer ao presente estudo um caráter meramente defensivo da flexibilização, mas uma exposição abrangente sobre o tema. A situação-problema colocada em evidência no presente estudo é a garantia do emprego em situações de crise, mostrando-se eventuais possibilidades de flexibilização das normas jurídicas laborativas em prol de um benefício maior, que é a manutenção do trabalhador em seu posto de trabalho. Dentro das hipóteses estudadas, estão a possibilidade de flexibilização trabalhista por intermédio da mudança nas formas de pactuação do serviço, assim como as hipóteses de flexibilização albergadas pela Constituição Federal, no que tange ao salário e à jornada de trabalho. Por questão didática, dividiu-se o presente trabalho em quatro capítulos, divididos em subtópicos, que abordarão grande parte dos assuntos pertinentes à flexibilização trabalhistas, à saber, o histórico, conceito, causas motivadoras da flexibilização, classificação, correntes, limites e formas da flexibilização trabalhista, sempre voltada à oferta e manutenção do emprego.

Palavras-chave: Flexibilização trabalhista. Transação trabalhista. Geração de empregos. Desemprego. Direito do Trabalho.


NOTAS INTRODUTÓRIAS

Quando se trata acerca do Direito do Trabalho, em seu aspecto histórico, observa-se que este surgiu a partir da conjunção de três fatores: Econômico, Social e Político (Delgado, 2008, p. 87). Traduz-se o fator econômico no caráter produtivo da relação entre empregado e empregador, na produção de bens e riquezas a partir dessa relação; o fator social tange ao cuidado quanto ao empregado, o trabalhador que cede a força laborativa; o fator político diz respeito às ações da sociedade e do Estado voltadas à contratação e gerenciamento da força de trabalho.

A correlação dos três fatores supramencionados nos faz entender as diretrizes trabalhistas de cada época. Observe-se, v.g., que nos séculos XVIII e XIX, quando preponderava a doutrina liberal, o fator principal que direcionava as relações de emprego era o econômico (Robortella, 1994, p. 94). Assim, o caráter produtivo do trabalho prevalecia sobre seu aspecto social, e, por conseguinte, as normas jurídicas afins à área primavam por maior proteção da economia e produção, ao invés do trabalhador.

O Direito do Trabalho, de acordo com Robortella, "sempre oscilou entre o econômico e o social, funcionando como mediador, na procura de soluções de compromisso, transacionais, entre os interesses da economia e as necessidades sociais" (1994, p. 97). Desta forma, desde que se tem notícia deste ramo jurídico, trabalha-se com o intermitente conflito entre a classe dona dos meios de produção e a classe dos trabalhadores, em busca de um caminho agradável a ambos.

O Direito Trabalhista Brasileiro, considerado neste caso a partir do ano de 1943, em que ocorreu a promulgação do Decreto-Lei 5.452, Consolidação das Leis do Trabalho, constituiu-se inicialmente em um caráter autoritário (Delgado, 2008, p. 113), com a proteção estatal a alguns direitos trabalhistas individuais, e controle da mobilização coletiva (sindical). Até 1988, observa-se ainda a preponderância dos fatores econômicos no Direito Laboral brasileiro, caracterizado principalmente pela pouca liberdade sindical e a frágil possibilidade de acesso do trabalhador à justiça.

Entretanto, a partir da Constituição Federal de 1988, o Direito do Trabalho brasileiro renova-se, e passa a ter uma forte carga social e protetiva, passando o empregado a ser o centro da norma trabalhista, e o trabalho a ser mais do que um fator de produção, constituindo-se em um verdadeiro direito social (art. 1º, §4º, Constituição Federal de 1988).

O vínculo de emprego, com as amplas garantias que lhe ofereceu a Constituição Federal de 1988, é o meio laboral privado mais protetivo ao trabalhador. A legislação, constitucional e infraconstitucional, garante um amplo catálogo de direitos, tanto de caráter material quanto processual, seja na esfera individual ou no campo coletivo, que protegem o emprego e o empregado.

Entrementes, a preponderância dos fatores sociais no moderno Direito do Trabalho nos trouxe uma nova problemática: Não basta termos uma norma trabalhista protetiva ao empregado se não se abre à massa trabalhadora a possibilidade de estabelecer um vínculo de emprego.

A crise empregatícia impõe novas linhas ao Direito do Trabalho, pautada na possibilidade de manter-se a protetividade das normas trabalhistas, sem, no entanto, sacrificar o vínculo de emprego.

Esta é a situação problema do presente trabalho, que, buscando discorrer sobre possíveis alternativas, trabalha com a flexibilização de alguns aspectos do Direito do Trabalho, intimamente ligados à oferta e manutenção do vínculo de emprego.

Para Robortella (1994, p. 97):

[...] definimos a flexibilização do direito do trabalho como o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.

Cabe salientar que a flexibilização ora tratada no presente trabalho não se confunde com qualquer prática liberal ou neoliberal de "desregulação" dos direitos trabalhistas, mas sim de adaptação das práticas trabalhistas à realidade fática. Assim, os aspectos da flexibilização do Direito do Trabalho ora abordados no presente trabalho, em nenhuma hipótese, importarão no abandono das garantias dispensadas ao emprego ou ao empregado.

Em que pese não sejam abandonadas as garantias conferidas pela lei, por vezes estas poderão ser relativizadas, dentro de condições previstas pelo ordenamento jurídico, para que seja atingido o escopo de manutenção do vínculo de emprego. Alguns aspectos da flexibilização ora trabalhada podem relativizar as garantias fundamentais do trabalhador, mas sempre dentro do limite amparado pelo direito brasileiro.

Os objetivos do presente trabalhos podem ser taxados em gerais e específicos. Como objetivos gerais, estão a análise dos aspectos históricos dos direitos trabalhistas e dos fatores que influenciam o direito do trabalho, na relação entre empregado e empregador. Como objetivos específicos, estão a descrição das causas da crise de emprego e das formas de flexibilização do direito trabalhista.

Para atingir os objetivos a metodologia utilizada no presente estudo se pauta na coleta e análise de informações doutrinárias, de autores com posições diversas acerca do tema. A visão ampla acerca de tema tão polêmica é fundamental para não trazer ao presente estudo um caráter meramente defensivo da flexibilização, mas uma exposição abrangente sobre o tema.

A situação-problema colocada em evidência no presente estudo é a garantia do emprego em situações de crise, mostrando-se eventuais possibilidades de flexibilização das normas jurídicas laborativas em prol de um benefício maior, que é a manutenção do trabalhador em seu posto de trabalho.

Dentro das hipóteses estudadas, estão a possibilidade de flexibilização trabalhista por intermédio da mudança nas formas de pactuação do serviço, assim como as hipóteses de flexibilização albergadas pela Constituição Federal, no que tange ao salário e à jornada de trabalho.Por questão didática, dividiu-se o presente trabalho em quatro capítulos, divididos em subtópicos, que abordarão grande parte dos assuntos pertinentes à flexibilização trabalhistas, à saber, o histórico, conceito, causas motivadoras da flexibilização, classificação, correntes, limites e formas da flexibilização trabalhista, sempre voltada à oferta e manutenção do emprego.

No capítulo inicial, cumpre trazer a abordagem histórica do tema, resgatando a Revolução Industrial e demais fatos históricos que simbolizam o conflito de interesses entre empregados e empregadores. De fato, o histórico confundir-se-á, por vezes, com o próprio histórico da formação do Direito do Trabalho, talhando a importância e as dificuldades da conquista dos direitos laborativos, criando um contraponto à pura e simples ideia de flexibilização. Ademais, cumpre trazer também no capítulo primevo, os diversos conceitos acerca da flexibilização trabalhista, cada um refletindo a ideologia de seu criador consoante à adoção desta prática, verificando-se conceitos bastante amplos e abertos, assim como alguns receosos, em face da relativização das normas trabalhistas.

As causas motivadoras da flexibilização também são de estudo obrigatório, trazendo o presente trabalho, em seu segundo capítulo, algumas causas corriqueiramente apontadas pela doutrina abalizada como ensejadoras dos preceitos da flexibilização. Dentre elas, menciona-se as crises econômicas, os encargos sociais, a globalização e o desemprego, como causas motrizes da flexibilização, por caracterizarem situações em que a garantia do emprego, ou de sua oferta, encontra-se mais restrita.

O terceiro capítulo é dedicado ao estudo dos aspectos teóricos e doutrinários que circundam o tema da flexibilização trabalhista, quais sejam, as classificações, correntes e limites apontados pela doutrina em relação às práticas flexibilizatórias. Neste ponto do trabalho, torna-se mais intensa a visualização da discrepância entre as ideologias doutrinárias, transmitindo-se o aspecto controverso do tema.

No capítulo derradeiro, adentra-se de fato nas formas de flexibilização voltadas à geração de emprego, a saber, as formas de contratação de força laboral diversas da forma convencional (contrato de trabalho por tempo indeterminado), aptas a acrescentarem postos de trabalho. Frize-se que todas as formas de flexibilização estudadas possuem previsão e regulamentação legais, intentando o presente estudo abordar práticas palpáveis à realidade brasileira.

Trata-se de tema atual, que guarda suas polêmicas, mas de estudo necessário ao profissional do direito. Ainda que o estudioso jurídico guarde grandes ressalvas à relativização das normas trabalhistas, não pode fechar os olhos à uma realidade tão evidente e discutida como a flexibilização trabalhista, objeto do presente estudo.


CAPÍTULO I - ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITO DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

O Objetivo do presente capítulo é analisar os antecedentes históricos e legislativos da flexibilização dos direitos trabalhistas passa necessariamente pelo conhecimento histórico da construção e conquista destes direitos. A partir do momento em que ficamos a par da luta por melhores condições de trabalho, que transcendeu séculos, entende-se os severos embates que cercam o tema.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ademais, cumpre também trazer, no capítulo inicial do presente trabalho, o conceito de flexibilização trabalhista, na visão de abalizados autores, como forma de esclarecer e delimitar, com máxima precisão, o objeto de discussão do presente trabalho.

Importante salientar que o objetivo desta pesquisa é a análise da flexibilização trabalhista e suas possíveis implicações na oferta e manutenção do emprego, trazendo como contraponto, de um lado, a crise empregatícia, e de outro a manutenção dos direitos trabalhistas.

1.1 Antecedentes Históricos do Conflito de Interesses entre Empregados e Empregadores

A flexibilização trabalhista é, sem dúvida, um dos temas mais controvertidos do Direito do Trabalho. Lidar com uma balança que pesa, de um lado, os direitos dos trabalhadores e, de outro, os ganhos do empregador, é uma atividade bastante complexa e conflituosa. Umberto Romagnoli (1998. p. 22) explicita, de forma ímpar, que a flexibilização dos direitos trabalhistas, para grande parte dos empresários, é "considerada como uma droga: se acostumam com ela rapidamente, nunca têm o suficiente e querem doses cada vez maiores".

O conflito de interesses entre empregadores e empregados, de fundamental importância para o estudo da flexibilização do direito do trabalho, tem sua origem nos primórdios do trabalho assalariado. Remonta o período da Revolução Industrial, principiada em países da Europa, principalmente na Inglaterra, e o gradativo êxodo da mão de obra campestre para as cidades, com a substituição das práticas laborativas advindas do período feudal pela forma assalariada de sua prestação. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 05):

Com os novos métodos de produção, a agricultura também passou a empregar um número menor de pessoas, causando desemprego no campo. Inicia-se, assim, a substituição do trabalho manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Havia necessidade de que as pessoas viessem, também, a operar máquinas não só a vapor, mas as têxteis, o que fez surgir o trabalho assalariado.

Com o surgimento e disseminação da forma assalariada de prestação de serviços, assim como pela crescente mecanização dos setores produtivos, iniciam-se os conflitos e oposições entre a classe assalariada e os empregadores, proprietários dos meios de produção. Tais conflitos resumem-se na correlação entre o lucro empresarial e os ganhos salariais dos empregados e na necessidade social cada vez maior da disponibilidade de emprego remunerado.

A dinâmica da relação de emprego à época da Revolução Industrial se dava basicamente pela noção de oferta e procura: As fábricas necessitavam de mão de obra para consecução de seus fins produtivos, oferecendo, para tanto, vagas de trabalho remuneradas. Os trabalhadores, frente à disponibilidade de empregos urbanos, saíam dos centros rurais e aderiam ao serviço assalariado, em que, na arguta lição de Mauricio Godinho Delgado (2008, p. 85), combinava-se a liberdade (separação do titular da mão de obra e do detentor dos meios de produção) e a subordinação.

Entretanto, a dinâmica de oferta e procura não foi suficiente, e nem se propunha a tal, para garantir o equilíbrio entre empregadores, titulares dos meios de produção, e empregados, detentores da mão de obra.

Com a mecanização das fábricas, principiam-se as primeiras crises de emprego, tendo em vista a menor necessidade de força laboral, resumida ao controle e utilização dos novos artefatos mecânicos. Com a diminuição da oferta de emprego, cria-se uma imensa massa laborativa disponível nos centros urbanos, em busca constante por novas oportunidades de labor assalariado. Segundo Antônio Ferreira Cesarino Júnior e Marli A. Cardone (1993, p. 62):

Ao emprego dos maquinismos se atribui o aparecimento da desocupação e o rebaixamento do nível intelectual do operário, em virtude de a divisão do trabalho sujeitá-lo a fazer eternamente o mesmo serviço. Houve, a princípio, até a destruição das máquinas e das fábricas pelos operários, petições no sentido de interdizer por lei as máquinas e as fábricas, donde a necessidade de leis para proteção das máquinas.

Como efeito da vigência da lei de oferta e procura, a grande oferta de mão de obra faz com que aqueles que trabalhavam nas fábricas se sujeitassem a desumanas condições de trabalho, buscando garantir de toda forma o trabalho exercido, tendo em vista a fácil substituição de empregados em exercício pela massa laboral ociosa.

Neste contexto, surgem os primeiros movimentos de oposição e contestação ideológica ao sistema até então vigente. Um dos movimentos mais emblemáticos foi o Ludismo, formado por trabalhadores ingleses seguidores de Nell Ludd, que uniam forças para literalmente destruir as máquinas que compunham as fábricas, às quais creditavam a crise de emprego, e, por consequência, todas as mazelas decorrentes da crise empregatícia. Acerca do ludismo, Voltaire Schilling [01] expõe a aterradora situação causada pelo movimento:

Liderados pelos assim apontados como ‘homens de maus desígnios’, usando máscaras ou escurecendo o rosto, os esquadrões luditas, armados com martelos, achas, lanças e pistolas, aproveitando para se deslocarem à noite, vagavam de um distrito ao outro demolindo tudo o que encontravam pelo caminho, apavorando os donos das fábricas. O comandante da operação chamava-se de ‘General Ludd’, com poder de vida e morte sobre os companheiros Em Nottingham revelou-se um tipo enorme, Enoch Taylor, um ferreiro que levava ao ombro uma poderosa maça de ferro batizada com o seu nome mesmo: Enoch. Bastava uma martelada daquelas para que a porta do estabelecimento viesse abaixo, enquanto que mais uma outra aplicada num engenho qualquer dentro da oficina reduzia-o a um monte de ferro inútil".

No campo teórico, pensadores como Karl Marx e David Ricardo (MARTINS, 2009, p. 06) expunham em suas obras todo descontentamento e necessidade de mudança do sistema vigente. Marx aclarava a nova dinâmica das relações de trabalho, criticando a forma com que o Estado negligenciava os males dela advindos (MARX, 2004, p. 47):

A criação do proletariado sem lar nem pão – despedido pelos grandes senhores feudais e cultivadores, vítimas de repetidas e violentas expropriações – era necessariamente mais rápida que a sua absorção pelas manufaturas nascentes. Por outro lado, estes homens, bruscamente arrancados de suas ocupações habituais, não se podiam adaptar prontamente à disciplina no novo sistema social, surgindo, por conseguinte, deles, uma porção de mendigos, ladrões e vagabundos. Daí a legislação contra a vadiagem, promulgada nos fins do século XVI, no oeste da Europa. Os pais da atual classe operária foram duramente castigados por terem sido reduzidos ao estado de vagabundos e pobres. A legislação os tratou como criminosos voluntários, supondo que dependia de seu livre arbítrio o continuar trabalhando (...).

A ação predatória dos empregadores se dava principalmente pela vigência do liberalismo, doutrina que apregoava a intervenção mínima do Estado e, em consequência, a regulação do mercado pela lei da oferta e da procura. Na arguta lição de Sergio Pinto Martins (2009, p. 07):

No Liberalismo não há intervenção do Estado na economia. É representado pela expressão francesa: "laissez faire, laissez passer, Le monde va de lui-même" (deixa fazer, deixa passar, o mundo caminha por ele mesmo). Haveria liberdade de toda e qualquer manifestação da vida humana, na liberdade e da propriedade. O Estado interviria na vida das pessoas dentro de certos limites. O trabalho seria regulado pela lei da oferta e da procura, inclusive os salários.

O Liberalismo influenciava as relações laborativas na medida em que propiciava aos proprietários dos setores produtivos a possibilidade de aumento dos lucros em detrimento do interesse dos trabalhadores. A contraprestação salarial não era limitada por um piso mínimo, mas pela conjuntura das relações produtivas do momento, em geral tendente a diminuir o valor do trabalho humano em detrimento do lucro empresarial (MARTINS, 2009, p. 07). Interessante observarmos que no período de prevalência do Liberalismo, ao Estado cumpria somente garantir os direitos fundamentais de cunho individual, a exemplo da vida, da liberdade e da propriedade, não intervindo ou garantindo direitos na área social.

Engels, um dos grandes pensadores do socialismo, explicava a ação estatal como decorrência do poder das forças detentoras dos meios de produção (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 90). O poder do Estado estaria a serviço dos proprietários dos meios de produção, omitindo-se em meio às péssimas condições vividas pelos trabalhadores assalariados, em prol do aumento desenfreado do lucro.

Durante longos anos as condições de trabalho a que eram submetidos os empregados foram as piores possíveis. Jornadas de trabalho extenuantes, retribuição salarial ínfima, elevados índices de acidentes de trabalho, péssimas condições de higiene e saúde, ausência de descanso semanal, entre outros, eram as consequências visíveis da disparidade de empregados e empregadores. Como assevera Carlos Henrique Bezerra Leite (2009, p. 36):

Esse quadro de injustiças e desigualdades sociais propiciou o acúmulo de riquezas para uns poucos e bolsões de pobreza e miséria para muitos. Com o passar dos anos, o modelo político liberal perdeu a capacidade de organizar uma sociedade marcada pelas diferenças sociais decorrentes da Revolução Industrial.

Em face das mazelas observadas nos grandes centros urbanos, decorrentes da nova ordem econômico-laboral, houve a urgente necessidade de amparo do Estado à massa trabalhadora emergente. O cuidado estatal aos trabalhadores ocorreu de forma lenta e gradativa, forçada por levantes sociais e pelas ideias de grandes pensadores.

A partir da força social criada pela grande massa assalariada urbana, os direitos laborativos foram, paulatinamente, sendo conquistados, quebrando a barreira do capital e da negligência do Estado. Assevera Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 95):

[...] na esteira dos ideais socialistas, foi a correção das desigualdades econômicas através da instituição de desigualdades jurídicas que, suprimindo liberdades, geram igualdade jurídica real. Sob esse prisma, o direito do trabalho clássico opõe-se à maior liberdade no jogo das forças do mercado e na gestão da empresa[...].

A conquista dos direitos sociais relacionados ao trabalho, na arguta lição de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 93), subdivide-se em quatro fases principais: Manifestações Incipientes ou Esparsas, Sistematização e Consolidação, Institucionalização e, por fim, a fase de Crise e Transição.

Na fase de Manifestações Incipientes, tem-se como marco a expedição do Peel`s Act, em 1802 na Inglaterra, o qual estabeleceu restrições à utilização do trabalho de menores nas fábricas, até então prática corrente no país, onde proprietários de fábricas empregavam famílias inteiras, idosos, adultos, jovens e crianças.

Na fase de Sistematização e Consolidação tem como marco inicial o Manifesto Comunista (1848), elaborado por Marx e Engels, e se estende até o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, com a criação da OIT (1919). Nesta fase, observa-se a intensidade das ideias revolucionárias ao regime então vigente, de exploração do homem pelo capital. A classe trabalhadora começa a movimentar-se de forma coletiva, tornando-se voz ativa na sociedade, conseguindo grandes avanços nas condições de trabalho (DELGADO, 2008, p. 95).

A terceira fase, de Institucionalização dos Direitos Trabalhistas, inicia-se com a criação da OIT (1919), findando no pós Segunda Grande Guerra Mundial (1945). Neste período, os direitos trabalhistas passam definitivamente a compor a estrutura dos Estados, adentrando a ordem jurídica, deixando-se para trás o Estado Liberal omisso às questões laborativas. Começa-se de fato uma tentativa de equilíbrio na balança entre empregadores e empregados.

Por fim, na fase de Crise e Transição, que compreende as últimas décadas do século XX (1980), os direitos trabalhistas buscam se adequar aos novos conceitos tecnológicos e às cíclicas crises econômicas vivenciadas pelos setores produtivos. Passa-se do simples e puro temor da mecanização a um processo de especialização da mão de obra, o qual continua a garantir postos de trabalho.

Aclara-se, por este rápido histórico da conquista e consolidação do Direito do Trabalho, o árduo caminho percorrido por trabalhadores, pensadores e governantes para que de fato houvessem conquistas e melhorias nas condições laborativas. Muitos batalharam intensamente para que o Direito do Trabalho fosse hoje reconhecido como um ramo de elevado prestígio jurídico em diversos países do Mundo.

Os opositores da flexibilização dos direitos trabalhistas encontram argumentos justamente neste fato: as conquistas sociais trabalhistas demoraram muitos anos para se consolidarem, e a sua relativização seria um retrocesso. Em verdade, defende-se, com razão, que as normas fundamentais representativas dos direitos sociais, cuja conquista se deu por esforço da humanidade em busca da justiça social, jamais sejam suprimidas (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 205).

Observa-se, pelo histórico ora acostado no presente trabalho, que o tema flexibilização trabalhista é, de fato, assunto dos mais debatidos, por circundar o inóspito campo que intermedeia a economia e os direitos sociais.

1.2 Conceito de Flexibilização Trabalhista

Conceituar um fato ou ideia é atividade intelectual das mais árduas. Trata-se de separar os elementos componentes e explicitar o nexo que os liga, de forma que o todo seja suficientemente claro e delimitado para compreensão do leitor/intérprete. Na colocação ímpar de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 49):

Definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos.

Antes de adentrar-se especificamente com os conceitos propriamente ditos, urge a reflexão acerca da origem lexical e denominações costumeiramente utilizadas substituir o termo flexibilização.

Flexibilizar vem do latim flecto, flectis, flectere, flexi, flectum, que possuem o sentido de curvar, dobrar, fletir (MARTINS, 2009, p. 09). Conota ao tema a ideia de quebra da rigidez pertinente à legislação trabalhista, em face do seu caráter nuclear de proteção ao trabalhador. Trata-se, em verdade, de um neologismo, termo não constante nos dicionários de língua portuguesa, originária do espanhol flexibilización.

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (HOLANDA, 2004, p. 908) nos traz a seguinte significação para o léxico flexibilização: "Flexibilização (cs). [De flexibilizar + -ção] S. f. 1. Ato ou efeito de flexibilizar. 2. Afrouxamento ou eliminação de leis ou normas, esp. as que afetam relações econômicas: ‘O presidente da Argentina...prometeu...avançar nas medidas de flexibilização trabalhista’."

A relativização da rigidez das normas e institutos trabalhistas possui outras denominações, as quais são de estudo pertinente ao presente trabalho. "Direito do trabalho da crise", ou "da emergência", é a denominação utilizada por alguns autores, dando a ideia da necessidade de adoção de novas medidas em face das crises econômicas, e também empregatícias, vividas em determinado contexto histórico (Martins, 2009, p. 09). De fato, a relativização das normas trabalhistas possui forte ligação com períodos de crise, entretanto não se resume somente a tais períodos, buscando a maior dinâmica das relações laborativas em todo tempo.

Alguns utilizam o termo "Desregulamentação" (MARTINS, 2009, p. 10) de forma equívoca, tendo em vista que o pretendido pela flexibilização não é a ausência de normas laborativas, mas a adaptação destas à realidade contemporaneamente vivida. Trata-se de termo equivocado, que não pode ser usado como sinônimo do tema ora abordado. Conforme bem asseverado por Arnaldo Süssekind et al (2005, p. 206):

A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.

De fato, não se cogita no presente trabalho o estudo da"desregulamentação", tendo em vista que esta seria um retrocesso sem precedentes nos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, voltando-se ao período do liberalismo puro, já abordado quando do estudo do histórico do tema. Para encerrar a presente distinção, faz-se necessário colacionar a brilhante colocação de Sergio Pinto Martins (2009, p. 14):

Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação, o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação, a lei simplesmente deixa de existir, pois é retirada a proteção do Estado em relação ao trabalhador. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. Formatação diferente da citação anterior!!!!

Caro Figueiroa (1989, apud ROBORTELLA, 1994, p. 95) utiliza-se do termo "Neoregulação", idealizando a mudança do sentido e intensidade das normas sem necessariamente se desfazer da legislação.

De todas as denominações abordadas, a de maior utilização e melhor técnica, conforme assevera Sergio Pinto Martins (2009, p. 10), é a Flexibilização, conotando a "flexão" da rigidez das normas trabalhistas.

Feita a abordagem acerca da origem lexical e das denominações, cumpre agora adentrar propriamente conceituar o tema. Especificamente acerca da flexibilização trabalhista, trabalhar com um conceito específico torna-se tarefa ingrata, tendo em vista a forte carga ideológica que permeia os expositores do tema, ora defensores, ora severos críticos de suas práticas. Entretanto, cumpre trazer alguns conceitos que trilham caminhos razoavelmente imparciais, condizentes com o intento da presente obra.

Sergio Pinto Martins (2009, p. 13) nos fornece, em obra ímpar acerca do tema, a seguinte conceituação: "Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho".

No conceito acima explicitado, observa-se o componente mais importante que circunda a flexibilização trabalhista: compatibilização das mudanças ocorridas em face do progresso com as normas que regem o capital e o trabalho, que em última instância, é o próprio direito do trabalho.

A compatibilização das normas trabalhista à conjuntura econômica é a principal bandeira hasteada pelos adeptos da flexibilização das normas trabalhistas. A ideia implícita é que a rigidez do sistema normativo não é capaz de resolver os problemas trabalhistas advindos em épocas de crise. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 11), "(...) é possível dizer que se trata de uma reação aos padrões até então vigentes das legislações que estão em desacordo com a realidade, das legislações extremamente rígidas que não resolvem todos os problemas trabalhistas (...)".

Trata-se, em verdade, da busca de meios alternativos à rigidez da legislação trabalhista, não como forma de supressão de direitos, mas com o escopo de zelo econômico e manutenção da oferta de emprego. Na arguta lição de Arnaldo Süssekind (2005, p. 206):

Com a flexibilização, os sistemas legais preveem fórmulas opcionais ou flexíveis de estipulação de condições de trabalho, seja pelos instrumentos de negociação coletiva, ou pelos contratos individuais de trabalho, seja pelos próprios empresários. Por conseguinte: a) amplia o espaço para a complementação ou suplementação do ordenamento legal; b) permite a adaptação de normas cogentes a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; c) admite derrogações de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia.

A adaptação da norma à realidade econômica é, de fato, o cerne da flexibilização trabalhista, cujas formas serão devidamente abordadas em momento posterior do presente trabalho.

Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 97), em estudo vanguardista acerca do tema, define flexibilização trabalhista como:

[...] o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.

Neste conceito, evidenciam-se, além da noção de adaptação das normas, os objetivos da flexibilização das normas trabalhistas. Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 94) expõe o desenvolvimento econômico e o progresso social como ideais buscados com a adaptação normativa à realidade vigente. Desta forma, destaca que a flexibilização não é um fim em si mesmo, uma mera relativização de normas trabalhistas, mas a coloca em um patamar maior, de auxílio a trabalhadores e empresas nas relações juslaborativas. Assevera ainda que a flexibilização "é apenas meio para aflorar questões fundamentais do mercado de trabalho, tais como custo e produtividade da mão de obra, competitividade, modernização, mercado, lucro e desenvolvimento econômico".

Júlio Assunção Malhadas (MALHADAS, 1991, p. 143 apud MARTINS, 2009, p. 12) nos dá um conceito de menor rigidez em relação ao já abordados, ao esclarecer ser a flexibilização:

[...] a possibilidade de as partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões.

Depreende-se do conceito acima colacionado, em rápida leitura, que este possui maior abertura, aproximando-se mais da ideia de "desregulação", à medida que apregoa menor subordinação das relações empregatícias ao Estado.

Mario Pasco Cosmopolis (1996, p. 118, apud MARTINS, 2009, p. 13) assevera ser a flexibilização a "modificação atual e potencial das normas laborais que se traduz na atenuação dos níveis de proteção dos trabalhadores e que frequentemente vai acompanhada de uma aplicação da faculdade patronal de direção".

Vários são os conceitos dados à flexibilização trabalhista. Os apontados no presente trabalho giram em torno de um componente fundamental: a adaptação das normas (ou atenuação) à realidade econômica vivida pelo Estado. Sua aplicação possui grande proximidade com as crises econômicas e financeiras, surgindo como meio de manutenção do setor produtivo e da oferta de emprego. Entretanto, para que se alcance tal objetivo, insurge como necessária a diminuição da proteção do Estado ao empregado, sem que, no entanto, deixe de garantir o fundamental para que este exerça seu ofício dignamente.

Trata-se, como dito no princípio do presente capítulo, de uma balança, pesando de um lado os direitos trabalhistas e, de outro, a necessidade de produção e de oferta de emprego. Conforme expões Sergio Pinto Martins (2009, p. 13), "(...) a flexibilização é a capacidade de renúncia a determinados costumes e de adaptação a novas situações".

Adaptação esta que se faz necessária, tendo em vista a velocidade com que a tecnologia e os meios de produção vêm se modificando. Conforme acentuado por Arnaldo Süssekind (2005, p. 204):

O nosso mundo está vivendo, indubitavelmente, uma fase de transição resultante da nova revolução tecnológica, que se processa de forma acelerada, desde o invento dos chips. A informática, a telemática e a robotização têm profunda e ampla repercussão intra e extra-empresa, configurando a chamada época pós-industrial.

Nos próximos capítulos discorrer-se-á acerca das causas da flexibilização, assim como a sua classificação, limites e formas de concretização. Patente esclarecer-se, conforme já mencionado no início do presente capítulo, que todo o presente trabalho conterá divergências doutrinárias, fruto do grande conflito doutrinário gerado quando se discute o tema da flexibilização das normas trabalhistas.

Entrementes, ater-se-á o presente estudo em uma exposição objetiva, sem defender com radicalismo alguma posição, de forma a explicitar, da forma mais abrangente possível, as posições doutrinárias pertinentes ao tema, sejam favoráveis ou contrárias, mas de toda forma fruto de renomados autores, com opiniões extremamente qualificadas acerca da temática ora abordada.

Assim, a partir do próximo tópico, onde serão abordadas as causas motivadoras da flexibilização, atentar-se-á para sempre expor a ideia da flexibilização da forma mais abrangente possível.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Joseph Bruno dos Santos Silva

Advogado no Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Joseph Bruno Santos. Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20414. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos