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Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro

Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro

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No Brasil, tem-se a Lei n.° 9.034/95, que é o diploma legal especializado no combate ao crime organizado. Para entendê-lo, faz-se necessário analisar aspectos históricos das organizações criminosas, bem como suas características e conceito.

RESUMO

O presente trabalho pretende apontar de forma analítica e comparativa as principais características das organizações criminosas, tanto as mafiosas quanto as de estrutura não mafiosa. Essas características servem para a compreensão do fenômeno da criminalidade organizada e para que se torne possível combatê-las de maneira efetiva e enérgica. Serão analisadas as principais organizações criminosas que atuam no Brasil, seu surgimento e sustentáculos. Num segundo momento abordaremos o problema do conceito de organização criminosa no ordenamento jurídico brasileiro comentando e expondo os projetos das normas vigentes bem como os tratados que incorporaram elementos relevantes à matéria à ordem jurídica interna. A atividade das casas legislativas também será abordada sob o ponto de vista crítico construtivo para que se possa adquirir uma perspectiva das inovações por vir no campo do combate ao crime organizado. Por fim, serão estudados os institutos da Lei n.° 9.034/95, diploma vigente especializado no combate ao crime organizado.

Palavras-chave: Organizações criminosas, características, definição, Lei n.°        9.034/95.


SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS. 2.1 INTRODUÇÃO. 2.2 ESTRUTURAS MAFIOSAS.   2.1 A Máfia Italiana. 2.2.2 A Máfia Chinesa. 2.2.3 A Máfia Japonesa. 2.2.4 A Máfia Russa. 2.3 CRIME ORGANIZADO DE ESTRUTURA NÃO MAFIOSA. 3. CRIME ORGANIZADO NO BRASIL. 3.1 O NASCIMENTO DO CRIME ORGANIZADO BRASILEIRO. 3.2 OS PILARES DO CRIME ORGANIZADO BRASILEIRO. 4. ANÁLISE LEGISLATIVA NO BRASIL. 4.1 O PROBLEMA DO CONCEITO. 4.2 DE LEGE FERENDA. 5. MEIOS DE INVESTIGAÇÃO E PRODUÇÃO DE PROVA PREVISTOS NA LEI N.° 9.034/95. 5.1 A AÇÃO CONTROLADA. 5.2 O ACESSO A DADOS SIGILOSOS. 5.3 A INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL. 5.4 A INFILTRAÇÃO DE AGENTES ESPECIALIZADOS. 5.5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ INQUISIDOR, ART. 3° DA LEI N.° 9.034/95. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS.


1 INTRODUÇÃO

Sun Tzu, figura lendária que comandou o exército do rei de Wu contra o rei de Tchu por volta de 500 anos antes de Cristo, autor da mais antiga, e uma das mais importantes, obras sobre estratégia militar da história dizia que conhecendo seu inimigo e conhecendo a si mesmo, teríamos a garantia de travar cem combates, e de todos eles sair vitorioso.

A sabedoria milenar desse ensinamento é, apesar de óbvia, ignorada pela maior parte dos responsáveis por nossa segurança. Levando o raciocínio ao extremo, podemos afirmar que, se não conhecermos uma ameaça em toda a sua dimensão podemos cruzar com ela, cumprimentá-la, continuar nossa caminhada, e nos deixar apunhalar, sem desconfiar por um segundo de quem seria nosso algoz.

O presente trabalho tem por pretensão pesquisar as origens históricas do crime organizado de estrutura mafiosa e não mafiosa, o surgimento do crime organizado no Brasil e quais as estruturas que o sustentam, isso tudo na tentativa de conhecer a razão que determina essas estruturas que ameaçam nossa segurança.

Em um segundo momento do trabalho será enfrentada a maior dificuldade que aflige o tratamento legal do crime organizado no Brasil, a definição do que é Crime Organizado.

Por estarmos inseridos em um sistema de civil law, buscaremos algumas definições legais a respeito do tema abordando desde os projetos de lei e suas exposições de motivos, até conceitos incorporados à ordem jurídica interna por tratados e convenções internacionais. Serão apresentados também os posicionamentos da jurisprudência e os conceitos doutrinários, nacionais e internacionais, além de conceitos utilizados por outros países e órgãos de segurança para definir organização criminosa.

Ultrapassado e pacificado o problema do conceito de organização criminosa passaremos à uma análise exaustiva dos projetos de Emenda à Constituição e demais espécies legislativas que visam inovar a ordem jurídica em relação ao combate ao crime organizado. Essa etapa é muito relevante pois permite uma análise prévia daquilo que está por vir e também uma visão geral sobre a posição adotada pelo Poder Legislativo no combate ao crime organizado.

Na última parte do trabalho analisaremos pormenorizadamente os institutos trazidos pela Lei n.° 9.034/95, diploma legal que se dedica especificamente ao combate ao crime organizado. Nessa ocasião serão colacionados os principais posicionamentos doutrinários sobre a matéria o que garante uma comparação dialética das visões sobre os institutos.


2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.1 INTRODUÇÃO

De início, para delimitar o alcance do presente capítulo, identificando as organizações criminosas em sua mais remota formação, partiremos de um conceito genérico de organização criminosa, qual seja, as reiteradas e sistemáticas práticas ilegais com o intuito de acumular riqueza ou poder, caracterizadas pela organização dos sujeitos em um modelo hierarquizado que se utiliza, para alcançar seus fins, da corrupção e violência.

Dentro desse conceito podemos afirmar que as organizações criminosas são tão antigas quanto as mais rudimentares aglomerações humanas, no entanto, conforme os ensinamentos de Frank Shanti[1], do ponto de vista histórico as organizações criminosas passam a se formar nas duas últimas décadas do século XVI, conhecido como a era de ouro do crime organizado, devido ao crescimento alarmante das atividades de piratas e corsários nos mares do Caribe.

Foi o final do século XVI que “viu o nascimento de algumas das mais notáveis sociedades secretas criminosas da história: a Máfia, a Garduna, a Camorra, a Ndrangheta, e a Yakuza”[2].

O fator que mais influenciou o nascimento dessas sociedades secretas foi a transição entre a idade Média e a Renascença na Europa, e, no Japão, o fim do Shogunato de Tokugawa e o inicio da Era Meiji.

Nesse sentido Shanti:

Uma característica compartilhada por todas as sociedades secretas criminosas era a associação em graus hierárquicos. A maior parte das características desses grupos pode ser explicada pela forma estrutural da família comum, mas as raízes das sociedades secretas modernas podem ser rastreadas até a era medieval. Algumas dessas características podem ser encontradas nas guildas medievais, que surgiram como um modo de se ensinar a arte do comércio, mas que também serviam como um sistema judicial. Em vários casos as guildas tomavam para si a solução de problemas judiciais, o que criava um ambiente propício à criação de sociedades secretas[3].

Essas transições teriam resultado em uma reorganização social do poder, e, antes da solidificação do poder central, pequenos grupos absorveram parcelas de poder e organizaram-se hierarquicamente como famílias (imperando a lealdade e obediência entre seus membros), tomando para si o poder jurisdicional para a solução de conflitos e a violência para a pacificação social.

Apesar de os termos Máfia e crime organizado serem utilizados como sinônimos existem diferenças entre eles relevantes tanto do ponto de vista doutrinário quanto do ponto de vista prático, já que as características específicas de cada um servem para a identificação de um padrão de comportamento, para garantir a previsibilidade dos atos, e para a sistematização do combate não aos delitos praticados isoladamente, mas da organização como um todo.

Essas características específicas são expostas por Daniel Montoya[4]:

A máfia possui características especiais como, por exemplo, um sistema normativo infracultural, que privilegia valores específicos e determinados estilos de comportamento (honra, amizade, solidariedade, omertà e a violência como instrumento para ascender socialmente) que apresentam, como maior risco, a possibilidade de infiltração no sistema político-administrativo.

O crime organizado, por sua vez:

Tem adotado a forma de uma empresa e de uma economia submersa e paralela, que atrai jovens devido à carência de desenvolvimento econômico, social e educacional e, principalmente, como conseqüência do desemprego, oferecendo a possibilidade de obter lucros rapidamente[5].

Temos que destacar que, para a legislação brasileira, não há diferença entre o crime organizado e a Máfia, tendo em vista as características comuns, quais sejam “a dificuldade para determinar seu significado e seu alcance por meio de uma definição, a violência, o sangue e a corrupção que sempre fizeram parte de suas atividades[6]”, portanto, os institutos previstos na Lei n.° 9034/95 são aplicáveis caso seja necessário combater tanto organizações criminosas mafiosas quanto as comuns.

2.2 ESTRUTURAS MAFIOSAS

Segundo Daniel Montoya podemos encontrar na dinâmica de todas as organizações mafiosas algumas questões em comum, características que se repetem e servem para diferenciá-las da simples organização criminosa.

Dentre essas características constam: a) a posição central da família, significando não somente o núcleo ocidental do jus sanguinis, mas o bairro, a vila, o conjunto de pessoas que comunga dos valores e submete-se à autoridade da Máfia; b) o sentido da honra, o comprometimento absoluto com os deveres inerentes ao mafioso, sejam eles matar, roubar ou silenciar; c) culto à morte, o dever de morrer em prol da máfia é algo assimilado com facilidade na realidade mafiosa, o último sacrifício não é negligenciado; d) relação com o Estado e Poder, a Máfia tem uma relação “para” e não “anti” Estatal, ou seja, não está lá para destruí-lo e sim para coexistir, às vezes com poder maior, tanto militar quanto político; e) o mito fundante, uma história oficial sobre a origem e os ritos de iniciação tornam os membros da máfia verdadeiros sacerdotes, totalmente comprometidos com os valores e objetivos do grupo; f) a utilização da violência, como meio para alcançar os fins da máfia a violência é ultima ratio, no entanto, não é descartada; g) estrutura e organização, hierarquizada, rígida e piramidal[7].

2.2.1 A MÁFIA ITALIANA

Segundo Frank Shanti a Máfia é a mais famous e infamous, das organizações criminosas do ocidente. Orsi[8] defende que a Máfia Italiana, em especial a Ndrangheta, é a primeira manifestação do crime organizado no ocidente.  A origem histórica da palavra Máfia ainda é fonte de discussões entre historiadores, no entanto, é sabido que seu primeiro uso foi na peça teatral de Giuseppe Rizzotto, escrita em 1863, I mafiusi de La Vicaria, que tratava das atividades de um grupo de Mafiosi.

John Dickie[9], ao comentar a peça de Giuseppe Rizzotto, aponta o ar familiar que cercava os mafiosi, e distingue a figura do chefe e do ritual de iniciação, características que, hoje em dia, podemos apontar como principais na identificação de uma organização criminosa do tipo mafiosa.

A primeira aparição oficial do termo máfia ocorreu em um relatório sobre atividades ilegais do Promotor Chefe de Palermo Filippo Gualtiero em 1865. A provável origem do termo é do dialeto siciliano, significando bravura ou bravado. Existe também a possibilidade de ter origem árabe do termo mahjas, significando orgulho agressivo.

Sobre a origem da Máfia Shanti[10] ensina:

A Máfia nasceu na Sicília após a conquista da ilha pela Espanha no século XV. A implementação do sistema centralizado Espanhol e a transição da Idade Média para a Renascença, que veio com uma forte urbanização, provocou um êxodo da classe alta siciliana para a vibrante capital Palermo. No entanto a classe alta ainda possuía terras no interior, razão pela qual contrataram supervisores chamados gabelloti para cuidar das propriedades. Os gabelloti contrataram assistentes e coletores de impostos chamados uomo di fidúcia, (homens de honra), e campieri (mercenários) que mantinham a ordem pelo medo e intimidação. A estrutura vertical desse sistema é a base direta da Máfia moderna.

Mingardi aponta dois autores das ciências sociais que negam a existência da Máfia, o primeiro é Daniel Bell, professor emérito de Harvard que apontava, claro que erroneamente, a inexistência de provas concretas da existência da Máfia, ignorando até mesmo a veracidade da reunião de Apalachin de 1957, quando mais de 100 chefes mafiosos se reuniram em Nova Iorque para dividir as atividades a serem conduzidas em solo norte americano. O segundo autor que nega a existência da Máfia é Christopher Duggan, cuja tese de doutorado (Facism and the Mafia) defendia, segundo Mingardi[11], as seguintes idéias:

a)                  Não existe uma sociedade secreta chamada Máfia.

b)                 A palavra máfia (em minúscula) descreve uma atitude siciliana perante a vida.

c)                  Todos os pensadores sérios sabem disso.

d)                 As revelações em contrário são inverídicas.

Mingardi esclarece ponto muito interessante sobre as teses de Duggan, além de controversas, por desconsiderarem a existência de documentos históricos comprovando a existência da Máfia, coincidem com as teses dos advogados de defesa dos líderes mafiosos nos mega-processos italianos. Duggan chega ao ponto de “advogar” a favor da inexistência da Máfia, pois em inúmeras oportunidades dedica-se a encontrar imprecisões nos depoimentos prestados pelos chamados pentiti, os ex-mafiosos arrependidos, trabalho que claramente resta ao advogado. Além disso, temos de considerar que o número de depoimentos prestados em todos os processos instaurados contra a Máfia chega aos milhares, negar a existência do fenômeno mafioso é contrariar a estrutura da realidade, ao admitir que tudo não passaria de um delírio.

É preciso compreender alguns termos utilizados pelas organizações mafiosas para decifrar seu funcionamento. Daniel Montoya[12] explica os termos:

a) o chefe: é ele que tem a palavra final nas decisões;

b) o conselheiro: muitas vezes é um advogado de confiança;

c) o vice-chefe: atua em representação ao chefe quando ele está impossibilitado de tomas decisões;

d) os capos: administradores no nível médio;

e) soldados: informam diretamente aos capos e com freqüência operam em determinados negócios. Procuram constantemente novos negócios para a família;

f) a Comissão: agrupa os mais poderosos chefes da Máfia em um corpo central;

g) operadores: representantes da família que são utilizados para castigar traidores.

A Máfia Italiana é formada por três grandes organizações criminosas, como ensina Daniel Montoya, a Cosa Nostra, a Ndrangheta e a Camorra, e uma menor, a Sacra Corona Unita.

A Cosa Nostra nasceu na Sicilia Ocidental, por volta de 1800, “a organização mafiosa mais importante da Europa e uma das principais do mundo”[13],  cujas características distintivas são expostas por Costa Jr.[14]:

O complexo modelo de organização da Cosa Nostra, que consegue sintetizar uma série de conotações diversas entre si, como a estrutura formal, a ocupação do território, a prática da violência, o desenvolvimento de atividades financeiras e empresariais, o controle dos mecanismos das despesas públicas e a existência de relações constantes com o poder político, tem características próprias e originais, que não se encontram em outros grupos criminais.

Mendroni[15] identifica o significado do termo Cosa Nostra como bravura, coragem, autoconfiança e proteção contra a arrogância do poder.

Uma divisão em fases, do desenvolvimento da Cosa Nostra, exposta por Mendroni, divide a história da organização em quatro fases: i) a primeira fase consiste em um período pré-mafioso, caracterizado pela criação de uma sociedade secreta de homens de honra, que se opunham a um Decreto do Rei de Nápoles que restringia manifestações de forças populares. ii) a segunda fase, é marcada pela luta travada pelos homens de honra contra dinastias espanholas e francesas que sucediam o Rei de Nápoles. Foi nesse período que a opinião popular passou a favorecer a Cosa Nostra, simbolizando a luta patriótica. No entanto, a organização ainda tinha como símbolo a mentalidade rústica do homem do campo. iii) a terceira fase é marcada pela migração para a América, pelo espírito empreendedor e pela penetração nos ramos da construção civil. iiii) por fim, a quarta fase é a da máfia-financeira, a migração do contrabando de cigarros e construção civil para o tráfico de drogas e armas e investimentos no mercado financeiro[16].

Mingardi[17] destaca um dos maiores e mais violentos esforços para combater a Máfia na Itália foi coordenado por Benito Mussolini, o ditador que criou o fascismo e governou a Itália de 1922 a 1943:

César Mori, o Prefeito de Ferro, ganha poderes extraordinários para combater a Máfia. Através de atos violentos como a prisão da população de cidades inteiras, queima de propriedades, tomada de reféns, etc, ele conseguiu diminuir sensivelmente a criminalidade na ilha, com os homicídios baixando de duzentos e oitenta e oito para vinte e cinco em um ano.

Walter Maierovitch[18] destaca um capítulo importante da história da Cosa Nostra, a aliança firmada com a Naval Intelligence Service, o serviço de inteligência da marinha americana, para o desembarque aliado na Sicília em 1943. O desembarque foi guiado por piccioti, meninos utilizados pela Máfia para dirigir os navios americanos para um desembarque seguro.

Mingardi também traz lição nesse sentido, “segundo algumas versões ele teria sido um dos intermediários entre a Máfia e forças americanas de invasão”[19] a referência é a Calógero Vizzini (Dom Caló), líder da Máfia Italiana no período da segunda guerra mundial.

Segundo Costa Jr.[20] a Cosa Nostra tomou uma decisão que modificou drasticamente as tradicionais características e modus operandi da organização: entrar no mercado de entorpecentes. Foi a partir da necessidade de se tornar mais urbana e fluida que a Cosa Nostra assumiu uma postura mais empresarial, ingressando na transnacionalidade, sem deixar de lado a violência.

Não podemos esquecer que dentre todas as organizações mafiosas a Cosa Nostra é a que detém a maior parte dos assassinatos tidos como “excelentes”, dentre eles o do Promotor Falcone e sua esposa que foram vítimas de um atentado à bomba em 23 de maio de 1992.

Por fim, para se ter uma idéia da extensão da Cosa Nostra, Montoya apresenta um dado interessantíssimo, nos anos 80 e 90 na Sicília existiam por volta de 4.700 homens de honra, que conformam 177 famílias espalhadas por toda a ilha.

Para Shanti[21] a Ndrangheta é uma organização criminosa secreta da Calábria, região ao sul da Itália. Os registros históricos indicam que seu surgimento se deu no final do século XVIII, durante a unificação italiana, no entanto, suas origens remontam à Garduna Espanhola e à Camorra Napolitana.

O nome Ndrangheta tem origem na palavra grega andragathía, que significa heroísmo, virtude.

Característica distinta da Ndrangheta é o fato de não utilizarem a estrutura piramidal de chefes como as outras organizações mafiosas, sua organização é baseada em familiares “de sangue” e por alianças em virtude de casamentos.

É nesse mesmo sentido o entendimento de Montoya[22]:

A Ndrangheta está composta por homens pertencentes à mesma família natural, o que sustenta sua própria sobrevivência visto que, dessa forma, evitam surgimento de arrependidos. A característica familiar dos grupos mafiosos, junto com o hábito de dar aos recém-nascidos o nome de batismo do avô, causa dificuldade à polícia, uma vez que encontram pessoas diferentes com o mesmo nome e sobrenome e podem distingui-los apenas pelo ano de nascimento.

Costa Jr.[23] relata um fenômeno muito interessante no desenvolvimento da Ndrangheta, o ingresso de seus chefes, ao final dos anos de 1970, na maçonaria, modificando a orientação cultural e política da organização, tornando-a invisível sob o manto de segredos da maçonaria. 

Mendroni narra o ritual de inicialização da Ndrangheta, vital para a compreensão do sentido honorífico da participação em uma organização mafiosa[24]:

Na cerimônia, participam cinco integrante do clã, que são assim denominados: o capo Giovane; o puntaiolo; o picciotto di giornataI, e dois picciotti di sgarroI. Os cinco ficam em pé, abraçados em círculo. Fora deste círculo fica outro integrante da organização criminosa, o mastro di giornata, integrante da sociedade maior (società maggiore), cuja tarefa é exatamente manter os contatos com a sociedade menor (società minore). O mastro di giornata  é comunicado sobre a cerimônia, mas não toma parte, e a sua função é instruir o candidato acerca de como funciona o rito de inicialização, determinando-lhe o ingresso no circulo no momento próprio. Se o candidato tiver menos de 14 anos, ingressa no círculo apensa com um dos pés (“mezzo dentro e mezzo fuori”), para que seja ainda continuamente submetido a períodos de prova. Neste caso, entretanto, ele já é considerado afiliado para efeito de regra de “antiguidade” na organização criminosa, e para efeito de promoções internas, tendo preferência em relação àqueles que, com menos desta idade, não passaram pelo rito. Se contar mais de 14 anos, o candidato à afiliação ingressa no círculo com ambos os pés, significando que, ao contrário do menor, fica definitivamente admitido. A sua mão então é colocada sobre a ponta de uma faca. A exemplo e semelhança do rito da Cosa Nostra, neste momento o capo giovane faz um corte no seu braço ou no seu dedo, até verter um pouco de sangue sobre uma imagem de São Miguel Arcanjo (San Michele Arcangelo), o “protetor da ‘Ndragheta, a qual é posteriormente queimada em uma simbologia sugestiva de garantir a fidelidade e vínculo definitivo de sujeitamento ao clã. São ditas as seguintes palavras: ‘Como o fogo queima esta imagem, assim você queimará se nos manchar com a traição. De agora em diante você é um de nós, um picciotto d’onore (jovem de honra).’ Aqueles que são candidatos a ingresso na organização são chamados de “Contrasto Onorati”.  

 Dentre as diversas atividades criminosas desenvolvidas pelas organizações mafiosas a Ndrangheta demonstra um talento especial para o seqüestro de pessoas e o tráfico de armas, nesse sentido Montoya:

[...] sua especialidade é o seqüestro de pessoas. Os lucros são altos e não há tanto risco quanto no tráfico de narcóticos ou no contrabando de cigarros; o dinheiro é utilizado em investimentos em negócios mais lucrativos. Uma segunda especialidade é o tráfico de armas. Tentaram, inclusive, adquirir o controle de um instituto de crédito em São Petesburgo (Rússia) e comprar 34 milhões de rublos russos para reinvestir em atividades produtivas na ex-união soviética.

Costa Jr.[25] narra que a Ndrangheta conta com mais de 5.600 afiliados, distribuídos em 160 facções.

Segundo Shanti[26] a maioria dos historiadores concorda que a Garduna (sociedade secreta criminosa da idade média na Espanha) é a precursora da Camorra Napolitana, que, provavelmente, fora transplantada para a o sul da Itália quando a Espanha tomou Nápoles no século XVI.

O termo camorra é uma palavra espanhola que significa luta. Mendroni[27] aponta outra possível origem histórica para o termo, “gamarra” em árabe é o local em que se realizam jogos de azar. A característica mais distinta da Camorra é seu processo de recrutamento: os membros são recrutados provisoriamente e só se tornam integrantes definitivos após cometerem um assassinato pela organização.

Segundo Mendroni, a primeira notícia histórica da existência da Camorra consta na comissão parlamentar de inquérito sobre Nápoles, de 1901:

“Interpostas pessoas (...) do industrial rico, que quer abrir a estrada no campo político ou administrativo, ao pequeno comerciante que queira solicitar uma redução de impostos, ao homem de negócios que aspire uma concessão, o operário que queira um emprego, do profissional liberal que busque clientela de um determinado órgão setor, aqueles que buscam pequenas colocações de emprego, o provinciano que vem a Nápoles para fazer compras, aquele que quer imigrar para os Estados Unidos, todos encontram nas suas frentes ‘interpostas pessoas’, e quase todos deles se servem, ‘intermediários’ ou ‘mediadores’ (intermediari di comodo), na forma de favorecimentos e pagamentos”

Quanto à organização hierárquica, Montoya descreve que, diferentemente das demais organizações mafiosas, a Camorra “está constituída por centenas de bandos que se compõe e se recompõe sem ordem nem disciplina.”[28]

O empreendedorismo da Camorra a tornou especialista em uma série de delitos listados por Montoya[29]:

a)                  contrabando de tabaco, que é sua atividade tradicional devido à ausência de riscos, à pouca vigilância, às baixas penas, à aceitação social e à excelente lucratividade;

b)                 o tráfico de armas, sobre o qual testemunhou o arrependido Galasso, e que são utilizadas como moeda de troca para adquirir droga; nesse negócio participam em estreita relação com a máfia russa;

c)                  as corridas de cavalo com as quais chegaram a montar uma hípica clandestina;

d)                 à agiotagem, na medida em que constitui, hoje, um investimento de pouco risco, seja em nível familiar, praticada por indivíduos necessitados, seja empresarial;

e)                  o tráfico de entorpecentes do qual participam grupos familiares;

f)                   a falsificação de determinados produtos, por exemplo, os conhecidos como “Cartier” ou “Vuitton”.

Segundo Costa Jr.[30] a Camorra é a organização mafiosa menos propensa a alianças, devido à sua organização em bandos dispersos, no entanto, conta com algo em torno de 6.000 a 7.000 adeptos em mais de 100 clãs.

Segundo Montoya[31] e Costa Jr[32]. A mais nova dentre as organizações mafiosas operantes na Itália é a Sacra Corona Unita. Operante a partir dos anos de 1980, representa especial ameaça por sua alta integração tanto com a Cosa Nostra, Camorra e Ndrangheta, outras organizações mafiosas da Itália, quanto com organizações criminosas da Grécia, Albania e Oriente Médio.

Operante em Puglia, região da Itália meridional, a Sacra Corona Unita tem a origem de seu nome em uma expressão satírica utilizada par atacar soberanos Borbônicos até meados de 1800.

Montoya aponta uma característica que distingue a Sacra Corona Unita das demais organizações mafiosas, incorporar menores de idade às suas fileiras. Quando da prisão e processamento de muitos dos membros da Corona, constatou-se que haviam adentrado à organização quando menores.

O sucesso econômico das atividades mafiosas foi constatado por um estudo da Guarda de Finanças que comprovou que, em 1993, 60% dos lucros no sistema financeiro da Sicilia foram atribuídos às atividades mafiosas.

Segundo Montoya[33] esse sucesso se dá por quatro vantagens que os investimentos mafiosos detêm em relação aos legais:

a)                  Recursos financeiros elevados: a economia mafiosa pode contar com um financiamento ilimitado, que provém do exterior e do patrimônio da empresa simples (tráfico de drogas, de armas, extorsão, agiotagem), sem o ônus do pagamento de juros passivos.

b)                 Redução dos custos trabalhistas: a economia mafiosa tem uma estratégia de redução salarial na qual os sindicatos em geral são mantidos longe graças à utilização da violência para intimidar os trabalhadores que pretendam defender seus próprios direitos.

c)                  Crédito fácil: obtido por meio da intimidação e corrupção.

d)                 Concorrência: a economia mafiosa impõe-se no mercado não pela qualidade de seus produtos, mas graças aos fatores agregados ao capital e ao trabalho, como são a intimidação e a violência.

Mendroni[34] aponta que o posicionamento geográfico da Puglia, com divisa com o mar Adriático, favoreceu o desenvolvimento de relações entre a Sacra Corona Unita e os países da ex-Iuoguslávia, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Turquia, Grécia, Síria, Líbano, Israel, favorecendo o tráfico de armas e drogas.

Segundo Costa Jr. a Sacra Corona Unita “conta com mais de 1.000 afiliados, que operam em aproximadamente 50 “sodalícios” [35].

2.2.2 A MÁFIA CHINESA

Segundo Mendroni[36], a utilização do termo “Tríade” para designar as organizações mafiosas chinesas equivale ao termo “Máfia” para designar as organizações criminosas italianas, ou seja, a tríade é um termo genérico que não se refere a nenhuma organização em especial, mas sim ao modo de organização, ação e objetivos comuns. O significado do termo relaciona-se com o símbolo do movimento Hun Mun, indicando as três forças do universo, o céu, a terra e o homem.

Walter Maierovitch[37] aponta como período de nascimento da Tríade o século XVII, quando se constituiu como organização secreta para o combate à Dinastia Manciú (a última Dinastia Imperial da China). 

Montoya[38] aponta a existência de 50 tríades ativas, cuja soma dos membros chega a 300.000 homens, e complementa “entre as mais poderosas encontram-se a 14 K, Wo Shing Wo, Wo On Lok, Chu Lien Pang, Daí Huen Chai e a particularmente organizada Sun Yee On”.

Outra questão que parece um tanto impressionante é o maior dos obstáculos ao combate às tríades chinesas, o idioma. Esse problema não é relatado somente por Montoya[39], que aponta que “o problema na perseguição do crime chinês é o idioma. Uma vez que os tribunais precisam de intérpretes para colher depoimentos, os resultados não são confiáveis”, além da problemática dos depoimentos, “é preciso acrescentar a dificuldade que se apresentam as escutas telefônicas”, Costa Júnior[40] também destaca a dificuldade envolvendo os inúmeros dialetos, pela “dificuldade das forças da ordem em entender os diversos dialetos”.

Quanto aos territórios de Macau (ocupada por portugueses por 400 anos), Hong Kong (antiga colônia inglesa) e Taiwan (considerada uma província rebelde pela China), podemos observar, segundo os ensinamentos de Mendroni[41], aspectos especiais quanto ao desenvolvimento do crime organizado, tendo em vista as características geográficas e influências culturais:

Se em Taiwan a influência da criminalidade organizada veio do Japão, da Yakuza, em Hong Kong copiou-se a criminalidade banal e de rua dos ingleses. Em Taiwan, atualmente, ela avançou sobre a penetração no meio político, manipulando eleições e conseguindo cargos públicos diretamente, e também sobre as forças armadas.

Da mesma forma, em Macau, a partir de 1960 desenvolveram-se inúmeros, mas pequenos, grupos criminosos, que se tornaram mais ofensivos a partir dos anos 1980. Hoje são mais de 20 grupos, conectados especialmente com os de Hong Kong, que cresceu mais especificamente em razão da proximidade com o “Triângulo de Ouro”, sendo responsável por aproximadamente 50% da droga que ingressa nos Estados Unidos e 70% da heroína que chega a Nova York, preferida pelos americanos em detrimento de outras que provêm do Oriente Médio em razão da sua qualidade.

Hong Kong também se encontra em uma situação geográfica de fuso horário perfeitamente estratégico, servida por fatores favoráveis para a prática de lavagem de dinheiro entre Estados Unidos e Europa, sendo um dos maiores paraísos fiscais do mundo.

Segundo Costa Júnior, podemos concluir que as tríades chinesas são organizações criminosas mafiosas, por seu ordenamento interno, poderio econômico, político e cultural, de alcance transnacional, por controlar o “Triângulo de Ouro” (Tailândia, Laos e Birmânia), centros fornecedores de entorpecentes, e grande periculosidade, já que operam, predominantemente, com o tráfico de armas e entorpecentes.

2.2.3 A MÁFIA JAPONESA

A era Edo, iniciou-se no por volta de 1603, quando o clã Tokugawa unificou o Japão, centralizando o poder nas mãos de seus Shoguns, e durou até o início da era Meiji, em 1868.

Foi no início do século XVII, portanto sob o comando dos Tokugawa, que surgiu a Yakuza, a Máfia japonesa.

A palavra Yakuza para Shanti[42] significa “8-9-3”, Ya significa 8, Ku, 9 e Za 3. O nome deriva de um jogo de azar antigo chamado Oicho-Kabu, cujo objetivo consiste em chegar mais próximo possível da pontuação 9, sendo que a contagem de pontos é determinada pelo menor dígito resultante da soma das cartas. Como 8+9+3=20, e o menor dígito do número 20 é o 0, quem tiver essa combinação de cartas na mão não marcará nenhum ponto, ou seja, é uma mão perdedora.

Com o passar do tempo o termo Yakuza tornou-se sinônimo de perdedor na sociedade japonesa. A relação entre o significado social de Yakuza, perdedor, e o nome da Máfia é um tanto controverso. Modernamente a ligação entre a palavra Yakuza e a Máfia japonesa tem origem no termo machiyakko, que significa servos da cidade, os homens que, apesar de não passarem de artesãos e fazendeiros, pegavam em armas para defender as cidades e vilas contra os kabuki-mono, invasores criminosos.

Mendroni[43] aponta que o termo Yakuza hoje denomina em torno de 2.500 a 3.000 diferentes grupos criminosos que operam no Japão, Havaí e na Costa Oeste dos Estados Unidos.

Podemos trazer para esse ponto da análise uma comparação com os significados dos nomes das organizações mafiosas italianas, nomes sempre ligados à virtude, nunca à criminalidade, o mesmo ocorre com a Máfia japonesa, apesar do termo Yakuza remeter a um jogo de azar, historicamente seu significado está mais próximo de adjetivos positivos.

Segundo Costa Jr.[44] até pouco tempo havia acreditava-se que a Máfia japonesa, por seu modelo organizacional extremamente rígido, servia como fator disciplinador da criminalidade, mantendo-a restrita a números e parâmetros aceitáveis. No entanto, analisando o poder econômico da Yakuza, podemos concluir diversamente:

Os Yakuza operam sobretudo no campo do tráfico de anfetaminas e de outros tipos de droga, na exploração da prostituição, no comércio de material pornográfico, nos jogos de azar, no racket dos transportes, da usura, da extorsão, no tráfico de imigrantes. Controlam setores da construção, da especulação mobiliária e financeira, do esporte, do divertimento. Acham-se em condições de interferir em muitas empresas, seja com extorsão, seja com condução de greves e protestos. Atingem um volume de negócios que supera dez bilhões de dólares.

Montoya[45] descreve três costumes da Yakuza que a individualizam frente à Máfia Italiana, Chinesa e Russa:

1)                 Cortar dedos: (yubitsome). A última falange de um dos dedos da mão era amputada em uma cerimônia como pedido de desculpa ao “oyabun” no caso de ter cometido falta contra a organização. Assim o jogador ficava com uma fraqueza na mão.

Esse castigo começou como uma forma de debilitar a mão e esse ato, seja forçado ou voluntário, deixava o “kobun” mais dependente da proteção do “oyabun”. Quando o corte era realizado, a falange era entregue ao chefe enrolada em um fino tecido; uma nova infração às regras podia levar a um novo corte no mesmo dedo. Em 1971 uma investigação realizada demonstrou que 42% dos modernos Bakuto tinham a falange cortada, sendo que 10% deles em mais de uma ocasião. Atualmente, esse costume foi deixado de lado e o novo hábito é dar um presente no caso de ter cometido um erro. Por outro lado, alguns fazem enxertos para recuperar a falange cortada.

2)                 Tatuagens: outro costume que os Bakuto deixaram foi o das tatuagens. Nos velhos tempos, os criminosos eram tatuados pelas autoridades com um anel preto em volta do braço ara condená-los ao ostracismo. A tatuagem de toda a superfície do corpo transformou-se em uma prova de virilidades, Decio ao sofrimento envolvido na sua realização; tratava-se, por outro lado, de demonstrar que se pertencia à organização para sempre, uma vez que era uma marca que não poderia ser apagada. Esse costume era considerado como uma prova de força porque requeria, para fazer certos desenhos sobre o corpo, centenas de horas de trabalho até ser concluído. Também constituíam um sinal de protesto, para demonstrar que não estavam dispostos a se adaptar à sociedade.

3)                 Relação paterno-filial: igual à máfia italiana, os Yakuza começaram organizando-se em famílias, com um padrinho no topo e novos membros adotados no seio do clã como irmãos maiores, menores e filhos. A Yakuza acrescentou a essa estrutura uma relação única, a do “oyabun-kobun”, que literalmente significa papel do pai/ papel do filho. O “oyabun” fornece conselho, proteção e ajuda e, em troca, recebe a total lealdade e serviço do “kobun” cada vez que é necessário. No submundo, a relação se dá entre o chefe e seu seguidor e isso gerou uma grande coesão e força, levando, às vezes, a uma fanática devoção pelo chefe.

Nesse mesmo sentido é a lição de Costa Jr.[46]

O elo de ligação entre o chefe e seus afiliados é de fidelidade e de obediência absoluta, como de um filho em relação ao pai. Quem comete um erro pode, por vezes, remediá-lo se autopunindo com o talho da falange do dedo mínimo, sinal de arrependimento e submissão dos mais absolutos. A extremidade cortada é oferecida ao chefe envolvida em um lenço. A falta da falange e as tatuagens sobre o corpo são sinais inconfundíveis de pertencer aos Yakuza. As tatuagens representam samurais, serpentes e dragões.

Mingardi[47] faz referência às tatuagens características da Yakuza como uma prova de coragem por si só, vez que eram confeccionadas com um instrumento talhado de osso ou madeira, cuja ponta tem um grande número de agulhas afiadas. O fato dessas tatuagens cobrirem quase que o corpo inteiro são uma demonstração de fidelidade e comprometimento muito grande por parte dos membros da organização, vez que não podiam ser apagadas até pouco tempo atrás, com o advento de tratamentos com laser.

Uma das preocupações da organização é relativa à discrição. Em 1922 o cineasta Japonês Juzo Itami, sofreu um ataque, por membros da organização Goto-gumi que o espancaram e esfaquearam, por ter retratado os membros da Yakuza como fanfarrões em seu filme Minbo no Onna.

Montoya[48] aponta seis regras sagradas que fazem da Yakuza uma organização poderosa:

- nunca revelar os segredos da organização;

- não se envolver pessoalmente com drogas;

- jamais desonrar a esposa ou os filhos de outros membros;

- não se apropriar de dinheiro da quadrilha;

- não falhar na obediência aos superiores;

- não apelar à lei ou à polícia.

Por fim, conclui Montoya que, “apesar de gostarem de aparecer como velhos samurais”[49], os membros da Yakuza dedicam-se exploração da pornografia, do jogo, da construção civil, dos negócios imobiliários e da lavagem de dinheiro (atividade que no Japão não era considerada crime até poucos anos atrás).

No final dos anos 60 a Yakuza tinha 160.000 membros. Desde que sua organização foi criminalizada é difícil estimar quantos integram suas fileiras, no entanto, segundo Mendroni[50], estima-se que há atualmente mais de 3.000 grupos na Yakuza, com aproximadamente 90.000 integrantes.

2.2.4 A MÁFIA RUSSA

Mendroni, Montoya e Ziegler apontam o mesmo antecedente histórico da Máfia Russa, os vory-v-zakone, ou ladrões dentro da lei. Esse grupo de ladrões emergiu dos campos de trabalho forçados utilizados pela União Soviética para a repressão e execução tanto de criminosos comuns quanto de adversários políticos.

O Gulag, Glavnoye Upravleniye Ispravitelno-trudovykh Lagerey i Kolonij, funcionou na União Soviética de 1918 (logo após a revolução) até 1956, e foi no final de 1920 que os “honoráveis membros da força do submundo da instituição do crime”[51] iniciaram a seita esotérica que se disseminou pela Rússia, contendo o rígido código de conduta dos vory.

Foi a partir do período soviético que, segundo Costa Júnior[52], a Lei de Propriedade estatizou a propriedade privada na Rússia, o que criou condições de desgraça econômica e insegurança psicológica, fatores que favoreceram o crime organizado, por possibilitar que as sociedades mafiosas dominassem o mercado negro, degeneração do mercado que ocorre em tempos de restrição a bens de consumo.

Nesse mesmo sentido é a lição de Walter Maierovitch[53]:

Ao tempo da União Soviética, o crime organizado operava net que servia ao mercado negro de bens de consumo. Pela referida net circulava uma espécie de economia informal. Era o câmbio de moedas, as autorizações para circulação e permanência nas grande cidades, a locação de imóveis para clandestinos, a usura e o lucrativo comércio de bebidas alcoólicas, já que o governo destinava toda a famosa vodka para exportações.

Em russo, o termo “Mafiya”, segundo Costa Júnior[54], significa a corrupção governamental e o crime organizado. Tal significado encontra embasamento histórico que comprova o envolvimento precoce do governo Bolchevique (que constituiu o Partido Comunista da União Soviética logo após a revolução de 1917) com o crime organizado. Isso fez do regime soviético a maior organização criminosa do mundo, pois monopolizava todas as atividades criminosas desempenhadas pelos vory até a revolução russa.

O alto grau de corrupção e a extensão da burocracia estatal no regime comunista constituíam verdadeiro “viveiro” para a Máfia Russa. Quando o Estado gerencia todas as atividades econômicas, sociais, políticas e administrativas, somando-se à fácil corrupção de um sistema sem o controle democrático da atividade estatal o resultado é a combinação perfeita para o desenvolvimento e crescimento das organizações criminosas. Isso tanto é verdade que Costa Júnior[55] relata que entre 30 a 40% do dinheiro do crime organizado vem da corrupção de funcionários por meio de subornos, isso porque a estrutura política está permeada de membros da Máfia. Nas eleições de 1995 25 a 30% dos candidatos a cargos públicos tinham clara participação em organizações criminosas.

Mendroni aponta que na Rússia existe um “pacto” entre políticos e chefes de organizações criminosas:

Os políticos conseguem obter certos dividendos de “estabilidade política” no submundo, enquanto os criminosos conseguiriam considerável penetração no mundo político. É corrente, entretanto, que na Rússia os líderes das organizações criminosas têm penetração com os políticos, sem nenhuma imposição de restrição em relação a isso.

A penetração da Máfia é tão profunda que “estima-se que entre 70 a 80% dos bancos privados da Rússia estejam nas mãos do crime organizado”[56].

A chegada da Máfia Russa aos Estados Unidos, por volta de 1970 e 1980 gerou a primeira tentativa de combate ao crime organizado na Rússia com alguma chance de sucesso. Foi um acordo entre o procurador-geral Illyushenko e o diretor do FBI que, segundo Segundo Costa Júnior:

Marcou o início de uma era de cooperação entre a Rússia e os Estados Unidos no combate contra a máfia. A razão disto é que a corrupção transformou-se em um estilo de vida dos funcionários estatais russos, o suborno é amplamente praticado, pago por um grande número de empresários para poder exercer atividades comerciais nesse país.

Pagando subornos e proteção, indiretamente financia-se a atividade criminosa russa nos Estados Unidos. Como manifestou um pesquisador, quem paga proteção à máfia russa está ajudando a consolidar a anarquia nos anos vindouros e a impedir o cumprimento da lei.

Ziegler diverge de Mendroni e Costa Jr. quanto ao desenvolvimento da Máfia Russa, na medida em que considera que a queda da União Soviética e posterior aproximação do ocidente e da democracia na realidade contribuíram para o desenvolvimento, e não do combate, do crime organizado na Rússia. Segundo Ziegler, com a falência da ditadura comunista “os senhores do crime, os novos boiardos, formam uma espécie de guarda de ferro, uma vanguarda, a única capaz de fazer frente à agressão dos capitalistas ocidentais[57]”, ou seja, o desenvolvimento do crime organizado seria uma espécie de revolta contra o capitalismo, e em certa medida, contra a democracia em si, vez que, continua Ziegler, “um banqueiro ocidental assassinado em Moscou equivale à recuperação de uma parcela da dignidade russa[58]”, nesse caso, haveria uma aprovação popular da atividade mafiosa, ao passo que seria somente mais uma etapa na luta pela revolução.

É a ausência da democracia, único regime de governo em que o cidadão tem controle das decisões políticas do país, pois elege e controla os atores políticos, que facilitou a tomada do controle do Estado pelas organizações criminosas, “de acordo com uma pesquisa, 23% dos russos que residem em áreas urbanas acreditam que é o crime organizado, e não o governo, que dirige o país.”[59]. A Duma, assembléia nacional da Rússia, depois da eleição de 1995, tinha 70% dos seus membros sendo processados criminalmente, indicativo da infiltração criminal nas estruturas de poder.

Ziegler aponta uma particularidade do em relação às atividades desenvolvidas pela Máfia Russa. Além do tráfico de armas e drogas, comum a quase todas as organizações criminosas existentes, a Máfia Russa desenvolve uma atividade diferenciada, o tráfico de seres humanos em grande escala. A finalidade é simples, aquisição de riquezas. Existem, segundo Ziegler[60], três destinos aguardando o escravo na Europa:

Ou bem ele trabalha clandestinamente na economia legal, na indústria e em restaurantes, em obras, empresas comerciais ou de serviços pertencentes a agentes econômicos comuns. Vive então em permanente incerteza, na angústia da expulsão, na precariedade habitacional, na impossibilidade de qualquer mobilidade social.

Ou bem se dá o milagre e o escravo recebe das autoridades do país de destino um estatuto: direito de asilo, visto de permanência humanitária, visto temporário, etc.

Terceiro destino: o imigrado ou imigrada é empregado (a) diretamente em uma das inúmeras empresas implantadas na Europa ocidental pelos próprios cartéis: complexos imobiliários, cassinos, restaurantes, empresas industriais, bancos, lojas, bordéis, etc.

Seja como for, nos três casos a visita do contador local ou regional da organização criminosa é inevitável: todo fim do mês, ele vem receber o que lhe é devido.

Por fim, podemos concluir, de acordo com Mendroni[61], que a Máfia russa, por ter invadido a economia e a política, tem colocado em risco a democracia e a economia do país, comprometendo seriamente sua capacidade de reverter esse quadro de ocupação da Máfia.

2.3 O CRIME ORGANIZADO DE ESTRUTURA NÃO MAFIOSA

Já diferenciamos a Máfia, por suas características específicas, do crime organizado como um todo, agora, para melhor delimitar o escopo do estudo, passaremos a definir o crime organizado em contraposição ao crime comum.

Antonio Scarance[62] visualiza na aplicação do principio da proporcionalidade a chave para a efetiva segurança social sem o prejuízo das garantias individuais, razão pela qual se deve separar a criminalidade real em três grupos, a fim de se dispensar tratamento proporcional, e, com efeito, adequado, a cada um deles: i) criminalidade de bagatela, ii) criminalidade comum, e iii) criminalidade organizada. Assim é necessário, de acordo com o princípio da proporcionalidade, identificar as características de cada grupo, a fim de legitimar a diferença de tratamento entre eles, essas características são: i) o diminuído potencial ofensivo da criminalidade de bagatela, que admite a aplicação dos institutos da transação, suspensão condicional do processo e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ii) a violência característica dos crimes comuns, seja contra o patrimônio, contra a pessoa ou contra a administração pública,  limitada à ação individual ou em grupo, mas restrita em relação a seu potencial lesivo, que, apesar de relevante penalmente, não é extensivo, e iii) o elevado grau de complexidade organizacional da criminalidade organizada, que, de modo empresarial, se dedica à prática de delitos diversos, podendo abranger desde as infrações perpetradas pelos dois primeiros grupos analisados, mas ocupando-se também da prática de delitos que afetam uma maior quantidade de pessoas, seja pela característica transnacional, seja pelo alto potencial ofensivo das condutas como tráfico de drogas, armas, pessoas, fraudes contra a administração pública, extorsões, etc. Portanto, resta justificado o tratamento diferenciado que deve ser dispensado a cada espécie de criminalidade, basta individualizar a ação da organização criminosa para admitir que deve ser combatida por meios especiais, inadmissíveis quando se fala de criminalidade de bagatela ou comum.

Maurício Lopes[63] faz distinção similar à de Antonio Scarance, expondo a criminalidade tradicional como microcriminalidade, e a criminalidade avançada como macrocriminalidade. A diferença entre essas espécies é o grau de intensidade, natureza e tamanho das atividades desenvolvidas, ou seja, a microcriminalidade dedica-se a atos isolados, e, se repetidos, descontrolados, ao passo que a macrocriminalidade existe em uma forma empresarial, produto da administração e coordenação de esforços.

Como demonstrado pela doutrina a ação criminosa pode ser analisada sob diversos aspectos, do ponto de vista econômico, pelo impacto do crime na atividade econômica, do ponto de vista social, avaliando a alteração e abalo da coesão e paz social produzida pelo cometimento do delito, e assim por diante. A análise que nos compete diz respeito ao modo de organização dos sujeitos que cometeram o delito, ou seja, se o delito foi cometido por uma organização criminosa ou não.

É importante definir, desde já, que o delito em si não nos diz muito sobre o modo organizacional daqueles que o cometeram, pois a violência por si só não denuncia a qualidade daqueles que a perpetram. Como sabemos, é difícil diferenciar, materialmente, a lesão corporal cometida durante uma extorsão praticada por membros da Yakuza, da lesão corporal causada pelo assaltante, que pratica roubo na residência de uma família. 

A primeira distinção que temos de ser capazes de fazer é entre o crime comum, e o organizado, nas palavras de Richard Poff, o crime pode ser dividido em duas categorias, organizado e desorganizado, no entanto, tal tarefa não é tão simples, pois, a primeira resposta para a questão, levando em conta o fato de o Brasil adotar o sistema do Civil Law, que utiliza conceitos legislativos para a identificação de fenômenos jurídicos, seria buscar uma definição legislativa para crime organizado, no entanto nos falta tal definição. Isso porque a Lei n.° 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas não define, em seu texto, o que é uma organização criminosa, apesar de seu capítulo um ser intitulado “Da Definição de Ação Praticada por Organizações Criminosas e dos Meios Operacionais de Investigação e Prova”[64].

Antonio Scarance esclarece a opção do legislador:

A Lei seguiu caminho próprio. Não definiu organização criminosa, (...) preferiu deixar em aberto os tipos penais configuradores do crime organizado, mas, ao mesmo tempo, previu que qualquer delito pudesse sê-lo, bastando que decorresse de bando ou quadrilha.

Percebe-se, da afirmativa dou autor, que o legislador levou em conta a experiência histórica do combate à Máfia italiana, pois, foi a partir do momento em que se deixou de combater os delitos, de per si, e se passou a coordenar um combate à organização como um todo que a Itália iniciou uma trajetória de êxito no combate ao crime organizado.

 A legislação brasileira, ao caracterizar a organização criminosa por suas características intrínsecas, e não pelos delitos que comete, permitiu um combate efetivo da criminalidade organizada, pois, de início, qualquer delito cometido por uma organização criminosa pode ser investigado e processado de acordo com os institutos da Lei n.° 9.034/95.

Tendo em vista que o crime organizado pode ser encontrado em praticamente todas as regiões do globo Shanti[65] analisa o impacto das organizações criminosas segundo regiões geográficas: Europa ocidental, Europa oriental, Ásia, América latina, América do norte e África.

Na Europa ocidental, região que compreende a Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Liechtenstein, Luxemburgo, Mônaco, Países baixos e Suíça, o crime organizado posa como grande ameaça às estruturas governamentais e comerciais.

As mais visíveis organizações criminosas atuantes na região são as originárias da Itália, dentre elas a Máfia Siciliana, a Ndrangheta e a Camorra. Os três grupos têm alcance global, contando com filiais em mais de 40 países. Historicamente a atividade ilícita desenvolvida com mais sucesso é o tráfico internacional de heroína.

Existem, além dos grupos Mafiosos Italianos, outros grupos de criminosos atuando na Europa ocidental, Jamaicanos são responsáveis por reforçar o tráfico de drogas e armas, segundo Mendroni[66] foram grupos Jamaicanos os responsáveis pela invenção do Crack, substância entorpecente conhecida por causar dependência mesmo após curto período de uso, enquanto a Máfia Russa e outros grupos menores se ocupam do tráfico de mulheres e crianças para fins sexuais. Por fim, o contrabando de material nuclear russo para a Alemanha é fruto do trabalho de mafiosos russos em conjunto com gangues da Europa Oriental.

Na Europa oriental, composta por mais de 20 países, (a maioria de origem eslava que foram dominados pela União Soviética, formando o bloco URSS entre 1945 e 1991), as guerras étnicas travadas nos Bálcãs no final dos anos 90 facilitaram o crescimento de organizações criminosas especializadas no tráfico de armas, pessoas e obras artísticas.

O estado socialista contribuiu tanto para o crescimento do crime organizado que de 1990 a 1996 o número de grupos mafiosos foi de 785 para mais de 8.000. Hoje em dia, mais de 100 grupos mafiosos russos operam num total de 44 países.

O crime organizado está se desenvolvendo muito rapidamente na Ásia. A heroína produzida em Mianmar abastece os mercados da Austrália, Europa e América do norte, fábricas na província de Guandong (ao sul da china, de maioria Han) são internacionalmente conhecidas pela produção em massa de produtos falsificados. A tríade chinesa, organização mafiosa com mais de 100.000 membros tem laços diretos com o governo em Beijing, e com os sindicatos, que estão envolvidos com atividades que vão do tráfico de armas à lavagem de dinheiro, passando pela pirataria de softwares e cartões de crédito.

Baseada no Japão, a Yakuza participa do tráfico de metanfetamina, extorsão, compra de imóveis e cassinos. A quantidade de dinheiro envolvida em negócios da Yakuza é suficiente para abalar a estrutura econômica do Japão, e seus membros se espalham do Havaí ao Brasil.

Na América latina o crime organizado é muito poderoso. Colômbia, Venezuela e Equador são os principais exportadores de drogas para os Estados Unidos, na realidade, traficantes colombianos suprem boa parte do globo com cocaína refinada.

Sobre os cartéis colombianos, Mendroni[67] explica sua origem:

Diferentemente dos mafiosos italianos, da Yakuza japonesa e das Tríades chinesas, a origem e os costumes internos dos cartéis colombianos não possuem uma tradição histórica de resistência, nacional ou local, contra a opressão, carecendo, portanto, de um mito fundante. São, na realidade, o produto aberrante de circunstâncias econômicas ou sociológicas recentes. No passado, tiveram contato com a Máfia italiana e, mais recentemente, coma a Máfia russa e com o crime organizado nos países do Leste Europeu.

A Bolívia é reconhecida por introduzir imigrantes ilegais da china e oriente médio nos Estados Unidos. Peru e Equador são os principais produtores de cocaína na região. “A produção de cocaína envolve mais de 51 substâncias químicas, são necessários 300.000 litros de querosene, 775 toneladas de ácido sulfúrico, 20.000 toneladas de cálcio, 10.000 toneladas de cal, de acetona e de tolueno para produzir 1.000 toneladas de cocaína”[68].

 O Caribe é rota obrigatória das cargas de armas, drogas e imigrantes ilegais a caminho da América do norte. O Panamá é a principal destinação para lavagem de dinheiro e sonegação de tributos na América central. No México, autoridades policiais e militares foram totalmente corrompidas pelo crime organizado, que domina a distribuição de metanfetamina, armas, tabaco e veículos furtados nos EUA, “o DEA estima que 70% da cocaína produzida na América Latina passam pelo México”[69].

A América do norte prevalece como a maior fornecedora de bens luxuosos, tabaco, carros, armas e bebidas alcoólicas. Os Estados Unidos são o maior consumidor de drogas, e, simultaneamente, o maior fornecedor de maconha e metanfetamina. As principais organizações criminosas atuantes nos EUA são as gangues de motoqueiros e a Cosa Nostra americana.

No Canadá o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contrabando de tabaco e álcool cresce em proporções assustadoras. A diversidade cultural, característica do Canadá, país de alta heterogeneidade étnica, reflete também na heterogeneidade dos grupos criminosos atuantes, a Máfia Siciliana, Tríade Chinesa e grupos da Europa Oriental.

Na África a maior parte da atividade criminosa ocorre na Nigéria, responsável por “35 a 40% da heroína que entra nos Estados Unidos, uma vez que a droga entra no país é vendida pelos chineses”[70]. As gangues nigerianas estão envolvidas com fraudes bancárias, fraudes de seguros, contrabando de marfim e tráfico de cocaína. Além disso, os conflitos étnicos travados no continente africano, causa de guerras civis constantes, facilitam o tráfico de armas e drogas, tudo financiado pelas pedras preciosas, riqueza natural do continente. O FBI listou uma série de organizações criminosas atuando nos estados unidos cuja origem se encontra na Libéria e Gana. 

Concluindo, o crime organizado cresce até mesmo na Austrália e Nova Zelândia. A forte economia australiana e seu moderno sistema de transporte marítimo superou qualquer barreira geográfica que impedia o crescimento do tráfico de drogas. Até mesmo a Nova Zelândia, isolada no sul do Pacífico, tornou-se lar de grupos criminosos Maori, gangues da Polinésia, da Tríade Chinesa e de motoqueiros Hells Angels.


3 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

É com certa tranqüilidade que afirmamos que o Brasil não conta com organizações criminosas do tipo mafioso em seu território, ao menos não opera no território brasileiro nenhuma organização mafiosa nativa. Talvez por se tratar de um Estado relativamente jovem, comparado aos europeus, por exemplo, mas principalmente por não sido submetido a nenhuma ruptura da ordem política capaz de desorganizar a sociedade a tal ponto em que o cenário se tornaria propício ao surgimento de organizações mafiosas como existem na Itália, Japão, Rússia e China.

Por outro lado, não é tão tranqüila a constatação quanto ao desenvolvimento do crime organizado em território brasileiro. Historicamente, as primeiras manifestações da criminalidade organizada no Brasil remontam aos bandos de cangaceiros, assaltantes que atuaram no nordeste entre o final do século XIX e começo do século XX, dos quais seu mais famoso membro seria Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Nesse sentido a observação de Antonio Scarance, “no Brasil, aponta-se como manifestação mais remota do crime organizado a atuação do “cangaço”, grupo dirigido por Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião”[71].

O cangaço foi extinto no Estado Novo, quando Getúlio Vargas classificou os cangaceiros como extremistas, passíveis de sofrer a pena de morte.

A segunda manifestação do crime organizado em território brasileiro se deu com a exploração do jogo do bicho em São Paulo. Segundo Mingardi os partidários do jogo sustentam sua origem histórica como algo popular e inofensivo, “o Barão de Drumond teria criado o jogo para arrecadar dinheiro que permitisse salvar os animais do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro”[72], já os opositores consideram o jogo do bicho como uma idéia inteligente que acabou sendo apropriada por criminosos.

É possível classificar a exploração do jogo do bicho como crime organizado devido à existência de uma série de documentos apreendidos pela polícia paulista ao longo de anos de investigação que comprovam a existência de um Cartel, acordo de fixação de termos de comércio, entre os exploradores.       

Segundo Mingardi[73], além de restarem comprovadas as relações entre o jogo do bicho, a política e agentes do Estado, foi apreendido um estatuto que regulamenta a Associação dos Bicheiros da Zona Leste da capital (de São Paulo):

Nele está especificada a formação da diretoria, do conselho fiscal, e da função do delegado de área. Define também as obrigações dos sócios. Entre as proibições consta uma interessante: os associados estão proibidos de oferecer vantagens extra para conseguir clientes ou pontos.

Os dados apresentados se encaixam perfeitamente na definição doutrinária de crime organizado apresentada por Schelling[74]:

Existe, segundo a minha avaliação, uma característica do crime organizado que é consistente com todas as definições e caracterizações (até mesmo com aquela que considera crime organizado como nome próprio) (...) A característica da exclusividade, ou, para usar um termo mais próprio, o monopólio. Para todos os efeitos, o crime organizado não só se estende amplamente, como também não admite a competição. O crime organizado não busca ser um explorador, busca ser o único explorador. No mundo empresarial o equivalente ao crime organizado não seria somente uma empresa, seria um empresa monopolista, tanto é verdade que muitos dos adjetivos utilizados para descrever o monopólio podem ser utilizados para descrever o crime organizado, dentre eles, cruel, inescrupuloso, ganancioso, explorador, desprovido de princípios.

Concluindo, a exploração do jogo do bicho realmente configura uma atividade desempenhada por organização criminosa, tendo em vista a configuração de uma estrutura organizacional empresarial-monopolista.

3.1 O NASCIMENTO DO CRIME ORGANIZADO BRASILEIRO

As organizações criminosas já fazem parte do dia-a-dia do brasileiro. PCC, CV, ADA são acrônimos de conhecimento público, marcas notórias do crime organizado.

A freqüência com que esses nomes são incluídos em manchetes de jornais traduz a extensão e força dessas organizações, cujo surgimento passamos a analisar.

A obra de Carlos Amorim sobre o crime organizado no Brasil é clara, o comando vermelho é a primeira organização criminosa brasileira, e tudo começou no caldeirão do diabo, o presídio da Ilha Grande, quando criminosos comuns e políticos dividiram celas entre 1969 e 1978.

Essa reunião se deu em virtude da edição do Decreto-Lei n.° 898 de 1969, que definia os crimes contra a segurança nacional, e acabou por equiparar a criminalidade de caráter esquerdista revolucionário com a comum, um erro terrível, como aponta Amorim[75]:

O governo militar tentou despolitizar as ações armadas da esquerda tratando-as como "simples banditismo comum", o que permitia também uma boa argumentação para enfrentar as pressões internacionais em prol de anistia e contra as denúncias de tortura. Nivelando o militante e o bandido, o sistema cometeu um grave erro. O encontro dos integrantes das organizações revolucionárias com o criminoso comum rendeu um fruto perigoso: o Comando Vermelho.

Olavo de Carvalho tece o seguinte comentário sobre a reunião de presos políticos e comuns na Ilha Grande[76]:

Ali os militantes esquerdistas ensinaram aos bandidos as técnicas de guerrilha que eles viriam a usar em suas operações criminosas e os princípios de organização político-militar sobre os quais viria a estruturar-se o Comando Vermelho, bem como a fraseologia revolucionária com que o bando hoje glamuriza suas façanhas.

A reunião dos presos se deu em virtude de dispositivos como o art. 27 do Decreto-Lei n.° 898 de 1969, que denominava como crime contra a segurança nacional o assalto a banco[77]:

Art. 27. Assaltar, roubar ou depredar estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação:

Pena: reclusão, de 10 a 24 anos.

Parágrafo único. Se, da prática do ato, resultar morte:

Pena: prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo.

Ora, sem dúvida uma das principais fontes de renda dos grupos terroristas revolucionários eram os assaltos a bancos, mas o tipo penal é demasiado amplo, permitindo a equiparação entre o criminoso comum e o político-revolucionário, o que levou ao encarceramento de ambos na mesma instituição correcional, a Ilha Grande.

É certo que a origem do Comando Vermelho está intimamente ligada com a convivência entre os criminosos comuns e os revolucionários, no entanto, Amorim alega que os revolucionários não pretendiam ensinar táticas de guerrilha aprendidas em cuba e na União Soviética aos criminosos comuns, mas sim instruí-los politicamente sobre os ideais comunistas. Nesse sentido[78]:

As origens do Comando Vermelho estão, de certa forma, associadas à luta política. Já conhecemos a história de presos comuns que se organizaram a partir do contato com a esquerda aprisionada, durante os períodos de exceção. Os revolucionários nunca pretenderam ensinar criminosos a fazer guerrilhas. Em mais de uma década de pesquisa, nunca encontrei o menor indício de que houvesse uma intenção - menos ainda uma estratégia - para envolver o crime na luta de classes.

Dessa afirmação discorda Olavo de Carvalho. O Filósofo aponta que no período de convivência de 1969 a 1978 o que ocorreu foi uma doutrinação e treinamento dos presos comuns, transformando-os em verdadeiros agentes da revolução, foi esse o verdadeiro surgimento do Comando Vermelho, o momento em que elementos revolucionários foram inseridos na dinâmica da criminalidade comum.

O conhecimento transferido pelos revolucionários pode ser resumido em quatro ensinamentos expostos por Olavo de Carvalho.

Em um primeiro momento foram transmitidos conhecimentos organizacionais, modelos paramilitares hierárquicos cujo objetivo principal é a proteção dos mandantes, isolando os “soldados” dos chefes da organização, “primeiro, princípios de organização, que incluíam desde a estrutura hierárquica e disciplinar do grupo armado até sistemas de comunicação em código.”[79]

O segundo ensinamento diz respeito ao impacto que as ações criminosas produzem na sociedade. A capacidade de gerenciar a repercussão de uma ação é característica própria de grupos terroristas, e, pelo que se observa de ações recentes como os ataques organizados pelo PCC às instituições policias paulistas em 2006, foram precisamente adotadas pelo crime organizado brasileiro, “em seguida, técnicas de propaganda ou agitprop, que lhes permitiram transformar assaltos e seqüestros em espetáculos de protesto — "propaganda armada", no jargão esquerdista —, que ganham a simpatia ao menos parcial da população e da intelligentzia.”

O terceiro ensinamento são as táticas de guerrilha armada, a especialização no emprego de violência, fato de simples constatação, haja vista o abatimento de um helicóptero operacional da Polícia Militar carioca em outubro de 2009[80]:

Terceiro, táticas de ação armada. Aqui a lista é grande. Dentre os procedimentos usados pela guerrilha e copiados pelo Comando Vermelho, pode-se destacar os seguintes:

1 - Realização de assaltos simultâneos em vários bancos, para desorientar a polícia.

2 - Com o mesmo objetivo, bombardear os postos policiais com dezenas de alarmes falsos, no dia dos assaltos planejados.

3 - Não sair para uma operação armada sem deixar montado um "posto médico" para atender os feridos ( que antes os bandidos deixavam à sua própria sorte, expondo-se à delação por vingança ).

4 - Em caso de emergência, invadir pequenas clínicas particulares selecionadas de antemão, obrigando os médicos a dar atendimento aos feridos.

5 - Planejamento e organização de seqüestros.

6 - Designar para cada operação um "crítico", que não participa da ação mas apenas observa e assinala os erros para aperfeiçoar a ação seguinte.

7 - Planejar as ações armadas com exatidão, de modo a obter no mínimo de tempo o máximo de rendimento com o mínimo derramamento de sangue. ( Hoje o Comando Vermelho consuma em quatro ou cinco minutos um assalto a banco. )

8 - Técnicas para o bando retirar-se do local da ação em tempo Record, aproveitando-se da conformação das ruas, do congestionamento, etc., ou provocando deliberadamente acidentes de trânsito.

9 - Planejamento cuidadoso de todas as ações, segundo o princípio de Carlos Marighela: "Somos fortes onde o inimigo é fraco. Ou seja: onde não somos esperados."

10 - Informação e contra-informação como base do planejamento.

11 - Sistema de "aparelhos" — casas compradas em pontos estratégicos da cidade, para ocultar fugitivos após as operações, guardar material bélico etc.

O quarto e último grupo de ensinamentos dizia respeito à seleção das melhores armas para cada tipo de operação, e ainda à fabricação de explosivos apropriados para o uso na guerrilha urbana, como coquetéis-molotov com uma fórmula especial preparada por estudantes de Química e "bombas de fragmentação com pregos acondicionados junto à pólvora e enxofre num tubo de PVC ou numa lata do tamanho de uma cerveja".

A quarta lição transmitida pelos criminosos revolucionários que colaborou com a criação do comando vermelho foi o doutrinamento ideológico da luta armada, para tanto foram adotados verdadeiros manuais de terrorismo, como relata Olavo de Carvalho[81]:

O conjunto forma um curso completo de guerrilha urbana, apoiado ainda numa bibliografia especializada, que incluía O Pequeno Manual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighela,Guerra de Guerrilhas, de Ché Guevara, e A Revolução na Revolução, de Régis Débray, além de A Guerrilha Vista por Dentro, de Wilfred Burchett.

Se analisarmos os ensinamentos transmitidos pelos revolucionários aos criminosos comuns perceberemos que foi do contato na Ilha Grande que o Comando Vermelho adquiriu as principais características de uma organização criminosa, a organização hierarquizada e o domínio da violência de maneira eficiente e controlada.

Portanto, acreditamos que Amorim falhou em analisar o vínculo entre a esquerda revolucionária e a criação do Comando Vermelho, apesar de identificar o impacto da convivência na formação do grupo.

Exemplo disso é um episódio narrado pelo autor em que um assaltante comum em 1978 é preso em flagrante por tentativa de roubo e encaminhado para interrogatório pela Autoridade Policial:

Para o delegado Benedito José Pacheco, apesar de toda a confusão, aquela é uma ocorrência de rotina. Um ladrão avulso. Uma vítima ferida sem gravidade. Nada de impressionar. O policial nem imagina a surpresa que o espera durante o interrogatório do assaltante. Para começo de conversa, o bandido usa uma carteira de identidade autêntica. E diz que é um "ativista político". O delegado quase cai da cadeira. Manda um telex para a Divisão de Capturas e outro para o Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS). Em poucos minutos, a resposta surpreendente: Adilson Ferreira da Silva, condenado a dezoito anos de prisão pela Justiça Militar, "terrorista perigoso", integrante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, codinomes Ari, Miguel, Oswaldo e Nestor. O delegado despacha imediatamente uma equipe para o endereço de Adilson. O Hotel Vitória é uma daquelas espeluncas no Brás. Não demora muito e os policiais telefonam de lá para o 4.° Distrito. Encontraram uma metralhadora INA-45, uma pistola Colt do Exército americano, muita munição, placas e documentos frios. Duas horas mais tarde, Oswaldo já está no DEOPS, que expede um telex à justiça e outro ao general Dilermando Monteiro, comandante militar da região Sudeste. Os arquivos da guerrilha urbana em São Paulo são reabertos, exumando a ficha de Adilson Ferreira da Silva. Ele nasceu na cidade de Cosmorama, interior do estado. Em 1963, obtém uma bolsa de estudos na Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba, na União Soviética. Passa dois anos lá, recebe instrução política, estuda o marxismo. Em 1967, já está na Cuba revolucionária. Faz um curso de especialização em problemas latino americanos, em Havana. E recebe adestramento para guerrilhas no campo de Sierra Maestra. Nestor anda pela mesma trilha em que Fidel Castro e Che Guevara deixaram a marca da insurreição camponesa. Em Cuba, nosso guerrilheiro conhece Carlos Marighela, dissidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que vai começar a luta armada em larga escala no Brasil. Ari, como é chamado agora, entra para a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e volta a São Paulo. Já no dia 23 de julho de 69, comanda quinze homens na invasão do Bradesco no bairro de Perdizes. Em 1970, Miguel "racha" com a organização e assume um cargo dirigente no Comando Regional-SP da VAR-Palmares, presidindo as reuniões que se realizam em São Bernardo do Campo.E preso, cumpre dois anos de detenção. Sai da cadeia em 28 de fevereiro de 1972. Acusado de novas ações armadas, é o segundo da lista dos mais procurados pela repressão em São Paulo. Desaparece e só vai ser localizado depois do desastrado assalto contra o corretor de imóveis

3.2 OS CINCO PILARES DO CRIME ORGANIZADO BRASILEIRO

Carlos Alberto Machi de Queiroz afirma que em 1998, ao tempo da edição de sua obra, o crime organizado brasileiro apoiava-se “sobre cinco pilares: tráfico de entorpecentes, desmanches, corrupção ativa e passiva, nas áreas do jogo do bicho e dos estabelecimentos clandestinos de jogos, furto e roubo de veículos e furto de cargas”[82], analisando as mais modernas manifestações criminosas nos parece que os pilares continuam os mesmos.

Quanto ao jogo do bicho, já esclarecemos a razão de sua exploração ser caracterizada como crime organizado, agora, quanto aos demais estabelecimentos clandestinos de jogos, Edemundo Filho esclarece que se trata de uma técnica de lavagem de dinheiro[83]:

Método de lavagem de dinheiro no país seria o jogo com máquinas eletrônicas programadas – o chamado vídeo-bingo – a forma predileta de lavagem de dinheiro do narcotráfico: o jogo com moedas ou notas em milhares de máquinas caça-níqueis permitiria legalizar enormes quantidades de dinheiro pelo pagamento de impostos sobre valores declarados muito superiores aos arrecadados.

Tendo em vista que o narcotráfico é a atividade principal do crime organizado brasileiro, seria vital a existência de métodos para a lavagem do capital adquirido, única maneira de se poder usufruir livremente desses ganhos. Nesse sentido a lição de Shanti[84]:

A organização contemporânea do jogo do bicho é comumente reconhecida por seu envolvimento com o tráfico de drogas no Brasil. A profundidade e extensão dessas conexões, no entanto, não é conhecido, e não foi formalmente estudado.

Em 2004 foi apresentado o requerimento n.° 254 para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito cujo objetivo era investigar e apurar a utilização de casas de bingo para a prática de crimes de “lavagem” ou ocultação de bens. Foi instaurada em junho de 2005 a CPI dos bingos, cujo relatório final foi entregue em 2006, e propôs o indiciamento de 34 pessoas físicas e jurídicas.

A justificação do requerimento[85] iniciou-se da seguinte maneira:

Crime organizado e jogos de azar são irmãos siameses. No mundo inteiro, existem fortes evidencias de que cassinos e similares funcionam como um biombo para ocultar os verdadeiros negócios – muitas vezes ilícitos – de quem os controla. (...) Desde o início de suas atividades, em 1993, as casas de bingos têm prestado um desserviço à Nação. Além de incentivar o terrível vicio do jogo, sob o falso manto de contribuir para o financiamento de clubes desportistas, algumas dessas entidades vêm sendo utilizadas para dar ares de legalidades a recursos oriundos de atividades criminosas.

No capítulo 6 do Relatório Final da CPI dos bingos é apresentada a conclusão dos parlamentares quanto às relações entre o crime organizado e os jogos clandestinos no Brasil.

Quanto ao combate ao crime organizado a CPI[86] faz a seguinte distinção entre a área primária (fiscalização preventiva) e secundária (repressiva):

O Brasil tem apresentado séria fragilidade fiscalizadora e preventiva diante das atividades das organizações criminosas, principalmente no que se refere ao narcotráfico. O combate ao crime organizado se faz basicamente em duas áreas: a primária, que é da competência da Secretaria de Receita Federal (SRF), e a secundária, do Departamento de Polícia Federal (DPF), da Polícia Civil e do Ministério Público (MP).

Portanto, o combate ao crime organizado, no tocante à repressão da atividade dos jogos clandestinos seria operado, num primeiro momento, pela fiscalização aduaneira, impedindo a entrada dos aparelhos de caça-níqueis, que são, em sua maioria, importados, já na fronteira.

Em um segundo momento, seria responsabilidade da polícia, tanto a militar quanto a judiciária, e do Ministério Público a efetiva repressão ao jogo já instalado[87]:

O MP, tanto no âmbito federal quanto estadual, vem adotando, ao longo dos últimos anos, diversas medidas cíveis e criminais na tentativa de obstar a proliferação ilícita da atividade de jogos, seja qual for a denominação atribuída (máquinas caça-níqueis, casas de bingo, loterias estaduais etc.).

Ficou comprovado também o vínculo entre as organizações criminosas que contrabandeiam e instalam essas máquinas em território brasileiro[88]:

Várias organizações criminosas se dedicam à colocação no mercado tanto das chamadas máquinas caça-níqueis, utilizadas em estabelecimentos comerciais diversos, como bares, restaurantes, padarias, supermercados, lojas de brinquedos etc., como das máquinas de videobingo propriamente ditas, utilizadas nos estabelecimentos conhecidos como “casas de bingo”.

Concluindo a exposição, a CPI relata os crimes normalmente relacionados com a exploração dos jogos clandestinos[89]:

a) crimes contra a ordem tributária: condutas elencadas no art. 1º da Lei nº 8.137, de 1990; arrecadação da venda das cartelas ou nas máquinas de videobingo (MEPs); tributação do valor do prêmio pago ao vencedor;

b) crime de contrabando (art. 334 do Código Penal): importação das máquinas de exploração do jogo de azar;

c) crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613, de 1998): pagamento de prêmios; investimento nos próprios estabelecimentos;

d) crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal): pagamento de salários “por fora” aos empregados;

e) crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207 do Código Penal) e permanência irregular de estrangeiros (Lei nº 6.815, de 1980).

Podemos demonstrar a estrutura da exploração dos jogos clandestinos, e como se adéqua ao conceito de organização criminosa de Schelling, pelo trecho do depoimento de Lillo Rosário, mafioso preso na Itália, sobre seus negócios no Brasil[90]:

Segundo o DPF, Lillo Rosário Lauricella, preso na Itália por participação na máfia em crime de tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro, declarou à Justiça italiana o seguinte: “Partimos a operar no Brasil com Alejandro Ortiz que era muito forte, em sociedade com Filippeddu. Quando nos associamos a Ivo Noal, porque em São Paulo é ele quem manda, no Rio de Janeiro existe uma associação, uma cúpula considerada cúpula do Rio de Janeiro... é delinqüência, mas manda até no Palácio do Governador...”

Por todo o exposto fica fácil compreender a importância da exploração de jogos clandestinos para ao crime organizado, pois possibilita, por uma série de fatores, a lavagem de dinheiro obtido com os delitos perpetrados.

Outro pilar do crime organizado brasileiro é a corrupção, tanto ativa quanto passiva. Dados da organização Transparência Internacional[91] divulgados em novembro de 2009 indicam que o Brasil se encontra na 75° posição do ranking mundial da percepção da corrupção do setor público, dentre 180 nações analisadas.

É natural que Carlos Machi aponte a corrupção como um dos pilares do crime organizado brasileiro vez que, como já afirmamos no presente trabalho, uma das características do crime organizado é a capacidade de se aproveitar da corrupção, principalmente do Poder Judiciário e da Polícia para manter-se operante.

O crime organizado, diferentemente da criminalidade comum e das entidades revolucionárias ou terroristas, não se envolve em um conflito direto e frontal com o Estado e suas instituições, muito pelo contrário, busca uma espécie de simbiose, ou parasitismo, com os órgãos da administração pública, pois zela por sua auto-preservação e desenvolvimento.

É dessa necessidade de convivência com o ente público que nasce a corrupção. A Polícia e o Judiciário tem por função principal a preservação do Estado de Direito, do império das leis, as organizações criminosas operam na ilegalidade, aproveitam-se dos vícios da população para acumular riqueza e poder, ora, o antagonismo entre a existência do Estado e das organizações criminosas é flagrante, e a resposta mais imediata seria pela extinção de um desses atores. Ocorre que, como o Estado dispõe de um aparelhamento muito mais eficiente e amplo que o crime organizado, só seria possível a coexistência de ambos pela corrupção do Estado, deixando de buscar a extinção das organizações criminosas, desviando-se de seus objetivos.

Em resumo, a capacidade de corromper é um dos pilares do crime organizado pois sem ela não haveriam limites para o combate ao crime.

Outros dois pilares do crime organizado estão intimamente relacionados, o furto de veículos, e suas cargas, e os desmanches.

O relatório de criminalidade disponibilizado pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal de 2007,[92] o mais recente disponibilizado, aponta que o furto de cargas está relacionado com determinados produtos cuja tributação é muito alta, fazendo com que o produto do furto adquira significante valor de mercado como cigarros, bebidas alcoólicas e eletrônicos.

O fato do furto de veículos e cargas ser desempenhado por organizações criminosas se dá pela complexidade da operação, que dificilmente poderia ser levada a cabo por grupos que não detenham uma estrutura organizacional especializada.

Conseqüência lógica da especialização no furto de veículos são os desmanches, locais onde os veículos furtados são desmontados e suas peças vendidas separadamente no mercado paralelo.

Por fim, o último pilar do crime organizado brasileiro é o tráfico de entorpecentes. Para investigar o avanço e a impunidade do narcotráfico no Brasil fora instaurada pelo requerimento n.° 1 de 1999 uma Comissão Parlamentar de Inquérito cujo relatório final fora apresentado em novembro de 2000.

Já na introdução do relatório o tráfico de entorpecentes é apontado como a divisão mais importante dentre os negócios das organizações criminosas[93]:

Se é verdade que o consumo de drogas espraiou-se por toda a sociedade – particularmente junto aos jovens – e os traficantes não encontram grandes dificuldades em abastecer esse mercado, o narcotráfico, hoje, é apenas mais uma atividade, uma divisão (a mais lucrativa) de vastas redes do crime organizado. Essas redes exploram vários ramos criminosos (roubo de cargas, de automóveis e outros), ao mesmo tempo em que detêm negócios lícitos e incorporam, à sua área de influência, juízes, parlamentares, policiais e autoridades do Poder Executivo. Em alguns estados, estiveram e estão próximos de tomar para si o poder político. E a verdade é que a sociedade e o aparelho estatal nacionais não estão preparados para enfrentar essa ameaça.

A comissão adotou um conceito de crime organizado amparado pela maior parte da doutrina, identificando características próprias como a alta capacidade de organização, a corrupção como arma contra o poder público e a alta penetração na esfera política[94]:

“crime organizado” não é a mera formação de quadrilha ou bando, como tipificado no Código Penal. Quando nos referimos ao crime organizado, estamos a falar de grupos que, a par de mesclarem atividades criminosas e lícitas, corrompem o Estado e as instituições. Essa corrupção não se limita ao suborno e à influência política: não é raro que agentes do Poder Público façam parte da própria estrutura da organização criminosa; menos raros ainda são os casos em que agentes do Poder Público favorecem o seu funcionamento.

A CPI investigou o envolvimento de diversos setores públicos e privados com o narcotráfico, dentre os casos estão incluídos oficiais da Força Aérea Brasileira, a conexão de Hildebrando Pascoal com o crime organizado, o assassinato de Paulo César Farias, o PC Farias, a ação de grupos de extermínio na Bahia, a evasão de divisas provenientes da atuação do narcotráfico no Ceará, apreensões de cocaína no Espírito Santo.

No Espírito Santo foi investigada a atuação da Scuderie Detetive Le Cocq, “identificada pelo símbolo da caveira apoiada sobre duas tíbias cruzadas, com as letras E.M em destaque”[95], grupo de policiais, promotores de justiça e magistrados criado na década de 60 com a função de vingar a morte do Detetive Milton Le Cocq, que fazia parte do corpo de guarda do Presidente Getúlio Vargas.

Com o passar dos anos esse grupo tornou-se um destaque na polícia por dedicar-se à limpeza da sociedade, eliminando criminosos de todas as maneiras possíveis.

A CPI apurou que a Scuderia trabalhava como meio operacional de apoio à criminalidade organizada, sendo que[96]:

Utiliza-se de meios e recursos próprios da milícias e "contribuições empresariais". Incorpora, em seus quadros de associados, centenas de policiais (civis, militares e federais), serventuários da Justiça, Delegados, Advogados (que normalmente ocupam a presidência), funcionários da administração pública, Promotores de Justiça e até Juizes de Direito, Desembargadores, Políticos, empresários, comerciantes e banqueiros de jogo do bicho.

Segundo o relatório a Scuderia prestava os seguintes serviços ao crime organizado, intermediação de assassinatos, execução de inimigos, acobertamento e desvirtuação de investigações policiais e garantia de impunidade na esfera judiciária.

O Ministério Público Federal chegou a propor uma Ação de Dissolução de Sociedade Civil, na tentativa de impedir a atuação do grupo, que foi julgada procedente pelo Tribunal Regional Federal da 2° região, conforme a ementa a seguir[97]:

DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. SOCIEDADE COM OBJETIVOS ILÍCITOS. SCUDERIE DETETIVE LE COQ. CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADES SOCIETÁRIAS. 1. É de se repudiar a realização de atividades e serviços do tipo “grupo de extermínio” ou “esquadrão da morte”, de cunho radical e de extrema direita no âmbito de qualquer sociedade civil, mormente a brasileira no período pós-Constituição de 1988. 2. O ordenamento jurídico brasileiro na atualidade, informado pelos valores e princípios constitucionais atinentes à dignidade da pessoa humana, à solidariedade social, à democracia plural, ao respeito e concretização dos direitos humanos tanto no plano interno quanto no internacional, não admite a manutenção de sociedade voltada à prática de eliminação de vidas humanas. 3. A SCUDERIE DETETIVE LE COCQ, no desempenho de inúmeras atividades devidamente provadas de cunho ilícito, não poderia prosseguir praticando atentados frontais aos direitos humanos, fundamentais e personalíssimos de parcela significativa da população capixaba, gerando o terror, a insegurança e a disseminação de crimes violentos e cruéis. 4. O Decreto-Lei nº 9.085/46, não permite a continuidade de pessoa jurídica com objetivos ilícitos, o mesmo ocorrendo com o Código Civil de 2002 (art. 40 e seguintes), daí a correção da sentença que decretou a dissolução da sociedade civil. 5. Não pode o Ministério Público Federal, autor da ação civil, ser liquidante e depositário dos bens da sociedade civil em liquidação, motivo pelo qual deverá haver outra nomeação. 6. Recurso do MPF provido. Recurso da sociedade civil improvido.

No Estado do Espírito Santo a CPI do narcotráfico encontrou outras organizações criminosas em operação como a Máfia Serrana, organização criminosa integrada pelo prefeito do Município de Serra, advogados e outros criminosos que praticavam “assassinatos, extorsão, fraudes em licitações, desvio de dinheiro público, tráfico de drogas etc.”[98].

A Máfia Cariacica também fora investigada, sendo que seu líder, o ex-prefeito de Cariacica, Sr. Dejair Camata estava ligado à Scuderie Detetive Le Cocq. As atividades do grupo criminoso iam da fraude ao erário ao tráfico de entorpecentes, sendo que, segundo o relatório da CPI os laços da organização com o poder político eram muito fortes:

É importante destacar que esses esquemas de Máfias Municipais contaminam, por efeito de osmose, as outras instituições do Município. Basta dizer que a Câmara Municipal de Cariacica envolveu-se na corrupção. Após a morte do ex-Prefeito Cabo Camata, descobriu-se o esquema “Rachid”. A Justiça já julgou e condenou onze vereadores, que foram encarcerados; (inclusive o ex- presidente da Câmara Municipal, Vereador Rogério Santório).

A CPI apurou o envolvimento de autoridades policiais e judiciárias com as chamadas Máfias Municipais, o que garantia a impunidade dos membros das organizações e permitia a continuidade do tráfico de entorpecentes na região. Comprovado portanto o inequívoco poder de corrupção, característica especial das organizações criminosas, que garante uma simbiose ou parasitose entre a organização e os órgãos Estatais.

Foram objeto de investigação, além dos estados já mencionados, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Campinas, sendo que a Comissão apurou o mesmo tipo de infiltração do crime organizado na esfera política e da administração pública, comprovando que a impunidade das organizações criminosas se dá pela corrupção de agentes públicos, o que impede que o tráfico de entorpecentes seja devidamente combatido.

Além das conexões nacionais a Comissão encontrou laços entre o tráfico de entorpecentes e a África, Paraguai, Suriname e Amapá.

O trânsito de cocaína entre a Nigéria e o Brasil remonta à década de 80 quando o governo nigeriano sofreu um golpe de estado, o que diminuiu sua capacidade de repressão ao crime organizado. Sobre a atuação de nigerianos no tráfico de drogas a CPI identificou que de início “havia só a prisão esporádica de “mulas” com pequenas quantidades da droga, principalmente nos aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo”[99], no entanto, a movimentação de droga aumentou para expressivos 300 Kg de droga.

O que tornou a conexão nigeriana mais complexa foi o fato de autoridades inglesas informarem a Polícia Federal que a Máfia Italiana estava utilizando nigerianos para transportar a droga do Brasil e outros países da América latina para a Europa. Investigações mais recentes da CPI apontam para a formação de um poll de organizações criminosas nigeriana para facilitar a aquisição, transporte e distribuição de cocaína internacionalmente.

Segundo a Comissão[100]:

Hoje ainda se identificam traficantes disfarçados de estudantes em intercâmbio oriundos da Nigéria, Gana Senegal, costa do Marfim, Guiné Bissau e Guiné Equatorial. A importância desse grupo no tráfico internacional é tal que se pode dizer que nos últimos 5 anos praticamente todas as apreensões de drogas ocorridas entre a América do Sul e Europa se referem a atividades desse grupo ou a ele conexas.

A CPI concluiu que devem ser tomadas diversas providências para efetivar o combate à atuação das organizações criminosas nigerianas, dentre elas, a investigação pela Polícia Federal com o “objetivo de desmantelar esta poderosa organização de narcotraficantes que operando em território nacional, mantém contatos com traficantes brasileiros, instituindo em São Paulo, a chamada “Corretagem” da Droga (Cocaína).”[101]

Com relação à investigação da conexão entre o narcotráfico brasileiro e o Paraguai, a Comissão concluiu que a fronteira entre os estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e o Paraguai seria o ponto chave para identificar a origem da droga distribuída nos estados das regiões sul e sudeste do país.

Fora identificado pela CPI uma ligação entre o traficante carioca Fernandinho Beira Mar e a família Morel da Cidade de Capitan Bado no Paraguai:

Em Capitan Bado encontra-se a principal fazenda da família MOREL, que controla a distribuição, inclusive através de pista de pouso para pequenas aeronaves. Em depoimento reservado prestado a CPI em Dourados/MS, ficou clara a ligação do narcotraficante carioca procurado, Luís Fernando da Costa, vulgo FERNANDINHO BEIRA-MAR, com a família MOREL, tendo ele inclusive, utilizado a fazenda de JOÃO MOREL como refúgio.

Além da existência de consórcios de traficantes de drogas no Paraguai a CPI constatou que a maioria dos traficantes paraguaios também atuam no Brasil.

A Comissão concluiu, à época, que cerca de 60% da cocaína e 80% da maconha que circulam no mercado da droga brasileiro são provenientes do Paraguai, sendo que as autoridades brasileiras pouco fazem para impedir o trânsito da droga. Exemplo disso foi o episódio da fuga de Fernandinho Beira Mar para o Paraguai. Como sugestão para a solução desse problema a CPI destaca a importância da ação conjunta dos governos brasileiros e paraguaio[102]:

A formulação de política de controle fronteiriço visando a fiscalização e repressão ao tráfico de  entorpecentes, e de outros ilícitos como contrabando de armas e lavagem de dinheiro, utilizando emergencialmente o expediente de aumento do efetivo da Polícia Federal, intensificação da fiscalização por parte da Aeronáutica e da Polícia Rodoviária Federal.

Fora constatada uma conexão entre o narcotráfico brasileiro e o Suriname, país da América do Sul cuja fronteira com o Brasil se estende pelos estados do Pará e Amapá, que remonta à década de 80 quando o Suriname foi governado pelo Ditador Desiré Delano Bouterse, condenado por tráfico internacional de drogas. O contato brasileiro de Desiré seria Leonardo Dias Mendonça, traficante de armas residente no Amapá. A CPI concluiu que Leonardo Mendonça era quem intermediava a compra de cocaína entre a Colômbia e o Suriname, sendo que parte da droga era enviada para Europa, Espanha, Holanda, Estados Unidos e Sudeste e Centro Oeste do Brasil.

O esquema do tráfico foi revelado pela CPI[103]:

O avião saía do BRASIL, às vezes de São Miguel do Araguaia/GO, às vezes de pistas clandestinas deste Estado, e do Estado do Pará onde era carregada com combustível que lhe dava autonomia de até 12 horas de vôo, seguindo viagem até Barranco Minas/Colômbia no vôo de sete horas e trinta minutos, chegando à Colômbia, no início da noite. A aeronave era carregada com a droga e com mais gasolina que lhe dava nova autonomia. Em seguida por volta das vinte e duas horas a aeronave deslocava com destino ao SURINAME, vôo que perdura sete horas, onde a carga de cocaína era deixada e pouso, em pista clandestina ou lançamento em terra que foi antiga lavoura, próxima a zona de plantação de arroz, bem próximo a Paramaibo (pista clandestina de Barranco Minas/Colômbia).

Apresentadas todas as investigações lideradas pela CPI, e seus respectivos resultados, o Relatório Final passa a tecer uma série de comentários sobre a prevenção e tratamento do narcotráfico.

A Comissão conclui com base em um estudo do programa de controle de drogas das Nações Unidas intitulado As Drogas e o Desenvolvimento, que existe uma relação direta entre o consumo de drogas e o desenvolvimento das nações, sendo que seria impossível dissociar o impacto negativo da degeneração da família, da sociedade, e da saúde dos usuários de drogas do prejuízo ao desenvolvimento de uma nação.

Assim o Relatório aponta que o impacto final do consumo de drogas é percebido no desenvolvimento da nação, fração maior da sociedade, conjunto dos súditos do Estado.

Quanto à prevenção do uso de drogas a CPI reforça que as escolas, os ambientes de trabalho e a população carcerária são o “público” mais sensível ao assédio de traficantes de drogas, sendo necessário maior esforço do Estado na condução de trabalhos relacionados à prevenção do uso de drogas nesses ambientes.


4 ANÁLISE LEGISLATIVA NO BRASIL

4.1 O PROBLEMA DO CONCEITO

O princípio da legalidade, “base estrutural do próprio estado de direito”[104], está inscrito no art. 1° do Código Penal[105]:

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Por estar presente no art. 5° inc. XXXIX da Constituição Federal[106] é preceito fundamental, protegido por cláusula pétrea:

 XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

É garantia do cidadão contra o Estado, vez que estabelece que ninguém será obrigado a fazer, deixar de fazer, ou tolerar que se faça sem a devida previsão legal.

Na lição de Celso Ribeiro Bastos[107] o princípio da legalidade tem dúplice significado:

De um lado representa o marco avançado do Estado de Direito, que procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãos estatais, às normas jurídicas das quais as leis são a suprema expressa. Nesse sentido, o princípio da legalidade é de transcendental importância para vincar as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista, este último de antes da Revolução Francesa. Aqui havia lugar para o arbítrio. Com o primado da lei cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei, que se presume ser a expressão da vontade coletiva.

De outro lado, o princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em conseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito apenas a um deles, qual seja, o Legislativo, obrigar aos particulares.

Portanto, tendo em vista o princípio da legalidade, somente o poder Legislativo, mediante lei, pode impor obrigação ao cidadão, garantindo assim a “previsibilidade da intervenção do poder punitivo do estado”[108].

No caso em análise, para que os institutos da Lei n.° 9.034/95 sejam imponíveis ao cidadão, é necessário verificar o respeito ao princípio da legalidade, que importa, não só na via de expressão em si, a lei, mas também guarda relação com o conteúdo da norma, que deve ser, antes de mais nada, inteligível, passível de aplicação, para tanto, mister identificar os limites de aplicação da norma.

Portanto, para que seja possível a aplicação da lei, é necessário conhecer seu conteúdo, e, para isso, devemos, na ausência da uma definição direta do que seja organização ou crime organizado, encontrar no ordenamento jurídico e na hermenêutica subsídios para definir a amplitude da lei. Buscaremos nas diversas fontes de interpretação e aplicação do direito um conceito de organização criminosa, começando pela doutrina.

Antes de adentrarmos na análise da Lei n.° 9.034/95 convém expor alguns conceitos doutrinários de organização criminosa, para que possamos entender a extensão e aplicabilidade da lei.

De início vale a observação de Antonio Scarance[109] quanto às linhas doutrinárias e legislativas que tratam do conceito de organização criminosa:

1° - parte-se da noção de organização criminosa para definir o crime organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros de determinada organização;

2° - parte-se da idéia de crime organizado, definindo-o em face de seus elementos essenciais, sem especificação de tipos penais, e, normalmente, incluindo-se entre seus componentes o fato de pertencer o agente a uma organização criminosa;

3° - utiliza-se o rol de tipos previstos no sistema e acrescentam-se outros, considerando-os como crimes organizados.

Guilherme de Souza Nucci traz conceitos de vários autores, dentre eles Mendroni, segundo o qual organização criminosa é “um organismo ou empresa, tendo como objetivo a prática de crimes, ou seja, a prática de atividades ilegais. É, portanto, ‘empresa’ voltada à prática de crimes”[110].

Maurício Lopes[111] observa no crime organizado características próprias do Taylorismo, doutrina expoente da administração científica.

Seguindo a lição de Maurício Lopes buscamos a obra de Frederick Taylor para maiores esclarecimentos sobre a administração científica, tema de extrema relevância vez que é a característica mais importante do crime organizado.

Sobre a importância dos sistemas de organização Taylor[112] faz a seguinte observação:

No passado, o homem estava em primeiro lugar; no futuro, o sistema terá a primazia. Isso, entretanto, não significa, absolutamente, que os homens competentes não sejam necessários. Pelo contrário, o maior objetivo duma boa organização é o aperfeiçoamento de seus homens de primeira ordem; e, sob direção racional, o melhor homem atingirá o mais alto posto, de modo mais seguro e rápido que em qualquer outra distinção.

Das palavras de Taylor deduzimos alguns princípios comuns entre a administração de empresas e organizações criminosas: 1) Confiança na administração e governança, para a organização criminosa a administração é o que mantém o escudo protetor contra o estado em posição, as diversas camadas de agentes que compõe a organização garantem o anonimato dos dirigentes e a extensão das atividades; 2) Necessidade de pessoal treinado e capacitado, a divisão de tarefas na organização criminosa é a chave para o desempenho, pudemos observar que dentro das organizações mafiosas essa divisão é bem delineada e a responsabilização do integrante pode ser levada a extremos, como no caso da Yakuza, com a mutilação dos dedos; 3) Império da racionalidade, ao contrário da criminalidade comum, o crime organizado não age com ímpeto, impulsos súbitos ou improvisos, mas sim com profissionalismo.

Um exemplo real da aplicação de princípios da administração de empresas na atividade criminosa é apresentado por Mingardi[113]:

A ‘empresa de tráfico’ de Donald Steinberg é um paradigma deste modelo. Criada sem qualquer preocupação a não ser ganhar dinheiro, a organização importou cocaína e maconha, além de corromper funcionários públicos em mais de um país. Durante anos ele e seus homens colocaram nos Estados Unidos uma quantidade de substâncias ilegais igual, se não superior, a de qualquer “clique” mafiosa.

Mendroni[114] expõe diversas definições doutrinárias de organização criminosa:

Definição adotada pelo Estado da Califórnia:

Consiste em duas ou mais pessoas que com continuidade de propósitos, se engajam em uma ou mais das seguintes atividades: (1) Provimento de coisas e serviços ilegais, vícios, usura. (2) Crimes predatórios como furtos e roubos; diversos tipos distintos de atividades criminosas se enquadram na definição de crime organizado, que podem ser distribuídos em cinco categorias:

1.                  Extorsões;

2.                  Operadores de vícios: indivíduos que operam um negócio contínuo de coisas ou serviços ilegais como narcóticos, prostituição, usura e jogos de azar;

3.                  Furtos/roubos/receptações/estelionatos;

4.                  Gangues: grupos de indivíduos com interesse comum ou, segundo plano, de atuarem juntos e se engajarem coletivamente em atividades ilegais para fazer crescer a sua identidade grupal e influência, como gangues de jovens, clubes de motoqueiros fora-da-lei e gangues de presidiários;

5.                  Terroristas: grupos de indivíduos que combinam para cometer espetaculares atos criminais, como assassínios e seqüestros de pessoas públicas, para minar confidências publicas em governos estáveis por razões políticas ou para vingar-se de alguma ofensa.

Definição adotada pela President’s Commission on Organized Crime (PCOC):

Uma organização criminosa é constituída por pessoas que utilizam a criminalidade e violência e admite a utilização de corrupção para o fim de obter poder e dinheiro. Elas revelam as seguintes características:

·                    Continuidade: o grupo delimita uma determinada proposta por um período de tempo e admite a sua continuidade de operações para além do período das vidas dos membros integrantes, em sucessão. O grupo tem consciência também que o seu líder e os membros devem ser renovados com o tempo, o que significa que se assegurem a sua continuidade.

·                    Estrutura: o grupo é estruturado hierarquicamente em setores especializados que devem cumprir funções estabelecidas, como a Cosa Nostra, ou extremamente fluida, como os cartéis de droga colombianos. Em qualquer caso, a sua estrutura é baseada sob o poder de uma autoridade.

·                    Afiliação: o grupo é formado através de formações comuns, como étnicas, raciais, antecedentes criminais, interesses comuns, etc. Os potenciais candidatos devem demonstrar as suas aptidões, sendo que na maioria dos casos exige-se um período de prova. As regras para os membros incluem o sigilo, o desejo de praticar qualquer atitude de interesse do grupo, e também o de protegê-lo. Em troca, o membro recebe benefícios, como a proteção, prestígio, oportunidades de ganhos econômicos e, o mais importante o sentido de ‘pertencer’ ao grupo.

·                    Criminalidade: como em uma indústria o crime organizado se dedica a obter ganhos financeiros e para tanto praticar metas definidas. Algumas atividades servem para o ganho direto de dinheiro, como comercialização de produtos e serviços ilegais e outras para dar suporte àquelas, como extorsões, ameaças, assassinatos, que também lhe valem poder. Alguns grupos se dedicam a negócios lícitos para viabilizar a promoção da lavagem de dinheiro.

·                    Violência: a prática de violência e ameaça de sua prática são ferramentas básicas. Ambas significam o controle e a proteção de seus membros e de seus ‘protegidos’, ou bem para proteger os seus interesses de qualquer forma. Dos membros espera-se a disposição para a prática de violência e pode ser utilizada, por exemplo, tanto para coagir testemunhas como para servir de exemplo e de aviso a outros.

·                    Poder e dinheiro: os membros são unidos nestes interesses comuns. Força política é obtida através da corrupção de agentes públicos. O grupo torna-se capaz de manter o seu poder através da união com os seus ‘protetores’ oficiais.

Definição adotada pela Criminologia:

Crime organizado é qualquer cometido por pessoas ocupadas em estabele­cer em divisão de trabalho: uma posição designada por delegação para praticar crimes que como divisão de tarefa também inclui, em última análise, uma posição para corruptor, uma para corrompido e uma para um mandante.

Definição do FBI - Federal Bureau of Investigation:

Qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo ob­jetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm suas posições através do uso de violência, corrupção, fraude ou extorsões, e geralmente tem significante impacto sobre os locais e regiões do País onde atuam.

Definição adotada pela INTERPOL:

Qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsis­tindo pela imposição do temor e a prática da corrupção.

Definição adotada pelo FNSIC - Fundo Nacional Suíço de Investigação Científica:

Há crime organizado [transcontinental] quando uma organização, cujo funcionamento se assemelha ao de uma empresa internacional, pratica uma divisão de tarefas muito rigorosa, dispõe de estruturas hermeticamente se­paradas, concebidas de forma metódica e durável, e quando procura obter o máximo de lucros possível cometendo infrações e participando na economia legal. Para tal, a organização recorre à violência, à intimidação, e procura influenciar a economia e a política. Apresenta, geralmente, uma estrutura fortemente hierarquizada e dispõe de mecanismos eficazes para impor as suas regras internas. Os seus protagonistas são, além do mais, altamente intercambiáveis.

Definição adotada pela ONU:

Organização de grupos visando à prática de atividades econômicas; laços hierárquicos ou relações pessoais que permitem que certos indivíduos dirijam o grupo; o recurso à violência, à intimidação e à corrupção; e à lavagem de lucros ilícitos.

Definição adotada pela UE - União Européia:

Associação estruturada de mais de duas pessoas estabelecida durante um período de tempo e que atue de maneira concertada com o fim de cometer delitos punidos com pena privativa de liberdade ou medida de segurança de privação de liberdade de ao menos 4 anos, consistindo estes delitos um fim em si mesmos ou um meio de obter benefícios patrimoniais e influir de maneira indevida no funcionamento da autoridade pública.

Klaus Von Lampe publicou no sítio da biblioteca da Michigan State University uma compilação de definições de crime organizado, verdadeiro referencial teórico, da onde extraímos alguns conceitos:

Howard Abadinsky[115] define organização criminosa como um empreendimento não ideológico envolvendo um certo número de pessoas em próxima interação social, hierarquicamente organizadas, com, no mínimo, 3 níveis hierárquicos, com o propósito de adquirir poder e lucro através de atividades ilegais.

David N. Falcone[116] define crime organizado como um padrão de atividades ilegais conduzidas por um conjunto de pessoas ou organizações, que consiste em fraudes, assaltos, extorsões, intimidações e outros delitos, como um sindicato.

Finckenauer e Voronin[117] definem crime organizado como o delito cometido por uma organização qualificada pela cuja existência e continuidade no tempo, conjugada com o uso sistemático da violência e corrupção para facilitar o cometimento de delitos. Esses delitos podem variar de crimes contra a ordem econômica, até crimes contra a integridade física e psicológica de membros da sociedade. Quanto maior a capacidade de infringir danos, maior a periculosidade da organização criminosa.

Grennan e Britz[118] definem crime organizado como uma organização reconhecidamente hierarquizada, monopolizadora, auto-perpertuadora, que está disposta a utilizar-se da violência e corrupção dos funcionários públicos para se engajar tanto em atividades tradicionalmente relacionada com vícios como em complexos empreendimentos criminosos. Para garantir a longevidade da organização são empregadas práticas ritualísticas, regras, regulamentos e investimentos em negócios legítimos.

Michalowski[119] define crime organizado como qualquer estrutura coordenada e organizada burocraticamente cujos indivíduos dependem primariamente de atividades ilegais para atingir seus objetivos de acumulação de capital.

Beirne e Meserschmidt[120] entendem que a atividade núcleo do sindicato do crime (comumente referido como crime organizado) é a provisão de bens e serviços ilegais a uma sociedade que continua e consideravelmente demanda por tais bens e serviços. O sindicato do crime desenvolveu uma estrutura que torna possível fornecer esses bens e serviços diariamente. Essa estrutura pode ser compreendida como uma associação entre indivíduos das classes dos comerciantes, policiais, políticos e criminosos cujo único objetivo específico é a formação de uma empresa para a aquisição de riqueza. As atividades dessa empresa incluem distribuição de drogas ilegais, prostituição, lavagem de dinheiro e extorsão. De qualquer maneira, a estrutura do sindicato depende especificamente das atividades ilegais para obter riqueza.

 Para Rhodes[121] crime organizado consiste em uma série de transações ilegais entre múltiplos agentes, por um contínuo período de tempo, com o objetivo de adquirir vantagens econômicas ou políticas. Normalmente, mas nem sempre, são empregadas técnicas de intimidação, e violência é empregada hegemonicamente.

Salerno e Tompkins[122] consideram que, por definição, crime organizado é a continua conspiração para a obtenção de lucro, não o mero fortuito cometimento de delito.

Schelling[123] apresenta consideração muito interessante sobre o conceito de crime organizado, pois avalia que existe uma característica do crime organizado que é compatível com todas as definições existentes, a exclusividade, ou ainda, um termo mais próprio, o monopólio. A comparação com os negócios legais levaria à conclusão que o crime organizado não é uma empresa, mas sim um monopólio, pois seriam aplicáveis adjetivos próprios da atividade monopolizadora para qualificar a atividade desenvolvida pela organização criminosa, ou seja, inescrupulosa, cruel, avarenta, exploradora e sem princípios.

Da análise dos conceitos doutrinários expostos podemos encontrar um denominador comum, organização criminosa é o grupo de pessoas que, visando a obtenção de lucro, organiza-se de maneira empresarial-monopolista e utiliza-se da violência e intimidação para atingir suas metas. Nesse mesmo sentido é a lição de Antonio Scarance, para quem a “conceituação de organização criminosa pressupõe três elementos essenciais: o grande número de membros, a forma estrutural e a persistência de suas atividades” [124].

Sem dúvida a Lei n.° 9.034/95 veio para suprir uma lacuna no ordenamento brasileiro, a capacidade para o efetivo combate ao crime organizado, nesse sentido, a justificação de Michel Temer, autor do projeto de lei n.° 3.516 de 1989:

Pelas projeções assumidas e os imensuráveis danos causados à sociedade internacional, à ordem econômico-financeira e instituições públicas e privadas, necessárias se faz a utilização diferenciada dos meios de prevenção e repressão das atividades desses grupos que se assemelham, sem exageros, a “empresas multimilionárias” a serviço do crime e da corrupção generalizada. É óbvio que o remédio combativo há que ser diverso daquele emprego na prevenção e repressão às ações individuais, isoladas, tal qual se verifica quando de um atropelamento ou o furto de um botijão de gás, ainda que doloso.

O projeto de lei que agora se defende, e que tem por objeto jurídico a proteção da sociedade organizada, visa proporcionar meios operacionais mais eficientes às instituições envolvidas no combate ao crime organizado – (Polícia, Ministério Público e Justiça) – dotando-as de permissivos legais controlados, como ocorre nos mais civilizados e democráticos países do mundo, onde os resultados obtidos no combate à ação delituosa são bem melhores que no Brasil.

No entanto, haja vista que no ordenamento brasileiro é ausente qualquer definição legal de organização criminosa, ficou a cargo do intérprete a identificação, e, por tanto, a conceituação, de organização criminosa, para que, no caso concreto, seja possível a utilização dos institutos trazidos pela inovação legislativa.

Uma breve análise histórica da trajetória do Projeto de Lei n.° 3.516 de 1989, (PL-3516/1989), que foi posteriormente transformado na Lei n.° 9.034/95, esclarece alguns pontos controversos sobre a opção do legislador.

A redação original dos artigos primeiro e segundo, apresentada ao plenário em 1989 pelo Deputado Michel Temer, era a seguinte:

Art. 1° Esta lei regula a utilização dos meios operacionais destinados à prevenção e à repressão do crime decorrente de organização criminosa.

Art. 2° Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional.

Para compreendermos a técnica utilizada pelo legislador na redação do projeto, utilizaremos a lição de Antonio Scarance[125], quando expõe os possíveis métodos legislativos adotados para a definição de crime organizado:

São três as linhas doutrinárias e legislativas normalmente adotadas para a definição de crime organizado: 1:- a que parte da noção de organização criminosa para definir o crime organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros da organização; 2:- a que define o crime organizado, sem especificação dos tipos penais, com base em seus elementos essenciais, em regra os que servem para identificar a existência de uma organização criminosa; 3:- a que especifica um rol de crimes como sendo crimes organizados.

A primeira posição era a adotada no PL 3.516/89, como se percebe de seu art. 2°, antes citado. Trabalha com a noção de organização criminosa mediante a indicação dos elementos que a caracterizam.

Podemos perceber que o legislador escolheu, no projeto de lei, definir organização criminosa por sua característica estrutural, permitindo a utilização dos institutos trazidos pela lei para a investigação e processamento de todos os delitos praticados pelos membros da organização criminosa, independentemente do alcance da sua atuação (regional, nacional ou internacional), desde que a estrutura organizacional adotada fosse sistematizada, abrangendo assim desde a Máfia até os menores grupos regionais. Esse conceito acha-se dentro da primeira linha doutrinária exposta por Antonio Scarance, “parte-se da noção de organização criminosa para definir o crime organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros de determinada organização[126]”.

Parece-nos que essa técnica legislativa não merece tantas críticas quanto recebe, já que, da analise da realidade do crime organizado, não só no Brasil, mas no mundo, e tendo em vista seu potencial de alastramento, acreditamos que não é possível combatê-lo com flores e gestos carinhosos. É necessária uma abordagem extensiva que permite perseguir todos os delitos perpetrados pela organização criminosa, independentemente de seu resultado material. O princípio da proporcionalidade tem de ser sopesado no caso em tela, não quanto à agressividade dos institutos previstos na lei, mas sim em relação ao potencial lesivo das organizações criminosas versus o potencial lesivo da criminalidade comum. Por isso essa técnica se justifica, pois compreende quão grave o crescimento do crime organizado é, e a urgência de se erradicá-lo.

No entanto, apesar da aparente consistência técnica e doutrinária da redação original do projeto, a versão apresentada à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 05/04/1995, seis anos mais tarde, é bem diferente da original, e mais próxima da atual. Percebe-se a mudança de técnica legislativa, vez que, ao contrário do projeto, essa redação criminaliza a conduta de associação criminosa, modificando o art. 288 do Código Penal:

Art. 1° Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios permitidos nos inquéritos e processos que versem sobre crime organizado.

Art. 2° Considera-se crime organizado o conjunto dos atos delituosos que decorram ou resultem das atividades de quadrilha ou bando, definidos no § 1° do art. 288 do Decreto-Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal – passa a ter a seguinte redação:

“Art. 288. Participar de quadrilha, bando ou organização que se serve das estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos, concebidas qualquer que seja o pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos cuja realização implica a prática de ilícitos penais.

Essa redação, que diverge da técnica original do projeto, prevê uma alteração do art. 288 do Código Penal para incluir mais um elemento descritivo no tipo penal, criminalizando assim, a associação criminosa em si, desde que na forma de sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos.

Nesse caso, os meios de investigação e obtenção de prova contidos na futura Lei n.° 9.034/95 serviriam apenas nas hipóteses de investigação da prática de crime de associação em forma de organização criminosa, previsto no art. 288 do Código Penal.

Percebemos uma proximidade teórica entre a redação do projeto e o conceito de Schelling segundo o qual organização criminosa é aquela que apresenta organização empresarial para o cometimento de delitos que visam à obtenção de lucro.

Até agora analisamos dois métodos legislativos empregados na definição de organização criminosa, o primeiro, que considera organização criminosa aquela que assim se organiza no cometimento de delitos, e uma segunda, que criminaliza a conduta de associação criminosa, alterando o tipo penal do art. 288 do Código Penal, no entanto, a redação atual da lei não nos parece nada com os dois métodos já expostos.

Pesquisando os anais do Congresso Nacional percebemos que a redação final da lei é fruto da emenda n.° 2, proposta para alterar o Projeto de Lei n.° 3.516 de 1989, com a seguinte redação:

Dê-se a seguinte redação ao art. 1°.

“Art. 1° Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versam sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.”

Por fim, na reta final da elaboração da lei, foi suprimida a proposta que previa a alteração do Código Penal para promover a criminalização da associação criminosa, no entanto, não se restaurou a redação original, que definia organização criminosa como aquela que desenvolve uma estrutura sistematizada com o intuito de pratica crimes. Foi a partir desse ponto que se extirpou do ordenamento uma definição de organização criminosa, surgindo o vácuo legislativo presente na redação final:

Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.

A redação final da Lei n.° 9.034/95 foi criticada pela unanimidade da doutrina, consubstanciada na lição de Antonio Scarance:

A Lei 9.034/95, contém erro grave, fundamental, consiste na falta de definição clara do que seja crime organizado ou organização criminosa. A opção pela definição do crime como sendo a ação vinculada aos delitos de bando ou quadrilha, se por um lado torna mais fácil a identificação do crime organizado, por outro cria dificuldades, sendo ao mesmo tempo ampliativa e restritiva.

Resta claro que a legislação não seguiu a melhor orientação doutrinária, ainda mais se tratando de questão tão relevante e perigosa quanto o crime organizado.

Maurício Lopes[127] esclarece que o conceito de organização criminosa da lei é demasiado ampliativo, por abranger delitos que, pelo simples fato de serem cometidos por quadrilha ou bando, serão tratados como crimes organizados, e ao mesmo tempo, muito restritivo, por impossibilitar a aplicação dos institutos trazidos pela lei aos delitos praticados por organização criminosa que não estão vinculados diretamente a quadrilha ou bando, privando as autoridades dos meios para combater o crime organizado.

Houve, posteriormente, uma alteração do texto da já publicada Lei n.° 9.034/95, operada pela Lei n.° 10.217 de 2001, resultando na redação mais atual do texto:

 Art. 1° Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.[128]

Essa redação mais atual resolve a anterior restrição imposta pelo legislador à aplicação da lei, a necessidade de o delito estar diretamente vinculado a uma quadrilha ou bando, ou seja, a mais recente redação permite a aplicação dos institutos previstos na Lei n.° 9.034 a qualquer delito praticado por organização criminosa independentemente de uma quantidade mínima de agentes.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, a alteração do art. 1° pela Lei n.° 10.217 de 2001 não trouxe a esperada definição de organização criminosa, mas acabou produzindo alteração “extensiva e desastrosa”[129].

A lição de Nucci[130] sobre a alteração produzida pela Lei n.° 10.217 de 2001:

Não contente o legislador em ter inserido no contexto do crime organizado qualquer infração praticada por quadrilha ou bando (ex.: um grupo que se forma para o cometimento de meros furtos), que exige pelo menos a reunião de quatro pessoas, houve por bem generalizar, na parte final desse artigo, mencionando associação criminosa de qualquer tipo. Ora, um mero concurso de pessoas é uma associação criminosa, motivo pelo qual já seria suficiente, em tese, para aplicação das normas rígidas previstas na Lei 9.034/95.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Antonio Scarance[131]:

(a Lei n.° 10.217 de 2001) Distinguiu, como se vê, quadrilha ou bando de organização ou associação criminosa e nisso fez bem, pois, como salientado, são institutos que não se identificam. Mas, por outro lado, mandou aplicar todos os dispositivos da Lei 9.034/95 à ou bando, e, nesse ponto, nivelou o tratamento desses crimes e o dispensado, em princípio, à organização ou associação criminosa.

Agora, compreendido o histórico da legislação, tendo em vista que, segundo Lenio Streck, “toda compreensão tem uma inexorável e indissociável condição histórica”[132], é fácil entender a razão da redação atual. Podemos concluir que houveram, da concepção à última alteração, quatro versões da lei:

1) A redação original, que considerava organização criminosa toda aquela que demonstrasse uma estrutura criminal sistematizada, ou seja, um conceito simples e abrangente, mas efetivo, vez que, caso fosse posto em prática, permitiria o combate ao crime organizado como um todo, do menor dos delitos aos de maior impacto, independentemente do número de sujeitos envolvidos, desde que ficasse caracterizada a organização em sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos, com o objetivo de praticar delitos.

2) A segunda redação, que foi apresentada à mesa diretora da Câmara, alterando o Código Penal, para incluir no art. 288 a figura típica da associação em organização criminosa, o que permitiria que o projeto se limitasse a enumerar os meios de investigação e obtenção de provas especiais, já que a conduta de associação criminosa já estava devidamente tipificada.

3) A terceira redação, fruto da emenda n.° 2, que não define organização criminosa, não altera o Código Penal, mas permite que os institutos destinados ao combate ao crime organizado sejam aproveitados na investigação de crimes cometidos por quadrilha ou bando, sendo esse um requisito para a aplicação da lei.

4) A redação final, fruto da Lei n.° 10.217/01, que ampliou a possibilidade de aplicação dos institutos previstos na lei, ao inserir no, art. 1° da lei, a expressão associação criminosa, que, ao contrário da quadrilha ou bando, não depende de uma quantidade mínima de agentes, tornando a lei aplicável mesmo em casos de concurso de agentes

A convenção das nações unidas contra o crime organizado internacional, adotada em Nova Iorque em 2000, ratificada em 2004 e efetiva no Brasil a partir de 28 de fevereiro de 2004 integra o ordenamento jurídico brasileiro, por força do art. 49, I da CF, com status de lei ordinária.

 Nesse sentido é a lição de Alexandre de Moraes, “com a promulgação do tratado através de decreto do Chefe do Executivo recebe esse ato normativo a ordem de execução, passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória”[133].

A convenção prevê uma série de metas para os Estados signatários, dentre elas, a criminalização da participação em organização criminosa, a criminalização da lavagem de dinheiro, a criminalização da corrupção, a responsabilização das pessoas jurídicas, todas medidas reconhecidamente necessárias para o combate do crime organizado. A convenção também dispõe sobre os meios de combate ao crime organizado transnacional, como a investigação conjunta, a cooperação entre agências internacionais, e a coleta e intercâmbio de informações.

Nesse sentido é a lição de Shanti[134]:

O tratado tem dois objetivos primários: oferecer uma ligação entre os sistemas legais do mundo todo e estabelecer padrões para as leis dos países signatários, a fim de torná-las efetivas no combate ao crime organizado. Os países signatários comprometeram-se a criminalizar atividades ligadas ao crime organizado, criar tratados de extradição, melhorar procedimentos de combate à lavagem de dinheiro, e genericamente, a aumentar o grau de cooperação internacional. A convenção também estabeleceu uma série de protocolos visando o combate a crimes específicos como trafico de mulheres e crianças, contrabando de imigrantes, e tráfico ilegal de armas.

O art. 2°, caput, do tratado define uma série de conceitos, para efeitos da convenção, ou seja, para que o Estado signatário compreenda a extensão das obrigações contraídas em razão do tratado. Dentre os termos conceituados consta “grupo criminoso organizado”, que, para efeito da convenção, será definido de acordo com a alínea a, do art. 2°[135]:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

Ressalvamos que, do nosso ponto de vista, o conceito de grupo criminoso organizado trazido pela convenção deve ser empregado exclusivamente de maneira explicativa, no âmbito da convenção, sem extravasar seus efeitos, sob pena de desvirtuar seu propósito, razão pela qual não serve para delimitar a aplicação dos institutos da Lei n.° 9.034/95. No entanto, a jurisprudência tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Tribunal Regional Federal da 5°, 4° e 2° Regiões, entendem que o decreto n.° 5.015/04 traz sim definição de organização criminosa para o ordenamento brasileiro.

Nesse sentido o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 5° Região[136]:

Penal e processual penal. Estelionato qualificado (art. 171, § 3o, do cp). Quadrilha ou bando (art. 288 do cp). Caso pucumã. Preliminar. Competência da justiça federal (art. 109, iv, da constituição). Apelação. Intempestividade das razões recursais. (...) 5. Os tribunais pátrios têm utilizado, para definir organização criminosa, a convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional, em vigor no país com a edição do decreto no 5.015, de 12 de março de 2004 (trf-1a região, acr no 200336000085054/mt; trf-2a região, cc no 8.064/rj; trf-4a região, acr no 200570030002849/pr). 6. A lei no 9.034, de 1995, aplica-se não apenas às denominadas organizações criminosas, mas também à reunião de pessoas que caracteriza o crime de quadrilha (art. 1°). (...) (grifo nosso)

O posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4° Região[137]:

Ementa: processual penal e penal. Competência. Litispendência. Audiência de inquirição de testemunhas por videoconferência. Nulidade inexistente. Provas produzidas exclusivamente na fase pré-processual. Exceção admitida pelo CPP. Lavagem de dinheiro. Crime antecedente praticado por organização criminosa. Comprovação. Investimento em nova atividade ilícita. Irrelevância para a configuração da lavagem. Furto qualificado tentado. Crime impossível. Inocorrência. Autoria. Domínio funcional do fato. Formação de quadrilha. Pressupostos objetivos. Organização criminosa. Inexistência de delito autônomo. (...) 5. Apesar de não ter sido tipificado o delito autônomo de organização criminosa, conforme recomenda o artigo 5º da convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional, introduzida em nossa ordem jurídica pelo decreto 5.015/2004, o artigo 2º da convenção de palermo define, indubitavelmente, grupo criminoso organizado como sendo aquele "estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, benefício econômico ou outro benefício material, sendo que o conceito de infração grave dado pela convenção corresponde àquele ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior". (...) (trf4, acr 2006.71.00.032684-2, oitava turma, relator Paulo Afonso Brum Vaz, d.e. 22/07/2009) (grifo nosso)

O posicionamento do Tribunal Regional Federal da 2° Região[138]:

Direito penal e processual penal. Habeas corpus. Operação telhado de vidro. Competência. Legalidade do decreto de prisão preventiva. Inexistência de constrangimento ilegal. (...) Iii – não atendido in statu assertionis o conceito normativo de organização criminosa (rectius: grupo criminoso organizado) previsto no artigo 2 da convenção das nações unidas contra o crime organizado internacional, internalizada pelo decreto 5.015-2004, é descabida a aplicação da regra de competência de juízo, fixada em razão da matéria, na resolução conjunta 5-2006 desta corte regional(...)(grifo nosso)

Contrário ao entendimento de que o conceito de organização criminosa seja previsto no Decreto n.° 5.015/04 é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1° Região[139], que conceitua organização criminosa como aquela que apresenta elementos reconhecidos pela doutrina como característicos de organizações criminosas, nesse sentido:

Processual penal. Habeas corpus. Descaminho. Prisão preventiva. Risco à ordem pública e à aplicação da lei penal não demonstrados concretamente. Concessão da ordem. (...) 3. Muito embora não exista uma definição legislativa para o termo "organização criminosa", o certo é que tem sido esse conceito interpretado, especialmente quando da apreciação da questão relativa à presença ou não de probabilidade de reiteração criminosa, em termos de identificação de elementos que possibilitem ao julgador a constatação de uma estrutura complexa e extremamente organizada - divisão de tarefas, sofisticação dos meios e habitualidade. Presentes tais características tem a jurisprudência aceitado a tese de que o risco a ordem pública se justificaria em razão do fato de que a existência de uma organização criminosa passível de retorno às atividades tida por delituosas. (...) (HC 2007.01.00.051229-1/mg, rel. Desembargador federal Olindo Menezes, terceira turma,dj p.12 de 07/12/2007) (grifo nosso)

Tendo em vista a redação final do art. 1° da Lei n.° 9.034/95, qual seja:

Art. 1° Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

É necessário estabelecer qual a melhor interpretação da norma, a fim de se determinar, em cada caso concreto, a possibilidade de sua aplicação.

Chaïm Perelman, Filósofo que dedicou parte de sua obra ao estudo da Lei, propõe, na obra Lógica jurídica, que o aplicador do direito investigue a “vontade do legislador concreto, recorrendo ao exame dos trabalhos preparatórios”[140], destacando que essa técnica é freqüentemente utilizada quando se trata de legislação recente. A lei 9.034/95 não é recente, nem mesmo sua última redação, que data de 2001, no entanto, tendo em vista que sua aplicação ainda é tímida na realidade brasileira, entendemos que a análise do “argumento psicológico”[141] é vital para a aplicação do dispositivo.

Nesse mesmo sentido é a lição de Nelson Saldanha, “todo interpretar, como todo compreender, se funda sobre uma série de referências”[142], no caso, a referência para a interpretação da norma seria a vontade do legislador.

Tercio Ferraz Jr.[143] expõe os argumentos favoráveis à interpretação subjetivista (histórica, que se preocupa com a vontade do legislador) da norma, em oposição à possível interpretação objetivista (que propõe uma compreensão ex nunc da norma, sem levar em conta a vontade do legislador):

1.                  O recurso à técnica histórica de interpretação, aos documentos e às discussões preliminares dos responsáveis pela positivação da norma, é imprescindível, donde a impossibilidade de se ignorar o legislador originário;

2.                  Os fatores (objetivos) que eventualmente determinassem a chamada vontade objetiva da lei (volutas legis) também estão sujeitos a dúvidas interpretativas: com isso, os objetivistas criariam, no fundo, um curioso subjetivismo que põe a vontade do intérprete acima da vontade do legislador, tornando-se aquele não apenas “mais sábio” que o legislador, mas também “mais sábio” que a própria norma legislada;

3.                  Seguir-se-ia um desvirtuamento na captaçõ do direito em termos de segurança e certeza, pois ficaríamos à mercê da opinião do intérprete.

Quanto ao sentido da norma, em relação à sua redação atual, vale o parecer do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Alberto Mendes Cardoso e do Ministro do Estado da Justiça José Gregori, quando da análise do projeto de lei n.° 3.275/2000, posteriormente convertido na Lei n.° 10.217/2001:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Submetemos à apreciação de Vossa Excelência o anexo projeto de lei que altera os arts. 1° e 2° da Lei n.° 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, para dar-lhe maior alcance, bem como para incluir, nesse diploma legal, duas medidas de combate à criminalidade, imprescindíveis ao Estado: a infiltração controlada de agentes policiais e de inteligência e a escuta ambiental.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça pode ser consubstanciado no excerto do voto da Ministra Eliana Calmon[144], quando da apreciação da Ação Penal n.° 460-RO, em 2007:

(...) De logo convém afastar-se a idéia de que a Lei 9.034/95 só se aplica aos crimes cometidos por quadrilha ou bando, com o rótulo de organização criminosa. Com a redação dada pela Lei 10.217/01 ao art. 1º da Lei 9.034/95, é uníssono o entendimento doutrinário no sentido de ter o diploma especial ampliado o seu alcance para abrigar não apenas a quadrilha ou bando, mas outros agrupamentos, como associações ou organizações criminosas de qualquer tipo, dentre as quais se inclui verbi gratia a reunião de duas ou mais pessoas para o fim específico de tráfico de substância entorpecente (art. 14 da Lei 6.368/76).

(...) A partir daí (do decreto 5.015/2004, que promulga a convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional) tem-se entendido que não é necessária a presença de, no mínimo, quatro elementos para a caracterização da organização criminosa, como exigido na tipificação da quadrilha ou bando, ou seja, que bastaria a associação de pelo menos três pessoas.

Temos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça como a mais correta interpretação da norma, pois atende, conforme lição de Carlos Maximiliano[145], à exegese dos Materiais Legislativos (interpretação autêntica), vez que os Ministros examinaram o dispositivo em relação ao fim que se propõe, o combate efetivo ao crime organizado. Nesse sentido, é possível a aplicação dos institutos previstos na Lei n.° 9034/95 sempre que se constatar, no caso concreto, a atuação de uma organização criminosa, independentemente do número de agentes envolvidos na ação em particular.

Esse entendimento é o adotado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, consubstanciado no voto proferido pelo Juiz de Direito Substituto em segundo grau Luiz Osório Moraes Panza, quando do julgamento do Habeas Corpus n.° 617.716-6.

4.2 LEGE FERENDA: PROPOSTAS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Celso Ribeiro Bastos[146] aponta que Aristóteles já havia identificado em sua obra a divisão de tarefas no atuar do Estado, no entanto, foi Montesquieu quem separou as funções a serem desempenhadas em órgãos diversos, garantindo assim a divisão funcional e orgânica das funções do Estado. 

No Brasil, por força de disposição constitucional as funções estatais são tripartidas, cabe, originalmente, ao legislativo a confecção das leis, consubstanciando da vontade do povo, ao executivo dar cumprimento a essas leis e, finalmente, ao judiciário a solução de conflitos, sempre com observância da lei.

O poder legislativo, por lhe ser atribuída a função primordial de legislar, é encarregado de, seguindo as normas da Constituição, inovar originalmente a ordem jurídica.

Essa tarefa inovadora é muito importante no tocante ao combate ao crime organizado, conhecido por ter como uma de suas principais características a capacidade de driblar a repressão estatal, estando, na maioria das vezes alguns passos a frente de seus repressores.

Nessa esteira passamos a analisar a atividade legislativa atual, visando antecipar o impacto de tais medidas no combate ao crime organizado.

Tramitam hoje no Senado Federal duas Propostas de Emenda à Constituição, PECS, tratando do combate ao crime organizado que analisaremos a seguir.

PEC 43/2003, de autoria do Senador Renan Calheiros, visa alterar o art. 5°, inc. LXIV da Constituição Federal, que, atualmente, vige com o seguinte texto[147]:

LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

O texto alterado de acordo com a proposta teria a seguinte redação[148]:

LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial, salvo na hipótese dos delitos relacionados com o crime organizado, nos termos da lei.

A justificativa apresentada pelo Senador é a seguinte:

A crescente criminalidade em nosso País tem deixado a sociedade perplexa e a família brasileira acuada e com medo da violência que se tornou lugar comum em nossas Cidades. Nos últimos tempos, os casos mais revoltantes dizem respeito aos assassinatos de juízes e as ameaças às suas famílias, por parte do crime organizado que deseja intimidar ou calar aqueles que têm a responsabilidade de julgar e punir os criminosos. É necessário, portanto, criarmos mecanismos que protejam os nossos juízes e as suas famílias, a fim de que possamos manter de pé as nossas instituições judiciais. O “juiz sem rosto” foi um instrumento eficaz utilizado na Itália para debelar o crime organizado, com inúmeras ramificações naquele país. Com a adoção desse “Instituto”, (juiz sem rosto) no Brasil, com a possibilidade de termos uma legislação emergencial em relação ao crime organiza do e a proibição da comercialização de armas de fogo, teremos poderosos instrumentos para reduzirmos os altos índices de criminalidade que tem caracterizado o nosso País. Dessa forma, com a mudança constitucional proposta, abriremos a oportunidade para a proteção do “Juiz” e, conseqüentemente, da sua família das garras do crime organizado. Por essas razões, solicito aos nobres Pares o necessário apoio para esta proposição que, com certeza, possibilitará a edição de instrumentos legais que farão reverter a cruel situação da violência no Brasil e, também, colocará em segurança o p lar maior do Judiciário que é o Juiz.

De início temos de destacar a gritante incompatibilidade entre o texto da PEC e a justificativa apresentada.

O texto diz respeito ao atual direito do preso à identificação daqueles que realizaram a sua prisão ou seu interrogatório policial, a chamada nota de culpa.

Caso a emenda fosse aprovada, quando o delito apurado pela autoridade policial fosse relacionado ao crime organizado não seria necessário identificar os policiais que realizaram a prisão ou o interrogatório do preso.

Sobre a nota de culpa a lição de Mirabete:

Dentro de 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas (art. 306). A finalidade da denominada nota de culpa é comunicar ao preso o motivo da prisão, bem como a identidade de quem o prendeu (art. 5° LXIV, da CF), num breve relato do fato criminoso de que é acusado.

A expedição da nota de culpa é garantia constitucional do preso, e diz respeito à ampla defesa, daí sua natureza essencial, razão pela qual sua ausência implica no relaxamento da prisão em flagrante. Nesse sentido o entendimento do Supremo Tribunal Federal[149]:

EMENTA: Nulidade: auto de prisão em flagrante, nota de culpa e auto de apreensão de entorpecente não assinados pela autoridade policial: superação ou irrelevância, nas circunstâncias do caso. 1. A falta de assinatura da autoridade policial no auto de prisão em flagrante e na nota de culpa - valendo por prova de sua ausência à lavratura - torna ilegítima a prisão, o que, entretanto, ficou superado no caso, dado que o Juiz relaxou o flagrante e decretou a prisão preventiva. 2. No auto de apresentação e apreensão do entorpecente, elemento essencial é a assinatura do policial que a tenha apreendido com o preso, não a da autoridade policial. (HC 77042, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 26/05/1998, DJ 19-06-1998 PP-00003 EMENT VOL-01915-01 PP-00104)

Portanto, o texto da emenda mantém em sigilo a identidade do policial ou da autoridade policial, quando o crime investigado for perpetrado por organização criminosa.

A justificativa apresentada pelo Senador Renan Calheiros, por outro lado, diz respeito à necessidade de se manter a identidade do juiz presidente do feito em que se apura crime cometido por organização criminosa no anonimato. Vale apontar que a nota de culpa é expedida na fase de inquérito, enquanto a identidade do juiz, no tocante ao interrogatório, só se revela quando da ação penal, ou seja, o texto cria uma situação, e a justificativa busca outra, é como se o corpo de um indivíduo fosse a uma direção, quando seu cérebro coordena seus músculos para o levarem a outra.

A proposta de criação de um sistema segundo o qual a identidade do juiz não fosse revelada é defendida pela Associação dos Magistrados do Brasil, no entanto, não encontra regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, e, salvo melhor juízo, traz sérias implicações, em especial quanto à segurança da prestação jurisdicional.

Por fim, a justificativa visava criar o “juiz sem rosto”, no entanto, o texto da Proposta de Emenda à Constituição cria um “policial sem rosto”. 

A PEC 52/2009, de autoria do Senador Marcelo Crivella, pretende alterar o art. 144, §8° da Constituição Federal, que, atualmente, vige com o seguinte texto[150]:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

A nova redação, de acordo com a proposta seria[151]:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção dos seus bens, serviços e instalações e, mediante convênio com a Polícia Federal, participar das ações referidas no inciso II do §1º nas faixas das fronteiras interestaduais dos respectivos territórios.

O inciso II do §1° citado na proposta diz respeito ao art. 144, §1°, inc. II da Constituição Federal, para efeito de explanação transcrevemos[152]:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

(...)

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

A proposta amplia a competência da guarda municipal, autorizando seu emprego, mediante convênio com a Polícia Federal, no combate ao tráfico de entorpecentes, descaminho e contrabando.

A justificativa explica o vínculo entre a proposta e o crime organizado[153]:

Ora, é sabido que não só o tráfico de entorpecentes, mas o de armas de todo calibre, mesmo as de uso exclusivo das Forças Armadas, são contrabandeadas, inicialmente, através das fronteiras do País em seus mais de 8.500 quilômetros de extensão. Desnecessário dizer, por ser notório, que há uma total impossibilidade de um policiamento eficaz nessa imensa área. Certo é que, ultrapassada a fronteira com o exterior, a droga e as armas têm de atravessar diversas “fronteiras estaduais” para chegar às mãos dos criminosos encastelados nas grandes metrópoles. Se as Polícias de cada Estado da Federação pudessem contar com os efetivos das Guardas Municipais nesse combate à criminalidade, ainda que limitadas a ações de logística, de prevenção, de vigilância ou mesmo de detenção de suspeitos etc., um grande passo poderia ser dado, fechando-se o cerco em favor da segurança pública. É o que pretende a presente Emenda Constitucional que acrescenta, ao final do §8º do artigo 144, a previsão de possibilitar a participação, mediante convênio, das Guardas Municipais em ações de combate ao crime organizado empreendidas pela Polícia Federal nas faixas de fronteira dos Estados limítrofes.

Portanto, fica claro que o objetivo da proposta não é o emprego direto da guarda municipal no combate ao crime organizado, é a garantia de que, caso seja necessário, é possível seu emprego em tarefas de apoio às operações da Polícia Federal, no combate ao tráfico de drogas, principal atividade do crime organizado no Brasil, descaminho, atividade de interesse da criminalidade em geral e contrabando, em especial de armas e munições, maior pesadelo no combate ao crime organizado.

Concluímos a exposição observando que a Lei n.° 8.666/93 dispõe em seu artigo 116 sobre a possibilidade de órgãos e entidades da administração pública (guarda municipal e qualquer outro órgão policial) firmar convênio, quando o interesse dos signatários seja concorrente (combate ao crime organizado), desde que cumpridos os requisitos do art. 116, ou seja, a apresentação de um projeto de trabalho contendo: a) a identificação do objeto a ser executado; b) metas a serem atingidas; c) etapas e fases de execução; d) plano de aplicação de recursos financeiros; e) cronograma de desembolso; f) previsão de início e fim da execução do objeto. Por isso concluímos que o objetivo dessa proposta de emenda, por mais nobre que seja, resta prejudicado pela previsão expressa no ordenamento jurídico da possibilidade de convênio entre a Polícia Federal e guarda municipal.

O projeto de lei do Senado n.° 150 de 2006, de autoria do Senador Serys Slhessarenko, foi incluído, em 06 de novembro de 2009 na pauta da reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e versa sobre a repressão ao crime organizado.

O projeto define e criminaliza o crime organizado, prevê meios de investigação e obtenção de prova, dispõe sobre questões processuais e revoga, expressamente, a Lei n.° 9.034/95. 

A justificação é clara, o projeto pretende, já em seu primeiro capítulo, resolver as dificuldades em torno do conceito de crime organizado apresentando uma definição legal que esgota o tema.

Para tanto, dispõe o art. 2° do projeto[154]:

Art. 2º Promover, constituir, financiar, cooperar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, associação, sob forma lícita ou não, de cinco ou mais pessoas, com estabilidade, estrutura organizacional hierárquica e divisão de tarefas para obter, direta ou indiretamente, com o emprego de violência, ameaça, fraude, tráfico de influência ou atos de corrupção, vantagem de qualquer natureza, praticando um ou mais dos seguintes crimes:

I – tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica (Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976);

II – terrorismo;

III – contrabando ou tráfico ilícito de armas de fogo, acessórios, artefatos, munições, explosivos ou materiais destinados à sua produção (Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997);

IV – extorsão mediante seqüestro e suas formas qualificadas (art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);

V – contra a administração pública (arts. 312, caput e § 1º, 313- A, 313-B, 314, 315, 316, caput e § 2º, 317, 318, 319, 320, 321, 325, 326, 332, 334, 335, 337, 337-A, 337-B, 337-C, 342, 344 e 347 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);

VI – contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, salvo o parágrafo único do art. 4º);

VII – contra a ordem tributária ou econômica (arts. 1º a 6º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990);

VIII – contra as empresas de transporte de valores ou cargas e a receptação dolosa dos bens ou produtos auferidos por tais práticas criminosas;

IX – lenocínio e tráfico de mulheres (arts. 227 a 231 do Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);

X – tráfico internacional de criança ou adolescente (art. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990);

XI – lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores (Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998);

XII – tráfico ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano (Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997);

XIII – homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);

XIV – falsificação, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e §§ 1º, 1º-A e 1º-B, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);

XV – contra o meio ambiente e o patrimônio cultural (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998);

XVI – outros crimes previstos em tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja parte.

Pena – reclusão, de cinco a dez anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes aos demais crimes cometidos.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, por meio do crime organizado:

I – gere, direta ou indiretamente, ou controla, de qualquer modo, atividades econômicas ou serviços públicos com o fim de auferir proveito econômico;

II – frauda licitações, em qualquer de suas modalidades, ou concessões, permissões e autorizações administrativas;

III – intimida ou influencia, por qualquer dos modos de execução referidos no caput deste artigo, testemunhas ou funcionários públicos responsáveis pela apuração de atividades do crime organizado; impede ou dificulta, valendo-se dos mesmos modos, a investigação do crime organizado;

IV – financia campanhas políticas destinadas à eleição de candidatos com a finalidade de garantir ou facilitar as ações do crime organizado ou a impunidade de seus membros.

§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem fornece, oculta ou tem em depósito armas, munições e instrumentos destinados ao crime organizado; quem lhe proporciona locais para reuniões ou, de qualquer modo, alicia novos membros.

§ 3º A pena é aumentada de um terço até a metade:

I – se a estrutura do crime organizado for constituída por mais de vinte pessoas;

II – se, na atuação do crime organizado, houver emprego de arma de fogo, concurso de agente público responsável pela repressão criminal ou colaboração de criança ou adolescente;

III – se qualquer dos concorrentes for funcionário público, valendo-se o crime organizado dessa condição para a prática de infração penal;

IV – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior.

§ 4º A pena é aumentada de metade para quem exerce o comando, individual ou coletivo, do crime organizado, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

§ 5º Se qualquer um dos concorrentes do crime organizado for funcionário público, o recebimento da denúncia quanto a ele, após a defesa preliminar no prazo de dez dias, poderá provocar o afastamento cautelar do exercício de suas funções, sem prejuízo de remuneração e dos demais direitos previstos em lei, até o julgamento final da ação penal.

§ 6º A condenação acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo, e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Tendo em vista a complexidade do dispositivo conduziremos a análise por artigos.

A justificativa apresentada pelo Senador é clara quanto ao objetivo do caput do art. 2° do projeto, criminalizar o fenômeno delitivo que merece o nome júris de crime organizado, não pelo método tradicional, cujo verbo núcleo do tipo é associar, mas sim pelas ações precedentes à associação criminosa, a promoção, constituição, financiamento, cooperação ou o fato de se integrar a essa associação. Explica o Senador sobre a escolha dos verbos do tipo[155]:

Antes de tudo, é mister que se explicitem os verbos que constituem o núcleo do tipo penal, os quais retratam condutas humanas que evidenciam a aludida prática criminosa. Para tanto, recorreu-se a cinco verbos que também são desprovidos de carga de ilicitude, mas que adquirem tal característica quando postos em conexão com os outros elementos da composição típica. Promover quer dizer “ser a causa de, gerar, provocar”; constituir significa “formar, organizar, criar”; financiar designa a idéia de “sustentar os gastos (de, com), prover o capital necessário para; custear, bancar”; cooperar representa “atuar, juntamente com outros para um mesmo fim, contribuir com trabalho, esforços, auxílio, colaborar”; e integrar exprime o conceito de “incluir-se um elemento no conjunto, formando um todo coerente, incorporar-se, integralizar”.

Portanto os verbos são aliados a outros elementos para a composição típica, quais sejam, a associação como forma organizacional, lícita ou não; o elemento quantitativo (no mínimo 5 pessoas, direta ou por interposta pessoa); com estabilidade (requisito temporal); apresentando uma estrutura organizacional hierárquica com divisão de tarefas, cujo fim (objeto), é a obtenção de vantagem de qualquer natureza, mediante violência, ameaça, fraude, tráfico de influência ou ato de corrupção, praticando um ou mais dos delitos previstos no rol numerus clausus dos incisos I a XVI.

Nesse sentido a justificativa[156]:

Note-se que o “promover”, o “constituir”, o “financiar”, o “cooperar” e o “integrar” só passam a ter relevância típica quando se vinculam a um determinado objeto, qual seja, uma associação que não prescinde de algumas características próprias: a) ser constituída de cinco ou mais pessoas. Essa pluralidade de pessoas, como dissemos, é inafastável; b) apresentar estrutura organizacional estável e hierarquizada, bem como divisão de tarefas entre seus integrantes. É imprescindível que a associação possua um mínimo de organização de pessoas e de meios e tenha uma certa estabilidade, isto é, tenha a duração temporal necessária para a realização de sua finalidade, ou, dito de melhor forma, revele ser algo autônomo que ultrapasse um acordo de vontades meramente ocasional; c) ter caráter tanto lícito quanto ilícito, pois nada obsta que a forma de estruturação da associação siga as regras exigíveis para a sua constituição legal. Isso permitirá que sejam reprimidas as atividades criminosas perpetradas por meio de empresa juridicamente construída. Sabe-se, ainda, que crime organizado, para que possa atingir seu escopo, emprega determinados modos de execução. Há um espectro muito amplo de modus operandi. Freqüentemente, vale-se da violência, da força intimidativa, da manobra fraudulenta, do tráfico de influência ou mesmo de atos de corrupção. Infelizmente, não há como negar a estreita ligação entre o crime organizado e a corrupção.

Relembramos aqui a lição de Scarance quanto às técnicas existentes para a criminalização do fenômeno conhecido como crime organizado[157]:

São três as linhas doutrinárias e legislativas normalmente adotadas para a definição de crime organizado: 1:- a que parte da noção de organização criminosa para definir o crime organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros da organização; 2:- a que define o crime organizado, sem especificação dos tipos penais, com base em seus elementos essenciais, em regra os que servem para identificar a existência de uma organização criminosa; 3:- a que especifica um rol de crimes como sendo crimes organizados.

O que o Senador atingiu na confecção do art. 2° do projeto foi um equilíbrio entre a primeira e segunda correntes expostas por Scarance, pois definiu crime organizado por seus elementos essenciais, e arrolou uma série de delitos como os passíveis de serem cometidos pela organização criminosa, ou seja, a análise da tipicidade está condicionada à existência dos elementos característicos da organização criminosa cumulada com o cometimento de ao menos um dos delitos constantes no rol, que é exaustivo.

Os parágrafos do art. 2° prevêem causas de aumento da pena e o afastamento e perda do cargo no caso do envolvimento de funcionário público na organização criminosa.

O projeto segue apresentando no capítulo 2 os meios de investigação criminal e obtenção de prova, sob o título, “da investigação criminal e dos meios de obtenção da prova”[158].

Os institutos elencados no art. 3° do projeto podem ser aplicados em qualquer fase da persecução penal, ou seja, tanto no inquérito policial quanto no decorrer da ação penal, sem prejuízo de outros previstos na legislação.

São eles: I – colaboração premiada do investigado ou acusado; II – interceptação de comunicação telefônica e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, nos termos da legislação específica; III – ação controlada; IV – acesso a registros de ligações telefônicas, dados cadastrais, documentos e informações eleitorais, comerciais e de provedores da internet; V – quebra dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica, sendo que somente a colaboração premiada do investigado ou acusado pode ser realizada independente de prévia autorização judicial, pois, na realidade, como explica o art. 4° do projeto, é ato privativo do juiz, ou seja, todos os institutos do projeto dependem de apreciação judicial.

O instituto da colaboração premiada do investigado ou acusado não faz parte do ordenamento jurídico vigente e prevê, de acordo com o art. 4° do projeto, a possibilidade de extinção da punibilidade do investigado ou acusado primário (não reincidente), que, voluntariamente, colabore com a investigação e processo criminal, resultando na identificação dos demais co-autores e partícipes do crime organizado; prevenção de outros delitos decorrentes da atividade do crime organizado; recuperação, ainda que parcial, do produto das infrações; revele a estrutura organizacional hierárquica e divisão de tarefas da organização; ou a localização de vítima cuja integridade física não foi maculada.

A análise judiciária para a concessão do benefício ainda deve levar em conta a personalidade do colaborador, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso, como determina o parágrafo único do referido art. 4°.

O art. 5°, ainda tratando dos benefícios resultantes da colaboração com a investigação e persecução penal garante ao juiz, nos casos previstos no art. 4°, a possibilidade de redução da pena, de um a dois terços, na medida da colaboração.

O art. 6° elenca os direitos do colaborador:

Art. 6º São direitos do colaborador:

I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II – ter seu nome, sua qualificação e demais informações pessoais preservados durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais co-autores e partícipes;

IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais co-réus ou condenados.

Os demais institutos utilizados na investigação e persecução penal previstos no projeto serão objeto de análise em outro capítulo do presente trabalho, vez que já integram o ordenamento jurídico pátrio, regulados pela Lei n.° 9.034/95.

Vale ressaltar ainda a supressão do instituto, presente na Lei n.° 9.034/95, da infiltração policial. As razões são expostas na justificativa do projeto[159]:

A proposta não hesita, ainda, em suprimir o instituto da “infiltração policial” do direito brasileiro (art. 2º, V, da Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995), porque viola o patamar ético-legal do Estado Democrático de Direito, sendo inconcebível que o Estado-Administração, regido que é pelos princípios da legalidade e da moralidade (art. 37, caput, da CF), admita e determine que seus membros (agentes policiais) pratiquem, como co-autores ou partícipes, atos criminosos, sob o pretexto da formação da prova. Se assim fosse, estaríamos admitindo que o próprio Estado colaborasse, por um momento que seja, com a organização criminosa na execução de suas tarefas, o que inclui até mesmo a prática de crimes hediondos. Muito melhor será que o Estado-Administração, localizando uma organização criminosa, ao invés de infiltrar nela seus agentes, debele essa organização, seja de forma imediata ou retardada (através de ação controlada). Não bastassem as razões constitucionais, éticas, legais e lógicas já destacadas, ainda é possível opor outros argumentos de ordem prática contra a “infiltração de agentes”. A situação mais grave será o desrespeito a qualquer limite jurisdicional imposto à atuação dos agentes infiltrados. Imagine-se, por exemplo, quando o agente infiltrado estiver na presença de criminosos e lhe for ordenada a prática de um crime (v. g., o homicídio de um traficante preso pela organização rival). Nessa situação, o agente não terá como escolher entre cometer e não cometer o crime (limite imposto judicialmente), pois, se não obedecer aos integrantes da organização, poderá simplesmente ser executado. É isso que o Estado pretende de seus agentes? É isso que podemos esperar de um Estado Democrático de Direito? É isso que podemos denominar por “moralidade pública”? Resta destacar que os mais experientes policiais já são conhecidos dos criminosos, logo, as pessoas escolhidas para essa difícil missão, de escolher entre a própria “ida” ou o desrespeito aos limites judiciais definidos para a sua atuação, serão policiais recém ingressos na carreira, sem qualquer experiência e ainda com bases ético-profissionais não solidificadas, o que, não resta dúvida, poderá propiciar o surgimento de “agentes duplos”.

Mantendo em mente o raciocínio que levou à supressão no projeto do instituto vigente da infiltração policial, a efetividade dos institutos previstos para o combate ao crime organizado, o Senador dedica a seção 4 do capítulo 1 aos crimes que podem ser cometidos no decorrer da investigação criminal e na obtenção da prova, são eles:

Art. 12. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito.

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 13. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de crime organizado que sabe inverídicas.

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

Art. 14. Quebrar o sigilo das investigações que envolvam a ação controlada.

Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 15. Recusar, retardar ou omitir dados cadastrais, documentos e informações eleitorais, comerciais ou de provedores da internet, requisitados por comissão parlamentar de inquérito ou por autoridade judicial.

Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Art. 16. Revelar o nome, a qualificação ou demais informações pessoais da vítima, testemunha, investigado ou acusado-colaborador que tenha a sua identidade preservada em juízo, assim como quebrar o sigilo do respectivo procedimento judicial.

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

Não vemos causa alguma para criticar os dispositivos. Com razão o Senador antecipou os delitos que poderiam ser praticados no decorrer da investigação ou da obtenção da prova, e, para salvaguardar a eficácia e confiabilidade dos institutos, já fez constar, com inequívoco intuito preventivo, as conseqüências do abuso ou desvio de poder no próprio diploma.

O capítulo 3 do projeto trata do procedimento criminal, e traz uma série de inovações para a persecução do crime organizado.

O interrogatório do acusado pode ser realizado no local onde se encontra detido o acusado, medida salutar, vez que promove a economia de milhares de reais gastos com a escolta e transporte de presos, no entanto já há previsão nesse sentido no ordenamento jurídico brasileiro, por força da Lei n.° 11.900 de 2009, que alterou o art. 185, §1° do Código de Processo Penal.

O art. 19 do projeto prevê a possibilidade de o juiz resguardar a identidade das vítimas, testemunhas, investigados e colaboradores, a fim de garantir a segurança daqueles que se dispõe a testemunhar em processos relativos ao crime organizado. A alteração do Código de Processo Penal promovida pela Lei n.° 11.690 de 2008 já permite a proteção da intimidade da vítima, nos termos do art. 201, §6° do CPP[160], nesse ponto o projeto serviria apenas para estender a proteção aos colaboradores, figura criada pelo projeto.

O art. 23 prevê prazo específico para a duração do processo que cuida do crime organizado, sendo o limite cento e vinte dias quando se tratar de réu preso. A Lei n.° 9.034/95, em seu art. 8°, prevê a duração de 81 dias para o processo quando se tratar de réu preso, a dilação pretendida pelo projeto certamente é resultado da práxis, e parece muito razoável tendo em vista a complexidade do feito e o número de agentes e testemunhas envolvidos no processamento de uma organização criminosa.

Merece nota o art. 25 do projeto, que tem a seguinte redação:

Art. 25. O juiz, na hipótese de sentença condenatória, decidirá fundamentadamente, com base em elementos do processo, sobre a necessidade do acusado recolher-se à prisão para apelar.

Para nós parece que o artigo supracitado padece de inconstitucionalidade, apesar de a justificativa do Senador argumentar no sentido contrário[161]:

A matéria relativa ao direito de apelar em liberdade foi disciplinada em consonância com o princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF). Ao contrário do texto legal em vigor, sobre o qual pairam fortes dúvidas de inconstitucionalidade (“o réu não poderá apelar em liberdade”, art. 9º da Lei nº 9.034, de 1995), preferimos uma redação mais equilibrada e compatível com o referido princípio constitucional, atribuindo ao juiz o dever de justificar a necessidade da prisão provisória antes do trânsito em julgado da condenação (art. 25).

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso LVII consagra o princípio da presunção de inocência, que, segundo Pacelli[162]:

Impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e de sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação.

Portanto, seria inconstitucional qualquer tentativa de, por mera presunção de condenação, impor restrição pessoal ao acusado. Não sendo o caso de se decretar a prisão preventiva, e não tendo transitado em julgado a sentença penal condenatória, não é possível impor qualquer restrição à liberdade do réu.

Nesse sentido a lição de Ada Pellegrini[163]:

Este o panorama até a Constituição Federal de 1988, que, no art. 5°, LVII, consagrou expressamente o princípio da presunção de inocência, declarando: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Dimana desse postulado não ser possível, durante a marcha do processo, inclusive na fase de tramitação de qualquer recurso, impor ao réu medida privativa de liberdade que represente antecipação de pena, só sendo aceitável restrição decorrente de prisão com natureza cautelar.

Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já está firmada nesse sentido.

O Supremo Tribunal Federal definiu em fevereiro de 2009 seu entendimento, que consta no informativo n.° 534 do tribunal[164]:

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. Tratava-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, ao fundamento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367, 371 e 501. Salientou-se, de início, que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não há óbice à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo, deveria ser revista. Esclareceu-se que os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Asseverou-se que, quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado. Aduziu-se que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5º, LVII, da CF, estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia. HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)

Esse posicionamento foi adotado também pelo Superior Tribunal de Justiça, se não vejamos[165]:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. APELAR EM LIBERDADE. PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE. DECISÃO DO PLENÁRIO DO STF. EXCEÇÃO. CUSTÓDIA CAUTELAR. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. ORDEM PÚBLICA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, "ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP" (Informativo 534). 2. Inexiste constrangimento ilegal quando devidamente fundamentada a custódia cautelar no art. 312 do CPP, reconhecidas circunstâncias desfavoráveis, tais como envolvimento da família na criminalidade, condenações transitadas em julgado por crimes graves e reiteração criminosa. 3. Ordem denegada. (HC 100.405/MS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 03/11/2009)

Portanto, terminando a análise do Projeto de Lei n.° 150/2006, concluímos pela inconstitucionalidade do dispositivo supra, em concordância com a doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, mas consideramos a iniciativa legislativa positiva, no sentido que sana dúvidas e implementa melhorias para o combate ao crime organizado.

O segundo Projeto de Lei objeto de análise do presente trabalho é o de n.° 247 de 2005, de autoria do Senador Pedro Simon, que dispõe sobre a proteção dos colaboradores para o combate ao crime organizado.

Como exposto pelo Senador, o projeto já havia sido apresentado anteriormente na casa, o Projeto de Lei do Senado n.° 188/97, no entanto, não prosperou.  

O objetivo do projeto é claro, a regulamentação da proteção aos colabores da justiça no combate ao crime organizado, nesse sentido, a justificação[166]:

A regulamentação dessa colaboração e os modos de dar-se proteção a estas pessoas têm origem na legislação italiana que, a partir do início dos anos 80, estendeu, progressivamente, estas normas dos delitos de terrorismo para os da máfia e, posteriormente, para a legislação comum. No Brasil, não existe qualquer previsão legal quanto à matéria, daí o socorro ao direito comparado.

Já de inicio nos vem em mente potencial conflito entre o projeto e a Lei n° 9.807/99, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

Esse potencial conflito se explica pela análise da justificativa apresentada pelo Senador Pedro Simon, percebemos que a redação do projeto se deu em um momento anterior à redação da vigente Lei n.° 9.807/99, “No Brasil, não existe qualquer previsão legal quanto à matéria, daí o socorro ao direito comparado”[167].

Deixado de lado o aspecto relativo à regulamentação da matéria pela Lei n.° 9.807/99, observamos a redação do art. 1° do projeto e nos deparamos com o seguinte problema, uma restrição quanto à utilização dos institutos previstos, se não vejamos[168]:

Art. 1º Esta lei trata das medidas a serem adotadas para assegurar a proteção e a incolumidade daqueles que estão expostos a grave e atual perigo, em decorrência de sua colaboração ou de declarações prestadas em inquérito policial ou processo penal relativos aos crimes contra a administração pública.

Portanto, apesar de pretender proteger aqueles que colaboram com o combate ao crime organizado, o projeto falha ao restringir a aplicação de seus institutos às hipóteses em que o delito cometido atentar contra a administração pública, ou seja, só é possível proteger a testemunha, vítima ou colaborador quando a organização criminosa dedicar-se ao cometimento de um dos delitos previstos no título XI da parte especial do Código Penal.

Pelo fato de a matéria já estar devidamente regulamentada pela Lei n.° 9.807/99, e por restringir a proteção da testemunha, vítima e colaborador do combate ao crime organizado, nos parece que o Projeto de Lei n.° 247 de 2005 não tem nada a adicionar ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo dispensável sua apreciação pelo parlamento.


5 MEIOS DE INVESTIGAÇÃO E PRODUÇÃO DE PROVA NA LEI N.° 9.034/95

Resolvida a questão do conceito de organização criminosa, delimitado o alcance de aplicação da Lei n.° 9.034/95, podemos tratar de seu conteúdo, dos institutos que trouxe ao ordenamento brasileiro para viabilizar o combate ao crime organizado. 

Como disse o então Deputado Miro Teixeira, na ocasião do despacho para sanção do projeto de lei n.° 3.516/89, a lei veio para “resgatar, ainda que um pouco, esta cidadania que vem deixando de pertencer aos cidadãos e que vem, à rigor, protegendo somente criminosos.”.

Tal afirmação não é absurda, pois, como constatamos nos capítulos anteriores, historicamente as organizações criminosas eram intocáveis em sua estrutura, até o advento de um fenômeno legislativo que permitisse aos órgãos repressivos do Estado uma atuação eficaz contra suas ações criminosas. Se pensarmos bem, não poderia ser diferente, no Estado Democrático de Direito, o Jus Puniendi é controlado, indiretamente, pelo povo, já que limitado pelo alcance da lei, que por sua vez, é construída pelos representantes do povo, eleitos democraticamente. Em resumo, a ampliação do poder de punir do Estado está sempre condicionado à inovação legislativa, logo, existe sempre um período de incapacidade de combate entre a inovação criminosa e a legislativa. A trajetória das organizações criminosas brasileiras não poderia ser diferente, suas estruturas complexas só lhe serviram de escudo contra o poder do Estado até o advento da Lei n.° 9.034/95, que contém os institutos capazes de ir além e alcançar a criminalidade organizada dentro de sua armadura.

Nesse mesmo sentido é a lição de Antonio Scarance[169]:

É essencial para a sobrevivência da organização criminosa que ela impeça a descoberta dos crimes que pratica e dos membros que a compõe, principalmente de seus líderes. Por isso ela atua de modo a evitar o encontro de fontes de prova de seus crimes: faz com que desapareçam os instrumentos utilizados para cometê-los e com que prevaleça a lei do silêncio entre os seus componentes; intimida testemunhas; rastreia por meio de tecnologias avançadas os locais onde se reúnem os seus membros para evitar interceptações ambientais; usa telefones e celulares de modo a dificultar a interceptação, preferindo conversar por meio de dialetos ou línguas menos conhecidas. Por isso, os Estados viram-se na contingência de criar mecanismos especiais para descobrir as fontes de provas, de conservá-las e de permitir produção diferenciada da prova para proteger vítimas, testemunhas, colaboradores.

Como conclui Antonio Scarance, o único modo de se combater o crime organizado é pela inovação, pela adoção de técnicas capazes de driblar o modo organizacional criminoso e atingir seu âmago.

A Lei n.° 9034/95[170] em seu artigo primeiro declara, de pronto, que o objetivo da norma é regular e definir os meios de obtenção de prova e de investigação quando a prática do ilícito decorrer da ação de quadrilha, bando ou organização criminosa, é, portanto, o principal diploma utilizado no combate ao crime organizado pois visa, pela adoção de institutos diferenciados, possibilitar a investigação e o processamento das organizações criminosas.

Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Como já explanado a persecução penal no sistema processual brasileiro se dá em duas fases, uma administrativa, em que o Estado-Administração investiga a existência material de um delito, e identifica os possíveis autores do delito, e uma judicial em que o Estado-Juiz julga a acusação para ver aplicada a lei penal.

Ocorre que no decorrer da investigação criminal são encontrados e coletados indícios do crime e produzidas provas para a formação do convencimento do Promotor Público a fim de subsidiar a denúncia. Esses elementos coletados só adquirem valor probatório capaz de formar o convencimento do magistrado, e fundamentar a sentença penal, se confirmados sob o crivo do contraditório, no decorrer da instrução criminal.

Essa é a prescrição do art. 155 do Código de Processo Penal[171], com redação conferida pela Lei n.° 11.690 de 2008:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

A interpretação desse dispositivo pode ser extraída da análise do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça[172]:

Processual penal. Habeas corpus. Tráfico de substância entorpecente.

Prova colhida na fase inquisitorial. Ratificação em juízo.

Regularidade. Depoimento de policiais. Meio probatório válido. Ordem denegada.

1. Não há irregularidade se os depoimentos colhidos no curso do inquérito policial foram ratificados na fase judicial, em respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal 2. O depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório, e em harmonia com os demais elementos de prova.

3. Ordem denegada.

(HC 123.293/MS, rel. Ministro  Arnaldo Esteves Lima, quinta turma, julgado em 20/10/2009, DJE 16/11/2009)

Superada, portanto, qualquer confusão sobre a produção da prova e a investigação criminal passaremos à análise dos institutos da Lei n.° 9.034/95.

5.1 A AÇÃO CONTROLADA

O art. 301 do Código de Processo Penal torna obrigatória, para a autoridade policial e seus agentes, a prisão em flagrante do elemento que se acha em estado de flagrância. Isso importa em dizer que não há qualquer margem de discricionariedade quanto ao momento de efetivação da prisão, quando da ocorrência do delito.

O referido princípio desempenha papel de suma importância vez que contribui para a segurança pública criando obrigação para todo agente policial, seja das polícias militares, civis ou federais.

Ocorre que, como vimos anteriormente no presente trabalho, uma das características principais das organizações criminosas é a adaptabilidade, ou seja, a capacidade de reagir à iniciativa do Estado e adaptar-se, com o objetivo de garantir sua impunidade. Para tanto, as organizações criminosas desenvolvem mecanismos complexos para ocultar os membros de médio e alto escalão de suas organizações, blindando-os da persecução Estatal.

Nesse sentido é a lição de Mário Sérgio Sobrinho[173]:

Empregar a ação controlada permite minimizar a utilidade do segredo, característica que reina entre os membros dessas organizações, bem como atingir mais facilmente os dirigentes das atividades ilícitas praticadas por elas, os quais procuram se afastar sistematicamente, da execução das atividades mais rotineiras e visíveis relacionadas com a prática do crime.

É por essa razão que a maioria absoluta da doutrina entende que a ação controlada é medida estratégia no combate ao crime organizado, pois permite que a autoridade policial monitore a ação dos integrantes da organização sem expor a maiores riscos nem a sociedade, nem os agentes policiais.

Na linguagem popular tal estratégia pode ser ilustrada pelo ditado, basta dar corta para se enforcar, ou seja, na ação controlada não há intervenção policial, há observação e coleta de informações para que se determine qual o momento mais propício para a prisão em flagrante dos envolvidos.

Vale destacar que a prisão em flagrante efetuada mediante a ação controlada tem grandes chances de se tratar da modalidade de prisão em flagrante denominado flagrante impróprio, previsto no art. 302, inc. III do Código de Processo Penal, já que os indivíduos serão perseguidos após a prática delituosa, sem, no entanto, ter consciência disto.

A Lei n.° 9.034/95, atendendo a seu objetivo de combate ao crime organizado inovou a investigação criminal, permitindo que os agentes do Estado utilizem-se de uma técnica de difícil detecção e altamente eficaz no combate ao crime organizado, a ação controlada.

A redação do art. 2°, inc. II da Lei n.° 9.034/95 é a seguinte[174]:

II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;

Portanto, a partir da edição da Lei n.° 9.034/95, conferiu-se ao policial "discricionariedade para, presenciando a prática de uma infração penal, em vez de efetuar a prisão em flagrante, aguardar um momento mais propício e mais eficaz do ponto de vista da formação da prova e do fornecimento de informações"[175].

Mário Sérgio Sobrinho[176] destaca que uma das principais características da ação controlada é a vigilância que deve ser instaurada pela equipe policial. O acompanhamento do desenrolar da atividade criminosa é vital para o sucesso da operação, sob pena de se permitir a fuga e desaparecimento de indivíduos que já cometeram um delito. Para o autor a ação controlada "faculta ao Estado identificar testemunhas, encontrar documentos ou apreender coisas que poderão servir para formar a convicção acerca da autoria e materialidade da prática de crime"[177].

Quanto à necessidade de autorização judicial para que a autoridade policial e seus agentes procedam ao retardo do flagrante, Gustavo Octaviano[178] observa que é contrária à tendência mundial a iniciativa legislativa brasileira, já que:

Diversamente de outros países, não há necessidade de autorização judicial prévia, sendo somente dois os requisitos para que tome efeito a ação controlada: 1) existência de crime em andamento praticado por organização criminosa; 2) observação e acompanhamento por parte do agente policial para que a medida legal se efetive no melhor momento para a produção probatória.

O posicionamento jurisprudencial a respeito dos requisitos para a efetivação da ação controlada é tranqüilo, como se extrai da leitura da ementa do julgamento de um Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça[179]:

AÇÃO POLICIAL CONTROLADA. MP. Pretende-se afastar, por falta de prévia manifestação do MP, a decisão que deferiu a busca e apreensão em sede de investigação requerida pela autoridade policial, bem como reconhecer a ilegalidade do ato praticado pela polícia, que “acompanhou” o veículo utilizado para o transporte de quase meia tonelada de cocaína, retardando a abordagem. Quanto ao primeiro tema, vê-se que não há dispositivo legal a determinar obrigatoriamente que aquela medida seja precedida da anuência do membro do Parquet. Ademais, a preterição de vista ao MP deu-se em razão da urgência da medida, bem como da ausência, naquele momento, do representante do MP designado para atuar na vara em questão. Já quanto à segunda questão, a ação policial controlada (art. 2º, II, da Lei n. 9.034/1995) não se condiciona à prévia permissão da autoridade judiciária, o que legitima o policial a retardar sua atuação com o fim de buscar o momento mais eficaz para a formação de provas e fornecimento de informações. HC 119.205-MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 29/9/2009.

Eduardo Araújo da Silva alerta para a possibilidade de a autoridade policial, por não ter de requerer autorização para proceder com a ação controlada ao Magistrado, afastando-se assim possível manifestação do membro do Ministério Público, acabar por violar, no curso da ação, "a intimidade e a privacidade dos cidadãos investigados"[180]. A advertência é válida, porém, acreditamos que a autoridade policial e seus agentes possuem, devido à sua formação e experiência profissional, o discernimento necessário para que tais infortúnios não se concretizem.

Nucci faz ressalva importante quanto ao alcance do instituto, pois como o princípio que rege a prisão em flagrante é o da obrigatoriedade, para a autoridade policial e seus agentes, portanto, por ausência de previsão legal:

Cremos ser a (ação de organização criminosa) única hipótese possível de ação controlada (flagrante retardado), não valendo o mesmo para o cenário das infrações cometidas por quadrilha ou bando ou outra forma de associação criminosa.

Resta ao agente do Estado, como é sua a discricionariedade para retardar o flagrante, constatar, no caso concreto, se o delito perpetrado se trata de obra de membro de organização criminosa ou da criminalidade comum, não organizada.

Daí a importância da interação do presente instituto com o da infiltração de agente de polícia ou inteligência a ser analisado em parte seguinte do trabalho, pois, caso já exista na organização criminosa investigada um agente infiltrado, ele será capaz de identificar, com alto grau de acerto, primeiro, se a ação é mesmo fruto da organização, segundo, se o retardamento do flagrante é justificado, tendo em vista o alto risco e perigo que cercam essa modalidade de obtenção de prova.

Abel Fernandes Gomes[181] traz à discussão a questão mais delicada quando se trata de ação controlada, o descontrole, quando, por razões alheias ao controle da autoridade policial e seus agentes, ou por uma falha evitável, a vigilância falha e os integrantes fogem ou a consumação do delito se dá em escala muito superior à aceitável.

No primeiro caso, como destaca o autor, nenhuma conseqüência restará aos agentes, pois, no caso de a falha ocorrer por motivo imprevisível e inevitável, afasta-se a antijuridicidade por tratar-se de infortúnio.

No entanto, se houve uma falha de protocolo ou um descuido evitável por parte dos agentes do Estado, resultando em um agravamento do delito ou na impunidade de seus perpetradores, nesse caso a autoridade e seus agentes, por terem o dever jurídico de evitar o resultado danoso advindo da operação que vigiam, responderão pelo resultado do delito na modalidade culposa, em razão da hipótese de participação omissiva imprópria, prevista no art. 13, §2° do Código Penal.

Sobre os crimes omissivos impróprios observa Bitencourt que, "o dever de agir é para evitar um resultado concreto. O agente deve agir com a finalidade de impedir a ocorrência de determinado evento"[182], no caso, a autoridade policial e seus agentes tem o dever de agir para evitar a perda do controle sobre a operação, quando falham por razões de desídia, acabam por participar omissivamente do cometimento do delito.

Nesse sentido vale a lição de Damásio de Jesus[183]:

O art. 13, §2°, regulamentando a relação de causalidade normativa nos delitos comissivos por omissão (ou omissivos impróprios) e, assim, adotando a teoria da omissão normativa, determina que a omissão é penalmente quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Mendroni também sustenta a mesma tese de Abel Gomes, pois afirma que "uma coisa é o controle da atuação - permitindo-se a prática de crimes como agente passivo ou expectador", outra totalmente diferente seria o descuido policial, por desídia, o que acarreta a responsabilidade penal, civil e administrativa do agente.

5.2 O ACESSO A DADOS SIGILOSOS

As primeiras declarações de direitos, por tratarem-se de documentos redigidos em um momento histórico em que a tecnologia pouco contribuía para a divulgação em massa de informações pessoais de indivíduos, não dispensaram o devido tratamento à guarda da intimidade e à proteção de informações sigilosas contra a devassa da vida íntima. Celso Ribeiro Bastos[184] atribui aos franceses, no início do século XX, a autoria das primeiras normas protetivas da intimidade.

Nucci destaca que a proteção conferida à intimidade pelo art. 5°, inc. X da Constituição Federal, como a proteção dispensada a todo direito fundamental, não é absoluta. Ou seja, a intimidade do cidadão não se encontra blindada contra qualquer interferência Estatal, muito pelo contrário, se presente um justo motivo o Estado pode "bisbilhotar a esfera íntima do cidadão"[185].

Esse justo motivo é o que obriga a análise judicial do pedido de acesso a dados sigilosos. De um lado, não pode o criminoso utilizar-se do direito à proteção da intimidade como "um manto protetor"[186], nem pode a sociedade ser vigiada por um grande irmão, como aquele de Orwell.

É para garantir que ninguém possa se esconder sob o manto de seus direitos que o inc. III do art. 2°, da Lei n.° 9.034/95 inovou a ordem jurídica com a seguinte redação[187]:

Art. 2° Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

A quebra do sigilo, da proteção à intimidade, é medida salutar na luta contra a criminalidade organizada, pois, assim como a ação controlada, goza de certa imprevisibilidade e é de difícil, se não impossível detecção. Como explicamos nos capítulos anteriores, um alto grau de organização e hierarquia protege a criminalidade organizada, imunizando-a contra as ações policiais comuns, razão pela qual deve o legislador inovar, permitindo que a investigação criminal seja algo eficaz, na medida em que permite à autoridade policial e seus agentes conhecer a organização em profundidade, com o menor risco possível.

É por isso que o inciso III do art. 2° da Lei n.° 9.034/95 permite que, com a devida autorização judicial, o Estado, quando investiga práticas criminosas perpetradas por quadrilha ou bando, organizações criminosas e associações criminosas de qualquer tipo quebre o sigilo de indiciados ou acusados para, segundo Nucci[188]:

Buscar dados (ex.: contras telefônicas, especificando as ligações feitas nos últimos meses), documentos (qualquer base material que contenha o registro de fatos, como, por exemplo, a nota fiscal emitida por uma empresa, alienando produtos a terceiros) e informações fiscais (dados relativos à renda da pessoa física ou jurídica), bancárias (dados concernentes a contas mantidas em bancos e sua respectiva movimentação), financeiras (dados ligados à aplicações no mercado financeiro) e eleitorais (cadastro do eleitor constante no Tribunal Regional Eleitoral, como endereço).

Devemos manter em mente que uma das principais preocupações da organização criminosa é a lavagem de capitais, a reinserção dos ativos adquiridos ilegalmente no mercado legal, para que possa ser livremente usufruído. Por isso que determinadas informações que aparentemente não importam, como o cadastro de eleitor de determinada pessoa, tornam-se cruciais para a investigação e combate ao crime organizado, pois grande parte da organização teve funcionar de acordo com a lei, desempenhando papéis sociais responsáveis com o objetivo final de fazer a transição para a legalidade dos ativos adquiridos com o cometimento de delitos.

Sobre os requisitos para a autorização judicial necessária à quebra dos sigilo dos dados, Antonio Scarance Fernandes faz a seguinte observação[189]:

Como a quebra proporciona acesso a dados mediante restrição à inviolabilidade constitucional, a da vida privada, ela depende de expressa autorização legislativa, a qual deve: a) explicitar as hipóteses possíveis de acesso; b) arrolar as pessoas ou entidades que têm direito ao acesso; c) prever os órgãos competentes para autorizar o acesso.

O mesmo autor contempla as conseqüências quando do não atendimento dos requisitos do acesso aos dados sigilosos, e a interpretação que deve ser conferida à norma, em caso de dúvidas sobre sua amplitude[190]:

Por outro lado, duas premissas importantes derivam do estabelecimento desses contornos legislativos: o acesso fora dos limites delineados pela lei constitui violação do direito do sigilo; b) em caso de dúvida sobre a possibilidade de acesso, a interpretação da norma autorizadora deve ser restritiva, nunca ampliativa.

No mesmo sentido é a lição de Silva[191]:

Tratando-se de medida que toca os direitos fundamentais, a quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro  deverá ser precedida de motivada autorização judicial  (art. 93, inc. IX, da Constituição da República), devendo o juiz, após concluir pela viabilidade da medida e por sua necessidade ante as circunstâncias do caso concreto, especificar seu alcance: quais pessoas serão atingidas pela quebra do sigilo, quais contas ou aplicações financeiras serão violadas, quais instituições financeiras deverão fornecer as informações e sobre qual período recairá a violação.

A definição de sigilo bancário, "a obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional"[192], utilizada pela doutrina pode ser obtida da obra de Sérgio Carlos Covello, e serve para se adquirir uma perspectiva do panorama de informações que podem ser utilizadas na investigação e combate às organizações criminosas, que, apesar da advertência de Eduardo Araújo da Silva no sentido de que os "vultuosos ganhos ilícitos (do crime organizado) acabam por desaguar em diversas contas bancárias e aplicações financeiras, geralmente localizadas em paraísos fiscais"[193], é válida a iniciativa de se descobrir a profundidade do entranhamento do capital criminoso no sistema financeiro.

Carlos Marchi[194] critica a redação da Lei n.° 9.034/95, quanto à quebra de sigilos, pois, como demonstra, é redundante em alguns pontos. A mesma observação é feita por Abel Fernandes Gomes, que cita Carlos Marchi para afirmar a redundância do dispositivo.

O Código Tributário Nacional, contém, em seu art. 198, §1°, inc. I, a autorização para a divulgação de "informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades"[195], mediante requisição da autoridade judiciária, para que se atenda ao interesse da justiça.

O Código Eleitoral, por previsão dos "arts. 45, §6°, e 371, não consideram sigilosas informações relativas ao alistamento, à filiação, às campanhas eleitorais e às finanças partidárias."[196]

5.3 A INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL

A captação de sinais ambientais fora incluída no rol dos meios de investigação e prova previstos na Lei n.° 9.034/95 em 2001, por força da Lei n.° 10.217/01.

A redação do art. 2°, inc. IV é a seguinte[197]:

Art. 2° Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:  

IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;

Eduardo Araújo da Silva[198] na introdução ao estudo do presente instituto indica que a interceptação ambiental é meio de combate ao crime organizado empregado por diversos países, "Itália, França, Alemanha e Estados Unidos"[199] e tem sua efetividade comprovada, vez que já possibilitou a prisão de grandes lideres mafiosos como Salvatore "Toto" Riina, da região da Sicília e o líder máximo da Tríade Chinesa na Europa em 1995.

A vigilância eletrônica, como é conhecida a interceptação ambiental nos meios policiais, não confunde-se com a interceptação telefônica, medida que também é utilizada no combate ao crime, no entanto encontra regulação em outro diploma legal, a Lei n.° 9.296/96.

Gustavo Octaviano cita Eduardo Araújo para esclarecer quais condutas englobam a interceptação ambiental, a lição é no sentido de que[200]:

Pelo texto legal, poderão os agentes da polícia, mediante prévia autorização judicial, instalar aparelhos de gravação de som e imagem em ambientes fechados (residências, locais de trabalho, estabelecimentos prisionais, etc.) ou abertos (ruas, praças, jardins públicos etc.), com a finalidade de gravar não apenas os diálogos travados entre os investigados (sinais acústicos), mas também de filmar as condutas por eles desenvolvidas (sinais ópticos). Ainda poderão os policiais registrar sinais emitidos pelos aparelhos de comunicação, como rádios transmissores (sinais eletromagnéticos), que tecnicamente não se enquadram no conceito de comunicação telefônica, informática ou telemática.

Por tratar-se de exceção ao direito à intimidade, assim como o acesso a dados sigilosos, previsto no inciso III do mesmo artigo, a interceptação de sinais ambientais somente pode ocorrer mediante circunstanciada autorização judicial.

Nesse sentido é a lição de Nucci[201], que destaca ser obrigatória a autorização judicial para a medida de interceptação ambiental, uma vez que pode ocorrer dentro de ambientes privados, o que importaria em grave violação da intimidade e conseqüente ilegalidade da prova.

Gustavo Octaviano[202] destaca que os requisitos da autorização judicial são: indicação dos sujeitos que serão alvo da interceptação, o local onde será realizada, a finalidade da medida (que será sempre, indiretamente, o combate a quadrilha, bando organização criminosa ou qualquer outra associação criminosa), e o tempo de sua duração, sendo que a jurisprudência ainda não firmou entendimento sobre a limitação temporal para a ação.

Capez[203] faz ressalva quanto à possibilidade de se aceitar como prova lícita a interceptação ambiental realizada sem a devida autorização judicial. Sua tese gira em torno do princípio da proporcionalidade pro societate, e argumenta que em um conflito entre a legalidade do ato e a justiça da condenação judicial baseada na prova produzida ao arrepio da lei, deve prevalecer a justiça, tendo em vista que o bem jurídico protegido pela sentença penal, qual seja, a ordem pública ou a segurança coletiva, é maior que a privacidade do criminoso.

Alexandre de Moraes define o direito à intimidade como forma de proteção constitucional da vida privada, "salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas"[204], portanto, para se justificar sua invasão seria necessária a autorização judicial, ou, no caso concreto, a análise da proporcionalidade entre os bens jurídicos, como afirma Capez.

Contrapondo-se à argumentação de Capez, Mário Sérgio Sobrinho[205] define o instituto como inconstitucional, por ter ampliado o texto constitucional, que, a seu entender, só permite a interceptação telefônica mediante ordem judicial, para fins de investigação criminal, como prevê o art. 5°, inc. XII da Constituição Federal. A continuidade da crítica se dá no afastamento da aplicação do princípio proporcionalidade, por não haver no Brasil definição legal de organização criminosa. Como demonstramos anteriormente esse ponto não pode ser alegado, tendo em vista a internalização da convenção de Palermo pelo Decreto n.° 5.015/04.

Ora, conforme a lição de Alexandre de Moraes, entendemos que o argumento de Mário Sérgio Sobrinho resta prejudicado pois, como ensina o constitucionalista, "apesar da exceção constitucional expressa referir-se somente à interceptação telefônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é absoluta"[206], portanto, não há de se falar em inconstitucionalidade da interceptação ambiental, nem pelo primeiro, nem pelo segundo argumento apresentado por Mário Sérgio Sobrinho.

5.4 A INFILTRAÇÃO DE AGENTES ESPECIALIZADOS

A origem histórica da infiltração de agente de inteligência para a colheita de informações e provas remonta ao final do século XVI, início do XVII, no reinado absolutista de Luís XVI, quando cidadãos recebiam favores do Rei por descobrir quais eram os inimigos do Estado que transitavam no seio da sociedade[207]

Para Mário Sobrinho[208] a infiltração de agentes "é técnica trazida dos conceitos de espionagem e contra-espionagem para o processo penal."

Com a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional por meio do Decreto n.° 5.015/04, o Brasil assumiu, segundo Gustavo Octaviano[209], o compromisso de, para melhor combater o crime organizado, utilizar-se do instituto da infiltração de agentes do Estado.

A redação do art. 20, ponto 1 da Convenção promulgada pelo do Decreto supracitado esclarece qualquer dúvida quanto à legitimidade do instituto[210]:

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

No Brasil, o instituto foi introduzido pela Lei n.° 9.034/95. No entanto, o texto original do Projeto de Lei n.° 3.516/89, que originou a lei trazia um procedimento de investigação e formação de provas que fora vetado pelo Presidente da República quando da publicação da lei, a redação original era a seguinte[211]:

Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas são permitidos, além dos já previstos na lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

I - a infiltração de agentes da polícia especializada em quadrilhas ou bandos, vedada qualquer coparticipação delituosa, exceção feita ao disposto no art. 288 do Decreto-Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, de cuja ação se preexclui, no caso, a antijuridicidade;

O parecer do Ministério da Justiça indicou que o instituto contraria o interesse público, por permitir a infiltração policial na organização criminosa independentemente da autorização do Poder Judiciário, o veto foi no seguinte sentido[212]:

O inciso I do art. 2°, nos termos em que foi aprovado contraria o interesse público, uma vez que permite que o agente policial, independentemente de autorização do Poder Judiciário, se infiltre em quadrilhas ou bandos para a investigação de crime organizado.

(...) Além do mais, deve-se salientar que o dispositivo em exame concede expressa autorização legal para que o agente infiltrado cometa crime, preexcluída, no caso, a antijuridicidade, o que afronta os princípios adotados pela sistemática do Código Penal.

Pode-se facilmente compreender a razão no veto. O potencial danoso da infiltração policial sem a devida autorização judicial é enorme, pois tornaria a fiscalização dessas ações praticamente impossíveis, deixando-se de garantir, também, os direitos dos investigados, expondo as provas produzidas a risco de contaminação por ilegalidade.

No entanto a validade e importância da infiltração policial para o combate ao crime organizado foi reconhecida pelo legislador em um segundo momento temporal, na edição da Lei n.° 10.217 de 11 de abril de 2001, que alterou a Lei n.° 9.034/95, incluindo no art. 2°, que trata dos meios de investigação e obtenção de prova, o inciso V, com a seguinte redação[213]:

V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Assim, o equívoco, flagrantemente contrário ao interesse público, como constatou o veto presidencial, constante na redação original da Lei n.° 9.034/95 foi sanado, sendo admitida na ordem jurídica a infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, uma vez conferida a competente autorização judicial.

A redação atual do inciso V Lei n.° 9.034/95 é a seguinte:

Art. 2° Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

 V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

De acordo com a redação atual da Lei é necessária prévia e fundamentada autorização judicial para que se empregue a infiltração de agente do Estado como meio de investigação e produção de prova no combate ao crime organizado. Fernando Capez[214] adverte que a infiltração de agente realizada sem a devida autorização judicial pode constituir abuso de autoridade. Para nós é difícil admitir tal afirmativa vez que só se admite falar em crime de abuso de autoridade se a conduta típica estiver descrita nos artigos 3° e 4° da Lei n.° 4.898/65, o que não visualizamos.

A lição de Gustavo Octaviano[215], é no sentido de se exigir do juiz uma autorização detalhada para a infiltração, nos moldes da previsão da Lei das Interceptações Telefônicas:

Em verdade, ao determinar que a autorização seja circunstanciada, deve o magistrado indicar os motivos pelos quais defere a infiltração policial. Da mesma forma, deve indicar as circunstâncias em que se desenvolverá tal infiltração, vale dizer: em qual grupo criminoso será feita a infiltração, por quanto tempo perdurará a infiltração, qual a extensão territorial da atividade desenvolvida pelo agente infiltrado, entre outras medidas.

No mesmo sentido é o entendimento de Eduardo Araujo[216]:

A lei nacional não disciplinou um procedimento próprio para seu processamento (infiltração de agente), assim como não previu quais os requisitos para o seu deferimento, quem tem legitimidade para requerê-la, se o juiz pode determiná-la de ofício ou não, por quanto tempo pode perdurar, se é possível sua renovação, se as informações obtidas pelo policial devem ser relatadas ao juiz e como se dá a participação do Ministério Público.

O autor propõe como solução à lacuna legislativa que se aplique, no que couber, o previsto na Lei n.° 9.296/96, que versa sobre a interceptação telefônica.

Mário Sobrinho[217] também reputa como adequada a aplicação dos requisitos da Lei n.° 9.296/96 para o deferimento da infiltração de agentes em organizações criminosas.

Eduardo da Silva[218] explica que a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência apresenta três características:

Dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções; o engano, posto que toda a operação de infiltração apóia-se numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e, finalmente, a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.

A dissimulação é uma das características que, segundo Mendroni, garante que o agente infiltrado não seja caracterizado como integrante da organização, sendo, portanto, desnecessário afirmar que o agente infiltrado goza de exclusão da antijuridicidade de sua conduta, já que serve ao combate ao crime organizado, e não à sua proliferação.

As vantagens decorrentes da infiltração do agente na organização criminosa são significativas e, segundo a maior parte da doutrina, justificam essa operação de alto risco, especialmente no que toca à segurança pessoal do agente. Marchi[219] observa grande utilidade na infiltração, destacando que trata-se de uma das principais técnicas utilizadas pelo judiciário norte-americano no combate às organizações criminosas.

Dentre os benefícios da infiltração policial como técnica de investigação e obtenção de prova no combate ao crime organizado Mendroni destaca a possibilidade de se descobrir "o modus operandi, nomes - principalmente dos 'cabeças' da organização, nomes de testas de 'ferro', bens, planos de execução de crimes, agentes públicos envolvidos, nomes de empresas e outros mecanismos utilizados para a lavagem de dinheiro, etc."[220].

Mendroni também faz observação muito relevante quanto à interação entre os institutos da a ação controlada e da infiltração policial. Como já analisado no presente trabalho fator decisivo para que a ação controlada seja bem sucedida é a qualidade da informação que guia o adiamento da prisão ou apreensão. Daí se falar em interação entre a infiltração e a ação controlada. Se o agente infiltrado tem acesso à informação de qualidade pode orientar seus colegas para que realizem operações de maneira a atingir o maior número possível de criminosos. Nesse sentido é a observação de Mendroni[221], "os dois institutos, ação controlada e infiltração de agentes devem coexistir harmoniosamente, pois o sucesso do mecanismo, tal como uma engrenagem faz um do outro depender."

Como se depreende da leitura do texto legal, e como observa a totalidade da doutrina, a Lei n.° 9.034/95 "não dispôs a respeito dos limites que deverão ser observados pelo agente policial quando da infiltração autorizada judicialmente"[222].

No desenrolar do presente trabalho constatamos que as atividades desempenhadas pelas organizações criminosas são as mais diversas, indo do tráfico de artigos pornográficos ao homicídio por grupos de extermínio.

Com isso em mente é fácil compreender a preocupação do legislador quando permite que o agente se infiltre em organização criminosa que sabe ser capaz de perpetrar um sem número de delitos, ao começar pelos ritos iniciais.

Mas se a lei admite a infiltração do agente, e espera que ele forneça informações vitais para o desmantelamento da organização, como lidar com os delitos que ele será obrigado a cometer, até mesmo sob a mira de uma arma?

Fernando Capez entende que "ao agente infiltrado, fica a ressalva de que este, em hipótese alguma, poderá cometer algum delito, sob o argumento de conveniência ou necessidade da investigação"[223].

Mendroni[224], por outro lado, considera que o dilema enfrentado pelo agente infiltrado pode ser resolvido pela doutrina alemã intitulada Princípio da Proporcionalidade Constitucional. Segundo essa doutrina, já adotada pela jurisprudência nacional, quando o operador do Direito se depara com um conflito entre princípios fundamentais deve fazer prevalecer aquele que detém maior peso, ou seja, maior relevância constitucional.

Nesse caso, como destaca o autor, "nada poderia justificar o sacrifício de uma vida em favor da infiltração do agente e este deverá utilizar de todas as suas habilidades para impedi-lo"[225].

Por fim, a doutrina do Princípio da Proporcionalidade Constitucional pode ser resumida, no caso da infiltração de agente de inteligência ao seguinte enunciado[226]:

O agente infiltrado poderá até praticar condutas típicas (que não são crimes porquanto não sejam antijurídicas), desde que não atentem contra um direito constitucional sobrevalente.

Um comentário final deve ser tecido em relação à atuação do agente infiltrado, o entrapment defense ou, em português, a alegação de armadilha.

No Direito americano entrapment ocorre quando um agente policial age no sentido de induzir uma pessoa a cometer um crime que, caso o agente não agisse, não ocorreria.

No Brasil o Supremo Tribunal Federal editou súmula de n.° 145 tratando do flagrante provocado ou preparado, situação em que o agente é instigado a cometer o delito, sem saber que está sob vigilância policial, o que afasta a existência de delito por tratar-se de crime impossível:

Súmula 145: não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Isabel Oneto, autor português, define agente infiltrado como o agente, no nosso caso policial ou de inteligência, que, "no âmbito da prevenção ou repressão criminal, e com o fim de obter provas incriminatórias sobre determinadas atividades criminosas, oculta a sua identidade e qualidade, podendo praticar fatos típicos sem, contudo, os poder determinar" [227].

 Já o agente provocador é aquele que instiga a prática do delito, podendo ou não ser policial.

Nesse mesmo sentido observa Mendroni quando afirma que agente provocador é aquele que participa ofensivamente, estimulando a prática delituosa, ao contrário do agente infiltrado que, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se na organização criminosa com ordens de passivamente analisar a organização, participando de ações criminosas "em conjunto ou em apoio com seus membros somente quando inevitável para que não seja descoberto"[228].

Portanto, após a distinção entre o agente provocador e o infiltrado podemos afastar qualquer pretensão de defesa baseada no entrapment defense, valendo-se da súmula n.° 145 do Supremo Tribunal Federal.

5.5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ INQUISIDOR, ART. 3° DA LEI N.° 9.034-95.

O artigo 3° da Lei n.° 9.034/95 criou, segundo Luiz Flávio Gomes[229], a figura do juiz inquisidor, um magistrado com poderes especiais, capacitado para efetuar pessoalmente diligências, quando houver risco de quebra do sigilo constitucional do indiciado ou acusado.

Nesses termos é a redação da lei:

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.

§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.

§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.

§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

A intenção do legislador era trazer mais segurança à realização de diligência que pudesse violar o sigilo constitucional do indivíduo, seja em relação ao acesso a dados fiscais, bancários, financeiros ou eleitorais.

Ocorre que, ao fazê-lo, o legislador acabou por violar o sistema acusatório pois o envolvimento direto do magistrado nas investigações macula sua imparcialidade, tornando-o ao mesmo tempo investigador e julgador.

Nesse sentido é a lição de Carlos Alberto Marchi de Queiroz[230]:

Esse juiz inquisidor, instituido pela Lei n.° 9.034/95, constitui demasia procedimental que, caso implantado, cairá, por si só, na prática processual penal diária, uma vez que viola, frontalmente, o sistema acusatório puro consagrado pelo artigo 129 da Constituição Federal, que atribui, com exclusividade, a iniciativa da ação penal pública ao parquet, além, e certo, de vir de encontro com a máxima ne procedat judex ex officio.

Frente à essa ofensa da Lei à Constituição Federal a Câmara Criminal do Ministério Público Federal solicitou ao Procurador Geral da República a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, remédio constitucional previsto para se buscar a declaração de inconstitucionalidade de Lei perante o Supremo Tribunal Federal.

A solicitação deu origem à ADIN n.°1570-2, distribuída em 11 de março de 1997, que questiona a incompatibilidade entre o disposto no art. 3° e incisos da Lei n.° 9.034/95 e os artigos 5°, inc. LV, 93, inc. IX e 129, inc. I da Constituição Federal.

Segundo o Procurador Geral da República[231]:

A transformação do Juiz em investigador, com poderes inquisitoriais, além de trazer inovação não prevista na Constituição, segundo a qual compete aos magistrados processar e julgar  e não investigar, também viola cláusula do due process of law (art. 5°, inciso LIV, da Constituição da República) ao comprometer a imprescindível imparcialidade do juiz, pois, conforme nos ensina a experiência, aquele que dá início às investigações e realiza as diligências na busca de provas que incriminem os envolvidos acaba por se ligar psicologicamente aos motivos que deram origem ao procedimento, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente à pretensão de punir os investigados.

Por fim, em 12 de fevereiro de 2004 o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ADIN n.° 1570-2 para declarar a inconstitucionalidade do art. 3° e seus incisos da Lei n° 9.034/95.

O julgamento foi parcialmente procedente pois em 2001 entrou em vigor a Lei Complementar n.° 105/01 que passou a regular especialmente o sigilo de dados bancários e financeiros, o que fez com que a ADIN perdesse o objeto nessa parte, restando ao Supremo Tribunal Federal julgar pela inconstitucionalidade dos demais incisos, que tratam do sigilo dos dados fiscais e eleitorais.

Concluímos, portanto, que a totalidade do dispositivo se encontra afastada da ordem jurídica, parte dele por advento de lei especial, parte por declaração de inconstitucionalidade.


5. CONCLUSÃO

Primeira conclusão: as principais organizações Mafiosas surgiram em um momento histórico em que o Estado e suas instituições passaram por uma transição, seja entre regimes, formas de governo ou de organização social. Nesses determinados momentos históricos a ausência do poder Estatal atuante (como o poder de polícia e o jurisdicional) proporcionou que grupos de oportunistas se organizassem hierarquicamente para a obtenção de poder e lucro por meio da violência. Daí a validade da afirmação que o final do século XVI viu o nascimento de algumas das mais notáveis sociedades secretas criminosas da história: a Máfia, a Garduna, a Camorra, a Ndrangheta, e a Yakuza.

 Cada uma das Máfias analisadas possui características únicas, algumas de caráter social, outras que podem até ser definidas como étnicas, no entanto, todas elas tem muito em comum. De início podemos identificar um mito fundante na história de cada organização. Todas apresentam para a sociedade e para seus membros algum tipo de justificativa nobre para sua existência. Citamos como exemplo a Cosa Nostra, que tem como mito fundante a resistência patriótica contra a invasão espanhola e francesa.

Além de sustentarem essa versão idealizada e deformada da realidade sobre seu surgimento e função social a própria denominação das organizações mafiosas se colore de significados honrosos e bravios, a palavra Ndrangheta, por exemplo, significa heroísmo, virtude, valores que raramente se encontram na mesma frase que práticas como o tráfico de drogas ou a extorsão e o homicídio.

Conclusão n.° 2: a principal característica que diferencia as organizações criminosas de estrutura mafiosa das organizações criminosas não mafiosas é a filosofia organizacional.

A Máfia possui como tecido conjuntivo valores infraculturais, enquanto o crime organizado aplica uma visão empresarial monopolista. Ou seja, enquanto a Máfia valoriza a honra de que se reveste as ações do Capo, por exemplo, o crime organizado prima pela eficiência no gerenciamento das atividades criminais.

Esse elemento organizacional é o melhor critério para a verificação da espécie de estrutura pois, como constatamos, existe pouca, se não nenhuma diferença entre as atividades criminosas desempenhadas pelos grupos, dentre elas o tráfico de entorpecentes, pessoas e armas, o jogo ilícito, a extorsão, o seqüestro, e assim por diante.

Conclusão n.° 3: o crime organizado no Brasil tem um berço, única característica além do tipo de atividade desenvolvida pelos grupos, que pudemos identificar como comum a todas as facções criminosas.

Tudo começou na Ilha Grande, presídio que abrigou presos comuns e políticos entre os anos de 1969 e 1978. Foi um Decreto-Lei que visava a repreensão à guerrilha que propiciou essa desagradável reunião.

O convívio entre agentes da revolução comunista (especializados em terrorismo, assaltos a bancos, táticas de milícia e guerra cultural com formação em Cuba e contatos com a KGB) e criminosos ditos comuns foi o embrião de organizações como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho.

Após uma série de lições apreendidas dos agentes da revolução os primeiros líderes do crime organizado passaram a construir um império de terror e destruição cujos pilares são o tráfico de entorpecentes, a corrupção dos agentes do Estado, a exploração dos jogos ilegais, o furto de veículos e cargas e os desmanches de veículos.

Conclusão n.° 4: tanto a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a ligação entre os bingos e o crime organizado, quanto a CPI que investigou o tráfico de entorpecentes concluiu que a ameaça representada pelas organizações criminosas é muito maior do que se possa imaginar, e isso ocorre principalmente pela incapacidade perceptiva, que discutimos na introdução do presente trabalho, afinal, só aquilo que se conhece profundamente se teme, e, por fim, se combate.

Conclusão n.° 5: quanto ao conceito doutrinário de organização criminosa, barreira legal ao combate dessa ameaça, constatamos que do ponto de vista doutrinário, a melhor maneira de se conceituar organização criminosa é aquela trazida por Schelling, que constata que o crime organizado não é uma empresa, como muitos apontam, mas sim um monopólio, pois seriam aplicáveis adjetivos próprios da atividade monopolizadora para qualificar a atividade desenvolvida pela organização criminosa, ou seja, inescrupulosa, cruel, avarenta, exploradora e sem princípios.

Conclusão n.° 6: o conceito legislativo mais adequado não estaria na Lei n.° 9.034/95, que, conforme argumenta a doutrina majoritária, é vazio, e, portanto, imprestável. A melhor conceituação seria a utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, que permite a aplicação dos institutos previstos na Lei n.° 9034/95 sempre que se constatar, no caso concreto, a atuação de uma organização criminosa, assim compreendida aquela constante no art. 2°, caput, do Decreto n.° 5.015 de 12 de março de 2004, que introduziu na ordem jurídica interna a convenção das nações unidas contra o crime organizado internacional.

Conclusão n.° 7: da análise dos projetos de lei que dizem respeito ao combate ao crime organizado pudemos observar que algumas das iniciativas padecem de inconstitucionalidades como, por exemplo, o Projeto de Emenda à Constituição n.° 43/2003, de autoria do Senador Renan Calheiros, que visa negar ao preso o direito de conhecer os responsáveis por sua prisão, quando se tratar de delito cometido por organização criminosa. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal a expedição da nota de culpa é direito do preso resguardado pela Constituição Federal, que, caso desrespeitado, importa em relaxamento da prisão, razão pela qual a emenda não seria de modo algum benéfica ao sistema processual brasileiro.

A análise dos Projetos de Lei também não foi muito animadora, as iniciativas padeciam de inconstitucionalidades e muitas vezes buscavam implementar institutos já existentes na ordem jurídica. Por fim, concluímos que o futuro do combate ao crime organizado não pode esperar muito dos projetos de leis que tramitam nas casas, o que nos trás, ao mesmo tempo, decepção, por não ver implementadas melhorias e, conseqüentemente um aumento da segurança pública, e uma certa tranqüilidade, por não ter de lidar com os famosos rompantes de velhas inovações, característicos do processo legislativo brasileiro.

Conclusão n.° 6: da análise pormenorizada dos institutos da Lei n.° 9.034/95 pudemos compreender a importância da infiltração de agentes, técnica cuja aplicação pode trazer benefícios muito expressivos ao combate ao crime organizado, mas que, infelizmente, não é suficientemente empregada.

Verificamos a relação de simbiose entre esse instituto e a ação controlada, que tem potencial muito maior do que simplesmente propiciar o adiamento do momento do flagrante, pois, se informações suficientes forem fornecidas pelo agente infiltrado, pode-se permitir um mapeamento total da organização e sua conseqüente implosão.

Em relação à interceptação ambiental, verificamos sua versatilidade e abrangência, e quanto ao acesso a dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais, visualizamos como outros dispositivos legais já regulam a matéria, limitando a aplicação do instituto. Por fim, foi possível analisar os requisitos legais para o desenvolvimento de cada uma das estratégias de investigação e obtenção de prova, o que permite a visualização dos limites de cada instituto e um panorama geral sobre a capacitação do aparato estatal para lidar com uma ameaça crescente e mutante que tende à dominância e destruição.


REFERÊNCIAS

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ANEXOS

1. Lei n.° 9.034/95: Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas128

2. Decreto 5.015/04: Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.131

3. Projeto de Lei n.° 247/2005: Dispõe sobre a proteção aos colaboradores para o combate ao crime organizado

4. Projeto de Lei n.° 150/2006: Dispõe sobre a repressão ao crime organizado e dá outras providências

Presidência da RepúblicaCasa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 9.034, DE 3 DE MAIO DE 1995.

 

Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I

Da Definição de Ação Praticada por Organizações Criminosas e dos Meios Operacionais de Investigação e Prova

        Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.

         Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.(Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

        Art 2º Em qualquer fase de persecução criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas são permitidos, além dos já previstos na lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

        Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

        I - (Vetado).

        II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;

        III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

        IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

        V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

        Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

CAPÍTULO II

Da Preservação do Sigilo Constitucional

        Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. (Vide Adin nº 1.570-2).

        § 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.

        § 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

        § 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.

        § 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.

        § 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

CAPÍTULO III

Das Disposições Gerais

        Art. 4º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão setores e equipes de policiais especializados no combate à ação praticada por organizações criminosas.

        Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.

        Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

        Art. 7º Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.

        "Art. 8° O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que trata esta Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto." (Redação dada pela Lei nº 9.303, de 5.9.1996)

        Art. 9º O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei.

        Art. 10 Os condenados por crime decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado.

        Art. 11 Aplicam-se, no que não forem incompatíveis, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal.

        Art. 12 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

        Art. 13 Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 3 de maio de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOMilton Seligman

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 4.5.1995

  

Presidência da RepúblicaCasa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.

 

Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e

        Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 231, de 29 de maio de 2003, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000;

        Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação junto à Secretaria-Geral da ONU, em 29 de janeiro de 2004;

        Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 29 de setembro de 2003, e entrou em vigor para o Brasil, em 28 de fevereiro de 2004;

        DECRETA:

        Art. 1o  A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

        Art 2o  São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.

        Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 12 de março de 2004; 183o da Independência e 116o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVASamuel Pinheiro Guimarães Neto

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 15.3.2004

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

Artigo 1

Objetivo

O objetivo da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.

Artigo 2

Terminologia

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;

d) "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos;

e) "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime;

f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade competente;

g) "Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra autoridade competente;

h) "Infração principal" - qualquer infração de que derive um produto que possa passar a constituir objeto de uma infração definida no Artigo 6 da presente Convenção;

i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática;

j) "Organização regional de integração econômica" - uma organização constituída por Estados soberanos de uma região determinada, para a qual estes Estados tenham transferido competências nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido devidamente mandatada, em conformidade com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar, aceitar ou aprovar a Convenção ou a ela aderir; as referências aos "Estados Partes" constantes da presente Convenção são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas competências.

Artigo 3

Âmbito de aplicação

1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à prevenção, investigação, instrução e julgamento de:

a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção; e

b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção;

sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado;

2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se:

a) For cometida em mais de um Estado;

b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado;

c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou

d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.

Artigo 4

Proteção da soberania

1. Os Estados Partes cumprirão as suas obrigações decorrentes da presente Convenção no respeito pelos princípios da igualdade soberana e da integridade territorial dos Estados, bem como da não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados.

2. O disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a exercer, em território de outro Estado, jurisdição ou funções que o direito interno desse Estado reserve exclusivamente às suas autoridades.

Artigo 5

Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado

1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente:

a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da atividade criminosa:

i) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício econômico ou outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado;

ii) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em:

a. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado;

b. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida;

b) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.

2. O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o parágrafo 1 do presente Artigo poderão inferir-se de circunstâncias factuais objetivas.

3. Os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações referidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo ao envolvimento de um grupo criminoso organizado diligenciarão no sentido de que o seu direito interno abranja todas as infrações graves que envolvam a participação de grupos criminosos organizados. Estes Estados Partes, assim como os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações definidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo à prática de um ato concertado, informarão deste fato o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção.

Artigo 6

Criminalização da lavagem do produto do crime

1. Cada Estado Parte adotará, em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticada intencionalmente:

a) i) A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses bens são produto do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou ajudar qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às conseqüências jurídicas dos seus atos;

ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos bens são produto do crime;

b) e, sob reserva dos conceitos fundamentais do seu ordenamento jurídico:

i) A aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no momento da recepção, que são produto do crime;

ii) A participação na prática de uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como qualquer forma de associação, acordo, tentativa ou cumplicidade, pela prestação de assistência, ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática.

2. Para efeitos da aplicação do parágrafo 1 do presente Artigo:

a) Cada Estado Parte procurará aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à mais ampla gama possível de infrações principais;

b) Cada Estado Parte considerará como infrações principais todas as infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção, e as infrações enunciadas nos seus Artigos 5, 8 e 23. Os Estados Partes cuja legislação estabeleça uma lista de infrações principais específicas incluirá entre estas, pelo menos, uma gama completa de infrações relacionadas com grupos criminosos organizados;

c) Para efeitos da alínea b), as infrações principais incluirão as infrações cometidas tanto dentro como fora da jurisdição do Estado Parte interessado. No entanto, as infrações cometidas fora da jurisdição de um Estado Parte só constituirão infração principal quando o ato correspondente constitua infração penal à luz do direito interno do Estado em que tenha sido praticado e constitua infração penal à luz do direito interno do Estado Parte que aplique o presente Artigo se o crime aí tivesse sido cometido;

d) Cada Estado Parte fornecerá ao Secretário Geral das Nações Unidas uma cópia ou descrição das suas leis destinadas a dar aplicação ao presente Artigo e de qualquer alteração posterior;

e) Se assim o exigirem os princípios fundamentais do direito interno de um Estado Parte, poderá estabelecer-se que as infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente Artigo não sejam aplicáveis às pessoas que tenham cometido a infração principal;

f) O conhecimento, a intenção ou a motivação, enquanto elementos constitutivos de uma infração enunciada no parágrafo 1 do presente Artigo, poderão inferir-se de circunstâncias fatuais objetivas.

Artigo 7

Medidas para combater a lavagem de dinheiro

1. Cada Estado Parte:

a) Instituirá um regime interno completo de regulamentação e controle dos bancos e instituições financeiras não bancárias e, quando se justifique, de outros organismos especialmente susceptíveis de ser utilizados para a lavagem de dinheiro, dentro dos limites da sua competência, a fim de prevenir e detectar qualquer forma de lavagem de dinheiro, sendo nesse regime enfatizados os requisitos relativos à identificação do cliente, ao registro das operações e à denúncia de operações suspeitas;

b) Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente Convenção, que as autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro.

2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de aplicar medidas viáveis para detectar e vigiar o movimento transfronteiriço de numerário e de títulos negociáveis, no respeito pelas garantias relativas à legítima utilização da informação e sem, por qualquer forma, restringir a circulação de capitais lícitos. Estas medidas poderão incluir a exigência de que os particulares e as entidades comerciais notifiquem as transferências transfronteiriças de quantias elevadas em numerário e títulos negociáveis.

3. Ao instituírem, nos termos do presente Artigo, um regime interno de regulamentação e controle, e sem prejuízo do disposto em qualquer outro artigo da presente Convenção, todos os Estados Partes são instados a utilizar como orientação as iniciativas pertinentes tomadas pelas organizações regionais, inter-regionais e multilaterais para combater a lavagem de dinheiro.

4. Os Estados Partes diligenciarão no sentido de desenvolver e promover a cooperação à escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos de detecção e repressão e as autoridades de regulamentação financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro.

Artigo 8

Criminalização da corrupção

1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando intencionalmente cometidos:

a) Prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais;

b) Por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais.

2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para conferir o caracter de infração penal aos atos enunciados no parágrafo 1 do presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um funcionário internacional. Do mesmo modo, cada Estado Parte considerará a possibilidade de conferir o caracter de infração penal a outras formas de corrupção.

3. Cada Estado Parte adotará igualmente as medidas necessárias para conferir o caráter de infração penal à cumplicidade na prática de uma infração enunciada no presente Artigo.

4. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo e do Artigo 9, a expressão "agente público" designa, além do funcionário público, qualquer pessoa que preste um serviço público, tal como a expressão é definida no direito interno e aplicada no direito penal do Estado Parte onde a pessoa em questão exerce as suas funções.

Artigo 9

Medidas contra a corrupção

1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.

2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.

Artigo 10

Responsabilidade das pessoas jurídicas

1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, em conformidade com o seu ordenamento jurídico, para responsabilizar pessoas jurídicas que participem em infrações graves envolvendo um grupo criminoso organizado e que cometam as infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção.

2. No respeito pelo ordenamento jurídico do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser penal, civil ou administrativa.

3. A responsabilidade das pessoas jurídicas não obstará à responsabilidade penal das pessoas físicas que tenham cometido as infrações.

4. Cada Estado Parte diligenciará, em especial, no sentido de que as pessoas jurídicas consideradas responsáveis em conformidade com o presente Artigo sejam objeto de sanções eficazes, proporcionais e acautelatórias, de natureza penal e não penal, incluindo sanções pecuniárias.

Artigo 11

Processos judiciais, julgamento e sanções

1. Cada Estado Parte tornará a prática de qualquer infração enunciada nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção passível de sanções que tenham em conta a gravidade dessa infração.

2. Cada Estado Parte diligenciará para que qualquer poder judicial discricionário conferido pelo seu direito interno e relativo a processos judiciais contra indivíduos por infrações previstas na presente Convenção seja exercido de forma a otimizar a eficácia das medidas de detecção e de repressão destas infrações, tendo na devida conta a necessidade de exercer um efeito cautelar da sua prática.

3. No caso de infrações como as enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção, cada Estado Parte tomará as medidas apropriadas, em conformidade com o seu direito interno, e tendo na devida conta os direitos da defesa, para que as condições a que estão sujeitas as decisões de aguardar julgamento em liberdade ou relativas ao processo de recurso tenham em consideração a necessidade de assegurar a presença do argüido em todo o processo penal ulterior.

4. Cada Estado Parte providenciará para que os seus tribunais ou outras autoridades competentes tenham presente a gravidade das infração previstas na presente Convenção quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada ou condicional de pessoas reconhecidas como culpadas dessas infrações.

5. Sempre que as circunstâncias o justifiquem, cada Estado Parte determinará, no âmbito do seu direito interno, um prazo de prescrição prolongado, durante o qual poderá ter início o processo relativo a uma das infrações previstas na presente Convenção, devendo esse período ser mais longo quando o presumível autor da infração se tenha subtraído à justiça.

6. Nenhuma das disposições da presente Convenção prejudica o princípio segundo o qual a definição das infrações nela enunciadas e dos meios jurídicos de defesa aplicáveis, bem como outros princípios jurídicos que rejam a legalidade das incriminações, são do foro exclusivo do direito interno desse Estado Parte, e segundo o qual as referidas infrações são objeto de procedimento judicial e punidas de acordo com o direito desse Estado Parte.

Artigo 12

Confisco e apreensão

1. Os Estados Partes adotarão, na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o permita, as medidas necessárias para permitir o confisco:

a) Do produto das infrações previstas na presente Convenção ou de bens cujo valor corresponda ao desse produto;

b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na prática das infrações previstas na presente Convenção.

2. Os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, para efeitos de eventual confisco.

3. Se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do referido produto.

4. Se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão, ser confiscados até ao valor calculado do produto com que foram misturados.

5. As receitas ou outros benefícios obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o produto tenha sido transformado ou convertido ou os bens com que tenha sido misturado podem também ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, da mesma forma e na mesma medida que o produto do crime.

6. Para efeitos do presente Artigo e do Artigo 13, cada Estado Parte habilitará os seus tribunais ou outras autoridades competentes para ordenarem a apresentação ou a apreensão de documentos bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para se recusarem a aplicar as disposições do presente número.

7. Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração demonstre a proveniência lícita do presumido produto do crime ou de outros bens que possam ser objeto de confisco, na medida em que esta exigência esteja em conformidade com os princípios do seu direito interno e com a natureza do processo ou outros procedimentos judiciais.

8. As disposições do presente Artigo não deverão, em circunstância alguma, ser interpretadas de modo a afetar os direitos de terceiros de boa fé.

9. Nenhuma das disposições do presente Artigo prejudica o princípio segundo o qual as medidas nele previstas são definidas e aplicadas em conformidade com o direito interno de cada Estado Parte e segundo as disposições deste direito.

Artigo 13

Cooperação internacional para efeitos de confisco

1. Na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o permita, um Estado Parte que tenha recebido de outro Estado Parte, competente para conhecer de uma infração prevista na presente Convenção, um pedido de confisco do produto do crime, bens, equipamentos ou outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção que se encontrem no seu território, deverá:

a) Submeter o pedido às suas autoridades competentes, a fim de obter uma ordem de confisco e, se essa ordem for emitida, executá-la; ou

b) Submeter às suas autoridades competentes, para que seja executada conforme o solicitado, a decisão de confisco emitida por um tribunal situado no território do Estado Parte requerente, em conformidade com o parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, em relação ao produto do crime, bens, equipamentos ou outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 que se encontrem no território do Estado Parte requerido.

2. Quando um pedido for feito por outro Estado Parte competente para conhecer de uma infração prevista na presente Convenção, o Estado Parte requerido tomará medidas para identificar, localizar, embargar ou apreender o produto do crime, os bens, os equipamentos ou os outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, com vista a um eventual confisco que venha a ser ordenado, seja pelo Estado Parte requerente, seja, na seqüência de um pedido formulado ao abrigo do parágrafo 1 do presente Artigo, pelo Estado Parte requerido.

3. As disposições do Artigo 18 da presente Convenção aplicam-se mutatis mutandis ao presente Artigo. Para além das informações referidas no parágrafo 15 do Artigo 18, os pedidos feitos em conformidade com o presente Artigo deverão conter:

a) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma descrição dos bens a confiscar e uma exposição dos fatos em que o Estado Parte requerente se baseia, que permita ao Estado Parte requerido obter uma decisão de confisco em conformidade com o seu direito interno;

b) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea b) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma cópia legalmente admissível da decisão de confisco emitida pelo Estado Parte requerente em que se baseia o pedido, uma exposição dos fatos e informações sobre os limites em que é pedida a execução da decisão;

c) Quando o pedido for feito ao abrigo do parágrafo 2 do presente Artigo, uma exposição dos fatos em que se baseia o Estado Parte requerente e uma descrição das medidas pedidas.

4. As decisões ou medidas previstas nos parágrafo 1 e parágrafo 2 do presente Artigo são tomadas pelo Estado Parte requerido em conformidade com o seu direito interno e segundo as disposições do mesmo direito, e em conformidade com as suas regras processuais ou com qualquer tratado, acordo ou protocolo bilateral ou multilateral que o ligue ao Estado Parte requerente.

5. Cada Estado Parte enviará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas uma cópia das suas leis e regulamentos destinados a dar aplicação ao presente Artigo, bem como uma cópia de qualquer alteração ulteriormente introduzida a estas leis e regulamentos ou uma descrição destas leis, regulamentos e alterações ulteriores.

6. Se um Estado Parte decidir condicionar a adoção das medidas previstas nos parágrafos 1 e 2 do presente Artigo à existência de um tratado na matéria, deverá considerar a presente Convenção como uma base jurídica necessária e suficiente para o efeito.

7. Um Estado Parte poderá recusar a cooperação que lhe é solicitada ao abrigo do presente Artigo, caso a infração a que se refere o pedido não seja abrangida pela presente Convenção.

8. As disposições do presente Artigo não deverão, em circunstância alguma, ser interpretadas de modo a afetar os direitos de terceiros de boa fé.

9. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar tratados, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais com o objetivo de reforçar a eficácia da cooperação internacional desenvolvida para efeitos do presente Artigo.

Artigo 14

Disposição do produto do crime ou dos bens confiscados

1. Um Estado Parte que confisque o produto do crime ou bens, em aplicação do Artigo 12 ou do parágrafo 1 do Artigo 13 da presente Convenção, disporá deles de acordo com o seu direito interno e os seus procedimentos administrativos.

2. Quando os Estados Partes agirem a pedido de outro Estado Parte em aplicação do Artigo 13 da presente Convenção, deverão, na medida em que o permita o seu direito interno e se tal lhes for solicitado, considerar prioritariamente a restituição do produto do crime ou dos bens confiscados ao Estado Parte requerente, para que este último possa indenizar as vítimas da infração ou restituir este produto do crime ou estes bens aos seus legítimos proprietários.

3. Quando um Estado Parte atuar a pedido de um outro Estado Parte em aplicação dos Artigos 12 e 13 da presente Convenção, poderá considerar especialmente a celebração de acordos ou protocolos que prevejam:

a) Destinar o valor deste produto ou destes bens, ou os fundos provenientes da sua venda, ou uma parte destes fundos, à conta criada em aplicação da alínea c) do parágrafo 2 do Artigo 30 da presente Convenção e a organismos intergovernamentais especializados na luta contra a criminalidade organizada;

b) Repartir com outros Estados Partes, sistemática ou casuisticamente, este produto ou estes bens, ou os fundos provenientes da respectiva venda, em conformidade com o seu direito interno ou os seus procedimentos administrativos.

Artigo 15

Jurisdição

1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção, nos seguintes casos:

a) Quando a infração for cometida no seu território; ou

b) Quando a infração for cometida a bordo de um navio que arvore a sua bandeira ou a bordo de uma aeronave matriculada em conformidade com o seu direito interno no momento em que a referida infração for cometida.

2. Sem prejuízo do disposto no Artigo 4 da presente Convenção, um Estado Parte poderá igualmente estabelecer a sua competência jurisdicional em relação a qualquer destas infrações, nos seguintes casos:

a) Quando a infração for cometida contra um dos seus cidadãos;

b) Quando a infração for cometida por um dos seus cidadãos ou por uma pessoa apátrida residente habitualmente no seu território; ou

c) Quando a infração for:

i) Uma das previstas no parágrafo 1 do Artigo 5 da presente Convenção e praticada fora do seu território, com a intenção de cometer uma infração grave no seu território;

ii) Uma das previstas no inciso ii) da alínea b) do parágrafo 1 do Artigo 6 da presente Convenção e praticada fora do seu território com a intenção de cometer, no seu território, uma das infrações enunciadas nos incisos i) ou ii) da alínea a) ou i) da alínea b) do parágrafo 1 do Artigo 6 da presente Convenção.

3. Para efeitos do parágrafo 10 do Artigo 16 da presente Convenção, cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às infrações abrangidas pela presente Convenção quando o presumível autor se encontre no seu território e o Estado Parte não o extraditar pela única razão de se tratar de um seu cidadão.

4. Cada Estado Parte poderá igualmente adotar as medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às infrações abrangidas pela presente Convenção quando o presumível autor se encontre no seu território e o Estado Parte não o extraditar.

5. Se um Estado Parte que exerça a sua competência jurisdicional por força dos parágrafos 1 e 2 do presente Artigo tiver sido notificado, ou por qualquer outra forma tiver tomado conhecimento, de que um ou vários Estados Partes estão a efetuar uma investigação ou iniciaram diligências ou um processo judicial tendo por objeto o mesmo ato, as autoridades competentes destes Estados Partes deverão consultar-se, da forma que for mais conveniente, para coordenar as suas ações.

6. Sem prejuízo das normas do direito internacional geral, a presente Convenção não excluirá o exercício de qualquer competência jurisdicional penal estabelecida por um Estado Parte em conformidade com o seu direito interno.

Artigo 16

Extradição

1. O presente Artigo aplica-se às infrações abrangidas pela presente Convenção ou nos casos em que um grupo criminoso organizado esteja implicado numa infração prevista nas alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 e em que a pessoa que é objeto do pedido de extradição se encontre no Estado Parte requerido, desde que a infração pela qual é pedida a extradição seja punível pelo direito interno do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido.

2. Se o pedido de extradição for motivado por várias infrações graves distintas, algumas das quais não se encontrem previstas no presente Artigo, o Estado Parte requerido pode igualmente aplicar o presente Artigo às referidas infrações.

3. Cada uma das infrações às quais se aplica o presente Artigo será considerada incluída, de pleno direito, entre as infrações que dão lugar a extradição em qualquer tratado de extradição em vigor entre os Estados Partes. Os Estados Partes comprometem-se a incluir estas infrações entre aquelas cujo autor pode ser extraditado em qualquer tratado de extradição que celebrem entre si.

4. Se um Estado Parte que condicione a extradição à existência de um tratado receber um pedido de extradição de um Estado Parte com o qual não celebrou tal tratado, poderá considerar a presente Convenção como fundamento jurídico da extradição quanto às infrações a que se aplique o presente Artigo.

5. Os Estados Partes que condicionem a extradição à existência de um tratado:

a) No momento do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção, indicarão ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas se consideram a presente Convenção como fundamento jurídico para a cooperação com outros Estados Partes em matéria de extradição; e

b) Se não considerarem a presente Convenção como fundamento jurídico para cooperar em matéria de extradição, diligenciarão, se necessário, pela celebração de tratados de extradição com outros Estados Partes, a fim de darem aplicação ao presente Artigo.

6. Os Estados Partes que não condicionem a extradição à existência de um tratado reconhecerão entre si, às infrações às quais se aplica o presente Artigo, o caráter de infração cujo autor pode ser extraditado.

7. A extradição estará sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou em tratados de extradição aplicáveis, incluindo, nomeadamente, condições relativas à pena mínima requerida para uma extradição e aos motivos pelos quais o Estado Parte requerido pode recusar a extradição.

8. Os Estados Partes procurarão, sem prejuízo do seu direito interno, acelerar os processos de extradição e simplificar os requisitos em matéria de prova com eles relacionados, no que se refere às infrações a que se aplica o presente Artigo.

9. Sem prejuízo do disposto no seu direito interno e nos tratados de extradição que tenha celebrado, o Estado Parte requerido poderá, a pedido do Estado Parte requerente, se considerar que as circunstâncias o justificam e que existe urgência, colocar em detenção uma pessoa, presente no seu território, cuja extradição é pedida, ou adotar a seu respeito quaisquer outras medidas apropriadas para assegurar a sua presença no processo de extradição.

10. Um Estado Parte em cujo território se encontre o presumível autor da infração, se não extraditar esta pessoa a título de uma infração à qual se aplica o presente Artigo pelo único motivo de se tratar de um seu cidadão, deverá, a pedido do Estado Parte requerente da extradição, submeter o caso, sem demora excessiva, às suas autoridades competentes para efeitos de procedimento judicial. Estas autoridades tomarão a sua decisão e seguirão os trâmites do processo da mesma forma que em relação a qualquer outra infração grave, à luz do direito interno deste Estado Parte. Os Estados Partes interessados cooperarão entre si, nomeadamente em matéria processual e probatória, para assegurar a eficácia dos referidos atos judiciais.

11. Quando um Estado Parte, por força do seu direito interno, só estiver autorizado a extraditar ou, por qualquer outra forma, entregar um dos seus cidadãos na condição de que essa pessoa retorne seguidamente ao mesmo Estado Parte para cumprir a pena a que tenha sido condenada na seqüência do processo ou do procedimento que originou o pedido de extradição ou de entrega, e quando este Estado Parte e o Estado Parte requerente concordarem em relação a essa opção e a outras condições que considerem apropriadas, a extradição ou entrega condicional será suficiente para dar cumprimento à obrigação enunciada no parágrafo 10 do presente Artigo.

12. Se a extradição, pedida para efeitos de execução de uma pena, for recusada porque a pessoa que é objeto deste pedido é um cidadão do Estado Parte requerido, este, se o seu direito interno o permitir, em conformidade com as prescrições deste direito e a pedido do Estado Parte requerente, considerará a possibilidade de dar execução à pena que foi aplicada em conformidade com o direito do Estado Parte requerente ou ao que dessa pena faltar cumprir.

13. Qualquer pessoa que seja objeto de um processo devido a qualquer das infrações às quais se aplica o presente Artigo terá garantido um tratamento eqüitativo em todas as fases do processo, incluindo o gozo de todos os direitos e garantias previstos no direito interno do Estado Parte em cujo território se encontra.

14. Nenhuma disposição da presente Convenção deverá ser interpretada no sentido de que impõe uma obrigação de extraditar a um Estado Parte requerido, se existirem sérias razões para supor que o pedido foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir uma pessoa em razão do seu sexo, raça, religião, nacionalidade, origem étnica ou opiniões políticas, ou que a satisfação daquele pedido provocaria um prejuízo a essa pessoa por alguma destas razões.

15. Os Estados Partes não poderão recusar um pedido de extradição unicamente por considerarem que a infração envolve também questões fiscais.

16. Antes de recusar a extradição, o Estado Parte requerido consultará, se for caso disso, o Estado Parte requerente, a fim de lhe dar a mais ampla possibilidade de apresentar as suas razões e de fornecer informações em apoio das suas alegações.

17. Os Estados Partes procurarão celebrar acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais com o objetivo de permitir a extradição ou de aumentar a sua eficácia.

Artigo 17

Transferência de pessoas condenadas

Os Estados Partes poderão considerar a celebração de acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais relativos à transferência para o seu território de pessoas condenadas a penas de prisão ou outras penas de privação de liberdade devido a infrações previstas na presente Convenção, para que aí possam cumprir o resto da pena.

Artigo 18

Assistência judiciária recíproca

1. Os Estados Partes prestarão reciprocamente toda a assistência judiciária possível nas investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas pela presente Convenção, nos termos do Artigo 3, e prestarão reciprocamente uma assistência similar quando o Estado Parte requerente tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a infração a que se referem as alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 é de caráter transnacional, inclusive quando as vítimas, as testemunhas, o produto, os instrumentos ou os elementos de prova destas infrações se encontrem no Estado Parte requerido e nelas esteja implicado um grupo criminoso organizado.

2. Será prestada toda a cooperação judiciária possível, tanto quanto o permitam as leis, tratados, acordos e protocolos pertinentes do Estado Parte requerido, no âmbito de investigações, processos e outros atos judiciais relativos a infrações pelas quais possa ser considerada responsável uma pessoa coletiva no Estado Parte requerente, em conformidade com o Artigo 10 da presente Convenção.

3. A cooperação judiciária prestada em aplicação do presente Artigo pode ser solicitada para os seguintes efeitos:

a) Recolher testemunhos ou depoimentos;

b) Notificar atos judiciais;

c) Efetuar buscas, apreensões e embargos;

d) Examinar objetos e locais;

e) Fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos;

f) Fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas;

g) Identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios;

h) Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas no Estado Parte requerente;

i) Prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido.

4. Sem prejuízo do seu direito interno, as autoridades competentes de um Estado Parte poderão, sem pedido prévio, comunicar informações relativas a questões penais a uma autoridade competente de outro Estado Parte, se considerarem que estas informações poderão ajudar a empreender ou concluir com êxito investigações e processos penais ou conduzir este último Estado Parte a formular um pedido ao abrigo da presente Convenção.

5. A comunicação de informações em conformidade com o parágrafo 4 do presente Artigo será efetuada sem prejuízo das investigações e dos processos penais no Estado cujas autoridade competentes fornecem as informações. As autoridades competentes que recebam estas informações deverão satisfazer qualquer pedido no sentido de manter confidenciais as referidas informações, mesmo se apenas temporariamente, ou de restringir a sua utilização. Todavia, tal não impedirá o Estado Parte que receba as informações de revelar, no decurso do processo judicial, informações que inocentem um argüido. Neste último caso, o Estado Parte que recebeu as informações avisará o Estado Parte que as comunicou antes de as revelar e, se lhe for pedido, consultará este último. Se, num caso excepcional, não for possível uma comunicação prévia, o Estado Parte que recebeu as informações dará conhecimento da revelação, prontamente, ao Estado Parte que as tenha comunicado.

6. As disposições do presente Artigo em nada prejudicam as obrigações decorrentes de qualquer outro tratado bilateral ou multilateral que regule, ou deva regular, inteiramente ou em parte, a cooperação judiciária.

7. Os parágrafos 9 a 29 do presente Artigo serão aplicáveis aos pedidos feitos em conformidade com o presente Artigo, no caso de os Estados Partes em questão não estarem ligados por um tratado de cooperação judiciária. Se os referidos Estados Partes estiverem ligados por tal tratado, serão aplicáveis as disposições correspondentes desse tratado, a menos que os Estados Partes concordem em aplicar, em seu lugar, as disposições dos parágrafos 9 a 29 do presente Artigo. Os Estados Partes são fortemente instados a aplicar estes números, se tal facilitar a cooperação.

8. Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente Artigo.

9. Os Estados Partes poderão invocar a ausência de dupla criminalização para recusar prestar a assistência judiciária prevista no presente Artigo. O Estado Parte requerido poderá, não obstante, quando o considerar apropriado, prestar esta assistência, na medida em que o decida por si próprio, independentemente de o ato estar ou não tipificado como uma infração no direito interno do Estado Parte requerido.

10. Qualquer pessoa detida ou a cumprir pena no território de um Estado Parte, cuja presença seja requerida num outro Estado Parte para efeitos de identificação, para testemunhar ou para contribuir por qualquer outra forma para a obtenção de provas no âmbito de investigações, processos ou outros atos judiciais relativos às infrações visadas na presente Convenção, pode ser objeto de uma transferência, se estiverem reunidas as seguintes condições:

a) Se referida pessoa, devidamente informada, der o seu livre consentimento;

b) Se as autoridades competentes dos dois Estados Partes em questão derem o seu consentimento, sob reserva das condições que estes Estados Partes possam considerar convenientes.

11. Para efeitos do parágrafo 10 do presente Artigo:

a) O Estado Parte para o qual a transferência da pessoa em questão for efetuada terá o poder e a obrigação de a manter detida, salvo pedido ou autorização em contrário do Estado Parte do qual a pessoa foi transferida;

b) O Estado Parte para o qual a transferência for efetuada cumprirá prontamente a obrigação de entregar a pessoa à guarda do Estado Parte do qual foi transferida, em conformidade com o que tenha sido previamente acordado ou com o que as autoridades competentes dos dois Estados Partes tenham decidido;

c) O Estado Parte para o qual for efetuada a transferência não poderá exigir do Estado Parte do qual a transferência foi efetuada que abra um processo de extradição para que a pessoa lhe seja entregue;

d) O período que a pessoa em questão passe detida no Estado Parte para o qual for transferida é contado para o cumprimento da pena que lhe tenha sido aplicada no Estado Parte do qual for transferida;

12. A menos que o Estado Parte do qual a pessoa for transferida, ao abrigo dos parágrafos 10 e 11 do presente Artigo, esteja de acordo, a pessoa em questão, seja qual for a sua nacionalidade, não será objecto de processo judicial, detida, punida ou sujeita a outras restrições à sua liberdade de movimentos no território do Estado Parte para o qual seja transferida, devido a atos, omissões ou condenações anteriores à sua partida do território do Estado Parte do qual foi transferida.

13. Cada Estado Parte designará uma autoridade central que terá a responsabilidade e o poder de receber pedidos de cooperação judiciária e, quer de os executar, quer de os transmitir às autoridades competentes para execução. Se um Estado Parte possuir uma região ou um território especial dotado de um sistema de cooperação judiciária diferente, poderá designar uma autoridade central distinta, que terá a mesma função para a referida região ou território. As autoridades centrais deverão assegurar a execução ou a transmissão rápida e em boa e devida forma dos pedidos recebidos. Quando a autoridade central transmitir o pedido a uma autoridade competente para execução, instará pela execução rápida e em boa e devida forma do pedido por parte da autoridade competente. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas será notificado da autoridade central designada para este efeito no momento em que cada Estado Parte depositar os seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção. Os pedidos de cooperação judiciária e qualquer comunicação com eles relacionada serão transmitidos às autoridades centrais designadas pelos Estados Partes. A presente disposição não afetará o direito de qualquer Estado Parte a exigir que estes pedidos e comunicações lhe sejam remetidos por via diplomática e, em caso de urgência, e se os Estados Partes nisso acordarem, por intermédio da Organização Internacional de Polícia Criminal, se tal for possível.

14. Os pedidos serão formulados por escrito ou, se possível, por qualquer outro meio capaz de produzir registro escrito, numa língua que seja aceita pelo Estado Parte requerido, em condições que permitam a este Estado Parte verificar a sua autenticidade. O Secretário Geral das Nações Unidas será notificado a respeito da língua ou línguas aceitas por cada Estado Parte no momento em que o Estado Parte em questão depositar os seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção. Em caso de urgência, e se os Estados Partes nisso acordarem, os pedidos poderão ser feitos oralmente, mais deverão ser imediatamente confirmados por escrito.

15. Um pedido de assistência judiciária deverá conter as seguintes informações:

a) A designação da autoridade que emite o pedido;

b) O objeto e a natureza da investigação, dos processos ou dos outros atos judiciais a que se refere o pedido, bem como o nome e as funções da autoridade que os tenha a cargo;

c) Um resumo dos fatos relevantes, salvo no caso dos pedidos efetuados para efeitos de notificação de atos judiciais;

d) Uma descrição da assistência pretendida e pormenores de qualquer procedimento específico que o Estado Parte requerente deseje ver aplicado;

e) Caso seja possível, a identidade, endereço e nacionalidade de qualquer pessoa visada; e

f) O fim para o qual são pedidos os elementos, informações ou medidas.

16. O Estado Parte requerido poderá solicitar informações adicionais, quando tal se afigure necessário à execução do pedido em conformidade com o seu direito interno, ou quando tal possa facilitar a execução do pedido.

17. Qualquer pedido será executado em conformidade com o direito interno do Estado Parte requerido e, na medida em que tal não contrarie este direito e seja possível, em conformidade com os procedimentos especificados no pedido.

18. Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.

19. O Estado Parte requerente não comunicará nem utilizará as informações ou os elementos de prova fornecidos pelo Estado Parte requerido para efeitos de investigações, processos ou outros atos judiciais diferentes dos mencionados no pedido sem o consentimento prévio do Estado Parte requerido. O disposto neste número não impedirá o Estado Parte requerente de revelar, durante o processo, informações ou elementos de prova ilibatórios de um argüido. Neste último caso, o Estado Parte requerente avisará, antes da revelação, o Estado Parte requerido e, se tal lhe for pedido, consultará neste último. Se, num caso excepcional, não for possível uma comunicação prévia, o Estado Parte requerente informará da revelação, prontamente, o Estado Parte requerido.

20. O Estado Parte requerente poderá exigir que o Estado Parte requerido guarde sigilo sobre o pedido e o seu conteúdo, salvo na medida do que seja necessário para o executar. Se o Estado Parte requerido não puder satisfazer esta exigência, informará prontamente o Estado Parte requerente.

21. A cooperação judiciária poderá ser recusada:

a) Se o pedido não for feito em conformidade com o disposto no presente Artigo;

b) Se o Estado Parte requerido considerar que a execução do pedido pode afetar sua soberania, sua segurança, sua ordem pública ou outros interesses essenciais;

c) Se o direito interno do Estado Parte requerido proibir suas autoridades de executar as providências solicitadas com relação a uma infração análoga que tenha sido objeto de investigação ou de procedimento judicial no âmbito da sua própria competência;

d) Se a aceitação do pedido contrariar o sistema jurídico do Estado Parte requerido no que se refere à cooperação judiciária.

22. Os Estados Partes não poderão recusar um pedido de cooperação judiciária unicamente por considerarem que a infração envolve também questões fiscais.

23. Qualquer recusa de cooperação judiciária deverá ser fundamentada.

24. O Estado Parte requerido executará o pedido de cooperação judiciária tão prontamente quanto possível e terá em conta, na medida do possível, todos os prazos sugeridos pelo Estado Parte requerente para os quais sejam dadas justificações, de preferência no pedido. O Estado Parte requerido responderá aos pedidos razoáveis do Estado Parte requerente quanto ao andamento das diligências solicitadas. Quando a assistência pedida deixar de ser necessária, o Estado Parte requerente informará prontamente desse fato o Estado Parte requerido.

25. A cooperação judiciária poderá ser diferida pelo Estado Parte requerido por interferir com uma investigação, processos ou outros atos judiciais em curso.

26. Antes de recusar um pedido feito ao abrigo do parágrafo 21 do presente Artigo ou de diferir a sua execução ao abrigo do parágrafo 25, o Estado Parte requerido estudará com o Estado Parte requerente a possibilidade de prestar a assistência sob reserva das condições que considere necessárias. Se o Estado Parte requerente aceitar a assistência sob reserva destas condições, deverá respeitá-las.

27. Sem prejuízo da aplicação do parágrafo 12 do presente Artigo, uma testemunha, um perito ou outra pessoa que, a pedido do Estado Parte requerente, aceite depor num processo ou colaborar numa investigação, em processos ou outros atos judiciais no território do Estado Parte requerente, não será objeto de processo, detida, punida ou sujeita a outras restrições à sua liberdade pessoal neste território, devido a atos, omissões ou condenações anteriores à sua partida do território do Estado Parte requerido. Esta imunidade cessa quando a testemunha, o perito ou a referida pessoa, tendo tido, durante um período de quinze dias consecutivos ou qualquer outro período acordado pelos Estados Partes, a contar da data em que recebeu a comunicação oficial de que a sua presença já não era exigida pelas autoridades judiciais, a possibilidade de deixar o território do Estado Parte requerente, nele tenha voluntariamente permanecido ou, tendo-o deixado, a ele tenha regressado de livre vontade.

28. As despesas correntes com a execução de um pedido serão suportadas pelo Estado Parte requerido, salvo acordo noutro sentido dos Estados Partes interessados. Quando venham a revelar-se necessárias despesas significativas ou extraordinárias para executar o pedido, os Estados Partes consultar-se-ão para fixar as condições segundo as quais o pedido deverá ser executado, bem como o modo como as despesas serão assumidas.

29. O Estado Parte requerido:

a) Fornecerá ao Estado Parte requerente cópias dos processos, documentos ou informações administrativas que estejam em seu poder e que, por força do seu direito interno, estejam acessíveis ao público;

b) Poderá, se assim o entender, fornecer ao Estado Parte requerente, na íntegra ou nas condições que considere apropriadas, cópias de todos os processos, documentos ou informações que estejam na sua posse e que, por força do seu direito interno, não sejam acessíveis ao público.

30. Os Estados Partes considerarão, se necessário, a possibilidade de celebrarem acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais que sirvam os objetivos e as disposições do presente Artigo, reforçando-as ou dando-lhes maior eficácia.

Artigo 19

Investigações conjuntas

Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.

Artigo 20

Técnicas especiais de investigação

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

2. Para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os Estados Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da cooperação internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem prejuízo do princípio da igualdade soberana dos Estados e serão executados em estrita conformidade com as disposições neles contidas.

3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as decisões de recorrer a técnicas especiais de investigação a nível internacional serão tomadas casuisticamente e poderão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos financeiros relativos ao exercício de jurisdição pelos Estados Partes interessados.

4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

Artigo 21

Transferência de processos penais

Os Estados Partes considerarão a possibilidade de transferirem mutuamente os processos relativos a uma infração prevista na presente Convenção, nos casos em que esta transferência seja considerada necessária no interesse da boa administração da justiça e, em especial, quando estejam envolvidas várias jurisdições, a fim de centralizar a instrução dos processos.

Artigo 22

Estabelecimento de antecedentes penais

Cada Estado Parte poderá adotar as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para ter em consideração, nas condições e para os efeitos que entender apropriados, qualquer condenação de que o presumível autor de uma infração tenha sido objeto noutro Estado, a fim de utilizar esta informação no âmbito de um processo penal relativo a uma infração prevista na presente Convenção.

Artigo 23

Criminalização da obstrução à justiça

Cada Estado Parte adotará medidas legislativas e outras consideradas necessárias para conferir o caráter de infração penal aos seguintes atos, quando cometidos intencionalmente:

a) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação, ou a promessa, oferta ou concessão de um benefício indevido para obtenção de um falso testemunho ou para impedir um testemunho ou a apresentação de elementos de prova num processo relacionado com a prática de infrações previstas na presente Convenção;

b) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação para impedir um agente judicial ou policial de exercer os deveres inerentes à sua função relativamente à prática de infrações previstas na presente Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos Estados Partes de disporem de legislação destinada a proteger outras categorias de agentes públicos.

Artigo 24

Proteção das testemunhas

1. Cada Estado Parte, dentro das suas possibilidades, adotará medidas apropriadas para assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na presente Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes sejam próximas.

2. Sem prejuízo dos direitos do argüido, incluindo o direito a um julgamento regular, as medidas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo poderão incluir, entre outras:

a) Desenvolver, para a proteção física destas pessoas, procedimentos que visem, consoante as necessidades e na medida do possível, nomeadamente, fornecer-lhes um novo domicílio e impedir ou restringir a divulgação de informações relativas à sua identidade e paradeiro;

b) Estabelecer normas em matéria de prova que permitam às testemunhas depor de forma a garantir a sua segurança, nomeadamente autorizando-as a depor com recurso a meios técnicos de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados.

3. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos com outros Estados para facultar um novo domicílio às pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo.

4. As disposições do presente Artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem testemunhas.

Artigo 25

Assistência e proteção às vítimas

1. Cada Estado Parte adotará, segundo as suas possibilidades, medidas apropriadas para prestar assistência e assegurar a proteção às vítimas de infrações previstas na presente Convenção, especialmente em caso de ameaça de represálias ou de intimidação.

2. Cada Estado Parte estabelecerá procedimentos adequados para que as vítimas de infrações previstas na presente Convenção possam obter reparação.

3. Cada Estado Parte, sem prejuízo do seu direito interno, assegurará que as opiniões e preocupações das vítimas sejam apresentadas e tomadas em consideração nas fases adequadas do processo penal aberto contra os autores de infrações, por forma que não prejudique os direitos da defesa.

Artigo 26

Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei

1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados:

a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente

i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados;

ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados;

iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar;

b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime.

2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

4. A proteção destas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção.

5. Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num Estado Parte e possa prestar uma cooperação substancial às autoridades competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes em questão poderão considerar a celebração de acordos, em conformidade com o seu direito interno, relativos à eventual concessão, pelo outro Estado Parte, do tratamento descrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.

Artigo 27

Cooperação entre as autoridades competentes para a aplicação da lei

1. Os Estados Partes cooperarão estreitamente, em conformidade com os seus respectivos ordenamentos jurídicos e administrativos, a fim de reforçar a eficácia das medidas de controle do cumprimento da lei destinadas a combater as infrações previstas na presente Convenção. Especificamente, cada Estado Parte adotará medidas eficazes para:

a) Reforçar ou, se necessário, criar canais de comunicação entre as suas autoridades, organismos e serviços competentes, para facilitar a rápida e segura troca de informações relativas a todos os aspectos das infrações previstas na presente Convenção, incluindo, se os Estados Partes envolvidos o considerarem apropriado, ligações com outras atividades criminosas;

b) Cooperar com outros Estados Partes, quando se trate de infrações previstas na presente Convenção, na condução de investigações relativas aos seguintes aspectos:

i) Identidade, localização e atividades de pessoas suspeitas de implicação nas referidas infrações, bem como localização de outras pessoas envolvidas;

ii) Movimentação do produto do crime ou dos bens provenientes da prática destas infrações;

iii) Movimentação de bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na prática destas infrações;

c) Fornecer, quando for caso disso, os elementos ou as quantidades de substâncias necessárias para fins de análise ou de investigação;

d) Facilitar uma coordenação eficaz entre as autoridades, organismos e serviços competentes e promover o intercâmbio de pessoal e de peritos, incluindo, sob reserva da existência de acordos ou protocolos bilaterais entre os Estados Partes envolvidos, a designação de agentes de ligação;

e) Trocar informações com outros Estados Partes sobre os meios e métodos específicos utilizados pelos grupos criminosos organizados, incluindo, se for caso disso, sobre os itinerários e os meios de transporte, bem como o uso de identidades falsas, de documentos alterados ou falsificados ou outros meios de dissimulação das suas atividades;

f) Trocar informações e coordenar as medidas administrativas e outras tendo em vista detectar o mais rapidamente possível as infrações previstas na presente Convenção.

2. Para dar aplicação à presente Convenção, os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais que prevejam uma cooperação direta entre as suas autoridades competentes para a aplicação da lei e, quando tais acordos ou protocolos já existam, considerarão a possibilidade de os alterar. Na ausência de tais acordos entre os Estados Partes envolvidos, estes últimos poderão basear-se na presente Convenção para instituir uma cooperação em matéria de detecção e repressão das infrações previstas na presente Convenção. Sempre que tal se justifique, os Estados Partes utilizarão plenamente os acordos ou protocolos, incluindo as organizações internacionais ou regionais, para intensificar a cooperação entre as suas autoridades competentes para a aplicação da lei.

3. Os Estados Partes procurarão cooperar, na medida das suas possibilidades, para enfrentar o crime organizado transnacional praticado com recurso a meios tecnológicos modernos.

Artigo 28

Coleta, intercâmbio e análise de informações sobre a natureza do crime organizado

1. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de analisar, em consulta com os meios científicos e universitários, as tendências da criminalidade organizada no seu território, as circunstâncias em que opera e os grupos profissionais e tecnologias envolvidos.

2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de desenvolver as suas capacidades de análise das atividades criminosas organizadas e de as partilhar diretamente entre si e por intermédio de organizações internacionais e regionais. Para este efeito, deverão ser elaboradas e aplicadas, quando for caso disso, definições, normas e metodologias comuns.

3. Cada Estado Parte considerará o estabelecimento de meios de acompanhamento das suas políticas e das medidas tomadas para combater o crime organizado, avaliando a sua aplicação e eficácia.

Artigo 29

Formação e assistência técnica

1. Cada Estado Parte estabelecerá, desenvolverá ou melhorará, na medida das necessidades, programas de formação específicos destinados ao pessoal das autoridades competentes para a aplicação da lei, incluindo promotores públicos, juizes de instrução e funcionários aduaneiros, bem como outro pessoal que tenha por função prevenir, detectar e reprimir as infrações previstas na presente Convenção. Estes programas, que poderão prever cessões e intercâmbio de pessoal, incidirão especificamente, na medida em que o direito interno o permita, nos seguintes aspectos:

a) Métodos utilizados para prevenir, detectar e combater as infrações previstas na presente Convenção;

b) Rotas e técnicas utilizadas pelas pessoas suspeitas de implicação em infrações previstas na presente Convenção, incluindo nos Estados de trânsito, e medidas adequadas de combate;

c) Vigilância das movimentações dos produtos de contrabando;

d) Detecção e vigilância das movimentações do produto do crime, de bens, equipamentos ou outros instrumentos, de métodos de transferência, dissimulação ou disfarce destes produtos, bens, equipamentos ou outros instrumentos, bem como métodos de luta contra a lavagem de dinheiro e outras infrações financeiras;

e) Coleta de provas;

f) Técnicas de controle nas zonas francas e nos portos francos;

g) Equipamentos e técnicas modernas de detecção e de repressão, incluindo a vigilância eletrônica, as entregas vigiadas e as operações de infiltração;

h) Métodos utilizados para combater o crime organizado transnacional cometido por meio de computadores, de redes de telecomunicações ou outras tecnologias modernas; e

i) Métodos utilizados para a proteção das vítimas e das testemunhas.

2. Os Estados Partes deverão cooperar entre si no planejamento e execução de programas de investigação e de formação concebidos para o intercâmbio de conhecimentos especializados nos domínios referidos no parágrafo 1 do presente Artigo e, para este efeito, recorrerão também, quando for caso disso, a conferências e seminários regionais e internacionais para promover a cooperação e estimular as trocas de pontos de vista sobre problemas comuns, incluindo os problemas e necessidades específicos dos Estados de trânsito.

3. Os Estados Partes incentivarão as atividades de formação e de assistência técnica suscetíveis de facilitar a extradição e a cooperação judiciária. Estas atividades de cooperação e de assistência técnica poderão incluir ensino de idiomas, cessões e intercâmbio do pessoal das autoridades centrais ou de organismos que tenham responsabilidades nos domínios em questão.

4. Sempre que se encontrem em vigor acordos bilaterais ou multilaterais, os Estados Partes reforçarão, tanto quanto for necessário, as medidas tomadas no sentido de otimizar as atividades operacionais e de formação no âmbito de organizações internacionais e regionais e no âmbito de outros acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais na matéria.

Artigo 30

Outras medidas: aplicação da Convenção através do desenvolvimento econômico e da assistência técnica

1. Os Estados Partes tomarão as medidas adequadas para assegurar a melhor aplicação possível da presente Convenção através da cooperação internacional, tendo em conta os efeitos negativos da criminalidade organizada na sociedade em geral e no desenvolvimento sustentável em particular.

2. Os Estados Partes farão esforços concretos, na medida do possível, em coordenação entre si e com as organizações regionais e internacionais:

a) Para desenvolver a sua cooperação a vários níveis com os países em desenvolvimento, a fim de reforçar a capacidade destes para prevenir e combater a criminalidade organizada transnacional;

b) Para aumentar a assistência financeira e material aos países em desenvolvimento, a fim de apoiar os seus esforços para combater eficazmente a criminalidade organizada transnacional e ajudá-los a aplicar com êxito a presente Convenção;

c) Para fornecer uma assistência técnica aos países em desenvolvimento e aos países com uma economia de transição, a fim de ajudá-los a obter meios para a aplicação da presente Convenção. Para este efeito, os Estados Partes procurarão destinar voluntariamente contribuições adequadas e regulares a uma conta constituída especificamente para este fim no âmbito de um mecanismo de financiamento das Nações Unidas. Os Estados Partes poderão também considerar, especificamente, em conformidade com o seu direito interno e as disposições da presente Convenção, a possibilidade de destinarem à conta acima referida uma percentagem dos fundos ou do valor correspondente do produto do crime ou dos bens confiscados em aplicação das disposições da presente Convenção;

d) Para incentivar e persuadir outros Estados e instituições financeiras, quando tal se justifique, a associarem-se aos esforços desenvolvidos em conformidade com o presente Artigo, nomeadamente fornecendo aos países em desenvolvimento mais programas de formação e material moderno, a fim de os ajudar a alcançar os objetivos da presente Convenção.

e) Tanto quanto possível, estas medidas serão tomadas sem prejuízo dos compromissos existentes em matéria de assistência externa ou de outros acordos de cooperação financeira a nível bilateral, regional ou internacional.

4. Os Estados Partes poderão celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais relativos a assistência técnica e logística, tendo em conta os acordos financeiros necessários para assegurar a eficácia dos meios de cooperação internacional previstos na presente Convenção, e para prevenir, detectar e combater a criminalidade organizada transnacional.

Artigo 31

Prevenção

1. Os Estados Partes procurarão elaborar e avaliar projetos nacionais, bem como estabelecer e promover as melhores práticas e políticas para prevenir a criminalidade organizada transnacional.

2. Em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, os Estados Partes procurarão reduzir, através de medidas legislativas, administrativas ou outras que sejam adequadas, as possibilidades atuais ou futuras de participação de grupos criminosos organizados em negócios lícitos utilizando o produto do crime. Estas medidas deverão incidir:

a) No fortalecimento da cooperação entre autoridades competentes para a aplicação da lei ou promotores e entidades privadas envolvidas, incluindo empresas;

b) Na promoção da elaboração de normas e procedimentos destinados a preservar a integridade das entidades públicas e privadas envolvidas, bem como de códigos de conduta para determinados profissionais, em particular advogados, tabeliães, consultores tributários e contadores;

c) Na prevenção da utilização indevida, por grupos criminosos organizados, de concursos públicos, bem como de subvenções e licenças concedidas por autoridades públicas para a realização de atividades comerciais;

d) Na prevenção da utilização indevida de pessoas jurídicas por grupos criminosos organizados; estas medidas poderão incluir:

i) O estabelecimento de registros públicos de pessoas jurídicas e físicas envolvidas na criação, gestão e financiamento de pessoas jurídicas;

ii) A possibilidade de privar, por decisão judicial ou por qualquer outro meio adequado, as pessoas condenadas por infrações previstas na presente Convenção, por um período adequado, do direito de exercerem funções de direção de pessoas jurídicas estabelecidas no seu território;

iii) O estabelecimento de registos nacionais de pessoas que tenham sido privadas do direito de exercerem funções de direção de pessoas jurídicas; e

iv) O intercâmbio de informações contidas nos registros referidos nas incisos i) e iii) da presente alínea com as autoridades competentes dos outros Estados Partes.

3. Os Estados Partes procurarão promover a reinserção na sociedade das pessoas condenadas por infrações previstas na presente Convenção.

4. Os Estados Partes procurarão avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as práticas administrativas aplicáveis, a fim de determinar se contêm lacunas que permitam aos grupos criminosos organizados fazerem deles utilização indevida.

5. Os Estados Partes procurarão sensibilizar melhor o público para a existência, as causas e a gravidade da criminalidade organizada transnacional e para a ameaça que representa. Poderão fazê-lo, quando for o caso, por intermédio dos meios de comunicação social e adotando medidas destinadas a promover a participação do público nas ações de prevenção e combate à criminalidade.

6. Cada Estado Parte comunicará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas o nome e o endereço da(s) autoridade(s) que poderão assistir os outros Estados Partes na aplicação das medidas de prevenção do crime organizado transnacional.

7. Quando tal se justifique, os Estados Partes colaborarão, entre si e com as organizações regionais e internacionais competentes, a fim de promover e aplicar as medidas referidas no presente Artigo. A este título, participarão em projetos internacionais que visem prevenir a criminalidade organizada transnacional, atuando, por exemplo, sobre os fatores que tornam os grupos socialmente marginalizados vulneráveis à sua ação.

Artigo 32

Conferência das Partes na Convenção

1. Será instituída uma Conferência das Partes na Convenção, para melhorar a capacidade dos Estados Partes no combate à criminalidade organizada transnacional e para promover e analisar a aplicação da presente Convenção.

2. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas convocará a Conferência das Partes, o mais tardar, um ano após a entrada em vigor da presente Convenção. A Conferência das Partes adotará um regulamento interno e regras relativas às atividades enunciadas nos parágrafos 3 e 4 do presente Artigo (incluindo regras relativas ao financiamento das despesas decorrentes dessas atividades).

3. A Conferência das Partes acordará em mecanismos destinados a atingir os objetivos referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, nomeadamente:

a) Facilitando as ações desenvolvidas pelos Estados Partes em aplicação dos Artigos 29, 30 e 31 da presente Convenção, inclusive incentivando a mobilização de contribuições voluntárias;

b) Facilitando o intercâmbio de informações entre Estados Partes sobre as características e tendências da criminalidade organizada transnacional e as práticas eficazes para a combater;

c) Cooperando com as organizações regionais e internacionais e as organizações não-governamentais competentes;

d) Avaliando, a intervalos regulares, a aplicação da presente Convenção;

e) Formulando recomendações a fim de melhorar a presente Convenção e a sua aplicação;

4. Para efeitos das alíneas d) e e) do parágrafo 3 do presente Artigo, a Conferência das Partes inteirar-se-á das medidas adotadas e das dificuldades encontradas pelos Estados Partes na aplicação da presente Convenção, utilizando as informações que estes lhe comuniquem e os mecanismos complementares de análise que venha a criar.

5. Cada Estado Parte comunicará à Conferência das Partes, a solicitação desta, informações sobre os seus programas, planos e práticas, bem como sobre as suas medidas legislativas e administrativas destinadas a aplicar a presente Convenção.

Artigo 33

Secretariado

1. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas fornecerá os serviços de secretariado necessários à Conferência das Partes na Convenção.

2. O secretariado:

a) Apoiará a Conferência das Partes na realização das atividades enunciadas no Artigo 32 da presente Convenção, tomará as disposições e prestará os serviços necessários para as sessões da Conferência das Partes;

b) Assistirá os Estados Partes, a pedido destes, no fornecimento à Conferência das Partes das informações previstas no parágrafo 5 do Artigo 32 da presente Convenção; e

c) Assegurará a coordenação necessária com os secretariados das organizações regionais e internacionais.

Artigo 34

Aplicação da Convenção

1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, incluindo legislativas e administrativas, em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, para assegurar o cumprimento das suas obrigações decorrentes da presente Convenção.

2. As infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção serão incorporadas no direito interno de cada Estado Parte, independentemente da sua natureza transnacional ou da implicação de um grupo criminoso organizado nos termos do parágrafo 1 do Artigo 3 da presente Convenção, salvo na medida em que o Artigo 5 da presente Convenção exija o envolvimento de um grupo criminoso organizado.

3. Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou mais severas do que as previstas na presente Convenção a fim de prevenir e combater a criminalidade organizada transnacional.

Artigo 35

Solução de Controvérsias

1. Os Estados Partes procurarão solucionar controvérsias relativas à interpretação ou aplicação da presente Convenção por negociação direta.

2. Qualquer controvérsia entre dois ou mais Estados Partes relativa à interpretação ou aplicação da presente Convenção que não possa ser resolvida por via negocial num prazo razoável será, a pedido de um destes Estados Partes, submetida a arbitragem. Se, no prazo de seis meses a contar da data do pedido de arbitragem, os Estados Partes não chegarem a acordo sobre a organização da arbitragem, qualquer deles poderá submeter a controvérsia ao Tribunal Internacional de Justiça, mediante requerimento em conformidade com o Estatuto do Tribunal.

3. Qualquer Estado Parte poderá, no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação ou da aprovação da presente Convenção, ou da adesão a esta, declarar que não se considera vinculado pelo parágrafo 2 do presente Artigo. Os outros Estados Partes não estarão vinculados pelo parágrafo 2 do presente Artigo em relação a qualquer Estado Parte que tenha formulado esta reserva.

4. Um Estado Parte que tenha formulado uma reserva ao abrigo do parágrafo 3 do presente Artigo poderá retirá-la a qualquer momento, mediante notificação do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.

Artigo 36

Assinatura, ratificação, aceitação, aprovação e adesão

1. A presente Convenção será aberta à assinatura de todos os Estados entre 12 e 15 de Dezembro de 2000, em Palermo (Itália) e, seguidamente, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, até 12 de Dezembro de 2002.

2. A presente Convenção estará igualmente aberta à assinatura de organizações regionais de integração econômica, desde que pelos menos um Estado-Membro dessa organização tenha assinado a presente Convenção, em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo.

3. A presente Convenção será submetida a ratificação, aceitação ou aprovação. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. Uma organização regional de integração econômica poderá depositar os seus instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação se pelo menos um dos seus Estados-Membros o tiver feito. Neste instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação, a organização declarará o âmbito da sua competência em relação às questões que são objeto da presente Convenção. Informará igualmente o depositário de qualquer alteração relevante do âmbito da sua competência.

4. A presente Convenção estará aberta à adesão de qualquer Estado ou de qualquer organização regional de integração econômica de que, pelo menos, um Estado membro seja parte na presente Convenção. Os instrumentos de adesão serão depositados junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. No momento da sua adesão, uma organização regional de integração econômica declarará o âmbito da sua competência em relação às questões que são objeto da presente Convenção. Informará igualmente o depositário de qualquer alteração relevante do âmbito dessa competência.

Artigo 37

Relação com os protocolos

1. A presente Convenção poderá ser completada por um ou mais protocolos.

2. Para se tornar Parte num protocolo, um Estado ou uma organização regional de integração econômica deverá igualmente ser Parte na presente Convenção.

3. Um Estado Parte na presente Convenção não estará vinculado por um protocolo, a menos que se torne Parte do mesmo protocolo, em conformidade com as disposições deste.

4. Qualquer protocolo à presente Convenção será interpretado conjuntamente com a presente Convenção, tendo em conta a finalidade do mesmo protocolo.

Artigo 38

Entrada em vigor

1. A presente Convenção entrará em vigor no nonagésimo dia seguinte à data de depósito do quadragésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão. Para efeitos do presente número, nenhum dos instrumentos depositados por uma organização regional de integração econômica será somado aos instrumentos já depositados pelos Estados membros dessa organização.

2. Para cada Estado ou organização regional de integração econômica que ratifique, aceite ou aprove a presente Convenção ou a ela adira após o depósito do quadragésimo instrumento pertinente, a presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia seguinte à data de depósito do instrumento pertinente do referido Estado ou organização.

Artigo 39

Emendas

1. Quando tiverem decorrido cinco anos a contar da entrada em vigor da presente Convenção, um Estado Parte poderá propor uma emenda e depositar o respectivo texto junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, que em seguida comunicará a proposta de emenda aos Estados Partes e à Conferência das Partes na Convenção, para exame da proposta e adoção de uma decisão. A Conferência das Partes esforçar-se-á por chegar a um consenso sobre qualquer emenda. Se todos os esforços nesse sentido se tiverem esgotado sem que se tenha chegado a acordo, será necessário, como último recurso para que a emenda seja aprovada, uma votação por maioria de dois terços dos votos expressos dos Estados Partes presentes na Conferência das Partes.

2. Para exercerem, ao abrigo do presente Artigo, o seu direito de voto nos domínios em que sejam competentes, as organizações regionais de integração econômica disporão de um número de votos igual ao número dos seus Estados-Membros que sejam Partes na presente Convenção. Não exercerão o seu direito de voto quando os seus Estados-Membros exercerem os seus, e inversamente.

3. Uma emenda aprovada em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo estará sujeita à ratificação, aceitação ou aprovação dos Estados Partes.

4. Uma emenda aprovada em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo entrará em vigor para um Estado Parte noventa dias após a data de depósito pelo mesmo Estado Parte junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas de um instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação da referida emenda.

5. Uma emenda que tenha entrado em vigor será vinculativa para os Estados Partes que tenham declarado o seu consentimento em serem por ela vinculados. Os outros Estados Partes permanecerão vinculados pelas disposições da presente Convenção e por todas as emendas anteriores que tenham ratificado, aceite ou aprovado.

Artigo 40

Denúncia

1. Um Estado Parte poderá denunciar a presente Convenção mediante notificação escrita dirigida ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. A denúncia tornar-se-á efetiva um ano após a data da recepção da notificação pelo Secretário Geral.

2. Uma organização regional de integração econômica cessará de ser Parte na presente Convenção quando todos os seus Estados-Membros a tenham denunciado.

3. A denúncia da presente Convenção, em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo, implica a denúncia de qualquer protocolo a ela associado.

Artigo 41

Depositário e línguas

1. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas será o depositário da presente Convenção.

2. O original da presente Convenção, cujos textos em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês e russo fazem igualmente fé, será depositado junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.

EM FÉ DO QUE os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente mandatados para o efeito pelos respectivos Governos, assinaram a presente Convenção.


Notas

[1] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 4.

[2] SHANTI, Loc. Cit.

[3] SHANTI, Ibid, p. 7.

[4] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 67.

[5] MONTOYA, Loc. Cit.

[6] MONTOYA, Ibid, p. 15.

[7] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 2.

[8] ORSI, Omar Gabriel. Sistema penal y crimen organizado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Del Puerto, 2007. p. 11.

[9]DICKIE, John. Cosa Nostra: Storia della Mafia Siciliana. Roma-Bari: Laterza, 2006. p. 44 e 46.

[10] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 8, tradução nossa.

[11] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 30.

[12] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 5.

[13] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 18.

[14] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 87.

[15] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 289.

[16] MENDRONI, Ibid, p. 302.

[17] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 51.

[18] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 60.

[19] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 51.

[20] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 20.

[21] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 7.

[22] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 23.

[23] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 34.

[24] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 305.

[25] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 29.

[26] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 9.

[27] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 308.

[28] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 22.

[29] MONTOYA, Ibid, p. 20.

[30] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 43.

[31] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 47.

[32] PELLEGRINI, COSTA JUNIOR, Ibid, p. 24.

[33] MONTOYA, Ibid, p. 25.

[34] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 316.

[35] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 47.

[36] MENDRONI, Ibid, p. 329.

[37] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 72.

[38] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 38.

[39] MONTOYA, Loc Cit.

[40] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 68.

[41] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 335.

[42] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 9.

[43] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 348.

[44] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 69.

[45] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 40.

[46] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 69.

[47] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 57.

[48] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 42.

[49] MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 43.

[50] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 348.

[51] MENDRONI, Ibid, p. 318.

[52] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 49.

[53] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 70.

[54] PELLEGRINI, COSTA JUNIOR, Ibid, p. 49.

[55] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 50.

[56] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 50.

[57] ZIEGLER, Jean. Os senhores do crime: as novas máfias contra a democracia. São Paulo: Editora Record, 2003. p.92.

[58] ZIEGLER, Loc Cit.

[59] PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Criminalidade organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999. p. 52.

[60] ZIEGLER, Jean. Os senhores do crime: as novas máfias contra a democracia. São Paulo: Editora Record, 2003. p.147.

[61] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 324.

[62] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 34.

[63] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 170.

[64] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 set. 2009.

[65] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 3, tradução nossa.

[66] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 107.

[67] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 109.

[68] MENDRONI, Loc Cit.

[69] MENDRONI, Ibid, p. 113.

[70] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 117.

[71] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n.° 70, p. 240, 2008.

[72] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 94.

[73] MINGARDI, Ibid, p. 108.

[74] SCHELLING, Thomas C. What is the Business of Organized Crime?, Journal of Public Law, Vol. 20, N°. 1, p. 71-84. 1971.(tradução nossa)

[75] AMORIM, Carlos. Comando vermelho: a história secreta do crime organizado. Rio de Janeiro: Record. 1994. p. 38.

[76] CARVALHO, Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci.  Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais & Stella Caymmi. 1994. apêndice.

[77] BRASIL. Decreto-lei n.° 898 de 29 de setembro de 1969. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 de setembro de 1969. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0898.htm>. Acesso em: 02 dez. 2009.

[78] AMORIM, Carlos. Comando vermelho: a história secreta do crime organizado. Rio de Janeiro: Record. 1994. p. 216.

[79] CARVALHO, Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci.  Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais & Stella Caymmi. 1994. apêndice.

[80] CARVALHO, Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci.  Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais & Stella Caymmi. 1994. apêndice.

[81] CARVALHO, Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci.  Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais & Stella Caymmi. 1994. apêndice.

[82] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: Comentários à Lei n.° 9.034/95: aspectos policiais e judiciários: teoria e prática. São Paulo: Iglu, 1998. p. 39.

[83] OLIVEIRA FILHO, Edemundo Dias. O vácuo do poder e o crime organizado: Brasil, início do século XXI. Goiânia: AB, 2002. p. 116.

[84] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 91, tradução nossa.

[85] BRASIL, Relatório final da CPI dos bingos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/comissoes/CPI/Bingos/RelFinalBingos.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009.

[86] BRASIL, Relatório final da CPI dos bingos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/comissoes/CPI/Bingos/RelFinalBingos.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009.

[87] BRASIL, Loc. Cit.

[88] BRASIL, Loc. Cit.

[89] BRASIL, Relatório final da CPI dos bingos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/comissoes/CPI/Bingos/RelFinalBingos.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009.

[90] BRASIL, Loc. Cit.

[91] TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi/2009/cpi_2009_table>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[92] BRASIL, Relatório anual do departamento de polícia rodoviária federal. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[93] BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[94] BRASIL, Loc. Cit.

[95] BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[96]  BRASIL, Loc. Cit.

[97] BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2° Região. Direito Constitucional e Direito Civil. Autor: Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Federal Guilherme Calmon. Espírito Santo, 13 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_jur:v_juris>. Acesso em: 07 dez. 2009.

[98]BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[99] BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez 2009.

[100] BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[101] BRASIL, Loc. Cit.

[102] BRASIL, Relatório final da CPI do narcotráfico. Disponível em: <http://www.dprf.gov.br/estatistica/externo/result_rod_geral.jsp?captcha=1838&uf=NACIONAL&mes=TODOS&ano=2007&popup=1&ok=Gerar>. Acesso em: 04 dez. 2009.

[103] BRASIL, Loc. Cit.

[104] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 65.

[105] BRASIL, Código penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Luiz de Toledo. 13, ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[106] BRASIL, Constituição federal. 2°, ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

[107] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 194.

[108] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 67.

[109] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 36.

[110] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 10.

[111] PENTEADO, Ibid, p. 174.

[112] TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1978. p. 27.

[113] MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 88.

[114] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 17.

[115] ABADINSKY, Howard, Organized Crime, 4. ed. Chicago, 1994.

[116] FALCONE, David N. Prentice Hall's Dictionary of American Criminal Justice, Criminology, & Criminal Justice, New Jersey: Pearson Education, 2005.

[117] FINCKENAUER, James O. Problems of Definition: What is Organized Crime?, Trends in Organized Crime, 2005. p.63-83.

[118] GRENNAN, Sean, BRITZ, Marjie T. Organized Crime: A Worldwide Perspective, New Jersey: Pearson Education, 2005.

[119] MICHALOWSKI, Raymond J. Order, Law, and Crime, An Introduction to Criminology, New York, 1985.

[120] BEIRNE, Piers, MESSERSCHMIDT, James W. Criminology. 4. Ed. Los Angeles: Roxbury Publishing, 2006.

[121] RHODES, Robert P. Organized Crime: Crime Control vs. Civil Liberties. New York, 1984.

[122] SALERNO, Ralph, and John S. TOMPKINS. The Crime Federation: Cosa Nostra and Allied Operations in Organized Crime. New York, 1969.

[123] SCHELLING, Thomas C. What is the Business of Organized Crime?, Journal of Public Law, Vol. 20, N°. 1, p. 71-84. 1971.

[124] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n.° 70, p. 244, 2008.

[125] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n. ° 70, p. 242, 2008.

[126] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 36.

[127] PENTEADO, Jaques de Camargo, coordenador. Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: RT, 1995. p. 186.

[128] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 set. 2009.

[129] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 251.

[130] NUCCI, Loc. Cit.

[131] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n.° 70, p. 242, 2008.

[132] STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 205.  

[133]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 690.

[134] SHANTI, Frank; MISHRA, Patit Paban. Organized Crime: from trafficking to terrorism. Califórnia: ABC-CLIO, 2008. p. 18, tradução nossa.

[135]  BRASIL. Decreto n.° 5.015, de 12 de março de 2004. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5015.htm>. Acesso em: 26 nov. 2009.

[136] BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5° Região. Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Autor: Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Federal Francisco de Barros e Silva. Recife, 04 de junho de 2009. Disponível em: < http://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/resultados.html>. Acesso em: 31out. 2009.

[137] BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4° Região. Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Autor: Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Porto Alegre, 22 de julho de 2007. Disponível em: < http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php>. Acesso em: 31 out. 2009.

[138] BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2° Região. Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Autor: Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2008. Disponível em: <http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_jur:v_juris>. Acesso em: 31 out. 2009.

[139] BRASIL, Tribunal Regional Federal da 1° Região. Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Autor: Ministério Público Federal. Relator: Desembargador Federal Olindo Menezes. Brasília, 07 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.trf1.jus.br/>. Acesso em: 31 out. 2009.

[140] PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 79.

[141] PERELMAN, Loc. Cit.

[142] NELSON, Saldanha. Ordem e hermenêutica.  2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 247.

[143] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1988. p. 242.

[144] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça.Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Autor: Ministério Público Federal. Réu: J C de O, S T C, J J R da L, E de S S, J C V. Relator: Eliana Calmon. Brasília, 06 de junho de 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3187392&sReg=200600414504&sData=20070625&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 21 out. 2009.

[145] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 117.

[146] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 353.

[147] BRASIL, Constituição federal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

[148] BRASIL, PEC 43/2003. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2003/06/10062003/14921.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[149] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus n.° 77042, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 26 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=nota%20de%20culpa&base=baseAcordaos>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[150] BRASIL, Constituição federal. 2°, ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

[151] BRASIL, PEC 52/2009. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/68841.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[152] BRASIL, Loc. Cit.

[153] BRASIL, PEC 52/2009. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/68841.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[154] BRASIL, Projeto de lei n.° 150/2006. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[155] BRASIL, Projeto de lei n.° 150/2006. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[156] BRASIL, Loc. Cit.

[157] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n. ° 70, p. 242, 2008.

[158] BRASIL, Projeto de lei n.° 150/2006. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[159] BRASIL, Projeto de lei n.° 150/2006. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[160] O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

[161] BRASIL, Projeto de lei n.° 150/2006. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[162] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 31.

[163] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 139.

[164] BRASIL, Informativo n.° 543 do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo534.htm#Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 5>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[165] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus n.° 100.405, do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, 03 de novembro de 2009. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=execu%E7%E3o+provis%F3ria+da+pena&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=5#>. Acesso em: 07 nov. 2009.

[166] BRASIL, Projeto de lei n.° 188/97 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=43975 >. Acesso em: 07 nov. 2009.

[167] BRASIL, Projeto de lei n.° 188/97 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=43975 >. Acesso em: 07 nov. 2009.

[168] BRASIL, Loc. Cit.

[169] FERNANDES, Antonio Scarance. Equilíbrio entre a eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, n.° 70, p. 245, 2008.

[170] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 set. 2009.

[171] BRASIL, Código de processo penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[172] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus n.° 123.293, do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, 16 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=inqu%E9rito+policial+prova+contradit%F3rio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=6#>. Acesso em: 03 fev. 2010.

[173] FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 43.

[174] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

[175] CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais, interceptação telefônica, crime organizado. São Paulo: Paloma, 2002. p. 100.

[176] FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 42.

[177] FERNANDES, Loc. Cit..

[178] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. São Paulo: Premier Máxima, 2008. p. 336.

[179] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Penal e Processual Penal. Organização criminosa (leis 9.034/95 e 10.217/01). Relator: Jorge Mussi. Brasília, 29 de setembro de 2009. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/default.asp>. Acesso em: 10 fev. 2010.

[180] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 94.

[181] GOMES, Abel Fernandes. Crime organizado e suas conexões com o poder público. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 59.

[182] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 35.

[183] JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal anotado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 37.

[184] BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 202.

[185] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 283.

[186] CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais, interceptação telefônica, crime organizado. São Paulo: Paloma, 2002. p. 96.

[187] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

[188] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 283.

[189] FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 481.

[190] FERNANDES, Loc. Cit.

[191] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 108.

[192]  COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário. Bauru: Leud, 1991. p. 69.

[193] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 106.

[194] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei n.° 9.034/95. São Paulo: Iglu, 1998. p. 22.

[195] BRASIL, Lei n.° 5.172 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 27 de outubro de 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acesso em: 11 de fev. 2010.

[196] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei n.° 9.034/95. São Paulo: Iglu, 1998. p. 22.

[197] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

[198] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 103.

[199] FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 46.

[200] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 104.

[201] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 283.

[202] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. São Paulo: Premier Máxima, 2008. p. 339.

[203] CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais, interceptação telefônica, crime organizado. São Paulo: Paloma, 2002. p. 99.

[204] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas. p. 53..

[205] FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 46.

[206] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 177.

[207] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 87.

[208]FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 45.

[209] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. São Paulo: Premier Máxima, 2008. p. 340.

[210] BRASIL. Decreto n.° 5.015 de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5015.htm>. Acesso em: 02 fev. 2010.

[211] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

[212] BRASIL. Lei n.° 9034, de 3 de maio de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

[213] BRASIL, Loc. Cit.

[214] CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais, interceptação telefônica, crime organizado. São Paulo: Paloma, 2002. p. 100.

[215] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. São Paulo: Premier Máxima, 2008. p. 341.

[216] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 88.

[217] FERNANDES, Antonio Scarance et al. Crime organizado: Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 45.

[218]SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 86.

[219] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei n.° 9.034/95. São Paulo: Iglu, 1998. p. 20.

[220] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 70.

[221] MENDRONI, Ibid, p. 72.

[222] SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003. p. 88.

[223] CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais, interceptação telefônica, crime organizado. São Paulo: Paloma, 2002. p. 100.

[224] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 74.

[225] MENDRONI, Loc. Cit.

[226] MENDRONI, Loc. Cit.

[227] ONETO, Isabel, O agente infiltrado. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 150.

[228] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 78.

[229] GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico e político-criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 133.

[230] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentários à Lei n.° 9.034/95. São Paulo: Iglu, 1998. p. 26.

[231] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1570-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=1570&processo=1570>. Acesso em: 19 fev. 2010.


ABSTRACT

The paper presented has the objective to point, in an analytic and comparative way the main characteristics of criminal organizations, with an without a mafia structure. Those characteristics are relevant to the comprehension of the organized crime phenomenon and must be known in order to make the fight against such organizations viable. In the course of the paper we will conduct a analysis of the main criminal organizations that are active in Brazil, their birth and their support. On a second moment during the development of the paper the problem of the legal definition of a criminal organization will be discussed, for that we will bring to the discussion the projects that originated the laws that are affective and the treaties that introduce new concepts to the internal legal system of Brazil. The present activities of the legislatives houses regarding the fight against criminal organizations will be object of discussion in order to gain a sense of what the future reserves regarding the organized crime constant growth. On the final step of the paper the institutes brought by the Law n.° 9.034/95 will be analyzed, since its specialized on the combat of criminal organizations.  

Keywords: Criminal organizations, characteristics, legal definition, Law n.°        9.034/95.



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BILYNSKYJ, Paulo Francisco Muniz. Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21856. Acesso em: 26 abr. 2024.