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A inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis

A inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis

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Além da violação explícita à segurança, afrontam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia entre os jurisdicionados e do pleno acesso à justiça, pois os Juizados Especiais foram instituídos para privilegiar a classe mais desfavorecida financeiramente.

Resumo: O presente trabalho tem por fim fomentar a discussão sobre a inconstitucionalidade do art. 59 da Lei nº 9.099/95, que impede o jurisdicionado a utilizar o mecanismo da ação rescisória para rescindir, de acordo com os casos previstos em lei, decisão judicial transitada em julgado na seara dos Juizados Especiais. A análise do estudo parte da premissa de que os Juizados Especiais são, no Brasil, a principal experiência de efetivação do acesso à justiça, sendo verdadeira via estatal como mecanismo de acesso ágil à obtenção de uma ordem justa. Apesar de buscar apaziguar a sociedade com a resolução dos conflitos de modo ágil, cumprindo com preceito constitucional, o sistema dos Juizados não está autorizado a violar os valores mais caros do Estado Democrático, como o acesso a plena ordem jurídica justa, o tratamento de igualdade entre os jurisdicionados, a segurança e a dignidade humana em prol e tão-somente da celeridade processual. O grande desafio do sistema dos Juizados Especiais, com o proibitivo legal que veda a utilização de ação rescisória, tem sido harmonizar os seus princípios regentes com os valores consagrados na Constituição. Estuda-se o histórico do acesso à justiça; a ideia dos Juizados Especiais como garantia do acesso à justiça; a coisa julgada, a segurança jurídica e a ação rescisória; e os mecanismos processuais encontrados pela jurisprudência brasileira como sucedâneo da ação rescisória no âmbito dos Juizados, a fim de suprimir a lacuna criada inconstitucionalmente pelo próprio legislador.

Palavras-chave: Processo Civil. Acesso à Justiça. Coisa Julgada. Juizado Especial. Ação Rescisória. Inconstitucionalidade. Segurança Jurídica.


Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.

Eduardo Juan Couture.


1 Introdução

A busca pelo acesso à justiça é uma preocupação não de hoje, mas uma angústia histórica entre todos os estudiosos do processo civil. Essa angústia ao efetivo acesso à justiça é que nos impulsionou para a pesquisa do estudo em voga, tendo sido influenciado ainda nos bancos da academia jurídico-científica, durante os estudos do direito processual civil.

A análise do estudo presente parte da premissa de que os Juizados Especiais são, atualmente, no Brasil, a principal experiência de pleno acesso à justiça, sendo verdadeira via criada pelo Estado como meio de acesso ágil à obtenção a uma ordem jurídica justa.

Esse microssistema foi instalado a partir de experiências internacionais anteriores, que, por intermédio de movimentos internacionais, buscaram o acesso à justiça. Entre nós, a implantação dos antigos Juizados de Pequena Causa e dos Juizados Informais de Conciliação, em alguns Estados, serviu para definir os atuais de modelos de Juizados Especiais Cíveis.

Embora os Juizados Especiais tenham sido criados para conter os conflitos sociais, através de um processo com tramitação mais célere que o convencional processo civil, dando cumprimento efetivo a preceito contido na Constituição, o microssistema deve respeito aos valores mais caros de um Estado Democrático de Direito.

Com a instituição da Lei nº 9.099/95, que prevê o regramento dos Juizados Especiais, o legislador ordinário impediu a utilização de ação rescisória com vista a tornar o processo um tanto mais ágil, porém, apesar de ter cuidado de dar maior agilidade na conclusão da prestação jurisdicional, acabou violando valores de ordem constitucional, como a segurança jurídica, o tratamento isonômico entre os jurisdicionados, o pleno acesso a ordem jurídica justa etc.

A título de exemplo, permitir a rescindibilidade da coisa julgada em processo comum e impedir a sua desconstituição, através da ação rescisória nos Juizados Especiais, mesmo que em afronta aos princípios constitucionais, privilegia, com a chancela do Estado Democrático, a classe mais abastada financeiramente da sociedade em detrimento da mais pobre, já que, como veremos, os Juizados Especiais foram criados para atender a classe social desprovida de recursos, facilitando seu acesso à justiça, com consecução de seus direitos.

O direito à tramitação célere e a conclusão ágil da atividade jurisdicional constituem, no contexto do nosso estudo, as premissas básicas do desenvolvimento do processo em nosso país, porém, cumpre destacar que tão-somente haverá o esperado desenvolvimento se houver respeito aos valores consagrados na Constituição, em especial ao tratamento isonômico entre os jurisdicionados (que optaram pela tramitação de seus processos nos Juizados Especiais) e a segurança jurídica.

Assim, situado no cerne do debate processual civil e tendo como tema central o não cabimento da ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais, vez a expressa previsão legal no sentido da sua proibição, o presente trabalho aborda, em síntese, a inconstitucionalidade do proibitivo que impede o cidadão de se valer da importante ação autônoma de impugnação das decisões, a ação rescisória, nos Juizados Especiais, a fim de conferir-lhe segurança jurídica.

Diante dessa perspectiva, nosso trabalho se divide em três partes: a primeira aborda a evolução histórica do acesso à justiça e a ideia dos Juizados Especiais como meio de efetivo acesso à justiça; na segunda parte, cuidamos da segurança jurídica dos jurisdicionados com o enceramento da atividade jurisdicional através da coisa julgada e o emprego da ação rescisória como mecanismo de alcançar o objeto vindicado da segurança jurídica, nos casos previstos em lei; e na terceira e última parte, cuidamos da análise da inconstitucionalidade do disposto legal que veda a utilização de ação rescisória nos Juizados Especiais, enfatizando os meios encontrados pela jurisprudência para que o jurisdicionado as utilize como sucedâneo da ação rescisória, garantindo a esses a segurança jurídica também nos Juizados Especiais, suprimindo a lacuna, por nos considerada inconstitucional, que fora criada pelo legislador ordinário.


2 Breves contornos sobre o acesso à justiça

A vida humana em sociedade requer a existência de normas cuja tarefa é a de trazer paz e harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de concretizar os valores do homem com o mínimo de desgaste e sacrifício possíveis. Desse convívio social natural que se exista inevitáveis entrechoques de interesses, daí a necessidade da intervenção do Estado a fim de garantir a manutenção da ordem, pressupostos indispensáveis à convivência harmônica.

Na medida em que o Estado se firmou e se impôs sobre a vontade do particular, tendo a sociedade percebido os males da justiça privada, se consolidou a solução dos conflitos a partir de pessoas e figuras imparciais, tarefa confiada inicialmente aos sacerdotes e aos anciões (os mais antigos). [1]

A justiça pública se solidificou com o direito romano em um momento da história que ficou conhecido de cognitio extra ordinem, fase em que o Estado, por já ter suficiente poder entre os indivíduos, passou a ditar e definir a solução para os seus conflitos, não importando mais as suas vontades, que já se encontrava totalmente submetida, e dela não podia mais se esquivar, [2] ocasião em que se garantiu ao cidadão envolvido no conflito social a possibilidade de levar sua pretensão ao Poder Judiciário. [3]

A importância do acesso à Justiça é tamanha e a experiência histórica o permitiu evoluir para qualidade de direito humano, encontrando guarida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, [4] já que por meio do seu exercício efetivo é possível a proteção de todos os demais direitos e garantias.

O acesso à Justiça alcançou novos contornos, sobremaneira no Brasil, no particular, após a Constituição de 1988, resultando na ideia de que não basta desenvolver possibilidades e facilidades de ajuizar ações no Poder Judiciário, que apesar de relevante para o exercício do direito, não torna suficiente a sua efetivação.

O art. 5º, inciso XXXV da Carta Política de 1988 consagrou o acesso ao Judiciário como direito fundamental, assegurando aos indivíduos que a lei não excluirá da apreciação do Estado, através do órgão jurisdicional competente, ameaça à lesão ou lesão propriamente dita a direitos. Da leitura do disposto constitucional, a primeira ideia do senso comum é de que o acesso se restringe apenas aos tribunais, que, muito embora incompleta, não está equivocada. Incompleta na medida em que o acesso à justiça não se esgota e se limita com a intervenção do órgão jurisdicional para solucionar o conflito social.

O acesso à justiça, inicialmente entendido como direito do cidadão ingressar apenas e formalmente nos tribunais, passou a ser entendido, a partir de um novo enfoque, como o acesso a ordem jurídica justa, [5] na qual se garanta o respeito aos princípios, especialmente o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia processual entre as partes envolvidas.

Outrossim, o acesso à justiça é visto como a garantia da tutela eficaz de todos os demais direitos, decorrendo sua importância do fato de que a inexistência de uma tutela eficaz implica a transformação dos direitos constitucionais em meras declarações políticas, tanto que “o acesso à justiça pode, pois, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar direitos de todos”. [6]

Diante da nova realidade vivenciada, já que o Estado vem adotando medidas com vista a dar efetividade na participação do cidadão, atualmente não há como se falar na falta de acesso à justiça, que não se resume na falsa ideia do comum de acesso ao Poder Judiciário, mas de obter dele um resultado equânime, pautado nos mais sagrados valores de um Estado Democrático de Direito, embora se reconheça que ainda há muito a se avançar.

Apesar de haver inúmeras formas modernas de acesso à justiça, nos ateremos, no presente estudo, a discutir o seu implemento por meio do Juizado Especial, sistema previsto constitucionalmente (art. 98, inciso I da Constituição) com o fim de dirimir os conflitos de menor complexidade – que, ressalta-se, não implica no sinônimo de menor importância, já que todo direito ofendido ou ameaçado de ofensa tem demasiada relevância, inclusive para o próprio Estado, que busca incessantemente a paz e a harmonia sociais.


3 Juizados Especiais como instrumento eficaz de acesso à justiça

Uma sociedade cada vez mais globalizada, cheia de desigualdades e complexa, gera um colossal número de conflitos de naturezas distintas, sendo o processo comum inadequado para a tutela de certos interesses. Diante disso, exige-se um sistema de justiça transformador e satisfatório, que atenda os anseios da coletividade.

A constatação de que o formalismo exacerbado nos processos [7] se tornou ineficiente tem feito inúmeros juristas renomados repensar a instrumentalização e os procedimentos até então adotados, tanto que já se encontra em trâmite o projeto de lei do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado nº 166/2010), com fim específico de simplificar a prestação jurisdicional, tornando-a célere e ágil, cumprindo o processo com o seu devido escopo.

Diante desse cenário, sobretudo do antagonismo do sistema processual tradicional face à grande parcela de direitos da sociedade atual (como, v.g., as relações de consumo), reclamou-se a necessidade de um mecanismo que permitisse a eficácia do acesso à justiça, tendo encontrado o legislador ordinário a instituição de um microssistema de justiça célere, simplificada e econômica, com alcance facilitado a todos os jurisdicionados, a fim de dirimir conflitos de menor complexidade, já que o processo tradicional se mostrou incapaz para tanto.

Problemas como o alto custo e a duração praticamente interminável do processo, além de outros, tem levado o jurisdicionado a se afastar da jurisdição, ocasionando seríssimo risco para a legitimidade do Estado no tocante ao monopólio de se dizer o direito, sem contar no descrédito do povo para com as instituições jurídicas, agravando ainda mais o problema.

A instituição dos Juizados Especiais Cíveis partiu do imperativo de se conferir maior celeridade na tramitação dos processos de menor complexidade, comumente traçados pelo perfil econômico das pessoas envolvidas nos litígios, já que em sua grande maioria as causas abrangiam pequenas montas em dinheiro. Visam oferecer um caminho de solução do conflito mais célere, informal e desburocratizado, capaz de atender aos anseios do jurisdicionado em relação ao direito vindicado.

Garantir o pleno acesso à justiça para quem não pode custear o processo comum por insuficiência de recursos financeiros ou devido ao fato de que, em certos casos, os valores ou objetos envolvidos na demanda acabavam sendo inferiores às próprias custas e/ou despesas processuais, além de ser a própria matiz para a criação desse microssistema possibilitou a democratização e desburocratização do acesso à justiça.

Aduz Adílio Oliveira Ribeiro que “a proposta de dirimir pequenos conflitos de forma ágil e com maior presteza surgiu nos Estados Unidos da América no ano de 1913, através do primeiro órgão jurisdicional com atribuição especial para cuidar das pequenas causas”, [8] tendo ganhado notoriedade com a quebra da Bolsa de Valores em 1929, modelo jurisdicional que foi experimentado nos países europeus, tendo sua grande ascensão a partir da década de 1970.

No Brasil, de início se buscou garantir o eficaz acesso à justiça por procedimentos, surgindo o rito sumaríssimo, destinado à solução de conflitos mais célere, o qual, atualmente, deu lugar ao rito sumário, que da mesma sorte – ou melhor, infelicidade – não logrou êxito para o fim que se destinava.

Outro meio utilizado para atender a necessidade da celeridade foi a medida cautelar, mas, como se desvirtuou de sua finalidade legal, até porquanto não se presta a esse fim, já que é cediço que visa assegurar o resultado prático do processo de cognição ou da execução, sendo apenas um instrumento do processo principal, também não logrou êxito.

Foi a partir de soluções informais usadas por juízes gaúchos, seguidos de baianos e paranaenses, que se criaram os Conselhos de Conciliação com o objetivo de solucionar, com maior celeridade, o conflito social, [9] culminando na criação dos Juizados de Pequenas Causas, pela Lei nº 7.244/84, que foi supervenientemente foi ab-rogada pela vigente Lei nº 9.099/95, que institui os atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Fruto da ideia que busca o pleno e efetivo acesso à justiça, principalmente à camada mais desfavorecida financeiramente da sociedade, os Juizados Especiais Cíveis representou a promessa de uma moderna Justiça, sendo um dos mecanismos de reforma do sistema judicial em nosso país com o escopo de alcançar o acesso à ordem jurídica justa de maneira célere.

Os Juizados Especiais Cíveis têm como característica principal o fato de ser popular, atendendo a todas as classes civis, sobretudo a de baixa renda, e de ter baixo custo financeiro para os seus usuários. Outro fator importante é a informalidade dos seus atos, dispensando a necessidade de advogados e das formalidades processuais que, em regra, costumam trancar o regular curso e andamento do processo. [10]

Os objetivos apregoados na Constituição da República no sentido de garantir aos jurisdicionados a segurança jurídica, a igualdade e a justiça como valores supremos fundados no comprometimento da solução pacífica das controvérsias, somado à angústia da via crucius mais dispendiosa do acesso aos órgãos do Judiciário, no processo tradicional, ganharam força e esforços empreendidos para a criação da tutela diferenciada dos Juizados Especiais, [11] já que os princípios que condicionam esse microssistema – oralidade, simplicidade, informalidade e economia – estão todos voltados para celeridade na conclusão da atividade jurisdicional (art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição).

Privilegiando a transação entre as partes, o Juizado Especial certamente se aproxima da realidade dos inúmeros litígios existentes no seio social, dado a sua gratuidade, rapidez e também informalidade, permitindo que os jurisdicionados sejam regulados por órgão estatal, legitimando a jurisdição pública e o controle da atuação do direito pelo Estado.


4 A ação rescisória como garantia constitucional de segurança jurídica dos julgados. [12]

Tendo o jurisdicionado exercido o seu direito de acesso a ordem jurídica justa, por meio da submissão à apreciação pelo Poder Judiciário de sua pretensão, a mesma deve ser examinada e decidida, acolhendo-se, ou não o pedido formulado. Sucede que é garantido às partes impugnar tal decisão judicial, preenchidos os requisitos, por meio de recurso ou outro meio de impugnação.

Em que pese nossa ordem jurídica contenha diversos recursos e “graus de jurisdição”, o seu número é limitado, daí que em dado momento a decisão judicial tornar-se irrecorrível, não se podendo mais discuti-la, surgindo o trânsito em julgado, nascendo a coisa julgada, [13] cumprindo a jurisdição com o seu escopo de pacificação social, por meio da imperatividade e da imutabilidade da resposta do Estado, sanando as invalidades intrínsecas do processo, não correndo mais a decisão o risco de ser impugnada (logo, modificada ou anulada), encontrando seu alicerce no caráter político que lhe é emprestado, já que seu intento é a preservação da paz e segurança sociais. [14]

Por mais que possa haver uma ou outra decisão judicial injusta (e aqui se abre um campo largo demais para a discussão do que venha ser, de fato, “justiça” – que, frise-se, não será tratado no trabalho), em virtude da falibilidade do homem, não se pode negar que seria bem pior, para o seio social, de modo geral, e não somente às partes envolvidas, se o resultado do processo pudesse ser sempre rediscutido, seja na mesma ou em outra demanda, sem chegar a uma conclusão. Vê-se que a coisa julgada entendida, grosso modo, como a intangibilidade da decisão judicial, é corolário do valor fundamental da segurança jurídica, um dos postulados inerentes ao Estado Democrático de Direito.

O fim da incerteza que mantinham as partes em estado de angústia, característica natural de qualquer litigante, chega a um resultado onde se confere, em regra, a um a vitória e a outro a derrota, visto que o Estado, por meio da jurisdição, pronunciou o direito entre elas pela decisão que se tornou intangível com a coisa julgada, cujo condão busca sanar todos os possíveis vícios intrínsecos do processo, em decorrência da segurança jurídica.

A segurança jurídica, importante para a vida em sociedade, se institui na estabilidade e continuidade da ordem, bem como da previsibilidade das consequências de determinadas condutas cujos efeitos repercutirão na seara jurídica, sendo indispensável para a conformação de seu conceito, decorrendo do sistema jurídico e encontrando na coisa julgada material o seu maior grau de estabilidade. [15]

Apesar de ser uma garantia, sobretudo de ordem constitucional, a coisa julgada não é absoluta, consagrando a ordem jurídica meio para impugná-la. Há casos (excepcionais) em que tornar indiscutível uma decisão judicial representa uma injustiça tão grave e tão ofensiva aos princípios que pautam o sistema que é necessário prever mecanismo de sua revisão, como, cite-se exemplo, a descoberta posterior ao trânsito em julgado da sentença que foi proferida por um juiz corrupto, outrora corrompido pela parte que venceu na demanda.

Embora em regra a coisa julgada supra todo e qualquer vício do processo operado, este defeito é tão grave que, fazer vista grossa seria altamente prejudicial à legitimidade do sistema e da prestação jurisdicional. Nesses casos, como o do exemplo citado, no momento do trânsito em julgado da decisão surge outro vício, a rescindibilidade, sendo possível suprimi-lo através meio de um remédio específico, denominado “ação rescisória”. [16]

A ação rescisória, como o próprio nome indica, é uma ação impugnativa autônoma (logo, não é recurso, já que gera nova relação processual!) na qual se pede a desconstituição da decisão judicial passada em julgado, com eventual rejulgamento da causa originária, [17] não se almejando a nulificação (ou anulação) da decisão, mas a sua rescisão. A decisão rescindível é, pois, aquela passada em julgado, que possui vício expressamente disposto em lei e capaz de autorizar a sua desconstituição e rescisão.

Por outro lado, frise-se que as hipóteses de rescindibilidade são taxativas e previstas em lei, necessitando de interpretação restritiva, não se tolerando extensão ou analogia, já que o ataque à coisa julgada deve ser excepcional. Para ser usada, o jurisdicionado deve preencher ao menos uma das hipóteses cabíveis do art. 485 do Código de Processo Civil, respeitando-se o prazo de 02 anos, cujo termo se tem início com a data do trânsito em julgado. [18]

O objetivo da ação rescisória não é o simplista de apenas reabrir a discussão da causa originária pela mera insatisfação de uma das partes litigantes, mas de obter uma sentença que desconstitua a coisa julgada, para, logo em seguida, se ainda assim for o caso, e preenchidos os requisitos de lei, promover o rejulgamento da matéria nela discutida, conferindo segurança jurídica ao julgado e às partes, a fim de reparar um vício que surgiu com o trânsito em julgado, na causa originária, daí porque sua utilização é de todo excepcional.


5 A inconstitucionalidade [19] da vedação do uso de ação rescisória nos Juizados Especiais

A coisa julgada, como vimos, visa tornar a decisão judicial imutável quando passada em julgado. A deliberação no que toca à finalização do conflito social com a coisa julgada parte da opção feita pelo legislador em cada ordenamento jurídico, com o desígnio de fazer preponderar a segurança jurídica nas relações sociais face à justiça material, já que, como também foi dito, a coisa julgada não está comprometida – necessariamente – com a verdade ou a justiça das decisões.

Vimos também que em certos casos excepcionais o jurisdicionado pode se valer de meio previsto em lei para superar a coisa julgada, autorizando sua desconstituição.

Entretanto, embora seja excelente remédio previsto para garantir a segurança jurídica aos julgados, nas situações excepcionais que a própria lei assim define (frise-se!), o legislador ordinário, norteado pelo princípio da celeridade na prestação da atividade jurisdicional no âmbito dos Juizados, inviabilizou o manejo da ação rescisória nesse microssistema, conforme se verifica no art. 59 da Lei n 9.099/95, senão vejamos:

Lei nº 9.099, de 21 de setembro de 1995 – Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

(...)

Considerações finais

(...)

Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei.

Para a sua vedação, o legislador levou em consideração o valor da celeridade em face à segurança jurídica, já que, ao permitir a rescindibilidade da coisa julgada no âmbito dos Juizados Especiais, haveria (pasme!) um expressivo atraso na conclusão da prestação judicial, fugindo do escopo original que levou à instituição desse microssistema.

Muito embora a mens legis possa ter sido a melhor possível, frise-se, contudo, que os princípios que norteiam os Juizados Especiais devem estar em consenso com os princípios constitucionais, sobretudo àqueles referentes ao devido processo legal e acesso à justiça, cujo liame se encontram na plenitude do direito de ação como a garantia constitucional de todos os jurisdicionados se socorrerem ao Poder Judiciário, órgão último no tocante à interpretação do direito, utilizando-se dos meios e recursos inerentes ao seu acesso à justiça.

O dispositivo que veda a utilização da ação rescisória na seara dos Juizados Especiais afronta o direito fundamental à inviolabilidade do direito à segurança do jurisdicionado, valor e postulado imprescindível para a concepção de Estado Democrático de Direito, [20] tornando-a, por afronta a esse postulado e princípio, inconstitucional nesse particular.

Sem embargo, além da violação explícita à segurança, entendemos haver afronta, também, aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia entre os jurisdicionados e do pleno acesso à justiça, na medida em que os Juizados Especiais foram instituídos para privilegiar a classe mais desfavorecida financeiramente, garantindo-lhes uma melhora no acesso a ordem jurídica justa, através do Poder Judiciário, com um microssistema que permitisse resolver os conflitos sociais sem as formalidades de praxe dos processos cíveis comuns e com toque de celeridade na atividade jurisdicional.

Pois bem. Permitir a desconstituição da coisa julgada no processo comum e impedir o seu manejo em sede de Juizado Especial é privilegiar, com a “chancela” de um Estado de se diz Democrático de Direito, a classe mais favorecida financeiramente em detrimento da outra.

Como se deixou claro em linhas anteriores, as hipóteses de cabimento da ação rescisória são excepcionais que, não sendo consideradas, impedirão a eficácia do pleno acesso à justiça aos menos favorecidos.

Permitir a imutabilidade da coisa julgada, exempli gratia, de uma sentença transitada em julgado por prevaricação, concussão ou corrupção do magistrado, tão-somente porque foi proferida em sede de Juizado Especial, é violar flagrantemente a Constituição, afrontando o devido processo legal, o acesso à justiça, a isonomia processual e a dignidade humana.

Em suma, acompanhando lição de José Joaquim Calmon de Passos, dispensar ou restringir qualquer dessas garantias implica não apenas simplificar, deformalizar e agilizar o procedimento privilegiando a efetividade da tutela, mas de favorecer a disparidade e o arbítrio criado pelo próprio Estado em benefício do alívio de juízos e tribunais. Favorece-se o poder, e não os cidadãos; dilata o espaço dos governantes e restringe o dos governados, afigurando a mais escancarada antidemocracia que se possa conceber. [21]


6 Os mecanismos processuais encontrados pela jurisprudência como sucedâneo da ação rescisória nos Juizados Especiais

Segundo verificamos anteriormente, em certos casos excepcionais o sistema jurídico permite a desconstituição da coisa julgada, prevendo mecanismos votados à sua superação, autorizando sua reapreciação que, em regra, tornará a decisão judicial imutável. Discorremos, ainda que de modo sucinto, já que o estudo em referência não visa detalhar o instituto, sobre o remédio da ação rescisória como meio destinado desconstituição da coisa julgada, conferindo segurança jurídica aos jurisdicionados, nos excepcionalíssimos casos que a própria legislação define (art. 485 do CPC).

Embora não seja permitido nos Juizados Especiais o uso da ação rescisória, cumpre observar, porém, que a legislação não proibiu outros mecanismos voltados à revisão da coisa julgada, como a querela nullitatis, a impugnação com base na existência de erro material, a impugnação da sentença inconstitucional e, também, a possibilidade da denúncia por violação à Convenção Americana de Direitos Humanos, formulada diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos. [22]

Por outro lado, ainda que haja esses meios de revisão da coisa julgada, frise-se que todas elas possuem campo de incidência limitada, diferenciando-se, nesse particular, da ação rescisória, visto que as hipóteses de seu cabimento, embora excepcionais, são mais largas.

A querela nullitatis é o meio de impugnação de decisão com “vício transrescisório”, que subsiste quando a decisão for proferida em face do réu em processo que correu à revelia por ausência de citação, ou por ter a decisão sido proferido em desfavor do réu em processo que correu à revelia por ter sido a citação defeituosa (art. 475-L, I e art. 741, I, ambos do CPC), diferenciando-se da rescisória, além de ser as hipóteses de cabimento mais restritas, por ser imprescritível, já que não se submete ao prazo decadencial de dois anos. [23]

A impugnação com base na existência de erro material consiste na possibilidade de alteração da sentença para correção de erro/equivoco meramente material, ou para retificar erros de cálculo, encontrando guarida no art. 463, I do CPC, pressupondo que a sentença tenha oficialmente sido publicada (logo, tornou-se imodificável, em tese).

A impugnação da sentença inconstitucional consiste no meio usado para ver afastado o título executivo judicial que se fundou em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou quando fundada em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tido também pelo Tribunal como incompatíveis com a Constituição (art. 475-L, § 1º do CPC).

Por fim, a denúncia da coisa julgada por afronta à Convenção Americana de Direitos Humanos, do qual observam Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, seria o mecanismo “externo” de revisão da coisa julgada, já que realizado por tribunal internacional, cuja jurisdição transcende a pátria, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, admitido em nossa ordem (art. 5º, §§ 2º e 3º da Constituição), visto que o Brasil é signatário da citada Convenção (Pacto de San José da Costa Rica) e se submete ao sistema americano de proteção aos direitos do homem. [24]

Por tendência jurisprudencial, sobremaneira de julgados do Superior Tribunal de Justiça, se entende que o mandado de segurança é meio de impugnação à coisa julgada, em que pese haver entendimento solidificado no Supremo Tribunal Federal (Súmula 268) sobre o impedimento de seu uso após o trânsito em julgado, orientação essa que, aliás, foi convertida em texto legal (art. 5º, III da Lei nº 12.016/09).

O mandado de segurança constitui remédio de ordem constitucional posto a serviço de indivíduo titular de direito líquido e certo, [25] que sofreu lesão ou ameaça de lesão por ato comissivo ou omissivo de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Atualmente, está pacífico no Tribunal da Cidadania [26] que cabe aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios o controle externo dos atos dos Juizados Especiais, [27] ainda que a Lei nº 9.099/95 tenha impedido – com inconstitucionalidade! – o uso da ação rescisória.

A melhor orientação que se compatibiliza com a ordem constitucional brasileira é a que se deve admitir a utilização do mandado de segurança frente aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para controle dos Juizados Especiais, “ainda que a decisão a ser anulada já tenha transitado em julgado, sob pena de se inviabilizar ou, ao menos, limitar, esse controle, que nos processos não submetidos ao Juizado Especial se faz possível por intermédio da ação rescisória”, [28] já que é direito fundamental do jurisdicionado utilizar de todos os meios e recursos inerentes à ampla defesa (art. 5º, LV da Constituição).

Há que se referir, por conseguinte, que caso haja proibição da utilização do mandado de segurança como meio de controle dos Juizados Especiais, entendemos que deve ser considerada inconstitucional, na medida em que o citado mecanismo se configura garantia conferida em sede de Constituição, não podendo permitir que sua incidência seja atenuada por lei infraconstitucional (art. 5º, III da Lei nº 12.016/09), de grau inferior, sobretudo se o writ for o único meio capaz de conferir tutela adequada ao jurisdicionado.


7 Considerações finais: proposta de lege ferenda

O acesso à justiça, inicialmente concebido como acesso formal aos tribunais, passou por evolução histórica, tornando-o direito humano e indispensável à própria configuração do Estado, na medida em que não se pode pensar na vida social harmônica, com proibição da justiça privada, sem a existência de viabilidade a todos os jurisdicionados do efetivo acesso a uma ordem jurídica justa, com garantia dos demais direitos.

Diante de uma sociedade complexa, o processo comum se mostrou ineficiente para a tutela de determinados interesses, encontrando o Estado no Juizado Especial a saída adequada para proporcionar melhora na prestação jurisdicional, sobretudo às pessoas desfavorecidas financeiramente, onde sua instituição reclamou informalidade, simplicidade, economia e celeridade, facilitando, assim, o acesso à justiça a todos os jurisdicionados.

Embora tenha o microssistema dos Juizados Especiais cumprido com os objetivos apregoados pela Constituição, no sentido de garantir a celeridade na prestação jurisdicional, a Lei nº 9.099/95, ao vedar o uso da ação rescisória em seu âmbito, violou e afrontou princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a segurança jurídica, a igualdade entre o tratamento dos jurisdicionados, o devido processo legal e a próprio ideia de acesso à justiça, postulados que se tornaram imprescindíveis para a noção de Estado Democrático de Direito.

Sem embargo, permitir a rescindibilidade da coisa julgada em processo comum e impedir a sua desconstituição, através da ação rescisória nos Juizados Especiais, mesmo que em afronta aos princípios constitucionais, privilegia, com a chancela do Estado Democrático, a classe mais abastada financeiramente da sociedade em detrimento da mais pobre, já que, como veremos, os Juizados Especiais foram criados para atender a classe social desprovida de recursos, facilitando seu acesso à justiça, com consecução de seus direitos.

Como se abordou anteriormente, as hipóteses de cabimento da ação rescisória são excepcionalíssimas e sequer haveria problema na celeridade da prestação jurisdicional. Por outro lado, impedir a rescisão da coisa julgada nos Juizados Especiais, tornando intangível uma decisão mesmo diante de circunstância gravosa para a ordem jurídica, a harmonia social e os princípios constitucionais, sem sombra de dúvidas, só impedirá o eficaz e pleno acesso à ordem jurídica justa.

Não se pode permitir a violação de postulados caros do Estado Democrático de Direito, tais como a segurança jurídica, a dignidade humana, a igualdade, o devido processo legal, em nome e tão-somente da celeridade processual, sobretudo com a permissão do Estado.

Desse modo, visto a existência de possível vício rescindível (hipóteses de cabimento da ação rescisória) nas decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais, sobretudo por não ser permitida a interposição de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (Súmula 203 do STJ), órgão de uniformização do entendimento de lei federal no país, seria de todo modo conveniente que o art. 59 da Lei nº 9.099/95 fosse alterado, permitindo o uso de ação rescisória nos excepcionais casos previstos no Código de Processo Civil, cuja competência para apreciação seria do Tribunal de Justiça do Estado ou do Distrito Federal, reduzindo, contudo, já que se pretende manter o postulado da celeridade processual na seara dos Juizados Especiais, o prazo decadencial pela metade, de modo que passaria a ser de um ano o prazo para o manejo da ação rescisória nos Juizados.

Na pior das hipóteses, que fosse o supracitado art. 59 da Lei nº 9.099/95 extirpado da ordem jurídica vigente, assegurando aos jurisdicionados os postulados do Estado Democrático de Direito que até então tem se encontrado violados.


REFERÊNCIAS

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notas

[1]DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 27.

[2]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 6ª ed. São Paulo: RT, 2008, v. 2, p. 33.

[3]Sob pena de fugirmos do tema, já que o trabalho não permite demasiada extensão, embora se reconheça o liame com o assunto proposto, destaca-se que “apenas” poderia ir a juízo quem detivesse condições de suportar o ônus do processo civil, seja pelo alto custo financeiro (ainda existente!), seja pela demora na conclusão (também existente!), levando o jurisdicionado, muitas vezes sem saída, sacrificar seu direito, desistindo da sua pretensão. Para compreensão mais acurada, conferir: CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Fabris: Porto Alegre, 2002, p. 9-29; BEZERRA, Paulo César Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 181-190; e IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 12-18.

[4]Declaração Universal de Direitos Humanos, Artigo VIII: “Toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. Artigo X: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.

[5]Esse é o posicionamento de Alexandre Freitas Câmara, verbis: “Entre os direitos humanos reconhecidos por diversas declarações nacionais e internacionais, está o direito e acesso à justiça. Este não deve ser visto como mero direito de acesso ao Poder Judiciário. Ao se falar em acesso à justiça, está-se a falar em acesso à ordem jurídica justa. Assim sendo, só haverá pleno acesso à justiça quando for possível a toda a sociedade alcançar uma situação de justiça” (cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. O acesso à Justiça no plano dos direitos humanos. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de (Org.). Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 2, grifo nosso).

[6]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça... Ob. cit., p. 12.

[7]O professor José Roberto dos Santos Bedaque, citando Piero Calamandrei, aduz se concordariam os ingleses em trocar a sua boa justiça pelo alto desenvolvimento científico dos italianos, reclamando a preocupação mesquinha de vários cientistas do direito na briga por conceitos, ou na melhor definição de institutos de ordem processual, quando na verdade o processo necessita trazer resultados com menos tecnicismo e mais justiça (cf. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 19).

[8]RIBEIRO, Adílio Oliveira. O acesso à justiça e os juizados especiais: a busca pela concretização de um direito fundamental. 2008. 129 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa Pós-Graduação em Direito, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, Santo Ângelo, p. 48.

[9]RIBEIRO, Adílio Oliveira. O acesso à justiça e os juizados especiais... Ob. cit., p. 59.

[10]Essa é a mens legis da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que em seu art. 2º aduz: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.

[11]Como aduz João Batista Lopes, a tutela diferenciada significa o conjunto de técnicas e modelos para fazer o processo atuar pronta e eficazmente, garantindo a adequada proteção dos direitos segundo as necessidades de cada caso, obedecidos os princípios, as regra e os valores da ordem jurídica (apud ROSSI, Dieyne Morize. O juizado especial cível como instrumento de efetivo acesso à justiça. 2007. 203 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Centro Universitário Toledo, Araçatuba, p. 55, nota 70).

[12]Nessa parte do artigo falaremos da ação rescisória como meio de garantia constitucional de segurança jurídica ao cidadão, consumidor da prestação jurisdicional, nos limitando, quando da fixação dos conceitos, expor tão-só o núcleo dos institutos mencionados, sem nos aprofundar em temas mais complexos, já que nosso objetivo consiste em chamar a atenção acerca da vedação do emprego desse mecanismo de suma importância, no âmbito dos Juizados Especiais, para o processo civil.

[13]A coisa julgada é o símbolo do compromisso maior do Estado em definir litígios em prol da estabilidade da paz social, dogma este que durante séculos foi tido como absolutamente intocável. A propósito, sobre esse dogma, Eduardo Juan Couture, citando Scassia, afirmou que “a coisa julgada faz do branco o preto, origina e cria as coisas, transforma o quadrado em redondo, altera os laços de sangue e transforma o falso em verdadeiro” (apud CÂMARA. Relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004, p. 4). Várias são as acepções da coisa julgada encontrados em doutrina, sobretudo formal e material, mas interessa-nos para o presente estudo a defendida pelo italiano Enrico Tullio Liebman, onde afirma que a decisão judicial se faz inabalável através da coisa julgada, de modo que o ato estatal emanado se torne imutável e insuscetível de alteração, tornando imperativos todos os seus efeitos (CÂMARA. Lições de direito processual civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, v. 2, p. 490).

[14]FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 841. Cumpre destacar, ainda com o autor, que a coisa julgada não se compromete com a verdade ou a justiça da decisão, já que esta pode, ainda que com grau de imperfeição, malgrado solidificada, resultar na última e imutável definição do Poder Judiciário sobre determinada situação concreta da vida (Idem, p. 822).

[15]MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 42.

[16]Para análise mais acurada sobre a matéria, recomenda-se a leitura do clássico sobra a matéria do professor e magistrado Alexandre Freitas Câmara: Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

[17]Nesse sentido é a lição de José Carlos Barbosa Moreira, citado por Alexandre Freitas Câmara (cf. Lições de direito processual civil... cit., v. 2, p. 9).

[18]Apenas como informação sobre o seu cabimento, é permitido o manejo da ação rescisória quando a decisão judicial for dada a) por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; b) for proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; c) resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; d) ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; e) se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; f) depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; g) houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; h) fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa (ex vi legis art. 485 do Código de Processo Civil).

[19]Inconstitucionalidade, grosso modo para o estudo do presente, pode ser entendida como “a qualidade do que contravém a preceito, regra ou princípio instituído na Constituição. A inconstitucionalidade é revelada por disposição de norma ou ato emanado de autoridade pública, que se mostrem contrários à regra fundamental da Constituição” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21ª ed. São Paulo: Forense, 2003, p. 423).

[20]Assim é o que aduz o Preâmbulo da Constituição da República de 1988, verbis: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. Da mesma sorte, dispõe o art. 5º da Constituição, ipsis litteris: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.

[21]Cf. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 70.

[22]Esse último meio é defendido por Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (cf. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 437).

[23]Idem, ibidem, p. 437.

[24]Idem, ibidem, p. 439.

[25]Em que pese todo direito, em regra, seja líquido e certo, mesmo que aparentemente se mostre doutro modo, para fins de liquidez e certeza que dispõe o art. 5º, LXIX da Constituição, importa que a produção de prova do direito alegado já esteja pré-estabelecida em documentos, senão vejamos na famigerada lição de Hely Lopes Meirelles, ipsis litteris: “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e pronto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais” (cf. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e “habeas data”. 15ª ed. SP: Malheiros Editores, 1994, p. 11).

[26]Alcunha do Superior Tribunal de Justiça. Essa Corte foi instituída pela Constituição Federal de 1988 com a incumbência de uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, seguindo os princípios constitucionais e a garantia da defesa do Estado Democrático de Direito.

[27]STJ, RMS 17.524-BA, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 11 set. 2006, p. 211.

[28]STJ, RMS 30.170-SC, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 13 out. 2010.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Tiago Mantoan Farias. A inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3346, 29 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22515. Acesso em: 3 maio 2024.