Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22841
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O sistema da responsabilidade no Código Civil de 2002: prevalência da responsabilidade subjetiva ou objetiva?

O sistema da responsabilidade no Código Civil de 2002: prevalência da responsabilidade subjetiva ou objetiva?

Publicado em . Elaborado em .

Busca-se saber se há prevalência de um sistema sobre o outro, ou se há uma perfeita complementaridade que nos impediria de apontar qual a regra adotada pelo Código Civil e qual a exceção.

Sumário: INTRODUÇÃO – 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS – 2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL – 3. NOÇÕES DE CULPA E DOLO – 3.1 A Conduta – 3.2 A Imputabilidade – 3.3 A Culpa Lato Sensu – 3.4 Espécies de Culpa – 3.5 Graus da Culpa – 3.6 Culpa e Ato Ilícito – 4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA DO TEMA – 5. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – CONCLUSÃO – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.


INTRODUÇÃO

Neste ensaio pretende-se analisar o Código Civil brasileiro e seu sistema de responsabilidade civil tendo como norte a pergunta que se encontra estampada no título do presente artigo, “O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: Prevalência da Responsabilidade Subjetiva ou Objetiva?”.

Indiscutivelmente é fato que ambos os sistemas foram contemplados pelo legislador pátrio na codificação de 2002. A responsabilidade subjetiva, que ganhou relevo com o Código Napoleônico de 1804 inspirando o código brasileiro de 1916 e que permaneceu viva no art. 186 do diploma atual, assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

De igual modo, nosso o atual parágrafo único do art. 927 contemplou a regra geral da responsabilidade objetiva, ao estabelecer que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, implicar risco para os direitos de outrem.

Com efeito, resta saber se há prevalência de um sistema sobre o outro, ou se há uma perfeita complementaridade que nos impediria de apontar qual a regra adotada pelo Código Civil e qual a exceção.

Para tanto, inicialmente far-se-á uma pequena digressão histórica acerca dos antecedentes da responsabilidade civil para, chegando ao Brasil, lançar o questionamento acima e investigá-lo à luz do Código Civil de 2002.

Antes, contudo, de se adentrar ao cerne do problema proposto estudar-se-á, en passant, os sistemas subjetivo e objetivo de responsabilidade civil e sua importância no direito civil.

Por fim, se passará a uma análise individualizada dos dispositivos do Código Civil pátrio na tentativa de identificar o pilar de sustentação da responsabilidade civil brasileira, com o objetivo de se tentar responder a questão posta.

Feita esta breve apresentação, passemos ao estudo proposto.


1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Nos primórdios vigia a vingança privada[1], coletiva ou não, pelo exercício da auto-tutela. Registra Roberto Senise Lisboa[2], citando Ihering, que:

(...) prevalecia originariamente o sentimento da própria razão, motivo pelo qual a força privada e preponderante era o fundamento do direito. Desse modo, o direito nada mais era do que a força. Não necessariamente a força física tão somente, como se pode imaginar. O que se destacava era a força do mais apto, ou seja, o grupo social melhor organizado possuía melhores condições de sobreviver e de se desenvolver.

Segundo Rodolph Dareste, todos os povos europeus da antigüidade passaram por esse modelo de direito e de justiça, a partir da retribuição privada contra o autor do prejuízo.

Posteriormente o uso consagra a regra jurídica do Talião, que limitava a represália da vítima sobre o agressor à proporcionalidade do dano causado, todavia, a vingança ainda era o fim almejado por aquele que fora inicialmente prejudicado (olho por olho, dente por dente). Nessa fase, o legislador já chama para si o poder de dizer em que circunstâncias a vítima tem o direito à reparação (Lei das XII Tábuas).

Com o passar do tempo advém a prática da composição, onde o prejudicado passa a entrar em acordo (composição) com o autor da ofensa: o qual reparando o dano (poena), receberia o direito ao perdão do ofendido. Posteriormente, tal qual ocorreu no Talião, o legislador sanciona o uso da composição, vedando à vítima o uso da “justiça privada” e compelindo-a a aceitar a composição fixada pela autoridade, que em um momento posterior começa a ter a atribuição de punir (em substituição ao particular) o causador do dano. Isso se dá, pois se percebe que os danos injustos também atingiam a ordem social como um todo (ainda que indiretamente). Surge, daí, a noção de justiça distributiva.

Em seguida nasce a noção, ainda primitiva, de responsabilidade[3]. Foi nesse momento que o Estado assumiu para si a função exclusiva de punir, como já o fizera com a responsabilidade penal. Surge a responsabilidade civil aquiliana, cuja lei esboça um princípio geral regulador da reparação do dano.

A lei Aquiliana possuía três capítulos: a) um que tratava da morte de escravos ou animais que pastavam em rebanhos; b) um que regulava a quitação por parte do adstipulador com prejuízo do credor estipulante; e c) um último que compreendia lesões a escravos ou animais e a destruição ou deterioração de coisas corpóreas.

Com a queda do Império Romano e formação do continente Europeu como comunidade político-cultural diferenciada houve uma cisão nos ordenamentos jurídicos de então: passou-se a conviver o ius commune (direito civil) e o direito canônico. Tal duplicidade de direitos chega à Idade Média marcando o início do processo científico do Direito, estabelecendo-se, no Século XII, o “contágio definitivo”, segundo palavras da professora Judith Martins Costa[4], entre ambos os ordenamentos, o que resultou nas bases do sistema de direito romano-germânico, na qual se insere, também, o direito brasileiro.

Tal sistema (união do direito civil com o direito canônico) conduziu à formação do Direito Natural que, com forte influência do direito canônico, teve seu alicerce construído em uma doutrina de deveres do indivíduo, herança da chamada Moral Cristã, cujo principal axioma era o de que todo o direito poderia ser reduzido à regra: cada qual deve reparar o mal que causou.

A partir dos Séculos XVIII e XIX, a construção da teoria da responsabilidade civil passa a ter por pilares de sustentação assertivas morais (como a da moral cristã, acima externada), que culminam na noção de culpa como seu único fundamento.

Modernamente, a legislação tem no Código Civil francês o modelo de inspiração. Antes do Code Napoléon, porém, o direito francês já exercia forte influência sobre o dos demais povos. Vê-se que de modo gradual foram-se aperfeiçoando as regras romanas na tentativa de substituir a enumeração exaustiva dos casos de composição obrigatória para se chegar a um princípio geral da responsabilidade civil.

Tal princípio geral era a culpa (abrangendo o dolo e a culpa stricto sensu), a qual Domat (citado por Mazeaud et Mazeaud, apud José de Aguar Dias[5]) divide em três espécies: a) aquela que pode gerar a um só tempo responsabilidade penal e civil; b) aquela que se origina do descumprimento de obrigações (culpa contratual); e c) a que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência.

A partir dessa lição, o Código de Napoleão definiu a responsabilidade civil pela idéia culpa, tendo o seu artigo 1.382 sido redigido da seguinte maneira: “Qualquer fato do homem que cause a outrem um dano, obriga aquele pela falta cometida a repará-lo.” (Toute fait quelconque de l’homme que cause à autrui un dommage, oblige celui par la farite duqel il esi arrivé à le rèparer.)

Considera-se tal dispositivo a fonte legislativa da teoria da responsabilidade civil. Ora, se alguém é responsável por fatos pessoais, é porque tal conduta constitui “uma culpa” e conseqüentemente exige uma reparação.

Pelo sistema introduzido a partir do referido dispositivo do Código de Napoleão, o dano causado por uma conduta não culposa não interessa à teoria da responsabilidade civil. Assim, aquele que agiu irrepreensivelmente e, mesmo assim, causou dano, não deve ser condenado a repará-lo. Nesse caso, a vítima é tida como uma “eleita do destino”[6].


2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL

A história da responsabilidade civil no Brasil tem início com o Código Criminal de 1830. Tal Código corporificou a previsão constitucional de 1824 que determinava a organização de um Código Civil e Criminal fundado na justiça e equidade.

Nesse Código se estabelecia a reparação natural (se possível), a indenização, a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da reparação, a contagem dos juros reparatórios, a solidariedade, hipoteca legal, transmissibilidade do dever de reparar e do crédito aos herdeiros, dentre outras previsões fundadas nas noções de justiça e equidade reinantes à época. Todavia, estabelecia a vinculação entre as esferas penal e civil, já que condicionava a reparação à condenação penal, critério esse que só foi abandonado com a Lei nº 261 de 1841.

Posteriormente, vieram as chamadas Consolidações, assim descritas por Aguiar Dias, verbis:

A Consolidação de Teixeira de Freitas e a Nova Consolidação de Carlos de Carvalho marcam novas fases da evolução do direito brasileiro. Revelaram o interesse crescente pela solução e, até, em certos casos, principalmente o trabalho genial do primeiro, levaram vantagem sobre o Código Civil: pelo menos não continham como dispositivo o art. 1.523 do Código Civil de 1916, fonte de uma jurisprudência anacrônica, hoje sem o seu suporte fático, já que o Código Civil de 2002 estabeleceu uma responsabilidade objetiva para as pessoas indicadas nos incisos I a IV do art. 932 (antigo art. 1.521 do Código de 1916), encerrando a discussão que o referido art. 1.523 encorajava.[7]

Relativamente ao Código Civil de 1916, o professor Aguiar Dias afirma que se tratava de diploma que se tornara antiquado no que se refere ao problema da responsabilidade civil: eminentemente subjetivista, ponto sob o qual a doutrina não diverge[8], todo o sistema da responsabilidade civil se fundava na culpa (inspirado no Código de Napoleão), com algumas poucas exceções.

E Código Civil de 2002? Embora a culpa não tenha sido afastada, há quem afirme que a evolução da responsabilidade civil privilegiou a sistema da responsabilidade objetiva (evolução no pensamento durante do Século XX). Assim, segundo esses autores[9], exsurge a responsabilidade subjetiva sempre que inexistir previsão expressa consagrando a responsabilidade objetiva.

Chega-se então ao tema central do presente artigo que buscará verificar dentre as normas dispostas no diploma Substantivo Civil Pátrio e na legislação civil esparsa se se pode, efetivamente, afirmar, como o fez Cavalieri[10], que o sistema atual é objetivista.

Contudo, antes de se adentrar definitivamente na temática proposta, faze-se necessário, ainda que rapidamente, traçar as características de cada um dos sistemas postos em confronto: o subjetivista e o objetivista.


3. NOÇÕES DE CULPA E DOLO

Tomemos por base a exposição do professor Arnaldo Rizzardo[11], que ao iniciá-la declina seis noções (definições) de culpa, sendo que a maioria delas (Capitant, Savatier, Caio Mário da Silva Pereira) a enxergam sob a ótica da noção de dever: seria, em breves palavras, a inexecução de um dever (por ato comissivo ou omissivo) que o agente podia conhecer e observar, em regra o dever de não prejudicar ninguém.

Para Mazeaud e Mazeaud[12], citados por Rizzardo, a culpa estaria relacionada com o conceito de erro de conduta, que ocorreria com o afastamento do agente de um procedimento tido como padrão.

Outros ainda, como os alemães, prossegue o referido autor, situam a culpa como fenômeno eminentemente moral. Seria a vontade intencional dirigida a um determinado resultado (ilícito). Nesse sentido, a culpa corresponderia ao próprio dolo.

Por fim, menciona que os italianos (Impallomeni e Carrara) falam em inobservância da diligência ou transgressão de norma de conduta, o que aproxima muito a culpa, no nosso modo de ver, do conceito de erro de conduta (Mazeaud e Mazeaud).

O dolo, por sua vez, é a prática voluntária de um ato que importe em infração à lei[13]. O agente, se conduzindo voluntariamente, deseja o resulta ou assume o risco de produzi-lo.

Importante frisar, como o fazem João Agnaldo Donizeti Gandini e Diana Paola da Silva Salomão que “A culpa, para a responsabilização civil, é tomada pelo seu vocábulo lato sensu, abrangendo, assim, também o dolo, ou seja, todas as espécies de comportamentos contrários ao direito, sejam intencionais ou não, mas sempre imputáveis ao causador do dano.”[14]

O direito civil brasileiro não confere muita relevância a essa distinção no momento de avaliar a responsabilidade do agente causador do dano, mas o art. 186 do Código Civil fez questão de mencionar as duas espécies de conduta: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”[15]

3.1 A Conduta

Cavalieri[16] afirma que há doutrinadores que ao tratarem do primeiro pressuposto da responsabilidade extracontratual subjetiva se referem exclusivamente à culpa. Ele, ao contrário, prefere tratar da conduta culposa. Afirma que a culpa, apartada da conduta, só possui relevância conceitual. Já atrelada à conduta, terá relevância jurídica, eis que é a conduta culposa que causa o dano que se deve reparar.

Conceituando a conduta, diz que é o comportamento humano voluntário (aspecto psicológico da conduta) exteriorizado por meio de uma ação ou omissão (aspectos físicos da conduta), que produz conseqüências jurídicas.

A ação, sob esse contexto, nada mais é do que o movimento corpóreo positivo que provoca dano a outrem. Trata-se da forma mais comum de manifestação da conduta, eis que no domínio extracontratual a regra geral de conduta é a da abstenção da prática de atos lesivos, cujo descumprimento se obtém com um fazer.

A omissão, ao contrário, é o não fazer, é a conduta negativa. Sabe-se que do não fazer não se pode gerar um dano, já que, afirma Cavalieri, do nada, nada provém. Todavia, tal conduta negativa adquire relevância jurídica quando aquele que se omite tinha o dever jurídico de agir impedindo o resultado danoso.

Por derradeiro, é de se dizer que como regra as pessoas só são responsáveis por suas próprias condutas (responsabilidade direta). Entretanto, a lei pode fazer surgir a responsabilidade de alguém por fato que ele próprio não cometeu, mas uma outra pessoa por quem está de algum modo responsável (dever de guarda, vigilância e cuidado). Surge aí, a chamada responsabilidade por fato de terceiro[17].

“Em última instância, estas pessoas não respondem por fato de outrem, mas pelo fato próprio da omissão.”[18]

3.2 A Imputabilidade

A culpa pressupõe uma censurabilidade que depende da capacidade psíquica de entendimento e autodeterminação do causador do dano. Essa prévia censurabilidade é que nos leva ao conceito de imputabilidade.

Pode-se conceituar o termo como sendo o conjunto de condições pessoais (indivíduo mentalmente são e desenvolvido) que confere ao agente a capacidade de responder pelas conseqüências dos seus atos, sendo, portanto, pressuposto não apenas da culpabilidade, mas da própria responsabilidade.

A imputabilidade possui dois elementos básicos: a maturidade e a sanidade mental. Aos menores de idade, na forma da lei, portanto, falta-lhes a maturidade, aos que sofrem de enfermidade ou deficiência mental (amentais), falta-lhes a sanidade. Esses são os motivos da sua inimputabilidade.

Vários países, contudo, admitem a responsabilidade dos amentais (Alemanha, Suíça, a Antiga União Soviética, a Itália, o México, a Espanha). O Brasil, em seu art. 928, optou por um critério mitigado:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Assim, nos é autorizado concluir que a inimputabilidade não afasta o dever de indenizar, desde que presente duas condições: ser o ato culpável se houvesse sido praticado por alguém imputável (há de se verificar inclusive se há causas que afastam a culpabilidade, sempre considerando o caso como se uma pessoa imputável o houvesse praticado); e possuir, o inimputável, bens suficientes para reparar o dano sem prejudicar-lhe o direito a alimentos e àqueles que dele dependem.

Contudo, não se pode negar que a responsabilidade do inimputável se aproximaria em muito da noção de responsabilidade objetiva, pois mesmo que presente a culpa na conduta, acaso houvesse sido praticada por uma pessoa imputável, não estaríamos diante de uma pessoa em tais condições.

Portanto, não há que se falar, in concreto, em culpabilidade, de modo que, se o dever de repara o dano recair sobre o inimputável, estaremos diante de um dever de indenização objetivamente posto, ainda que subsumido a um critério de equidade.[19]

Este tema, contudo, será objeto de análise um pouco mais detida no tópico dedicado à responsabilidade civil no código civil de 2002.

3.3 A Culpa Lato Sensu[20]

Somente a imputabilidade não é suficiente para gerar o dever de indenizar, o agente causador do dano deve ter se conduzido culposamente. Mas o que é a culpa?

Entende-se por conduta, conforme já destacado, o comportamento humano voluntário que se exterioriza por meio de uma ação ou omissão. A vontade é o elemento subjetivo da conduta, sua carga de energia psíquica que impele o agente; é o impulso causal do comportamento humano. Esta, todavia, tem graus, pode atuar com maior ou menor intensidade. O ser humano pode querer mais ou menos, pode ter maior ou menor determinação no seu querer, mas sempre haverá um mínimo de vontade em sua conduta.

Daí ser possível que o indivíduo, em sua conduta anti-social, aja tencional ou intencionalmente. Conduta voluntária é sinônimo de conduta dominável pela vontade, mas não necessariamente por ela dominada ou controlada, o que importa dizer que nem sempre o resultado será querido. Para haver vontade basta que exista um mínimo de participação subjetiva, uma manifestação do querer suficiente para afastar um resultado puramente mecânico. Haverá vontade desde que os atos exteriores, positivos ou negativos sejam oriundos de um querer íntimo livre.

(...)

Já a intenção é a vontade dirigida a um fim determinado.[21]

Muito se discute sobre a utilizada de distinção entre dolo (intenção – vontade livremente dirigida para a prática de um ato na busca do resultado danoso) e culpa[22] (vontade livremente dirigida a prática de um ato sem desejar o resultado danoso) já que o nosso Código Civil não faz distinção entre um e outro no momento da fixação da indenização (art. 403[23]). De fato, a tônica do CC/02 é no sentido de buscar a reparação do dano, tenha sido ele praticado por uma conduta culposa ou dolosa, diferentemente do que ocorre no direito penal, onde a gradação do elemento subjetivo é fundamental para a aplicação da pena.

Por outro lado, o próprio CC/02 mitiga essa regra ao normatizar no art. 944, parágrafo único[24] que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz poderá reduzir equitativamente o valor da indenização.

De toda sorte, fácil é a caracterização (teórica) do dolo, já que o indivíduo dirige sua conduta voluntária a um ato na busca de um resultado específico, tendo a consciência de que se trata de ato ilícito. Na culpa há maior dificuldade, eis que tem por essência o descumprimento de um dever de cuidado objetivo, que se consubstancia na cautela necessária a todos os que convivem em sociedade de modo que sua ação ou omissão não venha a causar dano a quem quer que seja.

“Outro ponto a ser destacado é que não importa o fim do agente (sua intenção) – que normalmente é lícito –, mas o modo e a forma imprópria do seu atuar.”[25] Por isso se fala em erro de conduta, já que por erro na condução do seu atuar, o agente pratica, sem desejá-lo, ato que gera dano a outrem.

E prossegue o autor: “Por tudo que foi dito, pode-se conceituar a culpa como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.”[26]

Se o resultado é previsto (mentalmente antevisto), embora não desejado, tem-se a culpa com previsão ou consciente (muito próxima do dolo eventual). Não sendo previsto, o resultado há de ser ao menos previsível para que a culpa seja caracterizada. A previsibilidade para a caracterização da culpa não é, contudo, a previsibilidade genérica, abstrata, sobre algo que um dia pode acontecer, mas a previsibilidade atual, relativa às circunstâncias do momento em que a conduta é realizada.

Sem previsibilidade sai-se do terreno da culpabilidade para se ingressar na esfera do caso fortuito ou da força maior (causas excludentes do nexo de causalidade).

Mas, diante desse quadro, poder-se-ia perguntar: se o resultado era previsto ou ao menos previsível, porque não foi evitado? A resposta está na essência do conceito de culpa: pois se faltou com o dever de cuidado (cautela).

Essa falta de cuidado se externa, normalmente, sob três formas (modalidades), a imprudência, a negligência e a imperícia[27]:

·           Imprudência: é a falta de cautela ou cuidado em face de conduta comissiva (ex.: dirigir com excesso de velocidade).

·           Negligência: é a falta de cautela ou cuidado em face de conduta omissiva (ex.: dirigir carro com pneus gastos).

·           Imperícia: é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica (ex.: dirigir carro sem habilitação).

Em resumo, pode-se dizer que a imperícia denota falta de habilidade para atuar da forma que se pretende. A negligência aponta para uma falta de diligência, atenção, previdência ao praticar determinado ato. Já a imprudência corresponde a uma precipitação da conduta, insensatez e desprezo pelo dever de cuidado (normalmente se relaciona ao excesso de confiança, especialmente quando se trata de delitos de trânsito).

Essas modalidades muitas vezes se confundem. Tanto que se costuma utilizar o conceito genérico de culpa como a falta do dever de cuidado próprio do homem médio, bonus pater familiae.

3.4 Espécies de Culpa

O conceito ontológico de culpa é imutável: violação de um dever de cuidado, como dito anteriormente. Todavia, a conduta culposa pode-se dar em modalidades diversas. Examinando a culpa, por exemplo, pelo ângulo da gravidade, ela poderá ser grave, leve ou levíssima.

No primeiro caso termos uma falta de cautela grosseira, um descuido injustificado. Será o caso da culpa consciente que muito se aproxima do dolo eventual. Será leve se a falta pudesse ter sido evitada por meio da atenção ordinária (cuidado próprio do bonus pater familiae). Já a levíssima se dá quando a falta é extraordinária, ou seja, a atenção para se evitar o dano teria de ultrapassar a atenção própria do homem comum.

Quanto à natureza do dever violado a culpa pode ser contratual ou extracontratual. A primeira, como o próprio nome permite antever, trata-se do descumprimento de uma obrigação contratualmente firmada. A extracontratual, é a culpa aquiliana, a culpa pela não observância das regras de cuidado ordinárias, da vida comum.

Há também as chamadas culpa in eligendo e in vigilando. Aquela é culpa pela má escolha do preposto, já esta pela falta de atenção ou cuidado com o procedimento de outra pessoa que estava sob sua guarda ou responsabilidade.

Atenção especial merecem os conceitos de culpa presumida e culpa contra a legalidade.

Sobre o tema, diz o autor: “A prova da culpa, em muitos casos, é verdadeiramente diabólica, erigindo-se em barreira intransponível para o lesado. Em casos tais, os tribunais têm examinado a prova da culpa com tolerância, extraindo-a, muitas vezes, das próprias circunstâncias em que se dá o evento.” (Cavalieri, 2010, p. 38)

A culpa presumida foi um dos estágios na longa evolução do sistema da responsabilidade subjetiva ao da responsabilidade objetiva. Em face da dificuldade de se provar a culpa em determinadas situações e da resistência dos autores subjetivistas em aceitar a responsabilidade objetiva, a culpa presumida foi o mecanismo encontrado para favorecer a posição da vítima. O fundamento da responsabilidade, entretanto, continuou o mesmo – a culpa; a diferença reside num aspecto meramente processual de distribuição do ônus da prova Enquanto no sistema clássico (da culpa provada) cabe à vítima provar a culpa do causador do dano, no de inversão do ônus probatório atribui-se o demandado o ônus de provar que não agiu com culpa.

Sem se abandonar, portanto, a teoria da culpa, consegue-se, por via de uma presunção, um efeito prático próximo ao da teoria objetiva. O causador do dano, até prova em contrário, presume-se culpado; mas, por se tratar de presunção relativa – juris tantum –, pode-se elidir essa presunção provando que não teve culpa.[28]

A culpa contra a legalidade, por sua vez, é aquela contra texto expresso de lei ou regulamento. “A mera infração da norma regulamentar é fator determinante da responsabilidade civil; cria em desfavor do agente uma presunção de ter agido culpavelmente, incumbindo-lhe o difícil ônus da prova em contrário.”[29]

Por fim, não se pode esquecer da chamada culpa concorrente[30], que ocorre quando paralelamente à conduta do agente causador do dano, há a conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre da conduta culposa de ambos.

O estudo da culpa concorrente visa aferir em que medida a conduta culposa de cada um dos envolvidos no evento danoso – do agente causador do dano e da vítima que agiu culposamente –, influencio no resultado a ser reparado. Assim, tal estudo muito se aproxima do estudo do nexo de causalidade e das teorias que o embasam.

Havendo culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência recomendam dividir a indenização, não necessariamente pela metade, como querem alguns, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos. Esta é a lição de Cunha Gonçalves, citada por Sílvio Rodrigues: “A melhor doutrina é a que propõe a partilha dos prejuízos: em parte iguais, se forem iguais as culpas ou não for possível provar o grau de culpabilidade de cada um dos co-autores; em partes proporcionais aos graus de culpas, quando estas forem desiguais. Note-se que a gravidade da culpa deve ser apreciada objetivamente, isto é, segundo o grau de causalidade do acto de cada um. Tem-se objetado contra esta solução que ‘de cada culpa podem resultar efeitos mui diversos, razão por que não se deve atender à diversa gravidade das culpas’; mas é evidente que a reparação não pode ser dividida com justiça sem se ponderar essa diversidade”.

O mestre Aguiar Dias endossa esse entendimento ao declarar, expressamente: “Quanto aos demais domínios da responsabilidade civil, a culpa da vítima, quando concorre para a produção do dano, influi na indenização, contribuindo para a repartição proporcional dos prejuízos.”.[31]

Além dessas espécies, ainda há quem classifique a culpa em:

·           Culpa in comitendo: é praticada por ação.

·           Culpa in omitendo: é praticada por omissão.

·           Culpa in custodiendo[32]: é a ausência do dever de cuidado com coisas ou animais.

·           Culpa presumida: inversão do ônus da prova, na tentativa de favorecer a posição fragilizada da vítima. Trata-se de presunção júris tantum.

3.5 Graus[33] da Culpa

A pergunta que se faz aqui é se o grau da culpa tem alguma influência na fixação da indenização.

A resposta é: via de regra não. A indenização é fixada tendo-se em vista a extensão do dano. Essa é a dicção do art. 944, caput do Código Civil.

No direito italiano, segundo lição de Pontes de Miranda, a regra é diferente. Segundo o art. 1.225 do Código Civil daquele país, a graduação da culpa é relevante, sim, para a fixação do montante da indenização.

Todavia, o parágrafo único do art. 944, do diploma civil pátrio, atenua a peremptoriedade da regra estampada na cabeça do dispositivo aduzindo que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. Essa regra é muito comum de ser aplicada nos casos de concorrência de culpas, onde todas as condutas serão analisadas e sopesadas as responsabilidades individuais pela realização do evento danoso.

Além do temperamento imposto pelo parágrafo único acima mencionado, o direito brasileiro tem regras, ainda que esparsas, que determinam a observância do grau de culpa na aferição da indenização pelo dano causado, como são exemplos:

·           A repetição da dívida (art. 940, CC/02): aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado.

·           Para se caracterizar a figura dos sonegados, há se comprovar o dolo do herdeiro, art. 1.992, CC/02.

·           A comprovação da má-fé é necessária à responsabilização do cedente pela existência da coisa, se a cessão houver sido a título gratuito (art. 295, CC/02).

Observe-se, contudo, que essas e outras normas são exceções expressas à regra estampada no caput do art. 944 do CC/02, que norteia a fixação da indenização no direito brasileiro.

Assim, como menciona Rizzardo[34], a observação de Serpa Lopes ainda perdura “se, do ponto de vista moral, sensível é a diferença entre aquele que age dolosamente e o que procede com absoluta negligência, entretanto, em relação aos efeitos, são de gravidade idêntica, em razão do que muito natural a exigência de uma idêntica repressão civil.”

3.6 Culpa e Ato Ilícito

O ato ilícito caminha de mãos dadas com a culpa (lato sensu – dolo e culpa em sentido estrito). Não há o ilícito (transgressão do direito) sem a prévia existência da conduta culposa (ação ou omissão que provoca o dano injusto).

Não se deve relacionar, contudo, o dano e a responsabilidade tão somente com a prática de um ato ilícito. Isto seria um reducionismo indevido, eis que o dano e a conseqüente responsabilidade podem derivar também da prática de um ato lícito.

Os requisitos da responsabilidade civil por ato ilícito são de duas ordens, objetivos e subjetivos. Nos objetivos encontram-se os seguintes elementos: a conduta contra o direito, o resultado danoso e nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Nos subjetivos elencam-se dois elementos: a culpa em sentido lato e a imputabilidade, que é a capacidade do agente de responder pelas conseqüências dos seus atos (inteligência, liberdade e vontade).

Assim, na lição de Savatier não há ato ilícito sem a culpabilidade e não culpabilidade sem imputabilidade.


4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA: BREVE PANORAMA HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA DO TEMA

Vista a noção lata de culpa e suas implicações, importante verificarmos o outro sistema de responsabilidade civil adotado pelo nosso ordenamento e sua incidência no Código Civil de 2002.

Assim, antes de passarmos à análise dos dispositivos do nosso diploma substantivo civil, mister tecermos, ainda que breves, algumas considerações sobre o instituto da responsabilidade civil objetiva, seu surgimento e sua importância para o direito civil pátrio.

Toda a bibliografia consultada na elaboração deste artigo foi uníssona ao registrar que o progresso, o desenvolvimento industrial, e a conseqüente multiplicação dos danos daí decorrentes acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias que tendessem à propiciar uma maior proteção às vítimas desses infortúnios.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa “Os tribunais foram percebendo que a noção estrita de culpa, se aplicada rigorosamente, deixaria inúmeras situações de prejuízo sem ressarcimento.”[35] Eis que a dificuldade de o lesado produzir a prova de que o acidente que sofrera ao manusear determinada máquina, por exemplo, seria de tão exacerbada que o dano restaria por tornar-se indenizável.

E prossegue o autor:

Com isso, a jurisprudência, atendendo a necessidades prementes da vida social, ampliou o conceito de culpa. Daí ganhar espaço o conceito de responsabilidade sem culpa. As noções de risco e garantia ganham força para substituir a culpa. No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações ordenadas da teoria objetiva ou teoria do risco. Sob esse prisma, quem, com sua atividade ou meios utilizados, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um benefício Nesse aspecto, cuida-se do denominado risco-proveito. A dificuldade está em evidenciar o proveito decorrente dessa atividade, que nem sempre fica muito claro. Pode-se pensar nessa denominação para justificar a responsabilidade sem culpa, desde que não se onere a vítima a aprovar nada mais além do fato danoso e do nexo causa.[36]

Seguindo esse mesmo raciocínio, Regina Beatriz Tavares da Silva[37], citando diversos autores, declina idéia análoga:

·           Os novos inventos, a intensidade da vida e a densidade das populações aproximam cada vez mais os homens, intensificando suas relações, o que acarreta um aumento vertiginoso de motivos para a colisão de direitos e os atritos de interesses, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes tinha caráter individual (cf. José de Aguar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 13).

·           Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de “reparar o dano”, explicando-o por meio de seu resultado, já que a idéia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 7-11).

·           Foi assim que a teoria da responsabilidade civil evoluiu de um conceito em que se exigia a existência de culpa para a noção de responsabilidade civil sem culpa, fundamentada no risco. Os perigos advindos da vida moderna, a multiplicidade de acidentes e a crescente impossibilidade de provar a causa dos sinistros e a culpa do autor do ato ilícito acarretaram o surgimento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, a demonstrar que o Direito é “uma ciência nascida da vida e feita para disciplinar a própria vida” (cf. Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1960, p. 15-7)

·           (...)

·           Na teoria do risco não se cogita da intenção ou do modo de atuação do agente, mas apenas da relação de causalidade entre a ação lesiva e o dano (v. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil nas atividades nucleares, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985). Assim, enquanto na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, fundamenta no risco, na qual basta a existência do nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.

Nessa mesma esteira segue Senise Lisboa que em sua obra aponta, verbis:

Com a revolução industrial, sucedeu a implementação dos meios de produção, de comunicação e de transporte. Esses acontecimentos modificaram a orientação doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade civil, ante a dificuldade de prova da culpa do autor do ilícito pelos prejuízos sofridos pela vítima, conseqüentes do uso das máquinas.

Algumas atividades passaram a ser consideradas perigosas por sua natureza ou por determinação legal, a saber: a produção industrial e os transportes coletivos.

A teoria da responsabilidade subjetiva, no entanto, demonstrava-se completamente incapaz para conceder o direito à indenização que a vítima ou sua família teria. A culpa, que passou a integrar a teoria da responsabilidade com a lex Aquilia de damno, em atendimento a um plebiscito popular, para proteger a plebe dos abusos praticados pelos patrícios, transmuda-se no principal óbice para se conceder a indenização em prol da vítima ou de sua família, em virtude da morte. Não havia como demonstrar que o proprietário da caldeira teria agido com culpa para que ela explodisse, gerando a  morte de seu empregado e de outras pessoas. E a culpa, cuja noção praticamente se confundiu com a de responsabilidade durante a era medieval, não era comprovada, ficando a vítima à mercê de um milagre.

A jurisprudência procurou atenuar o rigor imposto pela legislação, ao estabelecer presunções ao regime da subjetivação. Chegou a criar teorias intermediárias da responsabilidade, como a da obrigação de meio e de resultado, que lida com a questão do ônus da prova da culpa, até evoluir à teoria da culpa objetiva.

A doutrina e a jurisprudência do século XIX, a partir dos estudos de Salleiles e de Josserand, passaram a reconhecer a responsabilidade do administrador da atividade, independentemente da existência de sua culpa ou dolo, pelo risco que ela oferecia às pessoas.

A exacerbação do perigo à vida e à saúde humanas sucedeu com a manipulação do átomo e a utilização da energia retirada de seu núcleo (atividade nuclear).

Em tais atividades, considera-se desnecessária qualquer indagação acerca da culpa ou dolo do seu respectivo responsável, que deverá ressarcir os danos porventura verificados em desfavor da vítima.

O reconhecimento da responsabilidade objetiva corrobora a tese segundo a qual o elemento nuclear da responsabilidade é o dano, e não a culpa do autor do ilícito, que somente despontou a partir da lei aquiliana.[38]

Vê-se, portanto, que o surgimento da teoria da responsabilização objetiva, baseada no proveito/lucro que se extrai de uma determinada atividade, tinha por escopo preencher vazio normativo aberto com a adoção da teoria da responsabilização subjetiva e, desse modo, evitar que injustiças viessem à tona em função de uma dificuldade eminentemente processual: a produção da prova da culpa por parte do ofendido (na grande maioria das vezes, para não dizer em todas as vezes, hipossuficiente).

Em resumo, o sistema da responsabilidade fundada na culpa não era mais suficiente e precisava ser complementado.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultante (ubi emolumentum, ibi ônus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos).

No direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob duas faces: a teoria do risco e a teoria do dano objetivo.

Pela última, desde que exista um dano, deve ser ressarcido, independentemente da idéia de culpa. Uma e outra consagram, em última análise, a responsabilidade sem culpa, a responsabilidade objetiva. Conforme assinala Ripert, mencionado por Washington de Barros Monteiro, a tendência atual do direito manifesta-se no sentido de substituir a idéia da responsabilidade pela idéia da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva.[39]

Nesse contexto, vem à tona o problema declinado no início deste artigo: o Código Civil de 2002 é objetivista ou, como seu antecessor (Código Civil de 1916), permanece fiel à teoria subjetivista da responsabilidade civil? É o que se passará a verificar agora, com base na análise dos dispositivos insertos no referido diploma.


5.  A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Ao se debruçar sobre o tema, o profissional do direito, de início, vê que o Código Civil de 2002, como não poderia deixar de ser, não abandonou o sistema da responsabilidade civil subjetivista.

O seu artigo 186, que praticamente repete a regra geral estatuída pelo já ultrapassados diploma civil de 1916 em seu art. 159[40], assim dispõe:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Tal norma, do mesmo modo que fazia o vetusto Código de 1916, traz na culpa o centro da responsabilidade subjetiva, embora tenha descrito o ato ilícito com técnica mais apurada que o legislador do início do século XX, como afirma Carlos Roberto Gonçalves:

O capítulo referente aos atos ilícitos, no Código Civil, contém apenas três artigos: 186, 187 e 188. Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos arts. 927 a 943 (“Da Obrigação de Indenizar”) e 944 a 954 (“Da Indenização”).

O novo Código aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o pratica quem “violar direito e causar dano a outrem” (art. 186 – grifo nosso), substituindo o “ou” (“violar direito ou  causar dano a outrem”) que constava do art. 159 do diploma de 1916. Com efeito, o elemento subjetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. A obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação do direto e do dano, concomitantemente.[41]

Por essa leitura, poder-se-ia concluir que de fato o sistema adotado pelo Código Civil de 2002 continua sendo predominantemente subjetivista e contrariando a tese defendida, dentre outros, por Cavalieri[42]. Todavia, o Código Civil prossegue, e ao tratar da obrigação de indenizar, no título reservado à responsabilidade civil, dispõe de modo diverso no parágrafo único do art. 927, senão vejamos:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O caput do artigo se reporta ao conceito de ato ilícito, que se encontra vinculado à noção de culpa, no entanto, o parágrafo único assevera que, independentemente de culpa haverá a obrigação de rapar o dano em duas situações:

·           Quando a lei assim especificar;

·           Quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para outrem.

Vemos, deste modo que sempre que a lei dispuser que a responsabilidade não depender da culpa, haverá a obrigação de indenizar; do mesmo modo, sempre que a atividade desenvolvida implicar, por sua natureza, risco, também haverá a obrigação de indenizar, ainda que não haja culpa do agente causador do dano.

Mas nessa segunda hipótese, quem definirá se a atividade, por sua natureza, implica em risco para os direitos de outrem? O Poder Público por meio da jurisprudência. Nesse sentido doutrina Senise Lisboa em duas passagens de sua obra:

A intervenção do Poder Público nas relações privadas continua sendo necessária. Equilibrar a relação jurídica e proteger a pessoa em sua dignidade é fundamental. Extrair valores que agilizem a solidariedade social na prática é primordial. A socialização dos riscos deve sofrer uma mudança de rumo para cumprir a sua vocação.

O novo código reconhece a responsabilidade sem culpa quando estabelecida por lei, porém avança significativamente ao permitir que a julgador estabeleça outras hipóteses de responsabilidade objetiva, tendo como parâmetro a periculosidade da atividade para terceiros.

Desse modo, o poder público passa a intervir nas relações obrigacionais de forma mais criteriosa, dispondo a legislação de norma que confere ao julgador poderes mais amplos para viabilizar a reparação dos danos sofridos pela vítima, afastando a necessidade de demonstração da culpa, a partir do art. 927, parágrafo único.[43] (grifo nosso)

(...)

Quando a norma jurídica determinar a hipótese de responsabilidade objetiva, simplesmente o intérprete deverá se pautar pelo regime jurídico expresso na lei. No entanto, a jurisprudência também poderá fixar a responsabilidade objetiva, conforme expressamente preconiza o art. 927, parágrafo único, da lei civil vigente: haverá de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Tal norma jurídica é elogiável porque permite ao julgador exercer um papel fundamental na relação processual que é a ele submetida, identificando outras hipóteses de responsabilidade objetiva que não aquelas previstas em lei. Com isso, revona-se de forma constante a teoria da responsabilidade civil estatuída no código atual, mediante a utilização judicial do princípio estabelecido no artigo 927, a saber: a aplicação da teoria do risco pela natureza da atividade.

(...)

Sempre que houver risco à vida, à saúde ou à segurança de pessoas que se utilizam da atividade do agente ou, ainda, de quem sequer delas se beneficia, poderá o juiz impor o dever de reparação do dano, justificando a desnecessidade da demonstração de culpa por causa da natureza da atividade exercida pelo réu.[44]

Reforçando esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves leciona:

No regime anterior, as atividades perigosas eram somente aquelas assim definidas em lei especial. As que não o fossem, enquadravam-se na norma geral do Código Civil, que consagrava a responsabilidade subjetiva. O referido parágrafo único do art. 927 do novo diploma, além de não revogar as leis especiais existentes, e de ressalvar as que vierem a ser promulgadas, permite que a jurisprudência considere determinadas atividades já existentes, ou que vierem a existir, como perigosas ou de risco.

Essa é, sem dúvida, a principal inovação do Código Civil de 2002, no campo da responsabilidade civil.[45] (grifo nosso)

Deste modo, temos que o novo Código Civil estabelece que a periculosidade da atividade é um parâmetro fundamental a ser considerado pelo órgão julgador, a fim de fixar a responsabilidade civil sem culpa. Assim, quando há lei fixando expressamente a responsabilidade objetiva, ou quando (nos casos de inexistência da lei) o judiciário não considerar a atividade perigosa para fins de responsabilização, nos termos do parágrafo único do art. 927, acima transcrito, deve o intérprete recorrer ao sistema subjetivo encartado no art. 186 do Código Civil de 2002.

Percebe-se que há tanto uma cláusula geral para o sistema subjetivo, quanto uma cláusula geral para o sistema objetivo de responsabilidade civil. Todavia, além do parágrafo único do art. 927, o próprio Código nos traz outras prescrições interessantes sobre o tema. Uma delas é a do art. 928 que trata da responsabilidade civil do incapaz (seja o menor de idade, seja o amental), litteris:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Vimos, quando analisamos os pressupostos da culpa, que para ser culpável a conduta há de voluntária e censurável. A voluntariedade é elemento essencial para que uma ação ou omissão seja considerada uma conduta, a fim de afastar a responsabilidade em razão de atos reflexos, por exemplo. Do mesmo modo, a censurabilidade social da conduta também é pressuposto essencial à análise da culpa, já que ela é que denotará a capacidade do agente de entender e, por tanto, responder por seus atos, ou seja ela é quem nos levará à imputabilidade.

Nesse sentido, para que uma conduta por ser imputável a um determinado agente, como anteriormente mencionado, há de se preencher dois elementos: a maturidade (maior idade civil) e a sanidade mental.

Então, fácil perceber que ao menor de idade lhe falta um dos elementos, a maturidade; e ao amental, o outro elemento, a sanidade; razão pela qual não poderiam ser diretamente responsabilizados pelos atos que viessem a praticar. O que nos leva a concluir, portanto, que num primeiro momento não haveria que se falar em aplicação do art. 186 do Código Civil àqueles desprovidos de maturidade ou sanidade mental.

Contudo, o art. 928 dispõe de forma diversa ao prescrever a responsabilidade dos incapazes, quando seus responsáveis não tiverem a obrigação ou não dispuserem de meios suficientes para arcar com a reparação do dano.

Seguindo o raciocínio até aqui desenvolvido, a leitura que se deve fazer do dispositivo em questão é que primeiramente os responsáveis deverão responder pelos incapazes sob sua guarda ou tutela, salvo, e aí vem a exceção, se não dispuserem de meios para tanto ou não tiverem obrigação de fazê-lo. Nestes casos, a responsabilidade recairá sobre o próprio incapaz, sendo, todavia, fixada por equidade, de modo a não privar-lhe, ou as pessoas que dele dependem, do necessário à sobrevivência[46].

Assim, nos é autorizado concluir que a inimputabilidade não afasta o dever de indenizar, desde que presente duas condições: ser o ato culpável, acaso houvesse sido praticado por alguém imputável (há de se verificar inclusive se há causas que afastam a culpabilidade, sempre considerando o caso como se uma pessoa imputável o houvesse praticado)[47]; e possuir, o inimputável, bens suficientes para reparar o dano sem prejudicar-lhe o direito a alimentos e àqueles que dele dependem.

Contudo, não se pode negar[48] que a responsabilidade do inimputável é mais um exemplo de responsabilidade objetiva, pois mesmo que presente a culpa na conduta, em se considerando a prática do referido ato por uma pessoa imputável, não estaríamos diante de uma pessoa em tais condições[49]. Portanto, não haveria que se falar, in concreto, em culpabilidade, de modo que se o dever de repara o dano efetivamente recair sobre o inimputável, estaremos diante de um dever de indenização objetivamente posto, ainda que subsumido a um critério de equidade.

Com efeito, é dever registrar que a opção legislativa adotada pelo Congresso brasileiro caminhou de mãos dadas com a nova tendência da responsabilidade civil mundial, que retira o foco do agente que praticou o ato se voltando à vítima da conduta lesiva e à própria reparação do dano[50] [51], sendo exemplo claro disto o disposto no caput do art. 944[52] que afirma ser a extensão do dano a própria medida da indenização.

Seguindo na análise do Código, e em franca complementação ao art. 928[53], surge o art. 932[54] que trata da chamada responsabilidade indireta:

Art. 932. São também[55] responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

É fato que com o desenvolvimento do Estado e das relações sociais que a responsabilidade civil não poderia permanecer limitada ao estudo da conduta individual de uma pessoa.

Os danos causados por fato de outrem deixam, então, de ser simples exceções para se tornarem situações corriqueiras na vida em sociedade, o que contribuiu para o surgimento de graves conseqüências tais como a insegurança da vítima em face do anonimato da culpa, a dificuldade na apuração dos diversos eventos danosos etc.

Por essa razão, o espectro de responsabilização teve de ser ampliado, sob pena de não se conseguir reparar o dano e restabelecer o equilíbrio que fora quebrado pela conduta lesionadora. Nessa esteira é de se fixar que a responsabilidade indireta ou pelo fato de outrem é fundada sob o critério objetivo e não subjetivo ou da culpa, como ocorre na responsabilidade subjetiva.

Observe-se o que expõe Alvino Lima acerca do tema:

Se no domínio das atividades pessoais, o critério predominante de fixação da responsabilidade reside na culpa, elemento interno que se aprecia “em função da liberdade, da consciência e, às vezes, do mérito do autor do dano”, no caso de responsabilidade indireta, de responsabilidade pelo fato de outrem, predomina o elemento social, o critério objetivo.

Abrindo uma exceção à responsabilidade pessoal, a responsabilidade pelo fato de outrem faz surgir a responsabilidade de um sujeito muitas vezes estranho ao ato danoso.

Não há um princípio geral consagrando esta responsabilidade em texto legal, como se verifica, em geral, no caso de responsabilidade direta.

Tratando-se de hipóteses excepcionais, derrogando a regra geral da responsabilidade por culpa, a responsabilidade pelo fato de outrem é limitada aos casos taxativamente expressos em lei, não faltando, no entanto, opiniões em sentido contrário.

Os problemas mais árduos e controvertidos sobre a responsabilidade civil, quer na doutrina, como na jurisprudência, debatem-se no estudo da responsabilidade pelo fato de outrem, como verificaremos, oportunamente, no transcorrer do nosso trabalho.

Em seu sentido amplo, a responsabilidade civil pelo fato de outrem se verifica todas as vezes em que alguém responde pelas conseqüências jurídicas de um ato material de outrem, ocasionando ilegalmente um dano a terceiros. Em matéria de responsabilidade pelo fato de outrem, a reparação do dano cabe a uma pessoa que é materialmente estranha a sua realização.[56] (grifos nossos)

Há, contudo, quem entenda de modo diferente. Sérgio Cavalieri Filho, por exemplo, afirma que o responsável pelo fato de um terceiro não responde pela conduta de outrem, mas por sua própria omissão, já que tem, por lei, o dever de vigilância sobre aquela determinada pessoa, animal ou coisa. Veja-se abaixo:

De regra, só responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria. É a responsabilidade direta, por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da reparação. A lei, todavia, algumas vezes faz emergir a responsabilidade do fato de outrem ou de terceiro, a quem o responsável está ligado, de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado.

Nos termos do art. 932 do Código Civil, os pais respondem pelos atos dos filhos menores que estiverem sob o seu poder e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados; o patrão, por seus empregados etc.

Pode, ainda, alguém ser responsabilizado por dano causado por animal ou coisa que estava sob sua guarda (fato da coisa), conforme previsto nos arts. 936, 937 e 938 do Código Civil. Quando melhor analisarmos esses casos, veremos que a lei responsabiliza as pessoas neles indicadas porque tinham um dever de guarda, vigilância ou cuidado em relação a certas pessoas, animais ou coisas e se omitiram no cumprimento desse dever. Em última instância, estas pessoas não respondem por fato de outrem, mas pelo fato próprio da omissão.[57] (grifo nosso)

Com efeito, essa discussão entre Alvino Lima e Cavalieri teria razão de ser se não fosse a clara dicção do art. 933[58] do diploma de 2002 que, afastando qualquer sorte de dubiedade sobre o tema, pontificou que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo 932 responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos, ainda que não haja culpa de sua parte.

No nosso entender, a objetivação da responsabilidade indireta restou claramente fixada pelo Código Civil de 2002 após a redação do já mencionado art. 933[59]. Desse modo, a afirmação do caput do art. 928 de que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo, perdeu completamente o significado, eis que as pessoas por ele responsáveis sempre terão essa obrigação, já que a responsabilidade é objetiva[60].

Sobre o tema, mister sublinhar a lição de Carlos Roberto Gonçalves abaixo reproduzida:

Observe-se que a vítima somente não será indenizada pelo curador se este não tiver patrimônio suficiente para responder pela obrigação. Não se admite, mais, que dela se exonere, provando que não houve negligência de sua parte. O art. 933 do novo diploma prescreve, com efeito, que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente (pais, tutores, curadores, empregadores, donos de hotéis e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime) responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos, “ainda que não haja culpa de sua parte”.

A afirmação de que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis “não tiverem obrigação de fazê-lo”, tornou-se inócua em razão da modificação da redação do art. 928, caput, retrotranscrito, ocorrida na fase final de tramitação do Projeto do novo Código Civil no Congresso Nacional. O texto original responsabilizava tais pessoas por culpa presumida, como também o fazia o diploma de 1916, permitindo que se exonerassem da responsabilidade provando que forma diligente. A inserção, na última hora, da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, no art. 933 do novo Código, não mais permite tal exoneração.

Desse modo, como dito anteriormente, a vítima somente não será indenizada pelo curador se este não tiver patrimônio suficiente para responder pela obrigação.[61]

De igual modo se deram as previsões do Código Civil de 2002 no que toca à responsabilidade dos donos pelos seus animais[62] ou dos moradores por objetos caídos ou lançados de prédios habitacionais[63].

Afirma-se isto, pois no caso da responsabilidade dos donos de animais que lesionarem terceiros, aquele só eximirá da responsabilidade se comprovar a ocorrência de culpa da própria vítima ou a ocorrência de força maior, ambas excludentes da responsabilidade objetiva. Vê-se, portanto, que não se perquire acerca da culpa in custodiendo do dono do animal, o que caracteriza clara opção do legislador de 2002 em adotar o sistema da responsabilidade objetiva nesses casos[64].

Parece ser essa a opinião de Venosa[65], que ao tratar do tema afirma, in litteris:

A responsabilidade por fato de animais era regulada pelo art. 1.527 do Código de 1916:

“Art. 1.527.  O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar:

I - que o guardava e vigiava com cuidado preciso;

II - que o animal foi provocado por outro;

III - que houve imprudência do ofendido;

IV - que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior.”

Os danos causados por animais têm cunho relevante. Com freqüência, a imprensa noticia casos de cães ferozes, de raças agressivas, que ocasionam danos graves e até a morte das vítimas. É com a mesma freqüência que cabeças de gado invadem as rodovias de nosso país, ocasionando acidentes com veículos, danos de alta monta, inclusive a perda de vidas. Ora e vê se sabe de um exame de abelhas que ataca pessoas.

Os danos causados pelo fato de animais recebeu tratamento de presunção de culpa no Código de 1916. O dono ou detentor do animal somente exonerar-se-ia da responsabilidade se provasse um dos fatos descritos na lei. O dispositivo induzia inversão ou reversão do ônus da prova, que não caberia à vítima, nesse caso, mas ao réu. Na pretensão, bastava que a vítima provasse o dano e o nexo causal.

Interessante observar que, como a experiência demonstra, a maior dificuldade para a vítima, mormente em colisão com animais em rodovias, é apontar o nexo causal, ou seja, o dono do animal. Quando o animal está vivo e sadio, sempre haverá alguém a reclamá-lo; ninguém, como regra, surge para arrogar-se dono de animal abatido por um choque com veículo. Por várias vezes enfrentamos esse problema em casos concretos. A jurisprudência admite, igualmente, que o administrador ou concessionário da rodovia também responda por danos causados por animais na estrada, pois é seu o dever de vigilância do leito carroçável (RT 523/96), assegurando-lhe ação regressiva contra o dono do animal (JTACSP 76/153).

(...)

O vigente Código, assumindo nova postura, cuida da matéria em dispositivo mais sintético, adotando a teoria objetiva ou de presunção de culpa, presumindo da mesma forma a culpa do guarda:

(...)

Parece que estamos diante de outra cláusula aberta no presente ordenamento. Há, por isso, os que entendem que o presente artigo estatui não propriamente uma responsabilidade objetiva, mas uma presunção de culpa[66]. Sob essa nova dicção, os aspectos do antigo Código podem certamente ser referendados no caso concreto como substrato histórico e adminículo probatório e podem, de fato, sustentar decisões, não mais, porém, de forma inflexível. Ao analisar a culpa exclusiva da vítima ou a força maior na hipótese de dano ocasionado por animal, certamente o magistrado analisará se o dono ou detentor o guardava e vigiava com o preciso cuidado; se o animal foi provocado por outro da própria vítima, o que lhe imputa a responsabilidade; se houve culpa, em sentido amplo por parte da vítima e não só imprudência. Como menciona o art. 1.527. Contudo, toda essa análise pertencerá ao raciocínio normal do magistrado para chegar à conclusão sobre a procedência ou não do pedido. Lembre-se de que, de qualquer modo, assim como no Código anterior, todo o ônus probatório para evidenciar culpa da vítima ou caso fortuito é do ofensor, que se não se desincumbir a contento nesse encargo, indenizará a vítima. Se o dono do animal o entrega a pessoa que não toma os devidos cuidados, estará consubstanciado o nexo causal a determinar que ambos respondam solidariamente pelo fato pelo nexo da co-autoria.

No caso das coisas caídas ou lançadas, Venosa também sustenta a existência da responsabilidade objetiva, já que o dispositivo obriga o morador do prédio e não aquele que efetivamente lançou ou deixou cair o objeto causador do dano. Por óbvio que se houver a prova cabal de que a coisa caiu ou foi lançada por determinada pessoa, essa deverá ressarcir o dano. Todavia, caso essa prova não seja feita, o prejuízo será repartido por todos os habitantes do prédio sem a necessidade de se discutir a existência de culpa.

Trata-se de responsabilidade reconhecida no Direito Romano pela actio de effusis et dejectis, que já se destinava a definir a responsabilidade pelo dano causado por coisa arremessada do interior de habitação para o exterior. Também no direito antigo não se indagava sobre a culpa. O legislador de 1916, seguido pelo Código de 2002, adotou nesse caso a responsabilidade puramente objetiva, levando em conta o perigo que representam coisas sólidas (dejectum) ou líquidas (effusum) que caem de edifícios. Como recorda Carlos Roberto Gonçalves (2002:242), o art. 1.529[67] (atual, art. 938) representa o exemplo mais flagrante da presunção de responsabilidade no direito brasileiro. A lei toma em consideração o fato danoso que ocasiona o dano em si. Não se indaga quem deixou cair ou arremessou o líquido ao solo, nem se o fato foi intencional. Responde pelo dano o habitador.

(...)

Recorde que, em qualquer situação em que o ocupante do imóvel se vê obrigado a reparar o dano, Poe ingressar com ação regressiva contra o causador material. A esse propósito, recordamos de notícia da imprensa, de algum tempo atrás, que relatava o fato de um transeunte, por rua do centro de São Paulo, ter sido atingido fatalmente por pedra de gelo proveniente de um edifício, durante os festejos de último dia do ano, quando normalmente há chuva de papéis picados. Não se identificando o causador do dano ou a unidade de onde proveio o projétil, o condomínio deverá, em princípio, nesse caso, responder pela indenização, ao menos os condôminos que tiverem janela ou sacada para aquela via pública. (...) Aponta Rui Stoco a esse respeito que, embora de forma mitigada e contida, o dever de indenizar vem-se aproximando cada vez mais da teoria da repartição ou socialização dos encargos, afastando-se da teoria pura da culpa (2001:731). Assim, quando o dano é praticado por um membro não identificado de um grupo, todos os seus integrantes devem ser chamados para a reparação. Trata-se da tendência pós-moderna de pulverização dos danos na sociedade.

De outro lado, todo ocupante responde pelo dano, podendo ser o proprietário, locatário ou possuidor a qualquer título. Pelo lado da vítima, basta que prove o nexo causal e o dano. O termo adequado do dispositivo permite que o réu prove que a coisa foi lançada em local próprio, como para lixo, por exemplo, e que a vítima lá não deveria estar.

Em síntese, para que ocorra a responsabilidade do art. 938 (antigo, art. 1.529), são requisitos: (a) que o prédio seja habitado ou utilizado, no todo ou em parte; (b) que alguma coisa caia ou seja lançada dele; (c) que se produza dano; e (d) que o lugar em que caia a coisa seja indevido (Miranda, 1972, v. 53:412)[68]

Por fim, mas não menos importante, retornemos ao disposto no art. 931[69] do Código Civil de 2002, que traz uma cláusula geral de responsabilidade civil em consonância com o sistema da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor – CDC:

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Como acentuado por Regina Beatriz Tavares da Silva[70], o dispositivo trata da responsabilidade objetiva das empresas pelos produtos nas relações de consumo, tendo sido elaborado muito antes da aprovação do CDC, embora tenha entrado em vigor mais de 10 (dez) anos depois da promulgação da Lei 8.078/90.

Com efeito, tal dispositivo veio como que para chancelar, dentro do diploma maior do direito civil pátrio, um sistema que há mais de uma década (de 1990 – ano da entrada em vigor do CDC – a 2002 – ano da entrada em vigor do Código Civil) havia sido implantado com indiscutível sucesso: o da responsabilidade objetiva dos fornecedores, fabricantes, produtores, construtores, nacionais ou estrangeiros, e importadores na relação de consumo, consoante se observa pela redação dos artigos 12 e 14 da aludida lei:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

(...)

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

O objetivo deste artigo não é estudar a fundo a responsabilidade no microssistema do Código de Defesa do Consumidor, mas tão somente utilizá-lo como reforço argumentativo à tendência adotada no ordenamento (de natureza civil/privada) jurídico brasileiro em desviar-se da antiga perspectiva que permeava a codificação civil de 1916, a fim de privilegiar uma ótica protetiva do lesado, uma ótica voltada à reparação do dano independentemente da existência ou da necessidade de prova da conduta culposa.


CONCLUSÃO

Depois dessa análise, percebe-se que o Código Civil de 2002 conseguiu compatibilizar ambos os sistemas de responsabilização civil existentes, o fundado na culpa do agente causador do dano e o que exclui a culpa dos seus elementos de análise.

Há convivência pacífica entre o art. 186 e o art. 927, parágrafo único, bem como entre o art. 186 e os demais dispositivos que veiculam responsabilidades objetivamente postas, mencionados nas seções anteriores.

Os casos que independem de culpa estão dispostos na lei, bem como podem ser aferidos pela jurisprudência, tendo-se em vista a natureza da atividade normalmente desenvolvida pelo agente e seu grau de risco. Afora essas duas hipóteses, é caso de verificação da voluntariedade da conduta danosa ou da imprudência, negligência e imperícia com que se conduziu o agente causador do dano que se pretende reparar.

Na visão da grande maioria dos autores estudados, o ordenamento civil brasileiro compatibilizou, como dito, ambos os sistemas, tendo conferido, contudo, prevalência à responsabilidade subjetiva que à objetiva.

Assim afirmam:

O Código Civil brasileiro, malgrado regule um grande número de casos especiais de responsabilidade objetiva, filiou-se como regra à teoria “subjetiva”. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano.[71]

Reiteramos, contudo, que o princípio gravitador da responsabilidade extracontratual no Código Civil ainda é o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com culpa, pois esta também é a regra geral traduzida no corrente Código, no caput do art. 927. Não nos parece, como apregoam alguns, que o novel estatuto fará desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize. Portanto, na ausência de Le expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro.[72]

O tempo demonstrou a possibilidade de conciliação desses sistemas, o da responsabilidade com culpa e o da responsabilidade sem culpa, bastando que se discipline quais as situações jurídicas que devem se sujeitar. Neste sentido, a nova codificação civil estabeleceu o sistema subjetivo como a regra (art. 186 e 389), porém reconheceu a existência de hipóteses que devem se submeter ao sistema objetivo de responsabilização, conforme expressamente disposto pela lei ou por deliberação judicial (art. 927, parágrafo único).[73]

O Código Civil consagra, em reiteração ao disposto no modelo Beviláqua, a responsabilidade subjetiva como a regra do sistema (art. 186, 927, caput, e 389), porém reconhece e expressamente admite a responsabilidade sem culpa, fixada por lei ou pela jurisprudência (art. 927, parágrafo único).[74]

A teoria subjetiva ou teoria da culpa continua a fundamentar, como regra geral, a responsabilidade civil, mas, em face das dificuldades inerentes à sua prova, o novo Código adota, diante de previsão legal expressa ou de risco na atividade do agente, a teoria objetiva ou teoria do risco no dispositivo em tela [refere-se ao art. 927, parágrafo único].[75]

Se a teoria da culpa ainda se encontra como sustentáculo da responsabilidade civil, o Código de 2002 fez-lhe peremptória exceção, ao prever a possibilidade de surgir a obrigação de indenizar, “independentemente de culpa”, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A teoria do risco, pois, deixa de ser mera decorrência do sistema jurídico brasileiro como um todo, através de construções jurisprudenciais e doutrinárias e da legislação extravagante, para estar presente, de maneira clara, no corpo da codificação civil. Em outras palavras, a regra geral é a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa – que, pois, há de ser provada –, constituindo exceção a responsabilidade objetiva, fundada no risco.[76]

Noutra esteira, como já dito em momento anterior, Sérgio Cavalieri Filho sustenta idéia diversa, não tendo receio em lecionar que a responsabilidade objetiva prevalece como sistema principal adotado pelo Código Civil de 2002, senão vejamos:

O Código Civil de 2002 fez profunda modificação na disciplina da responsabilidade civil estabelecida no Código anterior, na medida em que incorporou ao seu texto todos os avanços anteriormente alcançados. E foi necessário, para que não entrasse em vigor completamente desatualizado. Podemos afirmar que, se o Código de 1916 era subjetivista, o Código atual prestigia a responsabilidade objetiva. Mas isso não significa dizer que a responsabilidade subjetiva tenha sido inteiramente afastada. Responsabilidade subjetiva teremos sempre, mesmo não havendo lei prevendo-a, até porque essa responsabilidade faz parte da própria essência do Direito, da sua ética, da sua moral – enfim, do sentido natural de justiça. Decorre daquele princípio superior de Direito de que ninguém pode causar dano a outrem. Então – vale repetir –, temos no Código atual um sistema de responsabilidade prevalentemente objetivo, porque esse é o sistema que foi montado ao longo do século XX por meio de leis especiais; sem exclusão, todavia, da responsabilidade subjetiva, que terá espaço sempre que não tivermos disposição legal expressa consagrando a responsabilidade objetiva.[77]

Por fim, há aqueles que dizem não se poder afirmar que exista prevalência de um sistema sobre o outro, tendo ambos a mesma importância no sistema do Código Civil:

Sistema de indenização do Código Civil. São dois os regimes jurídicos da responsabilidade civil no sistema do Código Civil: a) responsabilidade subjetiva; b) responsabilidade objetiva. Ambas têm a mesma importância no sistema do Código Civil, não havendo predominância de uma sobre a outra. Conforme o caso, aplica-se um ou outro regime de responsabilidade civil, sendo impertinente falar-se em regra e exceção.[78]

De certo modo, Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery têm razão ao afirmar acerca da idêntica importância que ambos os sistemas/regimes detém. Ambos visam reparar os danos causados norteados por um ideal de justiça. A dinâmica das relações sociais foi que exigiu que o sistema voltasse a buscar auxílio na reparação do dano independentemente de culpa, a fim de encontrar-se novamente com o ideal de justiça que um dia apontou para a responsabilização subjetiva, exclusivamente.

Com efeito, é a responsabilidade objetiva que confere o diferencial do sistema, já que a responsabilidade subjetiva, como dito acima por Cavalieri, existirá sempre mesmo não havendo lei prevendo-a, pois essa responsabilidade faz parte da própria essência do Direito, da sua ética, da sua moral.

Contudo, ousando discordar da maioria, tendemos a apoiar a conclusão de Cavalieri. Não se nega que a fórmula geral pretendida pelo Código fosse a da responsabilidade subjetiva. Todavia, ao que parecer, a exceção tornou-se regra em razão da enorme gama de situações em que a culpa poderá ser posta de lado na análise da reparação do dano, especialmente quanto à natureza da atividade, que poderá implicar em responsabilização sem a existência de culpa em face de uma construção jurisprudencial.

Deste modo, os dispositivos colacionados acima: art. 927, parágrafo único, art. 928, art. 931 e seus consectários do Código de Defesa do Consumidor (arts. 12 e 14), o art. 932, I, II, III, IV e V e o art. 933, fora as variadas atividades consideradas pela jurisprudência como sendo atividades naturalmente perigosas, que implicam, deste modo, em responsabilidade sem aferição da culpa do agente causador do dano, apontam, ao nosso sentir, para um sistema prevalentemente objetivista, ainda que não tenha sido este o intento original do legislador de 2002.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1.        AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de (organizador). IV Jornada de Direito Civil. 2º volume. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2007.

2.        ASSUNÇÃO, Alexandre Guedes Alcoforado, SILVA, Regina Beatriz Tavares da, et. al. Novo Código Civil Comentado. Coordenador Ricardo Fiuza, 1ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2003.

3.        BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, Código Civil.

4.        BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.

5.        BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil.

6.        BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 314, 17 maio 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5159. Acesso em: 21 fev. 2011.

7.        BURGARELLI, Aclibes, et al. Contribuições ao estudo do novo direito civil. Organizadores: Frederico A. Paschoal e José Fernando Simão. Campinas: Millennium Editora, 2003.

8.        CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

9.        COSTA, Judith Martins. Os fundamentos da responsabilidade civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. São Paulo: Jurid Vellench, v. 93, ano 15, out. 1991.

10.    DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.  11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

11.    GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

12.    ______________. Principais Inovações no Código Civil de 2002: Breves Comentários. São Paulo: Saraiva, 2002.

13.    LIMA, Alvino. A Responsabilidade Civil pelo Fato de Outrem. 2ª ed. rev. e atual. por Nelson Nery Jr. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

14.    LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

15.    NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

16.    RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

17.    SILVA, Roberto de Abreu e. Pressupostos da responsabilidade civil. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 377, jan./fev. 2005.

18.    VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.


Notas

[1] “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal.” Alvino Lima, Da Culpa ao risco, Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.  11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 30.

[2] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 421-422.

[3] Segundo informa a professora Judith Martins Costa, a cultura romana recebeu da cultura helênica a noção e epicikia, nomeada em latim como aequalitas, e guardou o seu significado original de EQUILÍBRIO: relação harmoniosa entre o todo e a parte: equidade.

Explica a autora que é daí que advém a noção de Justiça como equilíbrio, dar a cada um o que é seu, justiça distributiva, na busca de um critério de equivalências de prestações.

Desenvolvendo um raciocínio a contrario sensu, a professora Martins Costa conclui que se a justiça traz consigo o conceito de equilíbrio, a injustiça, por sua vez, traria consigo o conceito de desequilíbrio. Assim, a função primordial da justiça seria a de restabelecer o equilíbrio maculado. Nesse sentido, pouco importava se o desequilíbrio era proveniente ou não da culpa. Nessa fase, a justiça a ser buscada tinha por causa “um estado de coisas objetivo, a perturbação de uma ordem que deve restabelecida.” (COSTA, Judith Martins. Os fundamentos da responsabilidade civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. São Paulo: Jurid Vellench, v. 93, ano 15, out. 1991, p. 35)

Tem-se, segundo anota a autora, uma máxima objetivação do conceito de responsabilidade, já que “não se busca um culpado, mas um responsável pelo próprio fato do desequilíbrio.” (COSTA,1991, p. 35)

[4] COSTA, op. cit., p. 37.

[5] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.  11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 30.

[6] COSTA, op. cit., p. 41

[7] DIAS, op. cit., p. 34-35.

[8] Por todos, vejamos o que diz Sérgio Cavalieri Filho: “A responsabilidade subjetiva era a regra no Código Civil de 1916, já que todo o sistema de responsabilidade estava apoiado na culpa provada, tal como prevista na cláusula geral do art. 159 – tão hermética que, a rigor, não abria espaço para responsabilidade outra que não fosse subjetiva. Apenas topicamente o antigo Código admitia a culpa presumida (art. 1.521) e a responsabilidade objetiva (arts. 1.527, 1.528 e 1.529). Em razão disso, a grande evolução ocorrida na área da responsabilidade civil ao longo do século XX (partimos da culpa provada e chegamos à responsabilidade objetiva, em alguns casos fundada no risco integral) teve lugar ao largo do Código de 1916, por meio de leis especiais.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22)

Nesse diapasão também afirma Carlos Roberto Gonçalvez: “O Código Civil de 1916 filiou-se à teoria subjetiva, que exige prova de culpa ou dolo do causador do dano para que seja obrigado a repará-lo. Em alguns poucos casos, porém, presumia a culpa do lesante (arts. 1.527, 1.528, 1.529, dentre outros).” (GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27)

[9] Os autores serão nominados no decorrer do presente artigo.

[10] “O Código Civil de 2002 fez profunda modificação na disciplina da responsabilidade civil estabelecida no Código anterior, na medida em que incorporou ao seu texto todos os avanços anteriormente alcançados. E foi necessário, para que não entrasse em vigor completamente desatualizado. Podemos afirmar que, se o Código de 1916 era subjetivista, o Código atual prestigia a responsabilidade objetiva. Mas isso não significa dizer que a responsabilidade subjetiva tenha sido inteiramente afastada. Responsabilidade subjetiva teremos sempre, mesmo não havendo lei prevendo-a, até porque essa responsabilidade faz parte da própria essência do Direito, da sua ética, da sua moral – enfim, do sentido natural de justiça. Decorre daquele princípio superior de Direito de que ninguém pode causar  dano a outrem. Então – vale repetir –, temos no Código atual um sistema de responsabilidade prevalentemente objetivo, porque esse é o sistema que foi montado ao longo do século XX por meio de leis especiais; sem exclusão, todavia, da responsabilidade subjetiva, que terá espaço sempre que não tivermos disposição legal expressa consagrando a responsabilidade objetiva.” (CAVALIERI, op. cit., p. 23-24)

[11] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 01-02.

[12] Os autores relacionam os conceitos de culpa com o “quase-delito” e o de dolo com o “delito”.

[13] Não se deve confundi-lo com o conceito de dolo previsto pelo art. 145 e seguintes do Código Civil, o qual tem outro significado.

[14] RIZZARDO, op. cit., p. 03.

[15] Ao se falar de ação ou omissão voluntária tem-se a figura do dolo. Ao se falar em negligência e imprudência, tem-se a figura da culpa.

[16] CAVALIERI, op. cit., p. 23.

[17] Esta espécie de responsabilidade será melhor analisada no tópico 5 deste artigo: art. 932 do CC/02 – Responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores; e os arts. 936, 937 e 938 do CC/02 – Responsabilidade por dano causado por animal ou coisa que estava sob sua guarda.

[18] Cavalieri, op.cit., p. 25.

[19] Conclusão do articulista.

[20] A diferença básica entre o dolo e a culpa é que naquele o agente quer a ação e o resultado, ao passo que neste ele só pretende a ação, sendo o resultado atingido acidentalmente, em face da falta de cuidado.

[21] CAVALIERI, op. cit., p. 29.

[22] A diferença básica entre o dolo e a culpa é que naquele o agente quer a ação e o resultado, ao passo que neste ele só pretende a ação, sendo o resultado atingido acidentalmente, em face da falta de cuidado.

[23] Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

[24] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

[25] CAVALIERI, op. cit., p. 33.

[26] CAVALIERI, op. cit., p. 34.

[27] Embora o art. 186 do Código Civil só mencione como modalidades da culpa (estrito sensu) a negligência e a imprudência, o termo envolve outras formas de manifestação, como a imperícia, além do descuido, distração, leviandade etc., que ao final terminam por integrar uma das três primeiras modalidades.

Essa idéia se extrai de RIZZARDO, op. cit., p. 03.

[28] Cavalieri, op. cit., p. 39.

[29] Cavalieri, op. cit., p. 40.

[30] Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Concorrência de culpa entre duas ou mais pessoas lesando um terceiro (solidariedade):

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcialmente ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

[31] CAVALIERI, op. cit., p. 43.

[32] Muito parecida com a culpa in vigilando, sendo que voltada para animais e coisas, e não para pessoas.

[33] Dolo, culpa grave, culpa leve e culpa levíssima.

[34] RIZZARDO, op. cit., p. 10.

[35] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 20.

[36] VENOSA, op. cit., p. 20.

[37] ASSUNÇÃO, Alexandre Guedes Alcoforado, SILVA, Regina Beatriz Tavares da, et. al. Novo Código Civil Comentado. Coordenador Ricardo Fiuza, 1ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 819-820.

[38] LISBOA, op. cit., p. 425-426.

[39] GONÇALVES, op. cit., 28.

[40] Art. 159.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 

[41] GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais Inovações no Código Civil de 2002: Breves Comentários. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 28.

[42] Ver nota de rodapé nº 11.

[43] LISBOA, op. cit., p. 444-445.

[44] LISBOA, op. cit., p. 613.

[45] GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

[46]“Para nossos melhores juristas (Orozimbo Nontao, Aguiar Dias e outros) o fundamento da responsabilidade do amental deve ser encontrado nos princípios de garantia e assistência social, que sacrificam o direito para a Humanidade. O restabelecimento do equilíbrio social violado pelo dano deve ser o denominador comum de todos os sistemas de responsabilidade civil estabelecendo-se como norma fundamental, que a composição ou restauração econômica se faça, sempre que possível, à custa do ofensor. A indenização, todavia, deve ser calculada de modo a não prejudicar os alimentos do inimputável, nem os deveres legais de alimentos que recaiam sobre ele. Antunes Varela, comentando o art. 489 do Código Civil Português, que corresponde ao nosso art. 928, faz considerações totalmente pertinentes ao nosso estudo: ‘Em resumo, pode dizer-se que para haver responsabilidade da pessoa inimputável é necessária a verificação dos seguintes requisitos: a) que haja um facto ilícito; b) que esse facto tenha causado danos a alguém; c) que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo, reprovável, se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável; d) que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade; e) que a reparação do dano não possa ser obtida dos vigilantes do inimputável; f) que a eqüidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstâncias concretas do caso. De todo modo – conclui o grande civilista luso –, a obrigação de indenizar deve ser fixada em termos de não privar o inimputável dos meios necessários aos seus alimentos ou ao cumprimento dos seus deveres legais de alimentos’ (Das obrigações em geral, 8ª ed., Almedina, p. 575)” (CAVALIERI, op. cit., p. 27-28)

[47] Isto se faz necessário, pois, caso contrário, o sistema estaria sendo muito mais rigoroso com o inimputável do que com o imputável.

[48] Ver nota de rodapé nº 20.

[49] Trata-se, in casu, de uma ficção jurídica de origem legislativa.

[50] “Durante séculos entendeu-se injusta toda sanção que prescindisse da vontade de agir. Assim, como não  há reprovação moral sem consciência da falta, e não há pecado sem a intenção de transgredir um mandamento, concluía-se que não podia haver responsabilidade sem um ato voluntário e culpável. O fundamento da responsabilidade era buscado no agente provocador do dano. Esse pensamento culminou na célebre expressão pás de responsabilité sans faute (não há responsabilidade sem culpa), que inspirou as concepções jurídicas dos ordenamentos da Europa de base romanista e da América Latina.

Esse enfoque, todavia, encontra hoje ultrapassado, em face das necessidades decorrentes de novos tempos, que estão a exigir resposta mais eficiente e condizente com o senso de justiça e com a segurança das pessoas. Em princípio, todo dano deve ser indenizado. A reparação dos danos tornou-se uma questão prioritária de justiça, paz, ordem e segurança, e, portanto, para o direito. O fundamento da responsabilidade civil deixou de ser buscado somente na culpa, podendo ser encontrado também no próprio fato da coisa e no exercício de atividades perigosas, que multiplicam o risco de danos.” (GONÇALVES, op. cit., p. 30)

[51] “Recorde-se que o princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, ‘repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade’, de modo que ‘a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação’ (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 13-28)” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 823)

[52] Há mitigação dessa regra no parágrafo único do mesmo dispositivo. Ver nota de rodapé nº 25.

[53] Os incisos I e II do art. 932 tratam da responsabilidade dos pais, tutores e curadores pelos atos dos filhos, pupilos e curatelados menores (inimputáveis por ausência de maturidade) que estiverem sobre sua autoridade e em sua companhia; ou seja, é o anverso do art. 928.

[54] O art. 932 é praticamente a reprodução do art. 1.521 do Código Civil de 1916, verbis:

Art. 1.521.  São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522);

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até à concorrente quantia.

[55] “É relevante mencionar que o artigo em análise estabelece que são também responsáveis as pessoas antes referidas, de modo que os agentes propriamente ditos, especialmente se tiverem patrimônio, responderão igualmente pelos danos causados por seus atos, como forma de responsabilidade solidária, nos termo do art. 942, parágrafo único.” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 829) O mencionado dispositivo encontra-se assim versado:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pelo reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis os autores, os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

[56] LIMA, Alvino. A Responsabilidade Civil pelo Fato de Outrem. 2ª ed. rev. e atual. por Nelson Nery Jr. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 33-34.

[57] CAVALIERI, op. cit., p. 25.

[58] Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

[59] “Histórico

·         O presente dispositivo foi objeto de emenda de redação na Câmara dos Deputados nos período final de tramitação do projeto, par ao fim de corrigir a falha anterior, já que referia somente os incisos I a III do artigo antecedente. O texto é bem diverso da disposição constante do art. 1.523 do Código Civil de 1916, pelo qual era necessária a prova da culpa em todas as hipóteses correspondentes àquelas elencadas no art. 932, excetuando-se apenas a hipótese constante do inciso V deste artigo.

Doutrina

·         Com este dispositivo foi adotada a responsabilidade objetiva, independente de culpa, em todas as hipóteses retratadas no art. 932, em razão de emenda de redação, por nós proposta e acolhida na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não fazia sentido estabelecer que as pessoas referidas nos incisos I a III do artigo anterior deveriam responder, mesmo que sem culpa, e deixar de referi as demais pessoas, constantes dos incisos IV e V, ainda mais que as mencionadas no inciso V já recebiam tal tratamento no Código Civil de 1916.

·         Sob a égide do Código Civil de 1916, por força de interpretação jurisprudencial, em todas essas hipóteses de responsabilidade indireta a culpa atribuída ao imputado era presumida, inobstante no disposto no art. 1.523, que impunha o ônus da prova ao lesado, não só quanto ao ato praticado pelo terceiro como quanto à culpa in vigiliando ou in eligendo do imputado. Esse dispositivo excetuava somente a hipótese de participação gratuita em produto de crime da necessidade de prova, pelo lesado, da respectiva culpa.

·         A presunção da culpa por vezes era júris tantum, a admitir a prova em contrário, e por outras era absoluta, sem permitir contraprova. Assim, quanto ao pai, no que se refere aos atos praticados pelos filhos, há culpa in vigilando. O mesmo quanto a tutores e curadores, com vista aos tutelados e curatelados. E também quanto aos donos de hotéis e estabelecimentos de ensino. Quanto ao empregador, a culpa é in eligendo. No entanto, já que se tratava de presunção da culpa, a depender da hipótese, uma vez provado que não havia descuido quanto à vigilância ou eleição, deixava de ser atribuída responsabilidade às pessoas antes indicadas. No caso ocorrida tipicamente uma inversão do ônus da prova: em vez de o lesado ter de provar a culpa. Esta se presumia, cabendo ao réu da ação demonstrar que não havia agido culposamente. A possibilidade de comprovação da ausência de culpa pelo imputado, segundo nossa jurisprudência, existia nas hipóteses dos incisos I e II do art. 932 do novo Código; nos demais casos, a teoria aplicada aproximava-se muito mais do risco. Já quando se tratava de responsabilidade do empregador por atos de seus empregados, a interpretação jurisprudencial orientava-se no sentido de não aceitar a prova da ausência de culpa in eligendo do patrão (v. Súmula 341 do STF e Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 122).

·         Com o novo Código Civil, os pais, com relação aos atos praticados pelos filhos, o tutor e o curador, referentemente aos atos praticados pelos tutelados e curatelados, o empregador, no que respeita aos atos praticados pelo empregado, os hotéis e similares, com referência aos hóspedes, e os estabelecimentos de ensino, quanto aos atos praticados pelos educandos, bem como aqueles que, mesmo gratuitamente, tenham participado de produtos de crime, passaram a responder objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa in vigilando ou  in eligendo.” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 830-832)

[60] Exclui-se a responsabilidade se as pessoas apontadas não tiverem condições financeiras (meios) de responder pelo dano, ou nos casos de exclusão da responsabilidade objetiva: inexistência de nexo de causalidade e culpa exclusiva da vítima.

[61] GONÇALVES, op. cit., p. 39.

[62] Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

[63] Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

[64] Conclusão do articulista.

[65] VENOSA, op. cit., p. 100-105.

[66] “Trata-se de típica responsabilidade indireta, com presunção da culpa do dono ou detentor do animal, presunção júris tantum por admitir prova em contrário, referente à culpa da vítima e à força maior. A força maior é excludente da responsabilidade, prevista no art. 393 deste Código, como o ‘fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir’, sem que seja realizada distinção do caso fortuito neste dispositivo; a principal característica dessa excludente da responsabilidade é a inevitabilidade do evento. Muito debatida foi essa espécie de responsabilidade civil, que em princípio deve caber àquele que causa o dano; mas, no caso, é exatamente a pessoa que concorrer para o dano, porque não cuidou, como devia, do animal que lhe pertence. Essa é a chamada culpa in custodiendo, modalidade da culpa in vigilando, que se presume, já que a pessoa descuida do animal que tem sob sua guarda, ou seja, não o vigia com o devido cuidado. Importa verificar a guarda ou poder de direção ou comando, de modo que são responsáveis pelo animal tanto seu dono como seu detentor.” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 834)

[67] Art. 1.529. Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

[68] VENOSA, op. cit., p. 98-100.

[69] “O presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. A redação original era a seguinte: ‘Ressalvados outros caso previstos em lei especial, os farmacêuticos e as empresas farmacêuticas respondem solidariamente pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ainda que os prejuízos resultem de erros e enganos de prepostos’. A justificativa da emenda apresentada pelo Deputado Emanoel Waisman no início da tramitação do projeto e anteriormente ao Código do Consumidor refere a necessidade de proteção ao consumidor, tendo como criada a responsabilidade objetiva das empresas, abrindo terreno fértil para a ‘...elaboração de um ‘código ou estatuto de responsabilidade do fabricante’ quanto aos produtos de sua fabricação’. No entanto, o dispositivo, conforme esta primeira emenda, estabelecia que, ‘Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos postos em circulação’, sem referir expressamente que essa responsabilidade civil deve existir independentemente de culpa, razão pela qual sofreu emenda de redação, na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 826)

[70] “Consoante a justificativa da primeira emenda realizada no artigo, acima mencionada, o dispositivo trata da responsabilidade objetiva das empresas pelos produtos nas relações de consumo, mas este dispositivo foi elaborado muito tempo antes da aprovação do Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 –, razão pela qual o texto, para evitar dúvida na sua interpretação, devia ser alterado, como foi por nós proposto e acolhido em emenda de redação. Por fundamentar-se na responsabilidade sem culpa, baseada no risco da atividade, foi relevante a inserção da frase pela qual a responsabilidade da empresa existe independentemente de culpa. Como antes foi salientado, enquanto na responsabilidade subjetiva, ou baseada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, ou fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.” (ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 826-827)

[71] GONÇALVES, op. cit., p. 50.

[72] VENOSA, op. cit., p. 19.

[73] LISBOA, op. cit., p. 447.

[74] LISBOA, op. cit., p. 545.

[75] ASSUNÇÃO et. al., op. cit., p. 819.

[76] BURGARELLI, Aclibes, et al. Contribuições ao estudo do novo direito civil. Organizadores: Frederico A. Paschoal e José Fernando Simão. Campinas: Millennium Editora, 2003, p. 23-24.

[77] CAVALIERI, op. cit., p. 22-23.

[78] NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 488.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. O sistema da responsabilidade no Código Civil de 2002: prevalência da responsabilidade subjetiva ou objetiva? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3397, 19 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22841. Acesso em: 26 abr. 2024.