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Praticabilidade tributária

Praticabilidade tributária

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Analisa-se o princípio da praticabilidade tributária, em suas concepções teóricas e práticas. Realiza-se uma digressão até os mais basilares fundamentos da praticabilidade, ainda nas noções de ‘tipo’ e modo de pensar ‘tipificante’, no intuito de posicioná-lo dentro da ciência do Direito.

Resumo: O presente trabalho pretende analisar o princípio da praticabilidade tributária, em suas concepções teóricas, segundo as mais diversas correntes de pensamento, e em sua aplicação prática. Para tal, realiza-se uma digressão até os mais basilares fundamentos da praticabilidade, ainda nas noções de ‘tipo’ e modo de pensar ‘tipificante’, no intuito de posicioná-lo dentro da ciência do Direito. Tem-se ainda, como objeto de estudo, as diversas perspectivas de aplicação da praticabilidade: seja na lei, nos atos administrativos ou nos atos jurisdicionais. O estudo, na sequência, visa dissecar seu relacionamento com os demais princípios constantes no ordenamento jurídico brasileiro, posicionando-o no meio desses e buscando seu limite de atuação. Faz-se ainda uma correlação entre o princípio da  praticabilidade e as regras-matrizes de incidência tributária, de modo a observar a forma como essa também age como limitador a sua aplicação. Por fim, a intenção desse trabalho é observar alguns dos principais casos de aplicação da praticabilidade, observando, com o arcabouço jurídico trabalhado anteriormente, se os limites e fundamentos jurídicos da praticabilidade vêm sendo observados e respeitados. Dessa forma, ter-se-á uma base suficiente para analisar, por fim, se o princípio da praticabilidade, no geral, tem sido aplicado de forma correta e, ainda, se é válido que tenha continuidade nos moldes em que é praticado.

Palavras-chave: Direito tributário, Praticabilidade tributária, Princípios jurídicos, Regra-matriz de incidência tributária, Instrumentos úteis à praticabilidade.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA. 2.1 CONCEITO. 2.1.1 Concepção Lógico-jurídica. 2.1.2 Concepção Principiológica. 2.1.3 Concepção Ligada à Competência Tributária. 2.2 DIREITO TRIBUTÁRIO E TIPO. 2.2.1 Tipicidade na Doutrina Alemã e Nacional. 2.2.2 Modo de Pensar ‘Tipificante’. 2.2.3 Tipicidade no Direito Tributário Brasileiro. 2.3 PRATICABILIDADE E SUA APLICAÇÃO. 2.3.1 Praticabilidade na Lei. 2.3.2 Praticabilidade nos Atos Administrativos. 2.3.3 Praticabilidade nos Atos Jurisdicionais. 3 LIMITES À PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA. 3.1 A PREVISÃO DAS REGRAS-MATRIZES DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 3.2 A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS. 3.3 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. 3.4 AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR. 3.4.1 Princípios Jurídicos. 3.4.1.1 Princípio da isonomia e capacidade contributiva. 3.4.1.2 Princípio da razoabilidade. 3.4.1.3 Princípio da segurança jurídica. 3.4.1.4 Princípio da legalidade. 3.4.1.5 Princípio republicano. 3.4.1.6 Princípio da eficiência. 3.4.1.7 Princípio da moralidade. 4 INSTRUMENTOS DE APLICAÇÃO DA PRATICABILIDADE. 4.1 ABSTRAÇÕES GENERALIZANTES. 4.1.1 Presunções. 4.1.2 Ficções. 4.1.3 Normas de Simplificação. 4.1.4 Cláusulas Gerais. 4.2 PRIVATIZAÇÃO DA GESTÃO TRIBUTÁRIA. 4.3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS TRIBUTÁRIOS. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. BIBLIOGRAFIA. 


1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende analisar o princípio da praticabilidade tributária, sob todos os seus aspectos teóricos, desvendando seus fundamentos jurídicos e bases conceituais e, na sequência, aclarar quais os demais princípios jurídicos que com ele interagem e lhe impõem limitações, nos moldes da ‘colisão de princípios’, largamente estudada pela doutrina pátria e estrangeira. Remonta-se a esses fundamentos e limitações jurídicas a fim de analisar, por conseguinte, as principais situações práticas de aplicação do princípio da praticabilidade e sua legalidade.

No primeiro capítulo, busca-se atentar aos aspectos teóricos do princípio da praticabilidade. Para isso, analisam-se suas concepções lógico-jurídica, principiológica e relacionada com a competência tributária. Na sequência, uma observação da doutrina estrangeira faz-se necessária no intuito de sanar um vício do direito pátrio: a errônea concepção de ‘tipo’. Por fim, faz-se a distinção entre a aplicação da praticabilidade na lei, nos atos administrativos e jurisdicionais.

No segundo capítulo, a intenção é encontrar os limites à aplicação do princípio da praticabilidade. Para tal, atenta-se às noções de competência tributária, tipos de tributos e regra-matriz de incidência tributária enquanto limitadores da atividade legiferante, alcançando, finalmente, o principal limitador do princípio objeto deste estudo: os demais princípios constitucionais e tributários e seu embate.

A partir daí, tem início o terceiro capítulo, em que serão confrontados os fundamentos jurídicos da praticabilidade, suas limitações legais e sua efetiva aplicação no Direito brasileiro. Com isso, será possível observar se a efetivação desse princípio tem atentado aos demais corolários do direito nacional, bem como de seus próprios fundamentos jurídicos

A intenção deste trabalho, finalmente, é a de tomar um posicionamento frente à efetividade da praticabilidade, observando se, nos moldes como vem sendo aplicada, é válida ao ordenamento jurídico nacional ou se a concepção do legislador, a seu respeito, deverá ser modificada.


2 PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA

São de Hans Kelsen as palavras que caracterizam a convivência humana pelo fato de sua conduta ser reciprocamente regulamentada. Segundo ele, a sociedade “é a convivência ordenada ou, mais exatamente, a sociedade é o ordenamento da convivência de indivíduos”[1].

Logo, a complexidade das relações sociais que permeiam o mundo contemporâneo tem refletido, de forma bastante clara, no Direito positivo. Isso porque o Direito, enquanto construção social assentada em determinado tempo e espaço, tende a acompanhar a evolução socioeconômica de seu objeto: a sociedade na qual está inserido.

Assim, se a era moderna tem contemplado seus habitantes com uma infinidade de possíveis relações sociais e, por conseguinte, jurídicas, tal fato tem se mostrado um enorme desafio ao Direito positivo: simplificar um sistema jurídico que, ao mesmo tempo, busca refletir uma sociedade cada vez mais complexa. Nesse sentido, como leciona Regina Helena Costa[2]

A complexidade do sistema jurídico, reflexo da complexidade socioeconômica, aliada à descrença da sociedade e à ausência de regras, características da era pré-moderna, acarreta, ao mesmo tempo, a necessidade de simplificação.

Na definição de Niklas Luhmann, essa complexidade da sociedade moderna “significa que sempre existem mais possibilidades do que as que se podem realizar”, emergindo o Direito como um “sistema dinâmico, funcionalmente diferenciado, em evolução permanente no seio da sociedade, e que age como redutor dessa complexidade”[3].

Evidente que, diante dessa complexa e em constante mutação realidade, há que se elaborar meios de efetivar a aplicação do Direito. Ora, sendo esse um instrumento de regulação social, encontra-se em sua essência a eficácia, e não somente edição, de suas normas.

Nesse sentido, Roberto Wagner Lima Nogueira defende que “o direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica”[4], ao passo que Alfredo Augusto Becker afirma que “a regra jurídica somente existe (com natureza jurídica) na medida de sua praticabilidade”[5], defendendo, ainda, que “o direito positivo não é uma realidade metafísica existindo em si e por si; a regra jurídica não é um fim em si mesma, mas um instrumento de convivência social”[6] (grifos no original).

Ressaltando a importância da efetividade do direito, Becker[7] ainda esclarece que

Todo o esforço do legislador consiste precisamente em criar este instrumento de ação social, moldando (transfigurando e desformando) a matéria-prima (‘dados’ e diretrizes), oferecida pelas ciências (inclusive pela ciência jurídica), ao melhor rendimento humano [...] O direito positivo não se mantém em estado de ‘ideal descarnado’, pois o direito positivo só existe referindo-se à realidade social. A regra jurídica nasce na oportunidade de conflitos e situações sociais em que o Estado quer intervir. A regra jurídica deve ser construída não para um mundo ideal, mas para agir sobre a realidade social. Não se pode conceber outro direito positivo a não ser aquele destinado para este mundo onde nós vivemos.

Ainda nessa seara, importante trazer o magistério de Paulo de Barros Carvalho[8], ao assegurar que

Um ordenamento que não preveja certas situações, que contemple insuficientemente os fatos sociais, não pode pretender realizar os valores que se propõe.

Misabel de Abreu Machado Derzi[9] alerta, ainda, tendo em vista a realidade social brasileira, que a praticabilidade tributária se faz necessária em virtude de que

O emperramento das máquinas administrativa e judicial do Estado são desafios de difícil solução, cada vez mais acentuados em função de fatores como a explosão demográfica brasileira, a conscientização político-jurídica da população, o progresso e as formas e técnicas sofisticadas de tributação [...] tornando prementes as exigências de praticabilidade.

Diante do depoimento de alguns estudiosos do Direito, aclarando-se a atual necessidade de simplificar o Direito, abre-se a discussão para outras e provavelmente mais complicadas situações: a forma como se dará essa simplificação e sua legalidade.

Assim, fundamentada a importância da inserção da praticabilidade tributária no Direito positivo brasileiro, cabe analisar, com maiores detalhes, sua conceituação, fundamentos jurídicos e instrumentos de efetivação.

2.1 CONCEITO

“O Conjunto de meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de fazer simples e viável a execução das leis” e “a totalidade das condições que garantem uma execução eficiente e econômica das leis”; assim fora conceituada a praticabilidade por Hans Wolfgang Arndt e Josef Isensee, dois dos juristas alemães que de forma mais aprofundada estudaram o tema.

Praticabilidade, também conhecida como praticidade, pragmatismo ou factibilidade, pode ser conceituada, nas palavras de Regina Helena Costa, “em sua acepção jurídica, no conjunto de técnicas que visam a viabilizar a adequada execução do ordenamento jurídico”[10].

No mesmo sentido, segundo os ensinamentos de Misabel de Abreu Machado Derzi, quando da atualização da obra de Aliomar Baleeiro, praticabilidade “é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis”[11], ou, ainda, o instrumento que visa “tornar a norma exequível, cômoda e viável”[12].

A praticabilidade é um conceito que, no âmbito tributário, existe há séculos, tendo sido pensado inicialmente por Adam Smith, no ano de 1776. Ensinava o clássico autor que os impostos possuíam quatro cânones: os princípios da certeza, comodidade e economia, no seu sentido formal, e de igualdade, em seu sentido material.

Casalta Nabais[13], citado por Regina Helena Costa, defendia que

Há justificação constitucional para lançar mão das técnicas de simplificação, designadamente da tipificação, já que o legislador está constrangido a generalizar ou estandardizar a fim de tornar a disciplina jurídico-fiscal praticável, sendo-lhe, por conseguinte, permitido escolher, por razões de praticabilidade, bases forfaitaires, em vez dum critério ancorado na realidade da situação individual, satisfazendo-se assim com uma justiça tipificada (Typengerechtigkeit).

Entretanto, não obstante a sintonia encontrada na doutrina do Direito Tributário com relação à conceituação da praticabilidade enquanto “conjunto de técnicas visando à aplicação da norma tributária”, o fato da praticabilidade não se encontrar expressamente prevista no ordenamento jurídico cria divergências com relação ao seu fundamento jurídico.

Dessa forma, à luz da importância de sua conceituação à base desse trabalho, faz-se necessária a abordagem das diferentes concepções criadas pela ciência do Direito tributário, em especial, a doutrina nacional.

2.1.1 Concepção Lógico-jurídica

De acordo com tal definição, encabeçada por José Souto Maior Borges e incipientemente reafirmada por Regina Helena Costa em sua obra, praticabilidade é uma categoria lógico-jurídica, e não jurídico-positiva, de forma que, segundo a autora, “essa noção antecede o próprio Direito posto, correspondendo à exigência do senso comum”[14].

Prevalece, assim, a noção de que a praticabilidade é uma necessidade a ser perseguida anteriormente ao direito positivo, ou seja, quando do processo legiferante faz-se necessária a observância à eficácia da norma proposta, exatamente para que essa não perca sua essência – incidir[15] – enquanto norma costante do Direito positivo.

Diferentemente dessa concepção, outros autores, dentre eles Misabel de Abreu Machado Derzi e Carlos Renato Cunha, tratam a praticabilidade como “típica categoria jurídico-positiva, conquanto sua noção possa ser calcada numa axiologia pré-jurídica”[16].

2.1.2 Concepção Principiológica

Dentre as concepções que incluem a praticabilidade como conceito assimilado pelo Direito positivo, uma delas, criada pela doutrina alemã e apresentada à doutrina nacional por Misabel de Abreu Machado Derzi, conceitua o instituto como um princípio geral e difuso, de forma que “não apresenta formulação escrita, nem no ordenamento alemão, onde se originou, nem no nacional, encontrando-se implícito por detrás das normas constitucionais”[17].

A fim de justificar a classificação da praticabilidade como princípio geral e difuso dentro do ordenamento jurídico pátrio, utiliza a doutrina dois argumentos basilares: i) contém [tal princípio] elevado grau de generalidade e abstração, irradiando seus efeitos sobre múltiplas normas; e ii) contempla valor considerado fundamental para a sociedade, qual seja, a viabilização da adequada execução do ordenamento jurídico, no campo tributário[18].

Regina Helena Costa[19] ainda faz a ressalva de que, por representar um instrumento ao “atingimento dos fins de interesse público”, a praticabilidade mostra-se um desdobramento do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, “[inspirando] o legislador e [vinculando] a autoridade administrativa em toda sua atuação”[20]. Esse último princípio, ainda nas palavras de Regina Helena Costa, pode ser traduzido como a “convivência harmônica entre a adequada realização da arrecadação tributária e o respeito aos direitos dos contribuintes”[21].

Apresentando-se como reflexo do crescimento de importância dos princípios no Direito, obra do Pós-positivismo, como ressaltado por Luis Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos e parafraseado por Regina Helena Costa, vê-se a forma como a função social do direito e sua hermenêutica ganham destaque na ciência do Direito contemporânea e no próprio Direito positivo.

Nesse sentido, afirmam Barroso e Barcellos[22] que

O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética (grifos no original).

Assim sendo e, partindo de tal concepção, a Praticabilidade coloca-se como um princípio de Direito, ou uma ‘sobrenorma’, “[orientando] a interpretação e a aplicação das demais [normas], sinalizando seu alcance e sentido [e] a cuja plasticidade devem se amoldar toda a interpretação e aplicação efetuadas no campo do Direito”[23].

A Praticabilidade ganha, dessa forma, enorme importância na interpretação de todo o sistema jurídico tributário, pelo fato de que, nas palavras de Luis Roberto Barroso, “o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, [devendo] começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo [...] ao mais específico”[24].

Cabe lembrar que, enquanto princípio, caracteriza um limite à Praticabilidade sua relação de coexistência com os demais princípios do ordenamento jurídico nacional, como será retratado mais detalhadamente adiante. Em que pese as normas sejam aplicadas numa relação de validade ao caso concreto, os princípios jurídicos não conflitam, mas colidem, observando-se no caso concreto a “dimensão de peso” a ser dada a cada um deles e, por conseguinte, fazendo-se prevalecer algum em detrimento, ainda que não por completa mitigação, de outros[25].

Na prática, como define Misabel de Abreu Machado Derzi[26], em obra de Aliomar Baleeiro

A praticabilidade afeta, em primeiro lugar, ao Poder Legislativo. A norma legal se utiliza, já o notamos, de abstrações generalizantes, esquemas e conceitos. Ela usa tipos e conceitos não só por razões de segurança, mas, em muitos casos, para viabilizar a execução de seus comandos. [...]

Mas a praticabilidade também atinge o Poder Executivo, especialmente naquelas normas que se destinam a possibilitar a execução em massa das leis. [...] Exatamente a propósito da administração de massa, tem-se colocado, na atualidade, em especial no Direito alemão, o modo de raciocinar ‘tipificante’”.

Cabe ressaltar que, em que pese a praticabilidade tenha sido concebida como mera forma de simplificação na execução das leis fiscais, ainda nos incipientes cânones de Adam Smith, sua formulação ganhou corpo durante os séculos de estudo e análise.

Casalta Nabais[27] defende essa mudança de paradigma da praticabilidade, dizendo que

A aplicabilidade do princípio da praticabilidade transcende, hoje, suas origens economicistas, norteadas pela busca de uma maior produtividade com o menor custo. Ostenta atualmente o princípio uma dimensão axiológica, que se prende ao princípio da isonomia e ao valor da justiça, na medida em que o legislador tributário, ciente de que não é onipotente, busca a simplificação, por meio da adoção de mecanismos capazes de captar toda manifestação de riqueza por ele considerada relevante.

Regina Helena Costa faz importante ressalva ao apontar como inegável a natureza técnica do princípio da praticabilidade, não podendo ser colocado no mesmo patamar de princípios éticos, basilares de todo ordenamento jurídico nacional, como justiça e moralidade, ainda que não se despreze sua importância[28].

Observada a concepção que mais adeptos possui dentre os estudiosos do tema, passa-se, agora, à análise de recente e vanguardista concepção. Nessa, como se verá, a praticabilidade é instalada na seara da competência tributária.

2.1.3 Concepção Ligada à Competência Tributária

Antes de adentrar à concepção que posiciona a praticabilidade na seara das competências tributárias, há que se comentar, ao melhor entendimento da questão, o posicionamento quanto à criação de tributos já na Constituição da República Federativa do Brasil. E, para tal, dá-se foco a artigo do prof. José Roberto Vieira, explicitando de forma bastante clara a moldura constitucional instituída a alguns tributos pelo legislador originário.

Segundo Vieira, a Constituição não tem a mera função de distribuir competências tributárias aos mais vários entes do Estado, mas sim, e concedendo extrema importância a tal concepção, de criar uma verdadeira “moldura” constitucional aos tributos, ou aquilo que se convencionou chamar de “tributo mínimo”. Vieira[29] afirma tal ideário categoricamente em sua obra, ao lecionar que

Ao discriminar as competências tributárias, o legislador da Carta Magna não se restringiu a mencionar o nomen juris dos tributos, mas já estabeleceu algo de sua hipótese de incidência, pelo menos do núcleo de seu critério material.

E complementa o Mestre

Diante da atribuição constitucional de competência tributária, já dispomos de norma que desenha o perfil mínimo de um tributo, outorgando-lhe, no menor grau possível, uma inquestionável identidade. [...] Ora, se tributo é norma, como já reconhecemos, em companhia de larga e respeitável doutrina, perante tal norma constitucional, é inevitável concluir: a constituição criou tributo.

Ressalvada a importante noção de que a Constituição cria, sim, tributos, ao estabelecer o tributo mínimo, ou seja, aquele molde constitucional mínimo a ser respeitado pelo legislador infraconstitucional quando da positivação tributária, possibilita-se a análise da supracitada concepção acerca da praticabilidade tributária.

Paulo de Barros Carvalho estabelece que competência tributária é, dentre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, aquela que possibilita a produção de normas jurídicas sobre tributos[30]. Entretanto, vinculada à ideia exposta de que um ‘tributo mínimo’ já se encontra no texto da Constituição, o legislador deve, necessariamente, respeitar essa pré-estabelecida ‘moldura’ constitucional dos tributos.

Para Roque Antônio Carrazza, essa ‘moldura’ já aponto “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível”[31], definindo, para tanto, que tais critérios devem ser observados pelo legislador, preenchendo tão-somente as lacunas deixadas pela Constituição.

E é nesse ‘preenchimento das lacunas’ que se encontra, para Carlos Renato Cunha, a praticabilidade tributária. Não abandonando a ideia de tratar-se de um princípio, o autor define que a discussão acerca da praticabilidade encontra-se intimamente ligada aos limites de atuação do agente competente quando da expedição da norma jurídico-tributária[32]. Para elucidar melhor a questão, importante transcrever esclarecedora passagem da obra de Cunha[33], definindo que

Dentro da moldura criada pela norma de competência tributária, pode a autoridade competente agir, expedindo novas normas. Se há trechos da moldura em que não há dúvida sobre a licitude da ação, e se há trechos, aqui, fora da moldura, em que há certeza sobre a ilicitude dela, há, outrossim, um campo de penumbra, de dúvida sintático-semântica, sobre os limites de atuação do legislador em sentido amplo.

Utilizando-se dos termos do próprio autor, a praticabilidade tributária se encontra quando, na intenção de criar mecanismos de simplificação da exequibilidade da norma tributária, o legislador transita por essa zona de penumbra, buscando, num cenário ideal, encontrar um ponto convergente entre a praticabilidade e a estrita legalidade da ‘moldura’ constitucional.

A praticabilidade, portanto, para Carlos Renato Cunha [34], caracteriza-se como

Uma classificação científica das normas de competência tributária, retirando do gênero uma classe, ligada à ideia de simplificação da execução da norma jurídica hierarquicamente superior.

Como demonstrado anteriormente, as concepções acerca da natureza jurídica da praticabilidade são divergentes, ainda que, de forma pacífica, seu escopo e instrumentos de aplicação sejam entendidos de forma semelhante pela doutrina.

Tendo sido tratado de forma pormenorizada quando do início do trabalho, o objetivo da praticabilidade, em apertada síntese, é garantir a exequibilidade e simplificar os meios de aplicação da norma tributária, ao passo que, ainda não tratados aqui, os instrumentos para atingir tal fim são variados.

Segundo classificação de Regina Helena Costa, os instrumentos de viabilização da praticabilidade tributária são as chamadas abstrações generalizantes, abarcando aí as presunções e ficções, bem como os conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais, normas em branco e normas de simplificação[35].

Tendo em vista a necessidade de análise detalhada de cada um desses institutos no corpo deste trabalho, cabe, antes de dar continuidade à análise da praticabilidade, observar os estudos acerca de ‘tipo’ e o modo de raciocinar ‘tipificante’, fundamentais à efetivação da praticabilidade.

2.2 DIREITO TRIBUTÁRIO E TIPO

Regina Helena Costa, parafraseando Fernando Sainz Moreno, observa que “não existe o Direito sem a linguagem, da mesma maneira que não existe pensamento fora da linguagem”[36]. A importância da linguagem jurídica, tanto em seus aspectos descritivo e prescritivo[37], já foi alvo de inúmeros debates na doutrina nacional e estrangeira, pacificando-se o entendimento de que se trata de um dos mais relevantes aspectos do Direito.

Isso porque, como ensina a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, “o direito se instrumentaliza por meio da linguagem, e as limitações desta vão se refletir diretamente na possibilidade da concretização de seus objetivos”[38].

Daí a importância em se estudar o modo de pensar ‘tipificante’, utilizado no Direito tributário e possuidor de grandes reflexos nesse estudo.

Diante dos instrumento utilizados para a efetivação do escopo a que se propõe a praticabilidade tributária, citados acima, resta a indagação acerca desse modo de raciocinar ‘tipificante’ e sua implicação no Direito tributário. Comparado muitas vezes com o Direito penal, pela utilização de tipos fechados e do apego à estrita legalidade, a edição de normas abertas cria um impasse na doutrina.

Ora, há que se falar em conceitos abertos na seara do Direito tributário?  A resposta é positiva e, fundamentado por estudiosos do Direito, ver-se-á o porquê.

2.2.1 Tipicidade na Doutrina Alemã e Nacional

Misabel de Abreu Machado Derzi, em seus pioneiros estudos tendo como objeto o ‘tipo’ no Direito, cita que a expressão fora cunhada, pela doutrina alemã, tendo em vista três formas de utilização.

A primeira, observada como uma nova metodologia para o direito, em contraponto ao modo de pensar conceitual, pautado na rigidez e exatidão, busca dar cientificidade ao Direito e possibilitar sua aplicação ao caso concreto.

A segunda forma de uso da expressão diz respeito ao conceito de Tatbestand, no original, opostamente à essência da própria expressão, como conceito rígido e delimitado, a ser observado mais atentamente na sequência do estudo.

E a terceira, o conceito de ‘tipo’ a ser empregado no Direito tributário que, embora lesivo à noção de legalidade estrita[39], visa facilitar à Administração pública a exequibilidade da norma tributária[40].

A construção de ‘tipos’, uma das formas de cognição da realidade no raciocínio humano e utilizada como meio de expressão do Direito, ao contrário do que se acredita, possui uma fundamental característica: “sua estrutura aberta à realidade, flexível, gradual”[41].

Misabel Derzi, utilizando-se dos pioneiros estudos acerca do tema advindos da doutrina alemã, aborda de forma extremamente clara os motivos pelos quais a noção de ‘tipo’ fora incorporada de forma equivocada na doutrina nacional e estrangeira. Em passagem de sua obra, Misabel Derzi[42] justifica que

O tipo, embora conservando o aspecto simultâneo de abstração e de concreção que lhe é inerente, aquele meio-termo entre o individual e o concreto a que se refere Larenz, direcionou-se em caminho diverso nas ciências especiais do direito, sobretudo no direito penal. A tendência classificatória do direito, exacerbada pela necessidade de segurança jurídica, transformou e tende a transformar tipos em conceitos fechados, classificatórios.

Essa concepção errônea acerca do conceito de ‘tipo’ se dá, em grande partida, pela forma deturpada como fora incorporada, à doutrina nacional, a doutrina alemã a respeito da matéria. O exemplo mais claro disso, explicitado por Misabel de Abreu Machado Derzi em sua obra, pioneira nessa seara na doutrina pátria e que será observada de forma pormenorizada mais adiante neste estudo, é o termo Tatbestand, traduzido à ciência nacional, frise-se, de forma equivocada, para fato gerador ou hipótese[43].

Tal expressão - Tatbestand - cunhada pela doutrina alemã para designar o conceito determinado e designador da matéria penal, cerrado por natureza, fora trazido para os sistemas jurídicos e íbero-americanos como referencial para conceito diverso. E, assim, da forma como disposta por Misabel Derzi[44]

Identificar tipo a Tatbestand ou fato gerador é reduzir indevidamente seu alcance, sentido e acepção […], [sendo utilizado] em acepção diversa e contraditória àquela montada na lógica.

[Isso porque] como sinônimo de Tatbestand, de fato gerador ou hipótese, o impropriamente chamado tipo não é uma ordem gradual, uma estrutura aberta, mas, ao contrário, um conceito que guarda a pretensão de exatidão, rigidez e delimitação (em especial, no dirieto penal).

Tal inexatidão doutrinária acarretou grande confusão na doutrina nacional com relação ao tema. Tornou-se unanimidade, durante certo período, a noção de que tipicidade no Direito significava conceitos fechados e determinados, acarretando, nos estudos mais recentes, duras críticas.

O ‘tipificar’, em seu sentido técnico, como define Misabel de Abreu Machado Derzi, “não é estabelecer rígidos conceitos de espécies jurídicas, baluartes da segurança jurídica”[45]. Ao contrário, como se verá, é instrumento que possibilita ao Direito características de flexibilidade e mutação.

Porém, ainda que a transcrição equivocada da ciência alienígena tenha atrasado os estudos pátrios, em boa hora a Professora soube aclarar a situação. Passa-se, portanto, à verificação de sua valiosa contribuição nesse campo da ciência do Direto

2.2.2 Modo de Pensar ‘Tipificante’

Na verdade, o que fora criado pela doutrina alemã era considerada uma concepção completamente diferente de ‘tipo’. Aquilo que Misabel Derzi chamou de ‘modo de pensar tipificante’ também pode ser classificado, segundo a mestra, como uma ‘administração simplificadora da lei’. Essa técnica, desenvolvida pela Administração, em especial a tributária, objetiva a simplificação da execução das leis tributárias, escopo da praticabilidade[46].

Esse modo de pensar define-se, portanto, como uma “generalização que considera a média dos casos ou o tipo frequente, tendo como base as circunstâncias normais ou usuais […] com abandono das diferenças individuais relevantes do ponto de vista jurídico”[47]. Caracteriza-se, assim, para Derzi[48], como um

Expediente que, desprezando as diferenças individuais na aplicação da lei, cuja apuração, em cada caso concreto, embora legalmente obrigatória, seria excessivamente onerosa ou difícil para a Administração, erige padrões ou médias para cálculo do tributo.

Regina Helena Costa, ao estudar obra de Misabel Derzi, relembra que as diversas formas de utilização do conceito de Tipo, na doutrina, encontra uma caracterísica comum: o “sentido amplo de abstrair as particularidades individuais, para colher o que é comum ou repetitivo”[49]. Porém, as confusas criações doutrinárias acabam por circundar de complexidade o conceito de ‘tipo’. As diferenças entre suas formas de aplicação, assim, são notáveis, demarcando Misabel Derzi[50] que

Como ordem, o tipo se opõe a conceito classificatório, pois não contém nota rígidas, mas graduáveis; um conjunto não delimitado, onde a ideia de totalidade é primacial. Como suposto fático da norma (Tatbestand), é visto, embora equivocadamente, como conceito que delimita rigidamente a espécie, à qual serão atribuídas consequências também específicas. Perdem-se, então, a graduabilidade a a totalidade inerentes ao tipo. E, enfim, como parâmetro criado para execução simplificado da lei, é conceito rígido, fixo, não-fluído, que reformula ou reduz o clássico princípio da legalidade”.

Tendo feita tais distinções e aclarando a controvérsia existente nas diversas formas de utilização do conceito de ‘tipo’, Misabel Derzi, com especial cautela e rigor técnico, trata da questão terminológica, classificando, assim, as diversas formas de ‘tipo’.

Encontram-se no Direito, segundo a classificação da autora, os ‘tipos’ em sentido impróprio e os ‘tipos’ propriamente ditos (ou apenas tipos). Os primeiros dizem respeito aos conceitos classificatórios, como tratado anteriormente, caracterizados pela limitação e rigidez, ao passo que os ‘tipos’ são, na sua forma ideal, como preconizada pelos alemães, abstrações generalizadoras fluídas, colhendo, através das características comuns, nem rígidas, nem limitadas, a noção de totalidade que se pretende[51].

Abordada a construção doutrinária pátria acerca do conturbado conceito de ‘tipo’ e ‘tipicidade’, cabe analisar a evolução, especificamente no Direito tributário, da aplicação de tal ideário.

2.2.3 Tipicidade no Direito Tributário Brasileiro

Os primeiros estudos referentes à ‘tipicidade’ aplicada ao Direito tributário, no Brasil, devem-se aos estudos de Alberto Xavier, Yonne Dolácio de Oliveira e Misabel Derzi. Como faz questão de relembrar Regina Helena Costa, o entendimento atual acerca das ideias de ‘tipo’ e ‘tipicidade’ é herdeiro da teoria da tipicidade fechada, formulada por Alberto Xavier em monografia intitulada Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, publicada em 1978[52].

Partindo do princípio de que a ‘tipicidade’ deriva do princípio da legalidade, o mestre português afirma que aquela constitui “expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta da lei, ou seja, sempre que se encontra construído por estritas considerações de segurança jurídica”[53].

Alberto Xavier, em obra publicada posteriormente à criação de sua teoria, explica que o princípio da tipicidade ou da reserva absoluta de lei possui como corolários o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou tipicidade fechada.

O princípio da seleção vedaria a utilização de conceitos ou cláusulas gerais, devendo, ao contrário, pautar a edição de tributos em “uma tipologia, isto é, devem ser descritos em tipos ou modelos”[54].

O princípio do numerus clausus, especificação do anterior, determinaria que a “tipologia tributária é taxativa”[55], não podendo incidir o tributo sem que todos os elementos constantes de seu ‘tipo’ fossem abarcados no fato jurídico tributário.

O princípio do exclusivismo formula a ideia de que os elementos constantes da hipótese de incidência tributária não são somente necessários, mas suficientes à incidência, sendo o regime tributário, pois, “de uma tipicidade fechada (na terminologia de Larenz), enquanto não admite quaisquer elementos adicionais não completamente contidos na descrição normativa”[56].

O princípio da determinação ou tipicidade fechada, por sua vez, determina a formulação de conceitos determinados na seara do Direito tributário, “limitando-se o órgão aplicador à mera subsunção do fato ao tipo tributário, […] vedando conceitos indeterminados”[57].

Finaliza sua análise, baseado nas noções vistas anteriormente, determinando que o princípio da tipicidade tem como essência a proibição da inversão de competências, enquanto impede que mecanismos indiretos e oblíquos sejam utilizados à criação normativa pelas funções Executivas e Judiciárias do Estado. Por essa razão, defende que “o princípio da tipicidade da tributação encontra-se estreitamente relacionado não só com o princípio da segurança jurídica, mas também com o princípio da separação dos poderes”[58].

Em rápida síntese, Alberto Xavier[59] traduz o princípio da tipicidade, definindo-o como uma imposição de comandos ao legislador para que formule as leis tributárias

(i) de um modo casuístico ou seletivo, com a consequente proibição de cláusulas gerais (lex stricta); (ii) de modo completo e exclusivo, com a consequente proibição de normas de reenvio (lex completa); (iii) de modo claro e preciso, com a consequente proibição de conceitos indeterminados (lex certa); (iv) de modo expresso, com a consequente proibição da analogia  (lex stricta).

Relembrando, ainda, a relação do princípio da tipicidade como expressão dos princípios da legalidade e reserva absoluta de lei, diz Alberto Xavier que, em matéria tributária, os contribuintes possuem um ‘direito subjetivo defensivo’ contra a instituição ou majoração de tributos mediante ‘agressões não constitucionalmente permitidas’, como cláusulas gerais, conceitos indeterminados, delegação normativa, regulamentos, analogias ou poder discricionário[60].

Valendo-se dos ensinamentos do Mestre português, além das obras de Karl Larenz, Karl Engisch e Miguel Reale, a Profª. Yonne Dolácio de Oliveira publicou sua obra, ‘A tipicidade no direito tributário brasileiro’, mencionando as peculiaridades do pensamento tipológico e fazendo a distinção entre ‘tipos’ abertos e fechados.

Segundo ela, os ‘tipos’ fechados não surgem da “especificação de um conceito genérico”, mas sim da própria realidade na qual determinado corpo normativo está inserido. Assim, o ‘tipo’ cerrado resultaria de uma limitação do ‘tipo’ aberto, no sentido de que, abstraindo-se as características eleitas como necessárias, essas não seriam suscetíveis de mutação[61].

Os ‘tipos’ abertos, por sua vez, funcionariam de forma mais flexível, aberta às mudanças sociais pertinentes ao Direito, dando margem à interpretação do aplicador do arcabouço jurídico. Nas palavras de Yonne Dolácio de Oliveira, o tipo é aberto “quando seu repertório pode sofrer acréscimo, de acordo com os valores a que serve o modelo jurídico”[62].

E, após análise dos conceitos e da fundamentação doutrinária acerca dos ‘tipos’, finaliza Oliveira[63], afirmando que

penso que, de tudo o que se viu, não há como negar que o tipo legal tributário é cerrado. E não se trata de defesa de postura positivista. Trata-se, antes, de visão do direito tributário como área muito sensível ao Direito, pois os tributos afetam a atuação do Estado e, direta ou indiretamente, todos os cidadãos.

No decorrer da construção doutrinária brasileira acerca do tema, após as valiosas lições de Alberto Xavier e Yonne Dolácio de Oliveira, a mais rigorosa apreciação do tema ficou por parte de Misabel Derzi, modificando concepções e quebrando determinados paradigmas na área tributária. Não obstante ter-se adentrado às suas lições neste estudo, cabe, aqui, um breve retorno ao seu pensamento, frisando, nas palavras de Misabel Derzi[64], que

segurança jurídica, igual e justiça, permeabilidade às mutações sócio-políticas, estabilidade nas relações jurídico-sociais, praticabilidade… os dilemas que engendram esses princípios são as tensões existentes por detrás do tipo e do conceito classificatório.

Como visto, o emprego dos ‘tipos, como construção doutrinária alemã, a contrário sensu daquilo que fora largamente discutido na doutrina brasileira, não serve tão-somente ao emprego de ‘tipos fechados’, abraçando princípios da reserva na lei e estrita legalidade, mas, antes disso, caracteriza a construção do ‘pensamento tipificante’.

Esse pensamento ‘tipificante, como traduzido por Misabel Derzi da doutrina alemã, consiste num método de aplicação do Direito desenvolvido pela Administração, especialmente a tributária, no escopo de facilitar a execução das leis tributárias. Impossível, diante do exposto pela Autora, não relacionar o ‘pensamento tipificante’ com o conceito e objetivos da própria praticabilidade.

Porém, em que pese o Direito tributário tenha grande prevalência pelos conceitos classificatórios, ou ‘tipos fechados’, Misabel Derzi analisa o corpo normativo tributário e conclui pela existência de resíduos ‘tipológicos’, explicitando, ainda, a importância de tais construções dentro do Direito tributário, em especial com relação aos princípios que servem ao pensamento ‘tipológico. Misabel Derzi[65] leciona, em sua atualização à obra de Aliomar Baleeiro, que

A decisão entre tipo e conceito depende, então, não só da distinção entre uma e outra forma de pensamento mas, em especial, da compreensão em torno daqueles princípios a que servem, daqueles valores que, no direito tributário, por detrás dela subjazem.

Ainda nesse sentido, aponta Derzi[66], em sua obra

O tipo propriamente dito, por suas características, serve mais de perto a princípios jurídicos como o da igualdade, o da funcionalidade e permeabilidade às mutações sociais e o da justiça. Em compensação, com o seu uso, enfraquece-se a segurança jurídica, a legalidade como fonte exclusiva de criação jurídica e a uniformidade. O conceito determinado e fechado (tipo no sentido impróprio), ao contrário, significa um reforço à segurança jurídica, à primazia da lei, à uniformidade no tratamento dos casos isolados, em prejuízo da igualdade, da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas.

Faz uma ressalva, nessa seara, ao fato de os ‘tipos’ propriamente ditos servirem à isonomia na lei, lembrando, para aclarar o tema, de passagem de Norberto Bobbio, em que se defende que “a igualdade, enquanto imperativo que exige tratamento jurídico uniforme para situações semelhantes, inibidor de exceções e privilégios odiosos, impõe o uso pelo legislador de generalizações e abstrações”[67].

Por fim, não obstante o prejuízo que tenha trazido à doutrina nacional as errôneas construções acerca do ‘tipo’, fechando-se o Direito tributário à utilização tão-somente dos ‘tipos’ em sentido impróprio, não é difícil entender o por quê de ter-se tornado preferência dentre os doutrinadores. Lembra a autora que “a experiência histórica demonstra que a conceituação determinada, especificante e fechada como conteúdo das leis reforça a segurança jurídica, coíbe o arbítrio”[68].

Fato é que a Alemanha nazista, o regime pós-revolucionário russo e o pós-revolucionário brasileiro de 1964, como tratado por Jorge Figueiredo Dias em sua obra, utilizaram-se de conceitos indeterminados, imprecisos e ambíguos com fins escusos. O processo legiferante formal para o caso, ou seja, a utilização das leis, nesses casos, e especificamente no Direito tributário, tornou-se “instrumento raro de veiculação das normas, recorrendo-se, ordinária e abusivamente, aos decretos-lei para a criação e regulação dos tributos federais”[69].

E Derzi[70] finaliza, valendo-se das lições do mestre Norberto Bobbio, no sentido de que

Tipo e conceito fechado são, como abstrações generalizantes, técnicas jurídicas que podem servir tanto à adaptação e transformação como à conservação da estrutura social subjacente. É a técnica, como que Bobbio, a serviço de uma ideologia.

Em sua crítica à construção doutrinária que fora objeto de análise desse estudo nas páginas anteriores, Regina Helena Costa defende que, em que pese a valiosa tese da tipicidade fechada, de suma importância ao desenvolvimento do  pensamento jurídico tributário, criada por Alberto Xavier e corroborada por tantos outros doutrinadores, essa “não resiste à crítica diante do radicalismo que estampa. [não resiste, tampouco, por sua fragilidade] a assertiva segundo a qual a lei tributária não pode consignar o emprego de tipos (ou conceitos abertos).[71]

E, para fundamentar sua opinião, utiliza-se de dois argumentos.

O primeiro diz respeito ao aparente conflito entre os princípios da segurança jurídica e legalidade, corolários dos tipos cerrados, e dos primados de justiça, isonomia e capacidade contributiva, escopos dos tipos abertos e, por conseguinte, da própria praticabilidade. Segundo Regina Helena Costa, ao abraçar a tese de Alberto Xavier estar-se-ia dando total prevalência à segurança jurídica e legalidade frente aos demais, excluindo-se, inclusive, sua observância, ideia refutada e tida como absurda.

E, fechando seu entendimento, defende que a linguagem jurídica “não pode prescindir da adoção de tipos e conceitos abertos, diante da textura aberta que lhe é própria, cuja compreensão tornou-se cediça”[72]. Diz, ainda, que tal realidade jurídica é abarcada diante de disciplinas jurídicas com extrema necessidade de segurança jurídica, como o direito penal, não podendo ser excluída de plano de qualquer seara jurídica.

À tese de Misabel Derzi, suas críticas vão no sentido de que, inobstante essa autora admita a existência de conceitos indeterminados, defende pela sua inutilização. Regina Helena Costa concorda com Misabel Derzi quando essa defende que o Direito tributário é pautado, em maior grau, por ‘tipos’ cerrados, mas vê com bons olhos determinados ‘tipos’ abertos mesmo nessa seara jurídica.

Dentre eles, como dispõe em sua obra, e como será objeto de posterior análise nessa obra, as cláusulas gerais e as normas em branco, “figuras intermediárias entre o conceito fechado e o tipo, são utilizáveis também nesse âmbito, servindo adequadamente à expressão da vontade legislativa”[73].

2.3 PRATICABILIDADE E SUA APLICAÇÃO

Como visto anteriormente, há grandes divergências, dentro da doutrina, dentre as formas de aplicação da praticabilidade. Enquanto José Souto Maior Borges classificou o instituto como elemento “pré-jurídico”, ou seja, mero conceito norteador do processo legiferante, Regina Helena Costa classifica-o como princípio jurídico arraigado em todo o sistema jurídico brasileiro, embasando todo o pensamento legiferante e de aplicação das normas jurídicas. No mesmo sentido  principiológico, compreende Carlos Renato Cunha, classificando a praticabilidade Tributária, ainda, como expressão da competência tributária quando da instituição de um tributo, desde que respeitada a ‘moldura’ constitucional dos tributos constantes da própria Constituição da República Federativa do Brasil.

Com relação a essa conceituação, Carlos Renato Cunha analisa a forma como a praticabilidade é aplicada na lei, nos atos administrativos e nos atos jurisdicionais.

2.3.1 Praticabilidade na Lei

Regina Helena Costa assegura, de pronto, em sua obra que, “constituindo a lei ato normativo cujos traços característicos são a generalidade a a abstração, nessa moldura revela-se ainda mais importante a noção de praticabilidade”[74].

O atributo da generalidade assegura que as leis são aplicáveis a todos, indistintamente. Parafraseando Klaus Tipke, Misabel Derzi defende que as “leis que não que não são praticamente exequíveis não podem ser aplicadas igualmente a todos”[75]. Imprescindível citar a lição de Ramponi[76], trazida ao conhecimento pátrio por Alfredo Augusto Becker, dispondo que

As normas jurídicas têm sempre caráter de generalidade porque é próprio do direito (positivo) ser uma regra geral, noutras palavras, é estabelecida pelo Poder Público com relação a todos os cidadãos ou a toda uma categoria deles ou a todos aqueles que se encontrem em certas condições. Idealmente cada um deveria ser posto na especial condição de direito que melhor corresponde à especial condição de fato em que ele se encontra como homem (indivíduo) e como cidadão (membro da sociedade). Realmente tudo isto é impossível: isto requereria um complexo de normas jurídicas para cada indivíduo […] E, não sendo isto possível, a lei tomou conhecimento daquilo que se verifica no maior número de caso [sendo] manifesto na presunções na lei (grifos no origianal).

Já o atributo da abstração define a forma como a lei descreve situações-padrão, criando hipóteses de possível ocorrência dentro de uma realidade social e excluindo as peculiaridades que inviabilizariam sua aplicação. Pautados nesse ideário, René Izoldi Ávila e Humberto Ávila, em sua obra, afirmam que “na lei não se encontram todas as possíveis decisões e que ela não define uma só como correta [afirmando, ainda, que] a lei contém um ‘tipo’ que, ao contrário do conceito, é sempre, em alguma medida, aberto”[77].

Alfredo Augusto Becker ainda defende que, tendo sido criada a regra jurídica como a solução do legislador para resolver determinado conflito social, há que se elaborar, portanto, instrumentos ao perfazimento de tal objeto. Nesse sentido, “a ciência jurídica mostra que a existência de ficção na embriogenia da regra jurídica é muito mais frequente do que se supõe”[78].

Adverte ainda ao estudioso de sua obra a noção de que, tendo sido permeado o momento intelectual e pré-jurídico do legislador pela necessidade de criação de ficções e presunções, essas, “ao penetrarem no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica, nele ingressam como verdades (realidades jurídicas)”[79].

Corroborando os ensinamentos do jurista gaúcho, Regina Helena Costa defende ser a lei o instrumento de praticabilidade por excelência, com vista “à viabilização da vontade estatal [e] à realização das diretrizes constitucionais”[80].

Tais instrumentos de viabilização da praticabilidade, na lei, serão observados de forma mais cuidadosa no decorrer desse estudo, analisando-se, também, as demais formas de aplicação da praticabilidade e seus limites e conformidade com as demais normas jurídicas.

2.3.2 Praticabilidade nos Atos Administrativos

Os atos administrativos, apesar de não serem o instrumento por excelência de aplicação da praticabilidade, constituem campo fértil para a obtenção de seus objetivos. E, nessa seara, a praticabilidade mostra-se presente nas próprias características inerentes aos atos administrativos, sendo elas: a presunção de legalidade, de legitimidade e veracidade; a imperatividade e a auto-executoriedade.

Em primeiro lugar, as presunções de legalidade, legitimidade e veracidade fazem com que, o ato administrativo, até que se prove o contrário, traga em seu bojo a noção de que se encontra em conformidade com a lei. Apesar de ser uma construção jurídica, não correspondendo, num momento pré-jurídico, à realidade, tais características, como supra citado, embarcam no âmbito jurídico como normas válidas e integralmente aplicáveis.

A imperatividade torna os atos administrativos aplicáveis, independente da anuência de seus destinatários, tornando muito mais ágil sua execução, ao passo que a auto-executoriedade garante à Administração Pública os meios necessários à aplicação autônoma de seus atos. Como afirma Regina Helena Costa, “se desprovidos de tais características, tornariam impraticável o exercício da função administrativa do Estado”[81].

Além de a praticabilidade estar contida nos próprios atributos dos atos administrativos, a discricionariedade que é concedida ao ente da esfera Executiva também, por muitas vezes, representa um reflexo da praticabilidade. Com relação a esse tema, Regina Helena Costa[82] dispõe que

se um dos fundamentos para a existência da discricionariedade consiste no fato de que o legislador, ao disciplinar determinada situação hipotética, reconhece, por vezes, que o administrador público, por se encontrar diante do caso concreto e, assim, ter o domínio de suas peculiaridades, terá melhores condições de buscar a solução justa a ser aplicada, evidentemente tal proceder revela-se mais prático que a imposição de uma disciplina vinculada, propiciadora do risco de que não venha a alçar a tão almejada justiça.

Porém, ainda que se esteja diante de um poder discricionário do administrador público, a concepção de ‘tipicidade’ em sentido impróprio ainda prevalece, dispondo a forma como deve agir o administrador, por meio dos ‘tipos’ fechados. Assim assegura Heleno Tôrres[83], ao dizer que

O princípio da tipicidade não se limita, pois, a servir apenas como um critério para orientar a função legislativa. Sua eficácia repercute sobre um qualquer ato de produção de norma jurídica, mormente na constituição dos atos de lançamento tributário, quando praticados pela Administração Tributária, de ofício ou no exercício de fiscalizações, mesmo nos casos em que se plica discricionariedade, como instrumento de segurança jurídica para os administrados.

Acerca do tema há, ainda, importante passagem da obra de Misabel Derzi[84], defendendo que

Evidentemente, princípios como permeabilidade às necessidades administrativas e às sociais, comodidade, utilidade e eficiência, prejudiciais à previsibilidade e segurança jurídica, resultam na concessão legal de discricionariedade aos órgãos executores. Tecnicamente, a lei prescreverá condutas e descreverá seus pressupostos em tipos flexíveis, abertos e graduáveis, adaptáveis às circunstâncias do caso isolado. A discricionariedade é campo fértil ao nascimento de tipos, em lugar dos conceitos.

Misabel Derzi, nos anais do 1º Congresso Internacional de Direito Tributário, quando do estudo dos autores alemães, em especial Arndt e Isensee, trouxe ao conhecimento pátrio os fundamentos utilizados por aqueles para justificar como válida a Praticidade nos atos administrativos. Segundo aquela, os principais argumentos eram:

-  a defesa da esfera privada, evitando-se a ingerência indevida de órgãos públicos no círculo privado da pessoa;

-  a uniformidade da tributação, obtendo-se um tratamento uniforme para todos os fatos, evitando-se que decisões díspares, critérios diferentes e resultados contraditórios sejam adotados; e

-  o estado de necessidade administrativo, segundo o qual tais práticas são inevitáveis, à vista da acentuada desproporção entre a incumbência legalmente atribuída à Administração para a execução e fiscalização da aplicação das normas tributárias e a capacidade e os meios disponíveis aos órgãos fazendários para prestar o serviço[85].

Em contrapartida, também Misabel Derzi aponta-nos as objeções tecidas pela doutrina à utilização dos instrumentos característicos da praticabilidade na seara administrativa, sendo eles:

-  ofensa à adequação à lei, exigência do Estado de Direito;

-  ofensa ao princípio da separação dos Poderes, porquanto tal modo de pensar levaria à retificação e modificação da própria lei, com enfraquecimento do Poder Legislativo;

-  ofensa à indelegabilidade de funções, uma vez competir privativamente ao Poder Legislativo disciplinar o tributo;

-  ofensa à uniformidade de encargos fiscais e à igualdade, pois, se o legislador tratou o factualmente desigual de modo desigual, de acordo com sua peculiaridade, a Administração converte em igualdade aquilo que é desigual, desprezando as características individuais, juridicamente relevantes; e

-  ofensa à capacidade econômica e aos princípio da realidade, já que o direito tributário segue esse princípio e deve atingir as reais forças econômicas do contribuinte[86].

Tecendo sua crítica com relação aos ensinamentos de Misabel Derzi, Regina Helena Costa busca reduzir a praticabilidade que pode ser utilizada pelos atos administrativos exatamente à matéria que pode ser objeto de um ato administrativo, nos limites impostos pela lei. E para isso, define ela[87] que

Para tanto […] é necessário que (i) a execução da lei esteja a cargo do Poder Executivo e (ii) a lei consigne uma certa dose de discricionariedade ao administrador público, conferindo-lhe certo espaço normativo, passível de preenchimento por meio de normas regulamentares.

Quando […] tende a exercer seu poder normativo ou regulamentar inclusive em hipóteses nas quais a lei não lhe defere tal possibilidade, muitas vezes, na tentativa de “aprimorar” o texto legal […] o resultado é sempre desastroso […] em evidente vulneração do princípio da legalidade.

Vê-se, assim, que os estudos são extremamente cautelosos com relação à aplicação da praticabilidade nos atos administrativos. Enquanto se pode pensar que se trata de instituto exclusivo do Poder Legislativo, alguns, como Regina Helena Costa, defendem pela sua preservação nos atos administrativos, desde que respeitados os limites que visam à segurança jurídica e ao respeito à estrita legalidade.

2.3.3 Praticabilidade nos Atos Jurisdicionais

Aclarada a forma como a praticabilidade tributária é aplicada na lei e nos atos administrativos, cabe demonstrar, ainda, sua existência dentre os atos jurisdicionais. Regina Helena Costa atenta à íntima ligação entre a praticabilidade  e a noção de Instrumentalidade, princípio dirigente do processo e, por conseguinte, dos atos jurisdicionais.

A autora, utilizando dos ensinamentos do processualista alemão Adolf Wach, afirma que o processo “é meio, e não fim, e, em função disso, se o resultado almejado pelo ato praticado for atingido, ainda que não da melhor forma, torna-se aceitável”[88].

Alude ainda à obra de Cândido Rangel Dinamarco[89], para embasar a praticabilidade nos atos jurisdicionais, quando este afirma que

Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vista a fazê-las mais felizes (ou menos felizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas.

Nesse sentido, assim como tratado na aplicação da praticabilidade na lei e nos atos administrativos, as decisões judicias, quando desligadas da realidade, não cumprem sua função basilar, qual seja, dar uma resposta às demandas sociais. Assim sendo, os poderes instrumentais conferidos aos magistrados mediante autorização legal, que visam à correção de ofício de erros e inexatidões jurídicas, como cita Regina Helena Costa, configuram manifestação da praticabilidade no âmbito processual[90].

Entretanto, essa noção deve ser observada com extrema cautela, não confundindo aquelas funções inerentes à função legislativa na competência judiciária. Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra, faz uma alusão a esse problema, citando, inclusive, Yves Lemoine, antigo magistrado francês que cunhou a expressão “o governo dos juízes (pior, talvez, ‘o complô dos juízes)”[91].

Cita a autora, ainda, o princípio da instrumentalidade das formas como manifestação da praticabilidade, parafraseando José Roberto dos Santos Bedaque[92], quando afirma que

Toda vez que o ato processual, não obstante praticado em desconformidade com o modelo legal, atingir seu escopo, a nulidade não deve ser declarada. O princípio da legalidade das formas e a necessidade de observância às regras do procedimento são garantia do resultado do processo. Se este for alcançado, deixa de ter relevância o não-atendimento à forma”.

Ainda no estudo da praticabilidade nos atos jurisdicionais, Regina Helena Costa explicita seu posicionamento frente ao instituto da uniformização de jurisprudência, pautando-se nos incipientes estudos de Misabel Derzi acerca do tema.

Inicialmente, José Marcelo Menezes Vigliar classifica tal uniformização como uma das “garantias do jurisdicionado” de que diferentes teses tenham interpretação semelhante nos mais diversos tribunais aos quais um processo pode ser distribuído[93]. Porém, tal escopo de padronização não pode ser confundido com os mecanismos padronizantes típicos à praticabilidade na lei.

Acerca dessa peculiaridade, Misabel Derzi[94] é bastante enfática, quando diz em sua obra que

não há que se confundir a aplicação da lei em massa, que tem em vista o caso-padrão ou normal, sem atentar para as peculiaridades juridicamente relevantes do caso concreto, com o procedimento de uniformização de jurisprudência, criador do direito sumular.

E, de forma ainda mais pragmática, no sentido de afastar quaisquer dúvidas com relação a diferenças entre os institutos, Derzi[95] afirma que

Uniformiza-se a interpretação, obtida ao exame de casos isolados, mas a súmula, embora projetada para alcançar sentenças futuras, só se entende aplicável aos casos idênticos, vale dizer, àqueles que, depois de investigados, se ajustam ou se subsumem nos mesmos pressupostos legais que nortearam a sua edição.

A súmula, pois, não tem como metas aquelas inerentes ao fenômeno impropriamente chamado de tipificação administrativo-tributária ou de simplificação da execução da lei fiscal, tais como substituir a prova e o exame de fatos, evitar a demonstração da anomalia ou atipicidade do caso isolado, a fim de se viabilizar a execução da lei em massa e de se impedir a elevação dos custas da arrecadação.

Diante de tais afirmações, Regina Helena Costa, em seu estudo da obra de Misabel Derzi, afirma peremptoriamente que as súmulas não possuem o mesmo escopo da simplificação da execução de leis fiscais, e isso se dá exatamente pelo fato de aquelas se formarem ao longo de “decisões iterativas, tomadas em inúmeros casos exaustivamente examinados, na senda da casuística”[96].

Ainda que tal distinção esteja claramente explicitada pela doutrina supracitada, a expressão “simplificação” não é abandonada, com a ressalva de tratar-se de instituto completamente diferente. Se a praticabilidade, especialmente a tributária, opera-se em simplificações abstratas, que visam abarcar casos típicos, a simplificação executada nos atos jurisdicionais visam ao caso in concreto.

Ainda na seara dos atos jurisdicionais, Misabel Derzi lembra ser manifestação da praticabilidade outro instituto largamente difundido na ciência do direito: a coisa julgada.

Enrico Tullio Liebman classifica-a como “a imutabilidade da sentença, bem como de seus efeitos”[97], ao passo que Misabel Derzi[98], em sua atualização à obra de Aliomar Baleeiro, de forma mais extensa, lembra que

À certa altura, sem nenhuma mudança literal da fórmula legislativa, que conserva os mesmo dizeres, altera-se a interpretação que da mesma lei fazem os tribunais, os quais passam a decidir conforme outra interpretação. Surge, assim, sem lei nova como ato emanado do Poder Legislativo, espécie de lei nova proclamada pelo Poder Judiciário. A irretroatividade da lei alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto, que se cristalizou por meio da coisa julgada.

O instituto da coisa julgada é necessária garantia de segurança e estabilidade das relações jurídicas como ainda de praticidade, pois tornar-se-ia inviável a aplicação do Direito se, a cada evolução e mutação jurisprudencial, devessem ser rescindidas as decisões anteriores, para que se proferissem novas decisões com base na nova lei, simples nova inteligência da lei.

Sob o risco de incorrer em demasiadas transcrições da obra de Aliomar Baleeiro, com as devidas atualizações da mestra Misabel Derzi [99] nessa seara, as palavras outrora escritas parecem-nos perfeitas, de forma que, ainda sobre o instituto da coisa julgada e a praticabilidade, leciona a autora que

A res iudicata [coisa julgada] é razão de praticidade jurídica e de segurança e, a rigor, a mola que torna possível a evolução jurídica, na busca do Direito mais justo. Está nesse sentido conformada à igualdade (que é, em essência, justiça); é seu necessário complemento evolutivo. O princípio da irretroatividade, visto sob esse ângulo mais amplo, que toca a todos os Poderes, é a garantia que torna exeqüível o desenvolvimento ou o aperfeiçoamento do Direito [observação nossa].

Diante do exposto e, levando-se em conta as críticas realizadas por Regina Helena Costa e Misabel Derzi, a utilização do instituto da praticabilidade na execução da lei é típico do momento legiferante, sendo impróprio às esferas Executiva e Judiciária por configurar “uma descentralização indevida da função legislativa”[100].

O presente estudo, até esta altura, tratou de conceituar a praticabilidade, analisando sua natureza jurídica e, ainda que superficialmente, demonstrando a forma como essa é aplicada no ordenamento jurídico pátrio. Sua aplicação concreta e os institutos que se caracterizam como expressão própria da praticabilidade serão estudados de forma cuidadosa em momento apropriado.

Visando constituir um cabedal teórico sólido à análise de sua aplicação prática, cabe analisar, na sequência, os limites existentes no próprio ordenamento jurídico à expressão da praticabilidade. Tendo sido abraçada a corrente que define a praticabilidade como princípio de direito geral e difuso, encabeçada por Misabel Derzi e dissecada por Regina Helena Costa, sua interação com os demais princípios de direito mostra-se ponto nuclear desse estudo, sendo tratado adiante.


3 LIMITES À PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA

Pode-se afirmar, com certa tranqüilidade, que a principal fonte do Direito tributário Brasileiro é a Constituição da República. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho[101]

É na Lei das Leis que estão consignadas as permissões para os legislativos da União, dos Estados e dos Municípios instituírem seus tributos, como também é lá que estão fixados os limites positivos e negativos da atividade legiferante daquelas pessoas. Igualmente, é o texto constitucional portador dos grandes princípios que servem como diretrizes supremas a orientar o exercício das competências impositivas, consagrando os postulados que imprimem certeza e segurança às pretensões tributárias do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os direitos individuais dos cidadãos.

No mesmo sentido, assinala Regina Helena Costa, defendendo ser a Constituição da República que “abriga os lineamentos para o adequado exercício da ação estatal de exigir tributos”, abrigando, ainda em sua dicção, os quatro temas fundamentais, a saber: (i) a previsão das regras-matrizes de incidência; (ii) a classificação dos tributos; (iii) a repartição de competências tributárias; e (iv) as limitações ao poder de tributar[102].

E, como se verá adiante, exatamente nesses temas fundamentais do Direito tributário, encontrados na Constituição da República, residem as limitações à aplicação do princípio da praticabilidade.

3.1 A PREVISÃO DAS REGRAS-MATRIZES DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

A regra-matriz de incidência tributária, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, é, por excelência, uma norma de conduta direcionada a disciplinar relações entre o Estado e seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias[103]. Tal regra-matriz, largamente estudada pelo mestre, abarca todos os critérios constantes do fenômeno da incidência tributária. Se, na hipótese de incidência tributária, veem-se os critérios material, espacial e temporal, no conseqüente têm-se os aspectos pessoal, e quantitativo[104].

Como já fora objeto de breve análise deste estudo, a Constituição da República cria, na concepção da José Roberto Vieira, aquilo que se convencionou chamar ‘tributo mínimo’. Defendendo essa tese, Vieira afirma que

Hoje, convencidos de que a promulgação da norma constitucional de competência tributária outorga cidadania jurídica ao tributo, confere-lhe uma existência mínima, produz-lhe a essência, julgamos mais adequado asseverar que a Lei Maior indica o ‘tributo mínimo[105]

Roque Antonio Carrazza[106], também já citado anteriormente, aponta os aspectos constantes ainda da Constituição da República que compõem a regra-matriz de incidência tributária, sendo eles

A hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível.

Diante dessa formulação basilar dos tributos, presentes já no corpo da Constituição da República, cabe ao legislador infraconstitucional respeitar e preservar tais preceitos, tomando como balizas ao seu próprio escopo legiferante aquilo que já se encontra cristalizado na Carta Magna. Disso resulta, segundo Regina Helena Costa, uma “pequena margem de liberdade outorgada aos legisladores ordinário e complementar para dispor sobre tributação”[107].

Nesse sentido, quando da aplicação do princípio da praticabilidade tributária, no sentido de tornar mais simples e exequível a norma tributária, o respeito aos aspectos já fixados na Constituição da República é fundamental. Qualquer que seja a violação ao ‘tributo mínimo’, instalado no corpo da Lei maior, em nome da praticabilidade, estar-se-á defronte a uma aberração jurídica.

3.2 A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS

A classificação dos tributos em tributos vinculados ou não a uma atividade estatal também mostra-se uma evidente baliza à liberdade legiferante em utilizar-se do princípio da praticabilidade.

Regina Helena Costa observa que, quando diante de um tributo não vinculado a uma atividade estatal (imposto), a “gama de expediente à sua [do legislador] disposição para tornar praticável sua exigência” é maior, evidenciando, ainda, que “o pragmatismo fiscal encontra, assim, menos barreiras para alcançar sua operacionalidade”[108].

Entretanto, ainda que possua maior liberdade nessas situações, suas barreiras são visíveis e sua limitação, clara. Lembra Regina Helena Costa que as situações fáticas que podem ser apreendidas pelo legislador infraconstitucional para a confecção dos tributos já estão, em grande parte, pré-estabelecidas pela Constituição da República, como citado, limitando o camp de trabalho do legislador na seara da praticabilidade.

Respeitados tais preceitos, pode o legislador “valer-se de instrumentos vários destinados a viabilizar a apreensão daquele conteúdo econômico de maneira pragmática [que reflitam a capacidade contributiva objetivada]”[109]. [grifo nosso].

No que diz respeito aos tributos vinculados a uma prestação estatal, especialmente as taxas, o campo de manobra legislativa é visivelmente menor. Isso porque, como não poderia deixar de ser, sua base de cálculo deve observar, inexoravelmente, o custo da respectiva atuação estatal.

Não obstante tal constatação, o princípio da praticabilidade aplicado às taxas não é inviabilizado. Para Regina Helena Costa[110], a efetivação daquele princípio, no campo dos tributos vinculados, está condicionado

À possibilidade, maior ou menor, de mensuração do custo da atuação estatal com referência ao sujeito passivo da exigência fiscal, dependendo do tipo de atividade de polícia administrativa ou da modalidade de serviço público específico e divisível ensejadores da instituição da respectiva taxa.

Ainda nesse mesmo ponto de estudo, para Igor Mauler Santiago[111]

É a praticabilidade, por fim, que legitima as taxas fixas, observada, sempre, a correspondência entre o seu valor e o custo razoável do serviço ou do ato de fiscalização[112].

[Ainda que] a Praticabilidade [não equivalha] a um cheque em branco  em favor do legislador, que - reconhecidas certas impossibilidades materiais na quantificação dos tributos - ficaria liberado para fixá-los como bem entendesse.

O afastamento do estrito comando constitucional (retributividade para as taxas, capacidade contributiva para os impostos) não pode ser tal que afaste a exação de uma realização ao menos tendencial daquele comando, e muito menos que a conduza a afrontá-lo.

E, em sua análise dos escritos de Igor Mauler Santiago, Regina Helena Costa pondera acerca da aparente contradição da necessidade do uso da praticabilidade nos impostos e nas taxas. Diz ela que, em que pese a menor liberdade em utilizar-se de tal instituto nos tributos vinculados, é neles que se faz mais presente tal exigência.

Isso porque, como leciona, a utilização dos expedientes da praticabilidade irão “superar as barreiras existentes para a mensuração do custo da atividade estatal e sua repartição entre os contribuintes, viabilizando sua quantificação”[113].

3.3 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

Também a repartição de competências tributárias, previamente estabelecidas pelo legislador originário, mostra-se um limitador à praticabilidade. Com relação a esse aspecto, vem de Geral Ataliba[114] importante lição, estabelecendo que

A ampla, minuciosa e estrita disciplina constitucional das competências tributárias retira toda liberdade do legislador no fixar os aspectos das hipóteses de incidência tributária. Assim, sua materialidade só pode ser a constitucionalmente já prevista (ou de âmbito menor).

Entretanto, a maior das limitações é aquela vista a seguir: os princípios constitucionais e tributários.

3.4 AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

As limitações ao poder de tributar, na visão de Regina Helena Costa, dividem-se, essencialmente, entre as imunidades tributárias e os princípios. E, como extraído de sua obra, é nesses últimos que residem as principais limitações à praticabilidade tributária.

3.4.1 Princípios Jurídicos

Poucos temas suscitam tanto debate dentro da Ciência do Direito quanto os princípios de direito e seus desdobramentos dento de um ordenamento jurídico. Conceito, interpretação, limites, interrelação: muitos são os aspectos que merecem debate e, de forma justa, já incorreram nos mais inflamados discursos por parte de doutrinados pátrios e estrangeiros.

Dentre os mais diversos conceitos que já foram oferecidos aos princípios, Celso Antônio Bandeira de Mello, como grande administrativista que é, obteve apertada porém interessante síntese. Segundo Mello[115]

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Paulo de Barros Carvalho[116] tampouco se omite na tentativa de conceituar os princípios jurídicos, brindando a Ciência do Direito com valiosa definição. Assim os define

Os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.

Dessa forma, a praticabilidade, enquanto princípio, passa a reger-se por tais mandamentos e determinações, pensadas pela doutrina ao longo dos séculos e cristalizadas nos mais diversos diplomas jurídicos. Entretanto, como já fora rapidamente citado, enquanto princípio, a praticabilidade suscita importante aspecto a ser estudado: sua interpretação frente aos demais princípios constitucionais e de direito tributário.

Deve-se a Ronald Dworkin o reconhecimento da normatividade dos princípios, bem como de sua supremacia em relação às regras. Além disso, sob o auspício de seus ensinamentos criou-se a noção de que as regras são institutos “aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada”[117]. Porém, ressalta Regina Helena Costa[118]

Os princípios, por seu turno, não impõem, desde logo, uma decisão particular, apenas representam uma razão a conduzir a decisão em um determinado sentido, e que deve ser ponderada e sopesada com outras razões derivadas de outros princípios, que se demonstram igualmente relevantes para a regulação do caso concreto e que, porventura, apontam em um sentido diferente

O conflito entre princípios [portanto] resolve-se através da escolha do princípio que, diante das características do caso, assume maior importância ou peso, isto é, representa a melhor razão para a tomada da decisão jurídica; a eleição de um princípio não invalida […] os demais princípios que conduzam à direção oposta.

Refutando a distinção entre regras e princípios sob o aspecto da generalidade, Robert Alexy afirma que tal distinção reside no aspecto qualitativo. Segundo Alexy, “tanto as regras como os princípios são normas porque ambos estabelecem o que é devido”[119]; porém, enquanto as regras são aplicadas pela subsunção, sendo necessariamente aplicadas caso o conceito do fato seja suficientemente adequado ao conceito da norma[120], os princípios são mandamentos de otimização. Alexy atenta, ainda, para a utilização das expressões ‘conflito entre regras’ e ‘colisão entre princípios’, como lembra Virgílio Afonso da Silva[121].

Nesse sentido, enquanto em um conflito de regras deve ser analisada a dimensão da validade no caso concreto, na colisão de princípios tem lugar a dimensão do peso [de cada princípio]. Assim, os princípios são normas que “ordenam que algo seja realizado em uma medida tão ampla quanto possível, relativamente a possibilidades fáticas ou jurídicas; e, como tais, podem ser preenchidos em graus distintos”[122].

Regina Helena Costa ainda cita um artigo de Robert Alexy[123] em que o autor afirma que

Princípios e ponderações são dois lados do mesmo objeto. Um é do tipo teórico-normativo; o outro, metodológico. Quem efetua ponderações no Direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios, e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações. A discussão sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente, uma discussão sobre a ponderação.

Realizada breve análise dos princípios jurídicos e os desdobramentos que interessam ao tema principal, passa-se à apreciação dos mais variados princípios jurídicos de direito tributário. Seu estudo, lembrando sempre de sua interação com o princípio da praticabilidade tributária, levarão ao ponto nuclear deste trabalho, qual seja, os limites a serem respeitados por esse.

3.4.1.1 Princípio da isonomia e capacidade contributiva

“Indissoluvelmente ligadas às noções de isonomia, capacidade contributiva e praticabilidade”[124]: com essas palavras, Regina Helena Costa dá início à sua análise acerca das limitações a que se submete o princípio da praticabilidade.

Se a ideia é analisar a observância do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, quando da aplicação da praticabilidade, nada mais oportuno do que trazer à baila os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando do lançamento de sua obra O conteúdo jurídico do princípio da igualdade.

Segundo Mello, a principal amostra do respeito necessário ao princípio da igualdade reside na necessária correlação entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida, e que essa vislumbre os interesses abarcados na Constituição da República. Ainda segundo Mello[125], a proteção à isonomia reside em quatro pontos basilares

-                     que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo;

-                     que o fator de desigualação consista num traço diferencial residente nas pessoas ou situações, vale dizer, que não lhes seja alheio;

-                     que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele; e

-                     que, no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público, à luz do texto constitucional.

Com relação ao princípio da isonomia especificamente aplicado à seara tributária, José Marcos Domingues de Oliveira[126] tece relevante observação, face a sua peculiaridade

-                     se todos são iguais perante a lei, todos devem ser por ela tributados (princípio da generalidade)

-                     o critério de igualação ou desigualação há de ser a riqueza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do contribuinte para manter as finanças públicas; assim, pagarão todos os que tenham riquezas; localizados os que têm riqueza (logo, contribuintes), devem todos estes ser tratados igualmente - ou seja, tributados identicamente na medida em que possuírem igual riqueza (princípio da igualdade tributária);

-                     essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da capacidade contributiva, como pressuposto ou fundamento do tributo);

-                     essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita, nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade (segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de graduação e limita da tributação) [grifos no original].

Como se pode observar das citações transcritas, o princípio da isonomia, quando aplicado ao direito tributário, tem sua principal expressão no princípio da capacidade contributiva. Embora o primeiro proteja a discriminação quando da aplicação da lei e vise à colocação de desiguais em patamar de maior equilíbrio, é no princípio da capacidade contributiva que se encontra o mais importante aspecto da igualdade tributária.

Paulo de Barros Carvalho ressalta que o princípio da capacidade contributiva, quando empregado em sua acepção relativa ou subjetiva (tal critério será analisado mais profundamente a seguir), “embora revista caracteres próprios, sua existência está intimamente ilaqueada à realização do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, do Texto Supremo”[127].

Nas palavras de Regina Helena Costa, no direito tributário, o próprio “critério básico que mensura a igualdade ou a desigualdade é a capacidade econômica do contribuinte”[128], devendo essa servir como farol à confecção dos tributos. Leciona ainda que a capacidade contributiva se revela como “critério ético da imposição tributária, porquanto responde aos reclamos da justiça tributária, voltada à minimização das disparidades sociais e econômicas”[129].

Sacha Calmon Navarro Coêlho, por sua vez, alude à noção de que a capacidade contributiva apresenta “duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito”, sendo elas, a supremacia do indivíduo frente ao Estado e a necessidade de realização do princípio de justiça que, no direito tributário, é expresso pelo princípio da capacidade contributiva e suas técnicas[130].

Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário, vai ainda mais longe ao afirmar que mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos (ou seja, respeitar os limites objetivos e subjetivos do princípio da capacidade contributiva) é o “grande desafio dos quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos”[131].

Citado na passagem pretérita, cabe distinguir as capacidades contributivas absoluta e relativa, ou objetiva e subjetiva, nas expressões usadas anteriormente. Enquanto a primeira representa “a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza”, a segunda consiste na “repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”[132].

Em outras palavras, está-se diante da capacidade contributiva objetiva quando a norma se refere a um fato que constitui uma manifestação de riqueza, ao passo que a capacidade contributiva subjetiva está ligada a um sujeito individualmente considerado e sua própria expressão de aptidão para contribuir[133].

Com relação à expressão da capacidade contributiva no corpo de um sistema normativo e sua influência na efetivação dos demais direitos fundamentais, imponente a passagem do jurista português Casalta Nabais[134], quando diz que

Por isso, compreende-se que o apelo ao princípio da capacidade contributiva, a que se assiste um pouco por toda a parte, não obstante a diversidade que apresenta, não é senão a expressão da tentativa de afirmação da ideia do Estado de Direito material, no cada vez mais absorvente e indomesticável domínio da tributação, depois de, há bastante tempo, a mesma ideia se ter afirmado com assinalável êxito na generalidade dos sectores da acção estadual, através essencialmente da subordinação desta aos direitos fundamentais e do seu efectivo controlo pelas jurisdições constitucionais. Pois bem, é o diagnóstico deste défice, relativamente ao qual converge a generalidade das análises, o pano de fundo que está por detrás da (re)vitalização do princípio da capacidade contributiva, visto como uma terapia, ao lado de outras, capaz de anular ou ao menos diminuir o fosso que se foi instalando entre o direito fiscal e o restante direito público, a expensas aliás de pretensões autonomistas que, por excessivamente ancoradas em aspectos formais, mormento no princípio da legalidade fiscal, se revelaram contraproducentes, ao redundarem, afinal de contas, num regime de apartheid desfavorável ao desenvolvimento do direito dos impostos (sic).

Conceituados de acordo com a doutrina pátria e estrangeira, o princípio da capacidade contributiva também é expresso na legislação brasileira. A capacidade contributiva subjetiva vem expressa no art. 145, §1º, da Constituição da República, o qual dispõe que

Art. 145, §1º, CR: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.

Enquanto isso, a capacidade contributiva objetiva está presente nos dispositivos da Constituição da República que formam as regras-matrizes de incidência de cada um dos tributos, revelando, assim, as manifestações de riqueza passíveis de tributação.

Aclarados os aspectos mais relevantes dos princípios da autonomia e da capacidade contributiva, cabe, finalmente, demonstrar  de que forma esses têm influência no princípio da praticabilidade tributária, limitando-a, ainda que também necessitando dessa para sua efetivação. Esse binômio, aparentemente contraditório, é elucidado novamente por Casalta Nabais[135], ao defender que

Uma tributação preocupada com a busca maximalista da justiça fiscal, assente assim numa capacidade contributiva efectiva dos contribuintes a apurar em termos personalizados no respeitante ao(s) imposto(s) sobre o rendimentos dos indivíduos, pode precisamente conduzir ao resultado oposto, por deficiências inultrapassáveis na sua aplicação e execução (sic).

Klaus Tipke também enaltece esse importante papel da praticabilidade, defendendo que, embora pareça estranho raciocinar com padronizações como expressão do princípio da igualdade, e de fato há certa violação desse, o princípio da capacidade contributiva, aplicado minuciosamente, levaria a uma mitigação ainda maior da igualdade[136].

Esse embate entre os princípios da capacidade contributiva, um ideal a ser perseguido, e da praticabilidade, uma ferramenta a ser utilizada frente à impotência de o Estado fiscalizar, somente pode ser resolvido pelo método da ponderação, de Robert Alexy[137].

Diante disso, Regina Helena Costa afirma que “o desafio será encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessária praticabilidade e a realização da isonomia”, ressaltando, ainda, que “o respeito à isonomia e à capacidade contributiva tem prevalência; assim, somente é legítima a praticidade que não conculque tais valores, mas, ao contrário, os efetive”[138].

Novamente Casalta Nabais[139] traça consideração da mais relevante sobre esse conflito aparente de normas, lembrando que

Por isso, o relevo ou mesmo o primado que o princípio técnico da praticabilidade deve assumir nos sectores jurídicos dominados pela fenomenologia da massificação, como é paradigmaticamente o do direito dos impostos, é ainda, ao fim e ao cabo, um requisito dos próprios princípios materiais, sobretudo do princípio da igualdade, que, deste modo, se tem de contentar ou autolimitar para poder ser exequível e praticável (sic).

Ainda que de forma apertada, têm-se como abarcado todo o princípio da isonomia, sua expressão na capacidade contributiva, e a interrelação com o princípio da praticabilidade tributária. Delineada a limitação à qual se atenta este estudo, dá-se continuidade aos demais princípios jurídicos relevantes.

3.4.1.2 Princípio da razoabilidade

À exclusão do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, talvez o princípio da razoabilidade seja aquele que mais intimidade revela com o princípio da praticabilidade tributária.

Enquanto Estevão Horvath leciona que o manejo do conceito de razoabilidade nunca foi tão importante para o intérprete do Direito como nos dias de hoje[140], Regina Helena Costa o define como um preconizador entre o equilíbrio, a ponderação e a harmonia entre os diversos interesses amparados pela Constituição da República[141].

Luis Roberto Barroso[142], por sua vez, classifica-o como “mecanismo destinado a controlar a discricionariedade legislativa e administrativa, ressalvando ainda que

Mais fácil de ser sentido que conceituado, o princípio habitualmente se dilui num conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão bastante subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar (grifos no original).

E continua, demonstrando de que forma a razoabilidade se divide em dois elementos fundamentais ao seu entendimento e à persecução de seus fins. De um lado temos a necessidade ou exigibilidade da medida, impondo “verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados”, hipótese em que a razoabilidade “se expressa através do princípio de vedação do excesso”; de outro a noção de proporcionalidade em sentido estrito, no bojo da própria razoabilidade, aludindo a noção de ponderação entre ônus imposto e benefício trazido[143].

Regina Helena Costa pontua tal princípio, no corpo normativo brasileiro, como expressão do art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Já Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta-o nos mesmos dispositivos que abarcam a legalidade (arts. 5º, II, XXXVII e LXXXIV) e a finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX)[144].

Temos, ainda, constante na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, em seu art. 2º, a seguinte disposição: “A administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” (grifo nosso).

E, extraídas desses dispositivos legais e da interpretação sistemática de todo o arcabouço jurídico pátrio, temos as noções de razoabilidade e proporcionalidade, visando, como pontua Regina Helena Costa, “à adoção de formas simples, propiciadoras, de um lado, de segurança e, de outro, de respeito aos administrados, evocando-se claramente a noção de praticabilidade”[145].

Assim, a noção de razoabilidade na seara tributária nos remete à ideia do não-confisco, ou seja, a tributação com caráter sancionatório. É razoável que a tributação seja reflexo, também, dos próprios contribuintes, não podendo, em nome da praticabilidade, que tais limites sejam ultrapassados.

A utilização de mecanismos de simplificação fiscal não pode servir ao escopo da tributação com fins de confisco, ou seja, “tributação desarrazoada, na medida em que subtrativa de expressiva parcela do patrimônio do sujeito passivo, em ofensa à justiça na tributação”[146].

Discorrido acerca dos limites encontrados pela praticabilidade no princípio da razoabilidade, dá-se continuidade ao estudo com a análise dos demais princípios relevantes.

3.4.1.3 Princípio da segurança jurídica

Analisado por alguns doutrinadores como um princípio basilar do próprio Estado Democrático de Direito, a Segurança Jurídica é um ideal a ser perseguido quando da edição e aplicação das leis.

Como assinala o mestre Maurício Dalri Timm do Valle, “em que pese alguns doutrinadores de tomo não encontrarem o princípio de forma explícita no Texto Constitucional […] estando implícito ou explícito, não se questiona sua existência”[147].

O Direito, como defendido por Geraldo Ataliba, é, acima de tudo, “um instrumento de segurança”[148]. Nesse sentido, antes de regular e limitar as possíveis atitudes daqueles que se encontram sob determinado sistema jurídico, a intenção de um corpo normativo é criar um ambiente de certeza e igualdade.

E nesse binômio, como defendido por Regina Helena Costa, reside o princípio da Segurança Jurídica[149]. Os indivíduos necessitam dessa certeza com relação à legalidade das atitudes dos demais e, principalmente, do Estado. A respeito desse aspecto da segurança jurídica discorre Ataliba[150], lecionando que

Ele (o princípio da segurança jurídica) é que assegura a governantes e governados os recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto mais segura uma sociedade, tanto mais civilizada. Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o Direito é objetivamente um e que os comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos não discreparão (…). (grifo nosso).

Misabel Derzi, por sua vez, relaciona o princípio da segurança jurídica a princípios intrínsecos ao direito tributário, ressaltando que as ideias de “anterioridade, previsibilidade, irretroatividade, jurisdição, processo devido e especialidade” são manifestações de um princípio único: a segurança jurídica[151]. Lembra ainda que, em matéria tributária, a segurança jurídica funda-se, precipuamente, no princípio da legalidade formal e material.

Ainda na seara tributária, Alberto Xavier indica, enquanto manifestação da segurança jurídica, o princípio da confiança na lei fiscal, discorrendo que “as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais”[152].

O ambiente de insegurança jurídica, por muito tempo arraigado na realidade brasileira, fora objeto de crítica de Alfredo Augusto Becker, quando da publicação de seu Carnaval Tributário. Disse o mestre que a “proliferação dessas alterações (no imposto de renda) é tão rápida e contínua que o Governo não se dá mais ao trabalho de consolidar tudo em novo Regulamento do Imposto de Renda, cuja sigla, hoje, é uma ironia:  RIR”[153].

Já Roque Carrazza cita o princípio da boa-fé, em matéria tributária, como expressão da segurança jurídica. Segundo Carrazza[154]

(o princípio da boa-fé) irradia efeitos tanto sobre o Fisco quanto sobre o contribuinte, exigindo que ambos respeitem as conveniências e interesses do outro e não incorram em contradição com sua própria conduta, na qual confia a outra parte (proibição de venire contra factum proprio).

Alcançando, finalmente, o ponto de encontro entre os princípios da segurança jurídica e da praticabilidade, Regina Helena Costa afirma que sua conexão é “de essência, visto que os mecanismos implementadores desta visam, exatamente, a reforçar aquela”[155].

Grande lição vem de Alfredo Augusto Becker[156] que, ao definir a praticabilidade e a certeza (segurança jurídica) como requisitos essenciais à juridicidade da regra jurídica, arrola as situações em que ambos os princípios são contemplados, em prol da legalidade e aplicabilidade da legislação

-                    na constatação dos fatos que realizam a hipótese de incidência;

-                    no entendimentos dos efeitos jurídicos preestabelecidos pela regra e condicionados à realização da hipótese de incidência;

-                    na fiscalização da respeitabilidade a estes efeitos jurídicos;

-                    no exercício da coação para alcançar a sujeição aos efeitos jurídicos, além de conduzir a uma natural limitação à natalidade das relações jurídicas, propiciando uma melhor efetivação da respeitabilidade ao seu conteúdo jurídico.

Dessa forma, garante o legislador certeza e aplicabilidade à legislação, abarcando os princípios da segurança jurídica e da praticabilidade. Entretanto, em que pese a visualização, por parte da doutrina, de situações em que tais princípios se complementam, a segurança jurídica acomoda-se como evidente limite à praticabilidade.

Não há que se pensar, em nome da praticabilidade e da aplicabilidade da lei fiscal, em desrespeito à segurança jurídica e às suas expressões tributárias, como nos princípios da anterioridade e irretroatividade. 

3.4.1.4 Princípio da legalidade

Como não poderia deixar de ser, o princípio da praticabilidade também esbarra e se vê limitado pelo princípio da legalidade, corolário nuclear do sistema jurídico nacional.

Heleno Tôrres[157] destaca as diferentes feições as quais são remetidas o princípio da legalidade, sendo elas

-                    como princípio da “reserva de lei” formal, em relação às matérias para as quais a Lei Maior exige lei específica;

-                    como princípio da “tipicidade”, ou legalidade material, quanto à tipificação exaustiva dos critérios materias;

-                    como princípio da vinculatividade ou de preeminência, a exigir submissão de todos os atos administrativos império da vontade legislativa.

Vistos tais desdobramentos do princípio da legalidade, mormente no campo tributário, chega-se claramente à limitação imposta por aquele ao princípio da praticabilidade: a lei enquanto instrumento único de viabilização.

Como já fora tratado anteriormente, é função do legislador aplicar o princípio da praticabilidade, quando da edição de dispositivos legais, e, pesando-o com os demais princípios e regras do ordenamento jurídico, garantir sua aplicabilidade e legalidade.

Não obstante sua existência nos meios administrativo e jurisdicional, ainda que de forma excepcional e pautados em lei, Misabel Derzi afirma que a “praticidade é corolário do próprio princípio da legalidade […] pois ao legislador cabe a autotributação, o autoconsentimento ao pagamento dos tributos, a justiça geral (por todos e para todos), sem corporativismos e privilégios”[158] (grifos no original).

Também com relação à interação dos princípios, Eduardo Maneira[159] declara que

A praticidade como princípio autônomo é princípio vazio, sem conteúdo; a sua razão de ser é a de garantir a aplicabilidade da lei, por meio de técnicas de simplificação que possibilitam alcançar realidades de natureza complexa.

Portanto, na linha de raciocínio de Maneira, o princípio da praticabilidade perde sua razão de ser quando desvinculado da realização dos demais princípios do ordenamento jurídico, dentre eles, a legalidade. Se aquele é instrumento de viabilização da própria lei, o respeito à legalidade, ou seja, aos preceitos já existentes e às formalidades necessárias, torna-se um ponto de partida à sua aplicação.

Além disso, Casalta Nabais traça uma noção bastante interessante, ainda que inversa àquela usual, demonstrando que o princípio da praticabilidade pode mostrar-se um limite à própria legalidade (enquanto princípio da “tipicidade”), quando da simplificação da aplicação da lei, “sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis, no sentido de economicamente insuportáveis”[160].

3.4.1.5 Princípio republicano

Limita a praticabilidade, ainda, o princípio republicano. Consagrado na Constituição da República, em seu artigo 1º, caput, o princípio republicano, segundo Geraldo Ataliba, funda-se nos “princípios da legalidade, da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas […] no qual se asseguram a certeza e a segurança do Direito”[161].

Nos termos da análise realizada por Regina Helena Costa, sendo o princípio republicano pautado na isonomia e na segurança jurídica, exatamente pelos traços de certeza e segurança, imediatamente tem-se remetido, na seara tributária, ao princípio da capacidade contributiva.

Esse último, já analisado como grande limitador da praticabilidade, define a forma como a tributação deve pautar-se nos aspectos objetivo, ou nos atos signos presuntivos de riqueza, e subjetivos, ou na capacidade de cada sujeito em abastecer os cofres públicos.

Roque Carrazza ainda defende a existência do “subprincípio” da destinação pública do dinheiro obtido mediante a tributação, criado no bojo do republicano e também limitador da praticabilidade[162].

3.4.1.6 Princípio da eficiência

Outro princípio que apresenta grande relevância frente à praticabilidade é o princípio da eficiência. Tido como um dos principais norteadores do direito administrativo e da própria Administração Pública, tem sua expressão no ordenamento pátrio no art. 37, caput, da Constituição da República.

Em que pese sua importância ser exaltada pela generalidade de estudiosos do direito, seus fundamentos ainda causam discórdias na doutrina nacional. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[163], expoente de uma das correntes, defende que

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”.

Segundo Regina Helena Costa, tal concepção traduz “um mandamento de otimização na atividade administrativa, daí sua relevância”[164]. Porém, posicionando-se frente à concepção mais acertada, em sua opinião, corrobora com aquela defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, para o qual a eficiência é um “dever administrativo, somente [podendo] ser concebida nas dobras do princípio da legalidade, revelando-se, mesmo, como uma das facetas de um princípio mais amplo, o da ‘boa administração’”[165].

Nesse sentido, defende a autora, o princípio da eficiência pode ser traduzido como a busca pela efetivação dos interesses coletivos. E, não obstante analisar o direito tributário espanhol nesse ponto, cita a rechaça à imposição de deveres instrumentais demasiadamente onerosos ao contribuinte como expressão da eficiência.

Regina Helena Costa[166] finaliza, por sua vez, ressaltando a opinião de Casalta Nabais, no sentido de que

Praticabilidade rima com eficiência, na medida em que a massificação das relações tributárias, expressa em milhões de contribuintes, há de se coadunar com as exigências de justiça na tributação, que reclama a atenção às condições pessoas e à capacidade contributiva daqueles.

Chega-se, assim, à interação existente entre os princípios da eficiência e da praticabilidade. Antes de um limitador, aquele exerce um papel de fomentador desse, relembrando ao legislador a necessidade de perseguição do interesse público, incluído, aí, a efetividade da tributação. Entretanto, como citado, pode ser externado também como limitadora, na medida em que impede o Estado de sobrecarregar o contribuinte com funções inerentes à fiscalização e aplicação estatal da lei.

3.4.1.7 Princípio da moralidade

Ainda que alguns defendam pela completa separação entre as noções de direito e moral, muitos são os doutrinadores (e pela grandeza de seu trabalho fazem-se ouvir) que defendem a permanência do conceito como princípio arraigado em todo o sistema jurídico nacional.

Grandiosa a passagem de Souto Maior Borges[167] a respeito da relação direito-moral, lembrando que

Ao longo do tempo, o Direito perdeu gradativamente, desfazendo-os, os laços que o uniam estreitamente à Moral. A Moral foi assim distinta do Direito, por dizer respeito ao ‘foro interno’ e o Direito ao ‘foro externo’ das ações humanas. Entre a separação absoluta do Direito e Moral e inserção primeva do Direito no âmbito da Moral interpõe-se - como estágio intercalar - a consideração de um ‘mínimo ético’.

Embora a noção de moral seja pouquíssimo aplicada à seara tributária, Regina Helena Costa desbrava tal caminho, buscando em Klaus Tipke o fundamento base. Assim, partindo da obra desse jurista, defende que o ‘mínimo ético’, proposto por Souto Maior Borges, quando aplicado à conduta dos contribuintes e do Estado, diz respeito à tributação enquanto instrumento para a realização de uma ‘justiça distributiva’[168].

Dessa forma, estaria ela (a moral) aplicada ao direito tributário mormente na forma dos princípios da isonomia e capacidade contributiva, e nos valores de probidade, lealdade, boa-fé, decência e justiça.

Ainda, ao dizer que o ‘mínimo ético’ opera, no direito tributário, em dois planos - legislativo e administrativo - relaciona-os aos princípios da razoabilidade e impessoalidade, respectivamente. O primeiro diz respeito à forma como a atividade legiferante deve encontrar um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação e a capacidade contributiva dos contribuintes, ao passo que o segundo diz respeito à correta fiscalização e arrecadação dos tributos.

Ambos, como já visto anteriormente, apresentam-se como barreiras à praticabilidade, não a mitigando por completo, ainda que lhe impondo claras e intransponíveis balizas, sempre no melhor interesse público.

Tem-se por analisados, de forma geral, ainda que concisa, os limites impostos à  praticabilidade pelos demais princípios existentes no Direito brasileiro e que, pelos motivos expostos, apresentam uma relação próxima com o objeto deste estudo.

Dessa forma, bases sólidas foram tecidas a fim de possibilitar a análise dos vários instrumentos de aplicação do princípio da praticabilidade, mormente abstrações generalizantes e conceitos jurídicos indeterminados, praticados pelo legislador, e atentar ao principal questionamento enfocado no trabalho: será que a praticabilidade tem sido aplicada com vista aos seus fundamentos legais e, principalmente, aos limites que a ela são impostos?

Com esse desafio em mente, parte-se ao terceiro e último capítulo.


4 INSTRUMENTOS DE APLICAÇÃO DA PRATICABILIDADE

Aqui serão retratados os vários mecanismos de efetivação da praticabilidade, voltando-se especialmente aos seus fundamentos e, com base em exemplos práticos de sua aplicação, tanto legal quanto ilegalmente, a análise de sua observância aos limites já estudados.

Antes de mais nada, cabe observar a implicação desses instrumentos na regra-matriz de incidência tributária, principalmente nos aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese de incidência tributária, nos moldes da análise de Regina Helena Costa.

No que concerne ao aspecto material, vê-se a importância da praticabilidade quando da complexidade em reduzir o mundo fático à hipótese de incidência tributária. A autora atenta ao fato de que, diante do imenso leque de opções  de materialidade do tributo fornecidas ao legislador, somente os expedientes de praticabilidade conseguem abarcar as ‘possibilidades de variação’ das atitudes do potencial sujeito passivo, reduzindo, assim, sua complexidade.

Tal expediente, por conseguinte, terá uma direta implicação no aspecto quantitativo, ou, mais pontualmente, na base de cálculo. Essa, como constituidora da dimensão do aspecto material da hipótese, sofrerá diretamente com a praticabilidade imposta ao critério material.

Tem-se, ainda, sua aplicação no aspecto pessoal da hipótese quando, como citado pela autora, o legislador utiliza-se das figuras de substituição tributária[169].

4.1 ABSTRAÇÕES GENERALIZANTES

Abstrações generalizantes podem ser conceituadas, segundo as lições de Karl Engisch, como os “diversos modos de expressão legislativa que são de molde a fazer com que o julgador (o órgão aplicador do Direito) adquira autonomia em face da lei”[170].

Apesar de aquilo que fora objeto de estudo do primeiro capítulo, especificamente o caráter fechado que é fornecido ao Direito tributário, com a utilização de ‘conceitos especificantes’ (tipos, na denominação clássica), essa seara do Direito não pode abrir mão, por completo, de abstrações.

No intuito de apreender um maior número de situações fáticas, viabilizando um arcabouço satisfatório de critérios materiais, e evitando cair na infinidade de situações de possível ocorrência no mundo concreto, o legislador vê-se obrigado a utilizar tais expedientes, inerentes, claro, à praticabilidade.

Nesse sentido, Estevão Horvath[171] assegura que, ao utilizar-se de presunções e ficções, exemplos clássicos de abstrações generalizantes, os legisladores nada mais fazem do que

[reduzir] a complexidade substancial inerente à matéria tributária, contribuem para atribuir maior segurança jurídica aos destinatários das normas deste campo do Direito, propiciam maior eficácia na arrecadação de tributos, auxiliam no combate à sonegação fiscal, etc.

No mesmo sentido, caminha Paulo Ayres Barreto[172], ao afirmar que

prescinde-se, pois, de atingir a realidade social em sua inteireza, e com o uso de padronizações, presunções e ficções busca-se a configuração de um tipo legal mais simples, médio, padrão, que facilite o reconhecimento da ocorrência do fato jurídico tributário e, consequentemente, a cobrança do tributo devido.

Tecidos tais comentários preliminares, caminha-se à análise dos principais expedientes das abstrações generalizantes, observando, em alguns exemplos, a legalidade de sua aplicação.

4.1.1 Presunções

Precisa a passagem de Alfredo Augusto Becker, quando esse diz que presunção “é o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é possível”[173].

Na mesma linha, raciocina Roque Carrazza, dizendo que, “quem presume obtém o convencimento antecipado de verdade provável sobre um fato desconhecido, a partir de fatos conhecidos a ele conexos”[174] (grifos no original).

Regina Helena Costa realiza a necessária distinção entre as presunções simples, relativa e absoluta. No entendimento clássico, enquanto a primeira é aquela  que pode ser imaginada por qualquer pessoa, a segunda funda-se no fato de admitir prova em contrário; a terceira, porém, não pode ser colocada à prova.

Já Leonardo Sperb de Paola, dando enfoque inovador à matéria e refutando alguns dos ideais clássicos, assegura residir em outra questão a distinção entre os institutos. Segundo ele, enquanto as presunções absolutas apresentam-se como normas remissivas ou restritivas da hipótese, de modo que tão-somente as relativas dirão respeito à prova, mais especificamente à modificação de seu objeto de prova.

As presunções simples são aquelas que mais se aproximam do conceito clássico de presunção, podendo ser consideradas, por Sperb de Paola[175], como

as ilações tiradas do relacionamento entre um fato conhecido, que, em si, é irrelevante na lida, e um fato desconhecido, cuja existência, pelo contrário, é relevante para o deslindo do processo. […] A presunção simples […] é o resultado do procedimento lógico fundado no indício.

Assim, leciona a doutrina, a utilização de presunções, ainda que ocasionem uma mitigação de importantes princípios, como da capacidade contributiva, torna-se necessária frente ao fenômeno da ‘tributação em massa’. Casalta Nabais[176] preocupa-se com esse embate entre os princípios, lembrado que

Ora, esta técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e praticabilidade das leis fiscais, tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova de inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto [sic].

E, justificando a utilização das presunções, Heleno Tôrres traça uma série de casos em que tal mecanismo torna-se imprescindível, quais sejam, (i) os fatos que originam as obrigações tributárias e que devem ser objeto de prova dificilmente são de conhecimento direto da Administração; (ii) as pessoas que participaram efetivamente do ato têm melhores condições para produção das provas necessárias - inversão do ônus da prova; (iii) os deveres instrumentais ou formais são ótimos mecanismos para vincular os contribuintes ao atendimento das exigências tributárias, mediante declarações, etc; e (iv) a praticidade dos mecanismos de arrecadação e pagamento dos tributos, bem como a prevenção à incidência em faltas para as quais sejam previstas medidas sancionadoras, são desejadas pelo contribuinte, que aceita o ônus da presunção pelas vantagens que esta lhe oferece[177].

Com relação aos casos práticos de aplicação das presunções, tomar-se-á como base à verificação de sua legalidade o Lucro presumido e o Regime de fato gerador presumido e a substituição tributária progressiva.

Tendo sua positivação no art. 44 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “a base de cálculo do imposto (de renda) é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (grifo nosso), o regime do Lucro presumido, na lição de Maria Rita Ferragut, significa “uma base de cálculo simplificada, correspondente a um valor provável, aproximado, que desconsidera vários elementos que deveriam integrá-la”[178].

Considerado por Regina Helena Costa como um regime que “traduz, igualmente, o adequado convívio entre os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, de um lado, e da praticidade fiscal, de outro”[179], a adoção da presunção em sua base de cálculo não macula sua legalidade, especialmente pelo fato de o regime ser uma opção do contribuinte, de acordo com sua análise de conveniência.

Por outro lado, tem-se no regime de fato gerador presumido e na conseqüente substituição tributária progressiva um exemplo da má utilização do princípio da praticabilidade tributária. Nas palavras de José Eduardo Soares de Mello, na substituição progressiva

o legislador indica uma pessoa responsável pelo recolhimento de um determinado valor (referido como tributo), relativamente a fato futuro e incerto, com alocação de valor também incerto. Há definição, por antecipação do sujeito passivo, de uma obrigação não acontecida.

A violação aos mais diversos princípios jurídicos, nesse caso, é flagrante. Em que pese Maria Rita Ferragut explicite que, no caso, “o nascimento da relação jurídica tributária não requer a ocorrência de fato típico, mas somente a expectativa, a suposição”[180], Regina Helena Costa defende que o emprego dessas abstrações “não tem força suficiente para afastar por completo a aplicação de princípios de maior quilate, como são os da segurança jurídica, da verdade material e da capacidade contributiva”[181].

Ainda, a autora faz a ressalva ao fato de que as presunções devem ser utilizadas em caráter subsidiário, ou seja, “quando não seja possível a prova direta do fato sem demasiado custo ao Poder Público - situação não revelada na hipótese em comento”[182].

4.1.2 Ficções

As ficções, outro instrumento passível de viabilização do princípio da praticabilidade tributária, diferem-se das presunções em um aspecto nuclear, trazido por Regina Helena Costa: “enquanto naquelas (presunções) a relação entre o fato conhecido e o desconhecido é provável […], nas ficções esta relação é improvável ou , mesmo inexistente”[183] (grifos no original).

Nesse sentido, Maria Rita Ferragut exprime sua opinião, lembrando que “nada se presume na ficção, pois a ligação que existe entre o fato conhecido e o fato cujo evento é fictício não se poderia estabelecer segundo o que ordinariamente acontece”[184].

Assim, parafraseando Perez de Ayala quando diz que a utilização de ficções na “definição legal dos elementos do fato imponível, dos sujeitos passivos tributários e das bases imponíveis pode ter graves inconvenientes para a realização do princípio da capacidade contributiva”[185], Regina Helena Costa considera absolutamente inviável a utilização de ficções na seara tributária.

4.1.3 Normas de Simplificação

As normas de simplificação, exteriorizadas por meio de padronizações, esquemas, quantificações ou somatórios, visam à facilitação da aplicação da lei tributária por meio da renúncia “a gravar a verdadeira manifestação de capacidade econômica que constitui o objeto de um determinado tributo”[186].

Visam, na lição de Casalta Nabais, desonerar a Administração Pública da “averiguação exaustiva e de apuramento total e integral dos múltiplos e complexos factos tributários e dos aspectos em que os mesmos se desdobram”[187] (sic).

Porém, por limitar princípio tão importante - o da capacidade contributiva - a utilização de tal expediente deve obedecer a critérios rigorosos com relação a sua aplicação. Herrera Molina cita a Idoneidade, como a possibilidade de controle administrativo do preceito simplificador; a Necessidade, como a efetiva impossibilidade de efetivação da norma tributária sem a utilização de tal mecanismo,  e, ainda, a condição de que não haja carga fiscal radicalmente distinta da produzida pela verdadeira capacidade contributiva[188].

Klaus Tipke traz importante ensinamento ao afirmar que as normas de simplificação, “que desconsideram peculiaridades das situações individuais, devem partir da normalidade média […] não lhes sendo permitido privilegiar ou discriminar alguém excessivamente”[189].

Como exemplos de boa e má aplicação das normas de simplificação, tem-se o regime do SIMPLES (Sistema integrado de pagamento de impostos e contribuições das microempresas e das empresas de pequeno porte) e a instituição de Impostos fixos.

Enquanto o SIMPLES é tratado como um excelente exemplo da boa utilização da praticabilidade tributária, sendo opcional ao contribuinte, reunindo uma série de tributos em um pagamento único e mensal e desonerando o contribuinte com relação a uma série de deveres instrumentais, a instituição de Impostos fixos traz um gravame excessivamente grande aos demais princípios constitucionais tributários.

Tal técnica mitiga por completo os princípios da isonomia, progressividade e capacidade contributiva, fixando alíquotas fixas em prejuízo das condições particulares de cada contribuinte em auxiliar no abastecimento dos cofres públicos.

4.1.4 Cláusulas Gerais

Cláusulas gerais são as criações legislativas que, segundo Karl Engisch, como uma “formulação de hipótese legal, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos”[190]. Já com relação à sua interação com os demais princípios, afirma Canotilho[191] que

De facto, as cláusulas gerais podem encobrir uma ‘menor valia’ democrática, cabendo, pelo menos, ao legislador, uma reserva legal dos aspectos essenciais da matéria a regular. A exigência da determinabilidade das leis ganha particular acuidade no domínio das leis restritivas ou de leis autorizadoras de restrição (sic).

Ora, ainda que a utilização de cláusulas gerais, em um primeiro momento, remonte à indeterminação das normas jurídicas, Casalta Nabais afirma que a pormenorização em excesso dessas normas levaria a uma indeterminação ainda maior. Isso porque, as “especificações excessivas, porque se enredam na riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior indeterminação”[192].

Ricardo Lobo Torres ainda tece importante comentário a respeito das cláusulas gerais, lembrando que

Do princípio da tipicidade não emana, como imaginava o positivismo ingênuo, a possibilidade do total fechamento das normas tributárias e da adoção de enumerações casuísticas e exaustivas dos fatos geradores. A norma de direito tributário não pode deixar de conter uma certa indeterminação e imprecisão, posto que se utiliza de cláusulas gerais e dos tipos, que são abertos por definição. É nesse espaço de indeterminação que atua a analogia.

Outro aspecto que fornece grande relevância à utilização de cláusulas gerais é sua abertura à modificação da sociedade, não engessando a interpretação das leis tão-somente a determinada época e local.

Entretanto, apesar de sua importância revelada e sustentada pela doutrina, na prática as cláusulas gerais têm-se destacado por sua má utilização, possuindo, na Norma geral antielisiva, sua mais clara expressão.

Primeiramente, é mister destacar a diferenciação entre evasão e elisão. Enquanto a primeira, no entendimento de Hugo de Brito Machado, consiste na forma ilícita de fugir ao tributo, a segunda consiste na forma lícita de fazê-lo[193]. As normas antielisivas, clássico remédio contra a elisão fiscal, pode ser entendida, segundo Alberto Xavier[194], como

normas que têm por objetivo comum a tributação, por analogia, de ato ou negócios jurídicos extratípicos, isto é, não-subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos econômicos equivalentes aos dos atos ou negócios jurídicos sem, no entanto, produzirem as respectivas conseqüências tributárias.

Parece evidente, e assim o entende a doutrina, a ilegalidade das normas gerais antielisivas. Sua intenção, de tornar exequível a norma tributária inclusive nos casos não previstos em lei, evidencia uma fatal afronta ao princípio da segurança jurídica, especialmente em matéria tributária.

Assim, diante do exposto, tal expediente mostra-se uma das piores formas de aplicação da praticabilidade, ou seja, aquela que mais gravemente afronta os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

4.2 PRIVATIZAÇÃO DA GESTÃO TRIBUTÁRIA

Existem, ainda, outros métodos de aplicação do princípio da praticabilidade que não pela utilização de abstrações generalizantes, mas, por sua vez, por medidas de cunho eminentemente prático e que desempenham função de destaque na exequibilidade da norma tributária.

A privatização da gestão tributária consiste, basicamente, na delegação de funções inerentes ao sistema tributária aos próprios contribuintes, aumentando seus deveres instrumentais e outorgando-lhes o papel de auxiliares do Direito tributário. Como diz Casalta Nabais

Pois quem, melhor do que as próprias empresas, está em condições de contribuir, com a sua experiência e o seu saber, para a instituição de um sistema de liquidação e cobrança de impostos que, ao mesmo tempo, se revele econômico e simples?

Porém, lembrando a ressalva feita por José Souto Maior Borges, tal privatização não pode onerar excessivamente os contribuintes, relegando a esse todas as funções que seriam inerentes à função Estatal[195].

Aplicação salutar desse instrumento é visto nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, em que o próprio contribuinte, por sua facilidade de acesso aos documentos e aspectos relevantes necessários, apura o quantum a ser pago a título de tributo.

4.3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS TRIBUTÁRIOS

Outro importante expediente da praticabilidade é a busca por meios alternativos de solução de conflitos tributários, alcançando-se alternativas às vias judicias, tanto no âmbito preventivo quanto no bojo de um processo tributário.

Tais práticas, além de facilitar o entendimento entre o Estado e os contribuintes, traz aspectos positivos para os dois lados: evita dispendioso e morosos processos tributários e propicia, aos contribuintes, vantagens econômicas quando da demonstração de interesse em sanar as pendências tributárias.

Um exemplo da boa utilização de tal mecanismo é o Programa de Recuperação Fiscal/REFIS, que visa regularizar os créditos da União referentes a débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional de Seguro Social/INSS.[196]

Assim, é possibilitado aos contribuintes o parcelamento dos débitos tributários, facilitando o processo de regularização da situação de pessoas jurídicas frente ao Fisco.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo, como visto ao longo de seu desenvolvimento, buscou fundamentar a praticabilidade tributária, posicionando-o como princípio geral e difuso dentro do ordenamento, delimitando suas funções e possibilidades no sistema jurídico brasileiro e, finalmente, observando os casos práticos de sua aplicação, a fim de verificar sua legalidade ou ilegalidade.

Para tanto, fez-se uma breve explanação acerca da forma como o Direito, enquanto corpo regulador de uma sociedade, ganha em complexidade à medida que essa também se torna mais complexa. Assim, tanto na busca legislativa pelas possíveis hipóteses de incidência quanto na efetiva aplicação da norma, a tarefa legiferante e executiva torna-se extremamente dispendiosa e dificultada.

Mecanismos que visem a sua simplificação e efetivação são, antes de meramente úteis, um requisito a qualquer busca pela efetividade do Direito. Dessa forma, tem-se como superada, após verificada a realidade do Direito tributário brasileiro e o papel da praticabilidade, a discussão acerca de sua validade. Ela não somente é válida, como é também tão necessária quanto qualquer outro princípio norteador do Direito e da Administração Pública.

O que se apresenta, daqui em diante, é a busca pela melhor aplicação desse princípio e a sua utilização com vistas à efetivação dos demais princípios existentes no ordenamento jurídico brasileiro. O legislador, bem como a doutrina, por despreocupação ou acomodação, não se tem mostrado empenhado o bastante com a desconstrução teórica e reformulação desse princípio, tornando-o mais efetivo e presente na realidade brasileira.

Há um sem número de casos, no direito brasileiro, em que a praticabilidade apresenta-se como uma afronta aos princípios jurídicos básicos e aos direitos dos contribuintes. Pode se arriscar, inclusive, em afirmar que são mais numerosas essas situações.

Não obstante tal constatação, a correta aplicação da praticabilidade, também trazida neste estudo, tem-se mostrado extremamente eficaz à arrecadação e, ao mesmo tempo, ao contribuinte. Pode-se dizer, com relativo grau de segurança, que a busca por mecanismos que efetivem a tributação, também agradando aos interesses dos contribuintes, pode ser o principal desafio apresentado à doutrina e, principalmente, ao legislador tributário.


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NOTAS FINAIS


Notas

[1] KELSEN, Hans. O que é justiça? a justiça, o direito e a política no espelho da ciência. 3 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 225.

[2] COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007. P. 18.

[3] LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. P. 45, apud COSTA, 2007, p. 17.

[4] NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Base de cálculo de taxa: mudança de paradigma. Doutrina de Sacha Calmon Navarro Coelho e o STF. RTFP, n. 67. P. 9, apud CUNHA, Carlos Renato. O simples nacional, a norma tributária e o princípio federativo: limites da praticabilidade tributária. Curitiba: Juruá, 2011, p. 171.

[5] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 73.

[6] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 63.

[7] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 63-64.

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 100-101.

[9] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 290-291.

[10] COSTA, 2007, p. 53.

[11] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 554.

[12] BALEEIRO, 1999, p. 790.

[13] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 624 apud COSTA, 2007, p. 89.

[14] COSTA, 2007, p. 53.

[15] De suma importância ressaltar que “incidência”, no sentido dado ao termo por PAULO DE BARROS CARVALHO, possui o mesmo teor de “aplicação”, escopo da Praticabilidade, partindo-se do pressuposto de que a incidência somente se dá quando determinado “evento” é vertido em linguagem competente, transformando-se, assim em “fato jurídico” e tendo implicações no mundo do Direito. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23 Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 431.

[16] CUNHA, Carlos Renato. O simples nacional, a norma tributária e o princípio federativo: limites da praticabilidade tributária. Curitiba: dissertação de mestrado - UFPR, 2010. p. 172.

[17] COSTA, 2007, p. 54.

[18] COSTA, 2007, p. 93.

[19] COSTA, 2007, p. 93.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 68.

[21] COSTA, 2007, p. 93.

[22] BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. RFa. 100, apud COSTA, 2007, p. 78.

[23] COSTA, 2007, p. 79.

[24] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 5 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 151.

[25] BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. RFa. 100, apud COSTA, 2007, p. 83.

[26] O modo de raciocinar “tipificante” será abordado mais detalhadamente adiante. Cf. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 555.

[27] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 335 apud COSTA, 2007, p. 92.

[28] COSTA, 2007, p. 93.

[29] VIEIRA, José Roberto. E, afinal, a constituição cria tributos. In: TORRES, Heleno Taveira. Teoria geral da obrigação tributária. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 639.

[30] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23 Ed. São Palo: Saraiva, 2011, p. 270.

[31] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22 Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 460.

[32] CUNHA, Carlos Renato. O simples nacional, a norma tributária e o princípio federativo: limites da praticabilidade tributária. Curitiba: dissertação de mestrado - UFPR, 2010. p. 174.

[33] CUNHA, Carlos Renato. O simples nacional, a norma tributária e o princípio federativo: limites da praticabilidade tributária. Curitiba: dissertação de mestrado - UFPR, 2010. p. 174.

[34] CUNHA, Carlos Renato. O simples nacional, a norma tributária e o princípio federativo: limites da praticabilidade tributária. Curitiba: dissertação de mestrado - UFPR, 2010. p. 175.

[35] COSTA, 2007, p. 158

[36] MORENO, Fernando Sainz. Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidade administrativa. 1ª Ed. P. 97 apud COSTA, 2007, p. 26.

[37] A linguagem prescritiva diz respeito ao Direito positivo, ao passo que a linguagem descritiva diz respeito à ciência do Direito. Cf. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: RT, 1977. P. 24-25.

[38] COSTA, 2007, p. 27.

[39] Os limites da Praticabilidade e sua relação com os princípios regentes do Direito tributário serão objeto de análise própria no decorrer do trabalho. Cf. COSTA, 2007, p. 109-155.

[40] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2 Ed. São Paulo: RT, 2007, p. 68.

[41] COSTA, 2007, p. 34.

[42] DERZI, 2007, p. 64.

[43] DERZI, 2007, p. 65.

[44] DERZI, 2007, p. 66.

[45] DERZI, 2007, p. 70.

[46] DERZI, 2007, p. 66.

[47] DERZI, 2007,p. 67.

[48] DERZI, 2007,p. 67.

[49] COSTA, 2007, p. 35.

[50] DERZI, 2007,p. 69.

[51] DERZI, 2007, p. 70.

[52] COSTA, 2007, p. 38.

[53] XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 70.

[54] XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 18.

[55] XAVIER, 2001, p. 19.

[56] XAVIER, 2001, p. 19.

[57] COSTA, 2007, p. 39.

[58] XAVIER, 2001, p. 26.

[59] XAVIER, 2001, p. 29.

[60] XAVIER, 2001, p. 33.

[61] OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Princípios da legalidade e da tipicidade. In: MARTINS, Yves Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. apud COSTA, 2007, p. 42.

[62] OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Princípios da legalidade e da tipicidade. In: MARTINS, Yves Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. apud COSTA, 2007, p. 41.

[63] OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. Princípios da legalidade e da tipicidade. In: MARTINS, Yves Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. apud COSTA, 2007, p. 42.

[64] COSTA, 2007, p. 43.

[65] BALEEIRO, 1999, p. 119.

[66] DERZI, 2007, p. 84.

[67] COSTA, 2007, p 45.

[68] DERZI, 2007, p.149.

[69] DIAS, Jorge Figueiredo. Direito penal. Universidade de Coimbra, 1976 apud DERZI, 2007, p. 149.

[70] DERZI, 2007, p. 149.

[71] COSTA, 2007, p. 47.

[72] COSTA, 2007, p. 48.

[73] COSTA, 2007, p. 48.

[74] COSTA, 2007, p. 54.

[75] DERZI, Misabel. Tratado de direito tributário contemporâneo - dos princípios gerais do direito tributário. RDTributário 83/66-67 apud COSTA, 2007, p. 55

[76] RAMPONI. La teoria generale delle presunzioni. Turim, 1890, p. 99-100 apud BECKER, 1963, p. 465.

[77] ÁVILA, René Izoldi; ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária: aplicação e limites materiais, Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto Ulhôa Canto, p. 286 apud COSTA, 2007, p. 57.

[78] BECKER, 1963, p. 476.

[79] BECKER, 1963, p. 476.

[80] COSTA, 2007, p. 61.

[81] COSTA, 2007, p. 63.

[82] COSTA, 2007, p. 66.

[83] TORRES, Heleno. Garantias constitucionais aplicadas ao controle de preços de transferência in FISCHER, Octávio Campos. Tributos e direitos fundamentais. apud COSTA, 2007, p. 66.

[84] DERZI, 2007, p. 110.

[85] DERZI, Misabel. legalidade material, modo de pensar ‘tipificante’ e praticidade no direito tributário. Justiça tributária - 1º Congresso Internacional de Direito Tributário - IBET, 1988, p. 644 apud COSTA, 2007, p. 100.

[86] DERZI, 1988, p. 645-646 apud COSTA, 2007, p. 101.

[87] COSTA, 2007, p. 104.

[88] COSTA, 2007, p. 67.

[89] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 Ed. São Malheiros, 2005, p. 372-373.

[90] COSTA, 2007, p. 68.

[91] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 95

[92] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4 Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 113 apud COSTA, 2007, p.68.

[93] VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudênca - segurança jurídica e o dever de uniformizar, p. 214 apud COSTA, 2007, p. 69.

[94] MISABEL, 2007, p. 289.

[95] MISABEL, 2007, p. 290.

[96] COSTA, 2007, p. 72.

[97] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 54.

[98] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 205.

[99] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 223.

[100] COSTA, 2007, p. 75.

[101] CARVALHO, 2011, p. 91.

[102] COSTA, 2007, p. 85.

[103] CARVALHO, 2011, p. 416.

[104] Cf. CARVALHO, 2011, p. 417-418.

[105] VIEIRA, 2005, p. 640.

[106] CARRAZZA, p. 46 apud VIEIRA, 2005, p. 640.

[107] COSTA, 2007, p. 86.

[108] COSTA, 2007, p. 94.

[109] COSTA, 2007, p. 94.

[110] COSTA, 2007, p. 94.

[111] SANTIAGO, 2004, p. 289 apud COSTA, 2007, p. 96.

[112] SANTIAGO, Igor Mauler. Praticabilidade e razoabilidade na quantificação das taxas. In: DERZI, Misabel. Construindo o direito tributário na constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 294 apud COSTA, 2007, p. 97.

[113] COSTA, 2007, p. 97.

[114] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 34.

[115] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22 Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 922-923.

[116] CARVALHO, 2011, p. 197.

[117] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 39.

[118] COSTA, 2007, p. 81.

[119] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2 Ed. Madrid: Centro de estudios politicos e constitucionales, 2007, p. 64-65.

[120] Tal definição de subsunção, apesar de aplicada, nesse caso, ao pensamento de Robert Alexy, com fins didáticos, fora elaborada e difundida por Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário. Cf. CARVALHO, 2011, p. 315 e seguintes.

[121] SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 32.

[122] COSTA, 2007, p. 82.

[123] ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. RDA 217/75 apud COSTA, 2007, p. 82.

[124] COSTA, 2007, p. 109.

[125] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3 Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 37.

[126] OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito tributário - capacidade contributiva - conteúdo e eficácia do princípio. 2 Ed. p. 12-13 apud COSTA, 2007, p. 112.

[127] CARVALHO, 2011, p. 216.

[128] COSTA, 2007, p. 112.

[129] COSTA, 2007, p. 113.

[130] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 7 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 85

[131] CARVALHO, 2011, p. 215.

[132] CARVALHO, 2011, p. 216.

[133] COSTA, 2007, p. 114.

[134] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 445 apud COSTA, 2007, p. 116.

[135] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 620 apud COSTA, 2007, p. 120.

[136] TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva.  São Paulo: Malheiros, 2002, p. 38 apud COSTA, 2007, p. 121.

[137] COSTA , 2007, p. 122.

[138] COSTA, 2007, p. 123.

[139] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 620-621 apud COSTA, 2007, p. 124.

[140] HORVATH, Estevão. Taxa judiciária e custas. apud COSTA, 2007, p. 126.

[141] COSTA, 2007, p. 126.

[142] BARROSO, Luis Roberto. Razoabilidade e isonomia no direito brasileiro - temas de direito constitucional. São Paulo: Renovar, 2002, p. 155 apud COSTA, 2007, p. 126.

[143] COSTA, 2007, p. 127.

[144] COSTA, 2007, p. 126.

[145] COSTA, 2007, p. 130.

[146] COSTA, 2007, p. 131.

[147] VALLE, Maurício Dalri Timm do Valle. Segurança Jurídica em Matéria Tributária: breves noções acerca dos Princípios da Tripartição das funções, da Legalidade, da Anterioridade e da Irretroatividade. In: Fernando Vernalha Guimarães; Luiz Fernando Pereira. (Org.). Direito empresarial: temas atuais. 1 ed. Curitiba: Edição do Autor, 2010, v. 1, p. 16.

[148] ATALIBA, Geraldo. República e constituição. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 184.

[149] COSTA, 2007, p. 135.

[150] ATALIBA, 2004, p. 184.

[151] DERZI, 2007, p. 90.

[152] XAVIER, 1978, p. 46.

[153] BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval tributário. 2 Ed. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 17.

[154] CARRAZZA, 2003, p. 417.

[155] COSTA, 2007, p. 139.

[156] BECKER, 1963, p. 478.

[157] TORRES, Heleno. Direito tributário e direito privado - autonomia privada, simulação, elusão tributária, 2003, p. 70-71 apud COSTA, 2007, p. 140.

[158] DERZI, Misabel. A praticidade, a substituição tributária e o direito fundamental à justiça individual. In: FISCHER, Octávio Campos. Tributos e direitos fundaentais, p. 276 apud COSTA, 2007, p. 144.

[159] MANEIRA, Eduardo. Princípio da legalidade: especificação conceitual x tipicidade. Revista Internacional de Direito Tributário 1/48 apud COSTA, 2007, p. 144.

[160] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 373 apud COSTA, 2007, p. 144.

[161] ATALIBA, 2004, p. 119-122.

[162] COSTA, 2007, p. 146.

[163] PIETRO, 2007, p. 75.

[164] COSTA, 2007, p. 147.

[165] COSTA, 2007, p. 147.

[166] COSTA, 2007, p. 148.

[167] BORGES, José Souto Maior. Relações entre tributos e direitos fundamentais. apud COSTA, 2007, p. 149.

[168] COSTA, 2007, p. 151.

[169] COSTA, 2007, p. 159.

[170] ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7 Ed. Lisboa: Função Gulbenkian, 2006, p. 208 apud COSTA, 2007, p. 159.

[171] HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 111 apud COSTA, 2007, p. 161.

[172] BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. apud COSTA, 2007, p. 161.

[173] BECKER, 1963, p. 462.

[174] CARRAZZA, 2003, p. 446.

[175] PAOLA, Leonardo Speb de. Presunções e ficções no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 72 apud COSTA, 2007, p. 164.

[176] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 497 apud COSTA, 2007, p. 165.

[177] TORRES, 2003, p. 398 apud COSTA, 2007, p. 166.

[178] FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 126.

[179] COSTA, 2007, p. 259.

[180] FERRAGUT, 2001, p. 119.

[181] COSTA, 2007, p. 283.

[182] COSTA, 2007, p. 285.

[183] COSTA, 2007, p. 168.

[184] FERRAGUT, 2001, p. 85.

[185] AYALA, Perez de. Las ficciones en el derecho tributario. p. 113-114 apud COSTA, 2007, p. 169.

[186] COSTA, 2007, p. 171.

[187] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 622 apud COSTA, 2007, p. 171.

[188] MOLINA, Herrero. Capacidad económica y sistema fiscal. p. 164 apud COSTA, 2007, p. 171.

[189] TIPKE, 2002, p. 38-39 apud COSTA, 2007, p. 173.

[190] ENGISCH, 1996, p. 229 apud COSTA, 2007, p. 183.

[191] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5 Ed.Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 376.

[192] CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, p. 377 apud COSTA, 2007, p. 185.

[193] MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o princípio da legalidade. p. 107 apud COSTA, 2007, p. 289.

[194] XAVIER, 2002, p. 85.

[195] BORGES, José Souto Maior. Direitos humanos e tributação. Revista tributária e de finanças públicas 40/214 apud COSTA, 2007, p. 197.

[196] COSTA, 2007, p. 280.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINERT, Thiago Luis. Praticabilidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3399, 21 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22850. Acesso em: 28 abr. 2024.