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Arbitragem comercial internacional: arbitragem "ad hoc" e arbitragem institucional

Arbitragem comercial internacional: arbitragem "ad hoc" e arbitragem institucional

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O Brasil não distingue arbitragem nacional da internacional quanto à escolha da lei aplicável ao mérito da disputa, permitindo às partes esta escolha, mesmo quando a arbitragem for doméstica.

1. Elementos Chave da Arbitragem Internacional

A arbitragem pode ser caracterizada como doméstica, internacional ou transnacional.

O Professor Jacob Dolinger pondera a respeito da distinção entre a arbitragem nacional e a arbitragem internacional:

A nacionalidade da arbitragem é importante por três razões: 1) determina a lei que regula a arbitragem, que será, em princípio, a lei dessa nacionalidade; 2) determina o tribunal estatal que poderá vir a ter jurisdição sobre o processo arbitral, caso uma intervenção se faça necessária; e 3) identifica o procedimento a ser seguido para a execução do laudo arbitral, pois normalmente um laudo proferido internamente é mais facilmente executável do que um proferido alhures[1].

Ressalta-se, entretanto, que a determinação da nacionalidade da arbitragem não é simples, pois é possível adotar diversos critérios, dentre os quais: lugar onde o tribunal arbitral possui sua sede, a proximidade, a nacionalidade ou o domicílio das partes envolvidas, dentre outros[2].

Em determinados países, como a Alemanha, Líbano, Grécia, e, em alguns casos, os Estados Unidos, utiliza-se como critério a lei aplicável ao processo da arbitragem. Portanto, no caso de ser aplicada norma que não seja doméstica, a arbitragem será internacional, estrangeira ou transnacional[3].

Normalmente, os países adotam em sua legislação os critérios que definem a arbitragem doméstica. Dessa forma, se uma arbitragem preencher os requisitos de mais de uma legislação, ela poderá ter mais de uma nacionalidade.

O Brasil adotou o critério geográfico da sede do tribunal arbitral, para definir a nacionalidade da arbitragem, que é definido em razão da interpretação contrario sensu do artigo 34, § único, da Lei nº 9.307/96, que determina: “Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional”[4].

Logo, no caso de o tribunal arbitral ser sediado no Brasil, a arbitragem será interna, e a sentença proferida por este tribunal será doméstica, mesmo que as partes envolvidas sejam estrangeiras e que o objeto esteja ligado ao exterior[5].

Observa-se que o Brasil não distingue arbitragem nacional da internacional quanto à escolha da lei aplicável ao mérito da disputa, permitindo às partes esta escolha, mesmo quando a arbitragem for doméstica.

Nesse sentido, o advogado Gilberto Giusti observa quanto à arbitragem internacional:

Não existe um conceito preciso e unânime do que vem a ser uma arbitragem internacional. A Lei 9.307/96 não se preocupou com essa definição, senão apenas com a distinção entre sentença arbitral domestica (proferida dentro do território nacional) e a sentença arbitral estrangeira (proferida fora do território nacional, conforme art. 34, parágrafo único). Parece-nos que deve ser considerada internacional a arbitragem que tenha elementos, materiais ou jurídicos, que toquem a mais de uma jurisdição nacional, como o domicilio das partes, o local de celebração ou execução do contrato, a eventualidade de aplicar-se a legislação de outro país que não aquele em que se realiza a arbitragem. Assim é que será internacional a arbitragem que tenha o Brasil como local, mas que envolva uma parte brasileira e outra estrangeira, eventualmente adotando-se a lei material de outro país ou mesmo as regras internacionais do comércio[6].


2. Modelos de Arbitragem

O procedimento arbitral pode seguir dois modelos, os quais serão abordados a seguir, demonstrando-se as características da arbitragem ad hoc e institucional.

2.1  Arbitragem “Ad hoc”

A arbitragem ad hoc é aquela conduzida de acordo com as regras definidas pelas partes ou estabelecidas pelo tribunal arbitral.

As partes que compõem uma arbitragem ad hoc podem estabelecer suas próprias regras quanto ao procedimento a ser seguido pelo tribunal arbitral, desde que permitam o equilíbrio entre as partes, respeitando o princípio da equidade.

No entanto, observa-se que as partes poderão estabelecer que o procedimento arbitral será conduzido de acordo com um conjunto de regras, por exemplo, pelas da UNCITRAL. Isso possibilitará uma situação na qual as partes e o tribunal poderão definir as regras aplicáveis, poupando dinheiro e tempo na elaboração de regras especiais.

Todavia, em se tratando de um caso de grande importância, principalmente quando envolver um Estado ou alguma entidade estatal, pode ser válida uma negociação a fim de estabelecer regras especiais, as quais abrangerão as circunstâncias concretas que envolvem as partes e o caso controvertido.

Nesse sentido, observa-se o comentário de Martin Hunter:

Such a specially drawn set of rules will usually be set out in a formal Submission to Arbitration”, which will be negotiated and agreed once a dispute has arisen. Amongst other things, it will usually confirm the establishment of the arbitral tribunal, set out the substantive law and the place (or ‘seat’) of the arbitration, and detail any procedural rules upon which the parties have agreed for the exchange of documents, witness statements, and so forth. It may also provide for the Tribunal to be assisted by an administrative assistant[7].

Uma vantagem clara do modelo ad hoc é o fato de as partes terem o poder de moldar a arbitragem de acordo com as suas vontades e desejos, de forma a atender melhor os fatos que envolvem o litígio em particular. Ressalta-se, contudo, que é de fundamental importância a cooperação entre as partes para que haja sucesso na elaboração das regras[8].

Dessa forma, a maior flexibilidade proporcionada por uma arbitragem ad hoc é a possibilidade de que diversas arbitragens envolvendo Estados sejam realizadas dentro destes moldes.

A principal desvantagem envolvendo uma arbitragem ad hoc é a sua dependência à cooperação entre as partes e seus advogados.

2.2  Arbitragem Institucional

A arbitragem institucional é a arbitragem administrada por uma instituição arbitral especializada.

Há diversas instituições especializadas, sendo que as mais conhecidas são: International Chamber of Commerce (ICC); the International Center for Dispute Resolutuion (ICDR), divisão internacional da American Arbitration Association (AAA); the International Center for Settlement of Investment Disputes (ICSID); London Court of International Arbitration (LCIA); e Corte Permanente de Arbitragem de Haia. Há também câmaras de comércio com grande reputação, tais como as de Estocolmo, Suíça e Viena.

As regras das instituições arbitrais supramencionadas tendem a seguir o mesmo padrão, sendo formuladas para arbitragens que serão realizadas pela própria instituição. Enfatiza-se que, normalmente, as regras são aceitas pelas partes quando são incorporadas ao contrato principal por meio de uma cláusula compromissória.

A International Chamber of Commerce (ICC), em português Câmara de Comércio Internacional (CCI), por exemplo, estabelece como modelo para uma cláusula compromissória a seguinte disposição: “All disputes arising in connection with the present contract shall be finally settled under the Rules of Conciliation and Arbitration of the International Chamber of Commerce by one or more arbitrators in accordance with the said Rules” [9]

Dentre as vantagens de uma arbitragem institucional está o fato de que as regras estabelecidas pela instância arbitral provaram funcionar bem na prática. Isto porque essas regras são submetidas a revisões periódicas, realizadas por especialistas em arbitragem internacional, que estão em sintonia com o desenvolvimento da lei e da prática arbitral.

Normalmente, as regras adotadas pelas instâncias arbitrais estão definidas dentro de pequenos livros, chamados ‘livretos’, que, na verdade, são os seus regulamentos. Portanto, quando as partes concordam em se submeter a uma arbitragem para solucionar um futuro litígio de acordo com as regras da instituição arbitral, literalmente incorporam-nas à sua convenção de arbitragem.

Essa incorporação automática do regulamento, como as regras a serem seguidas durante o procedimento arbitral, é uma das principais vantagens da arbitragem institucional.

Outro benefício trazido pela arbitragem institucional é o fato de as instituições fornecerem mão de obra especializada, ou seja, pessoal treinado. A função dessas pessoas compreende o processo de escolha dos árbitros, os adiantamentos quanto às despesas dos árbitros, a garantia de respeito aos prazos, bem como a possibilidade de que a arbitragem ocorra da forma mais harmoniosa possível.

Mais uma vantagem é a revisão realizada pela instância arbitral sobre a sentença, antes que seja enviada às partes. Ou seja, trata-se de um controle de qualidade realizado pela instância arbitral.

A necessidade de seguir determinadas etapas do processo arbitral, assim como a juntada de documentos desnecessários, acabam por conduzir a certo atraso na solução do conflito. Por outro lado, os prazos impostos pelas regras institucionais são muitas vezes excessivamente curtos.

Quanto à questão envolvendo o tempo, Martin Hunter pondera a respeito da participação de um Estado ou de alguma entidade estatal no procedimento:

The time limits laid down in institutional rules usually fail to take account of the time which a State or State entity needs to obtain approval of important decisions, through its own official channels. In the ICC rules, for example, the time limit for rendering a final award is six months, although this may be (and generally is) extended by the ICC[10]. [11].

No Brasil, ressalta-se a existência do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil – Canadá (CCBC). O Corpo de Árbitros do Centro de Arbitragem da CCBC é composto por árbitros renomados, dotados de capacidade técnica e de reputação ilibada. O Centro de Arbitragem da CCBC pode processar arbitragens através de árbitros que sejam, ou não, membros do seu Corpo de Árbitros. Ademais, observa-se que, na existência de um Tribunal Arbitral, o presidente será membro do Corpo de Árbitros. A sede do Centro de Arbitragem da CCBC está localizada em São Paulo.


Referências

ALMEIDA, Ricardo Ramalho. (Coord.). Arbitragem interna e internacional: questões de doutrina e da prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

ALVES, Eliana Calmon. A Arbitragem Internacional. Disponível em:<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/48/Arbitragem_Internacional.pdf?sequence=6>. Acesso em: 30 set. 2012.

BLACKABY, Nigel et al. Redfern and Hunter on International Arbitration. 50.ed. Oxford: Oxford University Press, 2009.

BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 14 set. 2012.

BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9307.htm>. Acesso em: 14 set. 2012.

CALLUF FILHO, Emir. Arbitragem Internacional: o local da arbitragem. São Paulo: ABDR. p. 31. Disponível em:<http://books.google.com.br/books?id=rAw26C65jzAC&pg=PA3&dq=arbitragem&source=gbs_selected_pages&cad=3#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 01 de out. 2012.

CLAY, Thomas. A Sede da arbitragem internacional: entre “Ordem” e “Progresso”. Revista Brasileira de Arbitragem, n. iv, n. 17, p. 37 – 56,  jan./mar. 2008.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2003.

FINKELSTEIN, Claudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.) Arbitragem Internacional: UNIDROIT, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

FOUCHARD, Philippe. Os desafios da arbitragem internacional. Revista Brasileira de Arbitragem, ano 1, n. 1, p. 57 – 72, jan./mar. 2004.

PUCCI, Adriana Noemi (Coord.) Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr, 1998.

ROQUE. Sebastião. A AAA-American Arbitration Association. 2009. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/42195>. Acesso em: 18 set. 2012.


Notas

[1] DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 91.

[2] Em alguns países árabes o critério escolhido é o da religião das partes envolvidas.

[3] Critério utilizado pela Alemanha, Grécia, Líbano e em alguns casos julgados nos Estados Unidos e anteriormente na França. Atualmente, a França adota como critério para definição da nacionalidade da arbitragem a realidade econômica da questão, não considerando a lei aplicável ao contrato, ao procedimento arbitral, incluindo o lugar da arbitragem. DOLINGER, op. cit., p. 92.

[4] BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: 19 out. 2012.

[5] De acordo com Jacob Dolinger, antes da promulgação da Lei nº 9.307/96, o STJ qualificava uma arbitragem realizada no Brasil como internacional em razão da análise do objeto do contrato em disputa.

[6] GIUSTI, Gilberto. A Arbitragem e as Partes na Arbitragem Internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, ano 3, n. 9, abr./jun, 2006. p. 130.

[7] BLACKABY, Nigel et al. Redfern and Hunter on International Arbitration. 50.ed. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 53.

[8] Martin Hunter observa: “but if such co-operation is forthcoming, the difference between an ad hoc arbitration and an institutional arbitration is like the difference between a tailor-made suit and one that is bought ‘off the peg’”. BLACKABY, Nigel et al, op cit., p. 53.

[9] BLACKABY, Ni et al. op cit., p. 55.

[10] BLACKABY, Nigel et al. op. cit., p. 57.

[11] BLACKABY, Ni et al. op cit., p. 55.


Autor

  • Ettore Botteselli

    Ettore Botteselli

    Advogado Societário do escritório Marcos Martins Advogados, cursando especialização em Direito Societário na Fundação Getúlio Vargas (GVLaw) e "Coach" da equipe da FAAP no 19th Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot em Viena – Áustria

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTTESELLI, Ettore. Arbitragem comercial internacional: arbitragem "ad hoc" e arbitragem institucional . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3437, 28 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23124. Acesso em: 26 abr. 2024.