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A proposta de integridade para o direito de Ronald Dworkin.

Como casos podem ser decididos à luz de uma “resposta correta”

A proposta de integridade para o direito de Ronald Dworkin. Como casos podem ser decididos à luz de uma “resposta correta”

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Estuda-se a proposta hermenêutica trazida por Dworkin em sua obra O Império do Direito, a fim de demonstrar como ela se mostra mais adequada que as concepções convencionalistas (positivistas) e pragmáticas (realismo) sobre o Direito. O ponto principal do argumento de Dworkin é a crítica à discricionariedade judicial, afirmando, para tanto, a necessidade de se observar a integridade do Direito.

Resumo: O presente texto tem como objetivo reconstruir a proposta hermenêutica trazida por Dworkin em sua obra O Império do Direito, a fim de demonstrar como ela se mostra mais adequada que as concepções convencionalistas (positivistas) e pragmáticas (realismo) sobre o Direito. O ponto principal do argumento de Dworkin é a crítica à discricionariedade judicial, afirmando, para tanto, a necessidade de se observar a integridade do direito.

Palavras-chave:  Hermenêutica Jurídica; Direito como Integridade; Discricionariedade Judicial.


1. O PROBLEMA DA DIVERGÊNCIA TEÓRICA SOBRE O DIREITO: A PROPOSTA DE UMA COMPREENSÃO DO DIREITO A PARTIR DE UMA INTERPRETAÇÃO CONSTRUTIVA

Dworkin[1] abre o prefácio de sua obra O Império do Direito, escrito originalmente em 1986, com a seguinte afirmação: “Vivemos na lei e segundo o direito” (1999:XI); isto é, o Direito está por todo lado na vida em sociedade, fazendo-se presente desde antes do nascimento e estendendo-se até após a morte de um indivíduo.  É o Direito que estabelece a condição de cidadão, de empregado ou de empregador, de advogados, de proprietários, de cônjuge, de sócio, etc. O Direito não é apenas algo restrito ao ambiente formal dos Tribunais, mas transborda para além de suas construções.[2] Ele apresenta-se como um soberano abstrato dotado, simultaneamente, de um escudo e de uma espada.

Todavia, desde muito tempo, a pergunta sobre “o que é o Direito?”  persiste e inúmeros pensadores apresentaram propostas para respondê-la (LAGES, 2001:36; ARAÚJO, 2001:118).[3] Com esta obra, Dworkin pretende também apresentar a sua contribuição:

O presente livro expõe, de corpo inteiro, uma resposta que venho desenvolvendo aos poucos, sem muita continuidade, ao longo de anos: a de que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de que nosso direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas, e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis (1999:XI).

A referida obra consagrará as teses sustentadas em livros anteriores, bem como em diversos artigos publicados. Mas não pode ser lida apenas como um ataque aos seus principais debatedores – as tradições do positivismo jurídico e do realismo jurídico, pois se prestará também ao exame de uma importante questão, qual seja, a da legitimidade do Direito (SOUZA CRUZ, 2003:26).

De maneira geral, aos olhos da sociedade, o Direito parece estar mais presente quando se observa um processo perante o Poder Judiciário,[4] isto é, como questão interna a um processo jurisdicional. Sem negar o que foi afirmado anteriormente, tal intuição não é de todo equivocada. Dworkin (1999:5) lembra que um processo judicial desperta, a princípio, três tipos de questionamento que são bastante relevantes para uma compreensão adequada do Direito: questões de fatos, questões de Direito e questões ligadas à moralidade política e fidelidade. Ao lado dessas questões, têm-se as proposições jurídicas[5] – isto é, “todas as diversas afirmações que as pessoas fazem sobre aquilo que a lei lhes permite, proíbe ou autoriza” (Dworkin, 1999:6) – e as questões ligadas aos fundamentos do Direito – ou seja, quando juristas – em sentido amplo (magistrados, advogados, etc.) – discutem sobre uma proposição jurídica, essa discussão pode abarcar dois níveis: divergências empíricas sobre o Direito (qual a lei a ser aplicada ao caso?) ou divergências teóricas sobre o Direito (concordando com a aplicação de uma determinada lei, ainda assim discutem se essa esgota ou não os fundamentos pertinentes do Direito).[6]

Já que, nas questões de fato, “a discussão se centra a respeito de eventuais controvérsias empíricas ligadas aos eventos concretos e históricos que sustentam a lide” (SOUZA CRUZ, 2003:26-27), uma compreensão das questões jurídicas como de fato acaba por reduzir o Direito, afirmando que ele “nada mais é que aquilo que as instituições jurídicas, como as legislativas, as câmaras municipais e os tribunais, decidiram no passado” (DWORKIN, 1999:10). Destarte, as questões sobre os fundamentos do Direito poderiam ser resolvidas através de uma visita aos arquivos que guardam essas decisões. E mais, não haveria sentido na divergência teórica sobre o Direito:[7] toda divergência seria aparente, estar-se-ia deixando de compreender o que o Direito é, para perder tempo discutindo o que o Direito deveria ser;[8] em outras palavras, seria uma discussão política travestida de discussão jurídica.[9] Os partidários dessa tese devem enfrentar duas perguntas: (1) não deveriam os juízes se limitar a aplicar o Direito existente, deixando para os legisladores – que exercem uma atividade visivelmente política – o trabalho de aperfeiçoamento?; e (2) o que fazer quando, no curso de um processo, depara-se com uma ausência de decisão institucional passada?[10]

Importante lembrar que as teorias semânticas do Direito – combatidas no capítulo anterior da presente investigação – são teorias que se apóiam nesse ponto de vista; portanto compreendem o Direito como simples questão de fato (DWORKIN, 1999:38; LAGES, 2001:38; ARAÚJO, 2001:120; SOUZA CRUZ, 2003:27). Nessa linha, existiriam regras que estabeleceriam a atribuição de significado a uma determinada palavra; os advogados, os magistrados e outros juristas, compartilhando dessas regras, poderiam decidir quando uma proposição jurídica seria verdadeira ou falsa. 

As teorias positivistas, dessa forma, podem perfeitamente ser compreendidas como exemplos de teorias semânticas. Para demonstrar, em princípio, essa afirmativa, Dworkin ilustra-a com as duas teorias positivistas mais populares da tradição do Direito anglo-saxão: (1) a teoria de Austin e (2) a teoria de Hart.[11]

Para Austin (século XIX), uma proposição jurídica para ser verdadeira deve transmitir corretamente o comando do soberano, isto é, alguma pessoa ou grupo de pessoas “cujas ordens costumam ser obedecidas e que não tenha o costume de obedecer a ninguém” (DWORKIN, 1999:41). Fica clara, portanto, a noção de que o Direito é compreendido como um produto de decisões históricas tomadas por aqueles que detêm o poder político.[12] Todavia, inexistindo regra expressa, o soberano confere poder aos juízes para que criem normas dentro de uma margem de discricionariedade.

Por sua vez, a teoria de Hart é bem mais elaborada: (1) o Direito – diferentemente do que entendia Austin – como prática social, é constituído por  um conjunto de regras; e (2) essas regras são organizadas a partir de tipos lógicos (regras primárias e regras secundárias).

Mas o que se quer dizer quando se afirma uma distinção entre as regras? Hart (1994:91) responde a essa pergunta apresentando o seguinte esquema:

As regras primárias são aquelas que concedem direito ou impõem obrigações aos membros da comunidade. As de direito penal que nos impedem de roubar, assassinar ou dirigir em velocidade excessiva são bons exemplos de regras primárias. As regras secundárias são aquelas que estipulam como e por quem tais regras podem ser estabelecidas, declaradas legais, modificadas ou abolidas. As regras que determinam como o Congresso é composto e como ele promulga leis são exemplos de regras secundárias (DWORKIN, 2002:31).

Marcando um outro grande passo para a Teoria do Direito, Hart ataca a compreensão de Direito de Austin. Para tanto, reconhece uma distinção importante entre a situação de ser obrigado (being obliged) a alguma coisa e a situação de ter a obrigação (being obligated) de fazer algo. Sendo assim,

[e]ntre outras coisas, uma regra difere de uma ordem por ser normativa, por estabelecer um padrão de comportamento que se impõe aos que a ela estão submetidos, para além da ameaça que pode garantir sua aplicação. Uma regra nunca pode ser obrigatória somente porque um indivíduo dotado de força física quer que seja assim. Ele deve ter autoridade para promulgar essa regra ou não se tratará de uma regra; tal autoridade somente pode derivar de outra regra que já é obrigatória para aqueles aos quais ele se dirige (DWORKIN, 2002:32).

Conforme o exemplo de Hart (1994:92-93), pode-se distinguir uma ordem de um oficial de justiça que desapropria um determinado cidadão de seus bens, da ameaça feita por um assaltante armado.[13] Assim, a obrigatoriedade de uma regra origina-se ou do fato de ela ter sido promulgada de acordo com uma regra secundária (logo, porque é válida) ou em razão de esse grupo reconhecer essa regra como obrigatória, como um padrão de conduta através de suas práticas (logo, porque é aceita).

Haveria ainda uma regra secundária fundamental, chamada por Hart (1994:104) de regra de reconhecimento, que estabelece como as regras jurídicas podem ser identificadas. Em Hart, as proposições jurídicas não são verdadeiras apenas em razão da autoridade das pessoas que costumam ser obedecidas; mas, principalmente, por representarem uma convenção social aceita pela sociedade, que atribui a um sistema de regras que foram outorgadas por indivíduos ou grupos o poder de criar leis válidas (DWORKIN, 1999:42).[14]

Ainda em Hart (1994:148-149) pode ser encontrada a afirmação de que, não havendo decisão pretérita (legislativa ou jurisdicional) sobre uma determinada situação, o magistrado, diante de um caso concreto, estaria autorizado a criar uma norma e aplicá-la.

As teorias de Austin e de Hart, entretanto, apenas representam exemplificações populares da tradição do positivismo jurídico, que, em todas as suas versões, parece trazer um núcleo comum, identificado por Dworkin (2002:27-29). Para essas teorias: (1) o Direito é formado exclusivamente por um conjunto de regras, que podem ser diferenciadas das demais regras – por exemplo, as regras de natureza moral – por meio de um critério que, ironicamente, pode ser chamado de teste de pedigree da regra;[15] (2) o conjunto de regras deve abranger, na maior medida possível, as relações jurídicas existentes em uma sociedade, mas no caso de lacuna – isto é, quando se está diante de um caso difícil –, o magistrado fica autorizado a decidir com base discricionária, inclusive indo além do Direito na busca desse novo padrão de orientação; e (3) na ausência de regra jurídica válida, compreende-se que não há obrigação jurídica; logo, quando o magistrado, no exercício de sua discricionariedade, decide um caso difícil, ele não está fazendo valer um direito correspondente à matéria controversa; ele está, sim, criando normas jurídicas.[16]

Mas o positivismo não é a única espécie de teoria semântica do Direito. Existem  mais duas escolas bastante populares e que se apresentam como rivais da primeira: (1) a escola do Direito Natural – entendendo aqui, sob tal título, diversos agrupamentos – sustenta que os juristas seguem critérios que não são inteiramente factuais, mas principalmente de ordem “moral” – termo entendido em amplitude de significado, haja vista, por exemplo, a existência de defensores de uma teoria jurídica apoiada por razões de natureza até mesmo religiosa. Uma versão radical identifica o Direito com a justiça, o que significa que nenhuma proposição jurídica injusta pode ser considerada verdadeira.[17] Contudo, versões menos radicais, por outro lado, afirmam que a Moral é, às vezes, relevante para a verdade das proposições jurídicas;[18] (2) a escola do realismo jurídico, desenvolvida nos Estados Unidos no início do século XX, afirma que o Direito não existe – lembrando o Justice Holmes, resulta apenas daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã[19] – sendo apenas diferentes tipos de previsões. Contudo,

[...] mesmo assim compreendido, o realismo permanece extremamente implausível enquanto teoria semântica. Pois raramente é contraditório – na verdade, é até comum – que os advogados prevejam que os juízes cometerão um erro a propósito do direito, ou que os juízes manifestam seu ponto de vista sobre o direito para acrescentar, em seguida, que esperam que ele venha a ser modificado (DWORKIN, 1999:45).

O ataque às teorias semânticas – ou ao aguilhão semântico (semantic sting), como referido por Dworkin (1999:55) – dá-se por via da interpretação do Direito,[20] ou melhor, por via da assunção de uma atitude interpretativa para com o Direito. Para explicar melhor essa tese, Dworkin (1999:57) parte do exemplo das “regras de cortesia”, segundo as quais, por exemplo, os camponeses devem tirar seus chapéus quando estiverem diante dos nobres. Essas regras passariam por uma espécie de ciclo histórico, começando pela compreensão como se fosse um tabu. Portanto, a regra seria imutável e indiscutível. Todavia, em seguida, pode ser observado o começo de uma atitude interpretativa por parte dos membros daquela comunidade: em um primeiro momento, tem-se a compreensão de que não apenas a regra existe, mas apresenta uma finalidade; para, em seguida, compreenderem que as regras devem se adaptar a essa finalidade – desse modo, se tornam não apenas mutáveis, mas também interpretáveis – o que conduz ao fim de um processo de aplicação mecânica dessas regras de cortesia.[21]

Dessa forma, não é possível dissociar as práticas sociais – mesmo a aplicação de regras – de uma atitude interpretativa. Mas existem diversas formas de interpretação, podendo ser enunciadas outras formas, como: a conversacional, a científica e a artística (ARAÚJO, 2001:121).

A conversacional é intencional. Atribui significado a partir dos supostos motivos, intenções e preocupações do orador, e apresenta suas conclusões como afirmações sobre a interpretação deste ao dizer o que disse. A interpretação científica apresenta-se como uma interpretação causal, o cientista começa por coletar dados, para depois interpretá-los. A interpretação artística, por sua vez, tem por finalidade justificar um ponto de vista acerca do significado, tema ou propósito de determinada obra artística: um poema, uma peça ou uma pintura, etc., apresentando-se como uma interpretação construtiva, preocupada essencialmente com o propósito, não com a causa. Assim, do ponto de vista construtivo, a interpretação criativa é um caso de interação entre propósito e objeto (LAGES, 2001:39, grifos nossos).

A partir desse esquema, portanto, é possível compreender que a interpretação das práticas sociais assemelha-se mais à interpretação artística[22] – interpreta-se algo criado por pessoas, mas que representa uma entidade distinta delas –[23] e é ainda uma forma de interpretação construtiva. Assim,

Dworkin estabelece três etapas de interpretação, com a finalidade de tornar a interpretação construtiva instrumento apropriado ao estudo do direito enquanto prática social. Observe-se apenas que a perspectiva aqui é analítica, não havendo diferenciação em graus. Primeiro, de acordo com Dworkin, deve haver uma etapa pré-interpretativa, na qual são identificados as regras e os padrões que se considerem fornecer o conteúdo experimental da prática. Mesmo na etapa pré-interpretativa é necessário algum tipo de interpretação. Em segundo lugar, deve haver uma etapa interpretativa em que o intérprete se concentra numa justificativa geral para os principais elementos da prática identificada na pré-interpretativa. Isso vai consistir numa argumentação sobre a conveniência ou não de buscar uma prática com essa forma geral, raciocinar no sentido de buscar formar um pensamento sistemático sobre determinada matéria. A etapa pós-interpretativa ou reformuladora, a terceira e última etapa, consiste na etapa na qual o intérprete ajusta sua idéia daquilo que a prática “realmente” requer para melhor servir à justificativa que ele aceita na etapa interpretativa (LAGES, 2001:40).[24]

Em acréscimo à idéia apresentada acima, tem-se a noção de paradigma jurídico, que complementa a interpretação construtiva (DWORKIN, 1999:88-89). Apesar de mutáveis no tempo, os paradigmas buscam estabilizar a tensão entre realidade e idealidade (CATTONI DE OLIVEIRA, 2003:119), uma vez que fornecem o compartilhamento de uma determinada “percepção” pressuposta do Direito.[25] Desse modo, paradigmas fixam interpretações, moldando a visão de uma comunidade a ele submetida, de tal modo que a rejeição a um paradigma, muitas vezes, pode ser lida por essa comunidade como um erro extraordinário.

O Direito – como um conceito interpretativo – exige, portanto, por parte da comunidade, um consenso inicial no sentido de estabelecer quais práticas sociais são consideradas jurídicas (nível pré-interpretativo).[26] Nessa perspectiva, pode-se compreender como Direito o “sistema de direitos e responsabilidade que respondem a [um] complexo padrão: autorizam a coerção porque decorre de decisões anteriores do tipo adequado” (DWORKIN, 1999:116). Todavia, esse conceito é provisório. Ele levanta uma exigência no sentido de proceder a uma análise mais detalhada de três concepções[27] do Direito:[28] o convencionalismo, o pragmatismo e o Direito como integridade.

O convencionalismo[29] pode ter a sua tese central apresentada da seguinte forma:

[...] a força coletiva só deve ser usada contra o indivíduo quando alguma decisão política do passado assim o autorizou explicitamente, de tal modo que advogados e juízes competentes estarão todos de acordo sobre qual foi a decisão, não importa quais sejam suas divergências em moral e política (DWORKIN, 1999:141).

Nessa leitura, o Direito é dependente de convenções sociais que irão determinar quais instituições gozam do poder de elaborar as leis e como elas podem fazer isso. Tudo estaria resumido ao respeito às convenções do passado e a sua aplicação, considerando a conclusão a que chegaram e nada mais. Mesmo assim, tal concepção reconhece que não haverá um Direito completo, capaz de abarcar toda a complexidade da vida social, uma vez que reconhece a possibilidade de que novos problemas apareçam. A solução, portanto, passa pela afirmação da discricionariedade do magistrado no momento de aplicação jurídica: uma vez que se reconhece que nenhuma das partes titulariza direitos capazes de amparar suas pretensões – já que os únicos direitos que podem contar são aqueles previamente fixados pelas convenções – os juízes devem encontrar alguma outra forma de justificativa, para além do Direito, que apóie a decisão a ser tomada; todavia a questão continua por demais aberta, assim eles poderão pautar-se por questões abstratas de justiça, ou questões que se refiram ao interesse coletivo, ou mesmo uma justificativa que se volte para o futuro.

Daí extraem-se duas afirmativas pós-interpretativas do convencionalismo, a de que os juízes devem respeitar as convenções jurídicas em vigor em sua comunidade, a não ser em raras circunstâncias; e a de que não existe direito a não ser aquele que é extraído de tais decisões por meio de técnicas que são, elas próprias, questões de convenção, e que, portanto, em alguns casos não existe direito. Neste caso, devem os juízes exercitar o seu poder discricionário, utilizando padrões extra-jurídicos para fazer o que o convencionalismo considera ser um novo direito. Ao decidirem discricionariamente, os juízes convencionalistas criam novo direito aplicável de forma retroativa às partes envolvidas no caso (LAGES, 2001:41).

Dworkin (1999:143-144) lembra que a concepção convencionalista apresenta distinções em relação às teorias semântico-positivistas, que, por serem uma teoria interpretativa, não fazem uso de um critério lingüístico para identificar o que é o Direito. No entanto, essas últimas apresentam um traço de semelhança com a Teoria do Direito como integridade, que é justamente o fato de ambas considerarem importantes as decisões tomadas no passado para processo de compreensão dos direitos presentes. Mas será justamente no modo como consideram essas decisões passadas que se encontra o seu traço distintivo.

O convencionalismo fracassa como interpretação da prática jurídica em função do seu aspecto negativo – isto é, ao afirmar que “[...] não existe direito a não ser aquele que é extraído de decisões por meio de técnicas que são, elas próprias, questões de convenção” (LAGES, 2001:42). Esse fracasso decorre do fato de os magistrados se tornarem mais dedicados às fontes convencionais (legislação e precedentes) do que lhes permite o convencionalismo.

Um juiz consciente de seu convencionalismo estrito perderia o interesse pela legislação e pelo precedente exatamente quando ficasse claro que a extensão explícita dessas supostas convenções tivesse chegado ao fim. Ele então entenderia que não existe direito, e deixaria de preocupar-se com a coerência com o passado; passaria a elaborar um novo direito, indagando qual lei estabeleceria a legislatura em vigor, qual é a vontade popular ou o que seria melhor para os interesses da comunidade no futuro (DWORKIN, 1999:159).

Todavia, esse novo direito deverá guardar uma coerência com a legislatura do passado. É justamente essa busca por coerência que pode explicar a preocupação com o passado. Dworkin identifica duas formas de coerência: coerência de estratégia e coerência de princípio. A primeira diz respeito à preocupação que qualquer um deve ter ao criar um novo direito, no sentido de que esse se ajuste ao que foi estabelecido, ou ao que venha a ser no futuro; o conjunto de regras deve funcionar conjuntamente, tornando a situação melhor. Já a coerência de princípio representa uma exigência de que os “[...] diversos padrões que regem o uso estatal da coerção contra os cidadãos seja coerente no sentido de expressaram uma visão única e abrangente da justiça” (LAGES, 2001:43).[30] É neste ponto que o convencionalismo mostra-se divergente da concepção do Direito como integridade: esta aceita a coerência de princípio como uma fonte de direitos, aquele não:

[...] o direito como integridade supõe que as pessoas têm direitos – direitos que decorrem de decisões anteriores de instituições políticas, e que, portanto, autorizam a coerção – que extrapolam a extensão explícita das práticas políticas concebidas como convenções. O direito como [integridade] supõe que as pessoas têm direitos a uma extensão coerente, e fundada em princípios, das decisões políticas do passado, mesmo quando os juízes divergem profundamente sobre seu significado. Isso é negado pelo convencionalismo: um juiz convencionalista não tem razões para reconhecer a coerência de princípio como uma virtude judicial, ou para examinar minuciosamente leis ambíguas ou precedentes inexatos para tentar alcançá-la (DWORKIN, 1999:164).

Um crítico do convencionalismo, como no caso do jurista de Oxford, deve ainda aclarar duas questões: (1) o pressuposto convencionalista segundo o qual qualquer consenso alcançado deve ser visto como uma questão de convenção ou como uma questão de convicção; e (2) a questão referente à segurança jurídica. Dworkin responde a essa primeira pergunta através de uma analogia com o jogo de xadrez:[31] no jogo, as regras são estabelecidas por meio de convenção e, no Direito, por meio de convicção, entendida essa como a necessidade de buscar uma fundamentação das práticas sociais à luz de uma teoria política. Por isso, no caso do convencionalismo,

[o] consenso que estabelece determinada convenção independe da convicção acerca do valor intrínseco de determinada regra, ou seja, uma proposição específica sobre a legislação, tida como verdadeira por convenção, prescinde de uma razão substantiva para a sua aceitação. Se o consenso é de convicção, qualquer ataque contra o seu argumento substantivo será um ataque contra a própria proposição. O consenso, de acordo com Dworkin, só vai durar enquanto a maioria dos juristas aceitar as convicções que o sustentam (LAGES, 2001:43).

E aqui percebe-se o fracasso da pretensão levantada pelos convencionalistas: a convenção não é imprescindível ao Direito, bastando que o nível de acordo de convicção seja alto o bastante em um momento dado para se permitir que o debate sobre as práticas jurídicas possa ter continuidade.[32] Além disso, uma análise das práticas pode demonstrar que os juízes, ao decidirem, tratam as técnicas de interpretação das leis e de avaliação de precedentes como princípios – e não como legados de uma tradição. Por isso mesmo, eles se apóiam em alguma teoria política mais profunda.  Quando acham essa teoria política não é mais suficiente, eles  elaboram teorias que lhes pareçam melhores (DWORKIN, 1999:169).

Quanto ao segundo problema (segurança jurídica), Dworkin afirma que a previsibilidade que o convencionalismo alega conseguir é ilusória, pois a discricionariedade, que constitui uma premissa interna a essa concepção, coloca em cheque a possibilidade de estabilidade; a expectativa social de segurança (previsibilidade) projetada pelo convencionalismo se desvanece completamente diante da subjetividade judicial (SOUZA CRUZ, 2003:34).

Superada a concepção convencionalista, Dworkin avança para análise e crítica do pragmatismo.[33] Aqui, assume-se nitidamente uma teoria interpretativa – não guardando traços com as teorias semânticas – mais elaborada que o convencionalismo e que vem, a cada dia, angariando mais adeptos. O convencionalismo e o pragmatismo possuem uma diferença básica: o segundo afirma que as pessoas nunca têm direito a nada, a não ser à decisão judicial, que, ao final, deve se revelar a melhor para a comunidade como um todo; e, por essa razão, não necessita estar atrelada a nenhuma decisão política do passado (DWORKIN, 1999:186). Agir como se as pessoas tivessem de fato algum direito pode ser justificado a longo prazo, apenas porque esse modo de agir pode servir melhor à sociedade. Vale-se, portanto, de uma “nobre mentira”: esses direitos como se representam uma estratégia, pois fazem a sociedade crer que as pretensões juridicamente tuteladas são levadas em consideração.

[Mas o] pragmatismo é uma concepção cética do direito porque rejeita a existência de pretensões juridicamente tuteladas genuínas, não estratégicas. Não rejeita a moral, nem mesmo as pretensões morais e políticas. Afirma que, para decidir os casos, os juízes devem seguir qualquer método que produza aquilo que acreditam ser a melhor comunidade futura, e ainda que alguns juristas pragmáticos pudessem pensar que isso significa uma comunidade mais rica, mais feliz ou mais poderosa, outros escolheriam uma comunidade com menos injustiças, com uma melhor tradição cultural e com aquilo que chamamos de alta qualidade de vida. O pragmatismo não exclui nenhuma teoria sobre o que torna uma comunidade melhor. Mas também não leva a serio as pretensões juridicamente tuteladas. Rejeita aquilo que outras concepções do direito aceitam: que as pessoas podem claramente ter direitos, que prevalecem sobre aquilo que, de outra forma, asseguraria o melhor futuro da sociedade. Segundo o pragmatismo, aquilo que chamamos de direitos atribuídos a uma pessoa são apenas os auxiliares do melhor futuro: são instrumentos que construímos pra esse fim, e não possuem força ou fundamento independentes (DWORKIN, 1999:195).

Assim, enquanto o juiz convencionalista deve ter os olhos voltados para o passado, o olhar de um pragmático se remete ao futuro; podendo, para tanto, deixar de respeitar a coerência de princípio com aquilo que outras autoridades públicas fizeram ou farão. As decisões do passado são apenas expedientes de convencimento para uma decisão previamente tomada e pautada por uma escolha política ou por valores de preferência do julgador (SOUZA CRUZ, 2003:37). Por isso, no pragmatismo, parece desaparecer qualquer separação entre legislação e aplicação judicial do Direito: o juiz, ao se posicionar desvinculado de toda e qualquer decisão política do passado, pode decidir os casos concretos aplicando um direito novo que ele mesmo criou. Nega-se, portanto, a necessidade de ser observada uma coerência de princípio, já que não se reconhece a importância dessa, ainda mais quando é polêmico e incerto qual seja a exigência de coerência a ser atendida.

Contra as questões levantadas pelas duas primeira concepções, Dworkin apresenta a concepção do Direito como integridade. Ele lembra que a teoria política utópica e a política comum compartilham dos seguintes alguns pontos – certos ideais políticos ou virtudes, na linguagem do autor (1999:199): (1) equanimidade[34] (fairness), que envolve a questão de encontrar os procedimentos políticos que distribuem o poder político de maneira adequada;[35] (2) justiça (justice), que se preocupa com decisões que as instituições políticas consagradas devem tomar, tenham ou não sido escolhidas com eqüidade;[36] e (3) devido processo legal adjetivo (procedure due process), que diz respeito a procedimentos corretos para julgar se algum cidadão infringiu as leis estabelecidas pelos procedimentos políticos.[37]

Todavia, existe ainda uma quarta virtude não compartilhada pela teoria política utópica: a integridade,[38] que, em uma primeira leitura, está relacionada com o clichê, segundo o qual, casos semelhantes devem receber o mesmo tratamento. Apurando melhor essa idéia, Dworkin sustentará que:

[a] integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado aja segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e [equanimidade] corretos (1999:202).

A integridade, como virtude, deve ser aplicada às virtudes da equanimidade, da justiça e do devido processo legal adjetivo, de modo a exigir, respectivamente: (1) que os princípios políticos necessários para julgar a suposta autoridade da legislatura sejam plenamente aplicados, ao se decidir o que significa uma lei por ela sancionada; (2) que os princípios morais necessários para justificar a substância das decisões do Legislativo sejam reconhecidos pelo resto do Direito; e (3) que sejam totalmente obedecidos os procedimentos previstos nos julgamentos e que se consideram alcançar o correto equilíbrio entre exatidão e eficiência na aplicação de algum aspecto do Direito. Em face do exposto, dirá o autor: a integridade interage com as demais virtudes, dotando-as de exigências que justificam a coerência de princípio; logo não é estranho afirmar que a integridade “é a vida do direito tal como conhecemos” (DWORKIN, 1999:203).

A integridade pode, no entanto, ser divida em dois princípios: um princípio de integridade na legislação (legislative principle), que pede aos que criam o Direito por legislação que o mantenham coerente quanto aos princípios; e um princípio de integridade na aplicação judicial do Direito (adjudicative principle), que pede aos responsáveis por decidir o que é o Direito, que o vejam e façam-no cumprir como sendo coerente nesse sentido. Assim,

[o] segundo princípio explica como e por que se deve atribuir ao passado um poder especial próprio no tribunal, contrariando o que diz o pragmatismo, isto é, que não se deve conferir tal poder. Explica por que os juízes devem conceber o corpo do direito que administram como um todo, e não como uma série de decisões distintas que eles são livres para tomar ou emendar uma por uma, com nada além de um interesse estratégico pelo restante (DWORKIN, 1999:203).

 Resumindo a tese: a integridade nega que as manifestações do Direito sejam meros relatos factuais voltados para o passado, como quer o convencionalismo; ou programas instrumentais voltados para o futuro, como pretende o pragmatismo. Para o Direito como integridade, as afirmações jurídicas são, ao mesmo tempo, posições interpretativas voltadas tanto para o passado quanto para o futuro (DWORKIN, 1999:272-273).[39]

Há um ponto que ainda suscita importantes comentários. Como afirmado anteriormente, ao discorrer sobre as virtudes compartilhadas por uma teoria política comum e uma teoria utópica, o professor norte-americano esclarece que a integridade seria dispensável para uma teoria voltada para um Estado utópico, já que ela sempre estaria garantida em um Estado que agisse de maneira perfeitamente justa e imparcial. Todavia, numa situação comum, essas mesmas virtudes (equanimidade, justiça e devido processo legal adjetivo) podem seguir caminhos opostos (DWORKIN, 1999:214). Algumas teorias buscam explicar que não poderia haver conflitos.[40] Mesmo assim, essas teorias são minoritárias, de modo que a grande maioria adota um posicionamento intermediário: equanimidade e justiça são, até certo ponto, independentes uma da outra. Nessa linha de raciocínio, muitas vezes, ter-se-ia que escolher entre uma ou outra virtude.

Desse modo, se for tomado um conceito de equanimidade na política que compreenda que cada pessoa ou grupo da comunidade deve ter um direito de controle, mais ou menos igual, sobre as decisões tomadas pelo Legislativo; parece lógico afirmar que certas questões não deveriam se apoiar em uma maioria numérica – desconsiderando as posições minoritárias – mas poderiam ser mais bem resolvidas através de negociações e acordos que permitissem uma representação proporcional de cada conjunto de opiniões no resultado final. Nesse caso, tem-se um direito “conciliatório” segundo Dworkin (1999:216-217). Ter-se-ia, portanto, que questões similares – como acidentes ou discriminações – deveriam receber um tratamento diferente, apoiado em bases arbitrárias.[41] Mas tal situação não observa a coerência de princípio, que é desejada pelo Direito como integridade. Aqui “[...] cada ponto de vista deve ter voz no processo de deliberação, mas a decisão coletiva deve, não obstante, tentar fundamentar-se em algum princípio coerente cuja influência se estenda então aos limites naturais de sua autoridade” (DWORKIN, 1999:217). Além disso, uma decisão conciliatória acaba por gerar mais injustiça do que aquela que pretende resolver.[42] Mas não é uma questão de justiça que pode fornecer o melhor argumento, condenando as decisões conciliatórias, mas sim de integridade. De fato, se toda a legislação e os precedentes fossem reunidos, o resultado, ainda assim, não seria um sistema de princípios únicos e coerentes. Mas,

[s]e, por outro lado, insistirmos em tratar as leis decorrentes de um acordo interno como os atos de um único e distinto agente moral, poderemos então condená-los por sua falta de princípios, e teremos uma razão para argumentar que nenhuma autoridade deveria contribuir para os atos carentes de princípio de seu Estado. Portanto, para defender o princípio [da integridade na legislação], devemos defender o estilo geral de argumentação que considera a própria comunidade como um agente moral (DWORKIN, 1999:227).

Uma sociedade que aceite a integridade como virtude se transforma, segundo Dworkin, em um tipo especial de comunidade que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar o monopólio da força coercitiva. Esse é o caso da comunidade de princípios, que segue a seguinte idéia:

Se as pessoas aceitam que são governadas não por regras explícitas, estabelecidas por decisões políticas tomadas no passado, mas por quaisquer outras regras que decorrem dos princípios que essas decisões pressupõem, então o conjunto de normas públicas reconhecidas pode expandir-se e contrair-se organicamente, à medida que as pessoas se tornem mais sofisticadas em perceber e explorar aquilo que esses princípios exigem sob novas circunstâncias, sem a necessidade de um detalhamento da legislação ou da jurisprudência de cada um dos possíveis pontos de conflito (DWORKIN, 1999:229).

A integridade, portanto, funciona como um elemento de promoção da vida moral e política dos cidadãos, fundindo circunstâncias públicas e privadas, além de criar uma interpenetração dessas questões.[43] A política ganha um significado mais amplo: transforma-se em uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, bem como sobre que concepções de equanimidade, justiça e devido processo legal adjetivo devem pressupor. Os direitos e deveres políticos dos membros dessa comunidade não se esgotam nas decisões particulares tomadas pelas instituições, sendo dependentes do sistema de princípios que essas decisões pressupõem e endossam.

Paralelamente ao princípio de integridade na legislação, tem-se a exigência de integridade na aplicação judicial do Direito. Utilizando-se da noção de interpretação criativa, Dworkin compreende a aplicação judicial do Direito a partir da metáfora do romance em cadeia: aqui, tem-se um empreendimento coletivo. Cada juiz, tal qual cada romancista, é responsável pela redação de um capítulo de uma obra já iniciada. Nessa lógica, ele deve  preocupar-se com a ligação do seu capítulo com o que já fora escrito e, concomitantemente, garantir uma abertura para que o escritor seguinte possa dar continuidade ao empreendimento.[44] O magistrado não pode, portanto, descuidar-se do caso pendente de julgamento; deve tratar todos os casos que lhe são apresentados como um hard case – isto é, um caso difícil – e comprometer-se em uma empreitada para solucioná-lo à luz da integridade do Direito.

O tópico que se segue pretende explorar um pouco mais a integridade na aplicação judicial do Direito, reforçando a tese dworkiana da possibilidade de se encontrar uma “resposta correta” para os casos difíceis; sem, contudo, apelar para uma discricionariedade ou qualquer outra compreensão que autorize o magistrado a criar direitos novos.


2. A TESE DA ÚNICA “RESPOSTA CORRETA”: O JUIZ HÉRCULES, O ROMANCE EM CADEIA E A COMUNIDADE DE PRINCÍPIOS

A tese da única “reposta correta”[45] é uma importante contribuição da teoria de Dworkin para a compreensão do Direito democrático. O modo pelo qual se deu seu desenvolvimento mostra uma resistência fundamental às teses sustentadas pelas concepções do convencionalismo e do pragmatismo, principalmente no tocante à derrubada da tese da discricionariedade judicial, ancorando a legitimidade dos provimentos estatais na observância da integridade do Direito.[46]

O ataque a essas teorias começa na década de 60, quando Dworkin analisa a tese geral do positivismo: o Direto seria formado apenas por um sistema de regras.[47] Todavia, paralelamente às regras, pode-se perceber que os juristas utilizam um outro standard normativo, os princípios[48] – compreendidos aqui em seu sentido lato, que abrangem tanto os princípios propriamente ditos quanto as chamadas diretrizes políticas (DWORKIN, 2002:36).[49]

Mas como compreender essa separação entre princípios e regras? Dworkin, assumindo as conseqüências do giro lingüístico, afirma que a diferença entre princípios e regras decorre simplesmente de uma ordem lógico-argumentativa e não morfológica, como, por exemplo, defende Alexy (1998). Dessa forma, deve-se entender o transcurso do pensamento dworkiano através dos principais momentos de sua construção.

No texto da década de 60, a questão é posta do seguinte modo:

Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão (DWORKIN, 2002:39).

Outra característica das regras é que, pelo menos em tese, “todas as exceções podem ser arroladas e o quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra” (DWORKIN, 2002:40). As regras também não possuem a dimensão de peso ou importância, de modo que, se duas regras entram em conflito, apenas uma delas fará a subsunção ao caso concreto. A decisão de saber qual delas será aplicada e qual delas será abandonada deve ser feita recorrendo-se às considerações que estão além das próprias regras. Essas considerações versam, por exemplo, sobre os critérios clássicos de solução de antinomias do positivismo (ou de cânones de interpretação): (1) o critério cronológico, em que a norma posterior prevalece sobre a norma anterior; (2) o critério hierárquico, em que a norma de grau superior prevalece sobre a norma de grau inferior; e (3) o critério da especialidade, em que a norma especial prevalece sobre a norma geral. Assim, não se pode dizer que uma regra é mais importante que outra como parte de um mesmo sistema de regras. Logo, uma não suplanta a outra por ter uma importância maior no caso concreto (DWORKIN, 2002:43).

Já os princípios jurídicos, diferentemente das regras, não apresentam as conseqüências jurídicas decorrente de sua aplicação ou de seu descumprimento. Eles não pretendem, nem mesmo, estabelecer as condições que tornam a sua aplicação necessária; ao contrário, eles enunciam uma razão que conduz a um argumento e a uma determinada direção. Com relação aos princípios não há exceções, pois eles não são, nem mesmo em teoria, susceptíveis de enumeração. Os princípios, então, possuem a dimensão de importância relativa ao caso concreto que é parte integrante do seu conceito; assim, quando os princípios estão em conflito, o juiz deve ponderar,[50] levando em conta a força relativa de cada um deles, devendo-se aplicar aquele que for mais adequado ao caso concreto, como se fosse uma razão que se inclinasse para um posicionamento e não para outro (DWORKIN, 2002:43).[51]

Todavia, ao longo de seus estudos, Dworkin aprimorou e sofisticou essa tese.[52] Um crítica à proposta dworkiana de compreensão da relação entre regras e princípios foi oferecida por Raz.[53] Para ele, a dimensão de peso ou importância não seria um privilégio dos princípios, aplicando-se também às regras. Um exemplo ilustra isso: uma pessoa poderia aceitar tanto a regra moral que afirma que ele não deve mentir quanto a que prescreve que deve cumprir suas promessas; mas, em ocasiões específicas, essas duas regras podem entrar em conflito, de modo que se deve escolher entre elas com base no peso, importância ou outro critério.

Porém, esse exemplo apresenta uma falha: Dworkin (2002:115) lembra que seria muito difícil que alguém conseguisse estabelecer a priori quais são as normas morais que irão reger sua vida. Trata-se, na realidade, de uma questão argumentativa e, em função disso, dependente mais da aplicação de uma linha de conduta do que de regras fixas. Ele ainda não nega que possa haver conflito entre regras; contudo esse conflito se processa em um plano distinto – no plano da validade, ao invés de no plano da adequabilidade.[54]

Na realidade, uma das maiores preocupações do autor era, e continua sendo, a distinção entre princípios (propriamente ditos) e as diretrizes políticas (polices): um princípio prescreve um direito e, por isso, contém uma exigência de justiça, equanimidade, devido processo legal, ou qualquer outra dimensão de moralidade; ao passo que uma diretriz política estabelece um objetivo a ser alcançado, que, geralmente consiste na melhoria de algum aspecto econômico, político ou social da comunidade, buscando promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável (DWORKIN, 2002:36; 2002:141-142). 

Princípios, lembra Galuppo (2002:186), estabelecem direitos individuais e ligam-se a uma exigência universalizável, ao passo que diretrizes políticas fixam metas coletivas, relacionadas sempre com o bem-estar de uma parcela da sociedade, mas nunca com sua totalidade, haja vista a existência de diversas compreensões concorrentes de vida boa em uma sociedade pluralista. O jurista de Oxford atribuirá o status de trunfos aos argumentos de princípios, de modo que, em uma discussão, esses devem se sobrepor a argumentos pautados em diretrizes políticas (2002:298).

Dessa forma, as teses que sustentam a discricionariedade judicial apontam apenas para a ausência de regras, não de normas, quando diante de um caso difícil. Uma análise da história institucional daquela sociedade pode indicar princípios jurídicos capazes de fornecer soluções para o caso sub judice. Por essa razão, a “função criativa” dos tribunais, defendida por Hart (1994:335) para os casos difíceis – ou seja, diante de um caso para o qual não exista uma resposta imediata nem na legislação, nem nos anais do Congresso ou de qualquer outra instituição, é rechaçada por Dworkin, o qual compreende que apenas o legislador é autorizado a criar direito (BILLIER e MARYIOLI, 2005:426). Essa afirmação expressa uma vedação importante à atividade jurisdicional: a possibilidade de que os tribunais, se tomados como representantes do Poder Legislativo, também devessem ser competentes para proceder à adesão de argumentos de política e à adesão de tais programas gerados. Em casos abarcados pela legislação, fica fácil vislumbrar o uso de argumentos de princípio; todavia, nos casos difíceis, muitas vezes o que se percebe é que os juízes acabam lançando mão de razões justificadas à luz de diretrizes políticas.[55]

Dois argumentos são levantados para negar a possibilidade de originalidade de decisões judiciais: (1) o governo é limitado pela responsabilidade de seus ocupantes, que são eleitos pela maioria; e (2) criando um direito novo, o juiz pune a parte sucumbente, uma vez que o aplica de forma retroativa.

As duas objeções tornam-se ainda mais fortes quando essas decisões se mostram fundadas em argumentos de política: (a) as decisões políticas devem ser geradas através de um processo político que leve, na devida conta, os diversos interesses antagônicos; e (b) fica fácil verificar o quão errado significa tomar os bens de alguém em nome de melhorias para um grupo da sociedade.

No caso de uma decisão que observe um princípio, tem-se outro quadro: primeiro, porque esse tipo de argumento nem sempre se fundamenta na busca pela equivalência de diversos interesses em conflito; e por outro lado, o magistrado, nesse caso, não se vê pressionado por uma maioria política, mas sim vinculado à história institucional,[56] que não representa uma restrição vinda de fora, imposta aos juízes, mas um componente da decisão, já que compõe o pano de fundo de qualquer juízo sobre os direitos. Juízes, portanto, devem assumir que suas decisões trazem em si uma carga de responsabilidade política, exigindo dos mesmos uma coerência de princípios.[57]

Dworkin lança mão de sua primeira metáfora – o juiz Hércules[58] – para ilustrar a dinâmica da decisão judicial a partir dos pontos fixados por sua teoria. Hércules é um juiz filósofo dotado de sabedoria e paciência sobre-humanas, capaz de resolver os casos difíceis através de uma análise completa da legislação, dos precedentes[59] e dos princípios aplicados ao caso:[60]

Ao decidir um caso difícil Hércules sabe que os outros juízes decidiram casos que, apesar de não guardarem as mesmas características, tratam de situações afins. Deve, então, considerar as decisões históricas como parte de uma longa história que ele deve interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão. Hércules adota o direito como integridade, uma vez que está convencido de que ele oferece tanto uma melhor adequação quanto uma melhor justificativa da prática jurídica como um todo (LAGES, 2001:47).

Todavia, Hércules vai descobrir que nem todos os magistrados, anteriores a ele, tiveram o mesmo cuidado ao decidir. Logo, algumas partes dessa história institucional  apresentar-se-ão como equívocos. Isso o forçará a desenvolver uma espécie de cláusula de exceção, que autoriza a desconsideração desses equívocos. Essa teoria dos erros institucionais é dividida em duas partes: uma que mostra quais as conseqüências de se considerar um evento institucional como um erro e outra que limita o número de erros que podem ser excluídos.

Essa primeira parte tem por base duas distinções: (1) de um lado, tem-se a autoridade de qualquer evento institucional – capacidade de produzir as conseqüências que se propõe – e, do outro, a força gravitacional do evento. A classificação de um evento como um erro se dá apenas questionando sua força gravitacional e inutilizando-a – sem, com isso, comprometer sua autoridade específica; e (2) a outra distinção é entre erros enraizados – os quais não perdem sua autoridade específica, não obstante não detenham mais sua força gravitacional – e erros passíveis de correção – cuja autoridade específica é acessória à força gravitacional. Assim, sua classificação garantirá autoridade às leis, mas não a sua força gravitacional (DWORKIN, 2002:189-190).

A segunda parte da teoria de erros compõe-se de uma justificação mais detalhada, na forma de um esquema de princípios, para o conjunto das leis e das decisões, já que sua teoria dos precedentes é construída a partir da equanimidade.[61] Duas máximas podem ser extraídas dessa segunda parte: (1) caso Hércules possa demonstrar que um princípio que, no passado, serviu de justificação para decisões do legislativo e do judiciário hoje não dará origem a novas decisões por ele regidas; então, o argumento de equanimidade se mostra enfraquecido;  e (2) se ele mostrar, através de um argumento de moralidade política, que o princípio é injusto, o argumento de equanimidade que o sustenta é inválido.

A construção da metáfora do juiz Hércules, entretanto, não encerra o trabalho de construção da teoria dworkiana. Mesmo que se possa considerar que a decisão atingida aqui obedeça a um processo reconstrutivo capaz de indicar com segurança uma – e apenas uma – “resposta correta”,[62] duas outras idéias serão fundamentais para a compreensão completa da proposta desse autor: a metáfora do romance em cadeia e a comunidade de princípios.

A compreensão adequada do romance em cadeia parece lançar novas luzes na discussão sobre o solipsismo de Hércules. A compreensão de que a atividade decisória dos juízes não se produz no vácuo, mas sim em constante diálogo com a história, revela as influências da hermenêutica gadameriana.

Todavia, Dworkin é defensor de uma interpretação construtiva e, por isso mesmo, de uma teoria hermenêutica crítica: a decisão de um caso produz um “acréscimo” em uma determinada tradição. Isso é bem ilustrado quando comparamos a dinâmica de aplicação judicial do Direito com um pitoresco exercício literário:[63]

Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade (DWORKIN, 1999:276).

Assim, mesmo o primeiro escritor terá a tarefa de interpretar a obra em elaboração, bem como o gênero que se propõe a escrever. Por isso, cada romancista não tem liberdade criativa, pois há um dever de escolher a interpretação que, para ele, faça da obra em continuação a melhor possível.[64] O que se espera nesse exercício literário é que o romance seja escrito como um texto único, integrado, e não simplesmente como uma série de contos espaçados e independentes, que somente têm em comum os nomes dos personagens. Para tanto, deve partir do material que seu antecessor lhe deu, daquilo que ele próprio acrescentou e – dentro do possível – observando aquilo que seus sucessores vão querer ou ser capazes de acrescentar.

O Direito segue a mesma lógica: tanto na atividade legislativa quanto nos processos judiciais de aplicação, o que se chama de Direito nada mais é do que um produto coletivo de uma determinada sociedade em permanente (re)construção:[65]

Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que outros juizes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance escrito até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registro de muitos casos plausivelmente similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturadas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção (DWORKIN, 2001:283).[66]

Nenhuma seqüência de decisões, contudo, é isenta de apresentar contra-exemplos; por isso mesmo é tão importante o desenvolvimento de uma teoria do erro no julgamento dos casos anteriores, como a desenvolvida por Hércules.[67] Além do mais, Hércules não está sozinho. Seu trabalho se dá continuamente através de um franco diálogo com a história institucional de sua sociedade, que está às suas costas; além disso, por força da exigência de integridade, ele é impulsionado a buscar sempre a melhor decisão – o que faz com que seus olhos se voltem para o futuro, mas de modo que sempre permaneça a preocupação em manter uma coerência de princípio na fundamentação de suas decisões. Ommati faz uma observação:

[...] Dworkin não acredita em um juiz Hércules que, sozinho, decidiria todos os casos [...]. Ora, se o Direito deve ser visto como integridade, e a integridade requer a atenção à história e se essa história jurídica se produziu a partir de decisões passadas, decisões essas que foram produzidas em um processo, logicamente esse processo para ser válido utilizou-se dos argumentos das partes para a produção da decisão. (2004:162).

No sentido dessa interpretação, a comunidade de princípios[68] se mostra como idéia fundamental, já que é ela condição de possibilidade para as metáforas do Juiz Hércules e do romance em cadeia.

Para tanto, leva em conta que todas as relações humanas pressupõem-se como relações sociais, deve-se compreender melhor essa forma de associação, principalmente no seu aspecto político-jurídico.

Um primeiro modelo compreende que a associação decorreu de um acidente de fato da história e da geografia. Nesse caso, as pessoas consideram umas às outras apenas como instrumento para obtenção de seus próprios fins. Um membro de uma instituição política não detém uma responsabilidade para com essa comunidade; sua responsabilidade pode, por exemplo, se limitar aos seus eleitores, principalmente se compreender que ela decorre de uma forma de gratidão, ou de qualquer outro vínculo, por ter sido eleito.

Outro modelo diferente é o da comunidade “de regras”. Aqui os membros da comunidade aceitam o compromisso geral de obedecer a regras estabelecidas por essa comunidade. A obediência a essas regras decorre de um sentimento de obrigação e não de uma mera estratégia; todavia admitem que o conteúdo dessas regras esgote a obrigação para com o resto da comunidade. Eles não reconhecem que essas regras se assentam sob um “compromisso comum decorrente de princípios subjacentes, que são eles próprios, uma fonte de novas obrigações” (DWORKIN, 1999:253); ao contrário, para eles, essas regras representam o fruto de uma negociação entre interesses antagônicos.[69]

O último modelo é o da comunidade de princípios. Esse modelo concorda

[...] com o modelo das regras [no sentido de] que a comunidade política exige uma compreensão compartilhada, mas assume um ponto de vista mais generoso e abrangente da natureza de tal compreensão. Insiste em que as pessoas são membros de uma comunidade política genuína apenas quando aceitam que seus destinos estão fortemente ligados da seguinte maneira: aceitam que são governados por princípios comuns, e não apenas por regras criadas por um acordo político. Para tais pessoas, a política tem uma natureza diferente. É uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, que concepção deve ter de justiça, [equanimidade] e [devido] processo legal e não a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vasto território de poder ou de regras possíveis (DWORKIN, 1999:254).

Logo, os direitos e deveres políticos dessa comunidade não estão ligados apenas às decisões particulares tomadas no passado, mas sim são dependentes de um sistema de princípios que essas decisões pressupõem ou endossam. A integridade é, então, compreendida como um ideal aceito de maneira geral e, por isso mesmo, mostra-se como um compromisso de pessoas, ainda que essas estejam em desacordo sobre a Moral política (DWORKIN, 1999:255). Uma conclusão importante desse modelo é o igual respeito para com os demais, de modo a não aceitar que nenhum grupo seja excluído.[70]

Com Hércules, não poderia ser diferente: ele é um membro dessa comunidade (DWORKIN, 1999:307; HABERMAS, 1998:295). Logo, suas decisões devem refletir seu comprometimento com essa, demonstrando para ela que compartilha dos mesmos princípios – ou seja, explicitando a sua pertença, para usar a linguagem consagrada por Gadamer. Cattoni de Oliveira (2002:91) lembra que o julgador deve se colocar na perspectiva de sua comunidade, considerada como uma associação de co-associados livres e iguais perante o Direito, assumindo uma compreensão crítica do Direito positivo como esforço dessa mesma comunidade, para desenvolver da melhor maneira possível o “sistema de direitos fundamentais”. Com a comunidade de princípios, Dworkin expande o rol de co-autores no empreendimento do romance em cadeia: como Günther (1995:45) observa, todo cidadão é um participante da corrente histórica do Direito, mesmo que virtual; autores e destinatários estão, então, ligados a um esquema coerente de princípios.    

Além disso, Habermas (1998:292) coloca uma importante questão: o juiz compartilha – como todo cidadão – de uma compreensão paradigmática do Direito, que fornece para ele um estoque de interpretações da prática jurídica e orientações normativas, estoque esse compartilhado por todos os membros da comunidade.[71] Tais paradigmas ainda retiram o trabalho hercúleo dos ombros dos membros dessa comunidade, fornecendo certezas em um mesmo pano de fundo compartilhado. [72]


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Notas

[1] Santos Pérez (2003:5-6) lembra que Dworkin representa hoje um autor de referência na teoria e filosofia do Direito, cujas obras – entre artigos, livros, conferências – já atingem a proximidade de duzentas publicações e constituem leitura obrigatória dos estudiosos. Todavia, afirmar que um autor seja popular não significa dizer que ele seja bem conhecido, esse problema parece atingir o pensamento dworkiano. O propósito deste tópico é demonstrar como sua teoria pode fornecer novas luzes aos problemas apontados nos capítulos anteriores, principalmente como forma de superação das aporias em que se encontra a dogmática jurídica tradicional. Para tanto, será realizada uma apresentação reconstrutiva do pensamento desse jurista, tomando como fio condutor a argumentação desenvolvida em sua obra O Império do Direito, publicado originalmente, em 1986.

[2] Ver também SARAT, Austin. KEARNS, Thomas. The cultural lives of Law. SARAT, Austin. KEARNS, Thomas. (org.) Law in the domains of culture. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1998.

[3] A indagação sobre “o que é o Direito?”, por exemplo, é a questão primordial na obra de Hart, O Conceito de Direito, sendo a sua pergunta de abertura.

[4] Kelly (1996:267) explica que a opção pelo Judiciário como figura de referência em Dworkin, na realidade, compõe a sua crítica ao positivismo jurídico, pois, para essa tradição, a referência recai primordialmente sobre a atividade legislativa, tomando a atividade judicante como uma situação de segundo plano e de menor relevância. 

[5] Segundo Dworkin (1999:6), as proposições jurídicas variam de declarações muito gerais – como “a Constituição proíbe o tratamento discriminatório em razão da opção religiosa” – até declarações bem menos gerais, ou até concretas – como “a lei exige que a Acme Corporation indenize John Smith pelo acidente de trabalho que sofreu em fevereiro último”. Essas proposições são muitas vezes avaliadas como verdadeiras ou falsas – mas há quem sustente que elas podem ser mais bem descritas como “bem fundadas” ou “infundadas”; todavia essa distinção não traz qualquer acréscimo à discussão.

[6] Na divergência empírica, por exemplo, juristas concordariam que a velocidade máxima no Estado da Califórnia é de 90 km/h, uma vez que há, na lei de trânsito, uma afirmação expressa nesse sentido; todavia poderiam discordar desse limite se não houvesse a mesma afirmativa. Diferentemente é a divergência teórica, pois aqui parece haver um acordo entre os juristas sobre o que “dizem” a legislação e as decisões judiciais; mesmo assim, discordam quanto àquilo que a lei de trânsito realmente é, uma vez que parece haver uma discussão no sentido de saber se o corpus do Direito escrito ou o conjunto de decisões judiciais acabam por esgotar ou não os fundamentos pertinentes ao Direito. Desse modo, a divergência teórica é bem mais complexa do que uma mera discussão sobre quais palavras estão presentes nos códigos, sendo bem mais problemática.

[7] Todavia, a obra dworkiana (1999) sustenta a tese da divergência teórica do Direito; para tanto, o autor apresenta e reconstrói alguns casos bem populares desse tipo de divergência: (1) Caso Elmer (Riggs v. Palmer – 1889); (2) Caso Snail Darter (Tennessee Valley Authority vs. Hill – 1978); (3) Caso McLoughlin vs. O’Brian – 1983; e (4) Caso Brown vs. Board of Education of Topeka – Kansas – 1954.

[8] Dworkin lembra que essa influência do positivismo – marcado por um forte arquimedianismo (ver nota abaixo) – pode ser sentida também no universo da Literatura, no qual alguns estudiosos buscam desesperadamente desenvolver teorias que separem a interpretação da crítica literária. Mas, para uma hermenêutica crítica, isso não é um problema: “[a] interpretação de um texto tenta mostrá-lo como a melhor obra de arte que ele pode ser, e o pronome acentua a diferença entre explicar uma obra e transformá-la em outra. Talvez Shakespeare pudesse ter escrito uma peça melhor com base nas fontes que utilizou para Hamlet e, nessa peça melhor, o herói teria sido um homem de ação mais vigoroso. Não decorre daí, que Hamlet, a peça que ele escreveu, seja realmente como essa outra peça. Naturalmente, uma teoria da interpretação deve conter uma subteoria sobre a identidade de uma obra de arte para ser capaz de distinguir entre interpretar e modificar uma obra” (2001:223, grifos no original). O que se quer, então, afirmar é que, partindo dessas premissas, desaparecem os muros que separam uma teoria da interpretação de uma determinada interpretação. Isto é: “Não há mais uma distinção categórica entre a interpretação, concebida como algo que revela o real significado de uma obra de arte, e a crítica, concebida como avaliação de seu sucesso ou importância. Ainda resta uma distinção, pois sempre existe uma diferença entre dizer quão boa pode se tornar uma obra e dizer quão boa ela é. Mas convicções valorativas sobre a arte figuram em ambos os julgamentos” (DWORKIN, 2001:227).

[9] Dworkin (2004:2) chama de arquimedianismo (archimedeanism) as leituras que buscam separar de maneira rígida o Direito da Política e da Moral. Mas o arquimedianismo não é um privilégio do Direito, encontrando adeptos na tradição do Positivismo Filosófico e, por isso mesmo, representando uma leitura popular na Ciência, nas Artes, na Política, na Filosofia, etc. O argumento central e geral parte da afirmação da possibilidade de se vislumbrar uma metateoria que seria capaz de explicar a prática específica que eles estudam. Assim, em um nível, ter-se-iam as discussões sobre se algo ou uma idéia pode ser certo/errado, legal/ilegal, verdadeiro/falso, belo/feio; e, em outro nível mais elevado, o debate conduziria à definição desses conceitos e categorias, isto é, as discussões versariam sobre o que seja a beleza, a verdade, o justo, etc. Em sua discussão com Hart (1994), Dworkin (2004) demonstrará como o seu antecessor poderia muito bem se considerar pertencente a essa linha de pensamento, uma vez que não haveria como uma Teoria do Direito ser meramente descritiva, isto é, isenta de juízos de valor, como também esperava Kelsen (1999). Como já visto com Gadamer (2001), a atividade de valoração comporia as pré-compreensões não podendo ser afastada.

[10] Dworkin (1999:12) lembra que, no senso comum existente na sociedade, os repertórios de legislação e de jurisprudência conteriam normas jurídicas e interpretações capazes de abarcar cada questão que se possa trazer à presença de um juiz. Todavia, os acadêmicos partidários da tese do Direito como simples questão de fato reconhecem a possibilidade de lacuna, isto é, de inexistência de qualquer decisão institucional anterior – seja ela legislativa ou judicial. Nesse caso, a solução vem pela via do uso do discernimento do magistrado, que cria uma nova norma, preenchendo assim a lacuna, e aplica-a retroativamente ao caso pendente de decisão.

[11] Apesar de Dworkin inicialmente considerar a teoria de Hart uma forma de teoria semântica, na seqüência de sua explicação, ele acaba por afirmar que essa mesma teoria pode ser considerada uma forma de convencionalismo moderado. 

[12] Um problema surge quando se tem por base uma sociedade moderna: o controle político é pluralista e sujeito a mutabilidade, o que torna impossível identificar a pessoa ou grupo responsável pelo controle radical. Outra crítica que pode ser feita é que Austin, ao contrário de Hart, fundamenta o dever de obedecer unicamente na capacidade e na vontade do soberano, que titulariza o poder de causar dano àqueles que desobedecerem; desse modo, não se poderia diferenciar o Direito das ordens gerais de um gangster (DWORKIN, 2001d:122).

[13] Também em Kelsen, esse exemplo aparece, quando o mesmo se refere à distinção entre o Estado e um bando de salteadores, e remete à questão levantada antes por Santo Agostinho, em sua Civitas Dei. Para o jurista austríaco, a distinção se funda no fato de que é atribuído ao comando do órgão jurídico – o que não acontece no ato do salteador de estradas – o sentido objetivo de uma norma vinculadora de seu destinatário; em outras palavras: interpreta-se o comando de um, mas não o comando do outro, como uma norma objetivamente válida (KELSEN, 1999:49). Tal distinção processa-se de acordo com a metodologia kelseniana de separação do ser e do dever-ser, de modo que, enquanto a coação do salteador de estradas se apresenta como um será, ela opera no mundo do ser, ao passo que a norma estabelece algo que deve ser executado, portanto ligado ao plano do dever-ser (KELSEN, 1999:49-50). Não pode ser olvidado ainda que, para Kelsen, tanto o ato de um tribunal quanto o ato de qualquer órgão estatal ao aplicar o direito apresentam-se como uma norma individual dotada de um sentido objetivo. É por isso que, num caso, o ato pode ser visto como uma ameaça – isto é, um delito, um ato antijurídico – ao passo que em outro, como um ato jurídico – isto é, a execução de uma sanção pelo Estado (KELSEN, 1999:52).

[14] Entretanto, o fato de a teoria desenvolvida por Hart ser dotada de uma maior complexidade não a isenta de críticas, pois ainda deixa em aberto uma série de indagações, sendo a principal a seguinte: “Em que consiste a ‘aceitação’ de uma regra de reconhecimento? Muitos oficiais da Alemanha nazista obedeciam às ordens de Hitler como se fossem leis, mas só o faziam por medo. Isso significa que aceitavam uma regra de reconhecimento que o autorizava a criar leis? Se assim for, então a diferença entre a teoria de Hart e a de Austin torna-se ilusória, porque então não haveria diferença entre um grupo de pessoas que aceita uma regra de reconhecimento e outro que, por medo, simplesmente adota um modelo forçado de obediência. Se não foi assim, se a aceitação exige algo além da mera obediência, então parece possível afirmar que não havia direito na Alemanha nazista, que nenhuma proposição jurídica era verdadeira, lá ou em muitos outros lugares nos quais a maioria das pessoas afirmaria a existência de um direito, ainda que malévolo ou impopular. E assim a teoria de Hart não seria capaz de apreender, afinal, o modo como todos os advogados usam a palavra ‘direito’” (DWORKIN, 1999:43). Habermas (2002:12-13) destaca ainda uma distinção importante que escapa à tese de Hart: a diferença entre aceitação e aceitabilidade racional. Hart, assumindo a postura do observador sociológico, descreveu o Direito existente em uma sociedade como se o mesmo fossem jogos de linguagem: “Tal como a gramática de um jogo de linguagem, também a ‘regra cognitiva’ [ou seja, a sua regra de reconhecimento] enraíza-se numa práxis, que um observador só pode constatar como fato, enquanto ela representa, para os que dela participam, uma evidência cultural manifesta [...]” (HABERMAS, 2002:13). Essa explicação apenas corresponde ao fato de os integrantes dessa sociedade estarem “convictos” de suas normas; mas, ao deixar em aberto a questão acerca do sentido de justificação das mesmas, adota-se uma postura irracionalista, ou seja, esquece-se das pretensões de validade que devem ser aceitas de maneira racional.

[15] Tomando como base a teoria de Austin, Dworkin mostra que o teste de pedigree seria a afirmação de que o Direito é aquilo que o soberano diz ser; correspondentemente, na tese sustenta por Hart, a regra de conhecimento desempenhará esse papel. Apesar de silente no texto, ao lançar um olhar sobre a teoria kelseniana, pode-se concluir que a norma fundamental seria a candidata ao teste.

[16] Para tanto, basta observar a postura assumida por Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, afirmando que a decisão do tribunal é discricionária, mas permaneceria como jurídica desde que estivesse incluída dentro da moldura de interpretações possíveis (1999:390). Contudo, após a edição de 1960, Kelsen dá uma guinada completamente diferente em sua teoria – um giro decisionista, ao admitir que o tribunal possa escolher uma interpretação que se situe fora dessa moldura interpretativa (1999:392-395). Como bem afirma Cattoni de Oliveira (2001:51), tal posicionamento coloca em “panne” a teoria kelseniana, pois rompe com o postulado metodológico da separação entre teoria e sociologia do Direito.

[17] Dworkin (1999:44) lembra que essa corrente radical é bastante implausível e freqüentemente cai em contradições: “Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, muitos juristas consideram o imposto de renda progressivo injusto, por exemplo, mas nenhum deles põe em dúvida o fato de que a lei desses países fixa o imposto a taxas progressivas”.

[18] “Sugerem, por exemplo, que quando uma lei permite diferentes interpretações, como no caso Elmer, ou quando os precedentes são inconclusivos, como no caso da sra. McLouglin, a interpretação que foi moralmente superior será a afirmação mais exata do direito” (DWORKIN, 1999:44).

[19] Interessante notar que essa afirmação de que o magistrado é livre totalmente para decidir, indiferentemente do que pensam seus demais pares, ou mesmo os teóricos jurídicos, ainda encontra acolhimento no Brasil, haja vista o voto do Min. Humberto Gomes de Barros, do STJ, no AgReg em ERESP n° 279.889-AL: “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja” (grifos nossos).

[20] Como lembra Araújo (2001:121), Dworkin pretende superar o seguinte dilema: “Ou advogados, apesar das aparências, realmente aceitam, em linha gerais, os mesmos critérios para decidir quando uma afirmação sobre o direito é verdadeira, ou não pode existir absolutamente nenhum verdadeiro acordo ou desacordo sobre o que é o direito” (1999:56). Dworkin (1999:55) explica que seria razoável uma discussão somente quando se tratar de casos limítrofes – para exemplificar, ele transporta a questão para o universo literário: pode-se discutir se tal obra se trata de um livrinho ou um panfleto, todavia não podemos estar em desacordo quanto a se Moby Dick é ou não livro, apenas porque, na opinião pessoal de um dos debatedores, esse não considera romance uma forma de livro. A solução, então, na convergência das afirmações que não necessita ser total em todas as fases da interpretação.

[21] “Quando essa atitude interpretativa passa a vigorar, a instituição da cortesia deixa de ser mecânica; não é mais a deferência espontânea a uma ordem rúnica. As pessoas agora tentam impor um significado à instituição – vê-la em sua melhor luz – e, em seguida, reestruturá-la à luz desse significado” (DWORKIN, 1999:58, grifo no original).

[22] A partir da exigência da interpretação artística de tratar o objeto ou prática como o melhor possível, todavia, não decorre a afirmação de que o intérprete poderá fazer ou compreender o que bem quiser, pois lembrando o princípio gadameriano da história efetual, tem-se que “[...] a história ou a forma de uma prática ou objeto exerce uma coerção sobre as interpretações disponíveis destes últimos [...]” (DWORKIN, 1999:64). Vale, ainda, lembrar que a experiência artística é, também, para Gadamer uma referência importante. Desse modo, o autor faz uso dela para iniciar a explicação sobre a experiência hermenêutica: “A obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma experiência que irá transformar aquele que a experimenta. O ‘sujeito’ da experiência da arte, o que fica e persevera, não é a subjetividade de que a experimenta, mas a própria obra de arte” (GADAMER,  2001:32).

[23] Algumas teorias da interpretação jurídica, contudo, ainda parecem ter como referência a interpretação conversacional, remontando ao pensamento da hermenêutica pré-gadameriana ou aos estudos de Betti. Assim, essa tese compreende mal, como já visto, a própria atividade de interpretação: no caso das práticas sociais, portanto, a atividade de interpretação deve sim conduzir a uma construção do melhor objeto possível, isto é, identificar uma interpretação que melhor satisfaça a finalidade da regra; não pode, portanto, se limitar a busca da intenção do autor – como querer os originalistas, principalmente, no Direito norte-americano –, como forma de garantia de objetividade da interpretação, ainda assim, essa busca se pautaria por escolhas que o intérprete fez no sentido de compreender melhor o seu objeto, o que nada mais é do que a aplicação da interpretação construtiva; por fim, não se pode nem tomar uma prática social como uma obra de um autor determinado, nem atribuí-la a ninguém, e com isso, lançar mão de uma interpretação científica, pois uma prática social para ser compreendida exige uma atitude interna, condizente com a condição de um participante dessa prática, não havendo lugar para uma simples descrição (DWORKIN, 2004:5).

[24] Araújo (2001:122) e Souza Cruz (2003:30-31) apresentam excelentes esquemas, que podem ser tomados como complementares a esse. Segundo este último autor, através da interpretação construtiva Dworkin supera o aguilhão semântico inerente ao positivismo, “[...] uma vez que percebe haver elemento de mutação temporal no conceito interpretativo do Direito, próprio do ciclo paradigmático. Em outras palavras, a comunidade jurídica não possui um conjunto uniforme de compreensões sobre as proposições jurídicas, mas, ao contrário, tais compreensões se modificam à medida que a sociedade se modifica também”.

[25] Sobre do que se entende por paradigma e “paradigmas jurídicos” ver o primeiro capítulo da presente pesquisa.

[26] Em sentido contrário, para o aguilhão semântico, a identificação dessas práticas acontece por meio de uma definição comum daquilo que necessariamente configura um sistema jurídico, bem como das instituições que o constituem (DWORKIN, 1999:114; ARAÚJO, 2001:123).

[27] Deve-se atentar para a distinção dworkiana entre os termos concepção e conceito: “o contraste entre conceito e concepção é aqui um contraste entre níveis de abstração nos quais se pode estudar a interpretação da prática” (1999:87). Nessa lógica, tem-se que um conceito possuiria um conteúdo aberto que admite diferentes concepções, segundo uma perspectiva tomada. Falar em teoria sobre o conceito de Direito seria um retorno à tese semântica que justamente pretende ser combatida; a concepção de Direito, portanto, não está pautada sob regras básicas da linguagem de observação obrigatórias a todos que desejam fazer-se entender, mas antes disso, em uma compreensão interpretativa, temporal, que se mantém graças a um padrão de acordo e desacordo.

[28] “As concepções do direito aprimoram a interpretação inicial e consensual que [...] proporciona nosso conceito de direito. Cada concepção oferece as respostas relacionadas a três perguntas colocadas pelo conceito. Primeiro, justifica-se o suposto elo entre o direito e a coerção? Faz algum sentido exigir que a força pública seja usada somente em conformidade com os direito e responsabilidade que ‘decorrem’ de decisões políticas anteriores? Segundo, se tal sentido existe, qual é ele? Terceiro, que leitura de ‘decorrer’ – que noção de coerência com decisões precedentes – é a mais apropriada? A resposta que uma concepção dá a essa terceira pergunta determina os direitos e responsabilidade jurídicos concretos que reconhece” (DWORKIN, 1999:117-118).

[29] Dworkin (1999:152) identifica dois tipos de convencionalismo: estrito e moderado. O “convencionalismo estrito restringe a lei de uma comunidade à extensão explícita de suas convenções jurídicas, como a legislação e o precedente” (LAGES, 2001:42). Trata-se de uma concepção bastante restrita do Direito. Por outro lado, o convencionalismo moderado compreende o Direito de uma comunidade como incluindo tudo o que estiver dentro da extensão – mesmo que implicitamente – das convenções. Desse modo, o convencionalismo estrito declara a existência de uma lacuna e requer o exercício do poder discricionário do juiz – que por meio de padrões extrajurídicos, cria um novo direito. Para o convencionalismo moderado, não haveria necessidade de declarar a existência da lacuna; ainda que de maneira polêmica, afirma que há uma maneira “correta” de interpretar as convenções abstratas, de modo que elas possam responder a qualquer caso que surja (DWORKIN, 1999:155). Sob essa ótica, então, o convencionalismo moderado – que é assumido por Hart – pode-se mostrar como uma forma subdesenvolvida da tese do Direito como integridade – já que “não garante e nem mesmo promove o ideal das expectativas asseguradas, segundo o qual as decisões do passado somente serão tomadas por base para justificar a força coletiva quando sua autoridade e seus termos forem inquestionáveis sob a perspectiva das convenções amplamente aceitas (LAGES, 2001:42). Dessa forma, apenas o convencionalismo estrito será objeto das críticas de Dworkin. 

[30] “Um juiz que visa à coerência de princípio se preocuparia, de fato, como os juízes de nossos exemplos, com os princípios que seria preciso compreender para justificar leis e procedentes do passado” (DWORKIN, 1999:163-164).

[31] Dworkin (1999:167-168) reconhece que, com o passar dos tempos, as regras de um jogo podem sofrer mudanças; mesmo assim, há uma diferença quando essas regras foram aceitas como uma convenção. “Se um congresso mundial de xadrez se reunisse para reconsiderar as regras para os torneios futuros, os argumentos apresentados em tal congresso estariam claramente deslocados dentro de um jogo de xadrez, e vice-versa. Talvez o xadrez fosse mais estimulante e interessante se as regras fossem mudadas de modo a permitir que o rei avançasse duas casas em cada lance. Mas ninguém que pensasse assim traria a sugestão como um argumento de que o rei pode agora, como o determinam as regras, avançar duas casas por vez. Por outro lado, mesmo durante o jogo,os advogados muitas vezes pedem por mudanças de práticas estabelecidas. Alguns dos mais antigos argumentos que as intenções legislativas levam em conta foram apresentados a juízes no decorrer de processos. Importantes mudanças na doutrina do precedente também foram feitas no decorrer do jogo: juízes foram convencidos, ou se convenceram eles próprios, de que na verdade não estavam presos às decisões que seus predecessores haviam considerado obrigatórias. [...] não foram o resultado de acordos especiais com a finalidade de chegar a uma nova série de convenções” (1999:168).

[32] “A atitude interpretativa precisa de paradigmas para funcionar efetivamente, mas estes não precisam ser questões de convenção. Será suficiente que o nível de acordo de convenção seja alto o bastante em qualquer momento dado, para permitir que o debate sobre práticas fundamentais como a legislação e o precedente possa prosseguir da maneira como descrevi no segundo capítulo, contestando os diferentes paradigmas um por um, como a reconstrução do barco de Neurath no mar, prancha por prancha” (DWORKIN, 1999:169).

[33] Souza Cruz (2003:34-35) lembra que o pragmatismo aproxima-se do realismo jurídico, como o convencionalismo aproxima-se do positivismo, mas certamente é algo mais radical. O realismo jurídico compreende o Direito como uma criação social do Judiciário, voltando-se para uma perspectiva utilitarista na avaliação de direitos individuais e interesses comuns. Rejeita-se de plano a tentativa de desenvolver uma “jurisprudência dos conceitos” como faz o positivismo, tentando-se descobrir conceitos jurídicos puros.

[34] O presente trabalho faz uso da expressão equanimidade, por considerá-la mais adequada que o termo eqüidade, utilizado nas traduções brasileiras de Dworkin e de Rawls. Para tanto, transcreve-se o alerta de Cattoni de Oliveira (2001:113): “Não traduzimos o termo inglês fairness por eqüidade e sim por equanimidade, a fim de marcar o quadro não-aristotélico em que a Teoria da Justiça de Rawls [bem como, a Teria do Direito como Integridade de Dworkin, foram elaboradas], [assim, o termo assume] uma concepção que se pretende procedimental e não substancialista [...]”.

[35] Esses procedimentos atribuem a todos os cidadãos mais ou menos a mesma influencia sobre as decisões que os governam.

[36] “Se aceitarmos a justiça como uma virtude política, queremos que nossos legisladores e outras autoridade distribuam recursos materiais e protejam as liberdade civis de modo a garantir um resultado moralmente justificável” (DWORKIN, 1999:200).

[37] “[...] se o aceitarmos [o devido processo legal adjetivo] como virtude, queremos que os tribunais e as instituições análogas usem procedimentos de prova, de descoberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exatidão, e que, por outro lado, tratem as pessoas acusadas de violação como devem ser tratadas as pessoas em tal situação”(DWORKIN, 1999:200-201).

[38] Sobre a integridade esclarece Dworkin (1999:202): “Essa exigência específica de moralidade não se encontra, de fato, bem descrita no clichê de que devemos tratar os casos semelhantes da mesma maneira. Dou-lhe um título mais grandioso: é a virtude da integridade política. Escolhi esse nome para mostrar sua ligação com um ideal paralelo de moral pessoal”. 

[39] “O direito como integridade, portanto, começa no presente e só se volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine. Não pretende recuperar, mesmo para o direito atual, os ideais ou objetivos práticos dos políticos que primeiro o criaram. Pretende, sim, justificar o que eles fizeram [...] em uma história geral digna de ser contada aqui, uma história que traz consigo uma afirmação complexa: a de que a prática atual pode ser organizada e justificada por princípios suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado. O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que ‘lei é lei’, bem como o cinismo do novo ‘relativismo’. Considera esses dois pontos de vista como enraizados na mesma falsa dicotomia entre encontrar e inventar a lei. Quando um juiz declara que um determinado princípio está imbuído no direito, sua opinião não reflete uma afirmação ingênua sobre os motivos dos estadistas do passado, uma afirmação que um bom cínico poderia refutar facilmente, mas sim uma proposta interpretativa: o princípio se ajusta a alguma parte complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a integridade requer” (DWORKIN, 1999:274).

[40] “Alguns filósofos negam a possibilidade de qualquer conflito fundamental entre justiça e [equanimidade] por acreditarem que, no fim das contas, uma dessas virtudes deriva da outra. Alguns afirmam que, separada da [equanimidade] a justiça não tem sentido, e que em política, como na roleta dos jogos de azar, tudo aquilo que provenha de procedimentos baseados na [equanimidade] é justo. Esse é o extremo da idéia denominada justiça como [equanimidade]. Outros pensam que, em política, a única maneira de pôr à prova a [equanimidade] é o teste do resultado, que nenhum procedimento é justo a menos que tenda a produzir decisões políticas que sejam aprovadas num teste de justiça independentes. Esse é o extremo oposto, o da [equanimidade] como justiça” (DWORKIN, 1999:214). 

[41] “É claro que aceitamos distinções arbitrárias sobre certas questões: o zoneamento, por exemplo. Aceitamos que estabelecimentos comerciais ou fábricas sejam proibidos em certas zonas e não em outras, e que se proíba o estacionamento de um dos dois lados da mesma rua em dias alternados. Mas rejeitamos uma divisão entre as correntes de opinião quando o que está em jogo são questões de princípio” (DWORKIN, 1999:217).

[42] “Quem acredita que o aborto é assassinato pensará que a lei conciliatória sobre o aborto produz mais injustiça que uma proibição cabal, e menos que uma autorização ilimitada; quem acredita que as mulheres têm direito vai inverter essas opiniões. Assim, os dois lados têm uma razão de justiça para preferir uma solução que não seja a conciliatória” (DWORKIN, 1999:218-219). Outro exemplo, este sim bastante concreto, está relacionado às normas escravocratas norte-americanas: “[...] se contavam três quintos da população de escravos de um estado para determinar sua representação no Congresso e para proibir que este limitasse o poder original dos [E]stados de importar escravos, mas somente antes de 1808” (DWORKIN, 1999:223).

[43] Com Habermas (1998), será possível compreender como público e privado representam elementos equiprimordiais e, por isso mesmo, complementares.

[44] Neste momento, a presente explanação preocupa-se apenas com trazer uma noção do romance em cadeia, uma vez que a metáfora será explorada no tópico seguinte,  o que tornaria redundante a discussão.

[45] O presente trabalho faz uso da expressão resposta correta em vez de resposta certa, opção feita pelos tradutores nacionais (DWORKIN. 2001:175), pois pode-se perceber que a resposta correta encerra em si uma pretensão de validade normativa (correção). Para melhor compreensão, ver as pesquisas de Habermas (2004; 1998) e Günther (1993).

[46] Desde já, faz-se um esclarecimento: sustentar a possibilidade da “resposta correta” em momento algum está relacionado à descoberta de uma única interpretação que solucione o caso concreto – pois, nesse sentido, estar-se-ia virando as costas para todos os ensinamentos de Gadamer, o que não é o caso. A “resposta” correta pode ser mais bem compreendida a partir de uma busca pela melhor interpretação para um caso concreto, levando em conta, para tanto, a integridade do Direito – isto é, todo o processo de compreensão dos princípios jurídicos ao longo da história institucional de uma sociedade, de modo a dar continuidade a essa história, corrigindo eventuais falhas, ao invés de criar novos direitos a partir da atividade jurisdicional. Uma versão modificada dessa crítica, como a levada adiante por Freitas (2003; 2004), somente se sustenta tomando o curso de uma interpretação axiológica do Direito, que converte princípios em valores e reduz o processo (dialético/discursivo) de aplicação do Direito à esfera da racionalidade solipsista do julgador, uma vez que Direito passa a ser tratado à luz de critérios de preferência e não ligado ao que seja licitude/ilicitude. 

[47] Trata-se do texto Model of Rules, publicado originalmente na Chicago Law Review, n. 35 (1967-1968), tendo sido depois republicado como o capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério (com tradução para o português pela Editora Martins Fontes, em 2002).

[48] Todavia, adianta-se que, diferentemente do que foi argumentado ao se apresentar a teoria de Alexy, Dworkin afirmará que: (1) não se reduz a questão de distinção entre princípios e regras a uma questão morfológica; (2) nem atribui-se a aplicação das regras a um raciocínio de subsunção e a aplicação de princípios a um método de ponderação; e (3) muito menos se procede a uma equiparação funcional entre princípios e valores. Tanto princípios como regras continuam a gozar de uma natureza deontológica, cuja aplicação procede mediante um juízo de adequabilidade, como observa Günther (1993) e Habermas (1998).

[49] Deve-se alertar para o fato de que as traduções para a língua espanhola utilizam o termo normas como sinônimo de regras jurídicas, como faz Calsamiglia (1992:168-169), o que acaba por induzir à idéia errônea de que princípios não são normas jurídicas, mas sim ligados ao chamado Direito Natural.

[50] Aqui cabe uma ressalva importante. Aleinikoff (1987) busca traçar um panorama da utilização da chamada ponderação ou balanceamento, que os tribunais norte-americanos alegam adotar, a partir do início do século XX. Todavia, aponta que, em vários os casos, não é preciso vislumbrar a questão a partir da ótica do conflito entre interesses a serem ponderados; desse modo, ele assinala uma importante diferença que parece ser olvidada pelos seus defensores: nem sempre ponderar significaria algo como colocar interesses concorrentes (ou princípios) numa balança e sopesá-los. Dentro da tradição norte-americana, ponderar acaba por significar, ainda, refletir; de modo que a solução dos conflitos entre princípios envolve muito mais um exercício de reflexão que vai culminar com uma construção teórica acerca do princípio adequado  do que um tratamento axiológico. Dirá Aleinikoff (1987:1001): “In sum, balancing is not inevitable. To balance the interests is not simply to be candid about how our minds – and legal analysis – must work. It is to adopt a particular theory of interpretation that requires justification”. Logo, há uma diferença importante no emprego do termo por um autor como Dworkin – que dele faz uso no sentido de realizar uma reflexão – e por outro como Alexy – que o utiliza no primeiro sentido.

[51] Aqui, portanto, já é possível notar uma diferença fundamental na compreensão dworkiana acerca dos princípios para a tese sustentada por Alexy: tanto princípios como regras são enunciados deontológicos, isto é, visam ao que é devido; logo uma aplicação que preserve essa natureza deve observar a tese da bivalência –  conforme será explicado mais à frente – caso contrário, a decisão que aplicasse gradualmente os princípios  careceria de referências quanto à pretensão de correção da ação.

[52] Dworkin (2002:43) reconhece que é muito difícil distinguir entre um ou outro standard. Logo, a questão fica transferida não para uma construção semântica, mas sim pragmática, isto é, a separação se dará de acordo com a argumentação e a apresentação de razões pelos envolvidos na discussão, o que denota uma especial atenção com a dimensão pragmática da linguagem e do Direito. Uma observação importante diz respeito à compreensão que a dogmática jurídica brasileira vem desenvolvendo com relação às normas que apresentam cláusulas gerais. O alerta dworkiano (2002:45) é importante: “Palavras como ‘razoável’, ‘negligente’, ‘injusto’ e ‘significativo’ desempenham freqüentemente essa função. Quando uma regra inclui um desses termos, isso faz com que sua aplicação depende, até certo ponto, de princípios e [diretrizes] políticas que extrapolam a [própria] regra. A utilização desses termos faz com que essa regra se assemelhe mais a um princípio. Mas não chega a transformar a regra em princípio, pois até mesmo o mesmo restritivo desses termos restringe o tipo de princípios e [diretrizes] políticas dos quais podem depender as regras”. Assim, equivocam-se aqueles que afirmam que, por exemplo, o Código Civil vigente seja um “código principiológico”, tal afirmação traz uma contradição nos próprios termos (contradictio in adjecto); além do mais, tal técnica de redação de regras, tão elogiada por muitos juristas, apenas tem servido para reforçar a tese da discricionariedade dos juízes, que preenchem essas regras a partir de razões unilaterais e juízos de conveniência (NOJIRI, 1998:97); por isso tal construção encontra sérias objeções em uma compreensão procedimentalista do Estado Democrático de Direito.

[53] Ver, RAZ, Joseph. Legal principles and the limits of Law. Yale Law Journal. n. 823 (1972).

[54] “O meu ponto não é que ‘o direito’ contenha um número fixo de padrões, alguns dos quais são regras e outros, princípios. Na verdade, quero opor-me à idéia de que ‘o direito’ é um conjunto fixo de padrões de algum tipo. Ao contrário, o que enfatizei foi que uma síntese acurada dos elementos que os juristas devem levar em consideração, ao decidirem um determinado problema sobre deveres e direitos jurídicos, incluirá proposições com a forma e a força de princípios e que, quando justificam suas conclusões, os próprios juristas e juízes, com freqüência, usam proposições que devem ser entendidas dessa maneira” (DWORKIN, 2002:119-120).

[55] Dworkin (2002:131) utiliza como exemplo de uma decisão pautada em uma diretriz política o caso Spartan Steel & Alloys Ltd. vs. Martin & Co., [1973] 1 Q.B. 27. Aqui os empregados do réu haviam rompido um cabo elétrico pertencente a uma companhia que fornecia energia ao autor da ação, de modo que este foi forçado a fechar sua fábrica durante o período de manutenção do cabo, gerando prejuízos econômicos. A pergunta posta para o tribunal foi se o demandante tinha direito a ser indenizado em razão de sua perda econômica – o que é uma questão de princípio – e não se a questão poderia ser resolvida concluindo-se que seria economicamente sensato repartir a responsabilidade pelo acidente, como sugerido pelo demandante – o que é um argumento derivado de uma diretriz política. Todavia, o tribunal não poderia ter feito às vezes de órgão legislativo, de modo que a segunda opção para argumentar sua decisão não estaria disponível, conforme critica Dworkin (2002:132).

[56] “A história institucional da sociedade, nesta perspectiva, não age como um limite, ou um constrangimento à atividade jurisdicional. Ao contrário, ela atua como um ingrediente desta atividade [...]. Os direitos dos indivíduos são, ao mesmo tempo, frutos da história e da moralidade de uma determinada comunidade. Estes direitos dependem das práticas sociais e da justiça das suas instituições” (KOZICK, 2000:184-185).

[57] “Um argumento de princípio pode oferecer uma justificação para uma decisão particular, segundo a doutrina da responsabilidade, somente se for possível mostrar que o princípio citado é compatível com decisões anteriores que não foram refeitas, e com decisões que a instituição está preparada para tomar em circunstâncias hipotéticas” (DWORKIN, 2002:138).

[58] Hércules é primeiro apresentado aos leitores no ensaio Casos Difíceis (Hard Cases, no título original), presente como o capítulo 4 da obra Levando os Direitos à Sério, mas originalmente publicado como um ensaio na Harvard Law Review nº. 88 (1974-1975), retornando posteriormente no Império do Direito (1999:165). São de chamar a atenção as diversas leituras feitas dessa figura de linguagem, o que levou à formulação de diversas críticas quanto ao solipsismo de Hércules, as quais se mostram infundadas por olvidarem: as demais construções de Dworkin que complementam a metáfora e sua herança hermenêutica, como se fez questão de destacar no início do presente trabalho. Nesse mesmo sentido, tem-se a leitura de Dworkin realizada por Cattoni de Oliveira (2003:116).

[59] Ao analisar os precedentes, Hércules observará a existência de um fenômeno que Dworkin (2002:176) chama de força gravitacional dos precedentes: um juiz tenderá sempre a demonstrar que sua decisão está associada a uma decisão tomada no passado por outros juízes; desse modo segue a idéia intuitiva de que deve procurar decidir casos semelhantes de maneira semelhante. Essa força gravitacional é restrita aos argumentos de princípio necessários para justificar as decisões anteriores.

[60] “Assim, Dworkin descreve como Hércules julgaria o caso McLoughlin. Primeiramente, o juiz selecionaria diversas hipóteses para corresponderem à melhor interpretação dos casos precedentes. Em cada interpretação possível, Hércules pergunta-se se uma pessoa poderia ter dado os veredictos dos casos precedentes se estivesse, coerente e conscientemente, aplicando os princípios subjacentes a cada interpretação (note-se que os juízes não podem se utilizar de questões de política, como os legisladores). Posteriormente, num passo mais avançado, o juiz deve colocar à prova as interpretações restantes, confrontando-as com a totalidade da prática jurídica de um ponto de vista mais geral. Para tanto, deve levar em consideração se as decisões que exprimem um princípio parecem mais importantes, fundamentais ou de maior alcance que as decisões que exprimem o outro (mesmo que um ou outro princípio não estejam explícitos em decisões passadas). Seguindo-se o processo decisório, o magistrado deve decidir que é a interpretação que mostra o histórico jurídico como o melhor possível do ponto de vista da moral política substantiva (que análise mostra a comunidade sob uma luz melhor, a partir do ponto de vista da moral política?). Assim, segundo Dworkin, sua resposta dependerá de sua convicções sobre as duas virtudes que constituem a moral política: a justiça e a equidade em cada caso concreto (pois, muitas vezes, é necessário o sacrifício parcial de alguma virtude política)” (ARAÚJO, 2001:133, grifos no original).

[61] “A segunda parte de sua teoria dos erros deve demonstrar que ela é, não obstante isso, uma justificação mais forte do que qualquer alternativa que não reconheça erros, ou que reconheça um conjunto diferente de erros. Essa demonstração não pode ser uma dedução a partir de regras simples de construção teórica, mas, se Hércules tiver em mente a ligação que anteriormente estabeleceu entre precedente e [equanimidade] tal ligação indicará duas diretrizes para sua teoria. Em primeiro lugar, a [equanimidade] vincula-se à história institucional não apenas [como] história, mas como um programa político ao qual o governo se propõe a dar continuidade no futuro; em outras palavras, ela vincula-se a implicações futuras do precedente, e não às passadas. Se Hércules descobrir que alguma decisão anterior, seja uma lei ou uma decisão judicial, é presentemente muito criticada no ramo pertinente da profissão, tal fato, por si só, revela a vulnerabilidade daquela decisão. Em segundo lugar, Hércules deve lembrar-se de que o argumento de [equanimidade] que exige consistência não é o único argumento de [equanimidade] ao qual devem responder o governo em geral, e os juízes em particular. Se Hércules acreditar, deixando de lado qualquer argumento de consistência, que uma lei ou uma decisão específica é errônea por não ser eqüitativa no âmbito do conceito de [equanimidade] da própria comunidade, essa crença será suficiente para caracterizar tal decisão e torná-la vulnerável. Ele deve, por certo, aplicar as diretrizes sem perder de vista a estrutura vertical de sua justificação geral, de modo que as decisões tomadas em um nível inferior sejam mais vulneráveis do que as que pertencem a um nível superior” (DWORKIN, 2002:191).

[62] Segundo Habermas (1998:283): “La teoría del juez Hércules reconcilia las decisiones racionalmente reconstruidas del pasado con la pretensión de aceptabilidad racional en el presente, reconcilia la historia con la justicia. Esa teoría disuelve la «tensión entre la originalidad del juez y la historia institucional … los jueces han de emitir fallos nuevos sobre las pretensiones de partes que se presentan ante ellos, pero estos derechos políticos no se oponen a las decisiones políticas del pasado, sino que las reflejan»”.

[63] Dworkin (1999:276) reconhece que esse empreendimento pode ser considerado fantástico, mas não impossível: “Na verdade, alguns romances foram escritos dessa maneira, ainda que com uma finalidade espúria, e certos jogos de salão para os fins de semana chuvosos nas casas de campo inglesas têm estrutura semelhante. As séries de televisão repetem por décadas os mesmos personagens e um mínimo de relação entre personagens e enredo, ainda que sejam escritas por diferentes grupos de autores e, inclusive, em semanas diferentes”. Todavia, Dworkin (1999:276) faz uma advertência: “Em nosso exemplo, contudo, espera-se que os romancistas levem mais a sério suas responsabilidade de continuidade; devem criar em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível”.

[64] A questão pode ser, então, examinada pelo prisma de duas dimensões muito utilizadas: “a dimensão ‘formal’, que indaga até que ponto a interpretação se ajusta e se integra ao texto até então concluído, e a dimensão ‘substantiva’, que considera a firmeza da visão sobre o que faz com que um romance seja bom e da qual se vale a interpretação” (DWORKIN:2001:236). Mas ainda assim é possível uma discordância razoável, sem que, contudo, se caia no ceticismo de afirmar que tudo é uma questão meramente subjetiva. “Nenhum romancista, em nenhum ponto, será capaz de simplesmente ler a interpretação correta do texto que recebe de maneira mecânica, mas não decorre desse fato que uma interpretação não seja superior às outras de modo geral. De qualquer modo, não obstante, será verdade, para todos os romancistas, além do primeiro, que a atribuição de encontrar (o que acreditam ser) a interpretação correta do texto até então é diferente da atribuição de começar um novo romance deles próprios” (Dworkin, 2001:236-237).

[65] Assim caem por terra as pretensões de teorias que busquem – quer na Literatura, quer no Direito – atingir a interpretação do autor. Sobre esse ponto deve-se indagar: (1) é possível descobrir o que o autor realmente pretendia?; e (2) isso é realmente importante? O autor lembra que a própria noção de “intenção” pode ser mais problematizada do que uma mera descrição de um estado mental do autor. Através do exemplo de uma montagem contemporânea da peça shakespeariana O Mercador de Veneza, Dworkin ilustra que a repetição estrita das intenções do autor ao conceber a personagem Shylock pode representar uma traição ao próprio propósito do autor ao imaginá-lo e construí-lo inicialmente. O intérprete, então, tem a tarefa de fazer o que Gadamer nomeou de fusão de horizontes, de modo que a “interpretação deve, de alguma maneira, unir dois períodos de ‘consciência’ ao transportar as intenções de Shakespeare para uma cultura muito diferente, situada no término de uma história diferente” (DWORKIN, 1999:68). Os intencionalistas, então, desconsideram que um autor pode separar o que escreveu de suas intenções e crenças, de modo a tratá-las como objeto em si. Por isso mesmo, pode-se compreender que novas conclusões são possíveis, permitindo que um livro possa ser lido de modo mais coerente, da melhor forma possível. Talvez fosse possível isolar as opiniões de um autor – fruto de um momento específico – mas, mesmo que isso fosse considerado como “intenções”, estar-se-ia ignorando outros níveis de intenções, como exemplo, a intenção de criar uma obra que não seja assim determinada. Mas isso passa despercebido pelos defensores da escola de intenção do autor, ao tomarem o valor de uma obra de arte a partir de uma visão restrita às possíveis intenções de quem a produziu.

[66] Para ilustrar isso, tem-se a hipótese da tia que, pelo telefone, sofreu dano emocional ao saber que sua sobrinha tinha sido atropelada, vindo, ao ingressar em juízo, argumentar a seu favor a aplicação de um precedente da Suprema Corte do Estado de Illinois, que considerou indenizável o dano emocional de uma mãe que presenciasse o atropelamento de sua filha por um motorista negligente (DWORKIN, 2001:220). O juiz desse caso “[...] deve decidir qual é o tema, não apenas do precedente específico da mãe na rua, mas dos casos de acidente como um todo, inclusive esse precedente. Ele pode ser obrigado a escolher, por exemplo, entre estas duas teorias sobre o ‘significado’ da corrente de decisões. Segundo a primeira, os motoristas negligentes são responsáveis perante aqueles a quem sua conduta pode causar dano físico, mas são responsáveis perante essas pessoas por qualquer dano – físico ou emocional – que realmente causem. Se esse é o princípio correto, então a diferença decisiva entre esse caso e o caso da tia consiste apenas em que a tia não corria o risco físico e, portanto, não pode ser indenizada. Na segunda teoria, porém, os motoristas negligentes são responsáveis por qualquer dano que é razoável esperar que prevejam, se pensarem sobre sua conduta antecipadamente. Se é esse o princípio correto, então a tia tem direito à reparação. Tudo depende de determinar se é suficientemente previsível que uma criança tenha parentes, além de seus pais, que possam sofrer choque emocional ao saber de seu ferimento. O juiz que julga o caso da tia precisa decidir qual desses princípios representa a melhor ‘leitura’ da corrente de decisões a que deve dar continuidade” (DWORKIN, 2001:238-239). Dworkin (1985:179) fornece ainda um outro exemplo do que seria uma resposta correta, desta vez, através da crítica à decisão proferida pelo Juiz Bork no julgamento do caso Dronenburg v. Zech (741 F.2d 1388, D.C. Cir. 1984) e de sua reconstrução. Dronenburg processou a Marinha Norte-Americana sustentando que sua dispensa se deu em prejuízo de seus direitos fundamentais, que foram violados. Em contrapartida, argumentaram que a causa de sua dispensa havia sido a acusação confessa de ter tido relações homossexuais em um quartel. A decisão de Bork, contudo, limitou-se a afirmar, bem na esteira da tradição positivista, que não existia nenhuma regra positivada na legislação norte-americana que consagrasse uma proteção aos homossexuais. Logo, inexistiria qualquer direito capaz de assegurar o que Dronenburg reivindicava para si. Todavia, Dworkin reconstruirá o caso para lembrar a Bork – textualista, isto é  um convencionalista que, como tal, defende que a Constituição não contempla outros direitos que não sejam os que estão expressamente apresentados em seu texto e mais: que esses devem ser interpretados de acordo com a intenção original dos constituintes (BRITO, 2005:58) – que as circunstâncias fáticas individualizadoras daquela demanda exigiam um outro olhar. No Direito positivo norte-americano, existem a Due Process Clause (Cláusula de Devido Processo) e um conjunto de precedentes que afirmam um direito fundamental à privacidade das pessoas. É claro que nenhum desses precedentes trata exatamente do problema de Dronenburg ou de direito para homossexuais. Mas essas decisões indicam uma compreensão que a sociedade tem sobre a necessidade de proteção da privacidade de uma pessoa e da garantia de que o Estado não poderá interferir em suas escolhas privadas (como por exemplo, o precedente Loving v. Virginia, no qual foi declarada a inconstitucionalidade da proibição de casamento inter-racial). Logo, o Direito não pode ser meramente algo preso ao que foi estabelecido pelas convenções sociais do passado e, frente ao julgamento deste novo caso, é sim possível falar que o argumento anteriormente suscitado em defesa da privacidade se estenda também aos homossexuais. Deve ser lembrado, portanto, que não se está criando um direito com a decisão, mas sim reinterpretando o direito já existente a partir de uma base já posta, qual seja, de que as escolhas pessoais não devem ser sujeitas à interferência estatal. Uma decisão diversa, como a proferida pelo Juiz Bork, é sim uma resposta que carece de correção.

[67] Importante esclarecer que essa flexibilização não destrói a distinção entre interpretação e decisões novas sobre o que o Direito deve ser (DWORKIN, 2001:240-241). Um juiz, ao verificar a finalidade ou a função do direito, acabará por assumir uma concepção de integridade e de coerência do Direito, tomado como uma instituição, o que irá tutelar e limitar suas convicções pessoais.

[68] É possível uma leitura que associe a comunidade de princípios dworkiana com uma sociedade de nível pós-convencional (Estágio 6), conforme dos estudos de Kohlberg. Nesse estágio, a orientação para a ação decorre de princípios universais, que toda a humanidade deve seguir (FERREIRA, 2000:143).

[69] Dworkin lembra que a concepção convencionalista do Direito toma como referência o modelo da comunidade “de regras”: “O convencionalismo se ajusta às pessoas que tentam promover sua própria concepção de justiça e de [equanimidade], através da negociação e do acordo, sujeitas apenas à estipulação superior, geral e única de que, uma vez realizado o acordo da maneira apropriada, as regras que formam seu conteúdo serão respeitadas até que sejam alteradas por um novo acordo” (1999:254).

[70] “Faz com que essas responsabilidade sejam inteiramente pessoais: exige que ninguém seja excluído; determina que, na política, estamos todos juntos para o melhor ou o pior; que ninguém pode ser sacrificado, como os feridos em um campo de batalha, na cruzada pela justiça total” (DWORKIN, 1999:257).

[71] “Pues la precomprensión paradigmática del derecho sólo puede restringir la indeterminación del proceso de decisión teoréticamente dirigido y garantizar un grado suficiente de seguridad jurídica si es intersubjetivamente compartida por todos los miembros de la comunidad jurídica y expresa una autocomprensión constitutiva de la comunidad jurídica. Mutatis mutandis, esto vale también para una comprensión procedimentalista del derecho que cuenta de antemano con una competencia entre diversos paradigmas, regulada discursivamente. Por esta razón es menester un esfuerzo cooperativo para invalidar la sospecha de ideología bajo la que tal comprensión de fondo se halla. El juez individual ha de entender básicamente su interpretación constructiva como una empresa común, que viene sostenida por la comunicación pública de los ciudadanos” (HABERMAS, 1998:295).

[72] “Tales paradigmas descargan a Hércules de la supercompleja tarea de poner en relación con los rasgos relevantes de una situación aprehendida de la forma más completa posible todo un desordenado conjunto de principios aplicables sólo prima facie, y ello a simple vista y sin más mediaciones. Pues entonces también para las partes será pronosticable el resultado, en la medida en que el correspondiente paradigma determine una comprensión de fondo que los expertos en derecho comparten con todos los demás miembros de la comunidad jurídica” (HABERMAS, 1998:292).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRON, Flávio Quinaud. A proposta de integridade para o direito de Ronald Dworkin. Como casos podem ser decididos à luz de uma “resposta correta”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23808. Acesso em: 26 abr. 2024.