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A prática jurídica e os núcleos de prática dos cursos de Direito.

Uma visão menos dicotômica das atividades de estágio

A prática jurídica e os núcleos de prática dos cursos de Direito. Uma visão menos dicotômica das atividades de estágio

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A atividade prática exerce papel insubstituível na formação do indivíduo, em especial, daquele que abraça a carreira jurídica. Mas o mero praticismo vira automatismo, que redunda em aprendizado superficial e degradante, vez que a rotina da repetição empobrece a alma.

Resumo: Este pequeno ensaio visa, despretensiosamente, demonstrar à comunidade acadêmica dos cursos de direito, a importância das atividades de prática como complemento de sua formação teórica, com enfoque no papel exercido pelos Núcleos de Prática Jurídica das Universidades e Instituições de Ensino Superior, bem como, pelas novas diretrizes impostas na Emenda Constitucional nº 45 de 2004 e a Lei de Estágio, nº 11.788/08. A abordagem inicial, de cunho propedêutico, serve para conferir seriedade ao estudo e justificar o fundamento ontológico dessa cognose.

Palavras-chave: Práxis; Prática; Pragmatismo; Cursos de Direito; Núcleos de Prática; Emenda Constitucional nº. 45/2004; Nova Lei de Estágio, nº 11.788/08.

Sumário: 1) Noções de práxis 2) Bases Propedêuticas da práxis 3) A prática no ensino jurídico como complemento de formação do acadêmico de Direito; 3.1 O papel da prática jurídica nos Cursos de Direito 3.2. A prática jurídica em Roma 3.3. A prática jurídica na Idade Média, Moderna e Contemporânea 3.4 A prática jurídica no Brasil: do Império à República; 4) O papel da prática jurídica profissional e a Nova Lei de Estágios 5) A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a atividade jurídica; 6) Impressões finais;


1.Noções de práxis    

Se Isaac Newton tivesse tentado provar a existência da gravidade somente por teoria argumentativa, provavelmente teria sido ignorado pela comunidade científica. Mas quando demonstrou, na prática, que os corpos e as massas eram atraídos pelo campo gravitacional da terra, revolucionou a física. Isso significa que o exercício prático de uma teoria é, muitas vezes, o objeto de sua própria compreensão.      

Mas para entender a importância da prática como ferramenta concreta do saber é preciso dimensioná-la no sentido maior da práxis. Em contraponto à visão dos teóricos, que sempre justificaram o conhecimento através, unicamente, do raciocínio puro e metodológico do saber, e dos empiristas, que só aceitam a teoria como verdadeira após ser submetida ao experimento, os praxistas vislumbram o conhecimento como algo muito mais extensivo e complexo, menos dicotômico.

Na realidade, a práxis contempla o conhecimento pleno como o resultado almejado do estudo investigativo; é mais do que teoria e prática; é, sim, o conjunto de alguns elementos que vão desde a observação do espectador, passando pelo raciocínio crítico e seus métodos, até chegar à experimentação.[1] Nenhum desses elementos, isoladamente, pode fornecer o resultado esperado do saber, com a mesma precisão que produz quando se origina da soma de todos eles.

O fato gera para o observador um campo dedutivo, que se aprimora à medida em que formula hipóteses sobre as quais desenvolve sua análise. Quando resolve experimentá-lo consegue, com a prática, chegar ao resultado verdadeiro (positivo) ou falso[2] (negativo) de sua teorização. Assim, a práxis vai permitir obter a concretude da teoria, tornando-a realidade fática no universo investigativo.[3] É, em suma, realizar o que fora idealizado. 

Para muitos, no entanto, a efetividade de uma teoria, constatada pelo conhecimento prático, se dá pelo caminho inverso. Entende-se que não se conhece a existência da coisa pela sua prática, mas sim, se pratica a coisa pela sua existência. O doutrinador que teoriza sobre a matéria, antes terá conhecido a matéria, ou pelo menos terá noção prévia de sua existência. É como a metáfora da maçã: para saber se é doce e saborosa terá que ser provada; mas não será possível convencer as pessoas de experimentá-la, sem antes saber o que ela é.[4]

De um modo ou de outro, cumpre ressaltar que a vivência prática não é subordinada à vivência teórica e vice-versa, nem tampouco são independentes entre si. Na realidade são atividades simbióticas que resultam numa completude de conhecimentos. Sem a prática não se prova a teoria; sem esta, não se concretiza aquela.[5]


2. AS BASES PROPEDÊUTICAS DA PRÁXIS

A filosofia, como se sabe, sempre foi uma área do estudo contemplativo, pouco prático, mas a origem grega da expressão práxis denuncia quão antiga é a preocupação do homem na busca pelo conhecimento pleno. Foi Aristóteles (Séc. IV a.C.) um dos primeiros pensadores a teorizar sobre a experiência como agregação do saber, sobretudo do ponto de vista da virtude e da ética.

Em sua clássica obra Ética a Nicômaco,[6] o filósofo interpreta a virtude como a prática da ética e da moral, definindo que as crianças não possuem virtude, pois esta seria alcançada pelo exercício diário do caráter humano. Leciona Aristóteles, que a natureza nos dá os sentidos e as percepções de mundo e só depois a capacidade de pô-los em atividade. Assim, o homem tem dentro de si o sentimento de justiça, mas praticando atos justos é que alcançará o seu resultado efetivo. 

Epicuro de Samos (Séc. IV a.C.), por sua vez, teve visão mais radical da prática. O epicurismo a interpreta como sendo a negação do objeto enquanto matéria, uma vez que, sua essência reside na transformação daquilo que o homem não se interessa em contemplar. Assim, por exemplo, se não se conforma com a árvore, o homem a transforma em objetos de utilidade, como cadeiras ou mesas. Portanto, não há contemplação da matéria e, sim, culto à sua transformação. É a prática, portanto, que transforma o meio que circunda o homem, alterando sua compreensão das coisas.   

Séculos mais tarde, a ideia epicurista de prática transformadora acabou por influenciar Karl Marx e seus pensamentos sobre a luta de classes e o materialismo dialético, também retratados em sua obra “Teses sobre Feuerbach”.[7]       

Com Francis Bacon (Séc. XVI d.C.) o fenômeno prático passou a ganhar relevância filosófica. Bacon criou novo método de estudo, o indutivo, no qual o saber deveria ter finalidade operativa, voltada para experiência.[8] O intuito de seu método era o de verificação da teoria como instrumento de comprovação. Para ele, a dedução parte de um universo teórico precedente para se reconhecer uma verdade, o que seria equivocado, segundo o filósofo. O saber deveria ser ferramenta de transformação útil e socialmente positiva. Ninguém transforma a realidade com argumentos e retóricas, mas com a prática.[9]

Mas foi com Charles Peirce e William James (Séc. XIX d.C.) que a prática alcançou à fase aguda de relevância filosófica, tendo dela derivado um método próprio: o pragmatismo. Tal método procura afastar, da busca pelo conhecimento, os elementos metafísicos como “sujeito” e “objeto”, “corpo” e “alma”, “razão” e “emoção” etc, que não agregam valores práticos ao saber.

Para o pragmatismo, que não é doutrina, mas sim um método, o significado de um conceito é a consequência que ele produz[10]. Se, por exemplo, o resultado de uma controvérsia for a afirmação de uma coisa e, ao mesmo tempo, a negação de outra e, se isso nada importar na prática, deve ser ignorado. No pragmatismo, a efetividade do raciocínio deriva de sua utilidade prática e não do resultado teórico.[11]

Em seus conceitos pragmáticos, Peirce chegou a afirmar que, para alcançar a perfeita clareza acerca do objeto, é preciso considerar somente o seu caráter prático, as impressões que dele se obtém e a reação que dele se espera. Assim, por exemplo, quando o advogado se depara com um casal que deseja se divorciar, não deve tentar entender o conceito de divórcio, ou percorrer o íntimo das razões que levaram as partes a essa vontade, mas, sim, o resultado evidente e prático da separação, ou seja, quem fica com o que e, se houver filhos, quem fica com quem.    

Com a sociologia, por sua vez, a compreensão do universo prático assume papel reluzente, sendo a própria razão de ser da ciência sociológica, uma vez que, o objeto de seu estudo é a interação do homem com o meio. Para Auguste Comte (Séc. XIX d.C.), por exemplo, sendo a sociologia uma ciência positiva[12], está destinada a coletar seus dados diretamente dos fatos sociais. O dia-a-dia das relações humanas e do homem com as coisas e os fenômenos que o circundam, projeta as ações práticas a um patamar superior ao da consciência e da reflexão.

Como o aprendizado da ciência social se dá pela observação da fenomenologia, é de se supor que o conhecimento pleno, antes filosoficamente contemplativo, é ultimado pela percepção do mundo prático. Por exemplo: o advogado que nos bancos de faculdade absorveu noções gerais do que é uma dívida representada por título cambiário, só completará tal aprendizado, quando for postular uma cobrança de cheque para um de seus clientes. Aí vivenciará o fato social concreto, representativo das figuras do devedor-credor-título-lei.

Para Agerson Tabosa[13], a interação social é um processo natural de evolução humana. Quanto maior for o convívio do indivíduo com as espécies de seu grupo, mais rápida será sua adaptação ao meio. E quanto maior a interação com o meio, maior será sua experiência e sua capacidade de mudança. Diante desse raciocínio, pode-se concluir que um acadêmico de direito, por exemplo, não vai compreender o universo jurídico concreto, enquanto estiver distanciado do contato com seus pares (advogados, juízes, promotores, clientes etc). Essa visão, veremos mais tarde, reflete a necessidade do estágio antes da formatura.   

Para Weber (Séc. XIX d.C.) e Durkheim (Séc. XIX d.C.), os fenômenos sociais não são produtos de nossa vontade; eles simplesmente acontecem em um universo externo da consciência humana e moldam nossas ações. Nesse contexto, teorizar é o mínimo que o homem pode fazer sobre a fenomenologia social e vivenciá-la, é sua fronteira final. Exemplo disso é observar a criança e o seu crescimento natural. Não há como impedi-lo. A adaptação é a resposta, e tem relação direta com a prática, alcançada com o tempo de vida; é a caracterização da parêmia: “Homo fructus medii.”[14]         

Com a psicologia, a práxis ganha contornos epistemológicos mais fundamentados na psique do ser humano. A análise conjuntural do conhecimento só é possível pela condição de elaboração mental do indivíduo; quanto mais percepção de mundo tiver, maior compreensão dos fatos terá.

Freud (Séc. XIX d.C.), por exemplo, adotou métodos práticos para desenvolver suas pesquisas científicas. Foi trabalhando com a fisiologia dos animais, sobretudo, dessecando cérebros e órgãos sexuais, que Freud erigiu grande parte de suas teorias, principalmente, as que revelavam a estrutura da mente (id, ego, super-ego, eros, tenatos etc). Com o desenvolvimento do método hipnótico, em parceria com Josef Breuer (Séc. XIX d.C.), transformou o entendimento puramente teórico do inconsciente e subconsciente, relatando a cura obtida em diversas experiências práticas com pacientes que não conseguiam se curar pelos métodos tradicionais da época. Desde então, a prática psicanalítica tem sido desenvolvida, testada e questionada com base no método prático de Freud, embora, haja muita crítica a ele, por parte da ciência moderna.        

Mas foi Michel Foucault (Séc. XX d.C.) quem contribuiu para o estudo moderno da psicologia. Em seus ricos estudos sobre diversas temáticas sociais, Foucault se socorreu muitas vezes do universo prático. Quando, por exemplo, desenvolveu sua tese de doutorado, A História da Loucura, mais tarde convertida em publicação de sucesso, resolveu passar anos fazendo laboratório em clínicas psiquiátricas, convencido de que somente assim chegaria à compreensão dos tratamentos. Em Vigiar e Punir fez profundas pesquisas práticas sobre as relações de poder com o uso das punições e condenações aos presos.

Porém, foi com a obra Arqueologia das Ciências e Historia dos Sistemas de Pensamento – Ditos e Escritos II [15] que Foucault evidenciou o sentido prático no método de pensar as coisas do mundo. Em discurso, certa vez proferido no Collège de France, onde era catedrático, fez um paralelo entre o saber como opinião e o saber como conhecimento científico e concluiu que o saber humano era algo que transcendia o discurso; algo que precisava ser testado nas ruas, através das experiências de campo.[16]

Em relação ao campo jurídico, essas sistemáticas, perceberá o leitor, repercutirão na psiquiatria forense, modernamente interfaciada pela psicologia jurídica. Não só nos aspectos criminais, também muito importantes, mas, sobretudo, nos aspectos comportamentais em geral. Basta que o acadêmico de direito opte por atuar em dois ramos jurídicos: o direito de família e o direito penal. Há neles uma sobrecarga emocional que transcende o conhecimento técnico das leis e envolve os participantes da causa, como emulsão do espírito humano, aflorando sentimentos desafiadores.[17]  

Por fim, quanto ao aspecto pedagógico, não há como negar a influência que a prática exerce sobre o aprendizado, pois a maioria das metodologias aplicadas nos últimos tempos se utiliza de tal elemento como instrutivo e vital para o conhecimento pleno, sobretudo, se o método em questão for o do construtivismo ou o da pedagogia autônoma.

A própria epistemologia, para chegar ao conhecimento (crenças verdadeiras e justificadas), além da construção teórica (o saber que), propõe a análise das evidências como elemento de prova para justificar a teoria (o saber como). Muitos estudiosos se destacaram pelas pesquisas e métodos que desenvolveram, dentre os quais, os contemporâneos do século XX, Gaston Bachelard, Jean Piaget, Lev Vygotsky e, claro, o brasileiro Paulo Freire, todos mentores da pedagogia moderna.     

Bachelard pregava um “novo espírito científico” e fazia questão de distinguir experiência de experimento e, da mesma forma que Bourdieu e Husserl, não admitia a interferência empírica do conhecimento prévio do ser humano, ou seja, a experiência comum de vida, como instrumento cabal de aprendizado. Para ele, o sujeito só aprendia quando se libertava das amarras do preconceito; da contaminação provocada pela experiência de vida. Era preciso se concentrar, cientificamente, em sua teoria e experimentá-la. [18]

Por sua vez, Piaget entendia que o ser humano, ao receber do meio ambiente, as informações audiovisuais e sensoriais, as acomodaria em suas concepções preexistentes e, utilizando-se de seu raciocínio lógico, as processaria e reagiria conforme suas convicções, construindo e transformando os elementos ao seu redor. Este método ficou conhecido por construtivismo e foi muito difundido no ensino brasileiro. Por esta visão, tem-se que o indivíduo usa-se da experiência e do experimento para transformar ou edificar suas teorias de aprendizagem.[19]

Talvez a maior interferência desse método de Piaget para o contexto da prática, tenha sido a percepção do elemento externo como instrumento de análise e transformação, pois, partindo-se desse pressuposto, não há como aprender introspectivamente. Será preciso o contato com o universo real e com ele interagir para compreendê-lo e aceitá-lo, ou compreendê-lo e transformá-lo.  

Com Paulo Freire, a pedagogia vivenciou uma ruptura na educação tradicional. Em sua educação libertadora propôs um método que privilegiasse a aprendizagem a partir do universo cultural que cada indivíduo possuía, levando em conta sua vivência prática. Para Freire a prática é requisito indispensável para formação do senso crítico.[20] O Brasil, segundo certa vez afirmou, tende a exercer uma educação “palavresca”, de pouca praticidade. Ficou célebre sua metáfora ao sistema bancário quando afirmou que o educador é um depositante de conhecimento e o educando um depositário e que, para o sistema educacional tradicional funcionar, bastaria que o educador depositasse o máximo de conhecimento que possuía em favor do depositário.[21]

Bem se vê que não é de hoje que a práxis é objeto de estudo, mas ainda é preciso esforço hercúleo para conciliar teóricos e pragmáticos quanto ao resultado de seu influxo no aprendizado.


3.A prática no ensino jurídico como complemento da formação do acadêmico de direito

De tudo que se discorreu até o momento, fica evidenciado que o elemento prático é tão importante quanto o elemento teórico na formação do aprendizado. No contexto jurídico, no entanto, falta ser analisado como se comporta e quais os reflexos que exerce no universo profissional e no universo acadêmico dos Cursos de Direito.

3.1. O papel da prática jurídica nos Cursos de Direito    

Francesco Carnelutti, jurista que revolucionou o Direito Processual - e veremos mais tarde que o processo é a ferramenta prática do direito - certa vez desabafou[22]:

Direito é um Parlamento, um Tribunal, a junta geral de uma sociedade anônima, um estabelecimento penitenciário, dois homens que contratam, ou que litigam, ou que se matam. É indispensável por isso apagar da mente dos jovens a ideia de que o Direito seja algo encerrado nas fórmulas misteriosas dos Códigos e que nem se vê e nem se toca. Lembro-me da dificuldade e da desilusão que para mim supus, enquanto ocupei os bancos da Universidade, essa maneira de entender o Direito, que me produzia a impressão de estar andando sobre as nuvens. Não, repito. Nós temos que ver com a realidade, tanto quanto os médicos ou os engenheiros (...) Enquanto fui estudante, jamais se me mostrou, nem sequer como evocação para minha fantasia, o espetáculo de um debate forense. Pelo contrário, cada dia lamento mais a inferioridade que neste sentido me encontro com respeito ao professor de cirurgia.

A compreensão do professor de que foi lesado ao não receber formação prática reflete, já naquela época (1936), a ideia de que o aprendizado do direito não pode ser pura reflexão, mas também realização. De fato, como ensinar ao advogado a sustentar oralmente o direito de seu constituinte, perante o Tribunal, utilizando-se da aula teórica para avivar tal ideia? Como ensinar ao acadêmico do direito a se portar diante do Júri, sem que lho possibilite praticar simuladamente?

Alguns conteúdos podem e devem ser ensinados pela teoria, outros jamais, pois só com a vivência prática e experimentação é que se alcançará a sua compreensão: é fácil para o professor de Direito Penal ensinar ao aluno que o homicídio é crime previsto em lei, e que se tal fato ocorrer e ele for contratado como advogado do criminoso deverá verificar as atenuantes e as agravantes; se o inquérito preencheu todos os requisitos legais; se o oferecimento da denúncia se deu dentro do prazo etc. Mas por mais conhecimento que possua tal professor, ele não conseguirá transmitir para o estudante, através da teoria, como ter confiança em si, segurança na fala, a tranquilidade e dom da oratória na ora de fazer o Júri de seu cliente, pois só o tempo prático, só com a repetição contínua e incessante destas ações, que se dão através de metodologia técnica, é que o aluno, então como advogado, reproduzirá tais características de aprendizagem.

Por isso que a prática integrada na grade curricular de um Curso de Direito é indispensável, pois propicia ao acadêmico do Direito a exercitar as reações pessoais para cada situação real. Em muitos casos, tal atividade prática, quando oferecida no próprio curso, chega a direcionar a vocação do acadêmico, que brevemente será egresso, ajudando-o a escolher a especialidade. O aluno que não possuir o dom da oratória seguirá outro caminho nas atividades forenses que não seja fazer Júri; e vice-versa.   

Acerca disso, Piero Calamandrei[23], outro grande expoente do direito processual, opina:

Não creio que nas nossas faculdades de direito seja necessário treinar os jovens para eloquência forense, como nas antigas escolas de retórica. Os estudos jurídicos devem servir para libertar o pensamento; quando este for ágil e pronto, o discurso se libertará por si. Mas, se uma escola de oratória forense devesse ser instituída, eu a faria funcionar assim: daria ao aluno para estudar, numa manhã, os autos de uma complicada e difícil controvérsia cível, que ele deveria depois referir oralmente, de maneira clara e cabal, no inexorável lapso de uma hora. No dia seguinte, sobre o mesmo argumento, deveria falar meia hora; enfim, no terceiro dia, o tempo concedido para repetir a exposição deveria ser reduzido ainda mais, a quinze minutos. Nessa terceira prova, que seria a decisiva, deveria estar presente um auditório de estudantes, absolutamente ignaros do caso. Se o relator conseguisse tocar nesse arrazoado concentrado em todos os pontos essenciais da causa, de maneira bastante clara e ordenada para ser seguido e compreendido de imediato por aquele auditório, mostraria ter aprendido o gênero de eloqüência necessário para se tornar um bom sustentador oral.

A prática não é uma mera reprodução de conteúdo é, sim, a associação dele com a técnica de repetição. Por isso que também não será produtivo o aprendizado somente pela prática, pois aí seria transformar o aluno em autômato. O acadêmico, diante de um caso real, deverá ter a oportunidade de absorver o problema jurídico, refletir sobre que tipo de direito foi violado e definir os mecanismos legais aplicáveis ao caso para solucioná-lo. Portanto, é muito mais do que o automatismo de uma ação repetitiva.

Mas a prática nos cursos jurídicos nem sempre esteve presente na matriz curricular, ou nem sempre foi conduzida adequadamente. Ao longo dos tempos, após muitas críticas e pressões externas de movimentos revolucionários da educação, é que se pôde perceber uma abertura do ensino jurídico tradicional para as relações menos teóricas com o Direito. Tais avanços percorreram, paulatinamente, as várias escolas espalhadas pelo mundo que, ainda hoje, buscam novas formas de adaptação curricular.

3.2 A prática jurídica em Roma

Em Roma, a prática era um elemento essencial na formação do caráter e na postura de seus cidadãos. Por essa razão, o ensino romano era eminentemente prático. As crianças eram inseridas desde cedo nas artes, na agricultura e nos treinamentos militares. Também recebiam do pai, que acumulava a função de senhor e sacerdote, toda a formação política e religiosa.

A política, aliás, era uma espécie de meta a ser alcançada por todos os romanos; um ideal supremo, segundo Sêneca[24] (Séc. I d.C.). Por essa razão, grande parte da educação superior dos romanos era voltada para a prática da oratória e da retórica, de onde também despontaram os grandes advogados.

O ensino jurídico romano era eminentemente sistemático e, embora tenha sofrido influências helenísticas em seu período pós-clássico, desenvolveu-se por técnicas de interpretação e análise de situações práticas, do cotidiano, com base em costumes e crenças. A jurisprudentia prevalecia sobre o jus e a lex, esta, pouco influente.[25]

Ao longo dos séculos, Roma possuiu três tipos de prática do direito: a arcaica legis actiones, o formalístico processo formulário, agere performulas e o, até certo ponto evoluído, cognitio extra ordinem.[26] Figuras como as do cônsul, do pretor e do edil eram caricaturas de um direito romano dinâmico, sem uma estrutura jurídica específica. Todos desenvolviam papel de magistrados leigos e resolviam, à sua maneira, as esparrelas entre os cidadãos romanos, ou entre esses e os peregrinos.

No período cristão, (Séc.II d.C.) duas grandes escolas superiores de ensino jurídico surgiram, a proculiana e a sabiniana, influenciadas por juristas destacados da época. Marcus Antistius Labeo[27] foi um dos mais importantes e o que mais pregou a modernidade do Direito, incluindo o método prático de pensá-lo e executá-lo. Suas ideias inspiraram seu discípulo Proculus a fundar a escola superior de direito, denominada de proculiana, eminentemente liberal, dinâmica e prática.

Seu antagonista, Ateius Capito,[28] defendia posicionamentos identicamente liberais e práticos, mas divergia quanto a vários conceitos jurídicos. Seus seguidores, Masurius Sabinus[29] e Cassius Longinus fundaram mais tarde a escola de direito que se chamou sabiniana, de conceitos muito influentes até hoje em cursos de direito de grandes universidades européias, como Bolonha, La Sapienza e Coimbra.  

As duas escolas desenvolveram técnicas de pensamento livre; incentivaram as discussões teóricas, mas que pudessem refletir uma prática; a oratória e os embates temáticos sobre casos reais eram muito comuns dentre seus alunos e seguidores; defenderam o afastamento do direito conservador e preceptuaram o direito codificado e sistemático, até vivenciarem o advento do período justinianeu e o seu Corpus Iuris Civilis.

3.3 A prática jurídica na Idade Média, Moderna e Contemporânea

Após a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) o ensino jurídico ficou disperso, apesar do Império Bizantino, também denominado de Império Romano do Oriente, ter mantido as raízes do direito romanístico ao longo da Idade Média. A escola de Constantinopla era uma referência na região, mas o aprendizado do direito voltara a ser eminentemente teórico. A situação se agravou na chamada alta Idade Média (Séc. VI ao XIII d.C.); os cânones imperavam na formação de um Codex Canonnes, surgindo o Direito Canônico, também chamado de Direito Eclesiástico; período obscurantista, em que a Igreja Católica era dos poucos organismos estruturados da época, detentora de poder econômico e financeiro sobre os súditos e o Estado e, com seu influxo religioso, facilmente impôs regras de direito com base em dogmas de fé, regulamentando as relações matrimoniais, patrimoniais e penais.

Naquele período, o Direito era visto como algo divino, sagrado e os estudos jurídicos se embasavam na Escolástica, tendo como maior referência literária o frade Tomás de Aquino (Séc. XIII d.C.).

Foram épocas difíceis para quem pretendia pensar e praticar o direito. Os Tribunais de Inquisição e os de Santo Ofício realizavam o direito de forma expurgatória, não propiciando qualquer meio de defesa aos inquiridos, violando as linhas mestras de qualquer pensamento de justiça.

Datam daquela época muitas universidades clássicas, dentre as quais se destacam: Bolonha (Itália - 1088), Oxford (Inglaterra -1096), Universidade de Paris (Paris - 1170), e de Coimbra (Portugal -1290). Em todas elas o ensino prático foi preterido pelo ensino dogmático,[30] subsistindo apenas as aulas de retórica e oratória e, mesmo assim, no sistema latino.[31]           

O ensino jurídico somente renasce e se liberta das amarras dogmáticas com o advento da Idade Moderna. Nesse período surge a ideia de trabalhar o Direito como ciência. Foi uma época marcada pela revolução cultural, de conceitos, ideais e de desenvolvimento humano, sobretudo com o renascimento (Sécs. XIV ao XVI d.C.) e o iluminismo (Séc. XVIII d.C.). Grandes filósofos e juristas se destacaram no ensino do direito, como Montesquieu,[32] Kant,[33] Savigny[34] e Ihering.[35] É desse período que surgem duas grandes escolas do pensamento jus-filosófico: a do Direito Natural (Séc. XVII e XVIII d.C.) e a Histórica (Séc. XIX d.C.).

Surgem, então, os primeiros cursos jurídicos que contemplavam o ensino da práxis. Destacam-se, nesta época, as universidades de Milão na Itália, que cedia seus espaços para realização de alguns júris, contando com a participação do importante jurista Cesare Beccaria, autor da famosa obra Dei delitti e delle pene (1764); de Leipzig, na Alemanha onde estudou Savigny (1797); da Basiléia, na Suíça, onde lecionou Nietzsche (1869 - 1879) e Heidelberg, na Alemanha, onde teve como aluno Ihering (1840) e como professor Gustav Radbruch (1898).  

No início do século XIX, porém, um novo retrocesso para o ensino jurídico prático viria a ocorrer. O direito, então já compreendido como ciência, (Rechtswissenschaft) se aproximava cada vez mais de uma positivação (direito escrito). Savigny (Volksgeist) passa a ser o grande nome jurídico desta época e mentor da Escola Histórica. Os cursos jurídicos passam a ser contaminados pelos ensinos doutrinários, também chamado de doutrina dos professores, que segundo Tércio Sampaio[36] ajudou a fazer prevalecer o ensino teórico sobre o prático.[37]

Com Hans Kelsen e a publicação de sua obra monumental Reine Theorie des Recht,[38] que deu início ao positivismo jurídico, escola da qual foi o maior representante, reforça-se a predominância do Direito escrito, mais do que codificado, literalmente, doutrinado. O enfoque do estudo jurídico passou a ser o seu formalismo. Não interessava mais os elementos externos, mas sim a natureza jurídica dos institutos e a coerência normativa dos ordenamentos.

Com o positivismo, os juristas passaram a se preocupar com as formalidades e com o aspecto estético do direito. Nesse particular, quem melhor conduzia o aprendizado nas faculdades de direito era quem vislumbrava a complexidade das normas, apenas como a representação da vontade humana; um direito posto; um imperativo do Estado, que o jurista deveria interpretar e aplicar.

A partir dessa perspectiva, o ensino jurídico daquela época deixou de ser meramente contemplativo da natureza e da divindade, característica do Direito Natural, e passou a ser mais conceitual, fazendo distinções do tipo: direito público e direito privado, direito econômico e direito político, direito interno e direito externo. Assim, os estudantes de então não mais analisavam os aspectos metafísicos, nem dialéticos, mas apenas os objetivos. Daí nasceram as especialidades dentro dos cursos de direito e as atividades práticas passaram a ser conduzidas, conforme a identificação de cada estudante com as respectivas áreas de atuação.

Nessa linha, destacaram-se mais os cursos de direito das universidades de Berlim, Humboldt-Universität zu Berlin, na Alemanha, uma das maiores matrizes culturais e intelectuais de todos os tempos, tendo abrigado como alunos, dentre outros inúmeros famosos, os filósofos Hegel, Fichte, Schopenhauer, Karl Marx e Friedrich Engels; e a de Münster, Westfälische Wilhelms-Universität, também na Alemanha. Nelas, o direito era e é ensinado, até hoje, com muita atividade prática simulada, como forma de preparar os estudantes para o seu “exame de ordem” que acontece semestralmente, em cada etapa do curso; o chamado staatsexamen.[39]

Uma nota destoante, mas também contemplativa da prática, foi o ensino jurídico da universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne, academia de Strauss e Sartre e de muitos outros sociólogos, filósofos e juristas. No início do século XX o pensamento jurídico alí produzido vivenciou sentimentos marxistas, comunistas e outros de caráter revolucionário. A prática jurídica, portanto, quando não realizada nas salas de aula, ganhou as ruas em forma de passeatas, discursos e protestos dos estudantes, em nome da social democracia. Tinha-se aí quebrado o elo de hierarquia do ensino jurídico, mas inegavelmente constituiu-se momento decisivo na formação de advogados socialmente politizados, dentre os quais, o mais famoso foi Jacques Vergès.[40]

Mas o ensino prático do direito, de fato, só eclodiu com toda sua força, nos cursos oriundos das escolas que descenderam do tronco anglo-saxônico, como as de Oxford e Cambridge, na Inglaterra, e de Harvard, Brown, Princeton e Stanford, nos Estados Unidos. A metodologia de ensino jurídico destas instituições carrega, até hoje, um sentido puramente prático, dividindo as temáticas jurídicas em júri, oratória, retórica e estudo de casos concretos.

Os americanos, mais que os britânicos, são pragmáticos por essência e não são diferentes quando o assunto é educação. O direito ensinado ao longo dos séculos naquele país, principalmente na Universidade de Harvard, no final da Idade Moderna, início da Contemporânea, remonta a técnicas de práxis desde o primeiro ano de curso. Os estudantes debatem em sala de aula casos reais trazidos pelos professores, no que ficou conhecido como “método casual ”ou, ainda, encenam situações simuladas perante um tribunal real, formado por juízes de verdade, método que foi denominado de “realismo legal”, que recebe apoio incondicional da American Bar Association, a OAB estadunidense.[41]

Recentemente (final do século XX, início do século XXI), outra dinâmica desenvolvida pelos cursos de direito americanos e ingleses assumiu dimensão mundial, já sendo praticada, inclusive, por algumas universidades brasileiras,[42] denominada de “moot courts”[43] ou “jogos de direito”, que faz parte de um programa que conta com o apoio do Tribunal Internacional Europeu, da Ivy League[44], do Grupo Russel[45] e do Grupo Coimbra[46] e é organizada e coordenada pela ILSA - International Law Students Association, com sede em Chicago, nos Estados Unidos.

A atividade consiste em preparar os melhores alunos dos cursos de direito para um debate simulado, envolvendo casos reais de violação de direitos internacionais, privados ou públicos, a ser feito perante uma comissão julgadora, formada pelos mais graduados especialistas em educação e também por profissionais do meio, como juízes, advogados renomados e promotores.[47] Apesar de a ideia ter surgido nos anos 60, em Harvard, através da Philip C. Jessup Int'l Law Moot Court Competition[48] somente agora foi reconhecida pelas câmaras nacionais de educação do ensino superior e que, no Brasil, ganhou apoio da SEDH - Secretaria Nacional de Desenvolvimento Humano, que instituiu até uma premiação anual.[49]

A preparação dos alunos é feita por cada universidade e, nalgumas, faz parte do plano de estudo das disciplinas práticas, gerenciado pelos núcleos de prática das instituições. As disputas são feitas por etapas, inicialmente, na sede de cada faculdade participante, seguida de uma rodada nacional e por fim, o grande encontro internacional, em Washington, nos Estados Unidos. Em março de 2011 o encontro foi no Rio de Janeiro, contando com a organização da Fundação Getúlio Vargas – FGV DIREITO RIO e participaram estudantes de 19 universidades dos EUA, Brasil, Colômbia, Guatemala e Porto Rico.[50]

3.4 A prática jurídica no Brasil: do Império à República

Em relação à prática jurídica desenvolvida nos cursos de direito brasileiros, ao longo dos séculos, cumpre-nos anotar um capítulo à parte. O Brasil, como toda colônia portuguesa, adotava o regime jurídico da coroa, através das cartas das ordenações, Afonsinas (1500-1514), Manuelinas (1514-1603) e Filipinas (1603-1916). Portanto, naqueles idos, o ensino jurídico acompanhava as formatações européias, em todas as sistemáticas que aqui já se abordou.

Durante quase toda a fase régia, não havia no Brasil nenhum curso de direito oficialmente reconhecido. Os que pretendessem estudar as regras jurídicas eram forçados a buscar os ensinamentos da famosa Universidade de Coimbra, em Portugal, como Antônio Luis de Seabra e Sousa (Visconde de Seabra), Antônio de Cerqueira Lima, Cornélio Ferreira França, Joaquim Vieira da Silva, dentre outros.

Registra a história, que a Universidade de Coimbra terá influenciado, sobremaneira, na instalação dos primeiros cursos de direito do Brasil: a Escola do Largo do São Francisco (São Paulo-1827) e a Escola de Olinda (Pernambuco-1828), fundadas pós-independência. Terão os estatutos da universidade lusitana sido amplamente debatidos entre os parlamentares do Império, sobretudo, os da Assembléia Nacional Constituinte de 1823.[51]

Mas o modelo de ensino adotado naquela alma mater do direito sofrera grandes mudanças no final do século XVIII e início do XIX, principalmente após as reformas pombalinas, promovidas por Marquês de Pombal, entre os anos de 1772 e 1804. Até aquela época, o ensino jurídico transmitido, não só em Coimbra, mas em Lisboa, era impregnado pelo Direito Romano e o Direito Canônico. A onda reformista fez repensar a aplicação desses dois arcaicos, embora relevantes ramos do direito, propondo sua substituição por ensinos mais evidenciados na técnica e na realidade vivenciada pela sociedade da época, tanto lá, como cá. A par disso, a forma de professar o direito começa, então, a ser mais prática e se revela tanto nos estatutos de Coimbra, quanto nos estatutos dos cursos de Olinda e do Largo do São Francisco.[52]

Segundo estudos de Gizlene Neder,[53] as escolas de Olinda e São Paulo foram instaladas em duas partes distintas do Brasil, para ampliar a difusão de direitos de norte a sul do país. Mas isso, de certo modo, terá refletido na forma diferenciada como os cursos foram conduzidos, tendo o de Pernambuco sido mais idealista (ressalte-se o movimento intelectual conhecido por Escola de Recife, entre 1860 e 1880) e o de São Paulo mais pragmático. A pesquisadora aponta para as anotações de Ulisses Brandão, em sua obra “A Confederação do Equador”, Pernambuco, 1824, quando afirmava que: “No Norte havia mais ideias, no Sul, mais interesses; ali mais princípios, aqui mais vantagens.”

Tal diferença seria justificada pelas disparidades regionais, econômicas e culturais. São Paulo, como grande pólo de desenvolvimento industrial e financeiro, produziria uma fornada de advogados mais técnicos, cultores do pragmatismo norte americano de Pierce. Pernambuco, por sua vez, ansiava por movimentos de liberalidade (do escravismo, da opressão, do imperialismo etc.), cooptando as mentes intelectuais da época, dentre elas, as de Clóvis Beviláqua, Capistrano de Abreu e Graça Aranha, idealistas por natureza.  

Excetuando-se a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, no ano de 1930 (órgão federal que passaria a regular as atividades profissionais decorrentes da formação jurídica, nos anos seguintes, pós-república), até meados dos anos 60, nada de novo se promoveu no ensino jurídico do Brasil. Os cursos ainda respiravam os influxos das escolas paulista e pernambucana. Foi quando, então, houve a ruptura do estado democrático, em 1964, com o golpe militar; período de rigidez na condução da política do país. A censura estava presente nas salas-de-aula. Os mais exaltados professores ou alunos sofreram graves conseqüências.[54] Os presos políticos se ressentiam da mínima proteção aos direitos humanos. A prática da advocacia tornou-se inviável, exceto para Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991), talvez o mais combativo advogado de todos os tempos, que para defender Luis Carlos Prestes das constantes torturas na prisão, evocou a Lei de Proteção aos Animais, fato registrado nos anais da advocacia brasileira.

Naquele período ensinar o direito, ou advogar, tornou-se tarefa espinhosa, até que em 1963 foi promulgada a Lei nº 4.215, que instituiu o primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, posteriormente revogado pela Lei nº 8.906/94, e que foi pioneira ao estabelecer atividades de estágio como regra para o ingresso nos quadros da OAB, in verbis:

Art. 48. Para inscrição no quadro dos advogados é necessário:

(...)

III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem.

Em 1972 uma nova lei, de nº 5.842, disciplinou as atividades práticas, permitindo, pela primeira vez, que se realizassem sob a responsabilidade das instituições de ensino superior, in verbis:

Art. 1° Para fins de inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, ficam dispensados do exame de Ordem e de comprovação do exercício e resultado do estágio de que trata a Lei no 4.215 de 27 de abril de 1963, os Bacharéis em Direito que houverem realizado junto as respectivas faculdades estágio de prática forense e organização judiciária.

§ 1° O estágio a que se refere este artigo obedecerá a programas organizados pelas Faculdades de Direito.

Começa, então, uma nova fase para o ensino jurídico, pois o legislador nacional confere às faculdades o poder-dever de educar seus formandos em Direito, fornecendo-lhes, a seu modo, métodos de aprendizagem prática. Nascem aí os Escritórios de Prática Jurídica, instalados, principalmente, nas instituições públicas, como nas universidades federais, além das católicas PUCs e na estadual USP.

O modelo adotado residia em integrar os alunos com a antiga disciplina de prática forense, ensinando-os as técnicas procedimentais do processo, tais como, elaborar petições, recursos e simular audiências ou júris. De quando em quando, atendiam à comunidade, gratuitamente, prestando-lhe serviço de assistência jurídica. No entanto, muitos desses escritórios não resistiram às novas tendências do aprendizado jurídico, cada vez mais dinâmico e interativo.

Em 30 de dezembro de 1994, o Ministério da Educação editou a revolucionária Portaria nº 1.886 que determinou que as instituições de ensino superior incluíssem as atividades práticas nos cursos de Direito, como integrantes de sua matriz curricular, portanto, não seria mais mera faculdade e, sim, obrigatoriedade, in verbis:

Art. 10 - O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total mínimo de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.

§ 1º - O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá de instalações adequadas para treinamento das atividades profissionais de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público.§ 2º - As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública e outras entidades públicas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior.

Art. 11 - As atividades do estágio supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, visitas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.

A portaria mostrou-se revolucionária, porque encerrou um ciclo de incertezas sobre a formação do profissional do Direito. Afinal, os modelos de prática exercida nos velhos escritórios eram facultativos, não sendo vinculados à grade curricular, o que levou a uma legião de acadêmicos de Direito a se formar sem tal aprendizado prático.

Outro ponto relevante da portaria, diz respeito à utilização da prática em sentido mais amplo: prática jurídica, no lugar de prática forense. A esse respeito comenta o professor Horácio Wanderlei Rodrigues:[55]

O estágio deixou de denominar-se de prática forense para passar a chamar-se de prática jurídica. Essa troca do adjetivo qualificador traz no seu bojo uma enorme ampliação de horizontes. Os estágios sempre estiveram voltados apenas para a prática do foro, como se aí residisse todo o direito. O mundo contemporâneo tem caminhado muito em outros sentidos. Hoje as assessorias e consultorias, os substitutivos processuais, como a arbitragem, entre outras realidades, todas jurídicas, demonstram a necessidade de uma formação prática bem mais ampla.

Por fim, em 29 de setembro de 2004, o Ministério da Educação, através do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Superior, publicou a Resolução nº 09, que revogou a Portaria nº 1.886/94 e estabeleceu um programa educacional para os cursos jurídicos, estruturado no que foi chamado de Eixo de Formação, dividido em Eixo de Formação Fundamental e Eixo de Formação Prática.

A Resolução foi mais técnica e objetiva do que a revogada portaria e se destacou por dois direcionamentos: a) instituiu a figura dos Núcleos de Prática Jurídica, em substituição aos Escritórios Modelo; b) dividiu as atividades de prática jurídica em práticas reais e práticas simuladas, in verbis:

Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

(...)

IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação:

(...)

III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

Comentando a nova resolução, mais uma vez se manifesta o professor Horácio Wanderlei Rodrigues:[56]

O estágio se compõe de atividades práticas, simuladas e reais. No sistema anterior, embora isso estivesse subjacente à expressão estágio supervisonado, na prática, as instituições transformaram a então prática forense em um espaço limitado à sala de aula, onde se repetiam as aulas de direito processual, apenas em um viés mais preocupado com seus aspectos práticos. Essa possibilidade, frente ao novo texto, fica agora inviabilizada. O estágio deve necessariamente ser composto de atividades práticas; Nesse sentido, o eixo de formação prática deverá articular a relação entre o conhecimento teórico e dogmático do Direito e o mundo real, centrando suas atividades no desenvolvimento de competências e habilidades e não de conteúdos, que serão seu pressuposto e não seu objeto.

Assim, as atividades de estágio em Direito assumiram, no Brasil do século XXI, uma formatação muito mais acadêmica do que profissional, não que uma exclua a outra, vez que, esta última, subsiste pela própria redação do artigo 9º, § 1º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), podendo ser exercido mesmo depois de formado, como aduz o § 4º do mesmo artigo. Entretanto, ainda nas palavras do professor Horácio, as faculdades de direito não formam advogados, mas bacharéis, portanto, seria inútil perpetuar a formação do acadêmico de direito voltada apenas para a prática forense, eventual e facultativa, abandonando à sorte aqueles que pretendessem enveredar por outras vertentes permitidas pela formação jurídica.


  4   O PAPEL DA prática jurídicA PROFISSIONAL E A NOVA LEI DE ESTÁGIO

Como visto, a legislação nacional admite dois tipos de prática jurídica: a acadêmica e a profissional.[57] A primeira, conforme demonstrado no tópico anterior, é pertinente àquela praticada obrigatoriamente nos cursos de direito, sob a supervisão acadêmica da instituição educacional, como atividade curricular e sob a denominação de Estágio Supervisionado. A segunda é a exercitada pelo interessado, mesmo depois de já formado, como elemento de capacitação técnica, ou para iniciar sua inserção no mercado de trabalho, conforme definido no artigo 9º §§ 1º e 4º da Lei 8.906/94, Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, in verbis:

Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário:

§ 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior pelos Conselhos da OAB, ou por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e Disciplina.

(...)

§ 4º O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem.

No mesmo sentido, em 2008 o legislador fez publicar a denominada “Nova Lei de Estágios”, lei nº 11.788, cujo teor se revela, in verbis:

Art. 1º  Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. 

§ 1º  O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando. 

§ 2º  O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.                                                         

- grifamos -

No cotejo das partes grifadas, tem-se que o legislador educacional enxerga na prática do estágio um processo precipuamente educativo. Quer dizer, não é apenas uma forma racional pragmática, como defendia Peirce, nem uma forma modulada de experimentação científica, como pensava Bacon; é, na realidade, um processo cognitivo que se dá pela compreensão das teorias no ambiente real da percepção. Daí a nova lei enfatizar: “é ato educativo (...) desenvolvido no ambiente de trabalho.

Por tal razão, a nova lei segue atribuindo à instituição educacional a responsabilidade pelo referido “ambiente de trabalho”, atribuindo-lhe como missões, o previsto nos artigos 3º e 7º, in verbis:

Art. 3º

(...)

§ 1º  O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino

 Art. 7º  São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos: 

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar; 

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando; 

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário; 

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades; 

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas; 

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos; 

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas.” 

Inequívoca a visão do legislador. Se o estágio faz parte do projeto pedagógico de desenvolvimento do profissional do direito, nada mais natural que esta obrigação se transfira para as instituições de ensino, órgãos dotados de educadores e pedagogos.

Porque, ressalvada opinião em contrário, somente assim a instituição de ensino poderá julgar se os conteúdos teóricos por ela ministrados foram convertidos em prática efetiva.

E, noutro sentido, também caminhou bem o legislador ao diferenciar a prática real da acadêmica, por duas lógicas razões: uma porque os objetivos das atividades se distinguem, entre aprendizado educacional e capacitação profissional, outra porque não deposita nos ombros de quem não pretende enveredar pela vida forense, o dever de exercitar atividades técnicas. Há sempre quem queira se dedicar só ao magistério, ser um teórico ou doutrinador, por exemplo, que não exige vivência com a prática forense, embora também constitua necessário elemento de experiência.

É que a forma como o aprendizado é ministrado ao interessado é diferente nas duas práticas. Apesar de o estágio acadêmico primar pela preparação dos discentes com a utilização de métodos práticos, na essência, são atividades cadenciadas realizadas dentro da universidade, ao longo de semestres, sob a supervisão de um professor orientador que guiará o estagiário pelas veredas da disciplina, avaliando-o com provas que constarão de seu currículo e condicionarão sua diplomação. Por sua vez, a prática profissional reside na experiência direta do estagiário com o dia-a-dia da atividade forense, quase sempre, extramuros da universidade. Não há prova, é verdade, mas também não haverá professor-orientador para reparar suas falhas, nem alentá-lo em suas expectativas; outro professor não haverá, senão a própria vida.     


5.A EC Nº45/2004 E A EXIGÊNCIA DA prática jurídicA COMO CONDIÇÃO DE INGRESSO NA CARREIRA PÚBLICA

A partir de 2004, a experiência profissional foi posta em cheque, porquanto se tornou objeto de discussão nas Cortes superiores. É que a Emenda Constitucional nº 45/2004, que alterou os artigos 93 e 129 da Constituição Federal de 88, passou a determinar que o exercício da Magistratura e dos cargos do Ministério Público deveria preceder de três (3) anos de prática de atividade jurídica. O grande nó foi definir o que é “atividade jurídica”.  

Diz o texto alterado, in verbis:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

Art. 129. (...)

(...)

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.

 - grifo nosso -

A nova exigência, como era de se esperar, causou surpresa em muitos setores da sociedade civil, mas principalmente na classe jurídica, pois pela primeira vez há reconhecimento do Estado de que a observância à experiência de vida e à prática profissional anterior deveria ser, desde sempre, um critério indispensável para se almejar o ingresso na carreira.

São atividades de alta relevância que sugam do concursado não só o conhecimento teórico ou científico, mas também muita maturidade. Juízes e promotores são peças-chaves no tabuleiro de xadrez judiciário. Estão intimamente ligados com a aplicação e fiscalização da lei. Têm a missão de “paladinos da justiça”. Precisam usar de conhecimento adquirido com laboratório experimental, que só a prática pode fornecer. A própria legislação processual pátria faz ressalva de quando o juiz se deparar com a obscuridade da lei, deve se utilizar de sua experiência para decidir questões controversas, in verbis:

Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

Além do mais, tais profissionais são sujeitos vulneráveis às intempéries do processo, por vezes pressionados pelas partes e seus advogados, por vezes aviltados pela imprensa, em casos rumorosos, ou ainda, ameaçados e coagidos.[58] Mas o que deve ser entendido como atividade jurídica? Nossas Cortes superiores (STF e STJ) criaram dissídio jurisprudencial sobre o assunto.

Em 08 de agosto de 2005, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade, que foi tombada sob o nº 3.460/0, visando atacar a redação do artigo 7º da Resolução nº 35/2002, com redação dada pelo artigo 1º da Resolução nº 55/2004, ambas do Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, cujo teor encerrava, in literis:

Art. 7º - Poderão inscrever-se, no concurso público, bacharéis em Direito com, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 129 § 3º da CF) e comprovada idoneidade moral.

Parágrafo único. A atividade jurídica verificada no momento da inscrição definitiva deverá ser demonstrada, juntamente com os demais documentos, indicados no art. 11 (...)

O objetivo era obter a declaração de inconstitucionalidade de dois dispositivos: “três anos de atividade jurídica” e “verificada no momento da inscrição”, que segundo a autora da ação feria de morte o artigo 37 da Constituição Federal, que prevê o “livre acesso aos cargos públicos”, além de considerar que o texto restringia de forma diversa o que disciplina o parágrafo terceiro, do artigo 123, da Carta Magna.

A celeuma ganhou volume no meio jurídico, nos bancos acadêmicos e na mídia. Os termos eram de fato obtusos. Aparentemente não havia dúvida quanto à redação, mas sim quanto ao conceito dos termos que empregava. Hugo Nigro Mazilli,[59] por exemplo, chegou a publicar artigo propondo a seguinte discussão: três anos de prática são contados da data da formatura, ou podem incluir as atividades de estágio já realizadas anteriormente? E num brilhante jogo de palavras o doutrinador suscitou:

Quando a emenda passa a exigir do ‘bacharel em Direito’ os três anos de atividade jurídica, não está dizendo que ele há de ter três anos de atividade jurídica enquanto bacharel em Direito, e, sim, que ele precisa ser um bacharel em Direito com três anos de experiência jurídica.

A ideia do professor, dessume-se, é a de que o bacharel que pretender concorrer, logo que se formar, ao cargo de juiz ou promotor, deve comprovar ter três anos de prática jurídica, e, não, ter que se diplomar e exercer três anos de atividade jurídica para, aí sim, poder concorrer ao cargo público.

A dúvida reside, exatamente, no fato de a terminologia “atividade jurídica” não ter sido esclarecida pelo legislador constituinte derivado. Se observarmos o que dissemos alhures, sobre prática profissional, veremos que tanto o Estatuto da OAB, quanto a Resolução nº 9/2004 do MEC, definem a existência de uma prática profissional antes do acadêmico de Direito se formar, permitindo que pratique atos próprios da atividade jurídica, tais como, firmar petições, realizar audiências e participar de júris.

Mazilli, ainda no mesmo texto[60], diz que o Superior Tribunal de Justiça - STJ, em diversas ocasiões, enfrentou a questão dando uma interpretação mais ampla ao que denominava de “atividade forense” e citou os julgados RMS nº 450.936/RS, REsp nº 399.345/RS e MS nº 6.867/DF como exemplos desse entendimento. Na oportunidade, destacamos mais um, in verbis:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. CONCEITO. INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, para provimento de cargos públicos mediante concurso, o conceito de "prática forense" deve ser compreendido em um sentido mais amplo, não comportando apenas as atividades privativas de bacharel em direito, mas todas aquelas de natureza eminentemente jurídica, a compreender as atividades desenvolvidas perante os Tribunais, os Juízos de primeira instância e até estágios nas faculdades de Direito, doadoras de experiência jurídica 2. Recurso especial conhecido e improvido. (RESP 545286/AL, DJ 21.06.2004, Rel. Min. Felix Fischer)    

- grifo nosso -

Entretanto, a visão externada pelos eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, ao apreciarem o teor da ADin em tela, caminhou em sentido totalmente oposto. O julgamento se deu em 31 de agosto de 2006 e foi publicado no D.J.U. em 01 de setembro daquele ano, com o seguinte teor, in verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 7º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO Nº 35/2002, COM A REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA RESOLUÇÃO Nº 55/2004, DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. 1. A norma impugnada veio atender ao objetivo da Emenda Constitucional 45/2004 de recrutar, com mais rígidos critérios de seletividade técnico-profissional, os pretendentes à carreira ministerial pública. 2. Os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado “atividade jurídica” é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. 3. O momento da comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de molde a promover maior segurança jurídica tanto da sociedade quanto dos candidatos.               4. Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, vencidos os Senhores Ministros Eros Grau, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que a julgavam procedente, e o Senhor Ministro Carlos Britto (Relator), que a julgava procedente em parte. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Plenário, 31.08.2006.

- grifamos -  

A decisão arrefeceu os ânimos dos que defendiam a prática acadêmica ou profissional, como suficientes para validar o ingresso na carreira pública. Mas, pode-se facilmente perceber que não foi decisão unânime, ao contrário, quase dividiu o pleno daquela egrégia Corte, tendo sido vencidos alguns nomes de peso, como os de Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio de Mello. Mas, importa-nos destacar, por demais destacado pela mídia, o voto do relator do processo, Ministro Carlos Ayres de Brito, pela curiosa forma de interpretar o tempo de prática, ipsis literis:

“Atividade jurídica” (...) é fraseado significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de bacharelado em Direito. A formal obtenção de conhecimentos que são o próprio núcleo ou a própria grade curricular do curso superior de ciência jurídica. (...) mas averbo que a exigência dos três anos de atividade essencialmente jurídica, após a obtenção do título de bacharel, não quer dizer, necessariamente, o matemático perfazimento de 365 dias ‘vezes’ 3, segundo o calendário que é próprio do ano civil. Bem pode ser interpretado à luz de um peculiar “calendário forense” (...) Quero dizer: o profissional do Direito que fizer a prova de regular atuação em três autonomizados ‘exercícios forenses’ , no mínimo, ficará habilitado a prestar concurso para o cargo (...)  

Vê-se, pois, que para o ministro, o interessado pode ter um processo por ano, num total de três, para que satisfaça a prática exigida na norma constitucional e na resolução atacada. O entendimento do ministro gerou polêmica, porque o calendário forense é semestral, intercalado que é pelos recessos forenses. Assim, por essa perspectiva, se o advogado ajuizasse uma ação no mês de janeiro, outra no mês de setembro e uma última no mês de janeiro do ano seguinte, como corolário, já teria atingido o objetivo da EC nº 45/2004.

Mas, polêmica à parte, a pergunta que precisa ser respondida e que tem sido a mais reiterada nos bancos universitários dos cursos de Direito é: os estágios acadêmico e profissional perderam o sentido? Definitivamente, não!

O estágio acadêmico, conforme exaustivamente defendido, introduz o mundo prático na vida dos discentes, de modo a que vivenciem experiências sensoriais da profissão antes de concluído o curso. Além de uma necessidade é uma imposição da Lei. O estágio profissional, por sua vez, pode ser exercido antes do término do curso, mas também, depois da diplomação de bacharel, independentemente do exame de ordem, o que significa dizer, que o estágio profissional exercido após a formatura satisfaz a exigência do artigo 129 da CF/88. Ademais, é sempre válido lembrar que a exigência é para os que se interessarem por enveredar na carreira pública e, tão somente, por enquanto, para os cargos da Magistratura e do Ministério Público.


6.IMPRESSÕES FINAIS

De tudo se conclui que a atividade prática exerce papel insubstituível na formação do indivíduo, em especial, daquele que abraçou, abraça ou abraçará a carreira jurídica. Mas, conclui-se também, que não é somente a atividade prática, pois o mero praticismo vira automatismo, que redunda em aprendizado superficial e degradante, vez que a rotina da repetição empobrece a alma. É a lição marcante de Charles Chaplin, em seu filme conceitual Tempos Modernos[61], em que seu personagem representava a caricatura de um sistema de produção que mediocrizava as pessoas em funções repetitivas e robóticas.

Não se vislumbram estagiários de Direito numa rotina incessante de “apertar parafusos da máquina judiciária”. A prática deve ser associada à teoria, numa compreensão maior da práxis. O profissional do Direito deve estar preparado para a (r)evolução dos tempos, para uma modernidade que não se calará com o fim de uma geração; deve estar preparado para transformar os fatos ao seu redor e melhorar a dinâmica das relações jurídicas, não se limitando às lides forenses, mas abraçando a mediação e a arbitragem como práticas de solução de conflitos.

Se o advogado deve estar preparado para tal missão, então as instituições de ensino superior, que são responsáveis por ministrar os cursos jurídicos, devem estar preparadas para formar melhores advogados. A propósito, Edmundo Kanan Marques,[62] em artigo publicado na Revista @prender,[63] discorre que a avaliação que se pode esperar dos ensinos superiores de 3º e 4º graus, deve corresponder àquela formação que resulta na interação do acadêmico com o mercado de trabalho a ser enfrentado. Assim, quanto melhor o egresso conseguir responder às adversidades da profissão, melhor terá sido preparado e melhor será o respaldo da IES na sociedade.  

A formatação do ensino deixou para trás o mero conceito informativo, exigindo-se cada vez mais, o conteúdo formativo. Um acadêmico não pode procurar uma instituição de ensino para obter informações, mas, sim, saber como proceder diante delas e o uso que deverá destinar a elas.

É certo que o espírito humano é engendrado para se moldar a circunstâncias ambientais, mas há sempre aquele que está mais preparado para prática do que para teoria e vice-versa. Miguel Reale, a despeito disso, cunhou passagem de sua grande obra,[64] com o pensamento de que não existem homens exclusivamente práticos, como não existem homens exclusivamente teóricos.

É óbvio que algumas ciências, como as sociais, por exemplo, pedagogia, sociologia etc, atraem um perfil de acadêmico mais teórico ou doutrinário, e outras, como as exatas, necessitam de modelos mais técnicos ou científicos, como no caso dos matemáticos e dos físicos. Desconfiamos, porém, que a ciência do Direito seja das poucas que necessitam dos dois perfis. O teórico, para cunhar a doutrina e iluminar a construção pretoriana e legislativa, e o prático, para executar o direito, já que é assim que ingressa no universo cultural.[65]

Neste momento vivencia-se grande transformação no mercado jurídico. Novos cursos de Direito surgem a cada dia numa escala além da previsão oficial. É provável que nas próximas décadas, se nada for feito, a sociedade estará muito mais vulnerável aos erros judiciários, e será muito mais vítima das corrupções do sistema. Advogados malformados, cujo valor das atitudes não será conhecido pelo domínio do conhecimento, sob a égide dos códigos ou das leis, mas pela teia de relacionamentos que possuir. Hoje, realidade desnuda, o que nos faz lembrar Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.     

O triunfo, no entanto, virá dos cursos de Direito que melhor prepararem seus acadêmicos, numa perspectiva ética, teórica, científica e prática, com privilégio para a interdisciplinaridade, natural das escolas modernas. E quem será o estagiário de Direito do futuro? Aquele que souber compreender que, antes de ser estagiário, antes de exercitar a prática, deverá dominar o conhecimento teórico, vivenciar a ética e pesquisar, incessantemente, as melhores formas de construir e praticar uma sociedade mais justa.

E como certa vez disse Fernando Pessoa[66] “Toda teoria deve ser feita para ser posta em prática, e toda prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam uma da outra.”


Notas

[1] Santiago Ramon y Cajal, em sua obra Regras e Conselhos sobre a Investigação Científica, da T. A. Queiroz Editora Ltda, São Paulo, 1979, pg.1, define com propriedade: “As principais fontes de conhecimento seriam a observação, a experimentação e o raciocínio indutivo e dedutivo.”

[2] A prática possui pelo menos dois objetos de aprendizado: a) a constatação experimental de um projeto e b) a comprovação da verdade ou da falsidade de uma teoria. No item 1.1 deste capítulo, confrontaremos esta relação com a visão de falseabilidade desenvolvida na década de 30 por Karl Popper.

[3] Quando o advogado recebe o cliente em seu escritório, vai observar o caso por ele narrado, que retrata sua versão dos fatos. Após a observação, se debruçará sobre hipóteses, deduções e induções para, ao final, formular uma teoria, que servirá de argumento para a acusação. Por fim, ajuizando a demanda, levará ao universo prático (processo) todo o conhecimento jurídico que dispõe na tentativa de obter êxito. Esta mesma percepção terá o juiz, ao analisar o direito e aplicar a lei, e o advogado da outra parte ao preparar a defesa.  

[4] No período tenebroso de nossa ditadura, o processo educacional brasileiro vivenciou bem a manipulação dessa característica do conhecimento. As cartilhas de português, história e geografia do ensino primário, hoje chamado de fundamental, aplicadas na região norte e nordeste, continham elementos que não permitiam a compreensão do experimento por parte das crianças, que eram obrigadas a resolver tarefas que utilizavam como modelos: framboesas, amoras, faisão, caviar etc. Ou ainda, neve, geadas e montanhas. O propósito era afastar o alunado da compreensão real do problema, já que não sabiam do que se tratava. Conferir as obra de Maria Lúcia Spedo Hilsdorf, em História da Educação Brasileira, Ed. Thomson e Paulo Ghiraldelli Jr., em Filosofia e História da Educação Brasileira, Ed. Manole.   

[5] “Há, portanto, aspectos da realidade que só podem ser conhecidos pela praxis, outros que só o podem pela theoria.” Olavo de Carvalho, em O Jardim das Aflições, São Paulo, 2000, Livro III, Capítulo VI, Ed. É Realizações.

[6] “(...) em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e, somente mais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo.” Pg. 35-6, São Paulo, 2005, Ed. Martin Claret.

[7] Diz a 8ª tese: “The social life is essentially practical. All the mysteries that seduce the theory for the mysticism find its rational solution in the praxis human being and understanding of these praxis.”

[8] Ubaldo Nicola, em: Antologia ilustrada de Filosofia – Das origens à Idade Média, São Paulo, 2002, Ed. Globo, pg. 217.

[9] “Diferentemente da lógica dedutiva, o novo método deve fornecer instrumentos úteis à pesquisa experimental. O saber deve ter um fim operativo voltado para experiência. O silogismo dedutivo trabalha com as palavras, a indução com a realidade.” Idem. Ibidem.

[10] Idem. Pg. 444.

[11] Imagine que o advogado se depare com a vontade de seu cliente em não pagar seus honorários antes de iniciada a ação e, por sua vez, tal cliente se depare com a vontade de seu advogado de não iniciar a ação enquanto não for pago. Nesse ponto, qualquer discussão teórica sobre o conteúdo da ação, como, por exemplo, o que será dito em seu depoimento, como serão arroladas as testemunhas etc, será inútil, uma vez que o serviço não será realizado, ante o impasse.

[12] O saudoso professor, explicando a definição da sociologia como “ciência positiva do fato social global”, atribuída a Fernando Bastos de Ávila, resume: “A sociologia é ciência porque, em busca do conhecimento da realidade social, chega a formular leis; é ciência positiva porque utiliza preferentemente a indução, como método de pesquisa.” Em: Sociologia Geral e Jurídica, Fortaleza, 2005, pg. 22. Ed. Qualygraf.

[13] Idem. Pg. 115.

[14] Essa ideia de relação do homem com o meio foi propagada também por Friedrich Ratzel (Séc. XIX d.C.) e sua teoria sobre a Antropogeografia. Conferir Harriet Wanklyn em: Friedrich Ratzel, a Biographical Memoir and Bibliography. Cambridge, Cambridge University Press: 1961.

[15] Rio de Janeiro, 2000, Ed. Forense Universitária.

[16] "Le savoir gagne le corps pas seulement dans les textes théoriques ou dans les outils de l'expérience, mais aussi avec des séries pratiques et institutions; cependant ce n'est pas son résultat pur, sa demi d'expression consciente; en fait, il tient les règles que  lui appartiennent exclusivement, en caractérisant  ainsi son existence, son fonctionnement et son histoire."

[17] No direito de família, o advogado chorará as dores da cliente traída pelo marido, que quer vingança a qualquer custo; no penal, chorará as dores dos parentes da vítima, que também querem vingança. Nos dois casos, será o conselheiro da tensão emocional de cada um e acabará por absorver a pressão de suas amarguras, o que ultrapassa os limites da literalidade dos códigos. Nenhum contrato de honorários cobre isso. É preciso boa dose de conhecimento em psicologia forense para contornar os ânimos exaltados. Essa também é uma boa justificativa para que o acadêmico inicie sua prática de estágio antes de concluir o curso. Assim terá mais capacidade de adaptação ao inesperado.

[18] “Entre la connaissance commune et la connaissance scientifique la rupture dans elles semble si claire que ces deux types de connaissance ne pourraient pas avoir la même philosophie. L'empirismo est la philosophie ce convém à la connaissance commune. L'empirismo trouve sa racine, ses essais, son développement là. En revanche, la connaissance scientifique est solidary avec le rationalism et, elle veut si elle veut ou pas, le rationalism est allumée à la science, le rationalism se plaint les extrémités scientifiques. Pour l'activité scientifique, le rationalism sait une dialectique d'activité qui prescrit une prolongation constante des méthodes.” Em sua obra: La formation de L'esprit scientifique, Paris, Dalloz, 1938, pg. 57.

[19] Principais obras sobre o tema: A Vida e o Pensamento do Ponto de Vista da Psicologia Experimental e da Epistemologia Genética. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1972 e Aprendizagem e Conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979.

[20] Em: Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1989, pg. 150.

[21] Idem, em: Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1970, pg. 27.

[22] Sistema di diritto processuale civile , traduzida para o português por Hiltomar Martins Oliveira, São Paulo, Ed. ClassicBook, 2000, pg. 31.

[23] São Paulo, 2000, Editora Martins Fontes, pgs. 78/79.

[24]  Luizir de Oliveira in: Sêneca - uma vida dedicada a filosofia.  Paulus Editora.

[25] “O período de 230 a 395, ano em que o imperador Teodósio dividiu definitivamente o Império Romano em duas partes (Ocidente e Oriente) (...) é uma época marcada pela confusão (de terminologia, de conceitos, de instituições) e pelo advento da Escola que substituiu a iurisprudentia e se dedica à elaboração de glosas, de glosemas e de resumos de texto que revelam uma ciência simplista e elementar. De 395 a 530, é caracterizada: no Ocidente, pela vulgarização do Direito Romano, simplificação de conceitos, (...) predomínio do aspecto prático sem atenção pelas categorias lógicas; no Oriente (...) além do classicismo, assinala-se-lhe também a helenização: tendência para sublimar a terminologia e certas construções jurídicas, informando-as de princípios e de ideias filosóficas gregas.” Antônio Santos Justo em: Direito Privado Romano I (parte geral) Coimbra, Portugal, 2000, Coimbra Editora.

[26] “O arcaico sistema das legis actiones foi substituído pelo processo das fórmulas (agere per formulas) de modo suave e lento, chegando mesmo a coexistir depois de a lex Aebutia ter reconhecido o segundo que, de facto, já regia as relações processuais entre os cidadãos romanos. Tão-pouco o processo extraordinário (cognitio extra ordinem) substituiu o anterior por força duma disposição legal: a sua introdução foi igualmente progressiva e coexistiram durante algum tempo. Idem, pg.21.

[27] Posteriorum libri ; De iure pontificio libti XV pluresve; Pithanon a Paulo epitomatorum libri VIII.

[28] Coniectaneorum libri IX pluresve; De pontificio iure VII pluresve.

[29] luris civilis libri III; Ad edictum praetoris urbani libri;  Responsarum libri.

[30] Tércio Sampaio Ferraz, em Introdução ao Estudo do Direito, Quarta Edição, São Paulo, 2003, pg. 62, acentua: “A ciência do direito predominantemente dita nasce em Bolonha, no século XI (...) O pensamento dogmático, em sentido estrito, pode ser localizado, em suas origens, nesse período. Seu desenvolvimento foi possível graças a uma resenha crítica dos digestos justinianeus, a Littera Boloniensis, os quais foram transformados em textos escolares do ensino na universidade. A teoria jurídica tornou-se, então, uma disciplina universitária, na qual o ensino era dominado por livros que gozavam de autoridade.”

[31] Segundo Iran Moreira Necho, jurista e professor de oratória do Instituto Iran Moreira Necho - IMN, a diferença entre a oratória grega e a latina, está no conteúdo e na forma. Os gregos possuíam uma oratória de conteúdo, com estratégia de argumentação e persuasão. A latina, praticada em Roma, estado absolutista que não admitia o debate, se limitou à oratória formalística, vazia de conteúdo, mas repleta de técnica e de estilo. Conferir http://www.mnecho.com.

[32] Autor de L'Esprit des lois (1748) deixou ensinamentos profundos sobre povo, estado e poder. É atribuída a si a frase: “Só se conhece o que se pratica.”

[33] Autor de Kritik der reinen Vernunft (1781) foi um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. Defendia que o saber era dividido em dois seguimentos: o puro, que é um conhecimento fundamental, que não depende dos sentidos (o saber teórico) e o empírico, que depende dos sentidos e percepções da realidade que nos cerca, como a experiência (o saber prático).

[34]  Autor de Das Recht des Besitzes (1803), foi incansável defensor de que a prática e a teoria do Direito não podem estar divorciadas sem que se cause prejuízo para ambas.

[35] Autor de Der Zweck im Recht (1877) chegou a defender o dogmatismo, tendo influenciado e se filiado às Escola Conceitualista e Escola da Jurisprudência dos Conceitos. Mas, por fim, evoluiu em sua teoria e passou a defender que o Direito tinha uma finalidade mais complexa e afirmou que “a verdade jurídica conceitual é relativa e o direito é a manifestação do desejo do poder e do interesse do particular.” Op. cit. pg. 73.

[36] Idem, pg. 76.

[37] “Os mestres, Savigny, por exemplo, nunca tiveram relação positiva com a prática do dia-a-dia, que este ignorava. Em seus livros, não surgem citações de decisões, nem tinha ele contato com os práticos (...) Assim, a Escola Histórica aumentou o abismo entre a teoria e a práxis, que vinha do jusnaturalismo, com influências até hoje no ensino universitário e na prática dos juristas.” Idem, pg. 77.

[38] Teoria Pura do Direito, 1934.

[39] Em 1952, Charles Eisenmann, sob o patrocínio da UNESCO, publicou um estudo sobre o ensino jurídico e seus métodos em nove países, tendo sido encetado em várias revistas especializadas, dentre elas, a Revista de Derecho da Faculdad de Ciências Jurídicas y Sociales da Universidad de Concepción de nº 106. No estudo, vários colaboradores tiveram participação, dentre eles, Bernardo Gerche Müller que informou sobre o ensino jurídico nas universidades alemãs. Apud José Olympio de Castro Filho, em Prática Forense, Vol. I, Rio de Janeiro, 1977, pg. 8.

[40] Brilhante aluno da Université Paris I, Vergès foi militante de extrema esquerda e mais tarde, na África setentrional, se torna o responsável pela defesa de terroristas e comunistas perseguidos. Na Europa central defendeu o ditador Slobodan Milosevic e o vice-primeiro ministro de Saddan Hussein, Tariq Aziz. Vergès notabilizava-se, enquanto estudante de direito, pela facilidade nos discursos que produzia durante as aulas práticas de retórica e argumentação. Fonte: Documentário Internacional Terro’s Advocate, de autoria de Barbet Schroeder, premiado na 30ª Amostra Internacional de Cinema em Cannes.

[41] Dados extraídos do estudo desenvolvido pelo professor Robert W. Gordon, da Universidade de Yale, e publicado em sua revista jurídica, sob o título: A Educação em Direito nos Estados Unidos: origens e desenvolvimento, nº 19, pgs. 25-37. Agosto de 2002, também publicado na web na página http://usinfo.state.gov/journals/itdhr/0802/ijdp/id080202.htm.

[42] Conferir em http://www.fadom.br/jessup/

[43] “Moot court is an extracurricular activity at many law schools in which participants take part in simulated court proceedings, usually to include drafting briefs and participating in oral argument. The term "moot court" is sometimes confused with "mock trial," but the two are not the same. "Moot court" usually refers to a mock appellate court case, and "mock trial" usually refers to a simulated jury trial or bench trial.(…) Law schools structure their moot court programs differently. Some moot court organizations accept a small group of people for membership, and those members each participate in a number of national or regional moot court competitions. Other schools accept a larger number of members, and each member is matched with one competition.(…) The basic structure of a moot court competition roughly parallels what would happen in actual appellate practice. Participants will typically receive a problem ahead of time, which includes the facts of the underlying case, and often an opinion from a lower court that is being challenged in the problem. Students must then research and prepare for that case as if they were lawyers or advocates for one or sometimes both of the parties. Depending on the competition, participants will be required to submit written briefs, participate in oral argument, or both. The case or problem is often one of current interest, sometimes mimicking an actual case, and sometimes fabricated to address difficult legal issues.” Conferir íntegra em http://en.wikipedia.org/wiki/Moot_court.

[44] Associação composta pelas oito universidades mais antigas e prestigiadas dos Estados Unidos. Foi fundada em 1954 com propósito meramente seletivo.

[45] Grupo composto pelas dezenove mais importantes universidades do Reino Unido, criado em 1994 com objetivo de fomentar intensas investigações científicas.

[46] Rede de universidades européias, destinada à realização de pesquisas e iniciações científicas, fundada em 1985 e ratificada por alvará governamental em 1987. Congrega as trinta e nove mais importantes universidades da Europa.

[47] Conferir páginas oficiais dos eventos: http://www.cedin.com.br/030oport_pgs/oport006.htm; www.pace.edu/LawSchool/icc/index.html; www.law.stetson.edu/environmental;

 www.ilsa.org/jessup/index.shtml e www.wcl.american.edu/hracademy/mcourt/2007/

[48] Esse nome é em homenagem ao juiz da Corte Internacional do Parlamento Europeu Philip C. Jessup.

[49] Conferir em www.planalto.gov.br/sedh

[50] Conferir em http://direitorio.fgv.br/node/1480.

[51] Conferir estudo de Gizlene Neder, professora de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal Fluminense, em projeto financiado pelo CNPq, intitulado: Duas Margens: Ideias Jurídicas entre Portugal e Brasil, na Passagem à Modernidade, Rio de Janeiro, 2008-2009, pg. 7.

[52] Como revela João Mendes de Almeida Junior, em sua obra Programa de Ensino de Prática Forense, São Paulo, 1958, pg. 43: “O ensino da prática, que já era cadeira no Projeto dos Estatutos das Faculdades de Direito do Brasil, organizado pelo Visconde da Cachoeira, anexo à Lei de 11 de agosto de 1827, estava nos velhos Estatutos da Universidade de Coimbra.”

[53] Idem. Pg. 10.

[54] Lembramos aqui de dois episódios marcantes ocorridos no ano de 1968: a morte do estudante Edson Luís, dentro do restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro, após invasão da polícia militar que tentava debelar uma manifestação estudantil, e as prisões feitas aos professores da Universidade de Brasília – UnB, dentre os quais se encontrava Sepúlveda Pertence, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, que passou 25 (vinte e cinco) dias encarcerado.

[55] Em: Novo Currículo Mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo, 1995, Ed. Revista dos Tribunais, pg.12. O professor Horácio é consultor ad hoc da Secretaria de Educação Superior – SESUP, do MEC, bem como do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ.

[56] Em sua obra: Pensando o Ensino do Direito no Século XXI, diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis, 2005, Ed. Boiteux, pg. 219.

[57] “O estágio supervisionado é componente curricular obrigatório e não se confunde com o estágio profissional. Em outras palavras, ainda que nem todos os alunos possam realizar estágio profissional, todos eles serão obrigados a cumprir o estágio curricular.” Trecho da Instrução Normativa CEJ/OAB, nº 3/1997, apud, Horácio Wanderlei Rodrigues, em Revista @prender, Edição nº 30, Ano 5, nº 3, Maio/Junho de 2006, pg. 60-61.

[58] Entenda o leitor, não é que se desafie a lei – embora seja uma constante em nosso país – é apenas um desafio à pessoa do magistrado, que como todo ser humano, é falível, sujeito a pressões psicológicas, frágil de temperamento, como certa vez classificado por Nietzsche: Humano, Demasiado Humano.

[59] Revista Eletrônica da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, 2002/2004, pg. 2 publicada pela ESMP/RS. Acesso em http://www.amprs.org.br/images/hmazzilli.pdf.

[60] Idem. Pg. 3.

[61] Escrito e dirigido por Chaplin e produzido pela United Artists. Estados Unidos, 1936.

[62] Pró-Reitor de pesquisa, pós-graduação e extensão da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra.

[63] Edição nº 27, Ano 4, nº 12, Novembro/Dezembro de 2005, pg. 18-19.

[64] Op. Cit. Pg. 269.

[65] Ainda na verve de Miguel Reale: “Há ciências que visam mais ao conhecimento pelo conhecimento, ao passo que outras visam mais conhecer para agir, ou seja, ordenam o conhecimento segundo uma essencial preocupação prática, e mais ainda se elevam a uma normatividade necessária.” Idem. Pg. 268.

[66] Em: Palavras iniciais, Revista de Comércio e Contabilidade do Porto. Nº 1, 25/1/1926. Portugal.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Glauco Cidrack do Vale; MENEZES, Mirla Mara Bastos Mangueira de. A prática jurídica e os núcleos de prática dos cursos de Direito. Uma visão menos dicotômica das atividades de estágio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3563, 3 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24083. Acesso em: 2 maio 2024.