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Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal

Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal

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No intuito de cumprir a sua função, a mídia narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre os mesmos, além de noticiar críticas e opiniões, o que acaba por desencadear uma série de conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais.

Resumo: Esta monografia tem como objetivo principal a análise dos limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal. Para tanto, buscou-se o estudo dos Direito Fundamentais, bem como de seus critérios de identificação, de forma a inferir-se que tanto as referidas liberdades da mídia quanto o direito à honra estão no mesmo patamar, qual seja, o de Direitos Fundamentais constitucionais. Em seguida, como forma de melhor entender os direitos em análise, passou-se à exposição de seus significados, bem como de alguns outros direitos conexos, até como meio de evitar possíveis confusões entre os institutos. Depois, a partir da verificação da atual abrangência do termo imprensa, teceu-se rápida análise sobre a evolução tecnológica, para a apreensão de suas implicações na comunicação em massa, no conteúdo das notícias e no sensacionalismo da mídia. Perpassou-se por rápida análise acerca do Processo Penal, pelo que foi demonstrada a sua ótica garantista, segundo a qual ele também se constitui em instrumento de proteção do acusado, além de ter sido abordado os elementos do tipo penal, sobretudo a tipicidade subjetiva, de fundamental importância para a compreensão das limitações à atuação da mídia. Fez-se ainda uma exposição sobre a colisão dos direitos e liberdades, como meio de demonstrar que a liberdade de informação não possui caráter absoluto, bem como que a imprensa vem, hodiernamente, cometendo variados excessos. Por fim, foi feita análise acerca dos reais limites à atuação da mídia para que esta não ofenda a honra dos envolvidos em processos criminais, inferindo-se, então, ser o animus narrandi a sua principal limitação. A ninguém é dado o direito de, sob o falso manto de estar acobertado pela liberdade de informação e de expressão, cometer ofensas à honra de quem quer que seja, pois todas as pessoas, independentemente da condição, tem o direito de não ter sua reputação ofendida e de não ser publicamente vilipendiado.

Palavras-chave: Liberdade de expressão e de informação. Direito à honra. Mídia. Excessos cometidos pela imprensa. Limitações à sua atuação.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 2.2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE – ASPECTOS GERAIS. 2.2.1. Natureza jurídica. Correntes: Negativista e Afirmativas. 2.2.2. A constitucionalização dos Direitos da Personalidade. 2.3. CONTEÚDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.3.1. Critério formal e critério material de identificação. 3. DIREITO À HONRA. 3.1. HONRA SUBJETIVA E HONRA OBJETIVA. 3.2. BREVE CONCEITUAÇÃO DE OUTROS DIREITOS CONEXOS. 3.2.1. Direito à vida privada. 3.2.2. Direito à intimidade. 3.2.3. Direito à própria imagem. 4. LIBERDADE DE IMPRENSA. 4.1. CONCEITO DE IMPRENSA. 4.2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO . 4.3. DIREITO DE INFORMAÇÃO. 4.3.1 Conceito de Informação. 4.3.2. Liberdade de informação como Direito Fundamental. 4.3.3. Previsão no ordenamento jurídico brasileiro. 4.4. EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA. 4.5. COMUNICAÇÃO DE MASSA. 4.6. PANORAMA ATUAL. 4.6.1. Responsabilidade e ética na informação. 4.6.2. O conteúdo das notícias. 4.6.3. Sensacionalismo na mídia. 5. PROCESSO PENAL – ASPECTOS GERAIS. 5.1. O PROCESSO PENAL COMO GARANTIA. 5.2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL. 5.3. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS PENAIS. 5.4. A TIPICIDADE: ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO. 5.5. CRIMES CONTRA A HONRA: CONCEITUAÇÃO E TIPIFICAÇÃO. 6. LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS DIREITO Á HONRA. 6.1. CONFLITOS ENTRE AS LIBERDADES - ASPECTOS GERAIS. 6.1.1 Liberdades como status negativo e liberdades positivas: a realização simultânea. 6.2. A COLISÃO DE DIREITOS – CONCEITO. 6.2.1. Colisão Aparente e Colisão efetiva. 6.2.2. A ponderação de interesses como método de solução. 6.3. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: CARÁTER NÃO ABSOLUTO. 6.4. EXCESSOS COMETIDOS PELA MÍDIA FACE AO DIREITO À HONRA DO ACUSADO. 7. LIMITES Á ATUAÇÃO DA MÍDIA. 7.1. INTERESSE PÚBLICO. 7.2. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 7.3. DIREITO DE “RESSOCIALIZAÇÃO” DO SENTENCIADO. 7.4. A PROPORCIONALIDADE – COMPATIBILIZAÇÃO COM OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. 7.5. ANIMUS NARRANDI DO JORNALISTA COMO PRINCIPAL LIMITE. 7.6. POSICIONAMENTO DO STF. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


“Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e inequívocos à condição que o limita”.

Rui Barbosa


1. INTRODUÇÃO

A tecnologia alcançou um patamar antes inimaginável. Hoje, a imprensa não mais se resume aos impressos como no passado. Existem inúmeras formas de comunicação e de transmissão de notícias que não apenas a escrita, a exemplo da televisão e da internet, dentre outras, que permitem que uma informação seja enviada e recebida dentro de poucos segundos. Tudo isso possibilita grande devassa à honra das pessoas, sobretudo das envolvidas em processos penais, motivo pelo qual limitações à atuação da mídia devem ser impostas para resguardar o referido direito dos sujeitos de processos criminais.

Em face dessas transformações, o jornalismo não permaneceu inerte. Até por exigência de adaptação aos novos ditames tecnológicos, valores outros que não apenas a veracidade e a autenticidade da fonte passaram a preponderar nas informações jornalísticas. Valoriza-se a velocidade com que os acontecimentos são transmitidos. O imediatismo e os “furos de reportagem” são os fatores que mais influenciam nas taxas de audiência e de IBOPE. O repórter passou a ter de comentar uma notícia em poucos segundos para que consiga o ineditismo. Deve-se ser o primeiro a transmitir uma informação, a comentá-la e, com isso, chamar atenção do público alvo: essa é a atual fórmula do sucesso para a carreira jornalística.

Entretanto, nesse afã de êxito profissional e, consequentemente, econômico, valores imprescindíveis a um justo e pacífico conviver na sociedade são deixados para trás, como se tivessem sido esquecidos no passado ou atropelados pela evolução tecnológica. Os direitos fundamentais da pessoa, ou seja, aqueles que, como o próprio nome demonstra, são imprescindíveis ao ser humano, inerentes a cada indivíduo, vem sendo deixados à margem em uma sociedade que cada vez mais se alimenta das mazelas e da exposição alheia.

Vida, privacidade, intimidade, segurança e honra, dentre outros direitos da personalidade, cedem lugar à curiosidade insaciável dos destinatários das notícias. Nesse contexto, é primordial que não se esqueça de questionar: em que lugar ficam os sentimentos humanos? Não se deve mais preservar o bom nome e a reputação de uma pessoa?

O ser humano não é simplesmente um objeto a ser noticiado, como se fosse um personagem fictício de contos literários. É muito mais, ele imprescinde de sua honra, tanto objetiva quanto subjetiva, pois esses são fatores determinantes em sua conduta no seio da sociedade e na sua formação psíquica.

Em nome de uma pseudo-liberdade de informação jornalística, repórteres vilipendiam publicamente as pessoas, expõem características desnecessárias de sua personalidade e intimidade, além de, por diversas vezes, passarem informações de teor inverídico ou não comprovado, como se não se existissem princípios constitucionais e processuais penais a serem respeitados. Será que a presunção da inocência deve ser mitigada em nome da publicidade ilimitada?

Hodiernamente, são comuns os programas de televisão que sobrevivem através da exploração da honra e imagem alheias, emitindo juízos depreciativos dos indivíduos sem qualquer limitação. Essa triste realidade faz parte do cotidiano da população brasileira que, como se já não tivesse de enfrentar enormes dificuldades econômicas e sociais, apóia, mesmo que indiretamente, através da audiência, as barbaridades cometidas publicamente contra os imputados.

Não se deve abandonar a ótica garantista do processo penal. As garantias foram conquistadas para serem exercitadas e não deixadas em folhas de papel armazenadas em gavetas. O imputado tem de ter respeitados os seus direitos fundamentais, sobretudo a sua honra, sem a qual ele passa a ser um nada na sociedade.

É evidente que existe um direito fundamental à informação, à livre expressão de idéias e de pensamentos sem censuras. O contrário significaria o oposto da democracia, a ditadura ou tiranismo dos detentores do poder, a exemplo do que já aconteceu no Brasil no âmago da ditadura militar. Uma imprensa livre é um imprescindível instrumento democrático. Nos dizeres de Carlos Ayres, em decisão proferida na medida cautelar em argüição de descumprimento de preceito fundamental, nº. 130-7 do Distrito Federal, “imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional, são irmãs siamesas”. Mas ela não pode e nem deve cometer abusos. Deve ser limitada sempre que assim exigir a compatibilização com outro direito fundamental. Ultrapassar esses limites e entrar na esfera do interesse do público, que em muito se difere do interesse público, é atitude que deve ensejar a responsabilização, seja ela penal ou cível.

Em uma análise mais aprofundada, resta evidente que a legislação penal existente para a proteção da honra do acusado não está apta a coibir todas as possibilidade de desrespeito. O legislador, como é sabido, não tem o condão mágico de prever todas as situações de invasões de direitos que venham a existir. Assim, cabe ao aplicador da lei, analisando elementos do tipo, principalmente os que dizem respeito à tipicidade subjetiva, valorar as situações e, com base na proporcionalidade, princípio que na Constituição brasileira não está expresso, mas nem por isso possui menor importância, estabelecer os limites necessários às liberdades de qualquer espécie.

Não se deve assistir inerte a uma inversão de papéis. Hodiernamente, a imprensa vem julgando e os magistrados apenas ratificando as “sentenças” dadas pelos meios de comunicação em massa, “sentenças” essas que não são sequer acobertadas pela garantia da recorribilidade. Isso porque é quase impossível apagar da mente dos destinatários de uma noticia mal transmitida a má reputação que foi atribuída a um cidadão que, posteriormente, poderá ser judicialmente declarado inocente, mas, mesmo assim, continuará marcado pela “má-fama” que lhe foi atribuída pela mídia.

No cerne destas questões é que se encontra o objeto de estudo do presente trabalho, tendo em vista que a liberdade de imprensa não é absoluta e deve ser mitigada quando assim exigir o respeito à honra do imputado.

Não se pode deixar de levar em consideração o fato de que, embora o direito processual seja um ramo autônomo do Direito, ele não pode ser isolado do direito substancial. Direito material e direito processual devem caminhar lado a lado, para que ambos cumpram devidamente suas funções e sejam devidamente aplicados. Logo, deve-se sempre adotar uma visão sistemática do direito, nunca se desligando da idéia de que as normas processuais existem para servir, são instrumentos ao direito material, não tendo como dele desvincular-se. Dessa forma, é imprescindível que seja conferida racionalidade ao sistema do direito, interpretando-se as normais penais em consonância com os princípios e garantias constitucionais, sem deixar de lado a análise do princípio da proporcionalidade.

Além disso, deve-se ressaltar que a Constituição de 1988 foi um marco na conquista de direitos e garantias fundamentais, contrapondo-se abruptamente às práticas vigentes no cerne da ditadura, em que não havia ampla liberdade de expressão, restando àquele que demonstrava, por qualquer meio, o mínimo de contrariedade ao governo vigente, o envio ao exilo. A população vivia atemorizada e intelectualmente manipulada, não possuindo liberdade de expressar pensamentos e ideais.

Dois anos antes da promulgação, começou a ser elaborada a magna carta brasileira. A Constituição anterior, datada de 1967, era notoriamente antidemocrática e defasada, apenas refletindo os caracteres de uma sociedade que tinha seus direitos violentamente mitigados. Eleições indiretas para a presidência da República e bipartidarismo apenas demonstravam a realidade de um Brasil em que havia sido esmagada a democracia.

Surgiu a atual Constituição como formalização dos mais variados desejos de um povo ávido por direitos e garantias. Veio o resgate à liberdade de opinião, a proibição de censuras e de leis que contrariassem a plenitude da expressão jornalística. Representavam-se os ideais de uma população carente por seus direitos, ou melhor, uma reação eloqüente a prática histórica da censura política, ideológica e artística no país, que atingiu o ápice durante a ditadura militar.  Foi acolhida a idéia de universalidade dos direitos humanos, realçando-se que eles são temas de interesse em toda comunidade internacional.

Uma população que vivia temendo torturas e demais “castigos” de um período de repressão teve reconhecidos um rol de direitos sem precedentes. Houve um verdadeiro contraste entre a realidade anterior e as novas previsões constitucionais garantidoras de liberdade. No ideário de pessoas antes reprimidas, poder-se-ia agora fazer qualquer coisa, exprimir suas opiniões sem considerar as ofensas a outros direitos. Assim, excessos passaram a ser cometidos, os quais não podem perpetuar.


2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Por volta dos séculos XVII e XVIII, em meio a um contexto em que a burguesia ganhava força e contrapunha-se ao anterior pensamento absolutista, enormes e profundas transformações aconteceram no âmbito político e social. O absolutismo sustentava, basicamente, o caráter absoluto dos monarcas, possuindo eles um poderio lastreado nas forças das divindades. Naquela época, o rei detinha um poder inquestionável e proveniente de Deus.

Os burgueses, entretanto, foram assumindo o controle da situação sócio-econômica e ganhando poder, passando a ocupar, paulatinamente, cargos de destaque e de liderança política na sociedade. Realizaram, então, movimentos diversos que ganharam grande dimensão, com o intuito de conquistar e concretizar direitos fundamentais ao homem, dentre os quais pode ser apontada a Revolução Francesa. Não cabe aqui, nesse trabalho, elencar todas as causas e características desses movimentos, mas é de suma importância ressaltar que eles resultaram na conquista de uma série de direitos por parte dos indivíduos, os quais foram sendo entendidos como direitos essenciais ao ser humano e integram os hoje denominados direitos fundamentais. Importante também destacar que o que é direito fundamental em uma época pode já não sê-lo em outra. Assim:

“Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” [1].

Esses direitos conquistados foram chamados (e ainda são) de diversas maneiras, dentre as quais elenca-se direitos naturais, direitos individuais, direitos humanos e liberdades públicas, por exemplo, mas, como aponta José Afonso da Silva:

“Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada à denominação desses direitos, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente, mas concreta e materialmente efetivados.” [2]

Com efeito, os direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, uma vez que são imprescindíveis para resguardar a todos uma existência livre, digna e igual. O conceito desses direitos fundamentais envolve aspectos distintos. Sob a ótica material, pode-se afirmar que eles se referem aos direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Em uma concepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito positivo assim os qualifica, estabelecendo determinadas garantias para que estes direitos sejam por todos respeitados. Em momento oportuno, será feita uma melhor explanação a cerca desses critérios de identificação.

Assim, independentemente da denominação, o importante é salientar que os direitos fundamentais são direitos constitucionais, visto que se encontram protegidos e elencados na Constituição Brasileira de 1988, e que estão espalhados em vários locais no texto constitucional, não apenas nos artigos explicitamente identificados na Constituição como aqueles que trazem, em seus conteúdos, normas de direitos fundamentais[3].

2.2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE – ASPECTOS GERAIS

Sabe-se que a matéria Direitos da Personalidade está intimamente relacionada com o Direito Civil, a ponto de ter o Código Civil de 2002 trazido um capítulo próprio destinado ao tratamento deles. O assunto também se mostra fortemente ligado ao estudo dos Direitos Fundamentais, nos quais se inserem o direito à honra, bem como o direito à liberdade de informação da mídia, alvos de análise deste trabalho, motivo pelo qual se faz necessária a análise dos direitos personalíssimos. Logo, é de suma importância fazer aqui uma breve análise do assunto, pois esses direitos são considerados uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, influi bastante na temática o fato de que, atualmente, assiste-se a uma enorme constitucionalização do sistema jurídico, tendo a Constituição passado a tratar de temas que antes eram apenas abordados na seara de seus ramos específicos. Ressalte-se, ainda, que é imprescindível realizar uma análise sistemática do Direito, inserindo-se o estudo de cada tópico no sistema jurídico como um todo.

Os direitos da personalidade são “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” [4]. Desse conceito, infere-se que, através deles, são protegidos valores e predicados do ser humano que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, a exemplo da vida e da honra, que não podem ter suas importâncias e representações reduzidas a quantias monetárias, como se bens patrimoniais fossem. São direitos absolutos, gerais, extra-patrimoniais, indisponíveis e imprescritíveis, sendo que essas características os conferem posição de destaque no âmbito dos direitos privados.

Importante, então, frisar que os direitos da personalidade são aqueles inerentes ao homem e que existem independentemente de seu reconhecimento por determinado ordenamento jurídico. Cabe analisar, ainda que superficialmente, a natureza jurídica desses direitos, sobretudo porque poderão existir situações em que eles venham a colidir com outros de mesma importância, havendo, consequentemente, a necessidade de o jurista estabelecer, no caso concreto, qual deles irá prevalecer. 

2.2.1. NATUREZA JURÍDICA. CORRENTES: NEGATIVISTA E AFIRMATIVAS

Muito já se debateu sobre a temática da natureza jurídica dos direitos da personalidade. Já houve quem negasse a própria existência deles, grupo de autores esses que se aglutinaram na Corrente Negativista. Estes, dentre os quais se aponta Jellinek e Von Tuhr, argumentavam que “não poderia haver direito do homem sobre a própria pessoa, pois isso justificaria, em ultima ratio, o suicídio” [5].

Hodiernamente, não mais subsiste esse pensamente, tendo ganhado expressão as Correntes Afirmativas, segundo as quais existem sim os direitos da personalidade. Como membros integrantes dessas correntes estão os autores Orlando Gomes e Carlos Alberto Bittar, que trazem posicionamentos semelhantes a respeito de sua natureza jurídica. Para o primeiro:

“Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”. [6]

Já Bittar afirma que:

“O objeto desses direitos encontra-se nos bens constituídos, conforme Tobeñas, por determinados atributos ou qualidades físicas e morais do homem, individualizados pelo ordenamento jurídico e que apresentam caráter dogmático”.[7]

Como defendem a maioria dos integrantes das Correntes Afirmativas, os direitos da personalidade tratam-se de direitos subjetivos privados, de “poderes que o homem exerce sobre a própria pessoa” [8] e que têm como objeto manifestações especiais das projeções da personalidade.

2.2.2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Não se pode negar que o direito vive um fenômeno denominado Constitucionalização. Essa expressão pode ser utilizada em diversos sentidos[9], dentre os quais está o de retratar o fato de uma Constituição, formalmente, passar a englobar e conter em seu texto literal o tratamento de diversos temas que dizem respeito a ramos infraconstitucionais do Direito, a exemplo do Direito Civil. Esse fato foi extremado pela Constituição brasileira de 1988, que traz em seu texto o tratamento de diversas matérias atinentes a ramificações diversas do Direito. Assim, não se pode mais proceder ao estudo dos diversos ramos do Direito sem o devido suporte das regras constitucionais.

A partir dos conceitos de direitos da personalidade e de direitos fundamentais acima expostos, pode-se inferir que ambos possuem muito em comum. Tal confluência de sentidos é tamanha que já levou alguns doutrinadores a terem afirmado que “os direitos fundamentais são os direitos da personalidade no Direito Público; os direitos da personalidade são os direitos fundamentais no Direito Privado”. [10] Em seguida, afirmou-se haver intersecção e não confusão entre os conceitos, sendo o conceito de direitos fundamentais mais amplo.

Conforme lecionado por Mônica Aguiar, majoritariamente, a doutrina considera serem os direitos da personalidade direitos subjetivos privados. Em seguida, conclui que:

“Efetivamente, embora se possa afirmar, a contrario sensu, que os direitos da personalidade nascem como direitos subjetivos, com escopo no âmbito do direito privado, para só depois, adquirirem status constitucional, não se pode olvidar que, ao serem constitucionalizados, enquanto direitos fundamentais, passam, inegavelmente, a deter essa natureza.

(...)

Assim, ao incluir expressamente no Título referente aos direitos e garantias fundamentais a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X), a Constituição Federal pátria fixou um marco que não pode ser deixado de lado, no exame da questão, tornando, inapelavelmente, esses direitos da personalidade, direitos fundamentais. ”[11]

Assim, infere-se que o importante não é enquadrar os direitos da personalidade no âmbito público ou no âmbito privado, mas sim perceber a profundidade de seus conteúdos e dá-los a devida aplicação no âmbito prático, já que, hodiernamente, cada vez mais desaparece a diferenciação existente entre o público e o privado.

A Constituição Brasileira de 1988 traz em seu bojo o tratamento de diversos direitos personalíssimos, a exemplo do direito à honra, que, diante do exposto, também podem ser enquadrados entre os direitos fundamentais. Logo, o relevante não é estabelecer se dado direito é um direito fundamental ou um direito da personalidade, até porque, como visto, hoje em dia essas expressões são utilizadas indiscriminadamente, como se sinônimas fossem e como se tratassem da mesma coisa. Frise-se que isso poderá ocorrer no bojo deste trabalho. A verdadeira importância está em conhecer o conteúdo de determinado direito e dar-lhe máxima efetividade prática, transformando-se a mera previsão formal em uma realidade, evitando o desrespeito a ele.  

2.3. CONTEÚDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme dito, os direitos da personalidade possuem natureza de Direitos Fundamentais. Cabe, então, estabelecer o conteúdo deles, conhecer sobre o que eles tratam. Segundo Flávia Martins de Andrade:

“Os Direitos Fundamentais são definidos como conjunto de direitos e garantias do ser humano institucionalização, cuja finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Esta proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva”.[12]

Pode-se apontar como delimitadores do conteúdo dos direitos fundamentais o ideal democrático e a crença na existência de direitos inatos e prévios ao Estado. O respeito aos direitos fundamentais é um termômetro da Democracia. Isso porque, partindo-se de um raciocínio inverso, afirma-se que é analisando-se quais são os direitos fundamentais reconhecidos por um Estado que se pode afirmar se ele é democrático ou não.

 Entretanto, cumpre aqui destacar que, embora seja indiscutivelmente sustentado que devem ser respeitados os direitos fundamentais, que eles devem ser totalmente protegidos e garantidos, não se tem, na doutrina pátria, uma uniformidade a respeito de sobre quais são esses direitos e qual o conteúdo deles de forma precisa. Assim, para que seja possível uma adequada identificação deles, deve-se estabelecer uma diferenciação entre os direitos que são formalmente fundamentais e os direitos que são materialmente fundamentais.

2.3.1. CRITÉRIO FORMAL E CRITÉRIO MATERIAL DE IDENTIFICAÇÃO

Para a correta delimitação dos direitos fundamentais, deve-se destacar o que estabelece o art. 5°, §2° da Constituição federal, que prevê que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O que está disposto nesse artigo tem projeção sobre todo o texto constitucional.

Há diversos dispositivos, em outros títulos e capítulos constitucionais, que tratam dos direitos e garantias previstos no artigo 5º ou que deles decorrem, bem como dos princípios referidos e adotados dos artigos 1º ao 4º da Carta constitucional. Frise-se que os direitos fundamentais são partes do sistema como um todo e constituem referência para toda a Constituição, não podendo ser confrontados. Aos contemplados nos arts. 5°, 6°, 7°, 8°, e 9° (direitos individuais e direitos sociais), somam-se os demais inseridos nos arts. 12, 13, 14, 15, 16, 17, e muitos outros. Assim, dentre exemplos variados, a liberdade de imprensa, de expressão ou de informação jornalística, prevista no art. 220 da Constituição, também é um direito fundamental.

Cumpre, pois, estabelecer uma rápida diferenciação entre os direitos materialmente fundamentais e os direitos apenas formalmente fundamentais. Os primeiros são aqueles que, além de formalmente fundamentais (pois alçados à categoria de fundamentais pelo legislador constituinte), possuem um conteúdo eminentemente primordial, ligados à dignidade da pessoa humana. Tais direitos são essencialmente fundamentais, diferentemente, pois, daqueles apenas formalmente fundamentais, que assumiram tal status por liberalidade do legislador constituinte. Como leciona Mônica Aguiar, “um direito é fundamental, do ponto de vista material, se sua vigência tem um grau de necessidade que, sem ele, não se poderia desenvolver determinada concepção do Estado e da sociedade” [13].

Assim, existem direitos que são apenas formalmente fundamentais e outros que são materialmente fundamentais. Os direitos apenas formalmente fundamentais, apesar de topograficamente inseridos na parte da Constituição própria dos direitos fundamentais, podem ser considerados direitos comuns, que, apesar de importantes, não têm as características necessárias para assumirem o status de fundamentais. Eles podem ser, inclusive, abolidos da Constituição (obviamente, através de Emenda), pois seriam direitos comuns, com as vestes de direitos fundamentais. Os materialmente fundamentais, estes sim, possuem conteúdo de direitos fundamentais e foram elencados pelo legislador como tais.  Observe-se o que escreveu Manuel Gonçalves Ferreira Filho sobre o assunto:

“Aceita a idéia de que existe uma caracterização material do direito fundamental, várias e delicadas conseqüências daí decorrem. A principal delas é a possibilidade de separar direitos material e formalmente fundamentais de outros que são apenas formalmente fundamentais. Isto é, dentre os direitos declarados os que são essencialmente fundamentais - os ‘verdadeiros’ direitos - de outros que apenas têm sua fundamentalidade ex vi de uma decisão (eventualmente arbitrária) do legislador constituinte. Os primeiros - os direitos materialmente fundamentais - apresentariam as notas da fundamentalidade - os outros evidentemente, não, por importantes que sejam. No primeiro caso, está, por exemplo, o direito à vida (art. 5º, caput da Constituição brasileira), indiscutível direito material fundamental, e o direito a certidões (inciso XXXIV, ‘b’) que, embora importante, não se liga à dignidade da pessoa humana. Este último seria um típico direito apenas formalmente fundamental” [14].

Não foram poucos os doutrinadores que se ativeram ao exame minucioso a respeito do conteúdo dos direitos fundamentais. Cumpre, então, trazer à colação a opinião de um dos mais notáveis doutrinadores constitucionalistas do mundo, Robert Alexy. Isso porque ele desenvolveu um trabalho intitulado "Direitos fundamentais no Estado constitucional Democrático” [15], no qual ele formula considerações que concernem à essência dos direitos fundamentais. Neste trabalho, ele aponta os caracteres de um direito, necessários para que este seja positivado entre os direitos fundamentais, o que, em nosso ordenamento, seriam aqueles direitos materialmente fundamentais.

Para Alexy, integrante da doutrina alemã, o primeiro caractere necessário é ser um direito universal. Isto significa, ab initio, que o direito deve prestar seus benefícios a todo e qualquer ser humano, o que não impede que as coletividades possam ter direitos fundamentais, contanto que sejam "meio para a realização de direitos do homem”.

O segundo é ser um direito moral, ou seja, a norma tem de ter uma “validade moral”. Outro consiste em fazer jus à sua "proteção pelo direito positivo estatal" - ser, na sua terminologia, um direito preferencial.

Robert Alexy ainda faz referência à imposição do que seriam duas condições para que os direitos atinjam o status de fundamental: "deve tratar-se de interesses e carências que, em geral, podem e devem ser protegidos e fomentados pelo direito"; e, a segunda: "é que o interesse ou carência seja tão fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito", vale dizer, "quando sua violação ou não-satisfação significa ou a morte ou sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia". Alude ainda Alexy um quinto traço característico dos direitos do homem: ser o direito abstrato, sendo, por isto, suscetível de restrição.

Com base no que foi dito, pode-se perfeitamente concluir que a Constituição brasileira traz, em seu bojo, nos mais diversos capítulos e sob os mais diversos títulos, diversos direitos e garantias fundamentais ao homem, possuindo eles um teor liberal, democrático e representativo do Estado Social de Direito, além de estarem ligados à pessoa humana.

Entenda-se a palavra homem na sua mais ampla acepção, referindo-se a todas as pessoas, sem qualquer distinção, sejam elas acusadas por crimes, prostitutas, dentre outros. Isso porque o caput do art. 5º é garantidor da isonomia, segundo a qual todos devem ser igualmente tratados, por possuírem os mesmos direitos, ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (omissis)”. Dessa forma, cumpre ressaltar que, não há, de forma alguma, como dispensar tratamento diferenciado ao suspeito, acusado ou preso, no tocante ao desrespeito de seus direitos personalíssimos, mesmo que sejam eles considerados temidos ou perigosos. A lei não deixa margens para que isto aconteça (salvo situações justificadas, mas não no que tange às suas garantias fundamentais), pois se tratam de cidadãos como outros quaisquer, tendo, assim, legalmente resguardados seus direitos e liberdades.


3. DIREITO À HONRA

A Constituição brasileira de 1988 é um marco na conquista e na consagração das liberdades públicas (entenda-se essa expressão como um sinônimo de direito fundamental). Isso porque ela traz, em seu bojo, a proteção direta a uma série de direitos e garantias que nunca haviam sido previstos nos textos constitucionais brasileiros anteriores.

Os direitos à imagem, à honra, à vida privada e à intimidade, dessa forma, alcançaram enorme dimensão e galgaram uma importância sem precedentes. Sim, pois agora eles estão previstos, garantidos pelo ordenamento constitucional, Carta Maior do Estado Democrático de Direito brasileiro, à qual devem se moldar todos as normas infraconstitucionais.

Importante frisar que a proteção a esses direitos, elencados no art. 5º, X, da CF, abrange tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas[16], é claro, dentro daquilo que for materialmente possível. Abarca, ainda, a proteção desses institutos quando violados pelos meios de comunicação em massa, dos quais são exemplos principais a televisão, o rádio, os jornais, as revistas e a internet. Como conclui José Afonso da Silva, “a esfera de inviolabilidade, assim, é ampla, abrange o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo” [17].

É inegável que existe previsão legal de garantia dos direitos acima elencados. Entretanto, falta a ela efetividade, concretização no plano fático. Ao lado do apogeu da proteção aos direitos fundamentais, convive-se com a triste realidade do enorme desrespeito desses institutos pela sociedade. Assim, pessoas lutam intensamente para que não tenham suas esferas íntimas devassadas e para manterem suas honras preservadas. Tudo isso retrata a máxima de que não basta haver previsão legal de um direito, é preciso que ele seja concretamente respeitado, para que o texto normativo ganhe efetividade e deixe de ser uma letra morta.

Hodiernamente, fatores outros passaram a ter predominância no seio de uma sociedade que se preocupa cada vez mais com o consumo, com altos padrões econômicos de vida, com o possuir ilimitado e, consequentemente, mitiga o respeito a valores que constituem a essência do ser humano.  Logo, caracteres fundamentais às pessoas são atropelados quando com eles colidem interesses patrimoniais, o que é, sobretudo, propagado pelos meios de comunicação em massa. Com todos os aparatos tecnológicos de que a sociedade dispõe, constantemente são ofendidos direitos inerentes ao ser humano. Como afirma Celso Ribeiro Bastos:

“A evolução tecnológica torna possível uma devassa na vida íntima e na honra das pessoas. (...) Nada obstante, na época atual, as teleobjetivas, assim como os aparelhos eletrônicos de ausculta, tornam muito mais facilmente devassável a vida íntima das pessoas. (...) Sem embargo, disso, sentiu-se a necessidade de proteger especificamente a imagem das pessoas, a sua vida privada, a sua honra e a sua intimidade”. [18]

Também demonstrando sua perplexidade, José Afonso da Silva alude que:

“Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X), converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. “[19]

Em meio a essa realidade, traçar uma conceituação do direito à honra, direito fundamental constitucional, o qual pode ser assim considerado em seu aspecto material, é de transcendental importância para este trabalho, visto que, em torno desse direito, desenvolver-se-á a temática desse estudo, como será constatado com maior clareza adiante.  Além disso, aponta-se o fato de que, no ordenamento jurídico brasileiro, não existe ainda uma definição legal desse instituto.

A honra é um dos mais significativos direitos fundamentais, pois está, indissociavelmente, ligada aos indivíduos desde o nascimento até depois da morte. Como já dito, ela foi erguida à condição de liberdade pública pelo art. 5º, X, da atual Constituição Federal. Aurélia Maria Romero Coloma conseguiu resumir em palavras a profundidade desse direito:

“Nesse sentido, o conceito de honra é concedido a toda pessoa pelo simples fato de sê-lo, independentemente de sua idade, sexo, nacionalidade, religião ou profissão, assim como de seu status social. Há que se entender, então, que toda pessoa possui seu próprio conceito de honra e que a ninguém pode ser negado esse direito, ainda que do ponto de vista social, se trate de pessoas desacreditadas”.[20]

 A honra pode ser considerada um verdadeiro expoente da dignidade da pessoa humana, representando, da forma mais incisiva possível, a essência de um indivíduo. Está intimamente ligada aos aspectos morais, sendo de enorme importância para os traços de personalidade de cada um. Pode-se dizer que a ela retrata as qualidades que um homem possui, qualidades essas através das quais ele é reconhecido no seio da sociedade.

Sem a sua honra, uma pessoa pode ser equiparada a um non nada, a um vazio no meio social. Perde a sua estima, o seu objetivo de vida, passando a vagar na comunidade sem direção, sem ter uma finalidade específica a alcançar. Em uma afirmação um pouco extremista, é como se ela deixasse, em sua essência, de ser um ser humano. Dessa forma, é imprescindível que todo indivíduo tenha conservada a sua moral, os bons costumes[21], o seu sentimento íntimo de dignidade e sua reputação em face da coletividade, para que possa conviver bem consigo mesmo e com tudo o que está ao seu redor. Nessa linha de raciocínio, Cifuentes estabelece que:

“Quem se sente desonrado perde as bases anímicas da luta e da superação, decai, debilita e padece o rompimento dos mais firmes suportes de sua individualidade; fica exposto à burla dos demais, à reprovação e à indiferença, a um sentimento de fracasso, de vergonha ou turbação. A alma está ferida. Não há que se esquecer as possíveis alterações psíquicas e até orgânicas desse estado, e os efeitos econômicos que produzem o abatimento, a insegurança, a alteração anímica, a perda de confiança e a serenidade, assim como retratação social” [22].

Face ao exposto, infere-se que a honra é um dos principais caracteres do ser humano, lhe dá esse status, lhe identifica como pessoa que é. Bom nome, reputação, dignidade, decoro[23], sentimento íntimo de moralidade e de respeito, dentre outras, são expressões que podem ser utilizadas para representar a honra de um indivíduo. Destaque-se ainda que alguns autores defendem a figura da honra profissional, a qual diz respeito ao trabalho do ofendido, existindo, por isso, uma liame causal entre a conduta e a profissão da pessoa. Essa é a honra ofendida quando a lei estipula o termo semelhante ao "no exercício de suas funções”, tendo de ser demonstrada para se considerar a ofensa no que tange ao exercício profissional[24].

É importante, ainda, frisar que o conceito de honra é aberto, volátil, no sentido de que não possui uniformidade, variando de acordo com as características ínsitas ao seu titular. Dessa forma, o que significa ser honrado para um indivíduo pode não significar ser honrado para outro. É uma espécie de definição que se mostra decisivamente influenciada por valores e aspectos morais individuais. Além disso, esse é um conceito que sofre variações de tempo e de espaço, visto que ser honrado no presente pode significar coisa distinta do que era ser honrado no passado, sendo possível também haver diferenciações outras a depender do meio, ambiente cultural, circunstâncias sociais, históricas, políticas e do espaço em que a pessoa esteja inserida.

A respeito desse direito personalíssimo, a doutrina costuma a estabelecer uma diferenciação entre os aspectos subjetivos e objetivos[25].

3.1. HONRA SUBJETIVA E HONRA OBJETIVA

Para um completo esclarecimento das noções relacionadas ao direito à honra, é preciso ter em mente que ele apresenta-se subdividido em dois aspectos: o subjetivo e o objetivo.

Ser honrado, do ponto de vista subjetivo, significa possuir uma estima elevada, possuir a auto-consciência de que é uma pessoa digna. Assim, afirma-se que a honra subjetiva é determinada por aspectos íntimos da pessoa, pelos seus sentimentos de ser um indivíduo detentor de apreço. É um conceito que cada pessoa possui dela própria. Do ponto de vista objetivo, ser honrado denota possuir uma boa reputação, uma boa fama, um bom nome na sociedade[26]. Consiste na valoração que os demais indivíduos fazem da dignidade de uma pessoa. De acordo com Bittar:

“A honra prende-se à necessidade de defesa da reputação de uma pessoa (honra objetiva), compreendendo o bom nome e a fama que desfruta no seio da coletividade, enfim, a estima que a cerca nos seus ambientes, familiar, profissional, comercial, ou outro. Alcança também o sentimento pessoal de estima, ou a consciência da própria dignidade (honra subjetiva), de que separamos, no entanto, os conceitos de dignidade e de decoro, que integram, em nosso entender, o direito ao respeito (que versaremos a seguir), ou seja, modalidade especial de direito da personalidade apartada do âmbito geral da honra”.[27]

Para que qualquer pessoa possa conviver com tranqüilidade na sociedade, é necessário que ela possua sua moral elevada, tenha consciência de que é digna do respeito alheio e goze de uma boa reputação. Ressalte-se, porém, que embora seja dividida nesses dois aspectos acima elencados, a honra é um direito único, constituindo-se em uma estrutura unitária, em uma valoração que serve de base para que o indivíduo se mantenha bem consigo mesmo e no seio social.

Além de a Constituição Federal garantir o direito à honra, o Direito Penal também a protege através da tipificação dos delitos da Calúnia, da Difamação e da Injúria (arts. 138, 139 e 140 do Código Penal brasileiro, respectivamente). Na Lei de Imprensa (* Ver Nota de Atualização do Editor), também há dispositivos que a tutelam, os quais estão previstos nos arts. 20, 21 e 22.

O direito à honra será lesado quando forem revelados aspectos do seu titular que o coloquem em situação de vulnerabilidade, de desmerecimento em relação à consideração e à valoração que ele tem a respeito de si mesmo e em relação à sua reputação face a terceiros. Assim, a divulgação indevida, pela mídia, de fatos que dizem respeito única e exclusivamente à própria pessoa, certamente constitui-se em uma lesão ao seu direito à honra, lesão essa que não pode ser tolerada, dada a amplitude e tamanha significância desse atributo. Dessa forma, como será exposto, a imprensa não pode sair divulgando, ilimitadamente, fatores que não dizem respeito ao interesse público e constituem-se em ofensas à honra dos indivíduos.

Diante do exposto, infere-se que a proteção ao direito à honra independe da tutela dos outros direitos elencados no art. 5º, X da Constituição de 1988. Ele pode ser ofendido sem que haja ofensa a outros direitos personalíssimos, que, entretanto, não se apresentam menos importantes por isso. Constata-se, assim, a sua independência. Entretanto, embora não seja este o objeto deste trabalho, deve-se estabelecer uma diferenciação em relação aos outros direitos afins, para que não sejam confundidos com o direito à honra, ora em enfoque.

3.2. BREVE CONCEITUAÇÃO DE OUTROS DIREITOS CONEXOS

Como dito, não é objeto deste trabalho fazer uma análise pormenorizada de todos os direitos elencados pelo art. 5º, X, da atual Constituição. Mesmo assim, é relevante estabelecer uma breve conceituação desses institutos, até para que eles não sejam confundidos com o direito à honra.

3.2.1. Direito à vida privada

É inegável que o indivíduo não pode viver eternamente sozinho, que é de transcendental importância para ele viver em sociedade, até porque o homem é um ser social por natureza. Ele não é auto-suficiente, por isso tem a natural tendência de se associar como forma de alcançar os objetivos que excedem suas capacidades individuais.

Entretanto, toda pessoa tem o direito de manter determinadas informações atinentes a si mesma alheias ao conhecimento de terceiros. Existem fatos que elas não têm interesse de divulgar ou compartilhar, emergindo, daí, a necessidade de introspecção e de conservação de uma esfera individual apartada do conhecimento público.

Não é tarefa das mais fáceis delimitar o que vem a ser vida privada, até porque se costuma confundir esse instituto com a intimidade[28]. Porém, como esclareceu a própria Constituição, ao elencar separadamente os dois direitos, eles não se confundem e devem ser diferenciados. Como estabelece José Afonso da Silva, “os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo” [29].

Genericamente, pode-se considerar a vida privada como o direito que um indivíduo possui de viver a sua própria vida, sem que nela haja intromissões alheias. É um conceito que não se confunde com a intimidade. Segundo José Cavero:

“Privacidade, que tem em conta a esfera da vida individual nucleada na ausência do público, ou seja, na esfera de comodidade onde as relações sociais exteriores ao núcleo familiar permanecem resguardadas, ou, em melhor expressão, confinadas no próprio núcleo familiar, repugnando qualquer intromissão alheia. Outro, de intimidade, ainda mais restrito que o de privacidade, que tem em vista exatamente essa interpessoalidade da vida privada” [30].  

Do exposto, infere-se que a vida privada é mais ampla do que a intimidade. Ela diz respeito à esfera íntima em que cada indivíduo veda da intromissão de terceiros. Não há como ser confundida com o direito à honra. Como exemplos de aspectos relacionados à privacidade, têm-se os assuntos relacionados à família da pessoa, tais como as relações familiares.

Assim, pode-se afirmar que o direito à vida privada deve ser entendido como uma faculdade atribuída aos indivíduos de deixar à parte do conhecimento alheio emoções, sentimentos, pensamentos e valores que unicamente lhe dizem respeito [31]. Ela concerne à vida interior das pessoas, que se desenvolve, eventualmente, no seio familiar e entre alguns amigos íntimos, a qual é inviolável, nos termos da Constituição, e distingue-se da vida pública, que permite observações de terceiros e tange àquilo que acontece às vistas da comunidade. As relações que dizem respeito à vida privada excluem o público em geral.

A imprensa, atualmente, vem cometendo várias intromissões ilegítimas no âmbito da vida privada como meios de alimentar a curiosidade de um público que se alimenta, cada vez mais, das particularidades alheias. Essa realidade não pode perpetuar-se, sobretudo porque as pessoas detêm total direito de manterem suas vidas particulares afastadas do conhecimento do público em geral. Não se esqueça, entretanto, como já exposto, que nem sempre a atuação da imprensa mostra-se ilegítima e excessiva, visto que, por diversas vezes, o papel por ela desempenhado mostra-se de fundamental importância para a informação da população, bem como para o deslinde de processos judiciais, seja pelo seu papel investigador, seja pela sua contribuição na produção de provas.

3.2.2. Direito à intimidade

Como já reiteradamente exposto, o conceito de intimidade não se confunde com o de vida privada. Ele é mais restrito, referindo-se ao segredo profissional, aos hábitos, aos vícios, às aventuras amorosas e à opção sexual de uma pessoa, dentre outros aspectos. A vida íntima está relacionada ao subjetivismo de um indivíduo, dizendo respeito ao espaço por ele considerado impenetrável e intransponível, que apenas lhe interessa, a exemplo das recordações pessoais, das memórias, dos diários e dos segredos. Nos dizeres de René Ariel Dotti:

“A intimidade é um sentimento, um estado de alma, que existe nos ambientes interiores, mas se protege também no exterior para ser possível a liberdade de amar, pensar, sorrir, chorar, rezar, enfim a liberdade de viver a própria vida e morrer a própria morte. É assim uma das liberdades fundamentais do corpo, as mente e do espírito” [32].

No âmbito da intimidade, a vida individual exclui qualquer espécie de interferência alheia. Por isso, pode-se dizer que esse é o mais individualista e exclusivo entre todos os direitos da personalidade. Serve para proteger a verdadeira essência do indivíduo, a representação do seu ser. Protege a pessoa da divulgação de aspectos íntimos que só lhe dizem respeito.  Nesse sentido, a lei 9296/96, em seu artigo 10, ao tratar do crime de interceptação telefônica, de informática ou telemática, bem como a quebra de segredo de justiça sem a devida autorização judicial, tutela o direito à intimidade, por garantir que as pessoas não tenham suas conversas devassadas nem muito menos expostas a qualquer custo.

Importante ressaltar que o fato de uma pessoa ser dotada de notoriedade não afasta, por isso, o seu direito à vida privada e à intimidade. Deve-se compatibilizar esses direitos à liberdade de informação jornalística para que eles não sejam abandonados. É certo que as referidas pessoas têm suas esferas privadas reduzidas em decorrência de sua maior exposição ao público. Mesmo assim, elas possuem a garantia de manterem uma esfera particular alheia ao interesse de terceiros. O parâmetro para se estabelecer a limitação à atuação da mídia, como será visto no bojo desse trabalho, é o princípio da proporcionalidade. Assim, só pode ser divulgado aquilo que efetivamente se constitua em interesse público.

3.2.3. Direito à própria imagem

O texto constitucional trouxe grande proteção ao direito à imagem, tanto no inciso X, art. 5º, quanto nos incisos V e XXVIII, “a” desse mesmo artigo. Importante salientar, entretanto, que o direito individual à imagem constitui-se em uma proteção relativamente recente do sistema jurídico brasileiro. Isso porque, antes da invenção da fotografia por Niceforo Niepce em 1829, a retratação da imagem das pessoas pressupunha a expressa concordância e manifestação de vontade. Entretanto, a partir do momento em que a imagem fisionômica começou a ser colhida em milésimos de segundos pelas lentes das câmeras, o direito a ela relacionado ganhou enormes proporções, já que se passou a utilizar e a expor o retrato de alguns indivíduos sem a devida autorização.

Frise-se que, na Constituição, a palavra imagem deve ser interpretada como fazendo referência não só aos caracteres físicos de uma pessoa, mas também à forma através da qual ela é identificada em uma sociedade. Na conceituação, estão incluídos todos os traços que permitam a identificação e o reconhecimento de um indivíduo.

Destaca-se que a doutrina[33] costuma fazer uma diferenciação entre a imagem retrato e a imagem atributo da pessoa (previstas, respectivamente, nos incisos V e XXVIII, “a”, art. 5º da CF). A primeira é a imagem fisionômica de uma pessoa, suas características físicas, seu retrato. Compreende também todas as projeções exteriores do aspecto da pessoa, a exemplo da voz, dos atos e gestos que permitam a sua identificação física. Observe-se a afirmação seguinte:

“Assim, se compreende como imagem retrato não apenas o semblante, mas partes distintas do corpo. Da mesma forma se compreendem como imagens não só as formas estáticas de representação (fotografia, pintura, fotograma, escultura, holografia), mas também as dinâmicas (cinemas, vídeos)” [34].

Já a imagem atributo não está diretamente relacionada aos traços físicos. Ela concerne a um conjunto de características através do qual a pessoa é identificada na sociedade, atributos pelos quais é individualizada no âmbito social.

Pelo conceito de imagem atributo exposto, poder-se-ia confundir esse direito com a honra objetiva de uma pessoa. Entretanto, eles não são sinônimos. Nesse sentido, o professor Antônio Chaves estabelece que “imagem e honra são bens distintos. Posso estar honrando alguém, sem alterar-lhe a imagem. Posso estar destruindo sua imagem, ressaltando sua honra” [35].  

“Exemplo ilustrativo é o citado por Nicole Vallères, quando comenta o fato de que houve a divulgação indevida da aquisição de um jornal por determinado partido político. A notícia não era verdadeira, mas abalou a imagem de imparcialidade do debate político até então mantida pelo periódico. O exemplo, citado no campo da difamação, poderia perfeitamente ser enquadrada como direito à imagem atributo. A aquisição de um jornal por um partido político necessariamente não leva à conclusão de que houve abalo na honra do jornal. Houve, isto sim, abalo na imagem-atributo. A idéia de imparcialidade do periódico foi quebrada pela notícia, tornando a imagem-atributo vinculada ao ideário do partido político noticiado pelo adquirente. Houve violação da imagem atributo sem que houvesse qualquer arranhão (ao menos em princípios) à boa reputação do jornal” [36].

Pelo exposto, infere-se que a Constituição Brasileira protege amplamente o direito à imagem, pois o abarca em seus diversificados aspectos. Como dito, imagem e honra são direitos distintos e independentes, podendo, assim, um deles ser violado sem que haja violação do outro. Daí a importância de estabelecer a diferenciação.

A imagem possui enorme importância para o ser humano, pois consiste no direito que ele possui sobre as projeções de sua personalidade, seja no aspecto físico ou moral, no seio da sociedade, englobando um conjunto de características que vão identificá-lo. Logo, esse direito deve ser respeitado. Observa-se a sua violação quando há utilização sem a devida autorização. Ele também serve como um limitador à atividade da imprensa, que não pode, indiscriminadamente, explorar e expor os traços de uma pessoa.


4. LIBERDADE DE IMPRENSA

A liberdade de imprensa é um dos pressupostos básicos do Estado Democrático de Direito. Essa afirmação ganha conotação de total veracidade quando se pára a tecer rápida análise a cerca dos caracteres de um Estado Autoritário, em que não se possui o arbítrio de noticiar os fatos, de divulgar amplamente as notícias e encontra-se um governo ditador sempre controlando aquilo o que será publicado de acordo aos seus interesses políticos. Sim, pois em épocas de ditadura, a exemplo do nefasto período ditatorial vivido pela população brasileira, não se tem o direito de noticiar aquilo o que se bem entender, já que os integrantes do poder só permitem que seja divulgado o que lhes interessar e lhes mantiver em suas posições de domínio.

A imprensa constitui-se em um dos instrumentos de controle contra os arbítrios dos poderes instituídos, quais sejam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, já que, através dela, a população tem ciência de todos os acontecimentos e medidas tomadas por seus ocupantes, podendo-se insurgir contra eventuais arbitrariedades e excessos cometidos. É nesse sentido que corriqueiramente se fala na imprensa como um “quarto poder” [37], capaz de embotar na consciência popular ideais de democracia e de necessidade de vigilância em relação aos atos de supremacia. Seguindo essa linha de raciocínio, Victor Rodriguéz elucida que “no regime democrático, em lugar de o governo censurar a imprensa, é a esta que cabe a censura aos órgãos governamentais, dentro de seus limites” [38].

Como constitucionalmente estabelecido, os órgãos da imprensa devem ser livres, não se admitindo nenhuma censura prévia ou limitação injustificada a priori. Marx afirmou brilhantemente que uma imprensa não-livre nunca pode ser considerada como tal, pois em sua ampla liberdade é que está lastreada a sua essência[39]. Disse que, em primeiro lugar, deve haver liberdade em relação às forças do governo, com o impedimento da censura característica do Estado Autoritário; em segundo lugar, deve ser independente do ponto de vista econômico, já que assim poderá publicar notícias com teor não comprometido por estes interesses.

É de fundamental importância o papel da imprensa de tornar públicas as informações de interesse público, pois é através da publicidade das informações que as pessoas conhecem e conscientizam-se dos seus direitos. Além disso, ao exercer a função investigativa, é por meio da mídia que o poder judiciário conhece de crimes  e atos delituosos, bem como de outras violações a direitos públicos, motivo pelo qual pode ela ser considerada uma fonte secundária,  "extralegal", do direito.

Para que atue com total liberdade, a imprensa deve também estar acobertada pelo manto da independência econômica. Isto porque as empresas responsáveis pela divulgação de notícias, se dependentes do poderio econômico, irão limitar-se a publicar aquilo o que atender aos interesses deste. Nesse diapasão, afirmou José Marques de Melo:

“Esta é uma colocação clássica. Nos países capitalistas a liberdade de imprensa é uma liberdade de empresa e nos países que seguem o padrão da União Soviética há uma liberdade de Estado. No entanto, a questão se apresenta de outra maneira: como conquistar uma liberdade de imprensa que esteja a serviço da população como um todo, a sociedade civil, e não das empresas ou do Estado” [40].

Inseridos no âmbito democrático e na economia de mercado, os órgãos da imprensa passam a ser, cada vez mais, influenciados pelo poderio econômico. Isso porque a notícia ganhou novos contornos e passou a ser um produto à venda[41], semelhantemente ao que ocorre com os itens estampados em uma prateleira de supermercado. Assoma-se também o fato de exercerem as grandes empresas mundiais verdadeiro monopólio em relação às de pequeno-porte, que se mantém sob o controle e influência daquelas que detém supremacia financeira. O Brasil, país que não se enquadra no grupo dos mais desenvolvidos do mundo, sofre as conseqüências do domínio das fontes de informações pelos grandes jornais internacionais, que possuem maior aparato financeiro e tecnológico para a captação de uma notícia com imediatismo.

Cumpre destacar que, em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, em que direitos e garantias fundamentais são amplamente protegidos, é inegável que a imprensa, atuando com seriedade, desempenha um papel de enorme relevância, contribuindo para a sedimentação dos ideais de justiça. Dessa forma, ela não pode ter restringido, indevidamente, seu campo de atuação, possuindo o direito de atuar com veracidade e objetividade na divulgação dos fatos, informando a população dentro de limites éticos.

Ressalte-se que a liberdade de imprensa, assegurada pela Constituição e sendo expressamente vedada a censura prévia, embora se encontre em regra não contida no art. 5 º e sim no art. 220, constitui-se em um direito fundamental sob o ponto de vista material, pois é essencial ao livre exercício da democracia e da convivência em sociedade. Deve tratar das matérias abertamente e com veracidade, somente podendo ser limitada quando assim o exigir a garantia de outros direitos também fundamentais, como é o caso do direito à honra.

A mídia (tenha-se esse termo como sinônimo de imprensa) desempenha um duplo papel: hodiernamente, ela não apenas informa, como também é uma formadora de opiniões[42]. Entretanto, precisa-se de uma imprensa que atue com liberdade e imparcialidade, preservando a autenticidade das informações transmitidas e adotando um posicionamento objetivo diante dos fatos. Nessa diapasão, observe-se o posicionamento do Desembargador Nilton Macedo:

"'Ser livre é não estar sujeito a nada, a não ser às leis' (Voltaire). É totalmente livre, mas não absoluta a manifestação de pensamento, assim como da informação, pois deve ajustar-se ao poder regulamentador do Estado no que concerne à moral, aos bons costumes, à saúde mental da população, respondendo cada um pelos excessos que cometer. A liberdade pessoal há de conter-se dentro dos limites da liberdade de todos"[43].

Sob o pseudo-manto da liberdade, a imprensa não tem o direito de mentir, de distorcer os fatos a fim de chamar a atenção do público a qualquer custo. Frise-se que “a liberdade de imprensa não é um direito dos profissionais da imprensa, mas de toda sociedade e, portanto, deve ser protegido por todos nós” [44]. Nesse contexto, deve ser delimitado o conceito de imprensa, para que se tenha em mente quais são os atuais meios de comunicação abrangidos pela expressão mídia.

4.1. CONCEITO DE IMPRENSA

Não se deve deixar de ter em mente que a expressão imprensa, hodiernamente, possui significação muito maior do que no passado, quando foi criada a prensa por Gutenberg, no ano de 1436. Naquela época, eram bastante restritos os meios de se transmitir uma informação, limitando-se aos escritos ou a impressos gerados pela brilhante máquina de impressão descoberta. Como decorrência, tinha-se que o termo imprensa significava “máquinas com que se imprime ou estampa; arte de imprimir; os jornais; a instituição da publicidade tipográfica diária” [45].

Entretanto, atualmente, existem inúmeros meio de se divulgar e transmitir uma notícia que não apenas através dos escritos jornalísticos ou de revistas. Em meio ao enorme avanço tecnológico galgado pela sociedade, a televisão, o rádio e a internet, dentre outros, ganharam posição de destaque e possibilitaram que uma informação fosse globalmente difundida em milésimos de segundos. Esses meios de comunicação inseriram-se no cenário mundial de tal forma que não se concebe mais a vida em sociedade sem eles.

Assim, a palavra imprensa deve ser compreendida em sentido amplo, englobando não só os meios escritos, mas qualquer outra maneira através da qual seja possível a transmissão de uma idéia ou de um fato. Dessa forma, o mercado jornalístico passa a ser representando por enorme diversificação, evolução que partiu dos jornais de bairros para as televisões e seguiu seu rumo através dos CD-Rom's e das páginas da Internet.  Nesse contexto, o termo imprensa desvincula-se parcialmente de sua concepção inicial, abarcando todo meio de produção e de transmissão de informação, quer seja por forma escrita, pela prensa ou por radiodifusão de sons e imagens das mais variadas maneiras. Este é o sentido adotado pela Lei de Imprensa, Lei nº. 5.250/67, em seu artigo 1 º. Nas palavras de Grandinetti:

“A imprensa hoje significa informação, jornalismo, independentemente do processo que a gerou, seja a prensa, ou seja a radiodifusão de sons. Neste conceito, podemos incluir como imprensa a atividade jornalística dos jornais, revistas, periódicos, televisão e rádio. O que prepondera é a atividade e não o meio empregado para divulga-la” [46].

Do exposto, infere-se que houve grande dilatação na definição da palavra imprensa em decorrência das transformações sociais, inserindo-se nela as mais variadas formas de transmissão da informação, a ponto de terem alguns autores passado a utilizar as expressões liberdade de imprensa e liberdade de informação jornalística como sinônimas[47]. Esse é também o posicionamento adotado no bojo deste estudo, em que as referidas expressões podem aparecer como se o mesmo sentido tivessem.

4.2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO

Pensar á atávico ao ser humano. Desde o seu surgimento ou criação, o homem sempre pensou, sendo esta, inclusive, a característica que o diferencia dos outros animais irracionais, os quais, em sua grande maioria, não possuem capacidade de raciocínio. Assim, o pensamento, manifestação de caráter individual e subjetivo, que acontece no âmbito interno do indivíduo, é amplo, ilimitado. Não se tem como impor limites a algo tão íntimo como o pensar, que se passa na imaginação e no ideário das pessoas a todo instante, em suas mentes e subconsciente. Enquanto não for exteriorizado, o pensamento não se constitui em objeto de tutela do Direito.

Entretanto, a partir do momento em que ele for expresso, limites devem ser impostos e controle deve ser realizado para que não se sobreponha a outras liberdades de igual valor. O ser humano, ao viver em sociedade, tem enorme necessidade de se comunicar e de expressar aquilo que pensa, até para que seja possível a sua inserção no meio em que vive. Além disso, possui grande necessidade do conhecer o pensamento de seus semelhantes. Logo, deve-se ressaltar o fato de os termos informação e expressão estarem relacionados de forma bastante coesa. Expressar uma idéia é propagar uma informação, permitindo que ela chegue ao conhecimento de terceiros.

Se o homem é livre para pensar, também deve ser livre para manifestar suas idéias, suas opiniões.  Dessa forma, afirma-se que a liberdade de expressão nada mais é do que uma conseqüência óbvia da liberdade de pensamento, constituindo-se na exteriorização desta[48]. Quando o homem expõe aquilo o que pensa, propaga aquilo o que se passa internamente, exerce o seu direito de manifestar seu ideário.

A liberdade de manifestação de pensamento é o ponto de partida de outras liberdades, a exemplo da liberdade de informação e da liberdade de imprensa. Pode-se afirmar, consequentemente, que a liberdade de pensar se desdobra na liberdade de consciência e na liberdade de exteriorização ou manifestação do pensamento. Segundo Celso Ribeiro Bastos:

“A liberdade de pensamento, ou de opinião, é qualificada por alguns autores como simultaneamente primária e primeira, isto pelo fato de aparecer cronológica e logicamente através de outras liberdades que não são senão um consectário seu. A própria liberdade de imprensa permite, por outro lado, a comunicação de opiniões. Aqui, a liberdade secundária amplifica a primeira ao mesmo tempo em que sobre ela se funda” [49].

Nos dizeres de Rui Barbosa, “de todas as liberdades, a do pensamento é a maior e a mais alta. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo” [50].

Escreveu Pinto Ferreira que:

“O sistema democrático e jurídico-constitucional da liberdade de pensamento é básico e desdobra-se das seguintes maneiras: a) liberdade de consciência, compreendendo a liberdade de crença (direito de professar qualquer religião ou de ser ateu) e a liberdade de opinião (ou direito de possuir convicções próprias em matéria política ou filosófica); b) liberdade de exteriorização do pensamento, abrangendo a liberdade de culto (organização de movimentos religiosos, proselitismo, edificação de igreja e templo) e, além disso, a liberdade de palavra, imprensa, cátedra, ou aprendizagem científica, artística, literária” [51].

Não cabe, porém, no bojo deste estudo, conceituar cada um dos desdobramentos da liberdade de pensamento, visto que será enfocada a liberdade de imprensa em confronto com o direito à honra no âmbito penal. Basta ter em mente que é dela que emergem as outras liberdades relacionadas. No texto constitucional brasileiro, encontra-se a liberdade de manifestação ou expressão de pensamente prevista, do ponto de vista genérico, nos incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º, combinados com os arts. 220 a 224.

Assim, ressalte-se o fato de que a liberdade de imprensa é uma decorrência da liberdade de manifestação de pensamento. Ela é um instrumento desta, um meio através qual é possível a divulgação de fatos e de idéias. Como dito, é um dos pressupostos do Estado Democrático de direito, garantia de controle dos poderes instituídos. Como bem firmou o STJ, em um de seus julgamentos:

"A Constituição considera livre a manifestação do pensamento, proíbe o anonimato, e assegura o direito de resposta, a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas, o que não derroga a chamada Lei de Imprensa, a qual continua em vigor, naquilo em que não contraria a Carta Magna"[52].

Posteriormente, será ainda demonstrado que liberdade de expressão não se confunde com liberdade de informação, embora por diversas ocasiões sejam ambas utilizadas como se sinônimas fossem (por questões pragmáticas, isso poderá ocorrer neste estudo).

4.3. DIREITO DE INFORMAÇÃO

Não cabe aqui tecer considerações aprofundadas a cerca das distinções entre direitos e liberdades, devendo-se apenas ressaltar que há autores que diferenciam direito de informação de liberdade de informação[53], enquanto outros utilizam as duas expressões como sinônimas[54], posicionamento seguido neste trabalho, em que ambas serão indistintamente utilizadas.

É de grande importância esclarecer que liberdade de informação não se confunde com liberdade de expressão. Nas palavras de Grandinetti:

“A divulgação de um pensamento, de uma idéia, de uma opinião, é necessariamente parcial, enquanto a divulgação de fatos, dados objetivamente apurados – característica da informação -, deve ser despida de qualquer apreciação pessoal. (...) Em um jornal escrito, tanto pode haver informação ou expressão, mas, quando tratar-se da primeira, impõe-se, necessariamente, transparência. Usualmente, a opinião é divulgada em seções próprias, como o editorial para as opiniões, as charges para a expressão artística, também reveladora de opinião, etc. Mas não é o local que importa, mas a transparência. (...) é preciso não confundir as duas essências: informação e expressão. Elas quase sempre coexistem no mesmo veículo, com maior ou menor interação, mas devem ser examinadas sob pontos de vista diametralmente opostos: uma é imparcial, outra é parcial; uma tem a função social de contribuir para a elaboração do pensamento, a outra tem a função social de difundir um pensamento ou um sentimento já elaborado. São fronteiras tênues, mas existem, e que não devem ser ultrapassadas” [55]

Entretanto, embora possa ser feita a diferenciação no termos acima expostos, nem sempre é tarefa fácil discernir a comunicação de informações da expressão de idéias e opiniões, visto que, algumas vezes, elas coincidem em um mesmo instrumento e ambas podem utilizar-se da narração ou descrição de fatos indistintamente. Em tentativa de diferenciação sintetizada, pode-se dizer que a liberdade expressão está mais ligada às idéias, opiniões e pensamentos, enquanto a liberdade de informação confunde-se com a publicação ou divulgação de fatos.

Aponta-se, porém, que a liberdade de informação possui como limite ínsito a veracidade, o que não ocorre com a liberdade de expressão, que é mais ampla. Mesmo assim, essa também não é ilimitada, pois não pode haver expressão de idéias com teor injurioso. Dessa forma, não se deve confundir liberdade de expressão com liberdade de imprensa, que é um instrumento para que as informações sejam transmitidas e os pensamentos divulgados.

Em regra, o direito à informação é composto pela “liberdade de buscar ou colher, receber e difundir informações, ou seja, acesso ao fato noticiável, assegurado pelos órgãos da mídia e usuários, receber informações pluralistas e corretas” [56].  Pode-se afirmar que “a liberdade de informação, que concebemos hoje, possui o mesmo papel que a imprensa de outrora realizava em face da sociedade daquela época, ou seja, a liberdade de imprensa ou de informação consiste em propiciar informação para a população” [57].  Nesse sentido, é enorme a importância da existência de uma ampla liberdade de imprensa sem dependência econômica ou de Estado, para que esta possa agir com imparcialidade na sociedade. Uma população informada é um dos elementos básicos de um Estado que se norteie por ideais democráticos.

Ressalte-se que são integrantes do direito de informação o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado, como partes que constituem o todo. Observe-se que dispôs Francis Balle:

“O direito de informar consiste na possibilidade de veicular informações, o direito de se informar, por sua vez, é a faculdade de ter livre acesso às fontes de informação, é o direito de buscar informações, sem impedimentos ou obstáculos; o direito de ser informado é a prerrogativa que possui qualquer pessoa à receptação de informações, é o direito de todos os homens a uma igual possibilidade de acesso a todos os fatos da atualidade” [58].

Face ao exposto, pode-se afirmar com total segurança que o direito de informação pode ser entendido como direito à liberdade de imprensa, visto que esta é a principal responsável, através dos meios de comunicação em massa, por manter informada toda uma população, permitindo que ela tenha ciência de tudo que acontece na sociedade. Necessária se mostra a delimitação de alguns conceitos.

4.3.1 Conceito de Informação

Todo homem que vive em sociedade tem a necessidade de se informar, de estar ciente dos acontecimentos que o cercam e de interagir com os demais membros da comunidade. Apresentam-se como premissas da vida coletiva o conhecimento de pessoas, do que elas pensam, de suas preferências e gostos, a ciência dos acontecimentos e notícias, dentre outros, para que haja interação com o meio social.

A palavra informação vem do latim informationem, que significa “delinear, conceber a idéia, dar forma ou moldar na mente” [59].  Nesse sentido:

“Informação é o resultado do processamento, manipulação e organização de dados de tal forma que represente um acréscimo ao conhecimento da pessoa que a recebe. Informação enquanto conceito, carrega uma diversidade de significados, do uso cotidiano ao técnico. Genericamente, o conceito de informação está intimamente ligado às noções de restrição, comunicação, controle, dados, forma, instrução, conhecimento, significado, estímulo, padrão, percepção e representação de conhecimento. É comum nos dias de hoje ouvir-se falar sobre a Era da Informação, o advento da "Era do Conhecimento" ou sociedade do conhecimento. Como a sociedade da informação, a tecnologia da informação, a ciência da informação e a ciência da computação em informática são assuntos e ciências recorrentes na atualidade, a palavra "informação" é freqüentemente utilizada sem muita consideração pelos vários significados que adquiriu ao longo do tempo”[60].

Certo é que não se tem uma conceituação precisa para o termo informação. Trata-se de uma palavra vaga, cujo conceito é intuitivo. Isso porque apenas se tem uma noção do que seja informar: ao fazer uma pergunta, as pessoas estão pedindo informação; ao assistir televisão, estão absorvendo informação. Entretanto, não há palavras exatas que se mostrem suficientes a delimitar precisamente o que seja informar ou não informar.

Mesmo assim, pelo exposto pode-se inferir que informação implica em conhecer o que se passa ao redor, mantendo interação com o âmbito social. O direito à informação seria, então, a possibilidade de ter conhecimento dos fatos que dizem respeito ao interesse público e que se mostrem relevantes para a inserção do indivíduo na coletividade.  

4.3.2. Liberdade de informação como Direito Fundamental

A liberdade de informação é essencial à vida em sociedade. Sem ela, o ser humano não teria alcançado o atual patamar de desenvolvimento.  É ínsito à característica dele a necessidade de comunicação com os demais para que haja uma convivência pacífica.

Como visto, a liberdade de imprensa decorre da liberdade de pensamento e é esta a principal responsável pela veiculação de fatos e notícias. A ampla possibilidade de divulgação de uma informação tem sido o pilar dos Estados Democráticos por todo o mundo, mostrando-se essencial, inclusive, à globalização. Nesse diapasão, têm os meios de comunicação apresentado sua total importância, por proporem debates, informarem e esclarecem acontecimentos. Comunicando-se, o homem interage na sociedade, desenvolvendo-se e participando do desenvolvimento de todo o conjunto. Dessa forma, pode-se afirmar que a informação, a qual viabiliza a comunicação, integra a categoria dos conhecidos Direitos Humanos.

No século XVIII, também conhecido por “século das luzes”, intensas e contínuas foram as lutas pela consolidação de direitos e garantias. Naquele período, desenvolveram-se movimentos contra a censura prévia e em favor da liberdade de imprensa ou de informação, a qual ganhou status de direito da personalidade, intimamente ligado a todo cidadão. De acordo com Manuel da Costa, “ela é pura e simplesmente constitutiva para uma ordenação estatal estadual livre e democrática, pois só ela torna possível o permanente debate cultural, pelo confronto de opiniões que é seu elemento vital. Ela é, em certo sentido, o fundamento de toda liberdade” [61].

Dispondo que “a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade e não pode ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos”, aponta-se o art. 12 da Declaração de Direitos da Virgínia do ano de 1776 como o primeiro documento formal a expressamente contemplar o direito de informação. Nessa época, tal direito possuía uma concepção individualista, o que foi superado com o passar dos anos, visto que, hodiernamente, ele possui roupagem de um direito social, interessando não apenas no âmbito particular, mas sim à toda sociedade, como verdadeira premissa da democracia.

Importante destacar que há pouco tempo desenvolveu-se o maior interesse pela liberdade de informação, a partir do momento em que evoluíram tecnologicamente as formas de comunicação. Antes disso, não havia relevância jurídica no controle dos atos de informar, bem mais restritos do que as atuais possibilidades. 

Apresenta-se a liberdade de expressão como um direito oponível ao Estado e a qualquer pessoa, para que não sofram restrições nenhuma modalidade de transmissão e acesso à informação. Em momentos de autoritarismo político, esse direito é cerceado como garantia de tudo aquilo o que for contrário aos ideais democráticos. Frise-se que ela enquadra-se entre os direitos fundamentais de primeira geração (direito individual à informação), relacionando-se com a comunicação, entendendo-se esta como possibilidade de buscar, receber, compartilhar e tornar públicas as informações.

A Constituição Federal de 1988, numa ampla demonstração de preocupação em proteger o Estado Democrático de Direito, erigiu a liberdade de informação à condição de direito fundamental, dando amplitude às questões a ela relacionadas. Mesmo não estando explicitamente elencada na categoria destes, assim o é em sua concepção material. Logo, ela só poderá sofrer limitações dentro do necessário para resguardar outros direitos também fundamentais. Frise-se que na previsão constitucional estão compreendidos tanto os atos de informar quanto os de receber as informações, o que possui enorme relevância prática, já que se encontram protegidos os aspectos ativos e passivos da informação, como será demonstrado. 

4.3.3. Previsão no ordenamento jurídico brasileiro

A atual Constituição assegura, em diversos dispositivos, as várias vertentes da liberdade de informação e expressão de pensamento, tanto no aspecto ativo (tendo-se este como o direito de manifestar opiniões e de emitir informações) quanto no aspecto passivo (no sentido de ser informado, receber a informação). O art. 5º traz a previsão das liberdades supracitadas (incluindo-se a liberdade de imprensa) em diversos dos seus incisos, como se pode verificar:

“Art. 5º (omissis):

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”.

Além dessas previsões, essenciais também são as trazidas pelos artigos 220 a 224 da Constituição, dentre as quais se transcreve:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, IX, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Embora nada tenha previsto em relação aos meios de informação, a Magna Carta assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência, a exteriorização de idéias, a publicação de opiniões e sua veiculação sem censuras, além do sigilo de fontes para os jornalistas como garantia ao desempenho da função profissional sem limitações.

A toda liberdade corresponde, entretanto, uma responsabilidade. Disse Ivo Dantas que “a liberdade de pensamento não poderia significar sinônimo de irresponsabilidade no gozo da liberdade de imprensa” [62]. Assim, importante ter em mente que, constitucionalmente, não se assegura uma liberdade irresponsável e sem qualquer critério para o poder de informar ou manifestar o pensamento. A liberdade de comunicação não é absoluta, havendo meios legítimos (e até mesmo previstos na Constituição) para controlá-la. Isso porque, muitas vezes, direitos de terceiros são lesados pelo equivocado exercício da liberdade de informação, como será adiante demonstrado em maiores detalhes.

Além da mencionada previsão, há ainda dispositivos infraconstitucionais que tratam da matéria. Aponta-se o Código de ética dos jornalistas, o qual vigora desde 1987 e traz previsões sobre a temática e a Lei de Imprensa, que em seu artigo 1º declara ser livre a manifestação de pensamento. Esta foi promulgada ainda na vigência da ditadura militar, permitindo a censura, a apreensão de publicações impressas, proibição de circulação destes e o fechamento das empresas de comunicação responsáveis por promover a subversão da ordem política e social, dentre outras medidas antidemocráticas[63].

Todo o teor autoritário da referida lei retrata o contexto histórico em que ela foi elaborada, sendo lamentável que, já passadas décadas de sua promulgação, o Congresso Nacional ainda não tenha aprovado lei nova que reflita a consolidação da Democracia no Brasil, matéria, inclusive, que já tramita no Poder Legislativo Federal. Não há necessidade de maiores considerações dessa lei nesse trabalho, pois a Constituição Federal traz ampla previsão sobre a matéria, o que suplanta eventuais indagações infraconstitucionais.

Deve o legislador criar nova Lei de Imprensa que atenda às atuais demandas da sociedade, encontrando-se a que está em vigor superada e inapta a atender os fins democráticos. Não pode mais continuar ao arbítrio do judiciário a fixação dos valores de indenização dentro dos limites fixados pela lei atual, os quais se mostram irrisórios e não possuem eficácia em face dos absurdos lucros aferidos com a publicação de informações ofensivas a outros direitos fundamentais.

4.4. EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

“À medida que o homem evolui, evoluem também as suas formas de comunicar-se” [64]. Como já afirmado, o enorme progresso tecnológico trouxe consigo suntuosas implicações, dentre as quais se pode elencar a aproximação dos mercados globais e a ampliação na abrangência do termo imprensa. Como dito, este se refere a qualquer meio de transmissão de uma informação e não apenas aos escritos ou impressos.

Numa breve regressão histórica, cumpre afirmar que, a partir do ano de 1919, teve início a “Era do Rádio”[65]. Nela as transmissões eram feitas através de ondas eletromagnéticas, o que inicialmente possibilitou a transmissão de voz, depois de imagem e hoje já permite o envio e recebimento de dados.  Com o advento da televisão, fruto de muito trabalho e investigação científica, essa “era” entrou em declínio.

Inúmeras foram as tentativas, até que em 1920 o inglês John Logie Baird conseguiu materializar verdadeiras transmissões de imagens. A partir do referido ano, em muito evoluiu a tecnologia dos televisores. Com a Segunda Guerra Mundial, ganharam forças as pesquisas para o desenvolvimento dos computadores eletrônicos, reconhecendo a população e os governos o potencial oferecido por essas máquinas. Com o tempo, elas foram sendo desenvolvidas, tornando-se cada vez menores e mais baratas, além de amplamente acessíveis a toda a população. Dessa forma, espalhou-se enormemente a quantidade de dados pelo mundo e foi facilitada a comunicação entre pessoas de todos os locais do planeta.

A Internet é uma ferramenta bastante utilizada para as comunicações pessoais e em massa, possibilitando a instantaneidade na transmissão de sons, imagens e textos. Aparelhos celulares viabilizam a realização de inúmeras tarefas, marcando assim a “Era dos Multifuncionais”, em que um único aparelho permite a realização de ligações, o envio de mensagens, fotografias, vídeos, acesso a internet, “mp3 player”, possuindo despertador, agenda telefônica e calculadora, dentre inúmeras outras funções.

Com a evolução da informação, há enorme melhoria nas transmissões das notícias e dos fatos, às quais o público tem acesso no exato momento de realização. Entretanto, caminham ao lado das inúmeras conseqüências positivas diferenciados aspectos negativos, dentre os quais cabe apontar os males do semi-analfabetismo e da falta de autenticidade (conhecida por plágio) causado pelo uso de computadores no ensino graças ao uso do famoso “Ctrl-C, Ctrl-V” (copiar e colar), além da ofensa de variados direitos fundamentais ao ser humano, a exemplo da honra.

Dispondo de enorme aparato tecnológico, os órgãos integrantes da mídia captam a notícia no exato momento em que o fato ocorreu. Essa mensagem é transmitida pelo mundo em milésimos de segundos, não mais levando dias ou horas, como no passado, em que comunicados ou pergaminhos eram lançados ao mar, para chegarem ao conhecimento de seus destinatários.

Através da Internet, acontecimentos são divulgados em tempo real. Os telespectadores assistem ao vivo a tudo o que ocorre no planeta. Pela moderna radiodifusão de sons, o que um repórter fala em países distantes é ouvido, ao mesmo tempo, em todos os lugares do mundo. Tudo isso foi propiciado pelo grande patamar e avanço de tecnologia galgado pela sociedade, o qual não encontra nenhum precedente. Nesse contexto, implicações diversas foram trazidas para a abrangência dos meios de comunicação e para o teor das notícias, sendo inegável que a Era da Tecnologia vem trazendo problemas de acentuada repercussão no mundo jurídico, como será demonstrado a seguir.

As empresas de informação adquirem um aparato tecnológico cada vez mais avançado, o que ocasiona um aumento na quantidade de destinatários das informações. “Se antes uma pessoa estava limitada a imprensa local, agora ela mesma pode se tornar parte da imprensa e observar as tendências do mundo inteiro, tendo apenas como fator de limitação a barreira lingüística”[66]. Hoje, impera a comunicação em massa, que alcança um surpreendente número de pessoas ao mesmo tempo, invadindo abruptamente os lares e a mente dos indivíduos, os quais, nem sempre, estão capacitados para discernir o real do fantástico.

4.5. COMUNICAÇÃO DE MASSA

Os processos de evolução tecnológica, social e cultural não estão encerrados, nem muito menos se aproximando de seus fins. Longe disso, as tecnologias avançam e tendem a progredir geometricamente, o que traz conseqüências notáveis no âmbito da comunicação, visto que, com o avanço tecnológico, cada vez mais são dilatadas e diversificadas as formas de comunicar existentes em uma sociedade.

Assim, evidente resta que a mídia sempre seguirá os ditames do progresso. Deve-se esclarecer que o termo mídias de massa é utilizado para fazer referência aos meios de comunicação que se destinam a atingir o maior público possível. Na linha evolutiva dessas mídias, pode-se apontar o rádio, a televisão e o computador, dentre outros, por se tratarem dos veículos mais significativos e que se comunicam com o maior espectro de público.

Como já anteriormente afirmado, as pessoas estão comunicando-se a todo instante, sendo este fato, inclusive, o sustentáculo da vida em interação com a sociedade. Seja manifestando suas opiniões, trocando informações ou mesmo recebendo notícias, os indivíduos estão sempre mantendo ativa a comunicação no meio social. E é, inclusive, através da comunicação pública que comumente se exerce o direito de liberdade de expressão de pensamento, daí a importância de tecer breve comentário sobre o que vem a ser a comunicação de massa.

À primeira vista, logo quando se ouve falar na expressão comunicação de massa, tem-se imediatamente a idéia de que a mesma se trata de uma modalidade de comunicação que atinge um enorme número de pessoas, um público cuja quantidade numérica seria até mesmo incalculável, uma verdadeira multidão de indivíduos. Entretanto, como bem afirmou John B. Thompson, “o que importa na comunicação de massa não está na quantidade de indivíduos que recebem os produtos, mas no fato de que estes produtos estão disponíveis, em princípio, para uma grande pluralidade de destinatários” [67]. Assim, em verdade, a comunicação de massa é aquela que tem o potencial de alcançar um número imenso de pessoas, mesmo que isto não venha a ocorrer, a exemplo de um livro, que pode ser por poucos lido e mesmo assim continua sendo um meio de comunicação de massa, visto que ele está à disponibilidade de um número ilimitado de pessoas.

Como dito por Ana Lúcia:

“É possível dizer que a comunicação de massa é o processo de informação que se realiza entre os comunicadores e a massa de audiência, heterogênea e anônima, por meio de instrumentos que são os canais de comunicação. E os meios de comunicação, também chamados de mass media, são os instrumentos de transmissão da mensagem, são instrumentos a serviço da informação” [68].

Através dela, são fornecidas idéias e informações que repercutem sobre os indivíduos, os quais interagem reciprocamente, ampliando, dessa forma, o entendimento e o conhecimento de todos os fatos que ocorrem no seio social, daí sua imensurável importância. Certo é que, por meio dos veículos de comunicação de massa, é possível a divulgação de mensagens em larga escala a todo tipo de público, sendo estas rapidamente absorvidas por seus destinatários, o que não era possível no passado, quando predominava a comunicação pessoal, em que o comunicador contava com a imediata e contínua resposta e opinião do receptor da mensagem, que não era transmitida a um grande número de pessoas.

É importante entender qual o nível de influência que os referidos veículos de massa podem causar em suas audiências ou público alvo, ou seja, o que poderá ocorrer quando um determinado grupo de pessoas for exposto a uma notícia, transmitida de certa maneira, através de um meio de comunicação de massa. Entretanto, trata-se de uma questão bastante ampla e complexa, na qual influem variados fatores, motivo pelo qual diversos estudos e formulações foram elaboradas com o propósito de tentar esclarecer o referido nível de repercussão.   

Desde que se observou que a sociedade seguia determinadas tendências como um todo, passou-se a falar em sociedade de massa. Inicialmente, tinha-se que essa massa era composta por indivíduos despersonalizados, sem autonomia de pensamento, seres que simplesmente engoliam uma notícia sem digeri-la[69] e que, portanto, não tinham autonomia de pensamento e aceitavam automaticamente tudo o que lhe foi noticiado. Dessa forma, através de uma simples propaganda poder-se-ia levar toda uma população a agir de determinada maneira. Esse pensamento vigorou no final do século XIX e foi bastante utilizado para que populações de diversos países participassem da Primeira Guerra Mundial. Observe-se:

“Os veículos de comunicação de massa disponíveis então se tornaram as principais ferramentas para persuadir populações, através de propagandas, a participarem da guerra. Após a guerra, diversas pessoas que haviam estado envolvidas intimamente na produção de propaganda ficaram carregadas de sentimentos de culpa acerca dos grosseiros embustes de que haviam participado. Mentiras deslavadas foram contadas por um lado acerca do outro, e, quando postas perante as populações da época através dos veículos de massa, foram frequentemente acreditadas. Tal persuasão em grande escala de populações inteiras com o emprego de veículos de massa, nunca fora vista antes, e foi conduzida de maneira habilidosa e extremamente coordenada. (...) Após a guerra, quando os ex-propagandistas publicaram um chorrilho de revelações sensacionalistas a cerca de suas burlas do tempo de guerra, o público em geral ficou mais esperto[70].

Como conseqüência do que ocorreu na época da referida guerra, nos termos do acima exposto, passou-se a pensar que a mídia era capaz de modelar a opinião pública e manipular completamente as pessoas, de forma que elas agiriam seguindo aquilo o que fosse determinado pela imprensa. Em síntese, no referido período, acreditava-se que os estímulos passados pelos meios de comunicação aos indivíduos atingiam cada pessoa da sociedade de massa, que recebia a informação da mesma forma que os demais, provocando-se, assim, uma reação mais ou menos uniforme de todos os indivíduos (Teoria do estímulo-resposta ou da Bala mágica).

Entretanto, à medida que estudos foram sendo realizados e aperfeiçoados, tornou-se cada vez mais evidente que a idéia acima referida não condiz com a realidade dos fatos. Diversas outras teorias foram elaboradas (as quais não serão citadas neste trabalho, visto que este não é o objeto de seu estudo), até que se percebeu que as pessoas reagem de formas diferenciadas quando expostas a determinada notícia e não uniformemente. Essa diversidade dos possíveis comportamentos é determinada por fatores diversos, dentre os quais se destacam o nível de educação e informação de um indivíduo, o meio em que ele vive e a sua maior ou menor facilidade de ser influenciado por opiniões alheias, dentre outros.

Dessa forma, nem todas as pessoas destinatárias de determinada mensagem são facilmente manipuláveis, visto que cada uma delas possui personalidade e história de vida próprios, não sendo, assim, indivíduos inertes e passivos diante das notícias: os indivíduos digerem os fatos e não apenas os engolem, o que significa dizer que eles possuem capacidade de refletir a respeito da informação transmitida e adotar, diante dela, o posicionamento que melhor condizer com seus ideais e sua racionalidade. Isto, é claro, a depender de variados fatores, como já explicitado.

O que não se pode negar, todavia, é que os veículos de massa constituem-se em importante fonte de expectativas sociais padronizadas a respeito da organização de determinados grupos na sociedade. Isso porque as notícias transmitem idéias, papéis, funções, comportamentos, sanções e normas de toda espécie, conteúdos poderosos e complexos que influenciam, de maneiras variadas, no pensamento e nas vidas das pessoas.

A população está acostumada a receber diariamente informações a respeito de todos os acontecimentos mundiais. Assiste anúncios, propagandas, filmes e notícias que preenchem o tempo ocioso e, às vezes, mantém pessoas isoladas da realidade. Ora, a mídia veicula um patamar de vida, felicidade e realização que deve ser alcançados por todos, os quais, mesmo que impossíveis para muitos, tornam-se ilusoriamente possíveis nas mágicas telas dos televisores. E assim os indivíduos deixam-se controlar pelos meios de comunicação, chegando até mesmo a abdicar de suas liberdades em prol de sonhos intangíveis embotados em suas mentes por uma mídia que não se importa com as mazelas de suas vidas. Sobre o assunto:

“Os meios de comunicação de massa proporcionam novas formas de se chegar à população através da produção e distribuição de informações ou entretenimento em larga escala, nivelando grupos profissionais, étnicos, sociais, regionais, desrespeitam suas individualidades. É verdade que a relação de comunicação não se reduz à comunicação massiva, há também a comunicação de pequenos grupos. Porém, resumo-se cada vez mais à comunicação eletrônica dos meios de comunicação de massa, onde as pessoas escutam e vêem mais e falam menos. Os órgãos que mais se desenvolvem são a visão e a audição. A fala vai silenciando” [71].

Destaque-se ainda que as pessoas que não possuem um bom nível de educação são as mais subalternas aos ditames da comunicação de massa. Os principais responsáveis por tudo isso são o governo e classes sócio-econômicas dominantes, tanto financeiramente como culturalmente, que se utilizam dessas mídias de modo a manipular a sociedade[72].

Em síntese, pode-se afirmar que comunicação de massa é aquela realizada de maneira industrial, equiparando-se a uma produção em série, visto que objetiva atingir o maior número possível de pessoas. Como dito por Nathalia Younes, “numa visão apocalíptica, ela é uma conversão da cultura em mercadoria, utilizada pelas classes dominantes de forma vertical para homogeneizar as massas” [73].

Mesmo tendo o indivíduo capacidade de reflexão face à informação que lhe foi passada, é evidente que a interpretação de dado acontecimento por parte da imprensa acaba por alterar, influenciar ou mesmo formar a opinião de uma pessoa acerca do que foi relatado, além de também influir em sua forma de reação. Isso porque todo indivíduo é tendente a sofrer interferências de fatores externos, os quais trazem repercussões nos mais variados aspectos de suas vidas, moldando, inclusive, suas personalidades e condutas. Assim, é de extrema importância que a mídia, por meio de seus veículos de massa, aja de forma correta e objetiva, sem deturpar os fatos ou oculta-los, para que posicionamentos e opiniões equivocados não sejam formados pelos indivíduos.

4.6. PANORAMA ATUAL

Sim, pesquisou-se, e muito, para que a sociedade galgasse o atual patamar de desenvolvimento tecnológico e científico. Poucos não foram os esforços dos cientistas e inventores para a criação de aparatos que proporcionassem à humanidade mais conforto e melhores condições de sobrevivência. Entretanto, lastimavelmente, desvirtuaram-se as finalidades dessas conquistas. Inicialmente, visava-se, através delas, ampliar a capacidade de domínio do homem sobre a natureza, para a extração de fontes aptas a garantir às pessoas melhores condições de vida, além de aprofundar o conhecimento, dissimulando e multiplicando as riquezas, descobrindo curas para doenças antes fatais. Hoje, não que as citadas finalidades tenham sido descartadas, mas a elas sobrepõem-se o ideal consumeristas vigente na sociedade moderna. Nos dizeres de Paulo José da Costa Júnior:

“Concretamente, todavia, o que se verifica é que o propósito dos inventores, cientistas, pesquisadores, sofre um desvirtuamento quando se converte de idéia beneficente em produto de consumo. A revolução tecnológica, sempre mais acentuadamente, ganha um dinamismo próprio, desprovido de diretrizes morais, conduzido por um ‘cientificismo’ ao qual são estranhas e mesmo desprezíveis quaisquer preocupações éticas, metafísicas, humanísticas. Torna-se cega e desordenada, subtraindo-se ao controle até dos mais sábios, que a desencadeiam” [74].

Incrível é que, mesmo tendo escrito sua obra nos finais da década de 60, o mencionado autor já havia conseguido descrever com precisão um dos maiores problemas que ainda afligem a sociedade aproximadamente após 40 (quarenta) anos daquela publicação. Claro que ainda há muito que se esperar da ciência, mas toda a evolução vindoura deve estar acompanhada de uma reflexão crítica, para que os valores morais não sejam mais sobrepujados do que já estão.

A mesma tecnologia que traz benefícios para o homem acaba por prejudicá-lo. É uma espécie de ambivalência: pessoas querem ficar famosas, abrindo mão de aspectos inerentes à honra e a privacidade, mas, ao mesmo tempo, questionam estarem sendo alvos de uma intromissão indevida por parte da mídia. São com problemas como estes que convivem a humanidade nos dias atuais.

A imprensa é corriqueiramente apontada como a principal responsável pela devassa na vida das pessoas, pela publicação de fatos indevidos ou por mascarar a realidade, ao passo em que os jornalistas frequentemente posicionam-se como vítimas de acusações infundadas. Mas não são através de argumentos inconsistentes que estas acusações são feitas. Se é certo que, cercadas por variados meios de divulgação de notícias, as pessoas sentem-se, de certa forma, psicologicamente induzidas a renunciar de suas intimidades (mesmo que seja para apenas aparecer alguns segundos na televisão e ficar momentaneamente famosas), com muito maior respaldo pode-se afirmar que a mídia vem sim extrapolando os limites de sua atuação, agindo de forma indevida e até mesmo vergonhosa.

Como já dito, deve haver, em todo Estado Democrático de Direito, uma imprensa livre e independente, para que a mesma cumpra a imprescindível função de informar a população e até mesmo de educá-la através de campanhas sociais.  Entretanto, não há liberdade desacompanhada de responsabilidades e nem tão pouco ilimitada. Ser livre não significa ser irresponsável. Dessa forma, todos devem responder pelos atos praticados, linha de raciocínio que se aplica, perfeitamente, à atuação da imprensa, que, hodiernamente, parece ter esquecido dos valores morais e éticos que devem permear toda a sociedade.   

Vive-se em um estágio no qual até mesmo o conceito de informação parece ter sido reformulado ou descaracterizado em função das exigências econômicas. Se antes informar era transmitir com veracidade e objetividade os fatos, hoje, este verbo, para muitos, sugere a noção de passar ao público uma notícia da forma que mais atraia a atenção, que obtenha os maiores índices de audiência e, consequentemente, gere o maior lucro possível às empresas de telecomunicação.

Variados foram os fatores que contribuíram para as mudanças apontadas. Passou-se a época em que o jornalismo sobrevivia da venda de pequenos folhetins, os quais eram emitidos em tiragem limitada e não estavam acessíveis a todos, até mesmo por possuírem elevado custo, não podendo, assim, ser adquiridos pelas pessoas que não possuíam uma boa condição econômica. Naquele contexto, os valores vigentes eram mais acentuados: as pessoas (diga-se aqui, principalmente, os jornalistas), preocupavam-se mais com as questões éticas e com as repercussões morais que a publicação de um determinado fato geraria na sociedade. Esse período está muito distante da atual realidade, a ponto de já ter caído no esquecimento de muitos.

Se o capitalismo e a globalização trouxeram conseqüências para todos os setores da sociedade, com a imprensa não poderia ter sido diferente. Para que vender poucos volumes de um jornal se ele pode ser produzido em escala e gerar um lucro muito maior? Ora, também no setor jornalístico repercutiram os ideais da economia de mercado. Agora, grandes grupos econômicos são proprietários dos principais jornais. Eles dispõem de enorme aparato tecnológico para a obtenção das notícias e visam vender seus produtos em quantidades cada vez maiores, para que obtenham a maximização de lucros. Mas não basta produzir jornais em grandes quantidades: deve-se conseguir vendê-lo a toda a população. Nesse intuito, começaram os empresários jornalísticos a criar meios de atração da curiosidade do público para que as pessoas consumissem e seus objetivos fossem alcançados.

É incrível como assuntos ligados às mazelas humanas e à violência são os que despertam o maior interesse da população. E isso não é recente, mas sim observado há séculos, quando a execução pública de penas corporais já despertava enorme interesse popular, reunindo multidões ao redor de um cadafalso para se divertir com o horror que era a punição do criminoso. Como relata Michel Foucault:

“Desde aquele tempo desenvolveu-se uma literatura do crime totalmente diferente, uma literatura em que o crime é glorificado, mas porque é uma das belas-artes, porque só pode ser obra de seres de exceção, porque revela a monstruosidade dos fortes e dos poderosos, porque a perversidade é ainda uma maneira de ser privilegiado” [75].  

Já nessa época, os jornais retratavam uma visão estereotipada do criminoso, descrevendo-o como mal, cruel e com outras características vis de personalidade de forma a atrair o interesse do povo. Hodiernamente, o crime e seu autor ainda fascinam o público, despertando a sua atenção. E, assim, a dimensão pública da justiça continua sendo principal alvo de interesse dos meios de comunicação de massa. Manipula-se o conteúdo das notícias, dando destaque aos fatos que fixam a atenção do público e deixando de lado outros considerados menos importantes, independentemente de isto gerar uma noção distorcida da realidade.

Ressalte-se que, como já afirmado, a mídia é a principal responsável pela formação da opinião pública. Isto porque é através dela que a maioria da população tem conhecimento dos acontecimentos. Além disso, os meios de comunicação, em verdade, transmitem uma notícia de maneira unilateral, não havendo um intercâmbio comunicativo, o que dificulta a formação de uma opinião individual por parte das pessoas. Nesse sentido:

“Essa característica da comunicação mediata – num só sentido, sem resposta imediata do receptor da mensagem – torna possível ao meio informativo impor seu modo de ver o fato, sua visão da vida e das coisas, sua opinião, manipulando e controlando a informação. Ora, a massa que tecnicamente não pode manter diálogo com a mídia absorve a notícia que é difundida de forma instantânea ou rápida e seus integrantes não têm tempo de formar uma opinião individual. Surgem, consequentemente, opiniões que são coletivas e, muitas vezes, estereotipadas. As imagens, as palavras, ou ainda as fotografias transmitidas pela mídia são sujeitas a interpretações. Se os indivíduos não possuem outras informações e carecem de outros canais, não formam juízo próprio sobre a mensagem recebida, e tendem a seguir a idéia sugerida pelo meio de comunicação” [76].

O trecho acima transcrito relata com exatidão o que ocorre na população brasileira, principalmente dentre aqueles que possuem menor índice de instrução. As pessoas assistem ou lêem uma notícia, tomando ciência do fato através dela. E a partir do que leu ou assistiu forma a sua opinião sobre o que aconteceu, já que não presenciou o fato e nem mesmo teve outro modo de saber, realmente, o que houve. Dessa forma, a população passou a compor-se de um exército de indivíduos cujas opiniões são embutidas em suas mentes pelos meios de comunicação.

Porém, o fator econômico não pode impulsionar os jornalistas a desvincularem-se do bom senso, da ética e da moral. Eles devem obedecer aos ditames da objetividade, atuando com a maior imparcialidade possível, para que a população não forme uma opinião equivocada a cerca dos fatos.

Sobre o assunto:

“A mídia noticiosa não se propõe deliberadamente a criar ilusões ou enganar quem quer que seja, pelo menos na maior parte das sociedades ocidentais. Pelo contrário, os códigos éticos de jornalismo ressaltam dever ser objetivo, justo, cuidadoso e factual. Mas isso é jogo perdido antes de começar a partida. Seletividade e distorções das notícias são produtos e fatores fora de controle dos repórteres, redatores, editores e diretores. As descrições do mundo lá de fora apresentadas pela imprensa são conseqüências de condições anteriores, tais como recursos limitados de que os jornais dispõem para estudar em primeira mão qualquer determinado acontecimento. São também decorrência de constrangimentos no processo de preparar as notícias para se adequarem às exigências de um determinado veículo. Espaço e tempo são caros, e todos os relatos da notícia devem ser sumários. Há uma inevitável perda de pormenores em qualquer relato que tente focalizar os fatos centrais e ignore os outros. Além disso, há o problema de captar e prender a atenção em indústrias da mídia que dependem de anúncios como sua principal fonte de renda. As estórias e fatos que tenham probabilidade de aumentar a circulação, o que conduz a dar atenção aos anúncios, que por sua vez leva a lucros, têm forçosamente forte apelo para conseguir espaço ou tempo” [77].

Cabe então tecer uma análise a cerca do atual teor das notícias, do que elas vêm transmitindo aos seus receptores, bem como a respeito do caráter sensacionalista que permeia o jornalismo, tópico essencial para a compreensão dos exageros cometidos pela mídia.

4.6.2. Responsabilidade e ética na informação

Cabe aqui tecer uma breve consideração a cerca da responsabilidade e da ética na informação. Nesse intuito, serão apontados as diretrizes e os princípios norteadores da atividade jornalística, para que, a partir desse esclarecimento, seja possível visualizar e entender, com maior facilidade, as distorções e excessos que vem sendo cometidos pela imprensa.

Se a toda liberdade corresponde uma responsabilidade, não há nem como se imaginar a existência de um jornalismo irresponsável. Assim, toda atividade jornalística deve estar sempre lastreada na independência, veracidade, objetividade, honestidade, imparcialidade, exatidão e credibilidade[78]. Seguindo esses elementos que compõem a responsabilidade do jornalismo, o profissional certamente conseguirá apurar e difundir os fatos e informações gerais com veracidade, precisão e clareza, livre de distorções ou excessos.

Ora, encontrar, hodiernamente, um meio de comunicação que reúna todos esses requisitos é praticamente impossível, seria como alcançar o sonho de viver em uma sociedade perfeita e harmônica, em que não houvesse abusos nem criminalidade. Mesmo assim, é válido esclarecer alguns dos elementos acima elencados.  

Dentre eles, cabe discorrer, ainda que brevemente, sobre a imparcialidade e a independência. Agir de forma imparcial significa atuar com neutralidade, retidão e equidade, sem manifestar tendência de favorecimento a nenhuma das partes envolvidas na situação, ou ainda, nos termos da linguagem popular, sem “tomar partido” por ninguém[79]. Importante destacar que a imprensa deve trabalhar dentro da maior imparcialidade possível, narrando os fatos com neutralidade, de forma a informar ao público objetivamente, sem contaminar a matéria com elementos que manifestem tendência a favorecer determinada parte envolvida. Em relação ao assunto, escreveu Aluízio Ferreira, citando Jean Rivero, afirma que:

“Ao discorrer sobre os problemas da liberdade de imprensa, engloba-os em duas grandes vertentes: a dependência do poder político e a vinculação ao poder econômico, da qual resulta o movimento de concentração de empresas e a sujeição ao patrocínio publicitário, em prejuízo da liberdade de expressão e da independência necessária. (...) As empresas passaram a publicar apenas o que interessava a si e a seus acionistas ou anunciantes, e a ignorar ou julgar irrelevantes o que não correspondesse a tais interesses, além de omitir, distorcer ou mesmo fabricar fatos, para beneficiar-se ou manter suas posições de privilégios, em conluio com os detentores do poder” [80].

Como já fora acima discutido, o poder econômico e político vem cerceando a liberdade de imprensa, obstacuralizando, assim, que ela atue com a devida imparcialidade, pois a necessidade de compensação financeira, de obtenção de lucros ou até mesmo de apoio do Estado e a dependência econômica fazem com que seja comprometido o teor das matérias publicadas, no intuito de prender a atenção do receptor. Além disso, face a esta dependência, manipulam-se as notícias de forma a favorecer ou não comprometer a imagem daqueles que detém o poder, apenas publicando o que lhes for conveniente. Foi nesse sentido que escreveu Juarez Bahia, ao dispor que “o jornalismo pretende ser testemunha da história a partir da publicação dos fatos. (...) A imparcialidade para o jornalismo é um ideal” [81].

Em relação ao elemento veracidade, a Declaração de Princípios para a Conduta dos Jornalistas, que é fonte internacional para o padrão de conduta desses profissionais, prescreve em seu art. 1º, in verbis: “Respeito à verdade e ao direito do público à verdade é o primeiro dever do jornalista” [82]. Nesse mesmo sentido dispõe o Código de conduta dos jornais, in verbis: “Apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses” [83].

Observa-se que todos os códigos e manuais de conduta que norteiam a atividade do profissional da imprensa estabelecem ser a veracidade um dever a ser totalmente respeitado. Atualmente, como será adiante demonstrado, a mídia nem sempre trabalha em cima da verdade dos fatos, parecendo desconhecer o estabelecido para a conduta dos profissionais, o que traz nefastas conseqüências para a formação da opinião pública.

Não se deve esquecer, ainda, da importância da honestidade, visto que uma matéria não-honesta compromete a idoneidade do meio de comunicação e a reputação do profissional que a editou. Pode-se afirmar que a má manipulação de uma notícia pela imprensa é uma atitude totalmente desonesta. Se o profissional atuar com imparcialidade, narrando veridicamente os fatos, não há de se falar no cometimento de crime algum. Assim, observe-se a seguinte decisão:

“CRIMES CONTRA A HONRA – Advogado que em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia – Ausência de dolo demonstrada na atuação defensiva – Não caracterização.

Os crimes contra a honra não se caracterizam na hipótese em que o Advogado em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia, pois as palavras, neste contexto, apresentam-se isentas da vontade livre e consciente de ofender a honra do querelante”. (TACrimSP - Recurso em Sentido Estrito nº. 1.347.631/2 – Ribeirão Preto. Relator: Euvaldo Chaib. 2ª Câmara. Data do julgamento: 15/052003. V.U. - Voto nº. 2.430).

No mesmo sentido, a seguinte ementa:

“LEI DE IMPRENSA. CRIME CONTRA A HONRA. MATÉRIA QUE NÃO FOCALIZA COM EXCLUSIVIDADE E ESPECIFICAMENTE O SUPOSTO OFENDIDO, CINGINDO-SE À VERDADE DOS ACONTECIMENTOS, COM MERA REPETIÇÃO DE FATOS DE INTERESSE NACIONAL QUE O ENVOLVERAM. RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME. IMPOSSIBILIDADE: IMPOSSÍVEL O RECEBIMENTO DE QUEIXA-CRIME POR DELITO CONTRA A HONRA PREVISTO NA LEI DE IMPRENSA, NA HIPÓTESE EM QUE A MATÉRIA INCRIMINADA NÃO FOCALIZA COM EXCLUSIVIDADE E ESPECIFICAMENTE O SUPOSTO OFENDIDO, EXTRAINDO-SE DE SEU CONTEXTO, MERA REPETIÇÃO DE FATOS DE INTERESSE NACIONAL QUE O ENVOLVERAM, CINGINDO-SE O ESCRITO À VERDADE DOS ACONTECIMENTOS, IDENTIFICANDO-SE O "ANIMUS NARRANDI", EM LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA INSPIRADO PELO INTERESSE PÚBLICO, SEM INTENÇÃO DE CALUNIAR, INJURIAR OU DIFAMAR, NOS LIMITES DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO INSCRITA NO ART. 5º, IV, DA CARTA MAGNA”. (TACrimSP – Apelação Criminal nº. 1090509/1. Relator: Roberto Montanari. 13ª Câmara. Data do julgamento: 01.9.1998).

Urge que a mídia exerça o seu papel dentro dos preceitos éticos, respeitando os valores e direitos personalíssimos dos indivíduos e da sociedade. Assim, deve ela sempre reconhecer, proteger, garantir e respeitar o direito de terceiros, pois “embora os valores éticos estejam dentro de cada indivíduo, seu resultado afeta diretamente outras pessoas. (...) A ética de um jornal é a expressão de como ele conduz seus negócios moral e profissionalmente” [84].

No Brasil, há um Código de Ética dos jornalista em vigor desde 1987[85]. Bastaria a leitura do mesmo, bem como o efetivo cumprimento de suas normas, para que tantas demandas envolvendo os excessos da mídia não abarrotassem o Poder Judiciário e não houvesse tanta colisão entre os direitos fundamentais. Parece, entretanto, que os jornalistas adotam as normas desse manual como se elas fossem uma exceção e não a regra a ser inafastavelmente seguida. 

4.6.2. O conteúdo das notícias

Notícia, oriunda do latim notitia, significa “relatório ou informação sobre um acontecimento recente; aquilo que se ouve pela primeira vez; assunto de interesse, matéria adequada para jornal e noticiários de rádio e/ou televisão” [86]. Dessa breve exposição de significado, infere-se que é ela o principal material de trabalho da mídia, visto que a imprensa, em sua acepção mais ampla, trabalha, principalmente, com a divulgações de notícias como forma de manter informada a população[87], cumprindo o seu importantíssimo papel no Estado Democrático de Direito. Pode-se conceituá-la como sendo o formato de divulgação de determinado fato pelos meios de comunicação.

Como dito, é imprescindível à sociedade uma mídia que atue com seriedade, divulgando os acontecimentos para que estes sejam por todos conhecidos. No afã de cumprir este papel informativo, auferindo, ao mesmo tempo, elevados lucros com as publicações, os proprietários de jornais e demais veículos estão sempre buscando excelência nas notícias. Para que a mesma seja alcançada, quatro fatores principais devem estar presentes em seu conteúdos, quais sejam:

Novidade: a notícia deve conter informações novas, e não repetir as já conhecidas;

Proximidade: quanto mais próximo do leitor for o local do evento, mais interesse a notícia gera, porque implica mais diretamente na vida do leitor

Tamanho: tanto o que for muito grande quanto o que for muito pequeno atrai a atenção do público

Relevância: notícia deve ser importante, ou, pelo menos, significativa. Acontecimentos banais, corriqueiros, geralmente não interessam ao público “[88].

São estes os elementos que norteiam o trabalho de todo jornalista, afinal, ninguém tem interesse em publicar assunto que não chame a atenção do público, não gere comentários posteriores e nem alimente a curiosidade popular pela vida alheia.  Nesta visão, agir de forma contrária seria total perda de tempo e de dinheiro, pois nenhum cidadão se prestaria a comprar um jornal, uma revista ou assistir um programa de televisão que não reportasse nenhuma novidade, permanecesse inerte face aos acontecimentos e nada acrescentasse ao seu conhecimento. Seria um verdadeiro retrocesso, inconcebível na dinâmica sociedade contemporânea.

Não basta apenas, entretanto, que sejam preenchidos os mencionados requisitos para que a notícia seja de boa qualidade. Não menos importante do que eles é o conteúdo a ser transmitido, bem como a atitude e postura daqueles que narram os fatos, que devem agir com a maior neutralidade e imparcialidade possível. Isso porque, correlato à liberdade de imprensa está o direito de o receptor ter acesso a uma informação dotada de veracidade e completude.

A mídia não pode veicular matérias falsas, não pode inventar fatos sob o vil pretexto de atrair o público. Isso iria de encontro aos preceitos éticos e morais vigentes na sociedade e em seu manual de conduta. Toda crônica deve sempre pautar-se em fatos verdadeiros. Assim, o jornalismo tem de nortear-se pela busca e transmissão da verdade, requisito essencial ao digno exercício da liberdade de informação. Nesse diapasão, pode-se questionar o que seria, então, a verdade de um fato, visto que nem sempre é possível saber precisamente como ele ocorreu, motivo pelo qual inúmeras investigações são instauradas.

Ora, a verdade jornalística consiste em não mentir deliberadamente, agir com a certeza de que se está transmitindo a verdade[89], até mesmo porque um fato considerado verdadeiro, depois de uma investigação mais aprofundada, pode deixar de sê-lo comprovadamente, e isso não compromete a atividade da imprensa, que narrou aquele fato ciente de que ele era verdadeiro no momento. Assim, a verdade que se exige é a real versão dos fatos e nunca uma verdade absoluta, porque esta é quase impossível de ser alcançada.

Ressalte-se, entretanto, que por mais imparcial que tente ser um jornalista, sempre haverá uma carga de subjetividade em sua atuação. Trata-se de um ser humano, com sentimentos e valores ínsitos, os quais, mesmo que de forma despercebida, acabam interferindo em sua atividade[90]. Mesmo assim, o profissional deve ater-se, ao máximo, à realidade dos fatos, transmitindo-os com objetividade. Agindo com diligência e responsabilidade, cumprirá a função de informar a sociedade, não contribuindo para a formação de uma equivocada opinião pública a cerca de determinado assunto. Nesse sentido:

“Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse” [91].

Além disso, a imprensa não pode transmitir fatos incompletos. Toda informação deve ser completa, o que é de essencial importância, pois através da supressão de aspectos atinentes a determinados fatos, pode ser criada no imaginário popular uma falsa percepção da realidade, uma noção distinta daquilo o que realmente aconteceu.

Frise-se que a narração de um fato de maneira equivocada ou incompleta pode causar prejuízos irreparáveis na vida daqueles que dele participaram, o que vem acontecendo, comumente, nas matérias policiais e judiciais, em que inocentes são acusados sem a devida investigação e expostos à revolta da população, sendo que, em muitos casos, depois resta comprovada a inocência dos mesmos, mas os prejuízos ocasionados à honra e demais bens personalíssimos são definitivos.

De igual relevância mostra-se a maneira através do qual uma notícia é divulgada. A linguagem utilizada deve ser simples, compreensível por todos, permeada por objetividade e serenidade. Não pode o jornalista narrar os fatos de forma confusa, utilizando-se de expressões tendenciosas ou agressiva. Se assim o fizer, o público poderá contaminar-se pelos artifícios empregados na divulgação da matéria e, consequentemente, formular equivocados juízos de valor.

Se todos os elementos e requisitos acima expostos fossem fielmente seguidos, problemas não haveria. Triste é que a realidade afasta-se bastante desse sonho, ou, porque não dizer, utopia. Sim, pois não parece que os profissionais do jornalismo passam anos na faculdade (quando formados) estudando os preceitos da ética jornalística e os princípios norteadores de sua atividade, e, se o fizeram, certamente esqueceram com muita facilidade tudo aquilo o que aprenderam logo quando se inseriram no mercado de trabalho. A culpa não é exclusivamente deles (claro que poderiam optar por agir de acordo com os referidos princípios, mesmo correndo o risco de permanecer desempregados), mas também dos proprietários dos meios pelos quais são transmitidas as notícias e até mesmo dos princípios capitalistas em geral.

Aqui também o dinheiro é questão de influência decisiva, ditando, inclusive, o conteúdo das notícias e influenciando na reconstrução de um fato. Como afirmado, os grandes grupos econômicos visam lucrar cada vez mais e lançam mão de qualquer artifício para o alcance desse propósito. Assim, a notícia deve ser obtida em “primeira mão” e transmitida ao público com ineditismo, no afã de atrair a atenção do maior número de pessoas.

É fato que existem aparatos tecnológicos capazes de captar um fato em tempo real, mas nem sempre é possível àquele que irá editar e transmitir a mensagem compreender imediatamente o que aconteceu, de forma a conseguir transmitir a pura verdade à população. Como não se pode perder um “furo de reportagem”, muitas vezes a realidade dos fatos é manipulada, seja em decorrência de uma interpretação equivocada do profissional, que não teve tempo para analisar o que realmente aconteceu, seja pela transmissão de uma mensagem incompleta, que leve as pessoas a terem uma noção equivocada do fato.

Assoma-se ainda a rotineira prática de manipulação dos fatos para que a notícia prenda a atenção do receptor. Nesse intuito, são utilizadas expressões pejorativas e tendentes a levar uma pessoa a acreditar naquilo o que foi dito. Nos dizeres de Ana Maria:

 “A necessidade da rapidez de sintetizar as idéias, de torná-las acessíveis ao público, a pressão que sofre o jornalista com a iminência do fechamento da edição prejudicam a verdade, a objetividade na narração dos fatos que se tornam notícias. O profissional deve fazer com que a realidade entre no mundo da fantasia, da representação. Não há tempo de analisar, refletir e investigar o fato, não há como conferir as fontes de informações. É o fast journalism impedindo o acesso à verdade substancial, impondo tanto a verdade formal como a oficial do jornal, da TV. Não havendo outros critérios de avaliação pelo receptor da ‘mensagem fugaz’, a verdade é o que a mídia noticiou como tal” [92].

Não podem perpetuar-se as práticas de divulgação de notícias a qualquer custo, sem que seja feita uma análise das repercussões que tais atitudes podem causar. Isso conflui contra os pilares do Estado Democrático de Direito.

4.6.3. Sensacionalismo na mídia

Neutralidade e imparcialidade da imprensa. Estes eram, e ainda são, ideais para o correto desempenho da função jornalística. Mas como todo ideal ou sonho, nem sempre se materializam, continuando, assim, presentes na ilusão daqueles que acreditam ser a mídia sempre fiel e verdadeira na narrativa dos fatos. Prova inconteste desta afirmação encontra-se nos meios e maneiras utilizados para a divulgação das notícias pela mídia sensacionalista. Ora, divulgam-se e exploram-se as matérias em um tom espalhafatoso, capaz de emocionar, chocar ou escandalizar o público[93], trazendo-se para o plano da realidade a concretização do significado da palavra sensacionalismo. Sim, hoje é ele que impera nos meios de comunicação, que se empenham em criar artifícios cada vez mais surpreendentes para chamar a atenção do destinatário da mensagem[94].

O sensacionalismo, como sugerido pelo próprio termo, é uma maneira diferenciada de transmissão de notícias, com o intuito de envolver e prender a atenção do maior número de pessoas possível. Nesse sentido, os jornalistas fazem uma prévia seleção e escolhem publicar ou transmitir os assuntos capazes de surpreender e chocar o público, envolvendo-o na matéria e despertando fortes sentimentos. Assim, utilizam-se das mais variadas técnicas para a manipulação das emoções do receptor da mensagem, induzindo-o a um baixa capacidade de reflexão crítica sobre os fatos narrados, com o emprego de uma linguagem facilmente compreensível por todos e da linguagem-chichê[95], para que a opinião das pessoas coincida com aquela que foi transmitida pelo profissional.

Frise-se que o sensacionalismo não se trata apenas de uma forma ou maneira de divulgação dos fatos, englobando diversos outros fatores, a exemplo da seleção dos temas mais interessantes, que gerem maior atratividade, para constarem nas pautas; do emprego de grande teor emotivo ao relatar o fato, aguçando os sentimentos do público; da exploração por demais prolongada, e até mesmo repetitiva, dos fatos escandalosos que despertaram grande atenção; além da análise do tipo de reação que se pretende gerar no público ao ter contato com a mensagem, sendo este um artifício de primordial importância para a manipulação da opinião pública.

Diz Ana Maria, sobre a linguagem sensacionalista, que:

“A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo o seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicações constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornam inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional” [96].

Hodiernamente, dentre os meios que compõe a mídia, é televisão que mais se utiliza das técnicas sensacionalistas, o que é favorecido pela maneira como os programas transmitem determinado fato, aliando à narrativa imagens que possuem o condão de causar forte impacto naqueles que as assistem. E assim seguem os profissionais dramatizando os fatos, divulgando imagens em ângulos que levem o telespectador a “criar” opiniões manipuladas a respeito dos personagens, estereotipando os indivíduos como portadores de má índole e de um baixo caráter, já que o que o público viu foi o retrato de uma pessoa cujos traços fisionômicos o levaria, certamente, a formar essa convicção.

É importante ter em mente que, mesmo divulgando imagens, nem sempre o que é transmitido por uma matéria televisiva condiz com a realidade dos fatos. Antes da exibição de determinada notícia, efeitos são utilizados, realizando-se montagens, seleções e dramatizações que causam verdadeiro impacto nos telespectadores. Se é certo que a televisão atrai mais o público pela imagem do que pelos discursos, não se deve esquecer que uma imagem pode perfeitamente apenas retratar parte da realidade.

E são através desses artifícios que a massa assiste diariamente a verdadeiros espetáculos de transmissões de notícias, que, manipuladas, banalizam a realidade e tratam das mazelas sociais como cenas teatrais, por meios de títulos e mensagens contundentes, fazendo com que opinião pública confunda-se com própria opinião publicada, por não conseguirem as pessoas formarem uma convicção distinta daquilo o que foi passado, até porque, muitas vezes, tenha sido aquela a única fonte pela qual tenham tomado conhecimento de certo fato, como afirmado.

Nesse contexto, a cada dia aumenta a quantidade de programas que exploram a violência, a pobreza e demais mazelas sociais, utilizando-se de chamadas impactantes, capazes de prender a atenção de pessoas que, apesar de tão sofridas, alimentam a sua necessidade de diversão com reportagens que tratam das desgraças alheias. Transforma-se a violência em entretenimento, embotando nas pessoas uma ânsia por desfechos que atendam aos clamores sociais. Cabe aqui, perfeitamente, transcrever um trecho da obra de Ana Maria, em que ela diz:

“Esse tipo de imprensa utiliza-se de formas sádicas, calunia e ridiculariza as pessoas. Explora os temas agressivos, dos submundos da sociedade hierarquizada onde o crime se integra em condições de normalidade. É o jornalismo de escândalo que tem por fim agredir com o que é proibido, obsceno, temido, criando uma ficção que seduz. Não se presta a informar, e sim a vender aparência, entretenimento barato que consiste no lado atraente dos escândalos envolvendo crimes” [97].

Aqui, é claro, encontra-se o espaço perfeito para a exploração da violência, do crime e da justiça penal por meio de um discurso de fácil compreensão, ágil e coloquial, ilustrado com imagens impactantes que transformam as mais tristes e cruéis barbaridades em espetáculos televisivos. Segue o público assistindo a todos os detalhes exibidos pela televisão, ávido por não perder nenhuma notícia ligada ao assunto, acompanhando a matéria diariamente, como se estivesse assistindo a um filme ou ficção que tratasse da violência, seduzidos pelo quotidiano de verdadeiros marginais, sem muitas vezes se dar conta de que estão diante de fatos reais, que causam grande abalo e sofrimento às partes envolvidas, e que podem vir perfeitamente a acontecer no seio de suas famílias.

Para defenderem-se das acusações de excessos e crimes, os jornalistas (incluindo-se aqui até mesmo aqueles que teoricamente condenam o sensacionalismo, defendendo a plena liberdade de imprensa com neutralidade), geralmente afirmam que a mídia jamais produz fatos, que ela apenas relata tudo o que aconteceu de forma neutra. Verifica-se, de pronto, que este argumento é falacioso e não prospera, mesmo porque nenhuma linguagem é totalmente neutra e ninguém consegue manter-se totalmente impermeável às influências do meio que o cercam (assim também é o jornalista, que, muito mais do que um profissional, é um ser humano com todas as características a ele inerentes). Nesse mesma linha de raciocínio, defende Luiz Ferri de Barros:

“Notícias de suicídio raramente são divulgadas pela mídia, salvo em casos excepcionais, porque existe um consenso entre os jornalistas a respeito de que tais notícias podem eventualmente induzir outras pessoas a cometerem suicídio. Esta simples norma ética, consuetudinariamente estabelecida, é demonstração suficiente de que, a despeito de proselitismo em contrário, os jornalistas concordam que a mídia tem o poder de induzir comportamentos socialmente indesejáveis, independentemente da forma com que os fatos são relatados, o que serve, adicionalmente, para demonstrar a impossibilidade de sua neutralidade, dispensando-se outras considerações” [98].

O jornalismo sensacionalista parece ter suplantado o jornalismo informativo, o qual reporta fatos despido de valorações. Aquele enaltece e fabrica o fato, dando a qualquer acontecimento uma grande carga de emoção e um tom escandaloso. Isso traz conseqüências negativas para os envolvidos, que vêem suas honras sendo atropeladas pelos veículos de informação e passam a desfrutar de uma péssima reputação diante de toda a sociedade. Reconstruir o estrago que foi feito na vida dessas pessoas é muito difícil, quando não impossível. E assim, resta a elas a perpétua pena de tentar sobrevier com as migalhas que lhes restaram de suas reputações e honras na sociedade, na esperança de algum dia reconstruir suas dignidades.


5. PROCESSO PENAL – ASPECTOS GERAIS

É natural a existência de conflitos entre homens que vivem inseridos na sociedade, até mesmo por ser rotineiramente mantido um contato entre pessoas com ideais e personalidades diferentes. Os indivíduos possuem gostos e interesses distintos, daí porque chega a ser utópico imaginar uma convivência totalmente pacífica entre eles. E assim, desde que surgiu a humanidade, há relatos de brigas entre os homens, tenham sido elas pela disputa de alimentos e moradia, ou ainda por oposição de interesses, dentre inumeráveis outros motivos.

Mas, se antes se resolvia todos os problemas através do uso da força (o que, indubitavelmente, favorecia os mais fortes), época em que a “autodefesa” [99] era a regra na solução de conflitos, surgiu, com a evolução da sociedade e dos valores éticos e morais, a necessidade de o Estado passar a ser o responsável por compor os interesses maneira justa e pacífica. E assim, por meio de um terceiro capacitado a decidir com imparcialidade e neutralidade as questões, emitir decisões condizentes com os ditames da justiça e da equidade.

Logo, o Estado avocou para si a competência para a composição de litígios, de forma que, estabelece o art. 345 do Código Penal brasileiro, ser “proibido fazer justiça com as próprias mãos, embora a pretensão seja legítima”. Logo, é a ele que cabe administrar a justiça, o exercício do jus puniendi, tarefa de incumbência do poder judiciário, através de seus órgãos. Porém ele não possui um poder repressivo ilimitado, até para que abusos não sejam cometidos, motivo pelo qual traz a Constituição Brasileira regras garantidoras da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual a serem observadas, como será, a seguir, demonstrado. Nesse sentido, pode-se conceituar o Direito Processual Penal como sendo um “conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos auxiliares, bem como da persecução penal” [100].

Do conceito acima exposto, pode-se inferir que o Processo Penal tem como finalidade, além de garantir a paz social, concretizar a pretensão punitiva do Estado face à prática de um delito, observando as garantias jurisdicionais. Nos dizeres de Fernando Tourinho, “sua finalidade é tornar realidade o Direito Penal” [101]. Assim, enquanto a Constituição traz normas garantidoras dos direitos e garantias fundamentais do homem, o Processo Penal viabiliza que essas garantias tornem-se realidade, para que não sejam desrespeitadas nem mesmo frente à ânsia e ao clamor popular pela punição do autor dos mais terríveis delitos.

Feita essa brevíssima explanação a cerca do processo penal, de fundamental importância para a devida compreensão dos direitos de um acusado, deve-se tratar das garantias que devem ser observadas pelos julgadores.

5.1. O PROCESSO PENAL COMO GARANTIA

Como já acima exposto, não pode o Judiciário, através da figura do magistrado, condenar e aplicar pena ao suspeito por certo crime, sem antes observar determinadas regras e procedimentos, agindo por mero impulso ou pela necessidade de, imediatamente, apresentar uma resposta à sociedade, deixando, por isso, de instaurar o devido processo para apuração dos fatos. Assim, existem garantias para evitar que um juiz aja arbitrariamente, da forma que melhor lhe convier e satisfizer os seus desejos, com o fim de evitar o cometimento de arbitrariedades, as quais são imprescindíveis a todo Estado Democrático de Direito.

Ora, não pode existir um poder sem limites. Caso contrário, face à ausência de qualquer limitação, seu titular certamente cometeria abusos e agiria de acordo com seus impulsos, nada podendo ser feito contra tais atitudes, o que acarretaria transtornos imensuráveis a toda sociedade. Sempre deve haver limitações, moderando a atuação dos detentores do poder. E é assim que o Princípio da Legalidade apresenta-se um imperativo indispensável à limitação do poderio estatal em toda democracia, não sendo ninguém obrigado a fazer aquilo o que a lei não determinar. Sim, os ditames legais devem ser seguidos, constituindo-se a lei em um instrumento de controle à atuação estatal.

Como dito, é ao Estado que cabe, no exercício da função jurisdicional, aplicar uma pena abstratamente prevista no Código Penal ao autor de determinado delito. Apenas o juiz pode condenar qualquer indivíduo, não cabendo, em hipótese alguma, à população e nem mesmo à mídia (como vem sendo feito, através de acusações infundadas ou por demais excessivas, sem o respeito das devidas garantias), tal papel. Isso iria de encontro a todos os preceitos legais norteadores do Estado de Direito.

Assim, para que um indivíduo seja condenado, e, consequentemente, cominada a ele uma penalidade, deve ser instaurado um processo em seu desfavor, o qual observará diversas regras e seguirá uma seqüência de atos, para que não deixe de ser respeitada a sua honra, bem como os seus direitos fundamentais. Ninguém pode ser privado de sua liberdade, a não ser por meio de um processo, e nesse sentido dispõe o consagrado princípio nulla poena sine iudicio (o que equivaleria a dizer que a pena só se aplica por processo).

Respaldando o posicionamento acima manifestado, afirma José Frederico Marques que:

“O Estado não pode fazer prevalecer de plano o direito de punir (...) nos Estados submetidos à lei e ao direito, a pena só se aplica ‘processualmente’. A atividade punitiva dos órgãos estatais encarregados de restaurar a ordem jurídica violada pelo crime submete-se a um controle jurisdicional a priori, em que o Poder Judiciário aplica a norma penal objetiva mediante a resolução de uma lide consubstanciada no conflito entre o direito de punir e o direito de liberdade” [102].

De todo o exposto, pode-se inferir que o Processo Penal não objetiva apenas aplicar penas aos acusados. Muito mais: ele visa proteger os indivíduos dos arbítrios e excessos do judiciário através do conjunto de atos a serem seguidos e de regras a serem observadas. Nessa seara, todo cuidado deve ser tomado, porque está em jogo a liberdade de um indivíduo, bem supremo e constitucionalmente inviolável, nos termos do art. 5º, caput, da Constituição Federal.

E é nesse sentido que se defende ser o Processo Penal um instrumento de garantia para o réu. Se ele não existisse, se limites e regramentos não houvesse, verdadeiras atrocidades e abusos poderiam ser cometidos contra o acusado, a exemplo da aplicação de penalidades e decretações de prisões não fundamentadas.  Assim, afirma Vicente Greco que:

“O processo é uma garantia ativa porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade. Nesse sentido, existe a garantia do habeas corpus, contra a violação do direito de locomoção sem justa causa, o mandado de segurança, contra a violação do direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, a garantia geral da ação, do recurso ao Judiciário etc. O processo diz-se como garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade de ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o qual não pode impor restrições da liberdade sem o competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a justiça privada, isto é, garante que a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o cabimento e a legitimidade de tal pretensão” [103].

Através do Processo Penal, o réu tem direito a um julgamento e a uma decisão justa, respeitando-se o seu direito de defesa antes de ser proferida a sentença. E, assim, serão atendidos os anseios e clamores sociais pela efetividade da justiça e garantida a necessidade de as demais pessoas viverem livremente em segurança, sem que, para tanto, haja desrespeito aos valores morais e direitos constitucionalmente fundamentais do acusado. Nos dizeres de Alexandre Wunderlich:

“Daí a relevância do modelo garantista de democracia constitucional proposto por Luigi Ferrajoli. No modelo do garantismo penal (...) há uma notória relação de reciprocidade entre as duas esferas de garantias, que valem não somente por si mesmas, isoladamente, mas também, conjuntamente, como garantia recíproca de sua efetividade. As garantias são imprescindíveis tanto no plano estrutural como no plano funcional. As garantias substanciais só serão efetivas quando forem objeto de uma instrumentalidade na qual sejam asseguradas ao máximo a legalidade penal e processual penal, a imparcialidade, a veracidade e o controle. Segundo Luigi Ferrajoli “la correlación biunívoca entre arantías penales y procesales es el reflejo del nexo específico entre ley y juicio en matéria penal.” Quando o conflito chega à justiça retratado em infração com dignidade penal, é porque merece ser solucionado à luz de um modelo de garantias que se legitima como um sistema de poder mínimo, no plano político, capaz de minimizar violência e de maximizar liberdade “[104].

Visualisando-se o processo como garantia nesta ótica, não se deve, jamais, colocar o poder repressivo do Estado acima das garantias individuais, de forma que os direitos sejam tutelados, sem deixar de, ao mesmo tempo, combater a irracionalidade e os excessos dos poderes. Assoma-se a isso o fato de ser possível inferir, a partir da leitura dos princípios fundamentais, uma noção de direito penal mínimo, o qual deverá ser utilizado em último caso, depois de esgotados os demais meios de controle social. Defende Vladimir Aras que:

“Para que esse tormento não se torne excessivo, nem desnecessário, a ponto de ofender a dignidade da pessoa humana; para que o processo não se poste como indesejável ameaça à liberdade ou - aí de fato uma grave ameaça - à harmonia social, é preciso, pois, reduzir sua abrangência ao estritamente necessário, àquele mínimo imprescindível para a segurança coletiva. Quanto menos processos penais houver, mais saudável será a sociedade. Quanto maior a salubridade social, menos crimes existirão. Não é que o Estado deva deixar de proceder à persecução criminal quando isto pareça adequado e essencial, mas que a maior parte do esforço estatal seja destinada à prevenção e à profilaxia dos fatores criminógenos” [105].

O referido autor mostra-se contrário à idéia do direito penal máximo, o qual geralmente fundamenta-se na necessidade de intensa intervenção face ao medo e à insegurança que atormentam a paz social. Completando a sua linha de raciocínio, de forma a evitar que se entenda defender ele posição de que jamais deve o Estado intervir em hipótese alguma, diz que:

“A atuação máxima do direito criminal acaba por desacreditar todo o sistema de justiça penal, seja pela reconhecida ineficiência do Estado, seja pela sempre presente cifra negra da criminalidade, seja porque os instrumentos penais de privação de liberdade perderam de há muito o caráter intimidativo geral ou preventivo; e não são de modo algum reeducativos (como deveriam), reduzindo-se somente ao aspecto retributivo, de pena-castigo, tão ao gosto das massas conduzidas por setores pouco responsáveis dos media. (...) A virtude, então, está no meio-termo. Nem o direito penal máximo nem a eliminação do direito penal. Que se utilize o processo como meio de defesa social, mas que não se inviabilize o homem. Que se maneje a norma ou o procedimento eficazmente, mas que não se torture a consciência do indivíduo já sujeito às agruras da acusação[106] (grifos nossos).

Nunca é excessivo destacar que o indivíduo é um sujeito no processo e não a materialização de um objeto processual, motivo pelo qual a intervenção penal, bem como o julgamento de um acusado, deverão sempre lastrear-se nos ditames legais e na racionalidade, seguindo os padrões éticos para que a dignidade do mesmo não seja suplantada.  Ada Pellegrini também é partidária do mesmo ideal, defendendo que:

"O garantismo não colide com a eficiência da justiça penal, sendo aliás, esses dois os valores fundantes do novo processo penal, no mundo inteiro. Devem-se buscar novas técnicas que façam do processo um instrumento adequado à realidade subjacente, efetivamente voltada aos fins da jurisdição, que são fins jurídicos (a eficaz atuação do direito material), mas também fins sociais (a pacificação) e políticos (a participação e justiça).[107]"

Os direitos individuais, destacadamente a honra, são limitações à atuação estatal, pois o réu, como qualquer outro cidadão, é titular de direitos prioritários e autônomos. Dessa forma, mais do que ser um instrumento da justiça, deve o processo constituir-se em um meio de garantia da dignidade do acusado, de seus direitos humanos fundamentais, a exemplo da liberdade, da vida e da honra, dentre outros, ratificando, materialmente, as garantias trazidas pela Magna Carta brasileira, de forma que os princípios constitucionais sejam efetivados através do Processo Penal. 

5.2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

Como já reiteradamente afirmado, é característica ínsita a todo Estado Democrático de Direito a salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais. Assim, chegaria a surpreender se não houvesse regras e princípios a serem observados pelo Processo Penal brasileiro, os quais objetivassem evitar o desrespeito aos postulados básicos da democracia. Nesse sentido, trouxe a atual Constituição regramento direcionado a impedir o cometimento de excessos ou desmandos no Processo Penal, o qual sempre deve ser seguido por todos os operadores do direito.

Como instrumento protetor da liberdade individual, o Processo Penal deve pautar-se nas regras constitucionalmente estabelecidas, caso contrário a sua finalidade não será concretizada. Nos dizeres de Luigi Paolo:

“Mencionadas garantias, sob um aspecto genérico, são instrumentos técnicos-jurídicos que estejam em condições de converter o direito reconhecido ou atribuído, em abstrato, pela norma, em um direito efetivamente protegido em concreto, e, portanto, suscetível de plena atuação ou reintegração se violado. Além disso, elas são fundamentais e invioláveis no contexto dos direitos e das liberdades pessoais do indivíduo” [108].

Para que uma decisão justa seja alcançada, o processo tem de seguir as condições garantidoras da regularidade e da legalidade, pois não basta apenas prezar pelos direitos fundamentais, sendo também de grande importância zelar pelo regular trâmite processual, até para que futuras argüições de nulidades sejam evitadas. Assim, cabe ao Estado, através do magistrado, assegurar a efetividade de todos os critérios legalmente estabelecidos, de forma a assegurar a adequada composição dos interesses conflitantes na questão. Dispõe Vladimir Aras que:

“Neste sentido, não há como desconsiderar, por primeiro, os princípios fundamentais do Estado brasileiro para a boa aplicação do Direito Penal neste País. Só assim será possível alcançar, na prática, um verdadeiro Estado democrático de Direito, tanto mais quando muitos dos diplomas em vigor no Brasil são anteriores à Lei Magna de 1988, que reformulou muitos conceitos, estabeleceu institutos processuais democráticos, materializou outros tantos e introduziu uma verdadeira carta de direitos no seu art. 5º. Quando se cuida de processo penal, ou seja, da concretização do jus puniendi do Estado em confronto com o jus libertatis do indivíduo, ganham importância, em especial, as diretrizes inseridas no art. 1º, incisos II e III, da Constituição Federal, respectivamente, a "cidadania" e a "dignidade da pessoa humana". Com efeito, não se pode conceber um processo penal que não tenha como norte a idéia da dignidade da pessoa humana, de cidadania, tanto da vítima e de seus familiares, quanto do indiciado, réu ou sentenciado “[109].

Em seu corpo, o texto constitucional traz normas reguladoras do processo que consistem em um “conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição” [110]. Logo, dispõe a Constituição brasileira, em seu art. 5º, incisos XXXIX, XXXV, LIII e LIV, respectivamente, que: “não há crime sem lei anterior que o defina”; “a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de a direito”; “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; e “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Há todo um regramento garantidor da concretização do devido processo legal[111], sendo válido destacar a garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), a par condicio (igualdade das partes, art. 5º, I), a presunção de inocência do acusado (art. 5º, LVIII), a publicidade e o dever de motivação das decisões (art. 5º, LX e 93, IX), dentre outras.

Frise-se que existem outras garantias decorrentes do devido processo legal, a exemplo do direito à prova, não estando todas elas expressas no texto constitucional. Há ainda as garantias derivadas dos tratados internacionais em que o Brasil é parte integrante, nos termos do disposto pelo art. 5º, parágrafo 2º. Foi louvável a atitude do constituinte ao cristalizar os meios de defesa contra atos arbitrários da autoridade pública investidos contra o cidadão, inserindo na Magna Carta brasileira postulados basilares ao regular trâmite processual e à preservação dos direitos fundamentais.

Entretanto, na prática, é raro observar-se a efetivação de todas as garantias constitucionais, continuando os aplicadores do direito a pautar-se no Código Penal, material dogmático já ultrapassado, anacrônico e sucateado se comparado ao inovador, detalhista Código de Processo Civil. Nos dizeres de Chouke:

“Isto faz com que haja uma certa acomodação em posições antigas, muitas vezes pouco críticas e desproblematizantes. Nem mesmo após a Constituição Federal de 1988 ter operado uma verdadeira ‘revolução copérnica’ dentro do processo penal, inserindo novas garantias ou explicitando antigas o quadro sofreu alteração desejada. Na verdade, a prática revela uma realidade sombria, a de se procurar adaptar a Constituição ao texto processual penal, e não o oposto” [112].

Não cabe, no bojo deste trabalho, elencar, nem muito menos conceituar, todas as garantias trazidas pela Constituição de 1988. Logo, foram tecidas essas brevíssimas considerações sobre o tema, indispensáveis à compreensão do papel que atualmente vem sendo desempenhado pela mídia, bem como à compatibilização da publicidade processual com a atuação da imprensa e a garantia do devido processo legal.  

5.3. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS PENAIS

Há muito, já defendia o Marquês de Beccaria, na célebre obra Dos Delitos e das Penas, “que os julgamentos sejam públicos e públicas as provas do delito, para que a opinião, que talvez é o único cimento da sociedade, ponha um freio às forças e às paixões, para que o povo diga ‘não somos escravos, somos protegidos’” [113]. O passar dos anos não fez com que a afirmação do referido autor ganhasse conotações de antiguidade. Ao contrário, embora feita no passado, ela condiz, perfeitamente, com os atuais postulados da democracia.

Sabe-se que é pressuposto de todo Estado Democrático de Direito a soberania popular, com a efetiva participação do povo nos atos e decisões dos poderes estatais. Mas, para que isso ocorra, devem ser públicos os atos de governo, maneira eficaz de garantir que o disposto no art. 1º, parágrafo único, da CF, [114] seja concretizado. Assim, dentre as garantias constitucionais, é de suma importância tecer alguns comentários sobre o princípio da publicidade, apresentando-se este como um dos mais importantes no âmbito do Processo Penal, face às suas variadas e relevantes funções. Estes esclarecimentos serão de grande valia para o estabelecimento de limites à atuação da mídia no que tange à publicação descomedida de fatos criminosos, bem como de atos judiciais.

Preconiza o princípio da publicidade, cláusula pétrea constitucional, que todos os atos processuais deverão ser públicos. Entenda-se esta última expressão não apenas no sentido de estarem os atos disponíveis aos sujeitos processuais, quais sejam, as partes (incluindo-se aqui os terceiros interessados) e seus advogados, dentre os demais membros integrantes da atuação judiciária, pois ela é muito mais abrangente. Assim, qualquer pessoa, tendo ela ou não interesse no fato, no resultado ou na decisão final, tem o direito de conhecer o assunto em questão. A respeito da atual conotação do princípio ora tratado, diz Ana Maria que:

“A origem dessa concepção contemporânea da publicidade encontra-se na luta política contra o antigo regime despótico, no qual os juízes atuavam secretamente nas mais intrincadas formas dos processos inquisitivos, praticando torturas, emitindo decisões arbitrárias e parciais, fazendo do processo penal, nas palavras de Ferrajoli, ‘una especie de ciencia de los horrores” [115].

No Direito Pátrio, vigora, como regra, a publicidade absoluta, de forma que as audiências e sessões, bem como a realização dos atos processuais em geral, estejam abertas ao conhecimento de todo o público. Dessa forma, não há como se falar em publicidade se o ato realizado for sigiloso, não acessível ao povo. Frise-se que o princípio da publicidade bifurca-se em duas vertentes, referindo-se uma delas às partes[116] (interna, a qual garante a possibilidade do exercício do contraditório e da ampla defesa) e a outra a terceiros (externa, entendida como a real publicidade), esta última de maior relevância para este trabalho, visto que, através dela, torna-se possível o controle da atuação judicial.

Tamanha a importância desse princípio que CF, em seu art. 93, inciso IX, dispõe que "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (omissis), pois a atuação sigilosa (infundada) atinge “o próprio interesse público de correta aplicação do direito” [117]. Nesse mesmo sentido, consagra o art. 792 do CPP, in literes:

Art. 792 - As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivões, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

§ 1º - Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

Do exposto, infere-se que a sociedade tem a garantia de tomar conhecimento de todos os atos processuais, os quais não podem ser realizados em segredo, salvo algumas justificadas exceções. A lei visa garantir a possibilidade de qualquer pessoa acompanhar o trâmite de um processo, independentemente de eventuais limitações físicas por ausência de espaço nos locais de realização das audiências. Essa ampla publicidade, entretanto, sofre, às vezes, algumas limitações. O próprio § 1º do artigo acima transcrito traz um caso de publicidade restrita ou limitada[118], o que também é feito pelo art. 5º, LX da CF, estabelecendo que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Tratam-se de situações excepcionais em que a ampla publicidade poderá, eventualmente, carrear problemas e prejuízos às partes ou até mesmo ao justo deslinde do processo, motivo pelo qual, coerentemente, fixou o legislador tais restrições[119]. Destaque-se que existem outras exceções à publicidade processual, não cabendo, porém, elencar todas neste trabalho.

Apresenta-se a publicidade como uma valiosa garantia individual (e até mesmo social), ao dispor que os processos civis e penais têm de ser, em regra, públicos, mostrando-se esta como uma das modalidades de controle dos órgãos julgadores, visto que “a manifestação pública do processo constitui a forma mais vigorosa de exteriorização dos atos da justiça” [120]. Dessa forma, fica mais fácil evitar o cometimento de abusos e limitar as maneiras opressivas de castigar os infratores, por restar possível o controle sobre a atuação do Estado-juiz e do Ministério Público, motivo pelo qual existe um fortíssimo elo entre a democracia no processo e a publicidade.

Segundo Jorge Figueireido Dias, “a publicidade é uma maneira de dissipar quaisquer desconfianças que se possam suscitar sobre a independência e a imparcialidade com que é exercida a justiça penal e são tomadas as decisões” [121]. Por uma justiça pública, assegura-se a correta subsunção da norma penal ao caso concreto e legitima-se a atuação do Estado-julgador.

Cumpre destacar que, hodiernamente, a publicidade não se realiza e nem cumpre as funções acima expostas somente através do acesso popular às audiências (publicidade imediata, a qual está consagrada na legislação brasileira, a exemplo do já referido art. 792 do CPP), até porque, salvo nos casos que despertam grande comoção social, geralmente encontram-se vazias as salas onde as mesmas são realizadas. Assim, atualmente, prevalece, indiscutivelmente, a publicidade mediata, veiculada pela mídia, restando a esta o papel de tornar públicos os atos processuais penais, levando-os ao conhecimento de todos os destinatários e espectadores dos meios de comunicação de massa.

A possibilidade de relatar ao público os atos processuais penais através da crônica jornalística (publicidade extraprocessual) encontra fundamentação na liberdade de imprensa e no direito de qualquer cidadão ser informado a respeito da atuação judiciária. Entretanto, esses fundamentos não servem de sustentáculos para a exacerbada divulgação dos atos, capaz de ferir a dignidade e a honra do acusado, o que vem sendo feito pela imprensa. Frise-se: a divulgação legal e legítima é aquela condizente com as finalidades do Processo Penal, respeitando-se os direitos e garantias fundamentais do argüido. A publicidade extraprocessual não é parte integrante da natureza e da estrutura do processo, estando ligada à mídia e aos meios de comunicação massivos.

Tamanha é a intromissão da imprensa nos casos criminais por ela considerados importantes que Jorge Raúl Monteiro afirma que a justiça penal desenvolve-se formalmente por um quadrilátero, composto pela acusação, pela defesa, pelo tribunal e pelo público[122]. Entretanto, na sistemática brasileira, não cabe admitir esse quadrilátero citado pelo autor, pois, no aspecto formal, o processo desenvolve-se apenas entre as partes e o juiz, assomando-se a isto o fato de ter a lei tão somente facultado a presença e o conhecimento do público a cerca dos atos processuais, e não a interferência ou participação ativa neles.

Assim, como crítica ao princípio ora em análise, aponta-se a grande margem de abertura para o cometimento do mais deplorável dos malefícios aos direitos humanos e fundamentais de um cidadão, qual seja, a possibilidade de haver, através da publicidade, a exploração fantasiosa, exacerbada ou sensacionalista de fatos levados a discussão no Judiciário, notavelmente no tocante ao cometimento de crimes. Entretanto, não se negue ser a crônica judiciária a grande responsável por levar ao público o conhecimento do processo.

É à mídia que cabe informar a população sobre a criminalidade e a atuação da justiça criminal, esclarecendo quais as causas geradoras dos delitos, para que as pessoas tenham capacidade de valorar as condutas não aceitas socialmente, o que, inegavelmente, contribui para a remoção das referidas causas quando possível for, bem como para a prevenção geral da criminalidade. Ela facilita o entendimento popular dos fatos pelo uso de linguagem simples, entrevistas, imagens televisivas ou fotografadas, dentre outros artifícios, decodificando a terminologia processual, que muitas vezes apresenta-se rígida e excessivamente técnica, não passível de entendimento por parte dos leigos.

Porém, a referida crônica, por sua própria natureza, não está acobertada pelo manto da neutralidade e passa ao espectador, quase sempre, a visão do cronista sobre os fatos, sua interpretação e posicionamento. Seguindo este raciocínio:

“Como não é neutra, pois está determinada por certa seleção de percepções fundadas em razões psicológicas, pessoais e morais do cronista, além dos inegáveis interesses das empresas detentoras dos meios de comunicação, a que já nos referimos, os seus excessos deverão submeter-se às providências que tomará o juiz para fazer cessar os danos da má publicidade dos processos” [123].

Os inadequados meios de a mídia publicar fatos criminosos e processos, nos dizeres de Glauco Giostra “não podem resultar em renúncia à publicidade. O problema da informação judiciária está em garantir a publicidade e garantir-se da publicidade (má), ou seja, estabelecer quais as condições necessárias para assegurar que ela seja correta”[124].

Um jornalismo que atue dentro de preceitos éticos e morais constitui-se em importante instrumento na efetivação da função informadora, transmitindo conhecimentos, e até mesmo prevenindo crimes através de campanhas sociais. Seria integrado por profissionais verdadeiramente preocupados com o devido exercício de suas funções, os quais agiriam em respeitos às regras norteadoras de suas atividades, sempre respeitando os princípios democráticos, sobretudo a dignidade das pessoas. Se assim o fosse, a sociedade viveria dentro dos atributos da inalcançável perfeição. Entretanto, muitas vezes, as notícias não são fiéis aos fatos, apresentando-se incompletas e até mesmo distorcidas, como dito. Assim, limites urgem ser respeitados e estabelecidosdo informar, transmitir conhecimentos e atmportos fatos criminosos, para que a mesma tenha capacidade de valorar as condutas no.

5.4. A TIPICIDADE: ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO

Antes de adentrar na proteção jurídico-penal da honra, cabe tecer brevíssimas considerações a cerca da tipicidade e seus elementos. Como já afirmado, o Estado brasileiro rege-se pelo princípio nullum crimen nulla poena sine praevia lege. E é justamente dele que decorre a tipicidade penal, como uma garantia de que determinada ação só poderá ser considerada criminosa se encaixar-se em um molde[125] previamente estabelecido, qual seja, o tipo penal[126]. Este, sucintamente, pode ser entendido como o conjunto de todos os elementos integrantes do fato punível penalmente previsto, ou, nos dizeres de Bitencourt, “um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido (...), inadimitindo-se a adequação de uma conduta que não lhe corresponda perfeitamente (...), cuja ausência não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva” [127].  

Daí emerge constituir-se a tipicidade na adequação da conduta praticada pelo agente ao tipo penal descrito na lei. Trata-se de uma correspondência da ação ao tipo, pois “um fato, para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei” [128].

Na descrição da conduta típica, encontra-se implícita uma valoração da ação praticada. Dessa forma, pode-se afirmar que o tipo compõe-se não apenas por elementos objetivos e normativos, mas também de elementos subjetivos, os quais, não menos importantes, também apresentam fundamental importância quando da verificação do enquadramento do fato ao molde legal.

Os elementos objetivos são aqueles passíveis de identificação pela simples utilização dos sentidos, referindo-se, geralmente, a coisas, objetos, animais e seres, dentre outros atos que podem ser percebidos através dos sentidos. Já os normativos são os que exigem a realização de uma valoração para a sua correta compreensão, não lhes sendo suficiente a mera atividade de cognição. A título de exemplificação, podem-se citar algumas expressões encontradas nos tipos do CP, tais como “fraudulentamente” (art. 177), “indevidamente” (arts. 162, 316, 319, etc.), “decoro” (art. 140) e “sem justa causa” (arts. 153, 244, 246, etc.), dentre outras, que exigem a realização de um juízo de valor para o adequado entendimento.

Os subjetivos referem-se aos “dados ou circunstâncias que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo de representação do autor” [129]. São constituídos pelo dolo (elemento subjetivo geral) e pelo tipo subjetivo (elemento subjetivo especial). O primeiro é a vontade e a consciência de praticar determinada ação e provocar certo resultado, definição extraída do disposto no art. 18, I do CP[130]. Já o segundo refere-se a diversas características subjetivas que especificam o dolo e compõem o tipo (motivo pelo qual é também denominado dolo específico), de forma que “o especial fim de agir que integra determinadas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato, constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de forma autônoma e independente do dolo” [131]. Ao passo em que o dolo tem de materializar-se na conduta típica, os elementos subjetivos especiais prescindem de concretização, bastando a existência deles no psiquismo do autor[132].

Existem inúmeras espécies de elementos subjetivos do tipo, não cabendo, aqui, tecer a classificação de todas elas. Entretanto, deve-se apontar a existência dos chamados delitos de tendência, nos quais a conduta do agente encontra-se envolvida por certo ânimo de agir, cuja ausência impossibilita a caracterização do crime.  Neles, fatores outros que não somente a vontade do autor são levados em consideração para análise do fato, alguns, inclusive, inconscientes. Defende-se que:

“Não se exige a persecução de um resultado ulterior ao previsto no tipo, senão que o autor confira à ação típica um sentido (ou tendência) subjetivo não expresso no tipo, mas dedutível da natureza do delito (ex.: o propósito de ofender – arts. 138, 139, 140, CP; propósito de ultrajar – art. 212, CP)” [133].

Neste caso, não se exige um especial fim de agir, um objetivo a ser especificamente alcançado (ex.: “para si ou para outrem” – art. 157; “com o fim de obter” – art. 159, todos do CP), como nos delitos de intenção, mas apenas o ânimo de praticar o fato típico. Como acima exposto, inserem-se os crimes contra a honra nesses delitos de tendência, necessitando, assim, os autores dos mesmos agir com o ânimo de ofender para que ocorra a tipificação do fato.

5.5. CRIMES CONTRA A HONRA: CONCEITUAÇÃO E TIPIFICAÇÃO

A legislação pátria cuidou de tipificar as condutas desrespeitosas a certos direitos da personalidade, no intuito de prevenir, e até mesmo evitar, o cometimento de excessos capazes de ferir as garantias personalíssimas dos indivíduos, caracteres inerentes à pessoa humana, integrantes de sua essência, motivo pelo qual merecem total atenção. Nesse sentido, agiu muito bem o legislador, não deixando ao arbítrio da consciência de cada um o respeito à dignidade dos indivíduos, pois estabeleceu limites ao livre-arbítrio necessários à convivência pacífica em sociedade.

O tipo penal possui funções, dentre as quais é válido destacar a indiciária e a de garantia. Pela primeira, é ele estabelece quais são as condutas consideradas penalmente ilícitas, já que a prática de um fato típico traz indícios de que a atuação do indivíduo foi infringente ao Direito[134]. De acordo com a segunda, que é decorrência do princípio da reserva legal, toda pessoa tem a possibilidade de saber, antes da prática, se determinada conduta é punível ou não. 

Certo é que existe proteção legal contra o cometimento de ofensas à honra das pessoas na legislação brasileira, o que se apresenta como grande garantia à reputação e à honra dos indivíduos. Nos dizeres de Regis Prado:

“A honra é o bem jurídico mediatamente atingido pela ofensa; mas o bem jurídico imediatamente protegido é a pretensão jurídica ao respeito que o Direito assegura a todos, diretamente violada nos delitos contra a honra. Ofendida a pretensão ao respeito, a honra, em qualquer de seus aspectos, é também lesada, embora isso não seja imprescindível para a consumação do delito” [135].

Jamais deve ser aceita, em hipótese alguma, a alegação de que não existe prática de crime contra honra em relação àquele que já é, por qualquer motivo, desonrado. Além de a lei prever a prova da exceção da verdade, com algumas exceções, não há no direito constitucionalmente estabelecido, nenhuma exclusão de criminosos, infames, prostitutas, dentre outros, da proteção dos direitos fundamentais. Logo, nem por assim o serem, essas pessoas geram o direito para que terceiros venham expor publicamente suas honras.

No Brasil, a honra é penalmente protegida através da tipificação dos crimes de calúnia, difamação e injúria. Constitucionalmente, é garantida pelo direito de resposta e indenização por dano moral e material. Também há previsões nesse sentido no Código Eleitoral (Lei 4.737/64) e na Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), entretanto, elas equivalem aos tipos inseridos no Código Penal[136], não havendo, assim, necessidade de análise de todos eles, o que soaria redundante.

Nos dizeres de Noronha, “não há distinção entre os crimes de imprensa e os comuns; não são eles delitos sui genesis, mas tão somente crimes cometidos por um meio próprio” [137].  Preponderantemente, os crimes de imprensa integram-se e consumam-se através da publicidade realizada pela mídia (jornais, revistas, rádios, televisores, dentre outros), cujas divulgações extrapolam os restritos limites da convivência social das pessoas em suas pequenas esferas de relacionamentos. A respeito da temática, observem-se os seguintes posicionamentos:

“Consoante o art. 12 da Lei de Imprensa, estão sujeitos ao regime da mesma aqueles que, através dos meios de informação e divulgação praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação." (STF– HC – RT 55/441. Relator: Ministro Moreira Alves). (Grifos nossos).

“O que caracteriza o delito de imprensa é terem as ofensas obtido divulgação, através dos meios de comunicação" (TACrimSP – Apelação Criminal - RT 550/328. Relator: Demer de Sá).

"Responde por crime de imprensa e não por crime do art. 139 do CP aquele que difama outrem em entrevista, destinada intencionalmente a ser divulgada por jornal". (STF – Habeas Corpus – RT – 569/396. Relator Alfredo Buzaid – RT – 569/396)[138].

Neste trabalho, não será feita uma análise pormenorizada de toda a dogmática dos crimes contra a honra previstos no Código Penal. Assim, será estabelecida a conceituação dos mesmos e tecidas breves conceituações que se fizerem necessárias. Diz o CP, no capítulo atinente a eles:

Calúnia: Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (omissis):

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

Difamação: Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (omissis).

Injúria: Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (omissis).

Exclusão do Crime: Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível (omissis):

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

Todos eles são crimes formais, motivo pelo qual não se exige a concretização da ofensa, mostrando-se apenas suficiente uma conduta que, analisada conjuntamente aos demais elementos necessários, configure a prática delitiva. De acordo com esse entendimento, está o Desembargador Nauro Collaço, que dispôs em um julgamento de habeas corpus, que:

“Os crimes de calúnia, difamação e injúria são formais, sendo que os dois primeiros consumam-se quando um terceiro toma conhecimento da imputação ofensiva. O de injúria quando a ofensa chega ao conhecimento do ofendido. São crimes, no entanto, conexos, prevalecendo, por isso, para a competência, a regra do artigo 78, II, letra a, do CPP." (TJSC - Habeas corpus nº. 9.447/Blumenau. Relator: Desembargador Nauro Collaço).

No tocante aos elementos subjetivos nos crimes contra a honra, existem três correntes. A primeira, de pouca aceitação na Jurisprudência brasileira, defende ser o elemento subjetivo nos crimes contra honra uma mera consciência do caráter ofensivo da conduta praticada. A segunda aponta para a necessidade da presença do dolo de dano (nele, o ato é praticado com o propósito de causar dano à honra – dolo direto, ou assume o agente o risco de causar este dano – dolo eventual). Pela terceira, a tipificação depende de algo mais do que o dolo de dano: depende de um elemento subjetivo do injusto. Essa última é de maior aceitação na doutrina e jurisprudência pátrias.

Nos dizeres de Hungria:

“Pode-se, então, definir o dolo específico de crime conta a honra como sendo a consciência e a vontade de ofender honra alheia (reputação, dignidade ou decoro, mediante linguagem falada, mímica ou escrita). É indispensável a vontade de injuriar ou difamar, a vontade referida ao ‘eventus sceleris’, que é, no caso, a ofensa à honra” [139].

Também adepto dessa posição, afirma Fragoso que “o propósito de ofender integra o conteúdo dos fatos dos crimes contra a honra. Trata-se do chamado ‘dolo específico’, que é elemento subjetivo do tipo inerente à ação de ofender” [140]. Noronha manifesta-se nesse mesmo sentido, ao afirmar que:

“Não nos parece se possa prescindir do ‘animus diffamandi’, da vontade de ofender, da intenção de denegrir, etc. Não basta, pois, que as palavras sejam aptas para ofender, é mister que sejam proferidas com esse fim. Logo, é imperativo o propósito de ofender como elemento subjetivo do tipo” [141].  

Do exposto, já é possível inferir que os crimes contra honra são todos eles de dolo específico, o significa afirmar que, em todos eles, deverá existir o propósito de ofender do autor, essencial para a análise da ocorrência ou não do delito. Portanto, para o estudo dos mencionados crimes, será aplicada a teoria do animi, segundo a qual há grande necessidade da verificação da intenção ofensiva do autor do fato criminoso, o que será analisado adiante, em tópico específico.

Importante, ainda, destacar que os delitos contra a honra concretizam-se independentemente de expressa referência nominal ao sujeito passivo. Para tanto, basta que seja feita designação que torne possível a identificação dele, mesmo que apenas no âmbito de suas relações profissionais, pessoais e sociais (e não a toda a população). Observe-se a transcrição de parte deste aresto:

“O delito contra a honra se caracteriza independentemente da expressa referência nominal do sujeito passivo. Basta que aflore suficiente a designação que torne possível sua identificação, ainda que na limitada esfera de suas relações pessoais, profissionais ou sociais". ("Crime de Imprensa" João Carlos Menezes). (TJSC – Apelação Criminal nº. 48.349. Relator Desembargador Alcides Aguiar. 4ª Câmara. Data do julgamento: 03/04/1997).

Nesse mesmo sentido:

“CRIME DE IMPRENSA. DIFAMAÇÃO. IMPUTAÇÃO DE FATOS CONCRETOS OFENSIVOS À HONRA ALHEIA, EM ARTIGOS JORNALÍSTICOS ONDE HOUVE A TROCA DO NOME DA VÍTIMA POR ALCUNHAS QUE PERMITIAM FÁCIL IDENTIFICAÇÃO. CONFIGURAÇÃO: - CONFIGURA O CRIME DE DIFAMAÇÃO, PREVISTO NO ART. 21, "CAPUT", DA LEI DE IMPRENSA, A PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS JORNALÍSTICOS QUE IMPUTAM FATOS CONCRETOS ATINGINDO A HONRA ALHEIA, NOS QUAIS HOUVE A TROCA DO NOME DA VÍTIMA POR ALCUNHAS QUE PERMITIAM FÁCIL IDENTIFICAÇÃO, SENDO IMPOSSÍVEL O ACOLHIMENTO DA ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATAVA DE MERA CRIAÇÃO FICCIONAL SE O AUTOR DOS ESCRITOS PROCUROU APENAS DISFARÇAR, COM O INTUITO DE EVITAR A SUA RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL”. (TACrimSP – Apelação Criminal nº. 1203315/7. Relator: Desembargador Ivan Marques. Data do julgamento: 07/06/2000).  

A honra objetiva é maculada através da imputação de fatos, ao passo em que a subjetiva refere-se a qualidades, predicativos das pessoas, sendo por meio de distorções desses fatores atingida. Logo, fácil verificar que, nos crimes de calúnia (a imputação deve ser falsa) e de difamação, ofende-se a honra objetiva da vítima, por imputação de fato criminoso ou não, respectivamente, (na difamação normalmente há imputação de fatos amorais ou de contravenções ofensivos à reputação, sejam eles verdadeiros ou não)[142].

A calúnia[143] e a difamação consumam-se quando a conduta ofensiva chega ao conhecimento de terceiro, que não o próprio ofendido. Já a injúria consuma-se quando o ataque à honra chega ao conhecimento do próprio ofendido, mesmo não estando este presente no momento da ação, pelo fato de ela tutelar, como já dito, a honra subjetiva dos indivíduos.

No que tange à calúnia, estabelece o § 1º, do art. 20, da Lei de Imprensa, que “incorrerá na mesma pena aquele que, sabendo que a imputação é falsa, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa”. Assim, somente ficarão os reprodutores livre do referido crime, caso seja a reprodução bastante fiel e não demonstradora de má fé.

A difamação, por sua vez, caracteriza-se pela imputação de fato apto a causar dano a outrem, seja este verdadeiro ou não. Assim, o dolo desse crime consiste em “imputar” fato danoso a alguém, qualquer que seja a forma empregada nesse afã (palavra oral, escrita, por meio simbólico etc.). Imprescindível, porém, é a presença do animus diffamandi (intuito de ofender a honra alheia).

Já a injúria protege, subjetivamente, a honra ao incriminar a ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem[144]. Nela também se exige o dolo de dano, seja ele direto ou eventual, desde que esteja consubstanciado no ânimo do indivíduo de causar dano à honra da vítima (em seu aspecto subjetivo). Assim, deve estar presente na pessoa ação da pessoa o elemento subjetivo do tipo, responsável por imprimir seriedade à conduta.

No tocante aos crimes contra a honra, há entendimento no sentido de que, levando-se em consideração a prática de um mesmo fato, haverá absorção de um crime pelo outro. Entretanto, em contrapartida, há posicionamentos segundo os quais esses crimes podem ser praticados em concurso material, em continuidade delitiva, ou, ainda, em concurso formal. Isso se, através de uma mesma ação, vier o autor a cometer duas práticas criminosas. Nesse sentido, posicionou-se o Desembargador Paulo Gallotti, em um dos seus julgados:

"CRIMES CONTRA A HONRA - LEI DE IMPRENSA - DIFAMAÇÃO E INJÚRIA - NOTA DIRIGIDA CONTRA PARLAMENTAR, ATRIBUINDO-LHE A PRÁTICA DE PLÁGIO, ACOMPANHADA DE EXPRESSÕES OFENSIVAS - DELITOS CARACTERIZADOS - CONCURSO FORMAL DE CRIMES RECONHECIDO - ADEQUAÇÃO DA PENA. Se, com uma mesma ação, o agente pratica dois crimes, é de ser reconhecido o concurso formal (art. 70, CP), aplicando-se a pena mais grave, se diversas, ou somente uma delas, quando idênticas, acrescida, em qualquer caso, de um sexto".  (TACrimSP - Apelação Criminal nº. 97.009428/0 - SP. Relator: Desembargador Paulo Gallotti. Data do julgamento: 04/11/1997).

Feitas essas considerações a respeito dos tipos protetores da honra, parte-se, em seguida, para a análise do atual conflito entre direitos igualmente fundamentais.


6. LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS DIREITO À HONRA

Aqui, encontra-se uma verdadeira arena na qual direitos e liberdades fundamentais usualmente digladiam-se. Assuntos relacionados à liberdade de imprensa estão diariamente nas pautas de debates acadêmicos, televisivos e jornalísticos, dentre outros. Essa temática é tormentosa, constantemente acirrando os ânimos daqueles que são alvos de publicações ofensivas a seus direitos fundamentais e de jornalistas que alegam, firmemente, estarem atuando no mais puro exercício do seu jus narrandi, atendendo a todos os preceitos éticos de suas profissões. Estando esses indivíduos em lados opostos, numa verdadeira busca pela garantia de seus direitos, equiparam-se a gladiadores, os quais eram capazes de quaisquer coisas para o alcance de seus objetivos.

Nos cânones da ditadura militar, os profissionais da imprensa viviam, inegavelmente, sob grande temor e pressão, pois a eles foram impostas censuras extremamente radicais, processos, perseguições políticas, sem falar nas torturas. Todas essas práticas que acabavam por fulminar o instrumento de trabalho da mídia, qual seja, a palavra livre de qualquer censura prévia, para que a ela seja possível cumprir seu papel informador dentro do Estado Democrático de Direito.

Hodiernamente, todas as liberdades públicas são constitucionalmente reconhecidas, o que dá substrato para a livre atuação da mídia. Talvez, por ter saído de um período em que seu poder de expressão era extremamente tolhido, ao deparar-se, repentinamente, com a ampla liberdade de manifestações de idéias e opiniões, a imprensa restou afoita, considerando-se no direito de publicar tudo aquilo o que quisesse e que servisse de instrumento atraente para a curiosidade do público. E, assim, excessos[145] descomedidos passaram (e ainda o são) a ser cometidos, causando o choque de direitos e liberdades possuidores de mesmo patamar no ordenamento jurídico brasileiro.

6.1. CONFLITOS ENTRE AS LIBERDADES - ASPECTOS GERAIS

Ser livre é agir responsavelmente, respeitando os demais indivíduos de uma comunidade Caso contrário, não se falaria em liberdade, mas sim em prepotência, já que o descomedido exercício do livre-arbítrio, desconsiderando os direitos e liberdades alheias, nada mais seria do que o próprio oposto do conceito de liberdade, qual seja, a opressão. Ora, então poder-se-ia inferir que, vivendo envolvida por uma série de conflitos entre as liberdades, a sociedade enfrenta um momento de opressão? Não. Pensar dessa maneira seria cometer tremendo equívoco e exagero, por isso tem por objetivo esse trabalho demonstrar a possibilidade de compatibilização das liberdades fundamentais.

Os conflitos entre liberdades sempre existiram, sendo essa assertiva a mais evidente prova de que há uma linha divisória em meio à moralidade, bem como às escolhas individuais e à ética e escolhas públicas. Essa linha é bastante instável e varia de acordo aos padrões vigentes em dado momento na sociedade. Como diz Salvatore Veca:

“Acredito que uma prospectiva de valores políticos que se baseie sobre igual dignidade dos cidadãos tenha de levar a sério o pluralismo dos valores e, como nosso caso, a variedade dos sentidos, dos usos, do valor da liberdade. Isso quer dizer ser consciente do fato de que a tensão e a colisão entre as liberdades, na contemporaneidade (e, esperamos, no futuro), não são acidentes de percurso ou efeitos perversos com respeito à ‘verdadeira’ liberdade, mas se constituem em um elemento irrecorrível do projeto moderno. Conviver com o pluralismo c continuar pensando em uma sociedade melhor não são atividades incompatíveis, embora tornem a vida e a teoria um pouco mais complicadas”[146].

Seria utópico imaginar a existência de liberdades individuais absolutas. Se assim o fosse, certamente voltaria ao período da escravidão, em que os mais fortes atropelariam o livre-arbítrio dos mais fracos, transformando-os em verdadeiros escravos. Se é certo que os direitos, em geral, limitam-se reciprocamente, “de modo que onde acaba o exercício legítimo de um, por oposição, começa o do outro, e vice-versa” [147], e que há uma imprescindível necessidade de interpretação da abrangência das liberdades conflitantes por meio de um juízo de ponderação frente ao caso concreto, com certeza ainda maior pode-se dizer que a imprensa, para cumprir sua função, narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre uns e outros, além de divulgar opiniões e severas críticas.

Logo, não há dificuldade alguma em constatar que, pela atuação da imprensa, conflitos surgirão entre a liberdade de expressão e as liberdades ou direitos individuais. A questão tocante ao conflito dessas liberdades é bastante espinhosa e de difícil solução.

6.1.1 Liberdades como status negativo e liberdades positivas: a realização simultânea.

Ferraz Júnior defende serem as liberdades públicas percebidas em termos de status negativo[148]. Para fundamentar seu posicionamento, utiliza-se do entendimento apresentando em uma palestra de um advogado americano chamado Kenneth S. Russel, que, ao tratar de um caso de delito de dano à reputação cometido pela imprensa, recomendou que o assunto fosse resolvido no departamento de relações públicas e não nos tribunais. Isso porque neles seriam opostas inúmeras dificuldades para que os postulantes fizessem valer seus direitos, principalmente a necessidade de provar a intenção maliciosa da mídia. Além disso, apontou que o ofendido ficaria exposto à exacerbada exposição durante o curso processual, e que, se caso ao final ele não conseguisse provar a referida intenção, poderia ter a seu desfavor a presunção de veracidade das afirmações feitas pela imprensa. 

O autor supracitado afirma ainda que, se as liberdades não se realizam simultaneamente, restam-se enfraquecidas, de forma que uma parte se valha em maior medida de suas liberdades e direitos, ficando, consequentemente, prejudicado o exercício da liberdade pela outra parte. Ele explica o conceito de status negativo da seguinte maneira:

“Se o próprio Estado está submetido à ordem jurídica constitucional, então a subordinação do indivíduo ao Estado (soberania) deve estar limitada ao que a ordem prescreve. Ora, aquilo que resta ao indivíduo, subtraídas todas limitações (leia-se constitucionalmente) estabelecidas para a ação individual, isso constitui a esfera livre do indivíduo. (...) Assim, esvazia-se o conceito das liberdades e dificulta-se a realização jurídica simultânea das mesmas” [149]

Data vênia, o posicionamento de Ferraz Júnior é por demais pessimista e extremista. Não há de ser seguido, visto que sempre se deve levar em consideração o aspecto humano (bem como a dignidade) envolto na questão. Além disso, à sociedade não basta apenas o lado econômico ou comercial no deslinde de um conflito, e sim a resolução dos impasses, com a solução de conflitos e a realização dos direitos fundamentais.

Por possuírem conteúdos a serem observados, as liberdades devem ser consideradas sob uma ótica positiva, para que sejam compatibilizadas, convivendo conjuntamente no sistema jurídico, de forma que, no caso concreto, tenha prevalência a mais condizente com a situação discutida. Rosângela Miranda também é adepta desse posicionamento, defendendo que é possível terem as liberdades uma dimensão positiva, e justamente por isso, surgem entre elas, conflitos a serem resolvidos no caso concreto[150].  Nos dizeres de Eduardo Nogueira:

“Partindo deste princípio, entendo que o Estado não só tem o direito, como o dever de limitar a liberdade das pessoas. O seu papel é definir as circunferências ou esferas de liberdade que devem rodear cada indivíduo, de forma a impedir que esbarrarem umas nas outras ou se anulem mutuamente. E a política, mais do que tudo, é a arte de gerir esse poder público de limitar a liberdade sem simultaneamente dar cabo dela” [151].

 É possível como será adiante demonstrado, que, por alguns meios, realize-se simultaneamente as liberdades (leia-se, compatibilize-se o direito à honra e a liberdade de imprensa), visualizando-as positivamente, com conteúdos a serem respeitados e realizados, sem deixar de fora os traços humanos.

6.2. A COLISÃO DE DIREITOS - CONCEITO

Não há dificuldade nenhuma em constatar que os direitos fundamentais são bastante heterogêneos. Em decorrência da abertura e variabilidade de seus conteúdos, a exata abrangência de suas tutelas geralmente só pode ser aferida em caso de um conflito concreto nas relações recíprocas entre os mesmos ou ainda em situações de confronto com outros valores constitucionalmente assegurados.

Se o caso fosse de um mero conflito entre duas regras não-constitucionais, não haveria grandes problemas para a solução, pois o problema resolver-se-ia pela aplicação da regra válida, com o conseqüente afastamento da outra, inválida, no caso concreto. Mas, na colisão entre direitos e princípios constitucionais, há uma complexidade muito maior para solucionar a questão, devendo-se utilizar de outros métodos, os quais serão abordados nesse trabalho, por possuírem os mesmos igual patamar no ordenamento jurídico.

A partir desta perspectiva, emerge o problema da colisão entre os direitos fundamentais. Assim, quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular entrar em choque com o exercício de direito de outrem, também fundamental, ocorrerá a colisão ou conflito dos mesmos[152]. Após essa breve exposição de algumas noções iniciais, devem-se ressaltar existirem as Colisões Aparentes e Efetivas (ou Reais) dos Direitos Fundamentais, objetos de análise do tópico seguinte.

6.2.1. Colisão Aparente e Colisão Efetiva

Didaticamente, a doutrina costuma dividir a colisão de direitos em aparente e efetiva. Porém, mesmo antes de conceituá-las, urge tecer observação de suma importância. Sabe-se que não há hierarquia entre as diversas normas fundamentais previstas na Constituição Federal, estando todas elas em igual patamar, qual seja, de normas constitucionais. Assoma-se a isso o fato de ser o sistema jurídico um todo harmônico. Logo, infere-se ser o conflito entre as referidas normas meramente aparente (frise-se que está sendo feita uma análise sob ótica normativa). A título de exemplificação, pode-se afirmar não haver choque, no plano normativo, entre as normas garantidoras da liberdade de imprensa e do direito à honra. Assim, mais correto falar em conflitos ou confrontos envolvendo-os, do que na existência de choque entre os mesmos.

Situação diametralmente oposta ocorre no plano fático, em que a incidência conjunta das mesmas em determinada situação é fato gerador de uma colisão real entre direitos fundamentalmente constitucionais. Nesse sentido, também se posiciona Canotilho[153], ao distinguir a mera concorrência dos direitos fundamentais da colisão destes. Afirma haver concorrência quando dada pessoa, titular de direitos, preenche os pressupostos de fato de variados direitos fundamentais através de um único comportamento[154]. Diferentemente, a colisão autêntica de direitos fundamentais ocorre sempre que o exercício de um direito fundamental pelo titular colida com a prática, por outro titular, de direito também fundamental deste. Em suas palavras: “Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘confronto’, um autêntico conflito de direitos” [155].

Já fora, há tempos, suplantada a tese preconizadora do ideal de possuírem os Direitos Fundamentais caráter absoluto.  Atualmente, o que mais se encontra é a figuração desses direitos em pólos antagônicos, emergindo-se, daí, a necessidade de proceder a uma compatibilização entre os mesmos, para que coexistam, em seus patamares, dentro do sistema jurídico, como será demonstrado em título próprio.  

Voltando-se à distinção inicialmente proposta nesse tópico, primeiramente será analisada a colisão aparente de direitos. Aqui, revela-se extremamente importante a delimitação dos objetos dos Direitos Fundamentais, no intuito de tornar passível de visualização seus limites (os quais devem ser determinados pelo emprego de aprofundada interpretação), evitando-se, consequentemente, eventuais exageros quando da compreensão e fixação de suas abrangências.

Assim, em face de uma situação de dúvida no tocante à possibilidade ou não de aplicação de determinado direito fundamental em colisão aparente, deve-se, primeiramente, buscar fixar o âmbito de proteção deste, ou seja, estabelecer qual parcela da realidade o constituinte escolheu para figurar como objeto de proteção da garantia fundamental. Simplificando-se: é necessário identificar qual o bem jurídico protegido por dada norma, além da amplitude dessa proteção. Isso porque, há casos nos quais a mera interpretação literal de uma norma de direito fundamental pode gerar o entendimento de que certa situação estaria por ela protegida, a qual, em verdade, partindo-se de uma análise interpretativa mais aprofundada, foge da real abrangência protetora daquela. 

 Nos dizeres de Mônica Aguiar:

“Se, por um lado, os direitos fundamentais são reais e efetivos e, por isso mesmo, contêm elementos irredutíveis, por outro lado, esse seu ser não pode abarcar tudo o que se pense possível de ser acolhido à sombra de seu enunciado constitucional. Podemos pensar sempre em exemplos caricaturais, mas, na prática, o erro de interpretação muitas vezes navega em águas bem próximas. Como, por exemplo, acreditar-se que o direito à educação seria o direito a diplomas para todos (e diplomas de doutoramento ou mais...), o direito à saúde incluiria o mais sofisticados tratamentos de beleza e cirurgia plástica, o direito de habitação garantiria palácios para quem os requeressem.

(...) O problema é quando deparamos com casos concretos... Aí o caricatural, por já não ser ficcional, mas vivencial, perde os traços exagerados e começamos a considerá-lo apenas como um caso polêmico “[156].

Não é tarefa das mais fáceis a fixação do âmbito de atuação dos direitos, posto que eles apresentam-se nas mais variadas formas, além de possuírem conteúdo extremamente aberto. Corroborando este entendimento, diz Gilmar Mendes:

“Não raro, a definição do âmbito de proteção de determinado direito depende de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições constitucionais. Muitas vezes, a definição do âmbito de proteção somente há de ser obtida em conflito com eventual restrição a esse direito” [157].

Estes consistem em casos geradores de colisão meramente aparente, visto que neles existe um problema de limitação implícita e não explícita (essa, sim, originária de um real conflito). Logo, não há de se falar em colisão efetiva em situações nos moldes das acima expostas, já que a Constituição Federativa não protege tais formas[158] de direitos questionados. Segundo Leandro Bessa:

“Importante se faz o estudo do âmbito de proteção dos direitos fundamentais porque, muitas vezes, determinadas situações, que à primeira vista caracterizariam um conflito de direitos fundamentais, não o são verdadeiramente. O que se observa no caso é uma simples mensuração incorreta do âmbito de proteção. É a chamada colisão aparente. De fato, a colisão não ocorre, mas uma simples aparência de conflito de normas veiculadoras de direitos fundamentais, sanável pela fixação dos âmbitos de proteção de ambos, a fim de que não mais se interpenetrem” [159].

Percebe-se que o problema da colisão aparente é de difícil solução. Assim:

“O problema deve, portanto, ser resolvido como problema de interpretação dos preceitos constitucionais que prevêem cada um dos direitos fundamentais. O que se pergunta em cada caso é se a esfera normativa do preceito em causa inclui ou não certa situação ou modo de exercício, isto é, até onde vai o domínio de protecção (a hipótese a norma). Se num caso concreto se põe em causa o conteúdo essencial de outro direito, se se atingem intoleravelmente a moral social ou valores e princípios da ordem constitucional, deverá resultar para o intérprete a convicção de que a proteção constitucional do direito não quer ir tão longe. E, então, o direito tem de respeitar os direitos dos outros, os princípios fundamentais ou as leis, porque não restringem o seu âmbito, tal como é constitucionalmente protegido” [160].

Em suma, nesses casos, não há de se falar, verdadeiramente, em colisão. Apenas há uma remotíssima semelhança com o real confronto entre direitos, daí a denominação colisão aparente. Admitir-se entendimento contrário seria possibilitar atuações que transbordem o âmbito de proteção constitucional dos direitos e garantias fundamentais.

Já a colisão efetiva, real ou verdadeira entre direitos concretiza-se quando dado direito fundamental interfere, direta e incisivamente, no âmbito de proteção de outro. Assim, embora já tenha sido realizada a devida verificação de suas abrangências protetivas, estes continuam colidindo frontalmente, o que decorre, basicamente, do caráter heterogêneo que os reveste e do fato de possuírem conteúdo aberto e mutável (o que exige, muitas vezes, a análise de uma situação concreta para que se firme suas previsões). Na maioria das situações, um único conflito gera, concomitante, a incidência de dois direitos igualmente fundamentais, os quais passam a competir, em lados opostos, pelo alcance do deslinde mais favorável à garantia de suas proteções. 

Cumpre destacar, nas palavras de Leandro Bessa, a enorme semelhança existente nos conflitos que envolvem direito fundamentais e nos entre princípios:

“Vislumbra-se, nos variados tipos de colisão de direitos fundamentais, uma premissa constante: os conflitos que surgem entre direitos fundamentais são idênticos aos conflitos entre princípios. Com efeito, as normas que veiculam direitos fundamentais assumem os delineamentos próprios de princípios, na medida em que apresentam todas as características destes, notáveis principalmente ao serem comparadas com aquelas que enunciam regras” [161].

Exemplo bastante significativo dessa colisão é o conflito sempre existente entre a liberdade de imprensa e o direito à honra, palco em que excessos são descomedidamente cometidos. Isso porque, como leciona Mônica Aguiar:

“Entre a liberdade de imprensa e os bens jurídicos pessoais[162] há uma relação intrinsecamente conflitual na medida em que, embora exista espaço no qual a pessoa pode representar-se e agir com plena autonomia à margem de qualquer devassa e intromissão, o ser social, atributo do homem, autoriza uma compreensão de que ninguém pode viver como uma unidade isolada” [163].

Para que haja a regulação desses conflitos, deve-se buscar forma de harmonizar o direito, sendo que, somente depois da análise do caso concreto, será possível determinar que bem prevalecerá[164]. Assim, para a solução de confrontos entre direitos fundamentais, não se mostra suficiente a mera subsunção do fato à norma, principalmente em decorrência do estado de tensão que envolve os referidos direitos. Logo, jamais se deve pretender solucionar casos deste nível através da análise da validade (em que uma regra é preterida em favor da outra), pelo que uma única norma é aplicada no caso concreto com base em critérios hermenêuticos clássicos, quais sejam, hierárquico, cronológico ou da especificidade.

Em tais circunstâncias, os referidos critérios não devem ser utilizados por estarem os direitos fundamentais no mesmo patamar hierárquico, como já afirmado. Dessa forma, necessária se faz a observância de outras modalidades de solução (semelhantes às empregadas na solução de conflitos envolvendo princípios, pois já foi mencionada a semelhança entre os confrontos). Completando esse raciocínio, diz Paulo Branco que “no conflito entre princípios, deve-se buscar uma conciliação entre eles, uma aplicação de cada qual no caso concreto, sem que um dos princípios venha a ser excluído do ordenamento por irremediável contradição com o outro” [165].

Assim, deve-se fazer um sopesamento dos direitos conflitantes, para que reste possível o estabelecimento de qual deles terá prevalência na situação em caso. E, como meio de fugir de indesejáveis hermenêuticas, urge serem traçados caminhos para a solução do extremamente complexo tema da colisão entre direitos fundamentais.

6.2.2. A ponderação de interesses como método de solução

No intuito de concretizar a aplicação de critérios de justiça prática, debruçaram-se a doutrina e os legisladores em estudos objetivando encontrar elementos suficientes e bastantes à solução dos conflitos ora enfocados, o que acaba por minorar a aplicação de meras interpretações subjetivas, muitas vezes não condizentes com o princípio da segurança jurídica. Nesse sentido, cabe falar rapidamente sobre o assunto.

Inúmeras propostas solucionadoras já foram desenvolvidas, porém, muitas delas, por si sós, não se mostraram aptas à solução de todas as modalidades de conflitos entre os direitos fundamentais[166]. Recentemente, percebeu-se que a técnica da subsunção é limitada e não se mostra suficiente para a resolução de todos os tipos de conflitos entre direitos, o que ainda é mais agravado pela enorme expansão de importância dos princípios. Nesse sentido, é válido transcrever a ilustração trazida por Ana Paula de Barcelos e Luís Roberto em sua obra:

“Imagine-se uma hipótese em que mais de uma norma possa incidir sobre o mesmo conjunto de fatos – várias premissas maiores, portanto, para apenas uma premissa menor –, como no caso clássico da oposição entre liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à honra, à intimidade e à vida privada, de outro. Como se constata singelamente, as normas envolvidas tutelam valores distintos e apontam soluções diversas e contraditórias para a questão. Na sua lógica unidirecional (premissa maior – premissa menor), a solução subsuntiva para esse problema somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na escolha de uma única premissa maior, descartando-se as demais. Tal fórmula, todavia, não seria constitucionalmente adequada: por força do princípio instrumental da unidade da Constituição, o intérprete não pode simplesmente optar por uma norma e desprezar outra em tese também aplicável, como se houvesse hierarquia entre elas” [167].

Assim, restou claro que nem todos os casos podem ser resolvidos pela simples subsunção, necessitando-se de uma solução mais complexa, que considere cada um dos elementos envolvidos no conflito, analisando a importância dos mesmos em relação ao caso em questão de forma a ponderar os interesses envolvidos. Segundo Alexy:

“Em uma ordem democrática, os princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato” [168].

Face ao exposto, deve-se tecer comentários a respeito da técnica da ponderação, à qual laçam mãos diversos intérpretes, por ser de grande utilidade frente à necessidade de solução de hard cases[169] envolvendo normas constitucionais possuidoras de mesmo grau de hierarquia e generalidade.  Pode-se, sucintamente, conceituá-la como um meio ou técnica de decisão jurídica empregada na decisão de casos difíceis, não solucionáveis pela subsunção[170].

Ela subdivide-se em três fases. Em primeiro lugar, deve o aplicador identificar as normas relevantes para a solução que estão em conflito. Em seguida, tem de se examinar, detalhadamente, o fato e as circunstâncias concretas do caso, bem como sua interação e repercussão sobre as regras conflitantes[171]. Por último, quando da decisão, há de se apreciar conjuntamente os diferentes grupos de normas, além da repercussão delas sobre os fatos, em uma verdadeira atribuição de “pesos” aos elementos colidentes, para que, por sopesamento, determinem-se quais devem prevalecer e em que intensidade. Assim, é nessa terceira fase que ponderação será, verdadeiramente, realizada em detrimento da subsunção. Nas palavras de Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto:

“Nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade, como será visto adiante” [172].

 A técnica da ponderação passou a ser utilizada na moderna interpretação constitucional em face das necessidades de solução dos novos conflitos que foram surgindo com o passar dos anos e a evolução tecnológica. Assim, ainda não se conhece exaustivamente a cerca da estrutura interna do raciocínio empregado na referida técnica, sabendo-se apenas estar ela sempre ligada ao sopesamento e balanceamento de interesses, bens, normas e valores. Também não há unanimidade no que tange à sua natureza: se a ponderação trata-se de um princípio autônomo[173] ou de um componente mais abrangente do princípio da proporcionalidade[174], discussão que não acarreta conseqüências práticas para este trabalho.

Entretanto, essa técnica não pode desvirtuar-se, tornando-se ferramenta para a realização de interpretações totalmente subjetivas (e às vezes tendenciosas) do intérprete. Coadunando com esse entendimento, há autores que criticam utilização da ponderação no que tange a assuntos envolvendo temas constitucionais, sob a alegação de que, face ao seu caráter fundamental, eles não poderiam estar sujeitos à avaliações subjetivas e discricionárias típicas da técnica ponderativa[175]. Logo, parâmetros à sua utilização devem ser fixados (o quais não são rígidos nem imutáveis, mas tão somente balizas norteadoras da correta interpretação), para que a mesma constitua-se numa inconteste garantia equidade das decisões. Nesse sentido, afirma Ana Paula de Barcellos:

“O propósito da ponderação é solucionar esses conflitos normativos da maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes. (...) A construção de parâmetros pela doutrina, a partir de um discurso racional, público e amplamente justificado, está apenas iniciando e exigirá ainda considerável estudo e reflexão, mas é um dos poucos meios capazes de explicar, justificar e controlar a ponderação. E ele carrega em si uma vantagem adicional: trata-se de uma forma de controle puramente persuasivo – a consistência da argumentação é que provará sua eficácia – e não coercitivo, permitindo amplo espaço de determinação ao Poder Judiciário” [176].

Assim, a técnica da ponderação não deve ser desmerecida quando utilizada para a tomada de decisões, visto que, nela, a discricionariedade judicial não é ilimitada, restando sua aplicação adstrita às situações em que o ordenamento jurídico não tenha estabelecido soluções, em tese, para determinado caso, não elegendo, assim, qual interesse ou valor deverá sempre prevalecer. Além disso, pelo exame da argumentação e fundamentação expostas pelo julgador ao proferir sua decisão, é possível que seja exercido um controle de legitimidade das decisões oriundas de juízo de ponderação, forma pela qual é possível garantir a existência de limitação ao subjetivismo do magistrado.

Do exposto, percebe-se existir uma busca por um critério único de solução, passível de aplicação em todos os casos. Como será visto adiante, o princípio da proporcionalidade mostra-se bastante eficaz na solução de conflitos no caso concreto.   

6.3. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: CARÁTER NÃO ABSOLUTO

Rememorando-se: o direito à liberdade de informação não tem caráter absoluto, não pode ser exercido a qualquer custo, como estabelecido pelos próprios arts. 5°, incisos IV, V, X e 220 da CF. Sofre limitações, na medida do estritamente necessário, decorrentes da necessidade de salvaguarda de outros importantíssimos direitos, destacadamente, do direito à honra, situação gravosa pelo fato de todos eles constituírem-se em direitos constitucionalmente fundamentais.  Nos dizeres de Gláucia Borges:

“Expressão, opinião e informação não se constituem em liberdades constitucionais plenas, posto que a liberdade de imprensa esbarra nos direitos da personalidade que não são passíveis de violação, nem mesmo sob o pretexto de eventual interesse público ou coletivo”[177].

Dessa forma, deve-se sempre buscar compreender a abrangência de um direto fundamental para a determinação de qual deles prevalecerá no caso concreto, visto que essa prevalência varia, em muito, a depender da situação, já que não há a supremacia absoluta de um bem jurídico. Estabelece Zannonni:

“Assim, não necessariamente há de prevalecer a liberdade de expressão sobre a honra ou a privacidade das pessoas, nem vice-versa: a honra ou a privacidade não podem ser consideradas prevalentes, em todos os casos, sobre a liberdade de pensamento” [178].

Lembre-se que a atual Lei de Imprensa foi publicada em 1967, período de plena vigência da ditadura militar com todos os seus excessos e opressões, daí o seu teor autoritário. Só que veio a atual Constituição, institucionalizando a proteção de variados direitos antes não legalmente resguardados, dentre os quais se apontam o direito à honra e à liberdade de informação, mas nova lei de imprensa ainda não foi elaborada, continuando a antiga vigorar em notável contraste com a democrática CF de 88.

Isso, de certa forma, constituiu-se em abrupta transformação, causadora de grande impacto à população. A promulgação da CF ocorreu depois de vasto período ditatorial, no qual censuras políticas, ideológicas e artísticas já faziam parte do quotidiano da sociedade brasileira. Antes, pessoas viviam em constante temor, por verem comumente torturas e demais exagerados “castigos” repressivos sendo rotineiramente aplicados. Esse choque entre as realidades acabou por gerar confusões nas mentes dos indivíduos, de forma que alguns, provavelmente, não conseguiram perceber os limites dos novos direitos consagrados. Daí, talvez, tivessem imaginado que lhes foram atribuídos direitos de fazer qualquer coisa, exprimindo suas opiniões da forma que quisessem, independentemente de eventuais ofensas outros direitos.

Nesse sentido, manifesta-se Edílson Pereira Farias, dizendo que “tem sido um aprendizado duro e difícil para nós, depois de muitos anos de ditadura militar, conviver numa sociedade sem censura oficial do Estado[179]”. Logo em seguida, questiona que “quem não se recorda dos inúmeros conflitos envolvendo a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais verificados nos últimos tempos no país?[180]”.

A afirmação acima pode ser considerada uma meia verdade, pois, é certo que o Brasil viveu por mais de dez anos sob o manto da censura oficial do Estado ditatorial, mas também é verdade que esse pesado fardo não existe há mais de vinte anos, contados a partir da redemocratização de 1985. Hodiernamente, mais correto seria afirmar que aos profissionais e dirigentes dos órgãos da imprensa faltam maturidade para assumir, com seriedade e responsabilidade, o relevante papel desempenhado pela mídia, evitando eventuais excessos ou distorções.

Para que se justifique a prevalência do direito à informação sobre os demais direitos personalíssimos, é imprescindível a análise de certos elementos que sempre devem ser respeitados. Assim, cumpre verificar se a revelação dos fatos é verdadeira[181], bem como se ela diz respeito ao interesse público (tanto no conteúdo da notícia quanto à condição do indivíduo a que ela refere-se), além da pertinência do momento em que foi feita a divulgação (ou seja, se no momento da divulgação ela estava de acordo com os fins da liberdade de informação, qual seja, apresentar ao público fatos relevantes, de forma a possibilitar que ele forme consciência política, cultural e social, dentre outras). Isso porque, não preenchidos esses requisitos, constando-se que a mídia agiu de forma oportunista e sensacionalista, não será reconhecida a licitude de sua atividade, tendendo-se, consequentemente, a conferir maior peso jurídico aos demais direitos conflitantes que estão sendo ponderados. Nesse sentido:

“Assim, se a notícia é verdadeira e socialmente relevante, então, ponderados os valores e interesses concretos em conflito, pode sacrificar-se o direito da personalidade, sem que se afete o conteúdo essencial deste, ou seja, procurando-se preservá-lo no que for possível. Diversamente, sendo a notícia falsa, apesar de relevante para a sociedade, sacrifica-se o direito de informação, ou se a notícia é verdadeira, mas sem relevância pública, sacrificar-se-á igualmente o direito de informação. Mas esta afirmação deve ser aceita com ressalvas, porque com relação à veracidade informativa, por óbvio que outros fatores devem ser sopesados, como por exemplo, a ciência da inverdade da notícia, o fato de o jornalista não tê-la checado devidamente, ter agido de má fé, além de ter que se levar em conta o fato de não se exigir do jornalista a verdade absoluta dos fatos”[182].

Face ao exposto, cabe ao juiz, no caso concreto, analisar todos os fatores em questão e decidir pela prevalência de um entre os direitos conflitantes, tendo em vista que a liberdade de informação não possui caráter absoluto.

6.4. EXCESSOS COMETIDOS PELA MÍDIA FACE AO DIREITO À HONRA DO ACUSADO

Nos dizeres de Rui Barbosa, "o jornalista, para o comum do povo, é um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado é um censor, um familiar e um magistrado”[183]. Quis, através dessa afirmação, demonstrar que, no geral, a população aceita como verdade irrefutável tudo aquilo escrito por um jornalista, pessoa sábia, que estudou para aprender a empregar adequadamente as palavras, de forma a transmitir-lhe informações e não a deixar à margem dos acontecimentos políticos, econômicos e culturais do país.

Na prática, sabe-se que qualquer notícia transmitida pela imprensa é absorvida pelo público como verdade absoluta, tamanha a credibilidade que este lhe deposita, até porque, talvez, seja esse o único meio de que ele dispõe para conhecer do fato, não havendo, assim, possibilidade de refutar a informação passada[184]. É esta é uma das principais razões para que todas as limitações legal e constitucionalmente impostas sejam totalmente respeitadas, principalmente quando o fato repercutir sobre a honra do ser humano, que “é o primeiro dos bens matérias tutelados pelo direito público e o quarto na hierarquia dos bens associados à proteção da vida” [185].

Estabelece a Lei de Imprensa (omissis):

“Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação:

I - a opinião desfavorável da crítica literária, artística, científica ou desportiva, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

II - a reprodução, integral ou resumida, desde que não constitua matéria reservada ou sigilosa, de relatórios, pareceres, decisões ou atos proferidos pelos órgãos competentes das Casas Legislativas;

III - noticiar ou comentar, resumida ou amplamente, projetos e atos do Poder Legislativo, bem como debates e críticas a seu respeito;

IV - a reprodução integral, parcial ou abreviada, a notícia, crônica ou resenha dos debates escritos ou orais, perante juízes e tribunais, bem como a divulgação de despachos e sentenças e de tudo quanto for ordenado ou comunicado por autoridades judiciais;

V - a divulgação de articulados, quotas ou alegações produzidas em juízo pelas partes ou seus procuradores;

VI - a divulgação, a discussão e a crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa;

VII - a crítica às leis e a demonstração de sua inconveniência ou inoportunidade;

VIII - a crítica inspirada pelo interesse público;

IX - a exposição de doutrina ou idéia.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos II a VII deste artigo, a reprodução ou noticiário que contenha injúria, calúnia ou difamação deixará de constituir abuso no exercício da liberdade de informação, se forem fiéis e feitas de modo que não demonstrem má-fé”. (Grifos nossos).

Não há nenhuma dificuldade para o entendimento dos citados dispositivos, escritos em linguagem clara, facilmente compreensível mesmo por leigos. Assim, não cabe afirmar que os jornalistas ou demais profissionais liberais atuantes no âmbito da comunicação tenham dificuldade de perceber aquilo o que lhes é lícito fazer no exercício de suas profissões. Se eles seguissem o disposto nesse artigo, não haveria tantos casos de crimes contra a honra e demais direitos personalíssimos abarrotando os tribunais. Entretanto, alguns graduados parecem que se esqueceram, sequer por uma única vez, terem lido as referidas regras, e aos profissionais liberais, urge a leitura das mesmas (se já não os fizeram), de forma que sejam seguidas e tamanhos abusos não continuem sendo cometidos.

Além de explorarem excessivamente os fatos que atraiam maior audiência do público, preterindo outros de igual ou até mesmo maior importância, certos jornalistas tendem a estigmatizar alguns setores menos favorecidos da sociedade, comumente apontando-os como violentos ou perigosos, embotando no imaginário popular que determinados caracteres compõem a maioria dos quadros delitivos, a exemplo de jovens favelados, bairros marginalizados e imigrantes – por alguns estarem envolvidos em tráfico de drogas, dentre outros, sem destacar que, entretanto, nem todos os integrantes desses locais e perfis são criminosos, o que se constitui em notável ofensa à honra daqueles que são indevidamente estigmatizados.

É inegável que são os meios de comunicação massivos os principais responsáveis por levarem ao conhecimento público a ocorrência de crimes, bem como todo o percurso dos atos processuais. Porém, não poucas vezes, como já reiteradamente afirmado neste trabalho, a narração dos fatos sai distorcida, o que acaba por não apenas reduzir, mas sim por aniquilar os direitos da personalidade do acusado ou investigado, os quais passam a ser tratados como se verdadeiros objetos noticiáveis fossem, e não como seres humanos. Assim, diz Ana Maria:

“O crime e a justiça penal, até então, presenciados pela população quando da execução da reprimenda, posteriormente revelados pelos periódicos, narrados pelos poetas, representados pelas artes dramáticas, foram transformados em imagens pela mídia, mas uma imagem que não revela os fatos, porém os cria. Pela invasão diária da notícia de crimes, investigações policiais, prisões de acusados por infrações de corrupções etc., podemos perceber que a imprensa hoje possui a característica de gerar ‘imagens-acontecimentos’: é a imagem que se torna acontecimento, fazendo-os coincidir. É, segundo Denry Jeudy, a chamada ‘alucinação do real’, ‘desrealização do mundo’, pois a mídia constrói um efeito de fascinação e ao mesmo tempo reproduz um efeito de contaminação das imagens. Assim, não há mais como se operar uma distinção entre a imagem e o real. Nem mesmo cabe falar em Justiça ‘espetáculo’, porque essa idéia ainda supõe que exista uma certa distância entre a representação e a realidade”[186].

Dessa forma, seria até ingênuo imaginar que a imprensa sempre fosse totalmente fiel aos fatos. Logo, pode-se contar apenas parte de um fato, ocultando outro, de forma a influenciar a opinião das pessoas. Daí o acusado, ou até mesmo um mero investigado, é submetido a vexames, à devassa de suas vidas, passando a ser desrespeitado pela população, em decorrência da imprópria atitude da imprensa de expor motivações e detalhes sórdidos do suposto crime, além de traços estigmatizados de personalidade, os quais ela simplesmente supõe, sem nenhuma prova consistente ou decisão judicial.

Noticia-se o inquérito ou o processo através de chamadas sensacionalista, não havendo preocupação com a veracidade das informações muito menos com critérios éticos por parte do profissional, em uma verdadeira demonstração de leviandade e de falta de preocupação com a dignidade das pessoas. Nem os jornalistas e nem as autoridades policiais preocupam-se com os direitos humanos do suspeito, exibindo sua imagem à mídia, como se uma coisa ele fosse. Nada escapa das lentes da imprensa, nem mesmo os mais íntimos detalhes da vida privada (os quais, muitas vezes, em nada influirão no processo), jogando-se no lixo toda a dignidade e a honra do indivíduo perante a sociedade, o que se constitui em imensurável absurdo, pois a condição do indivíduo (investigado, acusado ou réu) não lhe retira o direito de respeito aos seus direitos personalíssimos.

De tanto abordar matérias relacionadas à ocorrência de crimes, enaltecendo-as, a mídia acabar por gerar uma verdadeira tensão social: de um lado, acompanham os espectadores todos os detalhes (exagerados, diga-se de passagem) noticiados pela mídia, como se estivessem assistindo capítulos de uma novela e não diante de uma situação verídica, causadora de sofrimentos e de ofensas a direitos das partes envolvidas; de outro, esses mesmos espectadores, ávidos pela materialização da justiça, clamam pela aplicação de penas aos acusados, antes mesmo de qualquer decisão judicial, pelo simples fato de já terem formado opinião de que se tratam aquelas pessoas de criminosos, merecedores das piores punições, conseqüência, evidentemente, dos pré-julgamentos feitos pela mídia.

Em relação ao referidos pré-julgamentos, deve-se exigir que os profissionais da imprensa evitem realizá-los ao máximo possível, tamanha a sua potencialidade lesiva, pois podem ofender não só a honra e demais direitos do acusado, como também acabar por influenciar no julgamento do poder judiciário, no afã de atender aos clamores populares (como exemplo, pode-se citar a manutenção de uma cautelar indevida como forma de satisfazer a opinião pública). Ressalte-se, ainda, que a exagerada exposição dos acusados, além de agredir suas honras, acaba por colocar em risco suas vidas, pois, muitas vezes, tamanha a pressão e a exploração feita pela mídia, que a população rebela-se contra os mesmo e tenta linchá-los, ameaçando-os de morte, numa demonstração de tentativa de fazer justiça com as próprias mãos. Isso é inconcebível, pois vai de encontro a todos os postulados e garantias do Estado Democrático de Direito.

A situação agrava-se mais ainda quando os acusados são pessoas públicas, possuidoras de notoriedade em razão da função exercida. Se a população, em geral, já tem interesse em tomar conhecimento da intimidade das mesmas em suas vidas quotidianas, no caso de envolvimento delas em fatos criminosos, o interesse é dobrado. A mídia, logicamente, aproveita-se desse fator e publica indiscriminadamente todos os aspectos ligados às celebridades, esquecendo-se que elas também possuem honra e dignidade a serem preservadas.

Também as vítimas e testemunhas sofrem exposições em decorrência das investigações, pois geralmente a divulgação dos depoimentos ressalta aspectos da privacidade dessas pessoas. Fala-se de seus gostos, hábitos, preferências, relacionamentos amorosos, caracteres que nem interessam ao judiciário, mas são importantíssimos para a imprensa, por despertarem a curiosidade do público.

Logo quando da ocorrência do fato, o possível infrator é exposto, estampado nas notícias e capas de jornais ou revistas, tornando-se publicamente conhecido e tido como um ser vil, que merece a mais cruel das condenações. Antes mesmo do julgamento do poder judiciário, em que são respeitados os princípios do devido processo legal, a mídia sentencia o acusado[187], sentença esta que é muito mais drástica e cruel, porque irrecorrível, já que não há como se retirar das mentes dos telespectadores todos os detalhes e acusações feitos pela imprensa. Assim, defende Marta Zanchi que:

“Comentários excessivamente sensacionalistas, chativinistas ou parcialmente marcados por preferência ideológicas expostas apaixonadamente não só têm defeitos técnicos, que incidem sobre a qualidade profissional da informação, como contribuem para difundir posturas distorcidas, maniqueístas e agressivas. O cuidado e o esforço de bem-fazer são exigíveis do informador na elaboração das informações, que deve ser de fonte segura e contrastada, documentada e exposta com objetividade. Isso requer um esforço de preparação sobre o tema a tratar e um seguimento de seu contexto e evolução. Afinal, a codificação, marcada por infinitos processos de escolha, é, em grande parte, responsável pela construção da opinião pública sobre os temas selecionados”[188].

Consequentemente, pouco importa a honra das pessoas. Vale tudo para a obtenção de lucros, não se levando em consideração os prejuízos que a publicação de um fato indevido venha acarretar na vida de um indivíduo. E a população, em geral, é cúmplice dessa prática, pois se alimenta das mazelas alheias e tem como diversão acompanhar os fatos divulgados pela mídia, por mais violentos que sejam. Tristeza ou não? O que seja! É a realidade da população e da mídia brasileira. Nos dizeres de Ignácio Ramonet, “enquanto mercadoria, a informação está em grande parte sujeita às leis de mercado, da oferta e da demanda, em vez de estar sujeita a outras regras, cívicas e éticas, de modo especial, que deveriam, estas sim, ser as suas” [189]. Nessa mesma tendência caminham os programas televisivos e a imprensa em geral. Pela concorrência, cabe tudo, até mesmo transformar em mercadoria um fato que pode trazer conseqüências indeléveis na vida de uma pessoa. 

A situação agrava-se muito quando se atenta para o fato de que, mesmo comprovando-se a inocência de uma pessoa ao final de um processo criminal, ela já foi estigmatizada, crucificada pela mídia e pela população, tendo sido seus valores e honra jogados ao lixo, conseqüências essas que transcendem o plano físico e permanecem enraizadas no psicológico, o que acaba por aniquilar moralmente o indivíduo. Posteriormente, mesmo sendo feita uma retratação, esta não consegue desfazer completamente as conseqüências negativas geradas para a pessoa Foi o que aconteceu no conhecido caso da “Escola Base”. Conforme relatado por Ana Lúcia, citando Alex Ribeiro em sua obra “Caso Escola Base: os abusos da imprensa”, naquela ocasião injustiça incorrigível foi cometida:

“Era uma notícia de impacto: crianças de classe média estariam sofrendo abusos sexuais justamente dos responsáveis por uma escolinha, que deveriam zelar pela integridade. Tudo começou com uma despretensiosa conversa entre mãe e filho de quatro anos. De uma frase dita pelo menino, a mãe concluiu, após algumas respostas às suas perguntas, que as crianças da escolinha estavam sofrendo abusos sexuais. Relatou o fato à outra mãe de aluno e levaram a notícia à Delegacia de Polícia. A autoridade policial entrou em ação. Como se a situação requeresse em cima de muito alarde foram feitas outras ‘investigações’. Toda a imprensa já estava de prontidão. As notícias dos ‘indícios’ começaram a ser divulgadas. O delegado do inquérito não só transmitia aos repórteres o que fazia, mas o que pretendia fazer. As averiguações, as buscas, as oitivas das vítimas, o interrogatório dos suspeitos eram acompanhados de perto pela mídia. Em tom de sensacionalismo, todos os atos do inquérito, inclusive os que não existiram, eram divulgados nos meios de comunicação”[190].  

Continuando a narrativa, agora já no tocante às conseqüências, principalmente no que tange à honra dos equivocadamente acusados, disse que:

“A escola foi depredada, os proprietários tiveram que abandonar o emprego, não podiam sair às ruas, pois suas fotos estavam estampadas em todos os locais e, além de poderem sofrer agressões do público, suas vidas corriam riscos. Foram colocados no ‘pelourinho’ da imprensa. Perderam tudo o que tinham, entre bens materiais e morais. E, quando ao inquérito, foi arquivado por falta de elementos que evidenciassem a ocorrência de crimes. Não há indenização que seja capaz de restituir as perdas sofridas pela vítimas da imprensa e daquele que tinha o dever de agir com critério, comedimento e sob o sigilo, uma vez que cabível e justificável in casu. Tarde demais. A violência está consumada. Não contra os alunos, mas contra os acusados[191]. (Grifos nossos).

Nas emissoras brasileiras, alguns programas sobrevivem da exploração de temas relativos aos submundos da sociedade, como é o caso do programa exibido pelo apresentador Datena, e, em nível de total excesso e barbaridades, o programa intitulado Se Liga Bocão, em que o apresentador José Eduardo vai diariamente “ao ar” expor cenas drásticas de crimes gravíssimos e cruéis, tratando deles como se dissessem respeito a fatos normais, além de acusar, publicamente, pessoas, apontando-as como assassinas, criminosas, dentre vários outros termos caluniosos[192]. Já não fosse o bastante utilizar-se de tons sensacionalistas e acusações muitas vezes infundadas, ultimamente tornou-se comum o referido apresentador literalmente mandar a população “passar o rodo” naquele que foi apontado, sem as devidas provas, como criminoso, ou até mesmo chegar a afirmar que “alguém precisa matar aquele indivíduo”, incitando a população ao cometimento de crimes (situação esta, inclusive, tipificada pelo CP, em seu art. 286).

Ressalte-se que o programa é veiculado em horário livre de censuras, sendo, consequentemente, assisto por vários jovens e até mesmo por crianças. Porém, o conteúdo das notícias, e mesmo a linguagem utilizada pelo apresentador, são inadequados ao acima citado tipo de público, pois, em diversas vezes, são exibidas cenas chocantes de mortes, cadáveres, lesões corporais, dentre outras. Não é difícil constatar que o referido programa viola o ordenamento jurídico, através de ofensas ao direito dos presos, ao principio da presunção da inocência, além de incentivos à prática de violência e torturas, tanto por parte da polícia quanto por parte da população.

José Eduardo, geralmente, faz chamadas sensacionalistas de forma a anunciar o cometimento de determinado crime, a exemplo de homicídio, roubo e estupro, dentre outros. Depois de exibir as referidas chamadas por diversas vezes, mostra reportagens feitas no local do crime, ou, quando não o consegue, transmite todo o procedimento de prisão do suspeito, entrando um dos membros de seu programa, conhecido por “Zebim”, nas delegacias, de forma a tentar entrevistar o preso ao vivo. Porém, as reportagens são extremamente ofensivas aos direitos, notavelmente à honra, dos mesmos, exibindo-se a imagem daqueles que estão ali sem nenhuma assistência jurídica (na maioria das vezes, tratam-se de pessoas pobres, que não têm condições de providenciar um advogado para defendê-los dos excessos no momento). Às vezes, quando os presos negam-se a falar, Zebim os persegue com uma câmara, insistindo na obtenção de respostas, sendo que tudo isso será transmitido aos telespectadores, em total desrespeito à honra e demais garantias constitucionais desses cidadãos. 

Em notícia publicada pelo Jornal Correio Braziliense:

“Não foi fácil manter-se ligado nos programas Cidade Alerta (Record) e Brasil Urgente (Band), com forte tendência sensacionalista. As matérias contam histórias de homicídios, estupros, roubos e acidentes automobilísticos. Não é incomum se deparar com legendas bem semelhantes nos dois canais: ‘Vizinho é acusado de estuprar e matar estudante’ ou ‘Criança de 3 anos é espancada pelo pai até a morte’. Os apresentadores dos programas, Milton Neves — Cidade Alerta — e José Luís Datena — Brasil Urgente —, intercalam as ‘‘imagens chocantes’’ com comentários ‘construtivos’ do tipo ‘Onde esse país vai parar’ e ‘Essa mulher (a madrasta que ajudou a espancar o enteado) deve mofar na cadeia ou apanhar como a criança apanhou’. Sem falar em clichês do gênero, como, por exemplo, ‘Na maior parte das vezes, o perigo mora realmente ao lado’, citado em tom seríssimo por Datena. Os moldes dos programas da Band e da Record são tão parecidos que as edições diárias trazem as mesmas matérias em ordens diferentes” [193].

Há variados outros programas sensacionalistas na televisão brasileira, em quase todas as emissoras, como é o caso dos programas de Gilberto Barros e de Márcia Goldschmidt da Rede Bandeirantes, dentre tantos que, em uma tentativa de citar todos, levar-se-ia dias e mesmo assim não se sabe se o objetivo seria atingido[194]. No judiciário, existe uma enorme de quantidade de ações contra os mesmos, tamanhas as ofensas cometidas.

Triste é que, nenhum deles, verdadeiramente informa a população brasileira, sobretudo a de baixa renda, fazendo um péssimo jornalismo e formando opiniões excessivamente equivocadas. O mais lamentável é que se passa ao público aquela imagem como sendo a versão definitiva e fiel aos fatos, de forma que pessoas, muitas vezes indevidamente presas, já foram consideradas criminosas e sentenciadas pela população e pela mídia. A situação agrava-se quando se destaca que os crimes objeto dessas reportagens ainda estão, geralmente, em fase de inquérito policial, não existindo, portanto, nem acusação formulada pelo Ministério Público.

 Aí não estão configurados apenas abusos, mas sim verdadeiros crimes que encontram tipificação no Código Penal brasileiro, os quais merecem ser apurados, através das devidas denúncias, para que sejam adotadas as medidas penais cabíveis. Triste é que a população massificada, em geral, deixa-se envolver pela linguagem sensacionalista e continua assistindo a programas desse nível, comportando-se como verdadeiros fantoches que seguem e acreditam fielmente em tudo o que for dito por estes sensacionalistas[195], e ainda aprovam e elogiam o vergonhoso trabalho deles. Nesse sentido, observe-se a ementa:

LEI DE IMPRENSA. UTILIZAÇÃO DAS EXPRESSÕES "OPORTUNISTAS", "DECADENTES", "CORVOS" E "PESSOAS DESOCUPADAS" NA DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA. RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME. NECESSIDADE: - EM SEDE DA LEI DE IMPRENSA AS EXPRESSÕES "OPORTUNISTAS", "DECADENTES", "CORVOS" E "PESSOAS DESOCUPADAS", QUANDO UTILIZADAS NA DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA PELO ACUSADO, JUSTIFICAM A "PERSECUTIO CRIMINIS" JUDICIAL, DEVENDO SER RECEBIDA A QUEIXA-CRIME, POSTO QUE, "IN THESI", CONSTITUEM CRIMES CONTRA A HONRA. (TACrimSP – Apelação Criminal nº. 1111159/8. Relator: Desembargador  Geraldo Lucena. 15ª Câmara. Data do julgamento: 01/10/1998).

Tornaram-se rotineiras as reportagens realizadas por filmagens obtidas através de vôos de helicópteros, de forma a captar e transmitir, em tempo real, os acontecimentos. Quase todos os programas exibidos aos domingos têm essa tática, que, diga-se de passagem, é anti-jornalística, para divulgar notícias com ineditismo. E já, mesmo durante os vôos, a mídia capta e transmite as imagens, persegue os suspeitos, acusando-os de serem os verdadeiros culpados, prejulgando-os, e passando aos milhares de telespectadores uma sentença a respeito deles, em uma verdadeira humilhação “ao vivo” do indivíduo. E, claro, para tornar ainda mais completa e convincente a reportagem, nunca esquecem de apimentá-la com a indignação (muitas vezes falsa) do repórter e/ou apresentador.  E assim:

“O jornalismo chulo segue adiante; a desinformação também. O povo, que está embaixo, continuará sofrendo as conseqüências. Compreendem-se os escrúpulos dos jornalões em falar de si mesmo – gente fina costuma ser reservada. Mas por que não lembram do grande jornalista que foi Cásper Líbero e dos seus feitos jornalísticos? Alguém hoje lembra que ao meio-dia, quando a Gazeta começava a rodar, soava uma poderosa sirene para avisar que o jornal já estava indo para as bancas? Alguém sabe o que representou para a cidade o Correio Paulistano, a Rádio Record, a Excelsior? Alguém lembra dos feitos do repórter radiofônico Tico-Tico? Compreende-se que a Editora Abril, por recato, também não queira falar dela mesma, mas em 1954 Victor Civita já iniciava o desmonte do mito de que São Paulo não sabia fazer revistas nacionais – não é assunto? Auto-estima hoje virou lugar comum, panacéia para todos os males e aflições. Mas a verdade é que a nossa imprensa não gosta de olhar-se no espelho. Nem para lembrar os belos traços que já ostentou” [196].

Todas as pessoas que se acobertam sob o falso manto da liberdade de expressão, em verdade, não passam de verdadeiros opressores. “Defendem única e exclusivamente a SUA liberdade, tal como os ditadores defendem única e exclusivamente os seus interesses e a sua maneira de ver as coisas. Tornam-se assim naquilo que tanto criticam quando o vêem nos outros”[197].

Os abusos e excessos acima descritos chocam com os princípios fundamentais, bem como com os preceitos trazidos pelo Código de Ética dos profissionais da área.  Segundo Gláucia Borges, isso “têm culminado em cerca de três mil ações indenizatórias contra instituições jornalísticas e em face dos próprios profissionais”[198]. Ela escreveu seu artigo no ano de 2004, logo, a quantidade mencionada, certamente, já aumentou consideravelmente, visto que a cada dia mais ofensas são cometidas.

Hoje, trabalha-se com números ainda mais assustadores, dados esses que vão muito além simples de pleitos de indenizações. Eles retratam, verdadeiramente, a quantidade de ofensas aos direitos personalíssimos das pessoas, que têm suas honras atingidas, o que lhes marca pelo resto de suas vidas, acarretando sérios problemas psicológicos, causadores de desvios de conduta e de transformações na própria personalidade de cada indivíduo.    

Diariamente, uma quantidade incalculável de pessoas têm acesso a tudo aquilo o que for transmitido através da imprensa. Assim, imagine-se o dano psicológico de um indivíduo que se viu pejorativamente adjetivado em determinada notícia, sabendo ele que toda a sociedade teve acesso àquela e que a maioria das pessoas, como dito, aceitam como verdadeiras as narrativas da mídia. Trata-se de gravíssima lesão à sua reputação, ao seu nome, ocasionadora, conseqüentemente, de diminuição do respeito social em relação a ele, da mutilação de sua honra. Isso é fatal, ataca diretamente a alma e os sentimentos mais íntimos de um cidadão, pois, mesmo não tendo ele consciência da proporção da ofensa que está sofrendo, certo é que críticas irônicas e comentários maliciosos sempre estarão sendo feitos pela sociedade. Suas imagem e honra ficarão maculadas no imaginário popular, o que muito dificilmente será desfeito.

Frise-se que essa má atuação da imprensa acaba também por comprometer a sua credibilidade, de forma que as notícias passam a ser enxergadas com suspeitas e dúvidas relativas aos seus teores. E mais, não apenas os repórteres, jornalistas ou radialistas têm de ser responsabilizados pelo cometimento de abusos. Essa responsabilização deve ser estendida às diversas pessoas que trabalham na mídia, sem nenhuma formação profissional (muito menos ética), que nada mais fazem do que ocupar, da pior maneira possível, o espaço de trabalho próprio para os profissionais da área de comunicação.

Atente-se que os programas sensacionalistas (exemplos já citados), conduzidos por pessoas interessadas em se tornarem famosas e em auferirem exorbitantes lucros, são problemas que não perpassam apenas pelo desrespeito à honra dos cidadãos, mas, sobretudo, por questões morais, éticas, políticas e sociais da imprensa em geral, depreciando a imagem das empresas de comunicação (que atuam com seriedade) do país. Válido observar parte da decisão de um acórdão do TACrimSP – Apelação Criminal – Relator Juiz Azevedo Franceschini – JUTACRIM 26/287[199], dispondo que:

“Constitui difamação a imputação de acontecimento ou conduta concreta e precisa que, sem chegar a caracterizar delito, ofende a reputação ou o bom nome do atingido, expondo-o a reprovação ético – social" (omissis).

Nesse caso, certo jornalista imputou fato ofensivo à reputação de um indivíduo (mencionou ter ele praticado determinado crime), fato esse que foi considerado pela jurisprudência como cometimento de calúnia. Isso porque, toda ofensa feita publicamente, através dos meios de comunicação massivos, rapidamente adquire grandes dimensões. No referido caso, estava presente o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo, além do animus difamandi, visto que o cidadão teve sua honra gravemente atingida pela imprensa sem que o responsável pela publicação da notícia tivesse qualquer prova da veracidade daquilo o que noticiou. Como dito em voto do relator dessa apelação, as informações caluniosas foram obtidas através de uma mera carta, cujo autor pediu para que não houvesse divulgação de seu nome pela mídia, face ao que o jornalista, sem ao menos verificar a veracidade dos fatos e autenticidade da fonte, rapidamente redigiu e publicou a noticia, numa atitude de total irresponsabilidade, sem analisar as possíveis repercussões daquela divulgação, que, como visto, foi, ao final, configurada como crime de calúnia.

Hodiernamente, situação muito parecida com a do “Caso Escola Base” vem acontecendo (diferencia-se o atual caso, entretanto, pois não houve, como naquele, o arquivamento do inquérito, e os suspeitos já estão sendo acusados). Trata-se do corriqueiramente chamado “Caso Isabella Nardoni”. Neste triste episódio, uma garotinha de 5 (cinco) anos de idade foi encontrada ferida e inconsciente depois de ter, conforme informações periciais, caído do apartamento de seu pai, chamado Alexandre Nardoni. O referido fato está comovendo todo o Brasil, constituindo-se em um dos casos policiais que a mídia sensacionalista explora como meio de obter alta pontuação no IBOPE. Depois da ocorrência, o pai e a madrasta (Anna Carolina Jatobá) da criança foram chamados a depor na polícia, depoimento que, ao final, voltou-se contra os mesmos. Afirmaram que Alexandre subiu ao apartamento com Isabella, já quase adormecida, colocou-a na cama, trancou a porta e retornou à garagem de edifício para auxiliar Anna Jatobá a subir com os outros dois filhos do casal (meio-irmãos da garota). E assim que retornaram ao apartamento com as crianças, a porta estava aberta, a luz do quarto dos irmãos acesa e a grade de proteção cortada, buraco pelo qual teria sido jogada Isabella. Depois disso, uma série de exames periciais e análises foram feitos, de forma que a versão narrada pelo casal foi contestada em decorrência de várias constatações, dentre as quais: havia vestígios de sangue no apartamento e no chinelo do pai; a criança foi asfixiada antes de morrer; apesar de ter caído do sexto andar, altura muito grande, a menina apenas quebrou o pulso na queda; além de ter um vizinho relatado que ouviu gritos desesperados, em que uma criança dizia “pára, pai, pára pai!”, dentre outros fatores, os quais levaram alguns dos investigadores a acreditar que a menina sequer foi jogada pela janela, mas sim morta e depois colocada naquela posição, como forma de mascarar o homicídio. Em face de tudo isso, a delegada que acompanhou o caso chegou a chamar o pai da criança de assassino quando o mesmo saiu do depoimento.   

Somando-se todos os indícios, a população pode ser levada a crer, certamente, serem o pai e a madrasta os responsáveis pela morte de Isabella. Entretanto, a situação agrava-se frente à exploração que a mídia deu ao Caso, chamando os dois de acusados já mesmo no momento inicial das investigações. A jornalista Eliane Cantanhêde, em artigo publicado no Correio de Sergipe, elucidou a maneira sensacionalista através da qual a imprensa está divulgando o caso, afirmando que:

“É como se as câmeras e microfones invadissem um pouco da dor da menina para distribuir e animar a torcida. Apesar desses fatos, a exposição do caso serve de alerta para que todos tenham mais paciência, mais compreensão, e, sobretudo, mais cuidado com as crianças. Seria irreal pedir menos ímpeto da imprensa e o fim da monumental curiosidade mórbida da sociedade. Então, o mínimo que se pode esperar é que, ao vasculhar toda a história, os seus resultados sejam para fazer o bem, não o mal” [200].

Hoje, já na condição de indiciados, o casal tem sofrido um verdadeiro massacre por parte da população de da mídia brasileira, sobretudo em decorrência das matérias televisionadas, já não mais possuindo honra alguma. A audiência tem crescido de forma tão abrupta que o jornal Folha de São Paulo publicou[201] informação de que o Caso Isabella estava aumentando a audiência dos telejornais em até 46%. A imprensa está fazendo um pré-julgamento da situação, o que obviamente, está sendo repetido pelos brasileiros. E não pára por aí: repórteres de certa emissora tentaram invadir apartamento do pai de Anna Jatobá; a população ameaça o casal através de bilhetes, tentativas de adentrar o apartamento em que os suspeitos encontravam-se (antes da prisão); enorme quantidade de pessoas fica de plantão em frente aos locais (antes, edifícios, agora, prisões) em que o casal encontra-se; a população carcerária não os aceita nos estabelecimentos prisionais, ameaçando fazer greve se os dois não forem retirados dos locais, comportamentos estes, sem dúvidas, influenciados pela excessiva exploração dada pela imprensa ao Caso.

Ora, não há dúvidas de que um crime como esse é revoltante, não tem como não chocar as pessoas. Mesmo assim, se há um poder judiciário para julgar os indiciados, não cabe à mídia e nem a população fazê-lo. Juridicamente, de acordo aos preceitos trazidos pela CF e pelo CPP, antes da definitiva condenação por parte do juiz, os dois são inocentes. Não se trata aqui de tecer defesa em benefício do casal, mas apenas uma demonstração de que eles não mais precisam sentar no banco dos réus do Tribunal do Júri para ouvir a decisão do magistrado, pois já foram prévia e irrecorrivelmente condenados pelo homicídio de Isabella.  Isso porque os jurados são seres humanos comuns, como quaisquer outros, que já ouviram, leram e assistiram a todas as publicações acusatórias da imprensa, motivo pelo qual eles certamente já entrarão no Tribunal convictos a respeito da autoria do crime, bloqueados da influência de qualquer tipo de argumento trazido pela defesa do casal.

Como dito, em todo Estado Democrático de Direito a imprensa desempenha papel fundamental, mas ela deve respeitar os limites legalmente impostos à sua atuação, o que não vem sendo feito nesse caso, tudo em nome de audiência e do retorno financeiro por esta trazida. Chega a ser até uma obrigação da mídia noticiar todas as novidades de um caso, mas desde que o faça com objetividade e sem utilizar-se de artifícios sensacionalistas. No Caso Isabella, entretanto, as divulgações transformaram-se em uma tática para a obtenção de IBOPE e de lucro, pois se tratam de coisas bem distintas transmitir ao público acontecimentos, novidades e levar “ao ar”, a cada 5 minutos, chamadas sobre o crime, muitas vezes de conteúdos repetitivos, o que em nada acrescenta aos espectadores e só faz aumentar a fúria dos mesmos, clamando pela punição dos indiciados, como se já sentenciados fossem. Observe-se a Tabela abaixo, publicada no site Blue Bus, que trata do aumento das audiências dos programas exibidos pela Rede Globo, no mês de abril, quando os mesmos davam grande enfoque ao Caso:

    Tabela 1: tempo que a Rede Globo destinou ao “Caso Isabella Nardoni” no Fantástico e Jornal Nacional[202].

O mesmo site divulgou informações de que o Caso Isabella apareceu mais vezes na TV do que a Copa do Mundo de Futebol, as Olimpíadas, os desastres aéreos e até mesmo as eleições, quando afirmou que no dia 18/04/2008, analisando o período de seis horas da manhã até meia noite, a Globo levou 07h:29:18 e a Record 08h:35:36 expondo assuntos ligados ao caso, notadamente aos depoimentos do casal Nardoni[203]. No domingo, dia 20/04/2008, o Programa Fantástico, da Rede Globo, fez inúmeras chamadas sensacionalistas, envoltas por um tom de suspense, para transmitir a entrevista feita com o pai e a madrasta de Isabella. Primeiro afirmava que traria “ao ar” uma novidade, depois falou em divulgação de fatos inéditos, e apenas, quase no meio do programa, revelou que se tratava de uma exclusiva entrevista com o casal, a qual só foi exibida perto do final do programa, numa evidente tática de prender o telespectador na frente de seus aparelhos televisores, o que, de acordo com a coluna Zapping, lhe deu uma média de 31 pontos durante todo o programa, além de um pico de 41 pontos no momento da exibição da reportagem, sendo que o referido programa vinha obtendo uma média de 28 ou 29 pontos em dias normais. Nesse dia, o aumento de audiência certamente gerou grandes lucros à emissora, às custas da divulgação de uma mazela social, qual seja, uma barbárie cometida contra uma inocente criança[204].

Na mesma linha, a revista Veja estampou a foto do casal em sua capa, acompanhada da seguinte mensagem: "Para a Polícia, não há mais duvidas sobre a morte de Isabella: FORAM ELES” [205], em uma atitude de explícito julgamento do casal Nardoni, como se, para a Justiça brasileira, o caso já estivesse sido encerrado e aos juízes não houvesse mais nada a fazer. Infelizmente, a referida revista não soube distinguir o termo suspeito da palavra culpado. Segundo Júlio Moreira:

“A entrevista de um psicoterapeuta talvez seja o que mais nos aproxima da realidade, quando tentamos entender o que se tornou o caso Isabella – ‘Este episódio se assemelha a uma minissérie. Todos os dias nós temos um capítulo. As pessoas ficam aflitas, ansiosas em acompanhar dia a dia o que está acontecendo. Há uma confusão muito grande entre o que é fantasia e o que é realidade’, diz o psicoterapeuta João” [206].

É inegável que a morte de uma criança gere tumulto e comoção popular, visto que as pessoas, a assistirem crimes como o ora tratado, acabam sempre imaginando o sofrimento que teriam caso aquilo acontecesse com um de seus familiares. Mas, nesse caso, não há apenas sentimentalismo ou choque, e sim uma verdadeira revolta. Veja-se que não foi a primeira vez que um caso como esse aconteceu no país, mas a mídia o elegeu como fonte lucrativa, geradora de audiência. Assoma-se a isso o fato de o promotor Francisco Cembranelli demonstrar já estar convicto de que eles são efetivamente os culpados, aproveitando-se da situação para ficar conhecido através da imprensa.

Em variados casos semelhantes, é o judiciário, seguindo o devido processo legal, que dá a sentença aos acusados. No Caso Isabella, a mídia já o fez desde as primeiras investigações, em notável ofensa à presunção de inocência, ao contraditório e principalmente à honra do casal. E assim a sociedade, impregnada pelo sensacionalismo, pela manipulação da mídia e pelo gosto pela tragédia alheia segue revoltada apenas face ao que foi pela mídia divulgado. Isso demonstra que as pessoas, em verdade, revoltam-se mais com o “Caso Isabella” do que com a violência que assola o país, visto que se a imprensa tivesse apontado para a inocência do casal, certamente haveria movimentos populares pela sua absolvição. Igor Morete, cidadão brasileiro comum, em seu blog, mostrou-se indignado com toda a situação, ao afirmar que:

“Pular essa etapa – de esperar a decisão judicial – não é clamar por justiça, mas sim por injustiça, passo que não se quer que o Estado venha agir de acordo com as Leis, e sim se tornar um déspota desenfreado contra uma ou outra pessoa específica! Sinceramente, quero mais que esse caso seja elucidado e os culpados sejam punidos. Mas que o judiciário faça isso, e não eu. E também quero que os hipócritas revoltados pelo clamor da mídia – incluam-se aqui os vagabundos que tentaram invadir o prédio do casal ou foram a porta da delegacia – ganhem um pouco de bom senso e tenham cautela nos atos que praticam para não se igualar ao criminoso que eles tanto repudiam” [207].

Através desse relato de um membro do povo, percebe-se que nem toda a população, felizmente, se deixa levar pelos clamores da mídia, que, em situações desse tipo, tende a destacar os casos de maior visibilidade, principalmente envolvendo integrantes das classes média ou alta, explorando o problema da violência familiar brasileira.  Frise-se: de acordo com a lei do Brasil, o casal é inocente até o transito em julgado da sentença penal condenatória, independentemente dos clamores populares.

Em meio a todas esses divulgações e discussões, Ana Maximiano parou a refletir se o que hoje acontece repete o “Caso Escola Base”. Ela afirmou que assim que o referido caso foi elucidado, as faculdades passaram a explorá-lo de forma a ensinar aos alunos o que jamais deve ser feito no tocante ao jornalismo policial, para que a honra das pessoas envolvidas em processos criminais não fosse ferida, numa forma de demonstrar que o bom jornalismo sempre pode evitar atuações repentinas, sensacionalistas e intempestivas. Mas, em seguida, disse que aquele exemplo parece já ter sido esquecido pelos profissionais da mídia e que a lição não foi aprendida. Alude que:

“No fundo, estamos diante de uma gênese idêntica ao escândalo da Escola Base, no qual a mídia foi crucificada, com toda a justiça. Mas faltou mais alguém na cruz: o delegado responsável pela investigação do caso. Vamos rebobinar um pouco a fita e analisar as circunstâncias em que se deu a desumana crucificação dos responsáveis pela escola, apontados como abusadores de crianças. Quem detinha, com exclusividade, todas as informações? O delegado. Ninguém mais. Quem repassou as informações aos jornalistas, coletivamente? O delegado. Aos jornalistas, restava um de dois caminhos: duvidar ou acreditar (claro que me refiro aos jornalistas de boa-fé; os que têm índole sensacionalista não precisam acreditar ou duvidar de nada para dar vazão à índole) (...). Agora é um pouco a mesma coisa. O delegado deu entrevista que a Rede Globo, pelo menos, pôs no ar (não vi outros telejornais, mas suspeito que todos o tenham feito). Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito. Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido e sua honra acabada” [208]. (Grifos nossos).

Mas a mídia não parou de explorar ainda o “Caso Isabella”. Entretanto, parece que os espectadores já se cansaram dele, de forma que a audiência dos programas que continuam insistindo na matéria começou a cair[209]. Independentemente de qual seja o caso ou situação, a mídia não pode continuar ofendendo a honra das pessoas envolvidas nos processos criminais.


7. LIMITES Á ATUAÇÃO DA MÍDIA

Como já abordado, no intuito de cumprir a sua função, a mídia narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre os mesmos, além de noticiar críticas e opiniões, o que acaba por desencadear uma série de conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais. Essa situação agrava-se quando se trata de publicação de fatos delituosos ou crimes, em que os envolvidos são praticamente exorcizados, expostos às mais cruéis das penas, porque perpétua, qual seja, a devassa total de suas honras.

Das pessoas envolvidas em processos criminais são arrancadas suas dignidades, passa-se ao público uma imagem surreal, sensacional, como se elas se tratassem não de seres humanos, e sim de personagens cruéis, despidos de qualquer tipo de sentimentos, os mais frios dos vilões dos filmes de terror. Assim, a mídia acaba por cometer o absurdo exagero de tirar delas o que é ínsito a todo o ser humano, independentemente de qualquer situação: a dignidade, a reputação social, o bom nome, e decoro, e, principalmente, a honra.

Dessa forma, questiona-se: quais devem ser os limites da atuação jornalística diante da proteção da honra dessas pessoas? Seria possível divulgar fatos e notícias capazes de atingir a reputação de alguém sem que isto configure-se crime contra a honra? Ou ainda: deve sempre o interesse público prevalecer frente ao individual? Todas essas questões são polêmicas, motivo pelo qual devem ser minuciosamente analisadas para que não se caia em extremos, até mesmo porque, como dito, a Lei de Imprensa dispõe em seu artigo 27 o que não constitui abuso na atividade dos profissionais da mídia. Assim, deve-se tecer considerações a cerca dos principais limites à atuação da mídia para que seja preservada a honra das pessoas envolvidas em processos criminais. 

7.1. INTERESSE PÚBLICO – DISTINÇÃO COM O INTERESSE PÚBLICO.

Dispõe o art. 27, VIII, da Lei de Imprensa, que não constitui abuso “a crítica inspirada no interesse público”. Esse inciso é uma verdadeira válvula de escape utilizada pelos profissionais da mídia na tentativa de defenderem-se de acusações relativas a ofensa à honra dos acusados (e demais direitos personalíssimos), norma que acaba por deixar o cidadão vulnerável diante da imprensa. Por isso, merece ser estabelecido, minuciosamente, o que é interesse público, a fim de que não sejam publicadas críticas descomedidas sob o mero argumento de que nenhum abuso ou excesso foi cometido, pois interessa à população tomar conhecimento, criticamente, dos fatos. Justamente pela dificuldade de se identificar precisamente o interesse público é que sob esse argumento tantos crimes são cometidos. Assim, estabelece Pimentel que:

“O ponto de partida para o reconhecimento da existência de um crime contra a honra é a presença do animus injuriandi vel diffamandi. (...) Quem age movido pela intenção de defender o interesse público não está pretendendo ofender a honra das pessoas visadas, sem embargo de que, algumas vezes, o próprio fato narrado, embora verdadeiro, soa aos ouvidos das pessoas envolvidas como ofensa à sua reputação”[210].  

Daí já se percebe ser mínimo o liame existente entre a crítica inspirada no interesse publico e a ofensa à honra das pessoas. É muito difícil estabelecer um conceito único e preciso para o mesmo. Logo, pode-se dizer que ele consiste no interesse que diz respeito a toda sociedade, ultrapassando o interesse de um único individuo ou grupo deles. Segundo Milton Sanseverino:

“É o interesse de preservação permanente dos valores transcendentais da sociedade. Não é assim o interesse de um ou de alguns; de um grupo ou de uma parcela da comunidade; nem mesmo é o interesse só do Estado, enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins. É o interesse de todos, abrangente e abstrato”[211].

Assim, a crítica inspirada no interesse publico não deve estar envolvida por sentimentalismos, posicionamentos pessoais, paixões interiores. Importantíssimo ressaltar que o interesse ora tratado não se confunde com o interesse do público. Esse último está ligado à curiosidade popular de tomar conhecimento de todos os aspectos, mesmo dos mais íntimos, das vidas alheias, o que dá origem às fofocas e mexericos, o chamado voyeurismo, o qual não fundamenta a divulgação de fatos pela mídia.  

Entretanto, face à dificuldade de conceituação do interesse público, persiste um grande campo de dúvidas no tocante ao fato de estar a atuação do agente verdadeiramente norteada pelo referido interesse ou não. Sabe-se que existe sim um interesse da sociedade pelo conhecimento de crimes e processos. Entretanto, da mesma maneira, não há nenhuma garantia absoluta de que toda a publicidade deles estejam sempre revestidas pelo interesse público[212].

Assim, é à lei que cabe, em primeiro lugar, determinar a existência ou não do tratado interesse, até porque impera no país o Princípio da Legalidade. Entretanto, em todas as situações que o legislador referiu-se ao interesse público (a exemplo do art. 20 do CPC e do art. 792, parágrafo 1º do CPP), utilizou-se de conteúdos abertos, imprecisos, deixando ao aplicador da lei o papel de fazer a ponderação no caso concreto. Assim, nos dizeres de Pontes de Miranda:

“O segredo de justiça pode ser ordenado sempre que se trate de matéria que humilhe, rebaixe, vexe ou ponha em situação de embaraço que dificulte o prosseguimento do ato, a consecução de sua finalidade, do processo, ou possa envolver revelação prejudicial à sociedade, ao Estado ou a terceiro”[213].

  Exemplo desse conflito de difícil solução encontra-se no julgamento da seguinte apelação criminal:

“Crime contra honra – Publicação de fotografia pelo jornal, rotulando pessoa, cujo nome e endereço não foram declinados, como suspeita da prática de crimes – Falta de justa causa para a ação penal privada.” (TJSP – Apelação Criminal nº. 671.229/1. Relator: Juiz Alberto Marino. Data do julgamento: 12/12/1991).

Nesse caso, o relator entendeu que a divulgação da fotografia não atingiu a honra da pessoa, por tratar-se questão de interesse público descobrir o possível criminoso, além de não haver, por parte do jornal, interesse em difamar o indivíduo. No mesmo sentido opinou o Ministério Público, ao defender que a notícia foi norteada pelo mais legítimo interesse da comunidade. Porem, não há como se negar que teve o indivíduo cuja fotografia foi publicada a sua reputação e honra afetadas, mesmo que apenas no seu âmbito de convívio pessoal.

Assim, infere-se que a utilização do argumento, pelo profissional da mídia, de estar agindo em nome do interesse público por si só não se mostra suficiente para justificar a ofensa aos direitos personalíssimos. Junto a essa argumentação, deve o Estado-julgador fazer uma ponderação da situação in casu, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, de forma a resolver o conflito.

7.2. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção da inocência nada mais é do que a normatização de regra apta a limitar a atuação estatal no âmbito da persecução penal. Partindo-se dele, percebe-se claramente que no sistema punitivo brasileiro deve prevalecer a liberdade do indivíduo quando em choque com a atividade repressiva do Estado e isso resta evidente da leitura do art. 5º, LVII da CF: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

No Brasil, ele apresenta-se como um coronário do due process of law, demonstrando a crença depositada nos valores éticos e individuais da pessoa, o que é inerente a toda sociedade livre[214]. Segundo o princípio[215] ora tratado, até que não seja definitivamente condenado, presume-se a inocência do réu, o que é doutrina e jurisprudencialmente conhecido como in dúbio pro réu[216]. Assim, mostra-se como uma garantia constitucional de transcendental importância, na medida em que garante ao acusado a posição de um sujeito de direitos (como, aliás, qualquer outro cidadão), na relação jurídico-processual, devendo ter ele todos os seus direitos e garantias sempre respeitados. Esta é uma forma de evitar que qualquer tipo de sanção legalmente prevista lhe seja imposta ao mero arbítrio do Estado-repressor antes de transitada em julgado a decisão final.

Nos dizeres de Simone Schreiber, nessa concepção, “o processo penal deixa de ser um mero instrumento de realização da pretensão punitiva do Estado, para se transformar em instrumento de tutela da liberdade, no que está a chave para se compreender o conteúdo e alcance do princípio da presunção de inocência” [217]. Assim, qualquer pessoa envolvida em processos criminais tem de ter sua honra e dignidade preservadas, não podendo ser antecipadamente julgada e nem ter seus direitos devassados (o que vem a imprensa sensacionalista comumente fazendo), visto que a mesma é inocente até que as acusações em seu desfavor sejam solidificadas e a sentença condenatória proferida.

Envolvendo o princípio da presunção da inocência, um dos aspectos que mais vem atingindo os cidadãos é a forma por meio da qual vem a mídia sensacionalista utilizando-se de sua liberdade de informação para noticiar a ocorrência de crime e para divulgar ao público todo o iter do processo criminal envolvendo determinado indivíduo. Apesar das já referidas garantias constitucionais estarem expressamente previstas no ordenamento jurídico, não vêm sendo os imputados preservados dos mais horríveis constrangimentos. Assim, diz João Paulo Martinelli que, em relação ao envolvido em processos criminais, como salvaguarda de suas honras, deveria ser:

“Evitado que sua imagem seja divulgada durante o processo que incorre contra ele. Nem mesmo seu nome pode ser exibido, para evitar um dano à sua moral. O procedimento mais coeso seria evitar qualquer exposição, relatando os fatos, sem envolver acusados. Também, é incorreto utilizar-se de termos como "bandido", "assassino" ou outros que possam ofender a integridade do imputado. O poder da imprensa é imensurável, podendo deixar seqüelas por toda a vida do acusado. Se o mesmo for comprovadamente inocente, nada fará que sua honra volte a ser como antes. Nem mesmo uma grande indenização seria suficiente para cobrir o buraco causado pelo tratamento impróprio “[218].

Uma imprópria cobertura de julgamentos tem o condão de acarretar efeitos nocivos para o réu, principalmente quando a mídia já o pré-julga e embota na opinião pública a idéia de que ele é realmente culpado[219].  Assim, a forma como a imprensa veicula determinado fato pode acarretar ao envolvido no processo penal um tratamento e desrespeito de seus direitos incompatíveis com a sua presumida inocência. Segundo Simone Schreiber:

“A hipótese é de colisão de princípios constitucionais. De um lado, o princípio da presunção de inocência; de outro, os princípios da publicidade dos atos processuais e da liberdade de expressão e de informação. A questão proposta se insere em um debate mais amplo a respeito dos mecanismos de controle democrático sobre os veículos de comunicação e proteção a direitos individuais eventualmente lesados pela atividade jornalística, debate ainda incipiente no Brasil” [220].

Face ao exposto, percebe-se não ser o critério do in dubio pro reu o mais eficaz para a imposição de limites à atuação da mídia. Ele retrata mais um posicionamento adotado pelo sistema punitivo brasileiro, como forma de garantia de racionalidade na aplicação das penas, mediante a constatação de que, necessariamente, em toda decisão penal, deve estar presente a certeza subjetiva da cognição dos fatos, principalmente por tratar-se de uma seara em que estão em jogo as liberdades individuais. Assim, para proferir a sentença, o juiz deve estar convicto e demonstrar a sua convicção, como fundamentação de sua decisão, de que os fatos imputados ao acusado foram comprovados no curso do processo, não podendo, consequentemente, a sua motivação lastrear-se simplesmente no que ele pensa ou em outras modalidades de conhecimento, que não a empírica.

Alguns jornalistas, ao publicarem suas notícias sensacionalistas, parecem jamais terem ouvido falar na existência desse princípio, tamanhas as ofensas às liberdades democráticas, bem como aos direitos humanos daqueles que estão envolvidos em processos penais. Normalmente, para defenderem-se de eventuais acusações de ofensa à honra, dentre outros direitos, afirmam estarem agindo dentro do âmbito que lhes é garantido pela liberdade de expressão e de informação, cumprido seu papel de informar a comunidade, em atendimento ao interesse público (frise-se, àquilo que eles consideram ser interesse público, e não realmente o que este é). Logo, outra forma de solução mais adequada para a solução dessas colisões deve ser apontada.

7.3. DIREITO DE “RESSOCIALIZAÇÃO” DO SENTENCIADO

O fato de um indivíduo ter cometido determinado crime não deve marcar-lhe pelo resto de sua vida. Ora, se assim o fosse, ainda viver-se-ia em um sistema punitivo adepto à aplicação de penas perpétuas, de forma que a pessoa tivesse de passar o resto dos seus dias pagando pelo delito cometido, como ocorria na Idade Media, em que o criminosos eram largados, até suas mortes, nas famosas “Torres de Londres” e “Bastilha de Paris”, dentre outros[221]. Não! Vive-se em um Estado Democrático de Direito, no qual há uma Magna Carta garantidora de direitos aos cidadão, bem como do princípio da legalidade.  Penas intermináveis não podem, de forma alguma, serem impostas pelo Estado-julgador, dispondo assim, a CF, art. 5º, XLVII, letra “b” (omissis), que “não haverá penas de caráter perpétuo”. Nesse mesmo sentido, determina o art. 75 do CP que “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”.

Tendo em vista ser a pena privativa de liberdade a punição mais gravosa prevista no sistema brasileiro, assomando-se ao fato de, mesmo nela, existir um limite máximo temporal para que o indivíduo fique preso, não podendo o Estado, por determinação legal, ultrapassá-lo, não há dispositivo legal algum que deixe margens para o entendimento de que pessoa alguma possa ser moralmente punida pelo resto de sua vida. Do condenado jamais pode ser retirada a “esperança de liberdade e a aceitação da disciplina” [222].

Hodiernamente, a pena tem a função de ressocializar o preso, além de servir também como uma forma de prevenção geral, no tocante ao seu papel de influenciar o não cometimento de crimes. Logo, o infrator deve ser punido de maneira justa e eficaz, para que sai da prisão recuperado e volte a viver normalmente em sociedade, sem tornar a agir em desacordo com a lei[223].

O Brasil tem uma Lei de Execuções Penais (L. 7.209/84) que é considerada uma das mais avançadas do mundo. Infelizmente, raramente ela é integralmente cumprida, motivo pelo qual se presencia tamanhos problemas nas penitenciárias brasileiras, seja pela superlotação ou pelas más condições de sobrevivência para os presos, o que realmente dificulta a reeducação da população carcerária.

Sabe-se que a Lei é proveniente de um consenso daqueles que o povo elegeu para representá-los, um dos motivos pelo qual ela deve ser respeitada.  Mesmo assim, parte da sociedade parece não ter consciência de que as determinações legais devem ser cumpridas no Estado Democrático, de forma que pressiona os integrantes do Judiciário, bem como dos demais poderes públicos, a desrespeitarem certas regras garantidoras de direitos aos acusados e aos presos, muitas das quais estão previstas na CF, no CP e na LEP, pautando-se, para tanto, no argumento de que elas são injustas e brandas. Não se discorda de ser a crítica social importante elemento para um país Democrático, como é o caso do Brasil, que tem uma Constituição garantidora de amplas liberdades. Além disso, sabe-se que a mídia exerce enorme influência na crítica social, no seu papel formador de opiniões. Logo, deve-se evitar que exacerbadas críticas e sensacionalismos da imprensa transformem um fato em grande tensão social, para que não seja inviabilizada a aplicação da lei vigente. Se a população vier a considerar determinada norma injusta, deve-se repassar o problema para os representantes eleitos, de forma que, seguindo o devido procedimento, procedam-se as devidas alterações, e não continuar fazendo pressões nos responsáveis pela aplicação das mesmas (no caso em questão, os membros do Poder Judiciário) que em nada resolverão o problema, somente dificultarão ainda mais a solução.

Assim, como dito, depois de cumprir sua pena, o preso tem de reintegrar-se à sociedade como um outro cidadão qualquer, sendo-lhe garantido o respeito a todos os seus direitos fundamentais. Dessa forma, nem mesmo a condenação penal por sentença definitiva autoriza a execração pública do sentenciado, tendo em vista que isso poderá, certamente, dificultar a sua reinserção na comunidade quando findar o cumprimento de sua punição. Mesmo os carcerários têm o direito de viver dignamente, nos ditames das regras sociais, motivo pelo qual os servidores que trabalham nos locais de execuções das penas não podem prestar informações que denigram ou comprometam os presos frente à opinião pública[224].  Nos dizeres de Ana Maria:

“A divulgação excessiva e com caráter de espetáculo não só da sentença condenatória, mas também da execução da pena, poderá ter reflexos negativos na reintegração do réu. O estigma do criminoso se perpetua e a execração pública do preso poderá impedir o seu retorno digno à sociedade. A doutrina fala no direito ao esquecimento do passado criminoso do réu como uma das manifestações da vida privada do indivíduo. Não só após o cumprimento da pena, mas durante a execução dela, o sentenciado tem o direito a refazer sua vida e, finalmente, a ser esquecido” [225].

A imprensa sensacionalista tem o costume de veicular irresponsavelmente fatos a cerca do sentenciado, perpassando por desde os mais íntimos detalhes privados até os mínimos acontecimentos durante o processo, e, ainda, do cumprimento da pena, se for o indivíduo condenado. Só que, passado determinado período, aquela notícia já se tornou velha, por demais explorada e ultrapassada, de forma que passa a não ser mais vendida e nem gerar audiência, já que o público cansou-se do assunto. Entretanto, na lembrança das pessoas sempre ficarão os aspectos negativos que, na época, justificavam seus clamores por justiça. Assim, quando o carcerário cumpre a sua pena e volta ao convívio social, difícil a sua aceitação pela população, que, muitas vezes, acha injusto o fato de ele já ter sido solto, numa demonstração de pensamente segundo o qual aquele que já cometeu um crime deve pagar por ele eternamente[226]. Ora, quem vai querer dar emprego, ou mesmo conviver, com aquele indivíduo que cometeu tal absurdo crime?

E, nesse momento, as pessoas não se lembram de que o referido indivíduo já cumpriu sua pena, “pagou pelo que fez” no tempo em que ficou preso, período no qual, inclusive, foi submetido a métodos de ressocialização e reeducação para que ficasse apto ao normal convívio social. Não, a sentença definitiva e os aspectos negativos permanecem no imaginário popular, como uma conseqüência das exposições e acusações ofensivas feitas pela imprensa à época do acontecimento do fato.   

Dessa forma, o direito de ressocialização é um limite (mesmo que não o mais eficaz) à atuação da imprensa no exercício de sua liberdade de informar. Face ao exposto, não pode mídia, continuada e desnecessariamente, expor o sentenciado, sem que haja motivo para tanto.

7.4. A PROPORCIONALIDADE – COMPATIBILIZAÇÃO COM OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

No passado, predominava o pensamento positivista, segundo o qual a análise do Direito devia limitar-se ao estudo das regras, que possuíam importância muito maior do que os denominados princípios jurídicos. Essa situação, entretanto, foi sendo alterada, principalmente em decorrência dos trabalhos de Ronald Dworkin e de Robert Alexy[227], que, após uma série de estudos, conseguiram suplantar a antiga idéia de supremacia das regras, dando aos princípios total importância dentro do ordenamento jurídico.

Hoje, os princípios adquiriram um patamar de fundamental importância, tendo sido elevados à condição de norma jurídica e passado a fundamentar todo o ordenamento. O atual Direito Constitucional acentuou a força principiológica, o que, consequentemente, acabou por suplantar o positivismo defensor das normas pragmáticas como os maiores expoentes de um sistema. Paulo Bonavides esclarece a mencionada transformação, afirmando que:

“É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, em decorrência de reação intelectual comandada por RONALD DWORKIN, jurista de Harvard. (...) Os princípios, então, passam a ser tratados como direito. Destarte, é possível afirmar que a teoria dos princípios, depois de acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, converteu-se no coração das Constituições” [228].

Do exposto, infere-se que eles assumiram posição hegemônica na pirâmide normativa, a ponto de hoje ser possível afirmar que se vive na era principiológica. Veiculam liberdades e diretos. Na acepção jurídica, consistem os princípios em proposições normativas[229] reveladoras dos valores fundamentais de todo o sistema jurídico, norteando e condicionando, assim, toda a aplicação do Direito posto. Nos dizeres de Fábio Martins:

“Hoje, parece unânime o entendimento dos estudiosos de que o conhecimento dos princípios chega a preceder em importância a análise das regras. Torna-se cada vez mais necessário distinguir de maneira adequada as duas categorias. Paulatinamente, o saturado estudo das regras vem cedendo lugar ao inovador conhecimento dos princípios. É precisamente por esta razão que já se disse que ‘os princípios hodiernamente atravessam uma idade de ouro’ (...) Com a constitucionalização dos princípios, ele deixaram para trás o seu antigo caráter supletivo, para assumir então a posição de fundamento da ordem jurídica” [230].

Defende Celso Bandeira de Mello ser muito mais grave a violação a um princípio do que a uma regra. Em suas palavras:

"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada” [231].

Como solução à problemática do conflito entre a liberdade de expressão e de informação da mídia e o direito à honra as pessoas envolvidas no processo criminal, emerge a utilização do Princípio da Proporcionalidade, que, tendo surgido na Alemanha e na Suíça, rapidamente alcançou destaque nos ordenamentos jurídicos positivos de diversos países, em decorrência de sua transcendental importância doutrinária, a ponto de ser por Canotilho considerado “o princípio dos princípios”.

Esse princípio ainda não foi positivado pela Constituição Brasileira de 1988, diferentemente do que fez Constituição Portuguesa, fixando-o em seu art. 18, II. Porém, a mencionada ausência de positivação brasileira não cria, em hipótese alguma, embates à sua aplicação, devendo-se, assim, encará-lo como um princípio implícito do ordenamento jurídico. Frise-se que os princípios implícitos possuem a mesma importância axiológica e sistemática daqueles positivados.

Bonavides, citando Pierre Muller, estabelece dois conceitos para o Princípio da Proporcionalidade. Em sentido amplo, constitui-se em regra fundamental a ser seguida pelos detentores e submissos ao poder. Estritamente, consiste na necessidade de estabelecer a presunção de existência de uma adequada relação entre os fins fixados e meios empregados. Em ambos os aspectos, apresenta relevante importância interpretativa na solução de conflitos. Dispõe ainda que:

“Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A ele não poderia ficar estranho o Direito Constitucional brasileiro. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade” [232].

Aponta-se a existência de três níveis de conteúdo para o princípio em enfoque, também chamados de sub-princípios, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Definindo-os, afirma Bessa que:

“A adequação (aptidão ou pertinência) é um meio empregado para vedar o arbítrio, através da ponderação entre o meio empregado e o fim que se deve atingir. Assim, sob o prisma da adequação, numa colisão de direitos fundamentais, deve prevalecer aquele que se demonstre mais pertinente para atingir o fim, tendo como baliza a realização do interesse público (...) A necessidade impõe que a medida não exceda os limites indispensáveis à consecução do fim legítimo almejado. Deve-se lançar mão do menor esforço possível ou buscar o resultado menos gravoso dentre os prenunciados (...). Na perspectiva do presente estudo, temos que este sub-princípio é fundamental para o intérprete quando este se coloca diante de uma colisão de direitos, pois servirá de norte para a aplicação da solução que cause o menor gravame possível aos envolvidos no caso concreto. (...) O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também é denominado razoabilidade, exigibilidade ou de justa medida, exige que haja uma ponderação da relação entre os danos causados por determinada medida e os resultados obtidos. Fere-se este sub-princípio quando da aplicação de medida excessiva, injustificável” [233].

Complementando o referido autor, diz Bonavides:

“A simples análise dos sub-princípios da proporcionalidade é suficiente para elevar este princípio ao patamar de grande ferramenta para a solução de colisão de direitos fundamentais. O princípio da proporcionalidade vincula-se ao Direito Constitucional por via dos direitos fundamentais, na medida em que é nesta seara que ele ganha extrema importância e coloca-se no mesmo nível de prestígio e difusão dos princípios cardeais da Constituição, como o da igualdade” [234].

Importante ressaltar ser possível identificar o desempenho de duas funções pelo princípio ora tratado. Primeiramente, ele serve como instrumento de proteção dos direitos fundamentais contra a ação limitativa pelo Estado a ele imposta. Sua outra função, esta de maior relevância para o presente trabalho, é a de servir como critério solucionador de conflitos entre direitos fundamentais, o que é possibilitado pela realização de juízos de ponderação dos valores e interesses objetos do caso concreto. Nesse diapasão, manifesta-se Bonavides:

"Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso freqüente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos” [235].

A determinação da prevalência de determinado princípio deve se dar através da realização de ponderação no caso concreto, aferindo o intérprete o peso de cada um na situação, preservando o máximo dos mesmos, em recíprocas concessões, diferentemente o que ocorre com as regras, cuja aplicação de uma exclui totalmente a outra.  Nesse sentido, cabe destacar que os direitos à intimidade, à honra e conexos são materialmente constitucionais, e não meramente regras hierarquicamente inferiores à CF. Em igual patamar, estão a liberdade de expressão e de informação. Assim, inimaginável existir entre eles diferenças de grau ou qualidade, restando impossível a determinação, em abstrato, qual deverá prevalecer em caso de confronto.

Logo, deve ser feita uma justa e adequada ponderação casuística dos interesses, bens e valores envolvidos em eventual colisão com a liberdade de imprensa, maneira de extrema eficácia para a delimitação da abrangência dos direitos fundamentais, de forma que seus conteúdos mínimos não sejam desrespeitados, ou, ao contrário, evite-se a determinação das suas realizações em total amplitude, acarretando, indubitavelmente, o detrimento de outras liberdades igualmente relevantes. Assim, deve-se ressaltar, que os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Justamente por isso deve ser utilizada a proporcionalidade no caso concreto.

Somente pela atuação dos intérpretes e aplicadores da lei se esclarecerá quando deve um direito personalíssimo ceder lugar à sua constante colidente, qual seja, a liberdade de imprensa. Resumindo-se, trata-se esta de uma importantíssima questão face à enorme dificuldade para a resolução de colisões entre direitos de mesmo peso normativo e de suntuosa importância para uma convivência social tranqüila, figurando de um lado os direitos da personalidade e do outro a liberdade de informação e expressão. Nesse sentido:

“É através do trabalho do intérprete-aplicador em matéria de direitos colidentes que se saberá quando o direito de personalidade em conflito cede face à liberdade de imprensa, a qual, no seu legítimo exercício, não deve ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito. Máxima igualmente válida para os direitos de personalidade, e que constitui limites a tais direitos de índole pessoal ao vincular o seu exercício lícito ao exercício dentro do fim sócio-econômico a que é proposto, pautado pela boa fé e pelos bons costumes assim consagrados pela comunidade em que o titular está inserido” [236].

Do exposto, infere-se ser o Princípio da Proporcionalidade o grande responsável pelo sopesamento dos direitos fundamentais conflitantes, através de mera relativização, sem necessidade de exclusão ou compressão dos mesmos no sistema, para a obtenção de uma decisão justa e coerente. Deve, então, o julgador, harmonizar os interesses dos contundentes, tecendo uma consideração conjunta a cerca dos interesses individuais e dos pertencentes à comunidade, para que, enfim, convivam, pacificamente, os interesses individuais, coletivos e gerais ou públicos.

A proporcionalidade apresenta-se como um imprescindível recurso à suavização da pura e direta aplicabilidade das normas constitucionais, por sempre considerar todos os valores envolvidos e buscar meios de otimização para aplicação, compatibilizando o interesse público aos individuas. Ela é instrumento apto para que se realizem, simultaneamente, as liberdades positivas.

7.5. ANIMUS NARRANDI DO JORNALISTA COMO PRINCIPAL LIMITE

Como já foi mencionado, os crimes contra a honra são delitos de tendência, assim, para a verificação da consumação, deve ser observado, além dos elementos constitutivos do tipo, a intenção ou animus do suposto ofensor. Daí a necessidade de analisar a teoria do animi, segundo a qual até mesmo uma palavra elogiosa proferida poderá causar ofensa à honra de determinada pessoa, o que vai ser verificado pela existência ou não do intuito de ofender.

Dessa forma, segundo a referida teoria, não haverá configuração de crime em caso de animus jocandi, ou seja, quando o emissor de determinada frase ou notícia teve a mera intenção de brincar com o seu destinatário. Justamente por isso não respondem os humoristas pela prática de crimes contra honra, pois fazem caricaturas ou críticas não com o objetivo de ofender as pessoas, e sim de brincar com as mesmas. Também não há crime face à presença do mero animus corrigendi, no qual a intenção do autor do fato é apenas a de corrigir alguém, de forma a chamar atenção para o cometimento de um erro, até como meio de evitar que o mesmo volte a ser repetido.

Existem, ainda, o animus retorquendi e o animus narrandi, consistindo o primeiro na intenção de evitar ou repelir uma agressão anteriormente sofrida e o segundo na mera intenção de contar ou narrar uma estória ou fato, sem a emissão de qualquer juízo de valor a cerca do ocorrido. Esse último apresenta grande relevância para o objetivo desse trabalho, motivo pelo qual merece análise mais detalhada.

Pode-se afirmar que o animus narrandi consiste na intenção de narrar ou contar sobre o que ouviu ou testemunhou a respeito de um fato ou de alguém[237]. Nesse significado, não estão compreendidos a exposição de opiniões subjetivas nem muito menos a utilização de artifícios para dar destaque ou relevo ao acontecido. Assim, àqueles que são responsáveis por manter democraticamente a população informada, narrando tudo o que aconteceu de forma objetiva, não se deve admitir que seja ultrapassada a simples intenção de narrar determinado fato, nem muito menos que se faça uma exploração do mesmo de forma a chamar a atenção do público por repetidas vezes. Observe-se a seguinte ementa do STJ:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REITERADA PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIAS LESIVAS À HONRA DO AUTOR. EXTRAPOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. RESSARCIMENTO. VALOR. ELEVAÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO. FORMA. DURAÇÃO. "SITE" DA INTERNET. EMBARGOS INFRINGENTES. ALCANCE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356-STF.

I. Configurada a gravidade da lesão causada ao autor, pela sucessiva publicação de matérias acusatórias de imenso teor ofensivo, desprovidas de embasamento na verdade, procedente é o pedido reparatório, que deve ser o mais integral possível, pelo que a par de uma indenização compatível com o dano moral causado, impõe a publicação da decisão judicial de desagravo, pelos mesmos meios de comunicação utilizados na prática do ilícito civil, a fim de dar conhecimento geral, em tese, ao mesmo público que teve acesso às notícias desabonadoras sobre o postulante.

II. Elevação do valor indenizatório por considerado insuficiente aquele fixado no 2º grau da instância ordinária, ante a extensão do dano moral causado. Restabelecimento daquele fixado pela 1ª instância.

III. Figurando as reportagens em "site" mantido pela editora ré na Internet, pertinente a condenação imposta pelo acórdão a quo de divulgação da decisão judicial reparatória no mesmo local, dentro da exegese que se dá aos arts. 12, parágrafo único, e 75 da Lei n. 5.250/1967.

IV. Impossibilidade de exame da possível violação ao art. 530 do CPC, quanto ao tempo de permanência da decisão no sítio mantido na Internet, por ausência de efetivo prequestionamento da questão federal, sob o aspecto suscitado pelo autor na peça recursal. Incidência das Súmulas n. 282 e 356-STF”. (STJ - Recurso Especial nº. 20070125948-4/2007. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. 4ª Turma. Data do julgamento: 18/03/2008).

Ora, da mesma maneira que existe o direito de informar, também existe o direito de ser informado, como já exposto. Nesse sentido, os receptores de uma notícia, no exercício de seu direito passivo à informação, têm plena capacidade para escolher aquilo a respeito de que querem tomar conhecimento, motivo pelo qual não se deve admitir a utilização de instrumentos aptos a prender suas atenções.

Nos crimes contra a honra, existem manifestações do psiquismo do agente que indicam determinadas intenções, propósitos ou tendências presentes no comportamento que lhes é anterior, mesmo que não se encontrem diretamente expressas no tipo penal. Nos dizeres de Daniela de Feitas:

“Em certos tipos legais de crimes, a licitude ou ilicitude faz-se presente segundo a intenção com que o agente praticou determinado comportamento. Essas intenções ulteriores, propósitos ou tendências é o que dão, segundo Pimentel, ‘o especial colorido da ação’. O comportamento humano, sob o enfoque puramente objetivo, é indiferente ao sistema jurídico-penal, pois é o fim especial do agente que confere vida à ilicitude. Certos comportamentos, para serem considerados lícitos ou para serem considerados ilícitos, dependem do propósito, das intenções ulteriores, das tendências presentes no psiquismo da pessoa humana” [238].

Do exposto, infere-se que não comete crime contra a honra aquele que age movido pelo animus jocandi, animus corrigendi, animus retorquendi e animus narrandi. Isso ocorre porque, nas referidas situações, há a exclusão dos animus injuriandi, que consiste na intenção de injuriar ou ofender alguém. Em apertada síntese, pode-se afirmar que, para o cometimento de crime contra a honra, é preciso praticar ação injusta com o intuito de fazê-lo, sendo por isso que esse direito fundamental não é ofendido quando o indivíduo pratica o ato sem a intenção de ofensa. Nesses casos, há exclusão dos animus injuriandi. Nos dizeres de Damásio de Jesus:

“É insuficiente a simples consciência do caráter lesivo da imputação ou expressão. (...) É indispensável, em face disso, que o sujeito tenha vontade de atribuir a outrem a prática de um fato definido como crime (calúnia), ou de atribuir a terceiro a prática de uma conduta ofensiva à sua reputação (difamação), ou de ofender dignidade ou decoro do sujeito passivo (injúria). (...) Além do dolo, é imprescindível que o sujeito aja com o elemento subjetivo do tipo próprio de cada figura delitiva, que se expressa na direção que confere à sua conduta. Ele pode agir com seriedade ou não. No primeiro caso, existe crime; no segundo não” [239].

Assim, exige-se, para que haja tipicidade, a ação do autor com animus diffamandi vel injuriandi. Se o agente apenas agiu no intuito de narrar, criticar, gracejar, pode-se dizer que não ocorreu fato típico face à ausência do elemento subjetivo do injusto. No tocante aos crimes contra a honra, afirma Daniela Marques que:

“Uma regra geral pode ser formulada: se nos crimes contra a honra não houve o propósito de ofender, o comportamento do agente é lícito ou encontra abrigo em uma causa de Justificação. Concluindo:

a)  se o propósito do agente é de injuriar, difamar ou caluniar, os elementos subjetivos implícitos pertencem aos injustos penais (tipo-de-ilícito);

b) se o propósito do agente foi se adequar ao disposto no art. 142 do CP, os elementos subjetivos implícitos pertencem ao tipo permissivo/justificador;

c) se o propósito do agente revestir de licitude o seu comportamento, os elementos subjetivos são anteriores ao tipo legal de crime, isto é, os elementos subjetivos pertencem à teoria dos ânimos “[240].

Dessa forma, deve o julgador, nos crimes contra a honra, basear-se na licitude ou ilicitude do comportamento do indivíduo, numa verdadeira verificação de sua intenção. Em alguns casos de reportagens divulgadas pela imprensa que atua com seriedade, o animus narrandi acaba por excluir o dolo. Observe-se:

“CRIMES CONTRA A HONRA – Advogado que em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia – Ausência de dolo demonstrada na atuação defensiva – Não caracterização:

– Os crimes contra a honra não se caracterizam na hipótese em que o Advogado em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia, pois as palavras, neste contexto, apresentam-se isentas da vontade livre e consciente de ofender a honra do querelante, mas sim o simples intuito de narrar objetivamente os fatos”. (TACrimSP - Recurso em Sentido Estrito nº. 1.347.631/2 – Ribeirão Preto. Relator: Euvaldo Chaib. 2ª Câmara. Data do julgamento: 15/05/2003. V.U. - Voto nº. 2.430).

Se diferente o fosse, trar-se-ia à imprensa um cerceamento de sua liberdade, não podendo a mesma narrar fatos e acontecimentos com todos seus significados e clareza, noticiando a mais pura realidade. Nesse sentido, vide a seguinte ementa do STJ:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. CRÍTICA E OFENSA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA (ART. 648, INCISO I DO CPP).

I – Observações críticas, ainda que irritantes, nos limites da divulgação da situação fática, não configuram, de per si, crime de imprensa (art. 27, inciso VIII da Lei de Imprensa).

II – Não se pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao animus criticandi ou ao animus narrandi, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da imprensa.

III – ‘A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada.’” (STJ – Habeas Corpus nº. 0067201-3/2001. Relator Ministro Felix Fischer. 5ª Turma. Data do julgamento: 20/09/2001).

Porém, é o animus caluniandi que exclui todo e qualquer outro tipo de animus, dada sua importância como elemento subjetivo para a constituição de um crime. Frise-se, entretanto, que se ultrapassados os limites do considerado razoável pela moral e bons costumes sociais, há sim de falar-se na prática de crime[241], como comumente ocorre em publicações que excedem a brincadeira e acabem por ofender seus destinatários. Observe-se uma jurisprudência a esse respeito:

“Queixa-Crime – Injúria – Lei de Imprensa – Animus jocandi – Matéria escrita em defesa ao ataques verbais do ofendido – Perdão judicial – Absolvição – Improcedência – A publicação de texto em jornal envolvendo determinada pessoa, indo além do caráter jocoso, desviado para a vontade deliberada de atingir a sua honra subjetiva, configura crime disciplinado pela Lei de Imprensa. (...)”. (TJRO – Apelação Criminal nº. 02.002474/6. Relator Desembargador Ivanira Feitosa Borges. – Câmaras Criminais. Data do julgamento: 05/06/2003).   

Os tribunais pátrios vêm acolhendo o citado entendimento em seus julgados, o que é possível perceber pela simples leitura deste acórdão:

"CRIME DE IMPRENSA – DANOS MORAIS – CRÍTICA A ADVOGADO, ATRAVÉS JORNAL, ABORDANDO ERRO DE CONCORDÂNCIA CONSTANTE DE PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO QUE TRAMITA EM VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL – EXPRESSÕES UTILIZADAS PELO JORNALISTA QUE ULTRAPASSAM O SIMPLES ANIMUS NARRANDI E INCURSIONAM NA INJÚRIA E DIFAMAÇÃO, DOLO DIRETO EVENTUAL – OFENSA DE ORDEM SUBJETIVA E OBJETIVA – DIGNIDADE E REPUTAÇÃO – IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO MESMO SEM REFERÊNCIA NOMINAL – APELO PROVIDO PARA REFORMAR A DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSC – Apelação Criminal nº. 48.349. Relator Desembargador Alcides Aguiar. 4ª Câmara. Data do julgamento: 03/04/1997).

Ao comentar o acórdão acima transcrito, Darcy Arruda Miranda destaca o enorme poder de influência da palavra escrita, defendo ser esta mais penetrante e incisiva do que a falada ou mesmo do que uma figura projetada. Diz que "o animus narrandi exclui o animus injuriandi, desde que, porém, não exceda os limites necessários e efetivos da narrativa. Ausente que seja a boa-fé da narração do fato, presente estará, por força, o ânimo de injuriar” [242].

Nesse caso, certo é que, um escrito que critica veementemente erro gramatical cometido por advogado, em peça dirigida a Juízo, transcende o mero animus corrigendi, emitindo um juízo de valor depreciativo a ponto de caracterizar o profissional como um “advogado insuficientemente alfabetizado”. Quando as palavras mostram-se por demais ofensivas, maculando a alta estima e ocasionando gozação no meio social e profissional, caracterizada está ofensa à dignidade e à reputação de um indivíduo, merecedora de indenização por danos morais, mesmo face à ausência de danos materiais.

"Inexiste difamação na conduta de quem, intimado a testemunhar em processo judicial, presta informações desabonadoras a respeito de terceiro. Impõe-se a solução, não só porque o acusado agiu sem dolo, mas com simples animus narrandi, como também em harmonia com os mandamentos de ordem jurídica que exigem responda o depoente às perguntas feitas pelo magistrado sob o compromisso de dizer a verdade, estando proibido de negar ou calar o que saiba”. (JUTACRIM 34/75)[243].

Nos crimes contra a honra, certo é que o animus narrandi exclui o dolo. Se contrário o fosse, seria imposta à imprensa um verdadeiro cerceamento de sua liberdade, já que ela não teria como desempenhar seu importante papel no Estado Democrático, caso estivesse proibida de narrar os fatos com clareza e objetividade, fiéis à realidade. Entretanto, repita-se, não se deve esquecer ser o animus caluniandi apto a excluir todo e qualquer outro tipo de animus, tamanha a sua relevância[244].

"Para a configuração do delito de difamação, é necessário demonstrar o dolo específico de difamar, incompatível com animus defendendi ou com o animus narrandi". (RJDTACRIM 36/185). (Grifos nossos).

Os próprios Tribunais já esclarecem a distinção existente entre os referidos institutos, como se observa a partir da análise de parte do voto do relator da apelação abaixo:

“CRIMES CONTRA A HONRA – Animus narrandi e animus diffamandi vel injuriandi – Distinção:

– Nos crimes contra a honra, distingue-se o animus narrandi, que é a intenção de narrar ou descrever, do animus diffamandi vel injuriandi, que é a intenção deliberada de difamar, de ferir, de menosprezar, menoscabar a honra e a reputação alheia”. (Apelação nº. 1.377.309/4 – Santa Fé do Sul – 7ª Câmara – Relator: Salvador D’Andréa – 26.6.2003 – V.U. Voto nº. 4.317).

Dessa forma, ao extrapolar o limite da mera intenção de narrar, como já reiteradamente afirmado e exemplificado neste trabalho, a mídia comete verdadeiros crimes contra a honra dos noticiados, como ocorreu (e ainda ocorre, no que tange ao segundo) nos mencionados casos “Escola Base” e “Isabela Nardonni”, dentre inúmeros outros que vem sendo cometidos pelos mais diversificados meios de comunicação massivos, através de programas sensacionalistas já referidos em tópicos anteriores.

Os profissionais da comunicação só podem atuar até onde vai a intenção, o animus de narrar o fato. Ultrapassando-se esse limite, passa-se para o sensacionalismo, jornalismo baixo e antiético e até mesmo exploração monetária dos fatos. Dessa forma, para cumprir as liberdades que lhe são constitucionalmente garantidas, os profissionais da mídia não devem, em hipótese alguma, ultrapassar o animus narrandi, de forma a dar excessiva e ofensiva exploração ao fato e aos envolvidos em processos, em uma demonstração de total desrespeito a tamanho direito personalíssimo de todo indivíduo, qualquer que seja a situação, qual seja, o direito a ter respeitada a sua honra, seu bom nome e sua reputação na sociedade. Assim, mesmo que determinada pessoa venha a ser condenada ao final de um processo, terá condições de, depois de cumprida a pena, reinserir-se na sociedade com sua honra resguardada.

7.6. POSICIONAMENTO DO STF

O STF, em seus julgados, vem adotando posicionamento segundo o qual, nos crimes contra a honra, é necessária a existência do intuito de ofender, motivo pelo qual os mesmos não se configuram face à presença do animus narrandi, entendimento que corresponde à tese defendida no bojo deste trabalho. O Supremo Tribunal já decidiu inúmeras vezes nesse sentido, como se pode observar a partir da análise dos julgados abaixo transcritos:

“RECURSO DE "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA A HONRA - PRÁTICA ATRIBUÍDA A ADVOGADO - PROTESTO POR ELE MANIFESTADO, EM TERMOS OBJETIVOS E SERENOS, CONTRA MAGISTRADO - INTANGIBILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO - CARÁTER RELATIVO - LIQUIDEZ DOS FATOS - "ANIMUS NARRANDI" - EXERCÍCIO LEGÍTIMO, NA ESPÉCIE, DO DIREITO DE CRÍTICA, QUE ASSISTE AOS ADVOGADOS EM GERAL - DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. - A proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos, pela ordem jurídica, a esse indispensável operador do direito. A garantia da intangibilidade profissional do Advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídica encontra limites na lei, consoante dispõe o próprio art. 133 da Constituição da República. A invocação da imunidade constitucional pressupõe, necessariamente, o exercício regular e legítimo da Advocacia. Essa prerrogativa jurídico-constitucional, no entanto, revela-se incompatível com práticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício. Precedentes. CRIMES CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. - A intenção dolosa constitui elemento subjetivo, que, implícito no tipo penal, revela-se essencial à configuração jurídica dos crimes contra a honra. A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste e de cuja prática não transparece o "pravus animus", que constitui elemento essencial à configuração dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria. ‘PERSECUTIO CRIMINIS’ E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. - A ausência de justa causa, quando líquidos os fatos (RTJ 165/877-878 - RTJ 168/853 - RTJ 168/863-865, v.g.), expõe-se, mesmo em sede de ‘habeas corpus’, ao controle jurisdicional, pois não se dá, ao órgão da acusação penal - trate-se do Ministério Público ou de mero particular no exercício da querela privada -, o poder de deduzir imputação criminal de modo arbitrário, notadamente quando apoiada em fatos destituídos de tipicidade penal. Precedentes”. (STF – Habeas Corpus nº. 81750/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. 2ª Turma. DJ 10/08/2007. Data do julgamento: 12/11/2002). 

“CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. LEI DE IMPRENSA. 1. Simples veiculação de fatos, objeto de representação, regularmente formalizada perante a Corrregedoria-Geral da Justiça, contra juíza de direito não constitui crime contra a honra. Direito de informar garantido pela CF (art. 220). 2. HC deferido para trancar a ação penal”. (STF – Habeas Corpus nº. 85629/RS. Relatora: Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma. DJ 23/09/2005. Data do julgamento: 06/09/2005).

A partir da leitura das ementas acima elencadas, infere-se que o STF vem defendendo ser o elemento subjetivo do tipo essencial à configuração dos crimes contra honra. Assim, o autor do delito deve agir com o intuito de ofender e não apenas de narrar o fato, no exercício de seu legítimo animus narrandi. Dessa forma, caso um jornalista venha a divulgar a notícia, no intuito de informar objetivamente a população, sem a intenção de causar ofensas a quem quer que seja, não comete crime contra ninguém, agindo dentro dos limites que lhe é garantido pela liberdade de imprensa.

Isso porque há garantia do direito de informar pela Constituição aos profissionais da mídia, que têm resguardadas suas liberdades de veicular as matérias e notícias de cunho informativo. Entretanto, não podem ultrapassar, em hipótese alguma, o animus narrandi para agir descomedidamente, utilizando-se de termos e expressões ofensivas aos indivíduos, o que configura inconteste crime contra suas honras, direito personalíssimo de fundamental importância para suas existência e desenvolvimento. Logo, medidas urgentes devem ser tomadas para que os programas sensacionalistas, que sobrevivem às custas do cometimento de ofensas e da exploração de temas ofensivos ao bom nome e à reputação das pessoas, tenham suas veiculações proibidas.

Em suma, afirma-se que o STF adota posicionamento segundo o qual é garantida a liberdade de informar, desde que não sejam ultrapassados os limites do animus narrandi. Se isto ocorrer, há, inegavelmente, de se falar na prática de crime contra a honra. 


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de grande esforço para a elaboração deste trabalho, no qual se fez necessária extensa pesquisa e dedicação, pode-se concluir que:

1- Os direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, uma vez que são imprescindíveis para resguardar a todos uma existência livre, digna e igual. Sob a ótica material, pode-se afirmar que eles se referem aos direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Em uma concepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito positivo assim os qualifica, estabelecendo determinadas garantias para que estes direitos sejam por todos respeitados;

2- Os direitos da personalidade são aqueles inerentes ao homem e que existem independentemente de seu reconhecimento por determinado ordenamento jurídico. Majoritariamente, a doutrina considera serem os direitos da personalidade direitos subjetivos privados, entretanto, o importante não é enquadrar os direitos da personalidade no âmbito público ou no âmbito privado, mas sim perceber a profundidade de seus conteúdos e dá-los a devida aplicação no âmbito prático, já que, hodiernamente, cada vez mais desaparece a diferenciação existente entre o público e o privado;

3- Há os direitos materialmente fundamentais e os direitos apenas formalmente fundamentais. Os primeiros são aqueles que, além de formalmente fundamentais (pois alçados à categoria de fundamentais pelo legislador constituinte), possuem um conteúdo eminentemente primordial, ligados à dignidade da pessoa humana. Tais direitos são essencialmente fundamentais, diferentemente, pois, daqueles apenas formalmente fundamentais, que assumiram tal status por liberalidade do legislador constituinte. Os direitos apenas formalmente fundamentais, apesar de topograficamente inseridos na parte da Constituição própria dos direitos fundamentais, podem ser considerados direitos comuns, que, apesar de importantes, não têm as características necessárias para assumirem o status de fundamentais;

4- A honra é um dos mais significativos direitos fundamentais, pois está, indissociavelmente, ligada aos indivíduos desde o nascimento até depois da morte. Ela foi erguida à condição de liberdade pública pelo art. 5º, X, da atual Constituição Federal. É preciso ter em mente que ela apresenta-se subdividida em dois aspectos: o subjetivo e o objetivo. Ser honrado, do ponto de vista subjetivo, significa possuir uma estima elevada, possuir a auto-consciência de que é uma pessoa digna. Do ponto de vista objetivo, ser honrado denota possuir uma boa reputação, uma boa fama, um bom nome na sociedade, a valoração que os demais indivíduos fazem da dignidade de uma pessoa;

5- O direito à honra será lesado quando forem revelados aspectos do seu titular que o coloquem em situação de vulnerabilidade, de desmerecimento em relação à consideração e à valoração que ele tem a respeito de si mesmo e em relação à sua reputação face a terceiros. Dessa forma, a imprensa não pode sair divulgando, ilimitadamente, fatores que não dizem respeito ao interesse público e constituem-se em ofensas à honra dos indivíduos;

6- Genericamente, pode-se considerar a vida privada como o direito que um indivíduo possui de viver a sua própria vida, sem que nela haja intromissões alheias. Ela diz respeito à esfera íntima em que cada indivíduo veda da intromissão de terceiros. Não há como ser confundida com o direito à honra;

7- No âmbito da intimidade, a vida individual exclui qualquer espécie de interferência alheia. Por isso, pode-se dizer que esse é o mais individualista e exclusivo entre todos os direitos da personalidade. Serve para proteger a verdadeira essência do indivíduo, a representação do seu ser. Também não se confunde com a honra;

8- Existe uma diferenciação entre a imagem retrato e a imagem atributo da pessoa. A primeira é a imagem fisionômica de uma pessoa, suas características físicas, seu retrato. Compreende também todas as projeções exteriores do aspecto da pessoa, a exemplo da voz, dos atos e gestos que permitam a sua identificação física. Já a imagem atributo não está diretamente relacionada aos traços físicos. Ela concerne a um conjunto de características através do qual a pessoa é identificada na sociedade. Pelo conceito de imagem atributo exposto, poder-se-ia confundir esse direito com a honra objetiva de uma pessoa. Entretanto, eles não são sinônimos, já que se pode estar honrando alguém, sem alterar-lhe a imagem;

9- A imprensa constitui-se em um dos instrumentos de controle contra os arbítrios dos poderes instituídos, já que, através dela, a população tem ciência de todos os acontecimentos e medidas tomadas por seus ocupantes, podendo-se insurgir contra eventuais arbitrariedades e excessos cometidos. Como constitucionalmente estabelecido, os órgãos da imprensa devem ser livres, não se admitindo nenhuma censura prévia ou limitação injustificada a priori. Em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, em que direitos e garantias fundamentais são amplamente protegidos, é inegável que a imprensa, atuando com seriedade, desempenha um papel de enorme relevância, contribuindo para a sedimentação dos ideais de justiça.

10- A palavra imprensa deve ser compreendida em sentido amplo, englobando não só os meios escritos, mas qualquer outra maneira através da qual seja possível a transmissão de uma idéia ou de um fato. Nesse contexto, o termo imprensa desvincula-se parcialmente de sua concepção inicial, abarcando todo meio de produção e de transmissão de informação, quer seja por forma escrita, pela prensa ou por radiodifusão de sons e imagens das mais variadas maneiras. A liberdade de imprensa é uma decorrência da liberdade de manifestação de pensamento;

11- Não se deve confundir liberdade de expressão com liberdade de imprensa, que é um instrumento para que as informações sejam transmitidas e os pensamentos divulgados. O direito de informação pode ser entendido como direito à liberdade de imprensa, visto que esta é a principal responsável, através dos meios de comunicação em massa, por manter informada toda uma população. Já a informação implica em conhecer o que se passa ao redor, mantendo interação com o âmbito social, consistindo o direito à informação na possibilidade de ter conhecimento dos fatos que dizem respeito ao interesse público e que se mostrem relevantes para a inserção do indivíduo na coletividade;

12- A Constituição Federal de 1988, numa ampla demonstração de preocupação em proteger o Estado Democrático de Direito, erigiu a liberdade de informação à condição de direito fundamental, dando amplitude às questões a ela relacionadas. Mesmo não estando explicitamente elencada na categoria dos Direitos Fundamentais, assim o é em sua concepção material. A CF, em diversos dispositivos, tutela as várias vertentes da referida liberdade, tanto no aspecto ativo (tendo-se este como o direito de manifestar opiniões e de emitir informações) quanto no aspecto passivo (no sentido de ser informado, receber a informação);

13- As empresas de informação adquirem um aparato tecnológico cada vez mais avançado, o que ocasiona um aumento na quantidade de destinatários das informações. Hoje, impera a comunicação em massa, que alcança um surpreendente número de pessoas ao mesmo tempo, invadindo abruptamente os lares e a mente dos indivíduos, os quais, nem sempre, estão capacitados para discernir o real do fantástico. Em síntese, pode-se afirmar que comunicação de massa é aquela realizada de maneira industrial, equiparando-se a uma produção em série, visto que objetiva atingir o maior número possível de pessoas;

14- Em todo Estado Democrático de Direito, deve haver uma imprensa livre e independente, para que a mesma cumpra a imprescindível função de informar a população e até mesmo de educá-la através de campanhas sociais.  Entretanto, não há liberdade desacompanhada de responsabilidades e nem tão pouco ilimitada. É a mídia a principal responsável pela formação da opinião pública. Isto porque é através dela que a maioria da população tem conhecimento dos acontecimentos. Se seguisse os elementos que compõem a responsabilidade do jornalismo, o profissional certamente conseguirá apurar e difundir os fatos e informações gerais com veracidade, precisão e clareza, livre de distorções ou excessos;

15- Hoje, é rotineira a prática de manipulação dos fatos para que a notícia prenda a atenção do receptor. Nesse intuito, são utilizadas expressões pejorativas e tendentes a levar uma pessoa a acreditar naquilo o que foi dito. O sensacionalismo, como sugerido pelo próprio termo, é uma maneira diferenciada de transmissão de notícias, com o intuito de envolver e prender a atenção do maior número de pessoas possível. Hodiernamente, dentre os meios que compõe a mídia, é televisão que mais se utiliza das técnicas sensacionalistas, o que é favorecido pela maneira como os programas transmitem determinado fato, aliando à narrativa imagens que possuem o condão de causar forte impacto naqueles que as assistem. Nesse contexto, a cada dia aumenta a quantidade de programas que exploram a violência, a pobreza e demais mazelas sociais, utilizando-se de chamadas impactantes, capazes de prender a atenção de pessoas que, apesar de tão sofridas, alimentam a sua necessidade de diversão com reportagens que tratam das desgraças alheias;

16- O jornalismo sensacionalista parece ter suplantado o jornalismo informativo, o qual reporta fatos despido de valorações. Aquele enaltece e fabrica o fato, dando a qualquer acontecimento uma grande carga de emoção e um tom escandaloso. Isso traz conseqüências negativas para os envolvidos, que vêem suas honras sendo atropeladas pelos veículos de informação e passam a desfrutar de uma péssima reputação diante de toda a sociedade.

17- O Processo Penal não objetiva apenas aplicar penas aos acusados. Muito mais: ele visa proteger os indivíduos dos arbítrios e excessos do judiciário através do conjunto de atos a serem seguidos e de regras a serem observadas. Nessa seara, todo cuidado deve ser tomado, porque está em jogo a liberdade de um indivíduo. E é nesse sentido que se defende ser o Processo Penal um instrumento de garantia para o réu. Como instrumento protetor da liberdade individual, o Processo Penal deve pautar-se nas regras constitucionalmente estabelecidas, caso contrário a sua finalidade não será concretizada;

18- No Direito Pátrio, vigora, como regra, a publicidade absoluta, de forma que as audiências e sessões, bem como a realização dos atos processuais em geral, estejam abertas ao conhecimento de todo o público. Cumpre destacar que, hodiernamente, a publicidade não se realiza e nem cumpre as funções acima expostas somente através do acesso popular às audiências (publicidade imediata, a qual está consagrada na legislação brasileira, a exemplo do já referido art. 792 do CPP), até porque, salvo nos casos que despertam grande comoção social, geralmente encontram-se vazias as salas onde as mesmas são realizadas. Assim, atualmente, prevalece, indiscutivelmente, a publicidade mediata, veiculada pela mídia, restando a esta o papel de tornar públicos os atos processuais penais, levando-os ao conhecimento de todos os destinatários e espectadores dos meios de comunicação de massa. É à mídia que cabe informar a população sobre a criminalidade e a atuação da justiça criminal, esclarecendo quais as causas geradoras dos delitos;

19- Dentre os elementos do tipo, aponta-se os elementos subjetivos especiais, que prescindem de concretização, bastando a existência deles no psiquismo do autor. Inserem-se os crimes contra a honra nesses delitos de tendência, necessitando, assim, os autores dos mesmos agir com o ânimo de ofender para que ocorra a tipificação do fato. No Brasil, a honra é penalmente protegida através da tipificação dos crimes de calúnia, difamação e injúria. Constitucionalmente, é garantida pelo direito de resposta e indenização por dano moral e material. Também há previsões nesse sentido no Código Eleitoral (Lei 4.737/64) e na Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), entretanto, elas equivalem aos tipos inseridos no Código Penal, não havendo, assim, necessidade de análise de todos eles, o que soaria redundante;

20- Os direitos e as liberdades estão, constantemente, em conflito, motivo pelo qual se deve eleger um meio de solução. A liberdade de expressão da mídia rotineiramente confronta-se com a honra das pessoas envolvidas em processos. Na colisão entre direitos e princípios constitucionais (fundamentais), há uma complexidade muito maior para solucionar a questão, por possuírem os mesmos igual patamar no ordenamento jurídico. A colisão efetiva, real ou verdadeira entre direitos concretiza-se quando dado direito fundamental interfere, direta e incisivamente, no âmbito de proteção de outro. Exemplo bastante significativo dessa colisão é o conflito sempre existente entre a liberdade de imprensa e o direito à honra, palco em que excessos são descomedidamente cometidos;

21- A técnica da ponderação passou a ser utilizada na moderna interpretação constitucional em face das necessidades de solução dos novos conflitos que foram surgindo, com o passar dos anos e a evolução tecnológica. Ela não deve ser desmerecida quando utilizada para a tomada de decisões, visto que, nela, a discricionariedade judicial não é ilimitada, restando sua aplicação adstrita às situações em que o ordenamento jurídico não tenha estabelecido soluções, em tese, para determinado caso, não elegendo, assim, qual interesse ou valor deverá sempre prevalecer;

22- A liberdade de informação não possui caráter absoluto. Para que se justifique a prevalência do direito à informação sobre os demais direitos personalíssimos, é imprescindível a análise de certos elementos que sempre devem ser respeitados.

23- Não poucas vezes,  a narração dos fatos sai distorcida, o que acaba por não apenas reduzir, mas sim por aniquilar os direitos da personalidade do acusado ou investigado, os quais passam a ser tratados como se verdadeiros objetos noticiáveis fossem, e não como seres humanos. Dessa forma, seria até ingênuo imaginar que a imprensa sempre fosse totalmente fiel aos fatos. Logo, pode-se contar apenas parte de um fato, ocultando outro, de forma a influenciar a opinião das pessoas. Daí o acusado, ou até mesmo um mero investigado, é submetido a vexames, à devassa de suas vidas, passando a ser desrespeitado pela população, em decorrência da imprópria atitude da imprensa de expor motivações e detalhes sórdidos do suposto crime, além de traços estigmatizados de personalidade, os quais ela simplesmente supõe, sem nenhuma prova consistente ou decisão judicial;

24- Nas emissoras brasileiras, alguns programas sobrevivem da exploração de temas relativos aos submundos da sociedade, expondo cenas drásticas de crimes gravíssimos e cruéis, tratando deles como se dissessem respeito a fatos normais, além de acusar, publicamente, pessoas, apontando-as como assassinas, criminosas, dentre vários outros termos caluniosos. O mais lamentável é que se passa ao público aquela imagem como sendo a versão definitiva e fiel aos fatos, de forma que pessoas, muitas vezes indevidamente presas, já foram consideradas criminosas e sentenciadas pela população e pela mídia;

25- No intuito de cumprir a sua função, a mídia narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre os mesmos, além de noticiar críticas e opiniões, o que acaba por desencadear uma série de conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais. Das pessoas envolvidas em processos criminais são arrancadas suas dignidades, passa-se ao público uma imagem surreal, sensacional, como se elas se tratassem não de seres humanos, e sim de personagens cruéis, despidos de qualquer tipo de sentimentos, os mais frios dos vilões dos filmes de terror. Assim, a mídia acaba por cometer o absurdo exagero de tirar delas o que é ínsito a todo o ser humano, independentemente de qualquer situação: a dignidade, a reputação social, o bom nome, e decoro, e, principalmente, a honra. Assim, deve-se tecer considerações a cerca dos principais limites à atuação da mídia;

26- É mínimo o liame existente entre a crítica inspirada no interesse publico e a ofensa à honra das pessoas. A crítica inspirada no interesse publico não deve estar envolvida por sentimentalismos, posicionamentos pessoais, paixões interiores. Importantíssimo ressaltar que o interesse ora tratado não se confunde com o interesse do público. Assim, infere-se que a utilização do argumento, pelo profissional da mídia, de estar agindo em nome do interesse público por si só não se mostra suficiente para justificar a ofensa aos direitos personalíssimos;

27- Segundo o princípio da presunção da inocência, até que não seja definitivamente condenado, presume-se a inocência do réu, o que é doutrina e jurisprudencialmente conhecido como in dúbio pro réu. Envolvendo o princípio da presunção da inocência, um dos aspectos que mais vem atingindo os cidadãos é a forma por meio da qual vem a mídia sensacionalista utilizando-se de sua liberdade de informação para noticiar a ocorrência de crime e para divulgar ao público todo o iter do processo criminal envolvendo determinado indivíduo. Ele também não é o critério mais eficaz para a imposição de limites à atuação da mídia;

28- Hodiernamente, a pena tem a função de ressocializar o preso, além de servir também como uma forma de prevenção geral, no tocante ao seu papel de influenciar o não cometimento de crimes. Logo, o infrator deve ser punido de maneira justa e eficaz, para que sai da prisão recuperado e volte a viver normalmente em sociedade, sem tornar a agir em desacordo com a lei. Dessa forma, o direito de ressocialização é um limite (mesmo que não o mais eficaz) à atuação da imprensa no exercício de sua liberdade de informar;

29- Os princípios adquiriram um patamar de fundamental importância, tendo sido elevados à condição de norma jurídica e passado a fundamentar todo o ordenamento. Como solução à problemática do conflito entre a liberdade de expressão e de informação da mídia e o direito à honra as pessoas envolvidas no processo criminal, emerge a utilização do Princípio da Proporcionalidade, pelo qual a determinação da prevalência de determinado princípio deve se dar através da realização de ponderação no caso concreto, aferindo o intérprete o peso de cada um na situação, preservando o máximo dos mesmos, em recíprocas concessões, diferentemente o que ocorre com as regras, cuja aplicação de uma exclui totalmente a outra. Mostra-se este princípio o grande responsável pelo sopesamento dos direitos fundamentais conflitantes, através de mera relativização, sem necessidade de exclusão ou compressão dos mesmos no sistema, para a obtenção de uma decisão justa e coerente;

30- Segundo a teoria do animi, até mesmo uma palavra elogiosa proferida poderá causar ofensa à honra de determinada pessoa, o que vai ser verificado pela existência ou não do intuito de ofender. Pode-se afirmar que o animus narrandi consiste na intenção de narrar ou contar sobre o que ouviu ou testemunhou a respeito de um fato ou de alguém. Assim, àqueles que são responsáveis por manter democraticamente a população informada, narrando tudo o que aconteceu de forma objetiva, não se deve admitir que seja ultrapassada a simples intenção de narrar determinado fato;

31- Nos crimes contra a honra, existem manifestações do psiquismo do agente que indicam determinadas intenções, propósitos ou tendências presentes no comportamento que lhes é anterior, mesmo que não se encontrem diretamente expressas no tipo penal. Do exposto, infere-se que não comete crime contra a honra aquele que age movido pelo animus jocandi, animus corrigende, animus retorquendi e animus narrandi. Isso ocorre porque, nas referidas situações, há a exclusão dos animus injuriandi, que consiste na intenção de injuriar ou ofender alguém. Em apertada síntese, pode-se afirmar que, para o cometimento de crime contra a honra, é preciso praticar ação injusta com o intuito de fazê-lo, sendo por isso que esse direito fundamental não é ofendido quando o indivíduo pratica o ato sem a intenção de ofensa. Para que haja tipicidade, a ação do autor com animus diffamandi vel injuriandi;

32- O animus caluniandi exclui todo e qualquer outro tipo de animus, dada sua importância como elemento subjetivo para a constituição de um crime. Frise-se, entretanto, que se ultrapassados os limites do considerado razoável pela moral e bons costumes sociais, há sim de falar-se na prática de crime, como comumente ocorre em publicações que excedem a brincadeira e acabem por ofender seus destinatários. Nos crimes contra a honra, certo é que o animus narrandi exclui o dolo. Se contrário o fosse, seria imposta à imprensa um verdadeiro cerceamento de sua liberdade, já que ela não teria como desempenhar seu importante papel no Estado Democrático, caso estivesse proibida de narrar os fatos com clareza e objetividade, fiéis à realidade;

33- Ao extrapolar o limite da mera intenção de narrar, como já reiteradamente afirmado e exemplificado neste trabalho, a mídia comete verdadeiros crimes contra a honra dos noticiados. Os profissionais da comunicação só podem atuar até onde vai a intenção, o animus de narrar o fato. Ultrapassando-se esse limite, passa-se para o sensacionalismo, jornalismo baixo e antiético e até mesmo exploração monetária dos fatos. Dessa forma, para cumprir as liberdades que lhe são constitucionalmente garantidas, os profissionais da mídia não devem, em hipótese alguma, ultrapassar o animus narrandi, de forma a dar excessiva e ofensiva exploração ao fato e aos envolvidos em processos, qualquer que seja a situação, qual seja, o direito a ter respeitada a sua honra, seu bom nome e sua reputação na sociedade.

34- O STF, em seus julgados, vem adotando posicionamento segundo o qual, nos crimes contra a honra, é necessária a existência do intuito de ofender, motivo pelo qual os mesmos não se configuram face à presença do animus narrandi, entendimento que corresponde à tese defendida no bojo deste trabalho.


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9. 1. REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

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Notas

[1] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 18.

[2] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 178.

[3] Nesse sentido, MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 60.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 144.

[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit., p. 145. 

[6] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 149.

[7] BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 5.

[8] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit., p. 145.

[9] Sobre a matéria, escreveu BARROSO, Luís Alberto, em artigo de título Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil in  http://jus.com.br/artigos/7547, acesso em 30/03/2008.

[10] Nesse sentido, MIRANDA Jorge apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida, Privacidade e Intimidade em Colisão com outros Direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 58.

[11] CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 63/65.

[12]ANDRADE, Flávia Martins de. Direitos Fundamentais in http://www.direitonet.com.br/artigos, acesso em 28/03/2008.

[13] CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 82.

[14] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os direitos fundamentais implícitos e seu reflexo no sistema constitucional brasileiro in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_82/

artigos/ManoelGoncalves_rev82.htm, acesso em 04/03/2008.

[15] ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional democrático apud FERREIRA FILHO, op. cit., loc. cit.

[16] Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento favorável ao cabimento de indenização por danos morais às pessoas jurídicas, o que foi feito com magnitude no julgamento do Resp. 60033/MG.  Entendeu que “a honra objetiva das pessoas jurídicas pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extra-patrimonial daí decorrente”. (STJ – Recurso especial nº. 60033/MG. Relator: Ministro Ruy Rosado Aguiar. Quarta Turma. Diário da Justiça, Seção I, 27 de novembro de 1995, p. 40.893).

[17] DA SILVA, José Afonso, op. cit., p. 205.

[18] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 194.

[19] DA SILVA, José Afonso, op. cit., p. 80.

[20] ROMERO COLOMA, Aurélia Maria apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 8.

[21] Cabe aqui esclarecer, simplificadamente, que a moral pode ser considerada um sentimento de vergonha, enquanto os bons costumes referem-se a determinadas condutas aceitas pela sociedade. Assim, ambas são regras de comportamentos inerentes à vida social.

[22] CIFUENES apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 8.

[23] Pode-se dizer ser a dignidade o sentimento próprio a respeito dos atributos morais do cidadão. Já o decoro é o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos e intelectuais da pessoa humana. Nesse sentido, posiciona-se BAASCH LUZ, Sérgio Roberto. Crimes contra Honra na Lei de Imprensa in http://br.geocities.com/esmesc_2000/ pagina1302.html, acesso em 26/05/2008.

[24] Nesse sentido, escreveram FILOMENO, Graziella; VELOZO, Denise Fernandes apud BAASCH LUZ, Sérgio Roberto, op. cit., loc. cit, passim.

[25] Também se classifica a honra em comum ou especial, assim considerada, inclusive, pela Lei de Imprensa. A primeira é aquela inerente à pessoa humana, independendo da condição assumida pelo indivíduo na sociedade. A segunda, também chamada de profissional, refere-se à profissão exercida pelo cidadão.

[26] É de suma importância ressaltar que e a honra subjetiva é ínsita a todas as pessoas físicas. Entretanto, ela não se estende às pessoas jurídicas, já que essas não possuem o condão de expressar sentimentos humanos e valorações a respeito de si mesma. Entretanto, a elas abraça a honra objetiva, pois a reputação não é um bem exclusivo dos seres humanos. As pessoas jurídicas também podem possuir uma boa ou uma má reputação.

[27] BITTAR, Carlos Alberto, op. cit., p. 129.

[28] Nesse sentido, Luiz Alberto David Araújo utiliza as duas expressões como sendo sinônimas. Vide: ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1966, p. 37.

[29] DA SILVA, José Afonso, op. cit., p. 80

[30] CAVERO, José Martinez De Pisón apud GUERRA, Sidney Cesar Silva. A Liberdade e Imprensa e o Direito à Imagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 46.

[31] As pessoas jurídicas não possuem esse direito, entendimento esse lastrado no fato de que elas não existem materialmente, não possuem pensamentos ou emoções, sendo, portanto, excluídas dessa proteção.

[32] DOTTI, René Ariel apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e a Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 145/146.

[33] Nesse sentido, foi pioneiro o entendimento de Luiz Alberto David Araújo. Vide: ARAÚJO, Luiz Alberto David, op. cit., loc. cit., passim.

[34] BARBOSA, Notaroberto; CABO, Álvaro Antônio. Direito à própria imagem. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 25.

[35] CHAVES, Antônio apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 18.

[36] ARAÚJO, Luiz Alberto David, op. cit., p. 123.

[37] Expressão utilizada por Norberto Bobbio in BOBBIO, Norberto. Dicionário da política apud GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 78. Na obra, ele afirmou que os “meios de informação desempenham uma função determinante para a politização da opinião pública e, nas democracias constitucionais, têm capacidade de exercer um controle crítico sobre os órgãos dos três poderes, legislativo, executivo e judiciário”. 

[38] RODÍGUEZ, Victor Gabriel. Responsabilidade Penal na Lei de Imprensa: A Responsabilidade Sucessiva e o Direito Penal Moderno. 1ª ed. São Paulo: Apta, 2004, p. 643/644.

[39] MARX, Karl apud RODÍGUEZ, Victor Gabriel, ibidem, p. 102.

[40] MELO, José Marques de apud GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 95.

[41] Expressão utilizada por GUERRA, Sidney Cesar Silva, idem.

[42] GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 82. Sobre essa matéria, vide também: TARDE, Gabriel apud RODÍGUEZ, Victor Gabriel, op. cit., p. 93.

[43] TJSC - Apelação Criminal nº. 32.281/Itajaí. Relator: Desembargador Nilton Macedo Machado. Data do julgamento: 19/09/1995.

[44] GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 95.

[45] BUENO, Francisco da Silveira apud GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 76.

[46] CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 24.

[47] Assim o fez NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: FTD, 1997, p. 37.

[48] Nesse sentido, vide: VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 24/25.

[49] BASTOS, Celso Ribeiro. A liberdade de expressão e comunicação social. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 5, n. 20, p. 48, jul.-set. 1997.

[50] BARBOSA, Rui apud GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit. p. 71.

[51] FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 70.

[52] STJ - Habeas Corpus nº. 3.296-0/SC. Relator: Ministro Costa Lima. DJU 21.2.94, p. 2.180.

[53] Canotilho estabelece essa diferenciação, utilizando-se do termo liberdade de informação e não direito de informação em seus escritos. Afirma que as liberdades possuem como traço marcante a “alternatividade de comportamentos”, o qual possibilita a escolha de um dentre os que se mostrarem possíveis. Exemplifica sua diferenciação com menção ao direito à vida, em que seu titular não pode escolher entre viver ou morrer. Tem-se a liberdade de expressar-se ou não. Vide: CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1996, p. 539.

[54] René Dotti utiliza as expressões como sinônimas. Vide: DOTTI, René Ariel apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 30.

[55] CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25.

[56] ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário – A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 235/236.

[57] GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 77.

[58] BALLE, Francis apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 32.

[59] Disponível in http://www.etymonline.com/index.php?search=informationem&searchmode=no, acesso em 08/04/2008, tradução própria.

[60] ENCICLOPÉDIA WIKIPEDIA in http://pt.wikipedia.org/wiki/Informa%C3%A7%C3%A3o, acesso em 09/04/2008.

[61] ANDRADE, Manuel da Costa. Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal. Coimbra: Coimbra Ed., 1996, p. 44.

[62] DANTAS, Ivo. Constituição Federal. Teoria e prática. Rio de janeiro: Renovar, 1994, p. 232.

[63] Nesse sentido, válido destacar, nas palavras de Moacir Pereira, que “a Lei de Imprensa, visivelmente conspurcada pela veia autoritária, é detentora de caráter repressivo e conteúdo punitivo. Seus críticos consideram de matéria penal seu dispositivos, incrementando a criação de um Estatuto de Liberdade de Imprensa, vez que aquela surgiu juntamente com a Lei de Segurança Nacional, em fevereiro de 1967, havendo sido discutida e votada no Congresso Nacional sob o regime ditatorial e pressão do Executivo, revestindo-se de feição nitidamente antidemocrática. (...) Como salientam os estudiosos, ‘nos últimos 30 anos, as liberdades individuais sofreram as maiores violações - e com elas o direito de informação - no Governo Médici, apesar do surto desenvolvimentista rotulado pelo pseudo ‘milagre brasileiro’. O ônus desse processo artificialmente montado em laboratórios políticos está sendo pago hoje - e a custo social imensurável- por toda a população’". PEREIRA, Moacir. A democratização da Comunicação. São Paulo: Global Editora, 1987, p. 27.

[64] A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA EM FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO in http://br.geocities.com/lpa1987, acesso em 09/04/2008.

[65] Informações obtidas in A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA EM FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO, loc. cit.

[66] GLOBALIZAÇÃO in http://pt.wikipedia.org/wiki/Globaliza%C3%A7%C3%A3o, acesso em 10/04/2004.

[67] THOMPSON, John B. apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 26.  

[68] Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 28.

[69] Expressão utilizada por VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, idem.

[70] BALL-ROKEACH, Sandra; L. DEFLEUR, Melvin. Teorias da Comunicação de Massa. Tradução da 5ª ed. Norte americana, Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 180.

[71] COMUNICAÇÃO E SUAS RELAÇÕES in http://www.dhnet.org.br/w3/cdhmp /tvalerta/capituloii.htm, acesso em 06/05/2008.

[72] Mostra-se fundamental destacar que, no Brasil, inexiste o efetivo acesso popular à educação, o que se constitui em visível descumprimento a preceito constitucional. Agrava-se a situação quando, partindo-se de uma análise mais aprofundada, percebe-se não fomentar o Estado a plena educação como simples garantia de que continuará tendo o poderio de manipular os cidadãos, que permanecem subvernientes em decorrência da ignorância. Isso, porque, não tendo acesso à escola, continuam parte dos brasileiros inaptos a analisar e interpretar as informações que lhes são transmitidas.

[73] YOUNES, Nathalia. O que é comunicação de massa in http://www.jornaldedebates.ig.com.br, acesso em 07/05/2008.

[74] COSTA JR., Paulo José da. O Direito de Estar Só – Tutela Penal da Intimidade. 2ª ed. revist. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 22.

[75] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução Ligia M. Ponde Vassalo. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 61.

[76] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 58.

[77] BALL-ROKEACH, Sandra; L. DEFLEUR, Melvin, op. cit., p. 280.

[78] Assim escreveu BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. São Paulo: Ática, 1990, p. 9/10.

[79] Já foi comprovado que pessoa alguma consegue agir de forma totalmente imparcial, até porque influenciada por valores e concepções próprios, mas entrar em pormenores a respeito do assunto fugiria da temática deste trabalho.

[80] FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação. São Paulo: Carlos Bastos Editor, 1997, p. 131.

[81] BAHIA, Juarez, op. cit., p. 17.

[82] In DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS PARA A CONDUTA DO JORNALISTA, adotada pelo 2º Congresso Mundial de Bordeaux, de 25-28 de abril de 1954 e emendada pelo 18º Congresso Mundial da Federação Internacional de Jornalistas, realizada em Helsin, de 2-6 de junho de 1986 in http://www.igutenberg.org/codinter.html, acesso em 14/05/2008.

[83] In CÓDIGO DE CONDUTA DOS JORNAIS, Aprovado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), em vigor desde 1991 in http://www.igutenberg.org/codanj.html, acesso em 13/05/2008.

[84] KRIMSHY, George A. Apud GUERRA, Sidney Cesar Silva, op. cit., p. 108.

[85] CÓDIGO DE ÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS in http://www.jornalistas.org.br /download/legis_codigo_etica.doc, acesso em 12/05/2008.

[86] DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA ON LINE in http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx, acesso em 12/05/2008.

[87] É importante ter em mente que a transmissão de notícias não é a única atividade de mídia, visto que, através dela, também são exibidas campanhas com finalidades sociais e até mesmo econômicas, além da publicidade de produtos e serviços, dentre outros. 

[88] JORNALISMO in http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo, acesso em 11/05/2008.

[89] Nesse sentido, vide DALLARI, Dalmo de Abreu. Direito à informação, direito de opinião. Seminário Acadêmico, 987, São Paulo. Anais... São Paulo: Departamento e Jornalismo e Editoração da ECA, USP, 1990, p. 48.

[90] Nesse ponto, pode-se fazer uma correlação com a atividade do magistrado. Sabe-se que um juiz deve agir de forma neutra e imparcial ao proferir as suas decisões. Entretanto, atualmente é certo que jamais existirá imparcialidade e neutralidade total, pois ele é um ser humano com convicções e valores, além de sentimentos, os quais o influenciam, mesmo que indiretamente, ao decidir determinada questão.

[91] In Manual da Redação. Folha de São Paulo. 3ª. ed. São Paulo: Publifolha, 2001, p. 45 apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 50.

[92] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 51.

[93] Conceito obtido in FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1.569-1570.

[94] Deve-se aqui chamar a atenção para o fato de que não se está tecendo uma generalização, nem muito menos afirmando que toda a imprensa se comporta de maneira sensacionalista, sem exceções. É claro que ainda existem profissionais sérios, que prezam pela ética e pela qualidade de seus trabalhos, mas hoje em dia eles não são mais a regra na carreira.

[95] O mecanismo básico do sensacionalismo é a linguagem-clichê, através da qual o destinatário da mensagem é levado a vivenciar o fato como se parte integrante dele fosse, a ponto de fundir-se com a notícia e entregar-se a ela intensamente, como se o próprio personagem fosse. Nos dizeres de Ciro Marcondes Filho “o que distingue essa fusão dos sentimentos reais, das emoções verdadeiras, é seu caráter clichê, que significa que as tristezas, as dores, as lágrimas relembram inconscientemente ao telespectador momentos emocionalmente fortes de sua vida. Essas emoções, entretanto, permanecem mentais, platônicas e não retornam à realidade atual; funcionam como sonhos secretos”. MARCONDES FILHO, Ciro apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 52.

[96] Ibidem, p. 53.

[97] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 56.

[98] BARROS, Luiz Ferri de. O sensacionalismo da imprensa na cobertura de crimes de natureza psicopatológica e suas conseqüências in http://www.bancodeescola.com/ crimes.doc, acesso em 14/05/2008.

[99] Destaque-se, também, que depois desse período surgiu a auto-composição como forma de solução de conflitos, a qual ainda sobrevive, mesmo sendo raramente utilizada, nos dias atuais. Entretanto, ela não se apresenta como um meio dotado de muita eficácia, visto que se um dos conflitantes não concordar com a composição, não se chega há como se chegar a solução alguma.

[100] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 13.

[101] Ibidem, p. 15.

[102] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, vol. 1, p. 12.

[103] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 46.

[104] WUNDERLICH, Alexandre. A vítima no processo penal in http://www.cfemea.org.br/pdf/

wunderlich_vitimanoprocessopenal.pdf, acesso em 14/05/2008.

[105] ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal in http://mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto115(3).rtf, acesso em 21/05/2008

[106] ARAS, Vladimir, idem.

[107] GRINOVER, Ada Pellegrini. Lineamentos gerais do novo processo penal na América Latina in Ciência e Política Criminal em homenagem a Heleno Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 38.

[108] COMOGLIO, Luigi Paolo apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 69.

[109] ARAS, Vladimir, op. cit., loc. cit.  

[110] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 75.

[111] A expressão devido processo legal vem do inglês due processo of law, cláusula presente no art. 39 da Magna Carta outorgada em 1215 por João Sem-Terra, juntamente com os senhores feudais, como forma de limitar a prática absolutista do poder. Na doutrina nacional, foi Ada Pellegrini a responsável por associar, com maior profundidade, sua produção acadêmica à referida cláusula, estabelecendo que, “originalmente, a garantia do due processo of law destinava-se a agir exclusivamente no processo penal”. No decorrer de sua obra, ela oferece várias significações para a cláusula, extraindo o seu conteúdo para o processo e também para o próprio direito material. Vide: GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias Constitucionais e o Direito de Ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 23-68.

[112] CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 25.

[113] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 66.

[114] Dispõe o art. 1º, parágrafo único da CF que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

[115] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 88.

[116] A publicidade é forma de garantia do acusado da proteção da sua liberdade e direitos fundamentais, pois, através dela, pode o mesmo participar do desenvolvimento de todo o iter processual, resguardando-se de eventual parcialidade ou suspeição do magistrado pelo direito de expor todos os seus argumentos e pontos de vistas.

[117] FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 1996, p. 20.

[118] Terminologia utilizada por TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 20.

[119] É de grande importância destacar que os atos realizados quando da feitura do inquérito policial não são plenamente abrangidos pela publicidade, porque, além de o art. 20 do CPP estabelecer que a autoridade assegurará ao inquérito o sigilo necessário, tem a referida peça um caráter informativo. Hodiernamente, esse caráter sigiloso já foi bastante mitigado, havendo leis, inclusive, posteriores ao CPP, que possibilitam aos advogados tomarem conhecimento dos atos do inquérito. Como exemplo, tem-se a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), em seu art. 7º, III e XIV.

[120] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p., 86.

[121] DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Ed. Coimbra, 1974, vol. 1, p. 222/223.

[122] MONTERO, Jorge Raúl apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 102.

[123] CARNELUTTI, Francesco apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 103.

[124] GIOSTRA, Glauco apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, ibidem, p. 109.

[125] As expressões “molde” e “modelo” foram primeiramente utilizadas por Hans Welzel apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - parte geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, passim. No Brasil, Assis Toleto foi um dos primeiros conceituar o tipo penal como sendo "um modelo abstrato de comportamento proibido", utilizando-se da segunda expressão acima referida in TOLEDO, Francisco Assis de. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 126.

[126] Remotamente, vem a concepção do conceito de tipo da tradução alemã – Tatbestand – da expressão latina de corpus delicti, a qual foi empregada nas Ordenações Prussianas. Dela, apura-se o sentido da referida palavra como designativa de mera ação punível, ou fato objetivo. Informações obtidas in MIRANDA, Alessandra de La Veja. Estudo analítico do tipo penal e sua "ratio essendi": da teoria da identidade de Beling e Von Liszt à estruturação de um modelo explicativo in http://jus.com.br/artigos/9486, acesso em 03/05/2008.

[127] BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 199.

[128] Idem.

[129] BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 205.

[130] Estabelece o CP, art. 18, I, ser o crime doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Por razões didáticas, não se mostra necessário, neste trabalho, detalhar o assunto, abordando a diferenciação entre dolo direto e dolo eventual.

[131] BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 218.

[132] Assim defende FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 175. 

[133] BITENCOURT, Cezar Roberto; PRADO, Luiz Régis. Elementos de Direito Penal. Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, v. 1, p. 88.

[134] Nesse sentido, estabelece Bitencourt que “a tipicidade é a ratio cognoscende da antijuricidade, isto é, a adequação do fato ao tipo faz surgir o indício de que a conduta é antijurídica, e essa presunção somente cederá ante a configuração de uma causa de justificação”. Em seguida, afirma que a função indiciária resta enfraquecida face aos tipos abertos, que não contém a descrição completa da conduta ilícita. Vide: BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 201/202.

[135] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 2, p. 248/249.

[136] É de suma importância saber, entretanto, que no caso de conflito entre uma previsão do Código Penal e a Lei de Imprensa, esta última prevalece, por tratar-se de lei especial, além de posterior ao CP. Da mesma, conflitando com o Código Eleitoral, esse último também tem prevalência. Ele chega a ser considerado uma lei especialíssima, pois, de tão especial, fica sujeita a parcela de jurisdição própria, qual seja, a Justiça Eleitoral. Assoma-se também o fato de afastar o art. 288 do Código Eleitoral a aplicação de qualquer outra lei nessa matéria. Ainda no tocante ao confronto entre o CP e a Lei de Imprensa, mister se faz compreender que, ao instituir a proteção da honra no CP, o legislador pátrio não objetivou excluir a proteção já então existente acerca dos delitos cometidos através de imprensa. Essa, aliás, é a única exegese permissiva, analisando-se, nesse afã, o n.º 49 do Decreto-lei n.º 2.848/40, a Exposição de Motivos da parte especial do CP de 1940, in litteris: “o projeto cuida dos crimes contra a honra somente quando não praticados pela imprensa, pois os chamados "delitos de imprensa" (isto é, os crimes contra a honra praticados por meio da imprensa) continuam a ser objeto de legislação especial”. Isso ocorre porque o princípio da especialização afasta a aplicação da legislação comum, inadimitindo-se, por óbvio, conexão com crime comum.

[137] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, v. 2, p. 140.

[138] Decisões disponíveis em http://br.geocities.com/esmesc_2000/pagina1302.html, acesso em 28/05/2008.

[139] FRAGOSO, Heleno Cláudio; HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, v. 6, p. 53.

[140] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Especial. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 1, p. 184.  

[141] NORONHA, E. Magalhães. op. cit., p. 114.

[142] Na calúnia e na difamação, admite-se a exceção de verdade de acordo com o disposto nos arts. 138, § 3º e 139, parágrafo único, respectivamente, ambos do CP. Já na injúria não se admite a exceção da verdade, por envolver ela aspectos atinentes à honra subjetiva dos indivíduos.

[143] Apesar de se sustentar, majoritariamente, a necessidade de dolo específico ou elemento subjetivo do injusto para a configuração a calúnia, o que é incompatível com a calúnia por dolo eventual, já há, na jurisprudência, exemplo de admissão desse crime por dolo eventual (RT – 748641): “Crime contra a honra – Calúnia – Caracterização – Imputação de fato criminoso a terceiro em obra literária – Autor não cuidou de buscar a certeza da finalidade histórica do que pretendeu narrar em seu livro – Dolo Eventual caracterizado – Aplicação do art. 138 do CP”. (TACrimSP - Apelação Criminal nº. 104.2196/10. Relator: Desembargador Juiz Márcio Bártoli. 10ª Câmara. Data do julgamento: 22/10/1997).

[144] Nos dizeres de Régis Prado, “a expressão corporal ou o tom que se emprega à voz podem conferir a determinadas palavras conotação injuriosa. Não se confundem com a injúria as manifestações grosseiras ou incivilizadas, que apenas demonstrem falta de educação ou de trato social. De semelhante, não constitui injúria a mera desatenção, o não reconhecimento dos méritos alheios ou a recusa em participar de homenagens. Saliente-se que a tipificação da injúria protege o sentimento pessoal da dignidade ou decoro, mas não alcança as exageradas suscetibilidades individuais, a excessiva sensibilidade da vítima” in PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 279. 

[145] Destaque-se que, se a divulgação de uma notícia ensejar dúvidas ou não especificar claramente de quem se fala, não se pode falar em violação ou colisão de direitos.

[146] VECA, Salvatore. Liberdade in http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx, acesso em 29/05/2008.

[147] REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela Televisão. Lisboa: Editora Lex, 1998, p. 132.

[148] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Liberdade de opinião, liberdade de informação: mídia e privacidade. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1998, passim.

[149] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, ibidem, p. 28.

[150] MIRANDA, Rosângela Rodrigues de. A Proteção Constitucional da Vida Privada. Leme: Editora de Direito, 1996, p. 144/154.

[151] PINTO, Eduardo Nogueira. A liberdade não é um valor absoluto in http://despenalizar.blogs.sapo.pt/195096.html, acesso em 25/05/2008.

[152] Assim defende CANOTILHO, José J. Gomes, op. cit., p. 643.

[153] Id. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.1189.

[154] O referido autor ilustra a sua tese utilizando-se do exemplo da publicação de um artigo literário, que põe em contato o direito à liberdade de imprensa e o direito à manifestação do pensamento.

[155] CANOTILHO, José J. Gomes, op. cit., p. 1191.

[156] CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 91/92.

[157] MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Individuais e suas Limitações: Breves Reflexões in BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 212.

[158] Há variados outros exemplos nesse sentido, alguns dos quais colacionados por Vieira Andrade. Assim, questiona-se se “poder-se-á invocar a liberdade religiosa para efetuar sacrifícios em humanos ou para casar mais de uma vez? Ou invocar o direito de propriedade para não pagar impostos, ou o direito de sair do país para não cumprir o serviço militar, ou o direito de educar os filhos para espancá-los violentamente?” in ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos constitucionais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina,1987, p. 216.

[159] BESSA, Leandro Sousa. Colisões de direitos fundamentais: propostas de solução in http://conpedi.org/manaus////arquivos/Anais/Leandro%20Sousa%20Bessa.pdf, acesso em 27/052008.

[160] ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., p. 219.

[161] BESSA, Leandro Sousa, op. cit., loc. cit.

[162] Existem também conflitos envolvendo direitos fundamentais e bens da comunidade, a exemplo do direito ao próprio corpo em confronto com o direito à saúde, debate esse, inclusive, sempre atual, em decorrência da Lei de transplante de órgãos (lei n. 9.434/97). Entretanto, não cabe tecer análise pormenorizada desse tipo de conflito neste trabalho.

[163] CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 96.

[164] Há alguns casos em que a valoração dos direitos fundamentais é feita em nível legislativo, a exemplo do que ocorre no confronto entre o direito à vida da gestante e a do nascituro (art. 128, I, do CP). Mesmo assim, não têm elas aptidão, por tratarem-se de normas abstratas, de fixar a decisão definitiva sem a análise do caso concreto.

[165] BRANCO Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de Teoria Geral dos Direitos Fundamentais in BRANCO Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira, op. cit., p. 191.

[166] Na tentativa de solucionar a problemática, aponta Bessa a necessidade de utilização dos Princípios da Unidade da Constituição e da Concordância Prática (pelos quais os confrontos são anomalias que não pode conviver dentro de um sistema, devendo-se sempre optar pela solução que garanta a manutenção da unidade e máxima efetividade constitucional), além do fundamental Principio da Dignidade da Pessoa Humana (o qual deve sempre ser levado em consideração em qualquer interpretação constitucional) in BESSA, Leandro Sousa, op. cit., loc cit.

[167] BARCELLOS Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro in http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf, acesso em 01/062008.

[168] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales apud BARCELLOS Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto, op. cit., loc. cit.

[169] A expressão hard cases, de origem inglesa, é bastante utilizada pela doutrina e pela jurisprudência para fazer referências a situações cujas formulações não são simples e objetivas, de forma a serem facilmente colhidas no sistema. Assim, nelas, o intérprete deve atuar e realizar a escolha subjetivamente e, se necessário for, utilizará a discricionariedade.

[170] Apenas a título de informação, é válido registrar que a ponderação não é somente empregada na solução de conflitos. Ela também é utilizada em outras situações, a exemplo da definição de conteúdos jurídicos indeterminados (como é o caso da delimitação do conceito de “valores éticos e sociais da pessoa e da família”, art. 221, IV, CF) e ainda da aplicação da eqüidade a casos concretos (nesse último caso, pode-se entender tratar-se de uma colisão entre princípios a ser solucionada pelo princípio constitucional da justiça).

[171] Em verdade, até a segunda fase não há nenhuma diferenciação em relação a qualquer outro processo de interpretação, visto que, em todos eles, há sempre a identificação das normas relevantes para o caso (as quais estão em conflito) e a análise dos fatos mais importantes para o deslinde da questão.

[172] BARCELLOS Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto, op. cit., loc. cit.

[173] TORRES, Ricardo Lobo apud BARCELLOS Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto, idem.

[174] ALEXY, Robert apud BARCELLOS Ana Paula; BARROSO, Luís Roberto, idem.

[175] Assim, posiciona-se T. Alexander Aleinikoff, em sua obra Constitutional law in the age of balancing apud BARCELLOS Ana Paula; BARROSO, Luís Roberto, idem.

[176] BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional in Luis Roberto Barroso (Org.), A Nova Interpretação Constitucional. Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 57 e 117.

[177] SANTOS, Gláucia Conceição Borges. Quando a imprensa brasileira ofende a honra de crianças e adolescentes in http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=379, acesso em 28/05/2008.

[178] ZANNONNI, Eduardo apud CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva, op. cit., p. 109.

[179] FARIAS, Edílson Farias. Democracia, censura e liberdade de expressão e informação na Constituição Federal de 1988 in http://jus.com.br/artigos/2195, acesso em 30/05/2008.

[180] Idem.

[181] Se a informação for inverídica, nem há de se falar na existência de conflito, visto que a mentira, a transmissão de fatos inverídicos e a distorção da realidade não estão inseridos no conteúdo material da liberdade de informação.

[182] NICOLODI, Ana Marina, op. cit., loc. cit.

[183] FILOMENO, Graziella; VELOZO, Denise Fernandes. Crimes contra honra na lei de imprensa in http://br.geocities.com/esmesc_2000/pagina1302.html, acesso em 26/05/2008.

[184] Válido acrescentar que não dispõe a população brasileira de diversificadas opções para se informar, visto que, embora tenha ocorrido enorme proliferação dos meios de comunicação, com notável aumento da quantidade de jornais, televisão e revistas, o referido aumento consiste, em verdade, em mera ilusão, por continuarem os novos órgãos sob o reduzido controle das poucas grandes empresas que já dominavam os anteriores. Assim, não houve mudanças substanciais, pois os novos órgãos continuarão a condicionar o que a população brasileira consumirá, “determinando” as opiniões a serem adotas, além de tendenciar suas crenças e valores. “Sabe-se que cerca de 70% da população brasileira não tem acesso às informações essenciais; cerca de 50% das vendas de revistas são controladas por apenas duas empresas privadas. Mais: dentre 140 emissoras de televisão, apenas uma têm caráter educativo. Além dos detentores do poder econômico, o Estado é cliente publicitário certo, utilizando seu largo espectro econômico para conduzir informações distorcidas, adulterando-as e ludibriando a opinião pública”. Dados obtidos na Procuradoria Geral do Município de Fortaleza, através de artigo escrito por ANDRADE, Fátima Maria Nunes Memória de. Breves considerações acerca do Direito Social à Informação in http://www.pgm.fortaleza.ce. gov.br/revistaPGM/vol03/10DireitoSocial.htm, acesso em 30/05/2008.

[185] Assim escreveu SANTOS, Gláucia Conceição Borges, op. cit, loc. cit.

[186] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 154.

[187] Aqui, deve-se abrir um parêntese para reconhecer que, muitas vezes, os pré-julgamentos realizados pela mídia são ocasionados pelos próprios órgãos oficias da justiça, que, ávidos por atender aos clamores de justiça popular, deixam transparecer, mesmo que sem intenção, posicionamento favorecedor àqueles que acham (infundadamente) serem inocentes, e desfavorável aos que suponham serem criminosos. Talvez isso decorra da ausência de critério e ética suficientes dos profissionais.    

[188] ZANCHI, Marta B.T. A Honra na Imprensa in http://maxpages.com/honra, acesso em 25/05/2008.

[189] RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Tradução Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 60.

[190] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 295/296.

[191] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 295/296.

[192] De acordo com dados do IBOPE registrado em Salvador-BA, “o programa ‘Se Liga Bocão’ foi mais uma vez líder de audiência, no dia 8 de abril de 2008. A atração registrou 22 pontos de média, 27 pontos de pico e 45% de share. O programa ‘Balanço Geral’ liderado pelo apresentador Raimundo Varela, foi líder no ranking de audiências na última quarta-feira (09/04/08). O programa registrou 15 pontos de média, 22 pontos de pico e 29% de share. O ‘Fala Brasil’, apresentado por Luciana Liviero e Marcos Hummel, na última sexta-feira (11/04/08) conquistou a liderança por 16 minutos no IBOPE Bahia. O telejornal marcou 8 pontos de média, 11 pontos de pico e 30% de share. O programa ‘Tudo a Ver Bahia’ do último sábado (12/04/08) liderou no ranking de audiências. Com um jornalismo de entretenimento, a atração registrou 12 pontos de média, e 14 pontos de pico”. Dados obtidos em AUDIÊNCIA E TV in http://entretenimentoetv.zip.net/arch2008-04-13_2008-04-19.html, acesso em 02/06/2008.

[193] Publicação do JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, Brasília, domingo, 13 de julho de 2003, obtido no CorreioWeb in http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030713/ sup_tv_130703_25.htm, acesso em 02/16/2008.

[194] Nesse sentido, afirmou Lígia Coelho: “de modo geral, salvo exceções, a programação é de baixo nível e não atende aos preceitos constitucionais que determinam, entre outros pontos, que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (...) Certo episódio do Domingo Legal, do apresentador Gugu Liberato (SBT) é um exemplo. Em setembro, o programa colocou no ar uma entrevista com falsos bandidos do PCC (Primeiro Comando da Capital), que, encapuzados, ameaçavam seqüestrar autoridades de São Paulo e apresentadores de emissoras concorrentes. Houve uma verdadeira grita. O programa foi denunciado pela campanha (chegou a sair do ar por determinação judicial, por incitação ao crime) e os anunciantes retiraram o patrocínio. O programa do Ratinho vive divulgando testes de DNA, desrespeitando até a Justiça, já que, judicialmente, os conflitos familiares correm em sigilo. Ratinho também já divulgou cenas de sexo entre um pedófilo e crianças. E a TV Record chegou a exibir um suicídio ao vivo. Convenhamos, é demais”. Obtido em TV EM DEBATE NA UFF: ENTREVISTA COM LÍGIA COELHO in http://www.piratininga.org.br/novapagina /leitura.asp? id_noticia=353&topico=Outras%20Entrevistas, acesso em 01/06/2008.

[195] Essas pessoas não merecem nem ao menos serem chamadas de jornalistas, visto que não agem de acordo com as regras de conduta e de edição ou publicação de notícias daqueles que verdadeiramente sabem exercer a profissão. Triste é que esses indivíduos acabam comprometendo a imagem do jornalismo como um todo, sujando e denegrindo a imagem da profissão, o que repercute, lastimavelmente, naqueles que tentam exercer a profissão de forma ética e digna. 

[196] FALANDO DE IMPRENSA & MÍDIA in http://br.geocities.com/tarjapretapanfleto/ quarta/treze/imprensa4.html, acesso em 01/06/2008.

[197] CHOQUE DE LIBERDADES in http://homosapiencial.blogspot.com/2006/02/choque-de-liberdades.html, acesso em 30/05/2008.

[198] SANTOS, Gláucia Conceição Borges, op. cit., loc. cit.

[199] Disponível em http://br.geocities.com/esmesc_2000/pagina1302.html, acesso em 30/05/2008.

[200] CANTANHÊDE, ELIANE. Abordagem da mídia sobre a morte da menina Isabella é alvo de análises. Fonte: Jornal Correio de Sergipe (SE), Eliane Cantanhêde, publicação em 28/04/2008.

[201] CASTRO, Daniel. Fonte: Folha de São Paulo, Daniel Castro, publicação em 18/04/2008. O mencionado colunista afirmou que: “o número de telespectadores de telejornais está aumentando por conta da cobertura do episódio. A audiência desses programas cresceu até 46% na primeira quinzena deste mês em relação ao mesmo período de março. O sucesso explica em parte o investimento na cobertura. As redes mobilizam equipes de repórteres, produtores e cinegrafistas para fazerem plantões permanentes, até de madrugada, em casas de parentes da menina e delegacias”.

[202] Tabela publicada no artigo A EXPLORAÇÃO PELA MÍDIA NO CASO ISABELLA  [SOCIEDADE], obtida no site Blue Bus, referente ao dia 16/04/2008 in http://peoplebased.net/2008/04/16/a-exploracao-pela-midia-no-caso-isabella-sociedade, aceso em 01/06/2008.

[203] Informações obtidas em ISABELLA APARECEU MAIS QUE COPA, OLIMPÍADAS, DESASTRES AÉREOS, ELEIÇÕES, notícia do site Blue Bus, referente ao dia 22/04/08 in http://www.bluebus.com.br/show/1/83292/isabella_mais_que_copa_olimpiadas_desastres_aereos_eleicoes, acesso em 01/06/2008.

[204] Dados obtidos in http://www.bluebus.com.br/show/1/83290/globo_anunciou_entrevista_ do_caso_isabella_aos_poucos_para_driblar_record, acesso em 02/062008.

[205] Revista Veja. Editora Abril, Edição n. 2027, publicação do mês de abril, ano de 2008, capa.

[206] MOREIRA, Julio. O caso Isabella e o absurdo sensacionalismo da TV in http://www.bluebus.com.br/show/1/82998/julio_moreira_o_caso_isabella_e_o_absurdo_sensacionalismo_da_tv, acesso em 01/062008.

[207] MORETE, Igor. Caso Isabella: por que essa revolta toda in http://igormoret.spaceblog.com.br/127102/CASO-ISABELLA-PORQUE-ESSA-REVOLTA-TODA  acesso em 02/06/2008.

[208] MAXIMIANO, Ana. O caso Isabella Nardoni é uma nova Escola Base? in http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2008/04/04/o-caso-isabella-nardoni-e-uma-nova-escola-base, acesso em 02/06/2008.

[209] No domingo, dia11/05/2008, o “Fantástico” continuou a explorar o caso da menina, numa contínua tentativa de desvendar a misteriosa morte. Porém, a audiência do programa caiu, oscilando para uma média de 26 pontos, que bastante considerável. Dados obtidos em AUDIÊNCIA E TV in http://entretenimentoetv.zip.net/arch2008-04-13_2008-04-19.html, acesso em 30/05/2008.

[210] PIMENTEL, Manoel Pedro. Crime contra a honra, crítica inspirada pelo interesse público. Livros de Estudos Jurídicos, v. 2, Instituto de Estudos Jurídicos, 1991, p. 136/137.

[211] SANSEVERINO, Milton. Interesse público: atuação do Ministério Público no processo civil. Enciclopédia Saraiva de Direito, 1997, v. 45, p. 388. 

[212] Ressalte-se ainda a existência de situações em que, justamente pelo interesse público, os fatos não devem ser divulgados, a exemplo dos processos que correm em segredo de justiça.

[213] MIRANDA, Pontes de apud VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 138.

[214] Assim afirmou A. Catanheiras Neves apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 28.

[215] Mostra-se se suma importância frisar que a presunção de inocência não pode restringir-se simplesmente a um instrumento ou meio probatório utilizado em favor do acusado, devendo o seu alcance ser ampliado para que abranja, também, as regras de tratamento e demais garantias do mesmo. Dessa forma é que o referido princípio apresenta-se mais próximo e importante para o processo penal.

[216] Nos dizeres de Fernando da Costa, “claro que a presunção da inocência não pode ser interpretada ao pé da letra, literalmente, do contrário, os inquéritos e os processos não seriam toleráveis, posto não ser possível inquérito ou processo em relação a uma pessoa inocente. Sendo o homem presumivelmente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação da pena, e ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser definitivamente condenado, a menos que a prisão seja indispensável título de cautela” in TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 29. 

[217] SCHREIBER, Simone. O princípio da presunção de inocência in http://jus.com.br/artigos/7198, acesso em 30/05/2008.

[218] MARTINELLI, João Paulo Orsini. Presunção de inocência e direito à ampla defesa in http://jus.com.br/artigos/163, acesso em 30/05/2008. 

[219] Isso pode vir a influenciar inclusive, decisivamente, um julgamento, principalmente no tocante aos realizados em tribunal do júri, em que os jurados, de tanto terem lido ou tido contatos com notícias pré-julgadoras do réu, já vão aos Tribunais convictos de que o acusado é o mais cruel e pior dos seres humanos, merecedor das piores penas. Não cabe aprofundar, entretanto, esse assunto neste trabalho.

[220] SCHREIBER, Simone, op. cit., loc. cit.

[221] BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 411.

[222] Cf. Lei nº. 7.209, Exposição de motivos, item 61. 

[223] Lamentavelmente, sabe-se que esta é a regra legalmente prevista, teoria que, no Brasil, distancia-se, em muito, da realidade do país, no qual, na prática, as penitenciárias, super-lotadas e sem a necessária estruturação, não cumprem seu papel ressocializador. Ao contrário, acabam por contribuir para que os presos em nada melhorem, motivo pelo qual algumas são apelidadas de “escolas do crime”.

[224] Assim dispõe o art. 61 da LEP.

[225] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 176.

[226] Oportuno transcrever trecho da obra de Ana Lúcia que trata do crime cometido contra Daniella Perez, em que ela afirma “mais uma vez o ‘caso Daniella Perez’, conhecido e explorado pela mídia, vem à tona no anos de 2001. Querendo transformar a justiça pública em vingança privada, por meio da contínua execração pública do sentenciado, independentemente da previsão legal, a imprensa começa a explorar a indevida possibilidade de o condenado Guilherme de Pádua, um dos autores do crime, ser beneficiado pelo indulto presidencial”. Continua a sua dissertação, agora se referindo a  uma publicação do jornal O Estado de São Paulo, transcrevendo trechos da reportagem intitulada “Glória Perez reclama da decisão”: “Novelista diz que indulto a Guilherme de Pádua significa esquecer morte de Daniella” (sub-título). “A novelista Glória Perez se sente revoltada com o benefício do indulto recomendado pela Justiça mineira a Guilherme de Pádua. Para ela, a extinção da pena do ator, que matou Daniella a tesouradas, significa que sua filha nunca existiu  (...) ‘a memória não se apaga por decreto. Guilherme de Pádua é assassino, vai morrer assassino e daqui a cem anos, se alguém falar dele, dirá também assassino!’, escreveu Glória Perez em e-mail (...) ‘É muito triste que ele fique livre, podendo fazer o que quiser por aí. Não tenho a menor dúvida de que ele vai matar novamente, afirmou Gasola”. VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, op. cit., p. 177.

[227] Informações obtidas em ANDRADE, Fábio Martins de, op. cit., p. 213. 

[228] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.  9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 237 e 253.

[229] Essas proposições normativas podem ser básicas, gerais ou setoriais. Além disso, não há relevância alguma no fato de estarem elas positivadas ou não. Não cabe, entretanto, no bojo deste trabalho, conceituar cada uma dessas modalidades de proposições.

[230] ANDRADE, Fábio Martins de, op. cit., pgs. 213 e 222.

[231] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. revist. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748.

[232] BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 397.

[233] BESSA, Leandro Sousa, op. cit., loc. cit.

[234] BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 359.

[235] BONAVIDES, Paulo, ibidem, p. 386.

[236] NICOLODI, Ana Marina. Conflitos entre direitos fundamentais – liberdade de imprensa versus direito à vida privada, direito à imagem e direito à honra in http://jusvi.com/artigos/ 28752, acesso em 27/05/2008.

[237] Conceito obtido in http://pt.wiktionary.org/wiki/animus_narrandi, acesso em 02/06/2008.

[238] MARQUES, Daniela de Freitas. Elementos Subjetivos do Injusto. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 114.

[239] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte especial. 14ª ed. v. 2. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 184.

[240] MARQUES, Daniela de Freitas, op. cit., p. 116/117.

[241] Ressalte-se, ainda, que a teoria ora tratada é mais utilizada como tese de defesa do transgressor da lei.

[242] MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, tomo I, p. 68.

[243] Disponível em VELOZO, Denise Fernandes, op. cit., loc. cit.

[244]  No que diz respeito ao elemento subjetivo do tipo no crime de calúnia, é necessária a existência do chamado dolo de dano, que pode ser direto (quando o sujeito tem a intenção de macular a reputação da vítima) ou eventual (nesse caso, ele assume o risco de produzir lesão à honra objetiva do sujeito passivo), não sendo este último suficiente para integrar o tipo. Assim, a título de exemplificação, caso uma pessoa com boa-fé vier a supor erroneamente ser verdadeira a imputação, haverá erro de tipo, o qual incide diretamente no elemento normativo do tipo "falsamente". Logo, face à atipicidade, a mesma não responderá por calúnia, pois caracterizada restou a ausência de dolo. Nesse sentido, observe-se estas jurisprudências: RT-752/532: “Crimes contra honra – Calúnia – Delito que para sua caracterização exige a presença do componente ‘falsidade’, onde o ofensor tenha consciência de atribuir ao ofendido a prática de um ato delituoso, sabendo não corresponder à verdade”. (Apelação criminal 101/ES – Corte Especial – j. 04.2.1996 – rel. Min. Wiliam Patterson – DJU 09.12.1997); e "O nosso Código como conditio sine qua non, exige a certeza da falsidade da imputação, bastando em face dele, o dolo eventual, isto é, a simples dúvida sobre a falsidade ou veracidade do fato imputado: é suficiente para integrar o elemento subjetivo da calúnia" (TACrimSP – Apelação Criminal – Rel. Amaral Salles – JUTACRIM 73/218).


* Nota de Atualização (do Editor)

Em 30/04/2009, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3678, 27 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24377. Acesso em: 7 maio 2024.