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Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal

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27/07/2013 às 16:43
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No intuito de cumprir a sua função, a mídia narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre os mesmos, além de noticiar críticas e opiniões, o que acaba por desencadear uma série de conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais.

Resumo: Esta monografia tem como objetivo principal a análise dos limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal. Para tanto, buscou-se o estudo dos Direito Fundamentais, bem como de seus critérios de identificação, de forma a inferir-se que tanto as referidas liberdades da mídia quanto o direito à honra estão no mesmo patamar, qual seja, o de Direitos Fundamentais constitucionais. Em seguida, como forma de melhor entender os direitos em análise, passou-se à exposição de seus significados, bem como de alguns outros direitos conexos, até como meio de evitar possíveis confusões entre os institutos. Depois, a partir da verificação da atual abrangência do termo imprensa, teceu-se rápida análise sobre a evolução tecnológica, para a apreensão de suas implicações na comunicação em massa, no conteúdo das notícias e no sensacionalismo da mídia. Perpassou-se por rápida análise acerca do Processo Penal, pelo que foi demonstrada a sua ótica garantista, segundo a qual ele também se constitui em instrumento de proteção do acusado, além de ter sido abordado os elementos do tipo penal, sobretudo a tipicidade subjetiva, de fundamental importância para a compreensão das limitações à atuação da mídia. Fez-se ainda uma exposição sobre a colisão dos direitos e liberdades, como meio de demonstrar que a liberdade de informação não possui caráter absoluto, bem como que a imprensa vem, hodiernamente, cometendo variados excessos. Por fim, foi feita análise acerca dos reais limites à atuação da mídia para que esta não ofenda a honra dos envolvidos em processos criminais, inferindo-se, então, ser o animus narrandi a sua principal limitação. A ninguém é dado o direito de, sob o falso manto de estar acobertado pela liberdade de informação e de expressão, cometer ofensas à honra de quem quer que seja, pois todas as pessoas, independentemente da condição, tem o direito de não ter sua reputação ofendida e de não ser publicamente vilipendiado.

Palavras-chave: Liberdade de expressão e de informação. Direito à honra. Mídia. Excessos cometidos pela imprensa. Limitações à sua atuação.

Sumário: 1. Introdução. 2. Direitos fundamentais. 2.1. Considerações iniciais. 2.2. Os direitos da personalidade – aspectos gerais. 2.2.1. Natureza jurídica. Correntes: negativista e afirmativas. 2.2.2. A constitucionalização dos direitos da personalidade. 2.3. Conteúdo dos direitos fundamentais. 2.3.1. Critério formal e critério material de identificação. 3. Direito à honra. 3.1. Honra subjetiva e honra objetiva. 3.2. Breve conceituação de outros direitos conexos. 3.2.1. Direito à vida privada. 3.2.2. Direito à intimidade. 3.2.3. Direito à própria imagem. 4. Liberdade de imprensa. 4.1. Conceito de imprensa. 4.2. Liberdade de expressão e manifestação de pensamento . 4.3. Direito de informação. 4.3.1 conceito de informação. 4.3.2. Liberdade de informação como direito fundamental. 4.3.3. Previsão no ordenamento jurídico brasileiro. 4.4. Evolução tecnológica. 4.5. Comunicação de massa. 4.6. Panorama atual. 4.6.1. Responsabilidade e ética na informação. 4.6.2. O conteúdo das notícias. 4.6.3. Sensacionalismo na mídia. 5. Processo penal – aspectos gerais. 5.1. O processo penal como garantia. 5.2. Garantias constitucionais do processo penal. 5.3. Publicidade dos atos processuais penais. 5.4. A tipicidade: elementos objetivos e subjetivos do tipo. 5.5. Crimes contra a honra: conceituação e tipificação. 6. Liberdade de imprensa versus direito á honra. 6.1. Conflitos entre as liberdades - aspectos gerais. 6.1.1 liberdades como status negativo e liberdades positivas: a realização simultânea. 6.2. A colisão de direitos – conceito. 6.2.1. Colisão aparente e colisão efetiva. 6.2.2. A ponderação de interesses como método de solução. 6.3. Liberdade de informação: caráter não absoluto. 6.4. Excessos cometidos pela mídia face ao direito à honra do acusado. 7. Limites á atuação da mídia. 7.1. Interesse público. 7.2. Princípio da presunção de inocência. 7.3. Direito de “ressocialização” do sentenciado. 7.4. A proporcionalidade – compatibilização com os direitos da personalidade. 7.5. Animus narrandi do jornalista como principal limite. 7.6. Posicionamento do STF. 8. Considerações finais. 9. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

A tecnologia alcançou um patamar antes inimaginável. Hoje, a imprensa não mais se resume aos impressos como no passado. Existem inúmeras formas de comunicação e de transmissão de notícias que não apenas a escrita, a exemplo da televisão e da internet, dentre outras, que permitem que uma informação seja enviada e recebida dentro de poucos segundos. Tudo isso possibilita grande devassa à honra das pessoas, sobretudo das envolvidas em processos penais, motivo pelo qual limitações à atuação da mídia devem ser impostas para resguardar o referido direito dos sujeitos de processos criminais.

Em face dessas transformações, o jornalismo não permaneceu inerte. Até por exigência de adaptação aos novos ditames tecnológicos, valores outros que não apenas a veracidade e a autenticidade da fonte passaram a preponderar nas informações jornalísticas. Valoriza-se a velocidade com que os acontecimentos são transmitidos. O imediatismo e os “furos de reportagem” são os fatores que mais influenciam nas taxas de audiência e de IBOPE. O repórter passou a ter de comentar uma notícia em poucos segundos para que consiga o ineditismo. Deve-se ser o primeiro a transmitir uma informação, a comentá-la e, com isso, chamar atenção do público alvo: essa é a atual fórmula do sucesso para a carreira jornalística.

Entretanto, nesse afã de êxito profissional e, consequentemente, econômico, valores imprescindíveis a um justo e pacífico conviver na sociedade são deixados para trás, como se tivessem sido esquecidos no passado ou atropelados pela evolução tecnológica. Os direitos fundamentais da pessoa, ou seja, aqueles que, como o próprio nome demonstra, são imprescindíveis ao ser humano, inerentes a cada indivíduo, vem sendo deixados à margem em uma sociedade que cada vez mais se alimenta das mazelas e da exposição alheia.

Vida, privacidade, intimidade, segurança e honra, dentre outros direitos da personalidade, cedem lugar à curiosidade insaciável dos destinatários das notícias. Nesse contexto, é primordial que não se esqueça de questionar: em que lugar ficam os sentimentos humanos? Não se deve mais preservar o bom nome e a reputação de uma pessoa?

O ser humano não é simplesmente um objeto a ser noticiado, como se fosse um personagem fictício de contos literários. É muito mais, ele imprescinde de sua honra, tanto objetiva quanto subjetiva, pois esses são fatores determinantes em sua conduta no seio da sociedade e na sua formação psíquica.

Em nome de uma pseudo-liberdade de informação jornalística, repórteres vilipendiam publicamente as pessoas, expõem características desnecessárias de sua personalidade e intimidade, além de, por diversas vezes, passarem informações de teor inverídico ou não comprovado, como se não se existissem princípios constitucionais e processuais penais a serem respeitados. Será que a presunção da inocência deve ser mitigada em nome da publicidade ilimitada?

Hodiernamente, são comuns os programas de televisão que sobrevivem através da exploração da honra e imagem alheias, emitindo juízos depreciativos dos indivíduos sem qualquer limitação. Essa triste realidade faz parte do cotidiano da população brasileira que, como se já não tivesse de enfrentar enormes dificuldades econômicas e sociais, apóia, mesmo que indiretamente, através da audiência, as barbaridades cometidas publicamente contra os imputados.

Não se deve abandonar a ótica garantista do processo penal. As garantias foram conquistadas para serem exercitadas e não deixadas em folhas de papel armazenadas em gavetas. O imputado tem de ter respeitados os seus direitos fundamentais, sobretudo a sua honra, sem a qual ele passa a ser um nada na sociedade.

É evidente que existe um direito fundamental à informação, à livre expressão de idéias e de pensamentos sem censuras. O contrário significaria o oposto da democracia, a ditadura ou tiranismo dos detentores do poder, a exemplo do que já aconteceu no Brasil no âmago da ditadura militar. Uma imprensa livre é um imprescindível instrumento democrático. Nos dizeres de Carlos Ayres, em decisão proferida na medida cautelar em argüição de descumprimento de preceito fundamental, nº. 130-7 do Distrito Federal, “imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional, são irmãs siamesas”. Mas ela não pode e nem deve cometer abusos. Deve ser limitada sempre que assim exigir a compatibilização com outro direito fundamental. Ultrapassar esses limites e entrar na esfera do interesse do público, que em muito se difere do interesse público, é atitude que deve ensejar a responsabilização, seja ela penal ou cível.

Em uma análise mais aprofundada, resta evidente que a legislação penal existente para a proteção da honra do acusado não está apta a coibir todas as possibilidade de desrespeito. O legislador, como é sabido, não tem o condão mágico de prever todas as situações de invasões de direitos que venham a existir. Assim, cabe ao aplicador da lei, analisando elementos do tipo, principalmente os que dizem respeito à tipicidade subjetiva, valorar as situações e, com base na proporcionalidade, princípio que na Constituição brasileira não está expresso, mas nem por isso possui menor importância, estabelecer os limites necessários às liberdades de qualquer espécie.

Não se deve assistir inerte a uma inversão de papéis. Hodiernamente, a imprensa vem julgando e os magistrados apenas ratificando as “sentenças” dadas pelos meios de comunicação em massa, “sentenças” essas que não são sequer acobertadas pela garantia da recorribilidade. Isso porque é quase impossível apagar da mente dos destinatários de uma noticia mal transmitida a má reputação que foi atribuída a um cidadão que, posteriormente, poderá ser judicialmente declarado inocente, mas, mesmo assim, continuará marcado pela “má-fama” que lhe foi atribuída pela mídia.

No cerne destas questões é que se encontra o objeto de estudo do presente trabalho, tendo em vista que a liberdade de imprensa não é absoluta e deve ser mitigada quando assim exigir o respeito à honra do imputado.

Não se pode deixar de levar em consideração o fato de que, embora o direito processual seja um ramo autônomo do Direito, ele não pode ser isolado do direito substancial. Direito material e direito processual devem caminhar lado a lado, para que ambos cumpram devidamente suas funções e sejam devidamente aplicados. Logo, deve-se sempre adotar uma visão sistemática do direito, nunca se desligando da idéia de que as normas processuais existem para servir, são instrumentos ao direito material, não tendo como dele desvincular-se. Dessa forma, é imprescindível que seja conferida racionalidade ao sistema do direito, interpretando-se as normais penais em consonância com os princípios e garantias constitucionais, sem deixar de lado a análise do princípio da proporcionalidade.

Além disso, deve-se ressaltar que a Constituição de 1988 foi um marco na conquista de direitos e garantias fundamentais, contrapondo-se abruptamente às práticas vigentes no cerne da ditadura, em que não havia ampla liberdade de expressão, restando àquele que demonstrava, por qualquer meio, o mínimo de contrariedade ao governo vigente, o envio ao exilo. A população vivia atemorizada e intelectualmente manipulada, não possuindo liberdade de expressar pensamentos e ideais.

Dois anos antes da promulgação, começou a ser elaborada a magna carta brasileira. A Constituição anterior, datada de 1967, era notoriamente antidemocrática e defasada, apenas refletindo os caracteres de uma sociedade que tinha seus direitos violentamente mitigados. Eleições indiretas para a presidência da República e bipartidarismo apenas demonstravam a realidade de um Brasil em que havia sido esmagada a democracia.

Surgiu a atual Constituição como formalização dos mais variados desejos de um povo ávido por direitos e garantias. Veio o resgate à liberdade de opinião, a proibição de censuras e de leis que contrariassem a plenitude da expressão jornalística. Representavam-se os ideais de uma população carente por seus direitos, ou melhor, uma reação eloqüente a prática histórica da censura política, ideológica e artística no país, que atingiu o ápice durante a ditadura militar. Foi acolhida a idéia de universalidade dos direitos humanos, realçando-se que eles são temas de interesse em toda comunidade internacional.

Uma população que vivia temendo torturas e demais “castigos” de um período de repressão teve reconhecidos um rol de direitos sem precedentes. Houve um verdadeiro contraste entre a realidade anterior e as novas previsões constitucionais garantidoras de liberdade. No ideário de pessoas antes reprimidas, poder-se-ia agora fazer qualquer coisa, exprimir suas opiniões sem considerar as ofensas a outros direitos. Assim, excessos passaram a ser cometidos, os quais não podem perpetuar.

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2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Por volta dos séculos XVII e XVIII, em meio a um contexto em que a burguesia ganhava força e contrapunha-se ao anterior pensamento absolutista, enormes e profundas transformações aconteceram no âmbito político e social. O absolutismo sustentava, basicamente, o caráter absoluto dos monarcas, possuindo eles um poderio lastreado nas forças das divindades. Naquela época, o rei detinha um poder inquestionável e proveniente de Deus.

Os burgueses, entretanto, foram assumindo o controle da situação sócio-econômica e ganhando poder, passando a ocupar, paulatinamente, cargos de destaque e de liderança política na sociedade. Realizaram, então, movimentos diversos que ganharam grande dimensão, com o intuito de conquistar e concretizar direitos fundamentais ao homem, dentre os quais pode ser apontada a Revolução Francesa. Não cabe aqui, nesse trabalho, elencar todas as causas e características desses movimentos, mas é de suma importância ressaltar que eles resultaram na conquista de uma série de direitos por parte dos indivíduos, os quais foram sendo entendidos como direitos essenciais ao ser humano e integram os hoje denominados direitos fundamentais. Importante também destacar que o que é direito fundamental em uma época pode já não sê-lo em outra. Assim:

“Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” 1.

Esses direitos conquistados foram chamados (e ainda são) de diversas maneiras, dentre as quais elenca-se direitos naturais, direitos individuais, direitos humanos e liberdades públicas, por exemplo, mas, como aponta José Afonso da Silva:

“Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada à denominação desses direitos, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente, mas concreta e materialmente efetivados.” 2

Com efeito, os direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, uma vez que são imprescindíveis para resguardar a todos uma existência livre, digna e igual. O conceito desses direitos fundamentais envolve aspectos distintos. Sob a ótica material, pode-se afirmar que eles se referem aos direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Em uma concepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito positivo assim os qualifica, estabelecendo determinadas garantias para que estes direitos sejam por todos respeitados. Em momento oportuno, será feita uma melhor explanação a cerca desses critérios de identificação.

Assim, independentemente da denominação, o importante é salientar que os direitos fundamentais são direitos constitucionais, visto que se encontram protegidos e elencados na Constituição Brasileira de 1988, e que estão espalhados em vários locais no texto constitucional, não apenas nos artigos explicitamente identificados na Constituição como aqueles que trazem, em seus conteúdos, normas de direitos fundamentais3.

2.2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE – ASPECTOS GERAIS

Sabe-se que a matéria Direitos da Personalidade está intimamente relacionada com o Direito Civil, a ponto de ter o Código Civil de 2002 trazido um capítulo próprio destinado ao tratamento deles. O assunto também se mostra fortemente ligado ao estudo dos Direitos Fundamentais, nos quais se inserem o direito à honra, bem como o direito à liberdade de informação da mídia, alvos de análise deste trabalho, motivo pelo qual se faz necessária a análise dos direitos personalíssimos. Logo, é de suma importância fazer aqui uma breve análise do assunto, pois esses direitos são considerados uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, influi bastante na temática o fato de que, atualmente, assiste-se a uma enorme constitucionalização do sistema jurídico, tendo a Constituição passado a tratar de temas que antes eram apenas abordados na seara de seus ramos específicos. Ressalte-se, ainda, que é imprescindível realizar uma análise sistemática do Direito, inserindo-se o estudo de cada tópico no sistema jurídico como um todo.

Os direitos da personalidade são “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” 4. Desse conceito, infere-se que, através deles, são protegidos valores e predicados do ser humano que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, a exemplo da vida e da honra, que não podem ter suas importâncias e representações reduzidas a quantias monetárias, como se bens patrimoniais fossem. São direitos absolutos, gerais, extra-patrimoniais, indisponíveis e imprescritíveis, sendo que essas características os conferem posição de destaque no âmbito dos direitos privados.

Importante, então, frisar que os direitos da personalidade são aqueles inerentes ao homem e que existem independentemente de seu reconhecimento por determinado ordenamento jurídico. Cabe analisar, ainda que superficialmente, a natureza jurídica desses direitos, sobretudo porque poderão existir situações em que eles venham a colidir com outros de mesma importância, havendo, consequentemente, a necessidade de o jurista estabelecer, no caso concreto, qual deles irá prevalecer.

2.2.1. NATUREZA JURÍDICA. CORRENTES: NEGATIVISTA E AFIRMATIVAS

Muito já se debateu sobre a temática da natureza jurídica dos direitos da personalidade. Já houve quem negasse a própria existência deles, grupo de autores esses que se aglutinaram na Corrente Negativista. Estes, dentre os quais se aponta Jellinek e Von Tuhr, argumentavam que “não poderia haver direito do homem sobre a própria pessoa, pois isso justificaria, em ultima ratio, o suicídio” 5.

Hodiernamente, não mais subsiste esse pensamente, tendo ganhado expressão as Correntes Afirmativas, segundo as quais existem sim os direitos da personalidade. Como membros integrantes dessas correntes estão os autores Orlando Gomes e Carlos Alberto Bittar, que trazem posicionamentos semelhantes a respeito de sua natureza jurídica. Para o primeiro:

“Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”. 6

Já Bittar afirma que:

“O objeto desses direitos encontra-se nos bens constituídos, conforme Tobeñas, por determinados atributos ou qualidades físicas e morais do homem, individualizados pelo ordenamento jurídico e que apresentam caráter dogmático”.7

Como defendem a maioria dos integrantes das Correntes Afirmativas, os direitos da personalidade tratam-se de direitos subjetivos privados, de “poderes que o homem exerce sobre a própria pessoa” 8 e que têm como objeto manifestações especiais das projeções da personalidade.

2.2.2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Não se pode negar que o direito vive um fenômeno denominado Constitucionalização. Essa expressão pode ser utilizada em diversos sentidos9, dentre os quais está o de retratar o fato de uma Constituição, formalmente, passar a englobar e conter em seu texto literal o tratamento de diversos temas que dizem respeito a ramos infraconstitucionais do Direito, a exemplo do Direito Civil. Esse fato foi extremado pela Constituição brasileira de 1988, que traz em seu texto o tratamento de diversas matérias atinentes a ramificações diversas do Direito. Assim, não se pode mais proceder ao estudo dos diversos ramos do Direito sem o devido suporte das regras constitucionais.

A partir dos conceitos de direitos da personalidade e de direitos fundamentais acima expostos, pode-se inferir que ambos possuem muito em comum. Tal confluência de sentidos é tamanha que já levou alguns doutrinadores a terem afirmado que “os direitos fundamentais são os direitos da personalidade no Direito Público; os direitos da personalidade são os direitos fundamentais no Direito Privado”. 10 Em seguida, afirmou-se haver intersecção e não confusão entre os conceitos, sendo o conceito de direitos fundamentais mais amplo.

Conforme lecionado por Mônica Aguiar, majoritariamente, a doutrina considera serem os direitos da personalidade direitos subjetivos privados. Em seguida, conclui que:

“Efetivamente, embora se possa afirmar, a contrario sensu, que os direitos da personalidade nascem como direitos subjetivos, com escopo no âmbito do direito privado, para só depois, adquirirem status constitucional, não se pode olvidar que, ao serem constitucionalizados, enquanto direitos fundamentais, passam, inegavelmente, a deter essa natureza.

(...)

Assim, ao incluir expressamente no Título referente aos direitos e garantias fundamentais a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X), a Constituição Federal pátria fixou um marco que não pode ser deixado de lado, no exame da questão, tornando, inapelavelmente, esses direitos da personalidade, direitos fundamentais. ”11

Assim, infere-se que o importante não é enquadrar os direitos da personalidade no âmbito público ou no âmbito privado, mas sim perceber a profundidade de seus conteúdos e dá-los a devida aplicação no âmbito prático, já que, hodiernamente, cada vez mais desaparece a diferenciação existente entre o público e o privado.

A Constituição Brasileira de 1988 traz em seu bojo o tratamento de diversos direitos personalíssimos, a exemplo do direito à honra, que, diante do exposto, também podem ser enquadrados entre os direitos fundamentais. Logo, o relevante não é estabelecer se dado direito é um direito fundamental ou um direito da personalidade, até porque, como visto, hoje em dia essas expressões são utilizadas indiscriminadamente, como se sinônimas fossem e como se tratassem da mesma coisa. Frise-se que isso poderá ocorrer no bojo deste trabalho. A verdadeira importância está em conhecer o conteúdo de determinado direito e dar-lhe máxima efetividade prática, transformando-se a mera previsão formal em uma realidade, evitando o desrespeito a ele.

2.3. CONTEÚDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme dito, os direitos da personalidade possuem natureza de Direitos Fundamentais. Cabe, então, estabelecer o conteúdo deles, conhecer sobre o que eles tratam. Segundo Flávia Martins de Andrade:

“Os Direitos Fundamentais são definidos como conjunto de direitos e garantias do ser humano institucionalização, cuja finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Esta proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva”.12

Pode-se apontar como delimitadores do conteúdo dos direitos fundamentais o ideal democrático e a crença na existência de direitos inatos e prévios ao Estado. O respeito aos direitos fundamentais é um termômetro da Democracia. Isso porque, partindo-se de um raciocínio inverso, afirma-se que é analisando-se quais são os direitos fundamentais reconhecidos por um Estado que se pode afirmar se ele é democrático ou não.

Entretanto, cumpre aqui destacar que, embora seja indiscutivelmente sustentado que devem ser respeitados os direitos fundamentais, que eles devem ser totalmente protegidos e garantidos, não se tem, na doutrina pátria, uma uniformidade a respeito de sobre quais são esses direitos e qual o conteúdo deles de forma precisa. Assim, para que seja possível uma adequada identificação deles, deve-se estabelecer uma diferenciação entre os direitos que são formalmente fundamentais e os direitos que são materialmente fundamentais.

2.3.1. CRITÉRIO FORMAL E CRITÉRIO MATERIAL DE IDENTIFICAÇÃO

Para a correta delimitação dos direitos fundamentais, deve-se destacar o que estabelece o art. 5°, §2° da Constituição federal, que prevê que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O que está disposto nesse artigo tem projeção sobre todo o texto constitucional.

Há diversos dispositivos, em outros títulos e capítulos constitucionais, que tratam dos direitos e garantias previstos no artigo 5º ou que deles decorrem, bem como dos princípios referidos e adotados dos artigos 1º ao 4º da Carta constitucional. Frise-se que os direitos fundamentais são partes do sistema como um todo e constituem referência para toda a Constituição, não podendo ser confrontados. Aos contemplados nos arts. 5°, 6°, 7°, 8°, e 9° (direitos individuais e direitos sociais), somam-se os demais inseridos nos arts. 12, 13, 14, 15, 16, 17, e muitos outros. Assim, dentre exemplos variados, a liberdade de imprensa, de expressão ou de informação jornalística, prevista no art. 220. da Constituição, também é um direito fundamental.

Cumpre, pois, estabelecer uma rápida diferenciação entre os direitos materialmente fundamentais e os direitos apenas formalmente fundamentais. Os primeiros são aqueles que, além de formalmente fundamentais (pois alçados à categoria de fundamentais pelo legislador constituinte), possuem um conteúdo eminentemente primordial, ligados à dignidade da pessoa humana. Tais direitos são essencialmente fundamentais, diferentemente, pois, daqueles apenas formalmente fundamentais, que assumiram tal status por liberalidade do legislador constituinte. Como leciona Mônica Aguiar, “um direito é fundamental, do ponto de vista material, se sua vigência tem um grau de necessidade que, sem ele, não se poderia desenvolver determinada concepção do Estado e da sociedade” 13.

Assim, existem direitos que são apenas formalmente fundamentais e outros que são materialmente fundamentais. Os direitos apenas formalmente fundamentais, apesar de topograficamente inseridos na parte da Constituição própria dos direitos fundamentais, podem ser considerados direitos comuns, que, apesar de importantes, não têm as características necessárias para assumirem o status de fundamentais. Eles podem ser, inclusive, abolidos da Constituição (obviamente, através de Emenda), pois seriam direitos comuns, com as vestes de direitos fundamentais. Os materialmente fundamentais, estes sim, possuem conteúdo de direitos fundamentais e foram elencados pelo legislador como tais. Observe-se o que escreveu Manuel Gonçalves Ferreira Filho sobre o assunto:

“Aceita a idéia de que existe uma caracterização material do direito fundamental, várias e delicadas conseqüências daí decorrem. A principal delas é a possibilidade de separar direitos material e formalmente fundamentais de outros que são apenas formalmente fundamentais. Isto é, dentre os direitos declarados os que são essencialmente fundamentais - os ‘verdadeiros’ direitos - de outros que apenas têm sua fundamentalidade ex vi de uma decisão (eventualmente arbitrária) do legislador constituinte. Os primeiros - os direitos materialmente fundamentais - apresentariam as notas da fundamentalidade - os outros evidentemente, não, por importantes que sejam. No primeiro caso, está, por exemplo, o direito à vida (art. 5º, caput da Constituição brasileira), indiscutível direito material fundamental, e o direito a certidões (inciso XXXIV, ‘b’) que, embora importante, não se liga à dignidade da pessoa humana. Este último seria um típico direito apenas formalmente fundamental” 14.

Não foram poucos os doutrinadores que se ativeram ao exame minucioso a respeito do conteúdo dos direitos fundamentais. Cumpre, então, trazer à colação a opinião de um dos mais notáveis doutrinadores constitucionalistas do mundo, Robert Alexy. Isso porque ele desenvolveu um trabalho intitulado "Direitos fundamentais no Estado constitucional Democrático” 15, no qual ele formula considerações que concernem à essência dos direitos fundamentais. Neste trabalho, ele aponta os caracteres de um direito, necessários para que este seja positivado entre os direitos fundamentais, o que, em nosso ordenamento, seriam aqueles direitos materialmente fundamentais.

Para Alexy, integrante da doutrina alemã, o primeiro caractere necessário é ser um direito universal. Isto significa, ab initio, que o direito deve prestar seus benefícios a todo e qualquer ser humano, o que não impede que as coletividades possam ter direitos fundamentais, contanto que sejam "meio para a realização de direitos do homem”.

O segundo é ser um direito moral, ou seja, a norma tem de ter uma “validade moral”. Outro consiste em fazer jus à sua "proteção pelo direito positivo estatal" - ser, na sua terminologia, um direito preferencial.

Robert Alexy ainda faz referência à imposição do que seriam duas condições para que os direitos atinjam o status de fundamental: "deve tratar-se de interesses e carências que, em geral, podem e devem ser protegidos e fomentados pelo direito"; e, a segunda: "é que o interesse ou carência seja tão fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito", vale dizer, "quando sua violação ou não-satisfação significa ou a morte ou sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia". Alude ainda Alexy um quinto traço característico dos direitos do homem: ser o direito abstrato, sendo, por isto, suscetível de restrição.

Com base no que foi dito, pode-se perfeitamente concluir que a Constituição brasileira traz, em seu bojo, nos mais diversos capítulos e sob os mais diversos títulos, diversos direitos e garantias fundamentais ao homem, possuindo eles um teor liberal, democrático e representativo do Estado Social de Direito, além de estarem ligados à pessoa humana.

Entenda-se a palavra homem na sua mais ampla acepção, referindo-se a todas as pessoas, sem qualquer distinção, sejam elas acusadas por crimes, prostitutas, dentre outros. Isso porque o caput do art. 5º é garantidor da isonomia, segundo a qual todos devem ser igualmente tratados, por possuírem os mesmos direitos, ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (omissis)”. Dessa forma, cumpre ressaltar que, não há, de forma alguma, como dispensar tratamento diferenciado ao suspeito, acusado ou preso, no tocante ao desrespeito de seus direitos personalíssimos, mesmo que sejam eles considerados temidos ou perigosos. A lei não deixa margens para que isto aconteça (salvo situações justificadas, mas não no que tange às suas garantias fundamentais), pois se tratam de cidadãos como outros quaisquer, tendo, assim, legalmente resguardados seus direitos e liberdades.

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Sobre a autora
Paula Leal Lordelo

Advogada, formada em Direito pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Pós graduação em Direito Processual e Material do Trabalho pelo JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3678, 27 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24377. Acesso em: 22 dez. 2024.

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