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Disforia de gênero e suas repercussões jurídicas

Disforia de gênero e suas repercussões jurídicas

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A atuação do Estado deve estar pautada em garantir o bem estar social, mas é notório o descaso que vem sendo dispensado aos que apresentam o conflito de identidade.

Resumo: O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de discutir a disforia de gênero, suas implicações no âmbito do direito, bem como desmistificar o assunto. Para isso, foram analisados os mais variados estados comportamentais, bem como as resoluções do Conselho Federal de Medicina autorizativas da redesignação sexual. A problemática atinente a esta questão diz respeito à falta de legislação que regulamente a matéria. Entretanto, os direitos dos disfóricos encontram-se assentes no princípio basilar de todo Estado Democrático de Direito – A dignidade da pessoa humana. O direito à intimidade e à privacidade, garantidos constitucionalmente também foram abordados. Os direitos da personalidade, indissociáveis à dignidade humana, foram analisados. Não obstante, a ausência de legislação específica que trate do tema, a tarefa de suprir tais lacunas ficou a cargo da doutrina e jurisprudência, que vêm se inclinando no sentido de reconhecer os direitos daqueles que possuem o sexo biológico em antagonia com o sexo psicológico. O Projeto de Lei nº 70/1995, que versa sobre a mudança do prenome e sexo mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido à redesignação sexual, está há bastante tempo em tramitação perante as casas legislativas, o que reflete o desinteresse dos legisladores acerca da matéria. Isso só contribui para persistir a invisibilidade jurídica que afeta essa população. Todavia, o Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado pela Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, promete acabar com a omissão legislativa. Cuida-se de enorme inovação jurídica, que minuciosamente abrangeu os direitos referentes a homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.

Palavras-chave: Disforia de Gênero – Dignidade da Pessoa Humana – Direitos da Personalidade – Ausência de Legislação – Estatuto da Diversidade Sexual.

Sumário: Introdução. 1. A disforia de gênero. 1.1 Breve análise da disforia de gênero. 1.2 Outros aspectos da sexualidade que não se confundem com a disforia de gênero. 1.3 A cirurgia de redesignação de sexo. 2. Fundamentos dos direitos dos disfóricos. 2.1 Dignidade da pessoa humana. 2.2 Direito à intimidade e privacidade. 2.3 Direitos da personalidade. 3. Legislação e projetos de lei concernentes à alteração do prenome e sexo no direito brasileiro. 3.1 Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos). 3.2 Projeto de Lei nº 70/1995. 3.3 Estatuto da diversidade sexual. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

Através do presente trabalho de pesquisa, pretende-se expor algumas considerações em relação à problemática relativa à disforia de gênero, que caracteriza-se pelo sentimento persistente de inadaptação entre o sexo biológico e o psicológico, ou seja, o indivíduo acredita que pertence ao sexo oposto ao de sua constituição genital.

Esse conflito de identidade repercute tanto na Medicina como no Direito, sobretudo porque, há atualmente, a possibilidade de através de procedimento cirúrgico adequar o sexo biológico ao psicológico daquele que sofre com a inversão. No que tange ao Direito verifica-se que não há regulamentação da matéria, ficando esta a cargo da doutrina e jurisprudência.

Percebe-se que a questão vem paulatinamente chamando cada vez mais a atenção da sociedade, porque, dentre outros motivos os meios de comunicação de massa passaram a enfocar o tema até então pouco discutido. Contudo, a disforia de gênero é de extrema relevância para o direito, uma vez que, realizada a cirurgia de redesignação sexual, seus resultados terão enormes reflexos em vários segmentos da área, sendo imprescindível o enfrentamento dessas questões, seja pela sociedade, Judiciário e até mesmo nos bancos acadêmicos.

Discorrer sobre esse fenômeno não é tarefa das mais fáceis e, para isso, se tentará conceituá-lo no decorrer do trabalho adotando-se o critério estabelecido na Resolução nº 1652/2002, ou seja, tratou-se a questão do ponto de vista patológico mesmo.

Muito embora se tenha muito o que comemorar com a autorização pelo Conselho Federal de Medicina para a realização da cirurgia de redesignação sexual no Brasil, no que pertine à legislação, não se pode dizer o mesmo. A Lei dos Registros Públicos permaneceu estática não acompanhando a evolução, deixando de contemplar especificamente aqueles casos em que é preciso alterar o nome e sexo em virtude de redesignação sexual.

Assim, o principal desafio é desmistificar o assunto, tornando-o conhecido de todos para tentar aliviar o peso do estigma carregado pelos disfóricos. É realmente um desafio abordar questões tão polêmicas que estão diametralmente opostas àqueles “padrões” de condutas considerados como os “corretos”, os “normais”, mas é exatamente por essa razão que a temática se torna interessante.

Deixar que esses sujeitos permaneçam a margem da sociedade vai de encontro a todo o ordenamento jurídico de qualquer Estado Democrático de Direito, sobretudo fere o princípio basilar da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade humana, portanto, o disfórico é merecedor de todo o respeito e atenção.

A principal preocupação, antes de tudo, deve ser com a inserção desses indivíduos no seio da sociedade de forma que eles possam livremente estudar, trabalhar e se relacionar com os demais de maneira satisfatória.

No decorrer do trabalho, o tema será dividido em três capítulos, para melhor compreensão e organização. Versará o primeiro capítulo sobre a disforia de gênero, o qual será subdividido em três subitens para uma melhor explanação e compreensão do tema.

No primeiro subitem se fará uma breve análise da disforia de gênero e seus aspectos comportamentais tendo-se também a preocupação de esclarecer os tipos de disfóricos. No segundo subitem serão estudados outros estados comportamentais como a homossexualidade, bissexualidade, a travestilidade e a intersexualidade, tendo como seu principal estado o hermafroditismo que frequentemente se confunde com a disforia de gênero.

Para essa diferenciação, procurar-se-á demonstrar com bastante clareza e simplicidade o que se tem de mais peculiar em cada estado com o fito de evitar que se tome uma coisa por outra.

Já no terceiro, falar-se-á acerca das resoluções do Conselho Federal de Medicina que concederam autorização para a realização da cirurgia de redesignação de sexo e da cirurgia propriamente dita, suas etapas preparatórias e as posteriores bem como se descreverá em que estágio se encontram as técnicas usadas para a construção dos fenótipos masculino/feminino e feminino/masculino.

No segundo capítulo, será abordado os Fundamentos dos Direitos dos disfóricos, com ênfase no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana por ser o núcleo central de todo o ordenamento jurídico e por constituir o polo irradiador dos demais direitos dos que possuem o sexo morfológico diverso do biológico. O direito à intimidade e privacidade tão importantes para que haja o esquecimento da situação anterior também estarão presentes neste capítulo,por fim os direitos da personalidade que não poderiam ser olvidados, uma vez que, são modernamente concebidos como cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana.

Por derradeiro, o terceiro capítulo conterá uma análise das legislações e projetos de legislações existentes no direito brasileiro que abarcam a inversão sexual, possibilitando a retificação de nome e sexo.

Para isso, se começará discorrendo sobre a Lei dos Registros Públicos (LRP), as possibilidades postas as disposição daqueles que necessitam por algum motivo mudar o nome civil, seguindo-se do projeto de lei nº 70/1995 em andamento nas casas legislativas que ainda não logrou êxito em ser aprovado e para fechar o estudo não se poderia deixar de mencionar o inovador e ousado anteprojeto de lei do Estatuto da Diversidade Sexual, composto por uma série de dispositivos que alteram mormente a Lei dos Registros Públicos e demais legislações infraconstitucionais.

Quanto à metodologia empregada, será usada primordialmente a pesquisa bibliográfica, tendo como fontes obras científicas, doutrina e artigos publicados em revistas e sites, que digam respeito ao tema. Pesquisas jurisprudenciais também serão um ponto de referência, visto que, por ausência de legislação específica o entendimento de nossos tribunais tem relevante papel na construção do direito. A pesquisa que será desenvolvida, será do tipo qualitativa procurando entender especificamente o fenômeno e trabalhando com descrições e interpretações.


1. A DISFORIA DE GÊNERO

1.1 Breve análise da disforia de gênero

Considerada como transtorno de identidade sexual, a disforia de gênero é a denominação comumente empregada, para a expressão popularmente conhecida como “transexualidade”. Trata-se de fenômeno não tão raro, que está intimamente ligado à percepção que o indivíduo tem de si mesmo. A questão é tormentosa e merece toda atenção e respeito, haja vista que seus reflexos atingirão diretamente os direitos inerentes a todo ser humano.

Antes de expor o seu conceito será necessário tecer breves comentários acerca dos fatores quem compõem a noção de sexo. Atribuir a alguém o gênero masculino ou feminino vai muito além de simplesmente levar em consideração a constituição do órgão sexual. Essa noção deve ser compreendida como a soma de diversos fatores que juntos integram a identidade sexual.

Em apertada síntese, Flávia Justus descreve a formação da identidade sexual como sendo a perfeita sincronia entre os fatores:

  • biológico, revelado pelos cromossomos e característica genitais de cada um;

  • psicossexual, que corresponde ao sentimento interno de cada um em relação ao gênero sexual que pertence;

  • psicossocial, que se revela na exteriorização do sexo pra a sociedade. [1]

Consoante Maria Berenice Dias:

A psicologia define a sexualidade humana como uma combinação de vários elementos: o sexo biológico (o sexo que se tem), as pessoas por quem se sente desejo (a orientação sexual), a identidade sexual (quem se acha que é) e o comportamento ou papel sexual. [2]

Levando-se em consideração a noção exposta dos elementos caracterizadores do sexo, pode-se afirmar que ocorre a disforia de gênero sempre que houver conflito entre o fator biológico e o psicossexual atingindo, por via reflexa, o fator psicossocial.

Portanto, pode-se conceituar essa inversão como sendo a manifestação pela qual o indivíduo nasce anatomicamente de um sexo, entretanto, psicologicamente, acredita que pertence ao sexo oposto, não se identificando de maneira nenhuma com o seu sexo biológico.

A disforia de gênero encontra-se catalogada na Classificação Internacional de Doenças (CID 10), cujo código é F 64.0:

F 64 Transtornos da identidade sexual

F 64.0 Transexualismo

Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado. [3]

O conceito trazido pela CID 10 faz referência a dois critérios determinantes que devem ser reconhecidos concomitantemente no indivíduo, a fim de inseri-lo na categoria de disfórico: a inadaptação ao sexo biológico e o desejo de submeter-se à intervenção cirúrgica ou a tratamento hormonal com vistas a tentar ajustar o físico ao psíquico.

Em última análise, extrai-se que há uma cisão no equilíbrio entre o corpo e a mente dos disfóricos. Enquanto seus caracteres sexuais são biologicamente atinentes a um determinado sexo, a psique desse indivíduo pertence ao sexo contrário. Mesmo não sendo portador de qualquer anomalia física o seu grande desejo é adequar o seu corpo a sua mente, pois acredita que houve “uma falha da natureza”.

Quando crianças, os meninos que apresentam a inversão sexual tendem a gostar de brincadeiras tipicamente femininas, pois acham as brincadeiras masculinas agressivas e tendem a se aproximar de outras crianças do sexo feminino. Isso se verifica porque eles se identificam com o universo feminino, ao passo que se sentem excluídos do universo masculino. No caso de meninas, sucede o mesmo, as brincadeiras de boneca, casinha, são rejeitadas por elas que preferem as brincadeiras de menino, tais como: jogar bola, soltar pipas, bolinhas de gude, entre outras. [4]

Na idade escolar o contexto é exatamente o mesmo: os meninos disfóricos sentem-se acolhidos pelo grupo de meninas enquanto que, são violentamente repelidos pelos meninos. O inverso acontece com as meninas disfóricas. Merece destaque o fato de que nessa época as experiências tendem a ser dolorosas e marcantes, pois os constrangimentos a que são submetidos tornam cada vez mais difícil a tarefa de concluir os estudos. Muitos, por não suportarem os tratamentos desagradáveis e até porque não dizer cruéis que lhe são dispensados, abandonam os estudos, não conseguindo sequer completar o ensino médio.

Essas recordações marcam de forma tão profunda que são capazes de acarretarem traumas oriundos da infância:

As mais antigas lembranças da infância que tenho, creio que são da épo ca dos cinco ou seis anos, quando entrei na escola. Não tinha qualquer afinidade com os meninos, nem com suas brincadeiras abrutalhadas. Eles nunca me chamaram para nada, dizendo que eu não era homem. Já com as meninas, eu me dava muito bem, brincava de boneca, casinha, bola queimada e sempre me senti uma delas. Um dia pedi a minha mãe que me comprasse um uniforme como o delas, mas recebi foi uma surra.

Quando vi uma menina nua pela primeira vez, era mais jovem ainda, acho que tinha quatro anos, era uma prima minha. Fiquei pensando como era diferente e como ela teria feito para arrancar “aquilo lá”. Sem saber exatamente o que era, já via que meu físico era diferente do das mulheres e eu não queria isto, desejava ser como elas. Isto vem desde minhas mais remotas lembranças. Às vezes chego a pensar que no berçário já pensava assim. (M.C. , transexual, 25 anos, amazonense). [5]

Após a infância, por volta dos 12 (doze) anos de idade, se inicia a adolescência, que pode ser considerada como a fase mais crítica para os disfóricos, pois é nela que ocorrem mudanças físicas e biológicas, com a acentuação principalmente dos caracteres sexuais. Nas meninas se desenvolvem as mamas, há o surgimento dos pêlos nas regiões axilares e pubianas e o princípio da menstruação; nos meninos, ocorre o surgimento de pêlos nas regiões axilares, torácicas e pubianas, aumento em volume dos testículos e tamanho do pênis, surgem a barba e oscilações na voz.

É nessa fase que há o desenvolvimento de uma intensa repulsa por seus órgãos genitais, que se constituem um objeto de rejeição, tentando escondê-los a todo custo. “A explosão da crise da puberdade exaspera não só a necessidade de viver, como também de demonstrar que se pertence a outro sexo”. [6]

É também nessa fase que surge o desejo perturbador de extirpar o órgão genital; no caso de disfóricos do gênero masculino e, de usar faixas, sobre os seios para ocultar o volume, no caso das disfóricas do gênero feminino. É evidente a tentativa desesperada de se livrar daquilo que os incomoda. “Trata-se de uma recusa, de uma recusa total do sexo de atribuição; o sexo anatômico lhes é totalmente inaceitável, provoca neles horror”. [7]

Essa é a principal característica do transtorno da identidade sexual, a imensa repulsa que sente pelos seus órgãos genitais. A vontade de conformação entre o sexo psicológico e o biológico é tão persistente que alguns tentam, por conta própria, extirpar os órgãos genitais imbuídos do sentimento de repugnância que aquilo ali para nada lhe serve.

Com efeito, constata-se que a sua libido é totalmente dirigida para pessoa do mesmo sexo, mas frise-se que como se sentem verdadeiramente pertencentes ao sexo oposto não há o que se falar em homossexualidade, porque não haveria uma unidade de gênero e sim dualidade de sexos.

A fala do disfórico retrata fielmente o exposto acima:

Não gostava do meu corpo, e comecei a passar a gostar menos ainda; eu olhava meu corpo me dava conflito, me dava asco, raiva. [8]

Dependendo do momento em que se manifesta a inversão da identidade psicossocial, pode-se dividi-la em dois tipos: disforias de gênero primária e secundária.

Na sua forma primária, o desequilíbrio se manifesta precocemente, é insistente e imperativo. Desde a mais tenra idade, o sujeito se situa no mundo do sexo oposto. Para os estudiosos sobre o tema, também pode ser chamado de “transexualismo verdadeiro”.

A forma secundária é aquela que geralmente se identifica quando o sujeito já está na fase adulta, podendo ser inclusive passageira. Conforme assevera Matilde Josefina Sutter “o impulso transexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti”. [9]

Por essa razão, os autores também a denominam de “transexualismo falso ou transitório”. Todavia, cumpre salientar que o tipo secundário se apresenta em número infinitamente menor que os primários. Ademais, de acordo com as estatísticas, a maior parte dos disfóricos primários é do sexo masculino.

O tratamento adequado para a forma primária é a cirurgia de redesignação de sexo, pois conforme dito alhures pelo motivo de existir a sólida convicção de que pertence ao sexo oposto, sessões de terapia não surtiriam o menor efeito. Ao contrário da secundária em que esta terapêutica se revela a mais apropriada, logo, infere-se que se cuida apenas de desarranjo na órbita psicológica que pode ser revertida com a supracitada terapia.

1.2 Outros aspectos da sexualidade que não se confundem com a disforia de gênero

A pluralidade de aspectos que envolvem a sexualidade humana gera sempre acaloradas discussões, porque gira em torno de questões muito delicadas que envolvem valores arraigados na sociedade. A postura da sociedade frente a essa problemática ainda é muito rígida, discriminando e rejeitando tudo aquilo que for diferente dos “padrões normais de comportamento”.

É inconcebível que o Estado e o Judiciário fechem os olhos diante da diversidade sexual. A disforia de gênero é uma realidade que não pode ser negada, assim como as demais feições que assumem a sexualidade humana. Por oportuno, registre-se que quanto maior o respeito ao direito à diferença, mais fortalecidos estarão os direitos fundamentais inerentes a todo Estado democrático de direito.

Ao abordar o assunto, Maria Berenice Dias pondera: “indispensável que se reconheça que a sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sua sexualidade”. [10]

Muito feliz a colocação da ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o exercício a sexualidade humana é essencial à qualidade de vida, por isso, a obrigatoriedade em sua proteção.

Feitas essas breves considerações passa-se a examinar outros estados comportamentais, não sob o prisma da diferença na sua acepção pejorativa, mas no sentido de delineá-lo apenas para que não se confundam.

A homossexualidade se caracteriza pela preferência que o indivíduo possui de manter relações sexuais com parceiros do mesmo sexo. A atração pelo mesmo sexo e a plena consciência disto pode ser considerada a tônica do relacionamento homoafetivo.

A etiologia da expressão “homossexualidade” corrobora com o exposto anteriormente. Segundo Ana Paula Ariston Barion Peres, “a palavra 'homossexualismo' origina-se do prefixo grego homo, que significa 'o mesmo' e, não, da palavra latino homo,'homem'”. [11]

Outro traço distintivo entre a homossexualidade e a disforia, talvez o mais importante deles, consiste em que o primeiro não nutre o desejo de redesignação sexual, enquanto que, o segundo, ao invés, sente-se insatisfeito com o sexo anatômico e biológico que apresenta.

Ademais, a homossexualidade deixou de ser considerada como uma doença por volta dos anos 90, mais precisamente com a edição da resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia, que orientou os psicólogos a não tratarem como patologia, sugerindo a cura, e, a não indicarem outra forma de orientação sexual, como sendo a mais adequada.

No que tange à bissexualidade, não se verifica a predominância pela preferência sexual por um ou por outro sexo, o comportamento é flexível. Vez por outra o bissexual pode se relacionar com indivíduos do mesmo sexo como também do sexo contrário, em outras palavras, inexiste regra a ser seguida por eles.

A intersexualidade pode ser definida como: “aqueles quadros clínicos que apresentam problemas (diagnóstico, terapêutico e jurídico) quanto ao verdadeiro sexo da pessoa considerada”. [12]

O hermafrodita se encaixa perfeitamente na noção de intersexualidade e provavelmente é seu o principal estado.

Segundo a mitologia grega “Hermafrodita, filho de Hermes e da deusa do mar e do amor Afrodite, nasceu com uma mescla tão completa dos traços de seus pais que seu sexo era ambíguo, não podendo ser definido”. [13]

Em linhas gerais, a característica do hermafrodita consiste na dubiedade concernente aos órgãos sexuais, que se apresentam indefinidos, não se tendo como precisar a olho nu a qual gênero pertence à criança hermafrodita.

Consoante autorizada doutrina, o hermafrodita pode ser designado como hermafrodita verdadeiro ou pseudo-hermafrodita. Neste último, os órgãos sexuais externos são ambíguos, todavia os órgãos internos são de um único sexo, enquanto que naquele os órgãos sexuais internos e externos são dos dois sexos, cumpre salientar que são raríssimos os casos em que se verifica o hermafrodita verdadeiro e quando se verifica os órgãos sexuais externos são atrofiados.

Matilde Josefina Sutter alerta que para tentar evitar qualquer tipo de erro, concernente ao sexo que irá constar no registro civil, é necessário que os pais levem essas crianças para que sejam realizados vários exames clínicos e laboratoriais especializados para detectar precisamente a qual sexo ela pertence. Só com base nos resultados desses exames se poderá atribuir qualquer um dos gêneros (masculino ou feminino) com segurança e registrar o hermafrodita. [14]

Nesses casos, após se chegar a conclusão definitiva sobre qual é o seu verdadeiro sexo biológico deverá necessariamente ser realizada uma cirurgia, que não pode ser considerada como redesignação de sexo, mas cirurgia corretora. Sua finalidade é retirar o órgão sexual dúbio que não corresponde ao sexo biológico do hermafrodita.

Em hipótese alguma, o hermafrodita se assemelha ao disfórico, já que neste o órgão sexual externo é inequivocamente determinado.

Entre todas as figuras até aqui apresentadas à atinente a travestilidade é sem dúvida, a que mais frequentemente se confunde com a disforia de gênero, entretanto a diferença básica consiste no motivo pelo qual ambos se vestem com a indumentária do sexo oposto.

O travesti sente prazer ao se vestir e se exibir com roupas que pertençam ao outro sexo enquanto que, para o disfórico essa vestimenta é algo natural, inerente ao papel social ao qual acredita pertencer.

Matilde Josefina Sutter classifica os travestis em fetichistas ou exibicionistas:

Os travestis são comumente classificados em dois tipos: fetichistas ou exibicionistas.

Os primeiros dependem de algum objeto ou peça do vestuário para se excitarem, vendo-a, tocando-a ou cheirando-a. Já os segundos se exibem, inicialmente de um modo reservado, diante de um espelho e, posteriormente, saem às ruas usando roupas femininas. [15]

Assim como ocorre na homossexualidade, na travestilidade não há o desejo de extirpação dos órgãos genitais, tampouco insatisfação relativa ao sexo biológico. O fetiche está no ato de vestir-se como mulher e ressalte-se que o número de travestis homens é infinitamente superior ao de mulheres. Portanto, a implantação de próteses de silicone mamárias, por exemplo, não deve ser entendida como uma possível vontade de redesignação sexual.

1.3 A cirurgia de redesignação de sexo

Sem sombra de dúvida, constitui-se o maior objetivo do disfórico, e daqui pra frente estar-se-á se referindo exclusivamente aos primários (ou verdadeiros), alinhar o seu corpo a sua mente, isso só será possível com a cirurgia de redesignação sexual. Essa aspiração simboliza primordialmente o fim do sofrimento interno.

A primeira cirurgia de redesignação sexual amplamente divulgada ocorreu na Dinamarca, em 1952. A intervenção foi realizada no ex-soldado norte-americano Geroge Jorgensen que passou a se chamar Christine Jorgensen. [16]

No Brasil, a primeira cirurgia só viria a ser realizada bem mais tarde, em 1971, o cirurgião plástico Roberto Farina foi o pioneiro nessa espécie de cirurgia. [17]

Até meados de 1997 não havia autorização para a utilização desse tratamento, o argumento usado era a mutilação causada em sujeitos perfeitos e sadios. Aqueles que se arriscassem a realizá-la poderiam ser severamente punidos pelo Conselho Federal de Medicina, além de estar sujeito a reprimenda penal.

Felizmente, essa posição foi revista com a edição da Resolução nº 1.482 do Conselho Federal de Medicina que autorizou, a título experimental, a realização da cirurgia de redesignação sexual do fenótipo masculino/feminino e do feminino/masculino, assim como também os demais procedimentos necessários para o tratamento da disforia.

Inicialmente todo e qualquer procedimento cirúrgico só podia ser praticado em hospitais públicos adequados à pesquisa.

Na verdade, essas disposições revelaram-se um pouco tímidas e no intuito de ampliá-las foi editada uma nova resolução, a de nº 1.652 de 2002, que entre outras inovações permitiu que fossem realizados procedimentos cirúrgicos do tipo masculino/feminino, tanto na rede pública como na privada, independente de atividade de pesquisa.

Posto isso, consoante os critérios estabelecidos pela autorização do Conselho federal de Medicina, art. 3º, só estará apto para se submeter à intervenção cirúrgica aquele que apresentar:

  • Desconforto com o sexo anatômico natural;

  • Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

  • Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

  • Ausência de outros transtornos mentais. [18]

Esses requisitos, na verdade, são os utilizados para se detectar a presença da disforia de gênero. Caso as respostas sejam positivas a todos os quesitos o tratamento mais indicado será a redesignação. No entanto, a intervenção cirúrgica é o último e mais relevante passo no tratamento dessa patologia.

Nesse sentido, é a posição esposada por Márcia Arán, Daniela Murta e Tatiana Lionço:“a cirurgia de transgenitalização foi considerada a etapa mais importante no tratamento de transexualismo, pela possibilidade de adaptar a morfologia genital ao sexo com o qual o indivíduo se identifica”. [19]

Antes disso, é necessário o acompanhamento por uma equipe de profissionais de saúde composta por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social. Essa equipe será responsável pelo acompanhamento do caso por no mínimo dois anos.

Havendo parecer positivo da equipe técnica diagnosticando a inversão sexual, o primeiro passo é a psicoterapia, após esse período deve ser iniciada a terapia hormonal. São ministradas doses de hormônios para o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, independentemente do sexo biológico do pretendente a redesignação. Todos obrigatoriamente passam por essa fase.

No disfórico feminino/masculino, antes de se chegar à etapa final é preciso que sejam realizadas outras intervenções, cujo propósito é eliminar os caracteres secundários femininos. A mastectomia retira a glândula mamária e a histerectomia útero, ovários e trompas.

Percorrido esse longo caminho, finalmente o paciente poderá se submeter à cirurgia. A técnica usada para construção do pênis é chamada de faloplastia, procedimento revestido de alta complexidade e somente os hospitais universitários e públicos adequados a pesquisa estão habilitados para realizá-la.

A neocolpoplastia é a empregada para a construção da neovagina, e ao contrário da faloplastia existem diversas técnicas, todas elas bem desenvolvidas, capazes de proporcionar um resultado bem positivo. O aspecto do órgão genital é praticamente perfeito.

Não obstante a evolução da Medicina em matéria de cirurgia plástica, não se pode descartar a hipótese de eventuais insucessos, que ensejarão novas reintervenções para aperfeiçoar o que foi feito. Além disso, no caso de neocolpoplastia recomenda-se em algumas situações que o paciente faça uso de moldes mantenedores das dimensões vaginais por diversos meses.

Mas, o procedimento terapêutico não se encerra por aí, deve ser mantida a psicoterapia pós-cirúrgica, a terapia hormonal e nos disfóricos masculinos/femininos ainda existe a necessidade de pequenas cirurgias plásticas como: implantação de silicone nos seios, eliminação dos pelos da barba e abdômen, rinoplastia e remodelamento da cartilagem laríngea, tudo para se aproximar ainda mais da estética feminina.


2. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DOS DISFÓRICOS

2.1 Dignidade da pessoa humana

Ao erigir a dignidade da pessoa humana como núcleo central de todo Ordenamento Jurídico, a Lei Maior elegeu o homem como o interesse primordial o qual a ordem constitucional visa proteger. Não obstante, a ausência de regulamentação da matéria, os direitos dos disfóricos encontram-se assentes na Constituição Federal.

Como é cediço, antes de adentrar na seara de qualquer princípio, é de bom alvitre que se esclareçam as diferenças entre eles e as regras, muito embora não seja este especificamente o escopo do presente trabalho. E, para isso, desde já, se chama a atenção para o fato de que será apenas uma brevíssima explanação, apenas nos tópicos indispensáveis à compreensão básica da questão.

Diante disso, cabe mencionar a importante contribuição dada por Ronald Dworkin e Robert Alexy ao estudo dos princípios. Para eles, os princípios distinguem-se das regras, quanto ao modo de sua aplicação. Elas são aplicadas segundo a máxima do tudo ou nada (all or nothing), diversamente do que acontece com os princípios que possuem uma dimensão de peso. [20]

Dito de outra forma, as regras relacionam-se intrinsecamente com a subsunção, os fatos devem necessariamente subsumir-se as regras, em caso de eventual antinomia, uma delas será aplicada, enquanto a outra será inválida para o caso concreto.

Luiz Alberto David Araújo apresenta um conceito singelo de princípio, contudo bastante elucidativo “princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito”. [21]

Tome-se o seguinte exemplo: Art. 121: “Matar alguém. Pena – reclusão, de 06 (seis) a 20 (vinte) anos (Código Penal)”; Art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, [...], inciso III, a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal de 1988)”.

No primeiro exemplo, tem-se a regra, porquanto está presente uma prescrição imperativa de conduta, no segundo, o princípio, que pode ser identificado pelo seu maior grau de abstração e generalidade.

Nesta mesma linha de pensamento, Luís Roberto Barroso:

Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista em seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese de conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. [22]

A trilogia tradicionalmente usada para conciliar esse conflito de normas são os conhecidos critérios: cronológico, hierárquico e o da especialização.

De forma sucinta, Norberto Bobbio, ao definir o critério cronológico, afirmou que sua base está em identificar a norma posterior, a qual deverá prevalecer, lex posterior derogat priori. Por isso, o chamou também de lex posterior. No hierárquico, Lex superior, a finalidade é descobrir a regra imediatamente superior, visto que na escala de hierarquia, a norma superior tem o condão de revogar a inferior, lex superior derogati inferiori. O terceiro e último critério é aquele em que irá preponderar a lei especial sobre a geral, Lex especialis derogat generali. [23]

No entanto, cumpre alertar que nem sempre esses critérios se mostrarão suficientes para solucionar a problemática dos conflitos de normas existentes no Ordenamento Jurídico e as razões, por não constituírem o objeto deste trabalho, não serão expostas.

Voltando a distinção entre princípios e regras, sempre que houver a incidência de dois princípios a uma dada situação, deve haver a ponderação de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para, a partir daí, se avaliar o de maior peso e, consequentemente, aplicá-lo. Percebe-se que não há com relação aos princípios, um sistema de invalidação, semelhante ao que ocorre com as regras, mas apenas há a sobreposição de um ao outro, isto é, opta-se pela aplicação de um deles, por este possuir maior importância no caso concreto.

Impende destacar que, o jurista alemão, Robert Alexy, aprimorou ainda mais a essência das premissas de Dworkin aduzindo que os princípios são mandamentos de otimização, e o confronto entre eles se observa não no campo da validade, mas no da dimensão de peso. Deve-se sopesar a luz do caso concreto o de maior relevância, afastando apenas a sua incidência, porém sem determinar a invalidação propriamente dita. [24]

Feitas essas brevíssimas considerações, urge retomar o ponto principal deste tópico, a dignidade da pessoa humana.

Dentre todas as Constituições brasileiras, a primeira que versou sobre o referido princípio, elevando-o a fundamento da República federativa e do Estado Democrático de Direito, foi a de 1988. [25]

Inúmeros autores se debruçaram sobre o tema, mas na realidade não existe um consenso, os debates geralmente giram em torno do seu significado e alcance. Isso se justifica, porque o referido princípio retrata um conceito extremamente fluido, dotado da capacidade de atravessar a barreira do tempo e se manter sempre atual.

O princípio da dignidade da pessoa humana é informador de toda a ordem constitucional e, por isso, espraia-se pelo Ordenamento Jurídico inteiro, de forma expressa no texto da lei: além do art. 1º, inciso III da Constituição Federal, o art. 170 do Título VII, assim como os arts. 226, § 7º e 227, caput, se reportam a este princípio.

Na tentativa de conceituá-lo Ingo Wolfgang Sarlet assevera:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [26]

Partindo desse postulado, infere-se que o disfórico, tem calcado no princípio da dignidade da pessoa humana, o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, e aí se inclui o direito ao respeito à identidade sexual.

Mas, para que isso seja possível, entre outras providências, cabe ao Estado viabilizar a inserção social destes indivíduos, pois salta aos olhos de qualquer um, que eles integram a categoria de pessoas excluídas e, por conseguinte, não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade.

Não há como falar em livre desenvolvimento e qualidade de vida saudável, se não há a inserção social. O indivíduo que permanece à margem da sociedade não tem condições de desenvolver de forma satisfatória suas potencialidades.

O direito à retificação do registro civil, daquele que apresenta a inversão e que já passou por todo o processo pré e pós cirúrgico, é apenas uma das vertentes que integram a promoção ao livre desenvolvimento da identidade do ser. Negá-la, é no mínimo fruto de uma mentalidade tacanha e principalmente afronta ao valor maior insculpido na Lei Fundamental.

O fato de uma pessoa possuir a identidade sexual diversa do sexo biológico, não quer dizer que ela seja inferior, nem tampouco menos merecedora da tutela estatal e jurídica.

Corroborando com o exposto:

Estar à margem da lei não significa ser desprovido de direito nem pode impedir a busca do seu reconhecimento na Justiça. Ainda quando o direito se encontra envolto em uma auréola de preconceito, o juiz não deve ter medo de fazer justiça. A função judicial é assegurar direitos, e não bani-los pelo simples fato de determinadas posturas se afastarem do que se convencionou chamar de normal. [27]

Não há como garantir ao disfórico operado uma vida digna enquanto não houver o reconhecimento de seus direitos na seara judicial. Somente para ilustrar a ideia, imagine-se um disfórico operado que busca emprego, mas que ainda não obteve a retificação do seu registro de nascimento, ou ainda, o disfórico operado com 18 anos que tem a obrigação de comparecer para o alistamento militar, o constrangimento a que estariam sujeitos esses indivíduos é incomensurável.

Sílvio de Salvo Venosa andou bem ao perfilhar o entendimento que “comprovada a alteração de sexo, impor a manutenção do nome do outro sexo à pessoa é cruel, sujeitando-a a uma degradação que não é da consentânea com os princípios de justiça social”. [28]

Não custa nada repetir, que a dignidade da pessoa humana abarca todos os seres humanos sem distinção de raça, cor, credo, grau de instrução. Todos merecem o respeito, tanto por parte da comunidade, como do Estado. Frise-se, por oportuno, que a comunidade também tem sua parcela de responsabilidade no desrespeito aos direitos dos que possuem o transtorno da identidade sexual.

O desafio neste aspecto é construir uma política que desenvolva o senso de tolerância com a minoria, com o propósito de que sejam acolhidos pela sociedade e não venham a ter sua dignidade aviltada.

Ingo Wolfgang Sarlet ao afirmar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade, e é a dignidade de cada pessoa que deve ser objeto do respeito e proteção por parte do Estado e da comunidade” 29 corrobora com a mesma linha de raciocínio expendida acima.

O que acontece com os disfóricos é que simplesmente é mais cômodo relegá- los à invisibilidade social, deixando-os “esquecidos” e “abandonados a própria sorte”, que se movimentar e enfrentar a questão para garantir o mínimo necessário ao seu pleno desenvolvimento como pessoa.

Ao agir dessa forma, acaba-se olvidando que o fim maior do Estado é a pessoa humana:

Como fundamento do Estado Democrático de Direito, o constituinte, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade, e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário. O ser humano constitui finalidade precípua e não meio da atividade estatal. [30]

Partindo da premissa de que o Estado existe em função da pessoa, a atuação do Estado deve estar pautada em garantir o bem estar social, mas é notório o descaso que vem sendo dispensado aos que apresentam o conflito de identidade. O silêncio do legislador obriga àqueles que tem interesse em pleitear seus direitos na esfera judicial a se valerem de métodos interpretativos e analogias, porque não existe direito positivado.

Assim, Luiz Alberto David Araujo:

A dignidade da pessoa humana deverá servir de farol para a busca da efetividade dos direitos constitucionais. Em relação à proteção constitucional do transexual, por exemplo, a dignidade da pessoa humana revestir-se-á de princípio necessário e básico para a sua proteção constitucional. [31]

A inércia legislativa fomenta ainda mais o preconceito, não há óbice algum para que não seja editada lei que assegure concretamente os direitos dos disfóricos, muito pelo contrário, suas bases se sustentam no princípio que ora está em voga.

Felizmente, a jurisprudência vem se modernizando e reconhecendo direitos a essas minorias, o que tem se revelado um grande avanço nessa área.

Porém, em que pese a inclinação da jurisprudência em reconhecer esses direitos, nada substitui a importância da lei, para reger essas relações.

Por isso, entende Luiz Alberto David Araujo que:

No Brasil, como se vê, por falta de uma legislação específica, o Poder Judiciário tem encontrado dificuldades para fundamentar a pretensão do transexual à averbação de seu novo estado junto ao registro civil. As decisões são esparsas e carecem de uma diretriz única. [32]

Por outro lado, deve-se entender que, “a colocação do ser humano como centro da tutela jurídica impede admitir-se seja ele colocado na condição de objeto de quaisquer interesses, quer do Estado ou de outros quaisquer “poderes privados”. [33]

Na expressão “poderes privados” está ínsita a noção, já explicitada alhures, de que é vedada a qualquer pessoa da comunidade causar humilhações, ofensas, perseguições, enfim qualquer forma de violência que venha a agredir a dignidade de qualquer ser pensante.

A proteção a dignidade da pessoa humana como se vê é algo de tão elevada magnitude que não pode ser afastada nem por vontade do próprio indivíduo que a ostenta, os ensinamentos de Sarlet são essenciais para ratificar o que se disse:

Com efeito, na medida em que a dignidade é algo inerente à essência do ser humano e que o qualifica como tal, sustenta-se que a dignidade da pessoa humana é algo do qual nem este pode livremente dispor, sendo, portanto, irrenunciável, inalienável e intangível. [34]

Outro ponto que merece destaque é a inserção profissional do disfórico, que se relaciona diretamente com a noção de vida digna/dignidade da pessoa humana. O lugar que se deseja chegar com esta afirmação é que as pessoas que são alvo de algum tipo de exclusão social acabam sendo empurradas para a marginalidade.

Com o disfórico não podia ser diferente, verifica-se que enquanto não houver respeito por sua condição sexual, eles não terão meios de exercer livremente uma profissão ou aprender um ofício, porque a todo momento existe alguém que lhe aponta, lhe desvaloriza.

Tereza Rodrigues Vieira arremata: “quem daria um emprego a um homem vestido de mulher?”35]

O acórdão que será analisado a seguir refere-se exatamente a essa indagação, o questionamento feito por Tereza Rodrigues Vieira é totalmente pertinente. A discriminação é algo tão presente na vida dos que tiveram a infelicidade de nascerem invertidos que a próxima pergunta a ser formulada é: onde está o respeito à dignidade humana desses indivíduos?

DANO MORAL. TRABALHADOR QUE ASSUME SUA TRANSEXUALIDADE. DISCRIMINAÇÃO VELADA. TRABALHADOR MANTIDO EM OCIOSIDADE. ASSÉDIOMORALCONFIGURADO.INDENIZAÇÃODEVIDA.A discriminação é a negação do princípio da igualdade, eis que discriminar é fazer distinção. Em matéria trabalhista, discriminação, segundo a Convenção 111 da OIT, é toda distinção, exclusão ou preferência que tenha por fim alterar a igualdade de oportunidade ou tratamento em matéria de emprego ou profissão. Em nosso ordenamento jurídico a proibição da discriminação tem base constitucional, eis que, em seu art. 3º, foi estabelecido como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", e, em seu art. 5º, foi assegurado que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...". E, para o caso específico da discriminação no ambiente de trabalho aplica-se também o disposto no art. 1º da Lei 9.029/95. Ocorre que a discriminação do trabalhador é externada muitas vezes através de comportamentos que se configuram como assédio moral. No presente caso, a prova oral demonstrou que o trabalhador, após assumir sua transexualidade, foi afastado do trabalho pelo seu superior hierárquico, sem que houvesse justificativa convincente para isso, eis que a própria testemunha patronal admitiu que no setor de ambulâncias não faltava serviços e que existem uma ou duas ambulâncias reservas. Ora, o fato do empregador deixar o empregado na ociosidade, sem qualquer função, marginalizando-o no ambiente de trabalho, constitui inequivocamente assédio moral. E, na hipótese, o assédio moral é decorrente da discriminação de que o autor foi vítima, discriminação essa que sequer foi declarada, mas, sim, velada, que é aquela que é mais difícil de ser comprovada, porque não se caracteriza por comportamento visível a todos. Neste contexto, a conduta do superior hierárquico violou o princípio da dignidade como pessoa humana, adotado como fundamento de nossa república (art. 1º, III e IV, da CF), sendo devida ao obreiro a reparação civil pelo dano moral sofrido mediante a condenação do reclamado ao pagamento de indenização. Recurso ordinário provido. [36]

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deixou mais do que claro que a atitude discriminatória perpetrada pelo seu superior hierárquico feriu flagrantemente a dignidade da pessoa humana, analisando detidamente a decisão percebe-se que a indenização se deu a título de assédio moral, contudo, o desembargador relator do caso fundamentou sua brilhante decisão, diga-se de passagem, no princípio da igualdade como um dos pilares da dignidade da pessoa humana.

Esse tipo de conduta é exatamente aquela que deve ser coibida, é a típica ofensa à dignidade da pessoa humana por desrespeito ao direito à diferença. O trabalhador, ao assumir publicamente sua condição de “transexual”, foi humilhado, perseguido, maltratado e afastado do cargo que ocupava. Sua capacidade laboral foi menosprezada, e com relação a isso reporta-se ao que foi dito linhas atrás, o indivíduo teve tolhido o livre exercício de profissão.

Assim, acredita-se que o fato de não haver lei disciplinando a matéria não constitui motivo para não reconhecer os direitos aos que possuem a disforia de gênero, pelas razões que foram exprimidas neste tópico. Com efeito, nunca se conseguirá eliminar o preconceito, mas acatando-se a procedência da maior pretensão judicial do disfórico, adequar o estado fático ao estado jurídico, novas perspectivas surgirão, para que seja possível o pleno desenvolvimento de sua personalidade e, por conseguinte, estar-se-á abrindo as portas para a tão almejada integração social.

2.2 Direito à intimidade e privacidade

A Constituição Federal de 1988 assegurou no seu art. 5º, inciso X a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sob pena de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Com aqueles que apresentam o conflito entre o sexo anatômico e o psicológico não poderia ser diferente, há que ser respeitado o direito ao sigilo do estado anterior.

Comumente empregadas com o mesmo sentido, a intimidade e a vida privada são conceitos com conteúdos distintos e para não incorrer no mesmo equívoco, tentar-se-á defini-los da forma mais didática possível.

Primeiramente, cumpre examinar o sentido etimológico dos conceitos. Para Daniela Braga Paiano:

Intimidade, deriva do latim, intimus, cuja procedência é do advérbio intus. Tem o sentido de interior, íntimo, oculto, do que está nas entranhas. Traz uma ideia de segredo, confiança. Pode-se asseverar, desta forma, que a intimidade tem um sentido subjetivo, pois traz consigo a ideia de confidencial. Já o conceito de privacidade é mais amplo que o de intimidade, englobando tudo que não queremos que seja do conhecimento geral. Do latim, privatus, significa privado, particular, próprio. [37]

Considerando a etimologia da intimidade e da privacidade, pode-se inferir que esta representa um aspecto mais amplo, ao passo que aquela um aspecto muito mais restrito.

O estado referente à disforia de gênero tanto merece a tutela do direito à intimidade como da privacidade, visto que, se refere a um segredo que o disfórico traz no recôndito de sua alma e que certamente só o contará a alguém de sua confiança. Também diz respeito à privacidade, à medida que é algo particular que ele não deseja que seja do conhecimento de todos.

Nas profícuas lições de Sampaio, “quando falamos em 'relações íntimas' e 'relações privadas', a primeira, traz a idéia de proximidade, de contato físico, de relações de natureza sexual; enquanto 'relações privadas' pode ser traduzida por 'relações entre iguais'”. [38]

Por fim, e já adentrando no âmbito conceitual de fato, o constitucionalista José Afonso da Silva citando René Ariel Dotti aponta que “a intimidade se caracteriza como a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”39]

Ainda de acordo com o constitucionalista, a vida privada se caracteriza: “como o conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito”. [40]

Indubitavelmente, como direitos fundamentais que são a intimidade e a vida privada do disfórico devem ser preservadas. A questão ganha relevo no concernente à averbação no registro civil depois de realizada a conversão sexual, no campo relativo ao sexo, o que deve constar?

O mais indicado, é que conste o sexo decorrente da redesignação, ou masculino ou feminino, até mesmo porque, não existe outro sexo a não ser os dois que compreendem a dicotomia masculino/feminino.

Ao inserir a expressão “transexual” estar-se-á violando o direito à intimidade e à vida privada desses sujeitos. A uma porque, o estado anterior deve ser esquecido e não deve ser objeto do conhecimento de todos a duas porque, a situação é muito delicada, constituindo um segredo, que diz respeito a sua vida íntima, só podendo ser revelado se e quando aquele que se submeteu a redesignação sexual desejar. Ademais, ao se inserir a expressão retromencionada, é evidente que se exporá o indivíduo a situações constrangedoras.

O acórdão seguinte comprova a postura antiquada que alguns operadores do direito defendiam:

REGISTRO PUBLICO . ALTERACAO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. NOME E SEXO TRANSEXUALISMO. SENTENCA ACOLHENDO O PEDIDO DE ALTERACAO DO NOME E DO SEXO, MAS DETERMINANDO SEGREDO DE JUSTICA E VEDANDO NO FORNECIMENTO DE CERTIDOES REFERENCIA A SITUACAO ANTERIOR.

Recurso do Ministério Público se insurgindo contra a mudança de sexo, pretendendo que seja consignado como transexual masculino, e contra a não publicidade do registro. Embora sendo transexual e tendo se submetido a operação para mudança de suas características sexuais, com a extirpação dos órgãos genitais femininos e a implantação de prótese peniana, biológica e somaticamente continua sendo do sexo masculino. Inviabilidade da alteração, sem que seja feita referência a situação anterior, ou para ser consignado como sendo transexual masculino, providência que não encontra embasamento mesmo nas legislações mais evoluídas. Solução alternativa para que, mediante averbação, seja anotado que o requerente modificou o seu prenome e passou a ser considerado como sexo masculino em virtude de sua condição transexual, sem impedir que alguém possa tirar informações a respeito. Publicidade do registro preservada. Apelação provida, em parte. Voto vencido. [41]

A opinião esposada pelo Ministério Público se choca frontalmente com o direito à privacidade e intimidade do que possui a identidade sexual em desconformidade com o sexo biológico, isso sem falar no ultraje a dignidade da pessoa humana.

Pois bem, embora aquele em que foi realizada a cirurgia apenas tenha adaptado o aspecto exterior de sua genitália ao sexo psicológico, isso não constitui motivo suficiente a ensejar a publicização da condição de disfórico, porque, como dito no capítulo 1 do estudo em epígrafe, o sexo vai muito além da aparência da constituição genital, não podendo este preponderar sobre os demais aspectos.

Outro argumento que poderia ser sustentado para não alterar o sexo ou alterar com reservas é a preservação de interesses de terceiros. Entretanto, deve-se partir do pressuposto que todos agem de boa-fé e dessa forma, deixar ao livre arbítrio do que possui a disforia de gênero contar aos eventuais interessados que com ele se envolvam.

Falar em terceiros interessados, inexoravelmente, remete à questão do casamento, e, com relação a isso, o terceiro tem a sua disposição o direito de anular o ato, sob o fundamento de erro essencial quanto a pessoa.

Nesta mesma senda, Maria Berenice Dias indica que a única forma de não atentar contra os direitos e as garantias individuais constitucionalmente previstas é não fazer menção, seja lá em quaisquer documentos forem, sobre a redesignação de sexo. [42]

Um dos maiores anseios do disfórico é exatamente se livrar do estigma que carrega consigo, o qual lhe causa tanta dor e sofrimento. Mencionar expressamente o estado anterior representa um entrave a busca da felicidade e de seu bem-estar.

A jurisprudência pátria tem seguido essa tendência:

APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO. PRENOME E GÊNERO. TRANSEXUALISMO. PROBIÇÃO DE REFERÊNCIA QUANTO A MUDANÇA. POSSIBILIDADE. Determinada a alteração do registro civil de nascimento em casos de transexualidade, desde que demonstrada a existência da alopatia, é imperiosa a proibição de referência no registro civil quanto à mudança, a fim de preservar a intimidade do apelado. [43]

Percebe-se nitidamente que com relação a não divulgação da condição anterior a jurisprudência evoluiu significativamente, bastando para isso, comparar essa ementa com aquela em que o Parquet pugnava justamente pelo inverso, com supedâneo na proteção de terceiros. O acórdão exposto andou bem ao primar pela salvaguarda do direito da intimidade, impedindo que ela seja devassada, satisfazendo a curiosidade de olhares e ouvidos ávidos.

Brilhante contribuição foi dada por Maria Helena Diniz:

Entendemos que deve haver a adequação do prenome ao novo sexo do transexual operado sem qualquer referência discriminatória na carteira de identidade, de trabalho, no título de eleitor, no CPF etc.ou averbação sigilosa no registro de nascimento, porque isso impediria sua plena integração social e afetiva e obstaria seu direito ao esquecimento do estado anterior, que lhe causou tanto sofrimento. O mandado judicial de retificação deveria, então, ordenar não só a averbação à margem do registro das retificações de prenome e de sexo do requerente, respectivamente para “masculino” ou “feminino” (e não transexual!), mas também o seu arquivamento, como se faz com os mandados judiciais em processo de adoção, guardadas as diferenças entre averbação e registro (art. 47, § 1º, do ECA). Assim sendo, na nova certidão do assento de nascimento fornecida pelo Registro Civil não se deve fazer qualquer menção à natureza das retificações procedidas, consignando- se penas ressalva no sentido de que: a) o mencionado assento foi modificado por sentença judicial em ação de retificação de registro civil, cujo teor se resguarda em segredo de justiça; b) a certidão com inteiro teor do mandado poderia para salvaguarda dos direitos ser fornecida critério da autoridade judiciária (aplicação analógica do § 5º do art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para informações pregressas sobre o adotado). [44]

A proposta de adequação do prenome e do sexo trazida à baila é extremamente perspicaz, ao mesmo tempo que não expõe o disfórico a situações humilhantes e discriminatórias, preservando, destarte, sua intimidade e privacidade, permite que se proteja também os direitos de eventuais terceiros estritamente interessados que terão a oportunidade de tomar conhecimento do que se passou.

Evita-se com isso, que esse indivíduo reviva a todo instante, entenda-se quando for necessário mostrar seus documentos, momentos angustiantes, dos quais ele não deseja lembrar.

Além disso, não se pode olvidar que desse modo, se facilitará o processo de inserção social daquele que passou pela cirurgia de redesignação, assim como efetivamente se estará satisfazendo a pretensão do requerente de ter o direito ao esquecimento/sigilo de tudo que ocorreu antes do supracitado tratamento.

2.3 Direitos da personalidade

Não há como falar em direitos dos disfóricos e não discorrer sobre os direitos da personalidade, este modernamente concebido como cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, permite que mesmo ante a ausência de normas positivadas, se protejam os valores mais preciosos e imprescindíveis a uma vida digna.

É inegável que a pretensão do disfórico desde o início do tratamento até a etapa final apóia-se também nos direitos da personalidade e, por isso, não se pode descurar de sua análise.

Ademais, percebe-se que há um forte liame entre princípio da dignidade humana e direitos da personalidade, pode-se até afirmar que um é indissociável do outro.

Como bem assevera Silvio Romero Beltrão: “o ponto fundamental de destaque para a compreensão dos direitos da personalidade é a proteção da dignidade da pessoa humana”. [45]

Mas, o que se pode considerar como direito da personalidade? Maria Helena Diniz com a precisão que lhe é peculiar descreve:

São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)”. [46]

Preleciona o Código Civil de 2002, em seu art. 2º, que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. O que se leva a crer que todo direito da personalidade pode ser encarado como algo inerente a todo sujeito nascido com vida, não são direitos concedidos por qualquer ordenamento jurídico, mas apenas reconhecidos.

Partindo-se das considerações feitas por Maria Helena Diniz, incontestavelmente a identidade sexual encontra abrigo nos direitos da personalidade, pois se cuida de qualidade própria pertencente a todo ser que o individualiza e o caracteriza, e por isso, é perfeitamente passível a sua tutela, seja buscando meios para vivê-la em plenitude, seja exigindo respeito pelos demais.

Partidário dessa mesma concepção, Sarlet:

É precipuamente com fundamento no reconhecimento da dignidade da pessoa por nossa Constituição, que se poderá admitir, também entre nós e apesar da omissão do Constituinte neste particular, a consagração – ainda que de modo implícito – de um direito ao livre desenvolvimento da personalidade. [47]

No tocante às características dos direitos da personalidade, pode-se, enumerá-los da seguinte forma: são direitos absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis, e ilimitados. [48]

Tradicionalmente a doutrina costuma desdobrar os direitos da personalidade nas seguintes facetas: “nome civil; direito à vida e à integridade física e direito ao corpo; integridade moral e direito à imagem e à intimidade”. [49]

As pretensões daqueles que apresentam a incongruência concernente ao sexo biológico/psicossocial se encaixam em todas essas facetas dos direitos da personalidade. O enfoque que será dado a eles diz respeito à relação disfóricos/direitos da personalidade.

Primeiramente cumpre dizer que o nome civil pode ser sucintamente definido como um traço distintivo, sua importância se revela na necessidade de distinguir as pessoas umas das outras, seja no plano dos direitos ou das obrigações. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, nome: É “o elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo sua procedência familiar”. [50]

Os elementos que integram o nome civil são:

  1. Nome de família - também chamado na linguagem jurídica de patronímico e vulgarmente conhecido como sobrenome, indica a família, a estirpe; ex: Brandão.

  2. Prenome – é o nome de batismo, que pode ser simples ou composto; ex: Rodrigo e Ana Paula.

  3. Partícula ou conjunção - normalmente precedem o nome de família; ex: João Pedro de Melo e Janete Andrada e Silva.

  4. Agnome - geralmente indicativo de nome de parentesco; ex: Thiago Ferreira Júnior e Lucas Henrique Neto. [51]

Em síntese, o nome compreende o prenome mais o sobrenome, não podendo ser outra a interpretação extraída do art. 16 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil).

Esta faceta é o “calcanhar de Aquiles” daqueles que possuem a disforia de gênero e já foram operados, porque o nome deve ser uníssono com o sexo da pessoa que o ostenta. Ter uma aparência feminina, por exemplo, e o nome referente ao sexo masculino é uma discrepância sem tamanho.

O direito do disfórico se relaciona com o viés em comento no momento posterior em que é realizada a cirurgia de redesignação sexual, pois a próxima etapa certamente será ingressar no Judiciário pleiteando a retificação de seu prenome no registro civil.

Na grande maioria dos casos, observa-se que mesmo antes do procedimento cirúrgico o indivíduo já adota um nome que esteja de acordo com sua personalidade, cabendo apenas ao Judiciário o reconhecimento desse direito.

Ora, se o próprio diploma civil salvaguarda a inviolabilidade do nome, é um enorme contracenso permitir que alguém seja vilipendiado justamente por possuir prenome que não condiz com a realidade.

Há muito tempo, a cirurgia de redesignação sexual deixou de ser considerada ilícita, a interpretação que se tem hoje é que o retromencionado tratamento não atrita com o direito à vida, à integridade física, bem como o direito ao corpo, muito pelo contrário, existe entre todos eles uma relação interdisciplinar.

A razão de ser da intervenção cirúrgica é corrigir a incongruência entre a mente e o corpo do indivíduo, restabelecendo-se dessa forma, a saúde física e mental do disfórico, haja vista que a disforia de gênero é reconhecidamente catalogada pelo Conselho Federal de Medicina como enfermidade.

O direito à vida deve ser encarado da forma mais ampla possível, pois ele é o sustentáculo de todos os direitos da personalidade, sendo indissociável o direito à vida digna da saúde física e mental. Outrossim, “o direito constitucional à saúde está resguardado pela Constituição Federal no art. 196, uma vez que, sem saúde, não é possível o desenvolvimento da personalidade”. [52]

Por sua vez, o direito à integridade física engloba também o direito ao próprio corpo e suas disposições. O cerne da questão se funda na possibilidade ou impossibilidade de dispor do próprio corpo e de partes dele.

A legislação infraconstitucional de nº 9.434/1997 ficou encarregada de estabelecer os limites que deverão ser obedecidos ao se dispor de partes integrantes do corpo humano, trazendo inserta no seu art. 1º que a disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano em vida ou post mortem devem se dar obrigatoriamente a título gratuito apenas para fins de transplante e tratamento.

Desta feita, percebe-se que mesmo não havendo expressa determinação legal referindo-se exatamente a operação de adequação sexual, se levarmos em consideração que a Ordem Jurídica deve ser interpretada como um todo uno e indivisível, visto que não existe ramo Jurídico absolutamente autônomo, poder-se-ia chegar a conclusão que estar-se-á diante da tão almejada permissão que legitimaria a realização do procedimento jurídico.

Ademais, reforçando ainda mais o caráter lícito de tal procedimento, tem-se a autorização expressa do CFM (Conselho Federal de Medicina) na resolução de nº 1.652/02, para que seja realizado esse tipo de procedimento em pacientes que apresentem a disforia de gênero.

Não se pode olvidar que o art. 13, Parágrafo Único, do Código Civil, traz a previsão de que salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

A regra trouxe uma relativização da indisponibilidade do corpo humano.

A discussão perde ainda mais consistência com o posicionamento acertado de Flávio Tartuce, cujo entendimento é no sentido de que o laudo médico, atestando a presença da transexualidade, se enquadraria na expressão “exigência médica” contida na primeira parte do artigo em comentário. Seu posicionamento se funda no enunciado nº 6 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, cujo teor segue: "Art. 13: A expressão "exigência médica", contida no art. 13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente". [53]

Dessa forma, não há o que se falar em responsabilização penal do médico, tampouco violação da integridade física do que deseja a conversão sexual. Muito pelo contrário, diante de tudo que foi exposto não há outra conclusão a não ser a que a prática da cirurgia se coaduna com os preceitos estabelecidos na Lei Civil.

Outro aspecto que não se pode deixar de comentar é a integridade moral, direito à imagem e à intimidade, todos se entrelaçam entre si. Essa faceta do direito da personalidade reforça tudo o que foi explanado no tópico anterior acerca do direito à intimidade, e para não tornar a leitura cansativa e repetitiva não se irá expor novamente, mas acrescente-se ao que foi dito anteriormente que a opção de implementar tal tratamento, incluindo aí todas as suas etapas, é decisão que integra a intimidade daquele que vive perturbado com sua situação de conflito interno. Compete somente a ele, na sua esfera de intimidade, decidir livrar-se daquilo que tanto o incomoda.


3. LEGISLAÇÃO E PROJETOS DE LEI CONCERNENTES À ALTERAÇÃO DO PRENOME E SEXO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 Lei 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos)

A vetusta Lei dos Registros Públicos regula as causas ensejadoras da mudança do nome civil, entretanto, a mesma não agasalha taxativamente a hipótese de alteração do prenome em decorrência de cirurgia de redesignação sexual.

A imutabilidade do nome, preconizada por esta Lei, vem sofrendo mitigações diante das possibilidades de modificações que aos poucos foram sendo inseridas no seu próprio bojo, entre elas destacam-se as principais: o prenome que expõe ao ridículo, o erro gráfico, a substituição por apelidos públicos notórios, autorização para enteado ou enteada adotar o nome de família do padrasto ou madrasta e a proteção à vítima e à testemunha.

a) Prenome capaz de expor ao ridículo

Pode-se considerar como ridículo aqueles prenomes que poderão expor o seu portador a situações embaraçosas, lhe causando vexames e constrangimentos, ao ponto de a própria pessoa recusar-se a declará-lo, ou quando obrigado a fazê-lo, o faz contrariado.

Consoante Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ridículo é tudo aquilo suscetível de provocar riso ou escárnio. [54]

Para tentar evitar esses casos a LRP (Lei dos Registros Públicos), por inteligência do Parágrafo Único, do art. 55, prevê que o oficial do registro civil poderá se recusar a registrar prenomes que sejam capazes de expor ao ridículo os seus portadores. Caso os genitores se oponham a recusa exarada pelo oficial, este submeterá a questão ao juízo competente, independentemente de quaisquer emolumentos.

É óbvio que nessas situações o oficial do registro deverá agir pautado no bom senso, pois exposição ao ridículo é algo subjetivo, que varia de pessoa para pessoa, só devendo tolher a escolha dos genitores se realmente o prenome for bizarro.

Pontua Tereza Rodrigues Vieira que prenomes que suscitem dúvidas com relação ao sexo do titular devem ser evitados, exceto se forem compostos, que não permitam dúvidas e confusões, por exemplo: Valdeci Carlos, Edi Cristina, Juraci Regina. [55]

Os pais têm que entender que o nome é um traço distintivo que acompanha o indivíduo por toda sua vida, e por isso, a imposição de nomes que possam lhe causar escárnio, embaraço serão verdadeiros óbices em suas vidas.

Ana Pându coletou uma extensa lista de nomes extravagantes, excêntricos, das mais diversas fontes: catálogos de telefones, recenseamentos, jornais, revistas, etc: Abc Lopes, Abril Alves, Abrilina Décima nona Caçapava, Adelaide Cuoco Cuca- racha, Adriano Costa Vaso Veludo, Adriano Pereira Órfão, Aires Abreu Preguiça, Alberto José Bicha, Ametista de Ouro Branco, Amílcar José Fundinho, Amim Amou Amado, Antonio Abreu Pezinho, Antonio carnaval Quaresma, Antonio Dodói, Antonio Laranjeiras Lima, Aricléia Café Chá, Arnaldo Augusto Queijo, Benvindo o Dia do Meu Nascimento Cardoso, Himeneu Casamentício das Dores Conjugais, Janeiro Fevereiro da Silva Março, Oceano Atlântico Linhares, Oceano Pacífico, Restos mortais de Catarina e Zero Fonseca. [56]

Para remediar esses casos excepcionais, os arts. 56 e 57 da Lei dos Registros Públicos permite a alteração do prenome ridículo. No art. 56 há a previsão de alteração do nome no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil. Por sua vez, o art. 57 determina que a alteração posterior ao preestabelecido no artigo anterior somente se dará por exceção e motivadamente, sendo obrigatória a participação do Ministério Público em todos os atos do processo.

Não é difícil constatar que nomes como os citados acima sem dúvida alguma expõem ao ridículo seus portadores, sendo medida salutar e de extrema justiça substituí-los por outros mais apropriados. Em igual posição Tereza Rodrigues Vieira: “É indiscutível o direito de pessoas detentoras de nomes ridículos pleitearem a mudança do nome civil, sendo tal alteração não só possível, como ainda aconselhável, cessando assim, exposição constante a motejos e sarcasmos”. [57]

Algumas vezes os disfóricos, por analogia, se utilizam deste argumento para conseguir a alteração do prenome no seu assento de nascimento, uma vez que, realizada a cirurgia de reversão o prenome anterior não mais será condizente com a personalidade do seu titular, a discrepância será objeto de aborrecimentos e chacotas.

b) Erro gráfico

O erro gráfico consiste em retificações decorrentes da escrita errônea relativa ao nome civil. São aqueles que ao invés de se grafar uma letra, por exemplo, se grafa outra em seu lugar. A retificação por esse motivo visa corrigir imperfeições ou omissões ocorridas ao se confeccionar o assento de nascimento.

Tereza Rodrigues Vieira anota: “Os pedidos são constantes, pois não é raro encontrarmos pessoas registradas como, por exemplo, Geraudo, Isabéu, Nicolal, Óuga, Váuter, Néuton, Oliúde, Maiquel etc”. [58]

O procedimento estabelecido nos termos da Lei em comento (artigo 110 e parágrafos) com relação à erro gráfico é extremamente simples: o próprio Cartório onde se encontrar o assentamento, desde que os erros não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.

Caso o Ministério Público entenda que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo.

Eis a ementa:

Registro civil. Retificação. Correção da grafia do prenome. Sidnéia em lugar de Sedneia. Evidente o equívoco do registrador. Forma não usual. Ausência de prejuízos para terceiros. Interpretação da legislação em face da lógica do razoável.

Constrangimento efetivo na utilização da grafia lançada em registro. Indicação, em documentos públicos, da utilização da grafia pretendida em mudança. Possibilidade da alteração. Excepcionalidade demonstrada. Sentença reformada. Recurso provido. [59]

No acórdão, bem se vê que o relator percebeu o equívoco cometido pelo oficial do registro do cartório e reformou a decisão do juiz a quo. Comumente é o que ocorre, emprega-se letra diversa da que deveria constar ou suprime-se uma letra que deveria ser usada.

Conforme autorizada doutrina, a retificação com fulcro no erro de grafia se estende não só ao prenome, mas também deve ser admitida para corrigir o nome de família e o agnome, pois não haverá alteração alguma no sobrenome, apenas a mera correção.

c) Apelidos públicos notórios

A definitividade do prenome, como dito anteriormente, foi flexibilizada com a nova redação dada ao art. 58 da LRP, modificada pela Lei nº 9.708/1999. Anteriormente, a aludida Lei era peremptória ao declarar neste mesmo artigo a imutabilidade do nome.

Pois bem, em face dessa flexibilização, agora o prenome é passível de substituição por apelidos públicos notórios.

Por apelidos públicos notórios pode-se entender como sendo aquele prenome diverso do que está registrado no assento de nascimento do indivíduo, aquele em que é reconhecida determinada pessoa no meio social em que vive, muitas vezes nem se sabe sobre a incoerência existente entre ele e o que está consignado no assentamento.

Um exemplo servirá para tornar claro, a ideia: “Luana” foi registrada com o prenome de Luciana, entretanto este não é usado e é do conhecimento de todos que Luana é o seu prenome, é por meio dele que ela é identificada no trabalho, na faculdade, na família, entre os amigos, etc.

No exemplo citado acima, ela poderá optar por substituir o primeiro prenome pelo apelido “Luana”, pode acrescentá-lo antes do primeiro prenome ou pode ainda intercalá- lo entre o prenome e o nome de família.

Normalmente as personalidades ligadas à televisão, política, esportes adotam apelidos públicos notórios, por ser dessa maneira que são reconhecidos nacionalmente e até internacionalmente, é o caso, por exemplo, de: Maria da Graça Meneghel, que passou a se chamar, Maria da Graça Xuxa Meneghel e Luis Inácio da Silva, que passou a se chamar Luis Inácio Lula da Silva;

Não é outra a propensão dos Tribunais:

RETIFICACAO DE ASSENTO CIVIL. PRENOME DUPLO. EXCLUSAO DE UM. POSSIBILIDADE. A regra da imutabilidade do prenome não mais vige, diante da nova dicção do art. 58, caput, da Lei de Registros Públicos (com redação dada pela Lei nº 9.708, de 18.11.98), segundo o qual o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos e notórios. Diante disso, não existe óbice a que a pessoa postule a retificação do seu registro civil a fim de excluir prenome composto (Maria Conceição) para torná-lo simples (Maria), pelo qual é conhecida no meio social em que vive, máxime quando da pretensão requerida não se vislumbra qualquer intuito fraudulento de causar prejuízo a outrem. Apelo conhecido e provido. [60]

Por isso, em sintonia com o exposto até agora, é possível afirmar que a imutabilidade do nome, ainda que relativa, visa resguardar a segurança jurídica, mas desde que se comprove, como no presente caso em tela, que não há intuito fraudulento, se assim o for, não há obstáculo algum para o indeferimento do pleito.

d) Autorização para enteado ou enteada adotar o nome de família de padrasto ou madrasta

De autoria do Deputado Federal, Clodovil Hernandes, a Lei nº 11.924/2009, alterou o art. 57, da Lei nº 6.015/1973, inserindo mais um parágrafo, o oitavo, cujo teor autoriza o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta.

O procedimento previsto é relativamente simples, o enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º do artigo já citado acima, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.

Percebe-se que existem dois requisitos a serem preenchidos: o primeiro, requerimento do enteado ou da enteada, o segundo, a expressa concordância da madrasta ou padrasto.

Interessante notar, que não há a supressão dos apelidos de família do requerente, apenas será acrescido ao seu nome de família primitivo o apelido de família de sua madrasta ou padrasto.

A intenção do legislador foi consentir que aqueles que se sentem acolhidos como filhos pelos companheiros de seus pais possam efetivamente desfrutar do prazer de carregar o sobrenome de quem muitas vezes é muito mais presente que seus pais biológicos.

Por outro lado, os pais biológicos não poderão se sentir desvalorizados, pois em nada afetará a mencionada averbação no tocante à filiação, sucessão.

e) Proteção à vítima e à testemunha

Mais uma possibilidade de alteração do nome civil encontra-se positivada na LRP, cuida-se do Parágrafo Único, do artigo 58. Oriunda da Lei nº 9.807/1999, a proteção à vítima e à testemunha, determinou a inclusão deste supracitado parágrafo, o qual prevê a substituição do nome em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Parquet.

Entre todas as medidas de proteção elencadas por esta Lei, somente esta será comentada, por razões óbvias, apenas ela diz respeito à mudança de nome.

A finalidade dessa Lei é garantir a integridade física e psicológica dos indivíduos que colaboraram voluntariamente para a elucidação da investigação policial ou processo criminal. [61]

Em casos extremos poderá haver até a mudança do nome completo, com vistas a promover a segurança do protegido pelo programa. Nesses casos extremos, a petição dirigida ao juiz deverá ser bem fundamentada e este ouvirá previamente o Ministério Público, determinando, em seguida, que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça.

Vale ressaltar, que é o único caso em que é permitido mudar completamente o nome inteiro, pois nas demais hipóteses a permissão se restringe apenas ao prenome ou à correção de eventuais erros, assim como o acréscimo de apelidos de família.

Cumpre salientar que conforme expressa disposição do parágrafo 1º, do artigo 2º, as medidas de proteção poderão ser dirigidas ou estendidas ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso. O que se leva a crer que a alteração do prenome também pode atingir aos parentes mencionados.

A intenção do legislador foi acabar com a impunidade, oferecendo proteção em troca de informações privilegiadas.

Destarte, verifica-se que a LRP não comporta dispositivo específico que permita sequer a alteração do prenome, quem dirá do sexo dos que se submeteram a cirurgia de redesignação de sexo. Eventuais pedidos de retificação de registro civil formulados por disfóricos, deverão se socorrer a analogias, ante o silêncio da legislação vigente.

3.2 Projeto de Lei nº 70/1995

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 70/1995, que admite a mudança do prenome e sexo mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido à intervenção cirúrgica destinada à redesignação de sexo. Altera as disposições do Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal) e a Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos).

O projeto de Lei foi proposto pelo então na época Deputado Federal José Coimbra (PTB/SP), em 22/02/1995, há exatos 16 anos. Atualmente a retrocitada proposta encontra-se pronta para pauta no Plenário da Câmara dos Deputados. [62]

A redação original da proposta visava alterar dois dispositivos, o art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848/1940 e o art. 58 da Lei nº 6.015/1973, que passariam a vigorar da seguinte forma:

Art. 129. ...............

Exclusão do crime

§ 9º Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação de órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica. [63]

Caso esse projeto de Lei venha a ser aprovado, algum dia, verifica-se que essa disposição virá, embora que tardia, apenas para sedimentar o que há tempos a doutrina e jurisprudência vêm entendendo, com a determinação expressa no corpo da Lei não haverá mais espaços para discussões acerca da licitude ou ilicitude da cirurgia.

A morosidade do legislador é gritante, o que era para ser o nono parágrafo do art. 129 do Código Penal, caso venha a ser incorporado ao Diploma Penal, será o de número doze, tendo em vista que o Diploma Penal já conta atualmente no dispositivo relativo às lesões corporais com onze parágrafos.

Por sua vez, a Lei dos Registros Públicos teria modificada a redação do art. 58, caput, bem como a inclusão de mais alguns parágrafos:

Art. 58. O prenome será imutável, salvo nos casos previstos neste artigo.

§1º Quando for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado.

§2º Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido à intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário.

§3º No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e no respectivo de identidade ser a pessoa transexual. [64]

O Projeto de Lei peca pela pecha da inconstitucionalidade material, seu conteúdo, mais especificamente no que se refere à inscrição da expressão “transexual” no assento de nascimento não se coaduna com os princípios e garantias insculpidos na Lei Maior.

Em suma, o parágrafo 3º vai de encontro frontalmente às diretrizes e garantias fundamentais elencados na Constituição.

Permitir a averbação do estado anterior do requerente no assentamento e reproduzi-lo nos demais documentos que identificam o indivíduo é ferir os direitos assegurados constitucionalmente a todos, quais sejam: à intimidade e à vida privada.

Justamente por esse motivo e para que essa proposta não malogre, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, emendou o Projeto duas vezes. A primeira para sanar a inconstitucionalidade material, a segunda, visando aperfeiçoar ainda mais o que já se tinha proposto.

Com base no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, que tutela a intimidade e vida privada da pessoa a CCJC ao emendar o projeto pela primeira vez, propôs que o § 3º fosse substituído pelo seguinte: “No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro”. [65]

Dessa forma, a mácula da inconstitucionalidade estaria afastada possibilitando a conformação das referidas Leis infraconstitucionais como o disposto na Lei Maior, assim como também permitirá que os disfóricos tenham sua situação jurídica resguardada, não o sujeitando a situações que o exponham a ridículo perante o meio social.

No que tange à segunda emenda, depreende-se que a mesma tem a finalidade precípua de apenas aperfeiçoar o que já havia sido disposto no Projeto de Lei original. Assim, a CCJC apresentou também a ideia de criação de mais um parágrafo ao art. 58 da Lei nº 6.015/1973, seria o quarto parágrafo, cuja redação seria nos seguintes termos: “É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial”. [66]

Como se vê, o Projeto de Lei é bastante relevante, e quando for aprovado, se for aprovado, terá como função apaziguar os pontos controvertidos dessa questão, encerrando de vez o processo de manutenção a marginalização dos disfóricos.

3.3 Estatuto da Diversidade Sexual

Cuida-se de grande inovação na seara jurídica, o Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual, que foi elaborado pela Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O referido Estatuto, como não poderia deixar de ser, abrangeu em suas disposições os direitos dos disfóricos.

Ao todo, são 111 artigos que conferem direitos aos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais, bem como deveres para a toda sociedade e poder público.

Além de apontar políticas públicas que atendam satisfatoriamente esta parcela da população, há inclusive, a indicação dos dispositivos da legislação infraconstitucional que precisam ser mudados.

A Comissão é composta por membros de notável saber jurídico que são autoridades com relação à matéria, o que faz do anteprojeto um trabalho sério e de alta credibilidade. É presidida por Maria Berenice Dias (RS), integrada por Adriana Galvão Moura Abílio (SP); Jorge Marcos Freitas (DF); Marcos Vinicius Torres Pereira (RJ) e Paulo Tavares Mariante (SP). Tendo como membros consultores: Daniel Sarmento (RJ); Luis Roberto Barroso (RJ); Rodrigo da Cunha Pereira (MG) e Tereza Rodrigues Vieira (SP). [67]

Louvável a proposta elaborada pela Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados (OAB): logo no art. 1º, pode-se vislumbrar claramente a finalidade de sua criação, qual seja: promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos.

O art. 4º traz o rol de princípios que norteiam a interpretação e aplicação do estatuto, tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade e respeito à diferença, direito à livre orientação sexual, reconhecimento da personalidade de acordo com a identidade de gênero, direito à convivência comunitária e familiar, liberdade de constituição de família e de vínculos parentais, respeito à intimidade, à privacidade e à autodeterminação e direito fundamental à felicidade.

O capítulo VII, é dedicado exclusivamente à disforia de gênero, contém 12 artigos que regulamentam, entre outras disposições, o direito à livre expressão da identidade de gênero, assegurando o livre acesso à procedimentos médicos, cirúrgicos e psicológicos, tanto particulares, como custeados pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

O estatuto avança em muitos pontos, um dos mais interessantes diz respeito à adequação sexual, permitindo que seja iniciada a partir dos 14 anos de idade, ressalvando-se, contudo, que deverá haver indicação terapêutica por equipe médica e multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares não-cirúrgicos. Ademais, consoante previsão constante do art. 38, as cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente a partir dos 18 anos de idade.

Devido à relevância da adequação do prenome e do sexo para os invertidos sexualmente, cabe transcrever os artigos relativos à tal disposição:

Art. 39 - É reconhecido aos transexuais, travestis e intersexuais o direito à retificação do nome e da identidade sexual, para adequá-los à sua identidade psíquica e social, independentemente de realização da cirurgia de transgenitalização.

Art. 40 - A sentença de alteração do nome e sexo dos transexuais, travestis e intersexuais será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.

Parágrafo único - Nas certidões não podem constar quaisquer referências à mudança levada a efeito, a não ser a requerimento da parte ou por determinação judicial.

Art. 41 - Quando houver alteração de nome ou sexo decorrente de decisão judicial é assegurada a retificação em todos os outros registros e documentos, sem qualquer referência à causa da mudança. [68]

O anteprojeto do Estatuto é muito moderno, pois permite que haja a retificação do nome e da identidade sexual mesmo antes da realização da cirurgia. Com todo o respeito ao brilhante trabalho em questão, cumpre ressaltar, que tal disposição poderá despertar naqueles mais conservadores uma certa polêmica, visto que pode ser que se considere um pouco precipitada a supracitada retificação.

Por outro lado, todas as dúvidas que poderiam existir com relação à retificação do prenome serão dissipadas, o dispositivo é claro e uma vez aprovado dentro dos ditames da lei não há porquê não ser cumprido. O conteúdo do art. 41 condensa boa parte da posição sufragada por este trabalho, ou seja, o direito ao esquecimento do estado anterior, a preservação da intimidade e vida privada daquele que possui o sexo morfológico diferente do biológico, bem como o respeito pela dignidade humana.

As questões reflexas como alistamento militar, direito previdenciário não foram esquecidas pelo Estatuto, todas elas possuem um capítulo próprio que as tratam com todas as minúcias a que são dignas.

No tocante ao direito à educação, merece destaque o art. 59 do Estatuto da Diversidade Sexual:

Art. 59 - Os estabelecimentos de ensino devem coibir, no ambiente escolar, situações que visem intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor aluno a constrangimento físico ou moral, em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero. [69]

É de fundamental importância essa proteção conferida aos invertidos sexualmente, pois o abandono da escola, exatamente por não suportar a discriminação traz inúmeras consequências negativas para a vida adulta, bem como evita que esses indivíduos sejam literalmente banidos da convivência social por serem diferentes.

O direito ao trabalho foi assegurado no capítulo XI do Estatuto que, em linhas gerais garante o acesso ao mercado de trabalho a todos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. Indo mais além, veda qualquer ato discriminatório no ingresso, na admissão ou com relação à promoção, na esfera pública ou privada, em razão da orientação sexual ou identidade de gênero do profissional.

No tocante à demissão, se ficar constatado que esta se deu por motivos relacionados à identidade de gênero ou orientação sexual, configura-se por expressa disposição do anteprojeto como discriminação.

Já está mais do que na hora de dar um basta a exclusão social a que são submetidos esses indivíduos, o referido anteprojeto traça todas as coordenadas necessárias para a inclusão social daqueles que vivem a margem da sociedade, que se diz “democrática”.

O art. 80 prevê a tramitação em segredo de justiça das demandas que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero, mais uma vez prestigiou o princípio da dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais à intimidade e privacidade das pessoas.

Por fim, o anteprojeto não só confere direitos aos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, visa também punir aqueles que desrespeitem o sujeito em razão de sua condição sexual, e para isso, traz no seu bojo quatro condutas típicas e antijurídicas:

Crime de homofobia

Art. 100 - Praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas previstas neste Estatuto em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1º - Incide na mesma pena toda a manifestação que incite o ódio ou pregue a inferioridade de alguém em razão de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. [70]

A primeira conduta, denominada de crime de homofobia, visa combater a intolerância e a violência contra aqueles que possuem a orientação sexual diferente ou que apresentam o conflito de identidade, punindo severamente aquele que praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas. De acordo com o artigo acima mencionado, percebe-se que o princípio da igualdade foi a principal baliza usada pela comissão para elaboração do tipo penal.

No contexto social que estão inseridos os disfóricos, a violência também se faz muito presente no cotidiano e foi pensando nisso que o anteprojeto criou a próxima figura típica e antijurídica:

Indução à violência

Art. 101 - Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além da pena aplicada à violência. [71]

A luta contra a violência e a impunidade é uma constante na vida desses sujeitos. A grande maioria que agride, por qualquer forma de violência, acredita que não lhes acontecerá nada, porque a sociedade fecha os olhos e se cala quando o problema é com aquele que vive marginalizado, que é esquecido pelas autoridades e pelos próprios concidadãos.

Pesquisas recentes apontam para um número alarmante de violência praticada contra homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais, bem como corroboram a necessidade de ser criado um tipo penal como o descrito acima:

Resultados de recente estudo sobre violência realizado no Rio de Janeiro, envolvendo 416 homossexuais (gays, lésbicas, travestis e transexuais) revelaram que 60% dos entrevistados já tinham sido vítimas de algum tipo de agressão motivada pela orientação sexual, confirmando assim que a homofobia se reproduz sob múltiplas formas e em proporções muito significativas. Quando perguntados sobre os tipos de agressão vivenciada, 16,6% disseram ter sofrido agressão física (cifra que sobe para 42,3%, entre travestis e transexuais), 18% já haviam sofrido algum tipo de chantagem e extorsão (cifra que, entre travestis e transexuais, sobe para 30,8%) e, 56,3% declararam já haver passado pela experiência de ouvir xingamentos, ofensas verbais e ameaças relacionadas à homossexualidade. Além disso, devido a sua orientação sexual, 58,5% declararam já haver experimentado discriminação ou humilhação tais como impedimento de ingresso em estabelecimentos comerciais, expulsão de casa, mau tratamento por parte de servidores públicos, colegas, amigos e familiares, chacotas, problemas na escola, no trabalho ou no bairro. [72]

Os dados expostos acima são uma reprodução fidedigna da dura realidade enfrentada por essa população, a violência se manifesta desde o xingamento até as formas mais extremas, como agressão física e até mesmo assassinatos. Isso ocorre porque esses indivíduos exteriorizaram publicamente sua real identidade sexual ou orientação sexual.

Atento a esta realidade, o Estatuto da Diversidade Sexual criminalizou especificamente este tipo de conduta, no afã de combater a vulnerabilidade social que atinge essa população.

Qualquer forma de discriminação é degradante, andou bem a Comissão quando estatuiu a penalização no segmento trabalho e relações de consumo, porquanto, é próprio da natureza dessas relações que um dos polos seja mais frágil e se torna ainda mais, em se tratando de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais. Para equilibrar essas relações foram elaborados dois tipos penais, cujas sanções punem com o rigor necessário:

Discriminação no mercado de trabalho

Art. 102 - Deixar de contratar alguém ou dificultar a sua contratação, quando atendidas as qualificações exigidas para o cargo ou função, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço se a discriminação se dá no acesso aos cargos, funções e contratos da administração pública.

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, discrimina alguém motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Discriminação nas relações de consumo

Art. 103 - Recusar ou impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 104 - Todo o delito em que ficar evidenciada a motivação homofóbica terá a pena agravada em um terço. [73]

Esse anteprojeto, se aprovado, será de grande valia não só para aqueles que apresentam a disforia de gênero, como também para todos os outros que também sofrem com a invisibilidade jurídica. Pode-se dizer que o objetivo primordial do Estatuto, é resgatar a cidadania e fortalecer o direito à dignidade e o respeito à diferença.

Para que isso seja possível, o Estatuto da Diversidade Sexual propõe uma série de mudanças, desde artigos da Constituição Federal até a legislação infraconstitucional, como por exemplo, o Código Civil, Código Penal, Consolidação das Leis Trabalhistas, Legislação Previdenciária, acrescendo e suprimindo dispositivos de modo que o microssistema seja o mais completo possível, não comportando lacunas.

Tendo em vista que inúmeros Projetos de Leis versaram sobre o assunto, mas nenhum logrou êxito em ser aprovado, já está na mais do que hora de ser aprovada uma legislação específica, capaz de tutelar de modo eficaz os que são vítimas do silêncio da lei.

Ademais, faz-se bom lembrar que o Anteprojeto de Lei foi entregue à OAB Federal, em 23 de agosto de 2011, faltando percorrer os demais trâmites processuais preestabelecidos para a criação de leis.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disforia de gênero é a terminologia correta que define o fenômeno tão conhecido de todos como sendo “transexualidade”. Na realidade, o que se chama de “fenômeno” é reconhecidamente uma patologia, catalogada na Classificação Internacional de Doenças (CID 10), cujo código é F 64.0.

O Código Internacional de Doenças inseriu o transexualismo na categoria correspondente aos transtornos da identidade sexual, esse transtorno está intrinsecamente ligado à percepção que o indivíduo tem de si mesmo, caracterizando-se pela inadaptação ao sexo biológico e pela presença do desejo persistente de se submeter à intervenção cirúrgica ou a tratamento hormonal com vistas a tentar ajustar o físico ao psíquico. Em suma, há um conflito entre o corpo e a mente desses indivíduos, que se sentem com almas femininas aprisionadas em corpos masculinos e vice-versa.

As origens desse transtorno são desconhecidas. Entretanto, o que se sabe, é que a identidade sexual é composta por três fatores: o biológico, que determina as características genitais de cada um; o psicossexual, que corresponde à percepção que cada um tem si mesmo e o psicossocial que é o responsável pela exteriorização do sexo para a sociedade.

Destarte, percebe-se que no disfórico o fator psicossexual e o psicossocial serão atinentes a um dado sexo, porquanto o sujeito se enxergará como pertencente a um dos gêneros e será esse o papel que irá exercer perante a sociedade, enquanto que o biológico estará em dissonância com os dois primeiros, daí o conflito.

Como atualmente a Medicina se encontra em estágio bem avançado, já é possível harmonizar o sexo biológico com o psicológico como forma de amenizar o sofrimento causado por este transtorno, todavia, a inversão sexual não é apenas uma questão de saúde, envolve também direitos que em hipótese alguma podem ser olvidados.

Consoante o disposto no decorrer deste trabalho, indubitavelmente não se discute mais a ilicitude ou licitude da cirurgia de redesignação sexual, uma vez detectada a disforia de gênero por equipe técnica especializada, não há outro caminho a percorrer a não ser a realização desta terapêutica, como forma de cura da patologia que é a inversão de sexo.

Vencida esta etapa, percebe-se que a doutrina e jurisprudência vêm se inclinando no sentido de reconhecer a alteração de prenome e sexo do redesignado sexualmente com esteio na dignidade da pessoa humana.

De outra banda, as decisões têm avançado significativamente pela proibição de referência quanto ao estado anterior, entre tutelar-se o terceiro que com ele venha a relacionar-se e a salvaguarda dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados à intimidade e à vida privada, tem se prestigiado os segundos, em razão de que o terceiro que eventualmente se sinta prejudicado tem a sua disposição meios idôneos de responsabilizar o disfórico por sua omissão.

Os direitos da personalidade vêm para reforçar ainda mais, se é que ainda há alguma dúvida, que os que sofrem do transtorno de identidade possuem o direito à redesignação sexual, à retificação do registro civil e à integridade moral. Esses direitos são importantíssimos, pois inegavelmente estão adstritos ao livre desenvolvimento da personalidade do sujeito.

Em que pese, a jurisprudência pátria se inclinar na direção de reconhecer os direitos desses indivíduos tão discriminados, há ainda a necessidade de se criar uma legislação específica, capaz de atender aos anseios daqueles que desejam ver-se integrados no seio da sociedade. O porquê é muito simples, o que existe são apenas mecanismos de se conseguir por vias oblíquas satisfazer apenas uma parte da pretensão daquele que apresenta a desarmonia entre o corpo e a mente.

Explicando melhor, não obstante a Lei dos Registros Públicos, possibilitar a retificação do nome civil com fulcro no argumento de prenome que expõe ao ridículo e apelidos públicos notórios, ela não resolve a questão da aposentadoria, do alistamento militar, questões trabalhistas, todas essas são questões reflexas que sempre haverá lacunas. Por isso, que se diz “apenas uma parte da pretensão será satisfeita”.

A pretensão do disfórico vai muito além de inserir no assento de nascimento um nome civil que esteja de acordo com sua personalidade, ele quer respeito, proteção, condições de se desenvolver livremente como pessoa, para aí sim poder se integrar de fato socialmente. Mas, a sociedade infelizmente, vem tolhendo cada vez mais as potencialidades desses indivíduos, através de atitudes discriminatórias, violentas, repressoras as pessoas desdenham de seu bem mais precioso, a dignidade humana.

A inércia do legislativo, talvez por não considerar importante a temática, contribui para a invisibilidade jurídica, inúmeros projetos de leis são criados e se arrastam indefinidamente pelas casas legislativas, alguns se tornaram até obsoletos (as propostas originais) em face do avanço das decisões reiteradas dos tribunais. Nada se justifica o descaso e a morosidade!

Felizmente, ainda há esperança, o Anteprojeto de Lei, intitulado Estatuto da Diversidade Sexual, grande inovação jurídica, não se cansa de dizer, terá a incumbência de suprir a ausência de legislação específica, traduz-se num projeto minucioso e completo que vai solucionar de uma vez por todas as lacunas atinentes a este segmento do direito.

O Estatuto se atém desde os direitos mais elementares se estendendo até as questões reflexas, se preocupando em apontar políticas públicas, dispositivos infraconstitucionais que precisam ser alterados e visando diminuir a violência que atinge essa população criminalizaram-se algumas condutas.

Enfim, considerando que os direitos dos disfóricos além de se encontrarem assentes na Constituição Federal de 1988 e legislações infraconstitucionais, embora que indiretamente, nada substituirá o peso de uma legislação específica capaz de conferir a igualdade a esses indivíduos em face de suas peculiaridades.


REFERÊNCIAS

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Notas

1 JUSTUS, Flávia. A possibilidade de alteração do registro civil do transexual operado. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18310/a-possibilidade-de-alteracao-do-registro-civil-do-transexual-operado>. Acesso em: 21 ago. 2011.

2 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O preconceito & a justiça. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 120.

3.CENTRO COLABORADOR DA OMS PARA A CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS EM PORTUGUÊS – CBCD. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. CID 10.Disponível em :< https://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>. Acesso em: 19 ago. 2011.

4 VERDE, Jole Baldaro; ALESSANDRA, Graziottin. Transexualismo O Enigma da Identidade. São Paulo: Paulus, 1997. p. 52.

5 ALMEIDA, Sérgio de. Transexualidade e etiologias: como desvendar este mistério. In VIEIRA, Tereza Rodrigues; PAIVA, Luiz Airton (Org). Identidade Sexual e transexualidade. São Paulo: Roca, 2009. p. 50.

6 VERDE, Jole Baldaro; ALESSANDRA, Graziottin. Transexualismo O Enigma da Identidade. São Paulo:Paulus, 1997. p. 53.

7. CHILAND, Colette. O Transexualismo. São Paulo: Loyola, 2008. p. 42.

8. PINTO, Maria Jaqueline Coelho; BRUNS Maria Alves de Toledo. Avaliação psicológica em transexualidade no Hospital de Base de São José do Rio Preto. In VIEIRA, Tereza Rodrigues; PAIVA, Luiz Airton (Org). Identidade Sexual e transexualidade. São Paulo: Roca, 2009. p. 75.

9.SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de Sexo – Aspectos Médicos Legais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 109.

10 DIAS, Maria Berenice ,Liberdade sexual e direitos humanos . Disponível em: <https://www.mariaberenicedias.com.br/uploads/16_-_liberdade_sexual_e_direitos_humanos.pdf>. Acesso em: 07 set. 2011.

11 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Tansexualismo O Direito a uma nova Identidade Sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 111

12. Revista dos Tribunais, 1993. p. 63.

13 QUAGLIA, Dorina. Intersexualidade. In VIEIRA, Tereza Rodrigues; PAIVA, Luiz Airton (Org). Identidade Sexual e transexualidade. São Paulo: Roca, 2009. p. 25.

14.SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de Sexo – Aspectos Médicos Legais. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1993. pp. 75-76.

15. SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de Sexo – Aspectos Médicos Legais. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1993. p. 160.

16 PINTO, Maria Jaqueline Coelho; BRUNS Maria Alves de Toledo. Avaliação psicológica em transexualidade no Hospital de Base de São José do Rio Preto. In VIEIRA, Tereza Rodrigues; PAIVA, Luiz Airton (Org). Identidade Sexual e transexualidade. São Paulo: Roca, 2009. p. 73.

17 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de Sexo. Aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Santos, 1996. p. 222.

18 BRASIL.Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.652 de 06 de novembro de 2002. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_resolucoes&buscaEfetuada=true&resolucoesUf=&resolucoesNumero=1482&resolucoesAno=1997&resolucoesAssunto=7&resolucoesTexto=>. Acesso em: 27 ago. 2011.

19 ARÁN, Márcia; MURTA, Daniela; LIONÇO, Tatiana. Transexualidade e saúde Pública no Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v 14, n 4, pp. 1141-1149, julho/agosto 2009.

20 DWORKIN, Ronald; ALEXY Robert apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 36-37.

21 ARAUJO, Luiz Alberto Davi. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 78.

22 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 353.

23 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6 ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro. Brasília:Universidade de Brasília, 1995. pp. 92-93-94-95-96.

24 DWORKIN, Ronald; ALEXY Robert apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 37.

25 FURLAN, Alessandra Cristina; ESPOLADOR, Rita de Cássia R. T.; CORRÊA, Adriane K. Menezes; BISPO Mayara Silva. Dignidade da pessoa humana. UNOPAR Científica: Ciências Jurídicas e Empresariais. Londrina, v. 1, n. 1, pp. 73-79, março 2000.

26 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1998. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 60.

27 DIAS, Maria Berenice. Transexualidade e o direito de casar. Disponível em: <https://www.mariaberenice.com.br/pt/home.dept>. Acesso em: 08 out. 2011.

28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 197.

29 SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011. p. 108.

30 FURLAN, Alessandra Cristina; ESPOLADOR, Rita de Cássia R. T.; CORRÊA, Adriane K. Menezes; BISPO Mayara Silva. Dignidade da pessoa humana. Revista UNOPAR Científica: Ciências Jurídicas e Empresariais. Londrina, v. 1, n. 1, pp. 73-79, março 2000.

31 ARAUJO, Luiz Alberto Davi. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 104.

32 ARAUJO, Luiz Alberto Davi. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 123.

33 GORCZEVSKI, Clovis; CAGLIARI, Claúdia; RICHTER, Daniela. O princípio da dignidade da pessoa humana. Revista do Direito/Universidade de Santa Cruz do Sul. Santa Cruz do Sul, n 1, pp. 163-174, junho 1994.

34 SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011. p. 108.

35 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de sexo. Aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Santos, 1996. p. 60.

36 15ª REGIÃO. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso ordinário nº 0078000-40.2008.5.15.0018. Dano moral. Trabalhador que assume sua transexualidade. Discriminação velada. Relator: Lourival ferreira dos Santos, 01 de junho de 2010. Disponível em: < https://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/wPesquisaJurisprudencia>. Acesso em: 12 out. 2011.

37 PAIANO, Daniela Braga. Direito à intimidade e à vida privada. Revista Notices: revista do Curso de Direito/Instituto Catuai de Ensino Superior. Cambé, v. 01, nº 01, pp. 108-121, jan./dez. 2007.

38 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 269.

39 DOTTI, René Ariel apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 207.

40 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 206.

41 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 597156728. Registro Público. Alteração do Registro de Nascimento. Nome e sexo. Transexualismo. Relator: Tael João Selistre, 18 de dezembro de 1997. Disponível em: < https://www.tjrs.jus.br/busca/?q=transexual&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3º%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=&as_q=&ini=10>. Acesso em: 12 out. 2011.

42 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O preconceito & a justiça. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 126.

43 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70021120522. Registro Civil. Alteração. Prenome e gênero. Transexualismo. Poibição de referência quanto a mudança. Relator: Rui Portanova, 11 de outubro de 2007. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/busca/?q=transexual&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3º%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 12 out. 2011.

44 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 301-302.

45 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Atlas 2005. p. 49.

46 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 147.

47.SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e “novos” direitos na Constituição Federal de 1988. In SPENGLER, Fabiana Marion; LUCAS, Douglas Cesar (Org.). Conflito, Jurisdição e direitos humanos. Ijuí: Unijuí, 2008. p. 193.

48 TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Lei de introdução e parte geral. 7 ed. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 187.

49 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 206.

50 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 207.

51 VIEIRA. Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,2009. p. 27.

52 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no Registro Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,2009. p. 246.

53 TARTUCE,Flávio.Mudança do Nome do transexual. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=354r>. Acesso em: 16 out. 2011.

54 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: O minidicionário da língua portuguesa. 6 ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 710.

55 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 130.

56 PANDIÁ; ANA Pându apud VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 125.

57 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 126.

58 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 142.

59 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 9090973-09.2004.8.26.0000. Registro Civil. Retificação. Correção da grafia do prenome. Relator: Des. Elson Trujillo, 18 de outubro de 2005.Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do>. Acesso em: 29 out. 2011.

60 GOIÁS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 200101239232. Retificação de assento civil. Prenome duplo.Exclusão de um. Relator: Des. José Pereira de Souza Reis, 24 de novembro de 2002. Disponível em: <https://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consultas&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar>.Acesso em: 29 out. 2011.

61 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo. Mudanças no registro civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,2008. p. 199.

62 Projeto de Lei nº 70/1995. Disponível em: <https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15009>. Acesso em: 22 out. 2011.

63 ARAUJO, Luiz Alberto Davi. A proteção Constitucional do Transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. pp. 127-128.

64 ARAUJO, Luiz Alberto Davi. A proteção Constitucional do Transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 128.

65 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo. O direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 183.

66 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo. O direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 183.

67 DIREITO HOMOAFETIVO. CONSOLIDANDO CONQUISTAS. Estatuto da Diversidade Sexual. Disponível em: <https://www.direitohomoafetivo.com.br/>. Acesso em: 22 set. 2011.

68 DIREITO HOMOAFETIVO. CONSOLIDANDO CONQUISTAS. Estatuto da Diversidade Sexual. Disponível em: <https://www.direitohomoafetivo.com.br/>. Acesso em: 22 set. 2011.

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CRUZ, Andréa Paula da; PEREIRA, Renata de Lima. Disforia de gênero e suas repercussões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3605, 15 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24437. Acesso em: 27 abr. 2024.