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Direito à propriedade e conflito social

A Vila Irmã Dulce como estudo de caso

Direito à propriedade e conflito social: A Vila Irmã Dulce como estudo de caso

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Resumo

            O objetivo deste estudo é relacionar o direito à propriedade expresso no Código Civil e na Constituição brasileira com a sua aplicação processual no caso da Vila Irmã Dulce, zona sul de Teresina, visando circunscrever os limites de sua utilização concreta no horizonte de suas possibilidades teóricas.

            Ao longo da história jurídica, tanto o Direito Romano quanto o Código Napoleônico valorizam o individual, com ênfase na exclusividade, perpetuidade e soberania. A crescente evidência das desigualdades sociais, questiona, por conseguinte, a propriedade privada, formulando o conceito de função social da propriedade. O conflito surge a partir do momento em que, aliado ao direito de propriedade sobrevêm o direito à propriedade.

            O Código Civil, com institutos básicos do Código Napoleônico introduzidos em seus texto, defende a propriedade do indivíduo, art.524, e, mesmo ao enumerar os mecanismos de perda da propriedade, cita apenas a desapropriação por interesse ou utilidade pública, art.590, não se referindo ao interesse social.

            A Constituição Federal de 1988, art. 182, posiciona-se a favor do coletivo ao determinar ser facultado ao Poder Público Municipal promover a desapropriação do solo urbano quando este não cumprir a sua função social, estando não edificado, subutilizado ou não utilizado. E, no art. 5º, XXII, apesar de se garantir o direito de propriedade, a Constituição Federal só o garante se houver o atendimento a sua função social.

            A função social da propriedade surge efetivamente na legislação e no meio social brasileiros como reflexo da pressão e dos questionamentos oriundos da própria sociedade. No município de Teresina não ocorre fenômeno diferente: a Prefeitura age urbanizando favelas, sem Plano Diretor; e, aguardando as manifestações sociais, ou não podendo contê-las, termina por desapropriar algumas áreas – reflexo claro de medidas movidas, em sua maioria, por interesses políticos. As comunidades sem-teto já possuem uma organização própria para pressionar a Justiça. O Poder Judiciário espera ser acionado para se posicionar e o Ministério Público se faz omisso na maioria dos casos de ocupação de terrenos urbanos nesta cidade.

            O déficit habitacional em Teresina cresce progressivamente porque se defende, sobremaneira, o bem individual em detrimento da função social da propriedade.


Apresentação

            A busca de um abrigo – o teto – é desde os tempos primitivos uma necessidade fundamental dos seres humanos. Este trabalho é uma reflexão sobre essa antiga necessidade numa fonte viva, próxima, presente, brutal, brasileira, hodierna – Vila Irmã Dulce, zona sul de Teresina, no Estado do Piauí. Destaco nesta reflexão o valor de vários aspectos: Teórico, instrumental e de estímulo a novas reflexões.

            O valor teórico desta reflexão reside nas relações estabelecidas pela autora entre princípios da nossa Constituição Federal com o Código Civil Brasileiro e entre esses princípios e a vivência concreta de uma ocupação de terras urbanas. Esse confronto entre princípios de racionalidade social nacional com a realidade existencial de grupos humanos sem-teto, é de valor inestimável para o entendimento da natureza complexa do fenômeno de ocupação de terras urbanas.

            O valor instrumental deste trabalho pode ser avaliado pelos subsídios que ele apresenta para os vários agente envolvidos num processo de ocupação de terra urbana: para os ocupantes é uma análise que os fortalece do ponto de vista da justiça da ação praticada dando-lhes a tranqüilidade na dimensão moral, ética e jurídica, funcionando assim como um poderoso elemento de coesão social; para os advogados e magistrados esta reflexão firma alguns posicionamentos sobre a ordem social escrita e a ordem social concreta, em tempo que indica algumas importantes contradições entre estas duas ordens; para as entidades e pessoas que auxiliam nas ocupações urbanas, este trabalho reforça que estão no caminho certo, pois a ordem escrita não se torna ordem social existencial concreta se os agentes sociais não criam os seus espaços possíveis.

            O valor de estímulo a novas reflexões deste trabalho resulta, sobretudo, do vigor que as informações em estado bruto costumam conter. A Vila Irmã Dulce está aí, a Constituição Federal está aí; o Código Civil está aí; nós estamos aí (aqui e agora) – que realidade estamos a construir?

            Conheci Inga Michele, a autora, na busca por saber. Estava procurando um orientador para dar continuidade a esta pesquisa, estimulada pelo Programa de Iniciação Científica da UFPI. Vi seriedade, disciplina e compromisso com uma visão humana de sociedade. Estamos de parabéns por contarmos com o inestimável fruto deste trabalho.

Alexis Leite


Sumário

            Introdução;I: O direito à propriedade na constituição federal e no código civil;

            1. O direito de propriedade no código civil brasileiro, 2. O direito à propriedade na constituição federal; II. O conflito de leis e o social: o caso da vila irmã Dulce;

            1. O direito social: origem e processo de legalização da vila irmã Dulce sob o ponto de vista da imprensa escrita,2. O direito institucional: a evolução do processo na justiça,3. As possibilidades teóricas da lei e os limites da sua utilização concreta no caso da vila irmã Dulce;III: O fato social como elemento de transformação jurídica: O princípio da justiça e os conflitos sociais;Conclusão;Referências Bibliográficas;Notas; Bibliografia


Introdução

            As décadas de 1950 a 1970 apresentaram-se como momentos de grande euforia econômica no Brasil. Os estímulos incontidos à industrialização nos centros urbanos, impulsionados pelo capital externo, geraram, como conseqüência, um largo efeito migratório, em escalas progressivas, do campo para as cidades.

            O desemprego, a falta de investimentos e a ausência de uma política de Reforma Agrária no campo, conduziram os trabalhadores rurais e de cidades mais pobres para os grandes centros urbanos, à procura da industrialização tão falada e propagandeada pelos meios de comunicação. Esse efeito migratório gerou um desproporcional inchamento das cidades que, não tendo organização nem infra-estrutura para absorver tamanho contingente populacional, ficaram à mercê da iniciativa do Poder Público em ouvir a população e desenvolver novas políticas de estruturação urbana, geração de empregos e construção de moradias populares.

            Com a inexistência de iniciativas por parte do Poder Público e a falta de investimentos na educação e no preparo dos trabalhadores, sem programas de geração de emprego e renda que não explorassem a mão-de-obra barata e desqualificada, as desigualdades sociais foram ficando cada vez mais acirradas. O grande bolo da economia dos governos militares brasileiros não era dividido, e as diferenças de classes só aumentavam.

            Dentro desse contexto e, com um histórico de lutas, de organização do povo e de contestação dos governos antidemocráticos no Brasil, é que insurgem no cenário nacional os movimentos sociais urbanos. Desde a década de 1930, quando os trabalhadores começam a se organizar para reivindicar seus direitos, as cidades e seus movimentos sociais já possuíam um certo destaque no nosso cenário nacional. Mas, foi somente em meados das décadas de 1960 e 1970, com a população urbana representando mais de 70% da população brasileira, que as cidades despontaram como foco dos conflitos. O povo não queria somente o emprego, reivindicava dignidade, qualidade de vida e moradia digna.

            O Estado capitalista, da forma como estava estruturado, com a monopolização total dos meios e materiais de produção, por parte de poucas pessoas, acirrou as contradições sociais produzindo, simultaneamente, o empobrecimento crescente das populações urbanas. Trabalhador explorado ou desempregado, o povo se afastava cada vez mais de seus direitos e, não tendo meios de adquirir uma moradia digna, passou a se organizar enquanto agente de transformação social.

            A partir do momento em que o Estado não cumpria suas funções, os movimentos sociais urbanos surgiram como práticas sociais que se organizaram por moradia, emprego, consumo e distribuição de renda, manifestando-se em relação às decisões do Estado e pressionando as atividades jurídicas e legislativas.

            Surge, neste contexto, uma nova prática social, a ocupação urbana, baseada na contestação, na resistência e nas exigências de possibilidades de uma vida digna, ampliando o seu espaço político e de participação e influência nas decisões da sociedade.

            No Brasil, este fenômeno da ocupação de áreas urbanas não produtivas pode ser observado com facilidade. No Recife, por exemplo, no final da década de setenta, início dos anos oitenta, ocorreram cerca de oitenta ocupações de terrenos urbanos não produtivos. Envolvendo cerca de 150 mil pessoas (FALCÃO, Joaquim.p.84). Em Teresina, nos atendo ao espaço do nosso estudo, em meados da década de 70 e início da década de 80, a favela COHEBE, zona sul, apresentou-se como um dos maiores focos para os quais se guiavam os movimentos sociais urbanos no município ( LIMA, Antonia Jesuíta de. p.03).

            Este estudo observa o Estado capitalista neoliberal sob a ótica de dois princípios que ele nos coloca: o Estado Democrático de Direito, com a formulação das políticas governamentais no campo do bem-estar social, e o princípio básico do funcionamento das economias do mercado livre: a propriedade privada e sua troca mediante as leis da oferta e da procura. Estando refletidos nestes dois princípios, respectivamente, a Constituição Federal e o Código Civil – objetos do nosso estudo.

            Coexistindo como textos legislativos com encaminhamentos diferenciados a respeito do Direito à Propriedade (função social da propriedade na Constituição Federal e propriedade privada no Código Civil), busca-se encontrar as relações mais significativas que se podem estabelecer entre a existência conflituosa destes dois textos e o conflito de direitos surgido com a formação de ocupações urbanas.

            Entendendo-se a função social da propriedade, confirmada e especificada na Constituição Federal de 1988, como uma vitória da atuação dos movimentos sociais contra a estruturação do Estado capitalista, apresenta-se como objetivo do nosso trabalho observar quais as limitações sociais que existem atualmente para que este dispositivo jurídico não seja utilizado e o Direito à Propriedade não seja alcançado.

            Neste sentido, pela importância que as ocupações urbanas tem alcançado em Teresina, com a proliferação em quantidade desses movimentos e evidenciando mais claramente o conflito social surgido a partir do Direito à Propriedade; e o seu alcance jurídico possível contrapondo-se às suas limitações sociais, resolveu-se construir uma pesquisa observando-se a Vila Irmã Dulce, zona sul de Teresina, como caso a ser estudado. Considerou-se o grau de visibilidade pública do conflito e o fato desta ocupação ter sido alvo da prática social de movimentos políticos, associações, movimentos sociais urbanos, e por ter exigido um posicionamento mais claro e incisivo dos poderes Executivo e Judiciário de Teresina.

            Quanto ao procedimento metodológico da pesquisa, podem ser identificados dois momentos. O primeiro com a realização de entrevistas e a pesquisa em jornais sobre a Vila Irmã Dulce, além da consulta de documentos da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo e da Secretaria Municipal de Planejamento. Em um segundo momento observou-se o processo judicial da Vila Irmã Dulce, além da pesquisa bibliográfica sobre as leis que regulam essa questão e sobre os trabalhos a respeito dos Movimentos Sociais urbanos em Teresina e em outras regiões do país.

            Este estudo está constituído sob a forma de três capítulos.

            O primeiro capítulo apresenta o Direito à Propriedade na Constituição Federal e no Código Civil, analisando a atuação dos poderes executivo e judiciário, dos proprietários e dos ocupantes, observando-se a tendência da lei nestes dois textos legislativos.

            No segundo capítulo expõe-se o caso da Vila Irmã Dulce: a origem e o seu processo de legalização sob o ponto de vista da imprensa escrita; a evolução do processo judicial ao longo da sua construção e das conquistas alcançadas; e uma comparação entre esses dois horizontes, o direito social e o direito institucional, particularizando-se as possibilidades teóricas da lei e os limites de sua utilização concreta no caso da Vila Irmã Dulce.

            O terceiro capítulo contempla uma reflexão sobre o Princípio da Justiça e os conflitos sociais, observando-se o fato social como elemento de transformação jurídica ao longo dos processos de construção da jurisprudência, do direito e da sociedade.

            Espera-se, ao final, alcançar os objetivos deste estudo, discutindo-se as implicações das ocupações urbanas para a evolução do próprio conceito de direito e de justiça, ampliando-se a possibilidade de outras investigações e o conhecimento da realidade observada.


I. O direito à propriedade

Na constituição federal e no código civil

            Desde os primórdios até os dias atuais o conceito de propriedade traz em si a idéia de bem individual. A propriedade privada nasceu no lar, sob os domínios da soberania do pater, como símbolo do seu poder e da sua autoridade.

            Das instituições que guiavam o Direito Romano (754 a.C. a 565 d. C.) ao surgimento do Código Napoleônico (1807) se produziu um Direito exacerbado de individualismo, concebendo-se o indivíduo como a própria razão de ser do mundo. Desta forma, se garantia ao proprietário a mais ampla liberdade e poderes no que toca ao uso da sua propriedade.

            O conceito de função social da propriedade nasce do acirramento das desigualdades sociais e da crescente consciência e reivindicação do povo por igualdade.

            A Revolução Francesa, a Revolução Industrial e as demais revoluções burguesas abrem caminho para uma exploração mais profunda do proletariado. Mulheres, homens e crianças são escravizados em jornadas intermináveis de trabalho. Daí, surgem inúmeros questionamentos sociais que, juntamente com a Doutrina Social da Igreja(1) e as contribuições de Karl Marx(2) e Leon Duguit(3), entre outros passam a questionar o Estado Capitalista e suas relações sociais regidas pelo processo de acumulação.

            1.O Direito de Propriedade no Código Civil Brasileiro

            O Código Napoleônico, principal símbolo legal de estruturação do Estado Capitalista juntamente com o Corpus Juris Civilis de Justiniano, foi matriz da maioria das legislações modernas, estando aí incluídas as da América Latina, e conseqüentemente, o Código Civil Brasileiro.

            No Brasil, por ser a forma mais precisa e institucionalizada de se estudar o direito de propriedade, o Código Civil de 1916 e os programas oficiais fornecidos pelo governo tornaram-se o meio mais utilizado de difusão e propagação do estudo do Direito à Propriedade.

            Neste sentido, a norma fundamental do direito de propriedade, de acordo com os doutrinadores mais estudados, é o art. 524 do Código Civil:

            A Lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

            Posse injusta é posse revestida de ilegitimidade, violência e precariedade.(PEREIRA, Affonso Cezar B.)

            Código Civil, art. 489:

            É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

            As ocupações urbanas são consideradas injustas pelo Código Civil Brasileiro, pois, mesmo não atendendo a todos esses pré-requesitos são no mínimo ilegítimas, podendo o proprietário reaver judicialmente a posse ou dispor do imóvel. Além do art. 524 do Código Civil, o art. 489 defende por todos os meios a propriedade privada, a soberania do bem individual, do patrimônio, sobre o direito à vida, a uma moradia digna, à igualdade e à segurança da família e do lar. Através da conceituação da posse e de sua classificação, o Titulo I do Livro II do Código Civil, no art.489, define qual posse seria justa ou não, sem se ater à complexidade das relações jurídicas e sociais, e à possibilidade da utilização desse artigo para justificar atividades jurídicas que não se atêm às reivindicações e necessidades do coletivo ou da pessoa humana.

            A origem desta concepção do direito de propriedade é bem conhecida: a ideologia liberal capitalista que privatiza e individualiza a propriedade, privilegiando o uso e o gozo segundo livre vontade do proprietário. O Brasil moderno, é verdade, começa a impor restrições a esta concepção. Trata-se, no entanto, ainda de restrições. A norma do art. 524 continua como norma estruturadora do direito positivo estatal. Ora, esta norma raramente determinou com exclusividade a atuação das partes envolvidas nos conflitos: Executivo, Judiciário, proprietários e invasores. (FALCÃO, Joaquim de Arruda.p.92.)

            As restrições ao direito de propriedade e ao usufruto da propriedade privada surgem na legislação e na realidade social brasileira como reflexos da atuação deste estado capitalista a que se refere Joaquim de Arruda Falcão. Se observarmos, por exemplo, a propriedade urbana e as "concessões" na legislação brasileira do Golpe Militar de 1964 em relação às ocupações urbanas e à função social da propriedade, veremos que isso ocorreu em função da explosão de focos da organização social urbana. Dessa forma, pela necessidade de "apaziguar" os ânimos da população, foram feitas algumas restrições ao direito de propriedade e concedidas algumas "regalias" através da atividade social do governo militar e dos órgãos e entidades públicas assistencialistas criadas a partir de 1964. Daí surgiram, ou se fortificaram, as inúmeras Companhias de Habitação e o Banco Nacional de Habitação, que agiram mais como forma de enriquecer a máquina estatal e fortificar as caixas econômicas do que como opção de moradia popular. Surgiram, então, as legislações "sociais" complementares e a função social da propriedade na Constituição Federal, o que, no entanto, não deixou de representar uma vitória alcançada pelas lutas do povo.

            Adiante estudaremos melhor a propriedade urbana na Constituição de 1988. Agora, observando o Código Civil, analisaremos a atuação das partes envolvidas nos conflitos de acordo com essa legislação e com outras legislações complementares.

            O Poder Executivo Municipal, de acordo com o que existe no Código Civil, não é obrigado a participar dos casos que envolvem conflitos de propriedade quando não for parte legítima. No entanto, o caráter coletivo que o conflito gera faz com que o Executivo extrapole seus limites legais formais, ou por interesses políticos, o que é mais comum, ou embasado no art. 182 da Constituição Federal, que afirma que o Município pode desapropriar por interesse público ou necessidade social. Pelo Código Civil se o Executivo interfere, ele extrapola os limites legais. De acordo com a Constituição, o Poder Público Municipal executa a política de desenvolvimento das funções sociais da cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes. O que significa que o texto constitucional não só assegura, mas conclama o poder executivo a se manifestar.

            Na medida em que as instituições que compõem o Estado Brasileiro dão preferência ao que existe de mais arcaico e individualista no direito, a participação do Executivo se dá ou como mediador entre proprietários legais, proprietários sociais (o que não deixa de ser legítimo) e judiciário, ou, como proprietário das áreas ocupadas. Enquanto mediador tem a possibilidade de pressionar politicamente as partes e o Judiciário para chegarem a um acordo, observando-se aqui, também, os interesses das pessoas e partidos que representam o poder Executivo. Como parte, o Executivo pode desapropriar a área e cedê-la aos ocupantes, arcando com os custos ou desapropriar a área e cobrar depois dos ocupantes a melhoria habitacional na forma de pequenas parcelas.

            O Judiciário, de acordo com as regras hermenêuticas de interpretação, tem a possibilidade de interpretar a lei e aplicá-la ao caso concreto. No que diz respeito ao Direito à Propriedade, o juiz tem "a possibilidade" de escolha entre uma ou outra legislação. O que não é verdade se observarmos a Constituição como lei maior e centro de referência, tornando-se aplicável somente o que existe no art. 5º, XXIII, CF, que defende o direito de propriedade, mas afirma que a propriedade defendida deve cumprir a sua função social, quando da resolução dos conflitos jurídicos e sociais. São basicamente duas as posições do judiciário: o juiz aplica integralmente o art. 524 do Código Civil, que defende os direitos de posse do proprietário e de reavê-los de quem quer que injustamente os possua, mesmo que agrave o conflito social, ou o juiz não decide, a fim de que não seja obrigado a aplicar norma legal que venha a agravar o conflito.

            A atitude dos proprietários, durante a negociação ou a ação judicial, se resgarda no Código Civil. Utilizam fortemente este código na defesa de seus direitos de proprietários.

            A defesa do domínio sobre a coisa, a propriedade urbana, o que lhe permite usar, gozar e dela dispor, possibilita aos proprietários reaver a coisa das mãos de quem quer que injustamente a detenha, o que, muitas vezes, recai no puro e simples uso da força. Além disso o medo de enfrentar a sociedade em uma negociação, e o receio do que o juiz possa vir decidir o estimulam a, não resolvendo com a força ou a violência policial, através de mandados de despejo, tentar negociar com o município.

            Os ocupantes têm o direito de dispor, usar e gozar da propriedade, o único problema é que não possuem propriedade alguma. Só a Constituição e leis complementares anteriores a ela vieram a especificar o direito dos que não possuem moradia nem a possibilidade de dispor de uma.

            E, considerando o art. 3º da Constituição Federal, que versa sobre os objetivos do Estado Brasileiro, em que é finalidade deste Estado reduzir as desigualdades sociais e regionais, os ocupantes, considerando injusta a concentração de terra e riquezas, podem até reaver a propriedade das mãos de quem quer que injustamente a detenha, aplicando assim o art. 524 do Código Civil para assegurar o acesso à propriedade, acrescentando ainda que a posse dos proprietários, que possuem o título de posse, mas não a posse, pode ser considerada injusta por ser, no mínimo ilegítima e precária.

            Os direitos de usar, gozar e dispor da propriedade são prerrogativas oriundas do Direito Romano: jus utendi, fruendi e abutendi(4), respectivamente. Silvio Rodrigues explica estas três prerrogativas, nos ateremos à última:

            Jus abutendi quer dizer direito de dispor da coisa, alienando-a. Não significa direito de abusar da coisa, destruindo-a gratuitamente.( RODRIGUES, Silvio.p.77.)

            Partindo do princípio de que a propriedade que não está cumprindo sua função social apresenta-se em estado de abuso e destruição por não trazer fundos econômicos ao Estado e apenas onerá-lo, poderíamos até utilizar os artigos do Código Civil de outra forma, mas eles não seriam tão claros e atuais quanto os artigos constitucionais. Apesar de receber IPTU mais elevado por ser área subutilizada, não edificada ou não utilizada, do que por outros que cumpram sua função social, o município tem custos muito mais altos com urbanização e tentativas de erradicação da pobreza e da mendicância.

            2.O Direito à Propriedade na Constituição Federal

            Após analisarmos a propriedade sob o ponto de vista do Código Civil, observando os poderes executivo e judiciário, e a situação dos proprietários e ocupantes de áreas urbanas, poderemos apresentar a propriedade urbana na Constituição Federal.

            A fim de obtermos um estudo mais aprofundado, não pesquisamos apenas estas quatro partes envolvidas, mas alguns conceitos inseridos na lei e que serão úteis ao nosso estudo. Analisaremos, portanto, a garantia do direito de propriedade, a sua função social e o mecanismo da desapropriação, inseridos no art. 5º, XXII, XXIII e XXIV, da Constituição de 1988. Observando, posteriormente, o art. 182, que trata da política urbana e regula, mais especificamente, a atuação do executivo, e os arts. 126 a 130, reguladores da atuação dos juizes dos Estados e do Ministério Público.

            A Constituição Federal traz em seu artigo 5º, caput:

            Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

            Nota-se que, apesar de a propriedade estar erigida num dos direitos fundamentais do homem, ao lado da segurança e da liberdade, como conseqüência unicamente do fato de esta doutrina se originar de uma concepção, de estados individualistas, na Constituição Federal já existe a inviolabilidade do Direito à Propriedade, de onde se deduz a garantia do acesso à propriedade.

            Art. 5º, XXII:

            É garantido o direito de propriedade.

            Art. 5º, XXIII:

            A propriedade atenderá sua função social.

            Art. 5º, XXIV:

            A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

            Como afirma Celso Ribeiro Bastos:

            A liberdade de uso e fruição hoje vê-se, em muitos casos, transformada em dever de uso. É um desdobramento sem dúvida importante do moderno direito de propriedade. À luz das concepções atuais não há por que fazer prevalecer o capricho e o egoísmo quando é perfeitamente possível compatibilizar a função individual da propriedade com o atingimento de fins sociais. (BASTOS, Celso Ribeiro.P.209.)

            Em um estado de coisas em que o coletivo se sobrepõe ao individual e a defesa do patrimônio não faz mais sentido diante da defesa da vida e da dignidade da pessoa humana, a luta pela moradia e pelo acesso à propriedade, com igual distribuição de renda e riqueza devem apresentar-se como grito unívoco de uma sociedade que se diz transformadora e alicerçada nos preceitos de um Estado Democrático de Direito.

            No Direito Brasileiro a função social da propriedade ganhou forças como resultado das investidas contra os regimes ditatoriais e golpistas.

            A Constituição Brasileira de 1934, no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, inciso 17, art. 113, estabelecia:

            É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização.

            A Constituição de 18 de Setembro de 1946, ao tratar da Ordem Econômica e Social, art. 147, assim se posicionou:

            O uso da propriedade será condicionado ao bem estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

            O texto constitucional de 1934 representou um avanço em relação ao Código Civil de 1916,mas não se referiu especificamente à função social da propriedade. A Constituição de 1946 inovou, face a de 1934, ao numerar o direito de propriedade entre os direitos fundamentais e condicionou seu uso ao bem-estar social na ordem econômica, apesar de continuar omitindo a função social da propriedade. A Emenda Constitucional nº 10, de 09 de Novembro de 1964, alterou todo o art. 141, § 16(5), quanto o art. 147, ainda não se referindo, entretanto, explicitamente, ao princípio da função social da propriedade. Somente a Constituição de 1988, referiu-se expressamente à função social da propriedade em diversos artigos (art. 5º, XXIII, que trata da função social da propriedade como elemento para sua defesa; art. 170, III, que fala da função social da propriedade como princípio da atividade econômica; art. 182, § 2º, que limita a função social da propriedade urbana e art. 184, referente à propriedade rural).

            Observando a história dos movimentos sociais brasileiros nesse período, poderemos observar as restrições às lutas democráticas por parte Estado Liberal em que se constituía o Estado Brasileiro. Na América Latina, as rebeliões camponesas, a exemplo da Zapatista, no México, traziam novas esperanças ao povo brasileiro. No Governo Getúlio Vargas, se insurgia o Partido Comunista Brasileiro. Entre 1945 e 1960, o "boom" econômico advindo do pós-2ª Guerra Mundial, nos abria novas fronteiras agrícolas em direção ao Oeste do país. No entanto, estas fronteiras foram abertas por grandes empresas nacionais que se instalavam no país e não pelo homem do campo. O campo se manifesta em forma de focos de guerrilha e, no Governo Militar, se fortalece e alcança as cidades. A população cresce, os grandes centros urbanos incham e de 1970 aos dias atuais as ocupações urbanas passaram a representar a maior forma de regularização fundiária já existente nas cidades do país (se é que o Estado Brasileiro se propôs alguma vez a organizar-se de outra forma).

            Foi dessa maneira que o Estado Liberal Brasileiro se adaptou à realidade social que se apresentava: inserindo restrições ao direito de propriedade, o que se coloca aos nossos dias e ao nosso estudo como a propriedade imóvel urbana.

            É interessante se notar, ainda, a respeito da evolução do texto constitucional brasileiro, que, com o passar dos tempos, e, em conseqüência das transformações que o mundo sofreu, ocorreu um inversão de valores a respeito da defesa da pessoa humana e da propriedade privada. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que, na metade deste século, instituiu internacionalmente a defesa irrestrita da pessoa humana, exerceu grande influência sobre as transformações nos textos constitucionais brasileiros. Nas primeiras constituições brasileiras, os artigos referentes ao indivíduo e suas garantias ficavam em segundo plano, se relacionados à toda a organização do Estado brasileiro. Já na Constituição Federal de 1988, os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos aparecem logo no início do texto desta constituição, art.5º, enquanto os artigos relativos à organização do Estado e à defesa do patrimônio surgem no final da Constituição Federal brasileira, caracterizando, assim a supremacia da pessoa humana em relação à estrutura do Estado.

            Em 1988, foi instituída, então, de forma clara, a função social da propriedade, e, junto com ela, o mecanismo da desapropriação.

            Desapropriação, a mais profunda conseqüência da intervenção do Estado no direito de propriedade, define-se, em sentido amplo, como o procedimento complexo de direito público, mediante o qual o Estado, fundamentado na utilidade pública, na necessidade pública ou no interesse social, subtrai, em benefício próprio ou de terceiros, bens do proprietário, mediante prévia indenização.( CRETELLA JR. José.p.304.)

            O que nos guia é o interesse social, pois a desapropriação desponta, nesse sentido, como fator útil à resolução dos conflitos coletivos de ocupação urbana, com interesses inerentes à atuação política do município, e com reflexos incontidos sobre a população pobre e marginalizada, pois o mecanismo da desapropriação deveria, teoricamente, proporcionar a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

            O Decreto-Lei nº 3.365 de 21 de Junho de 1941, que trata apenas da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, demonstrando que a desapropriação por interesse social se efetivou somente ao longo de lutas e conquistas sociais.

            O art. 182 da Constituição Federal, que trata da política urbana, em seu parágrafo 3º, assim se pronuncia em relação à desapropriação:

            Art. 182, § 3ª:

            As desapropriações de imóveis urbanos serão feitos com prévia e justa indenização em dinheiro.

            Observe que a indenização em dinheiro ocorre quando a propriedade ainda atende a sua função social, e está sujeita à desapropriação por interesse ou necessidade pública.

            Quando a propriedade urbana não cumpre a sua função social, a lei assim se pronuncia, no §4º, art. 182, Constituição Federal:

            É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

            I -parcelamento ou edificação compulsórios;

            II -imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

            III -desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais."

            O pagamento da desapropriação por área que não cumpre sua função social atravessa um trâmite muito mais complicado, sob a ótica da lei, como podemos observar no inciso III. Não é mais à vista nem em dinheiro, mas em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos. O Poder Público Municipal tem a faculdade de exigir a desapropriação do solo urbano que não cumpra sua função social, e estabelecer a forma com que deseja indenizar essa desapropriação.

            Embora a lei preveja a desapropriação por interesse social, sempre foi garantida a prévia indenização, o que significa que a concentração da propriedade continua, invariavelmente, a se revestir em concentração de riquezas. Mesmo para aquela propriedade que não cumpre a sua função social e é desapropriada e indenizada mediante títulos da dívida pública, existe a possibilidade de se negociar e trocar esses títulos por dinheiro à vista, através de negociações com instituições financeiras, que chegam até a superfaturar os valores destes títulos.

            A legislação brasileira, através do Poder Público, por um lado, garante uma estrutura de manutenção de riquezas, enquanto, por outro, financia a redução da concentração da propriedade imóvel, gerando, consequentemente, a regularização fundiária nas cidades.

            A lei constitucional brasileira apresenta-se hoje como um elemento jurídico muito útil aos sem-teto e à desconcentração da propriedade imóvel urbana, no entanto, a estrutura, em geral, falha dos Poderes Executivo e Judiciário e o superfaturamento dos imóveis que chegam a ser desapropriados, terminam por desiludir os sem-teto quanto a atingir seus objetivos unicamente utilizando a força da lei.

            Não é à toa que existe uma corrente, dentro do movimento dos sem-teto, que defende abertamente a expropriação do imóvel que não estiver cumprindo sua função social, sem qualquer tipo de indenização. A propriedade estaria sendo desconcentrada sem ser revestida em concentração de riquezas. Além disso, há os que defendem a simples transferência do Título de Posse, mediante iniciativa do Ministério Público, daqueles que seriam "cartorialmente" os donos de uma propriedade que não cumpre sua função social, para os que de fato e legitimamente possuem a posse da terra, os seus ocupantes.

            Apresentados, então, algumas discussões a respeito da garantia do direito de propriedade, da sua função social e do mecanismo da desapropriação, podemos fazer agora um estudo mais completo da atuação dos poderes executivo e judiciário nos conflitos de propriedade urbana e dos proprietários e ocupantes das áreas envolvidas no conflito, de acordo com o que está colocado na Constituição Federal.

            O Poder Executivo Municipal, de acordo com o art. 182 da Constituição Federal, é o responsável pela política de desenvolvimento urbano, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput).

            A fim de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais o município com mais de vinte mil habitantes deve possuir um Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal (art. 182, § 1º).

            O município, na forma do Poder Público Municipal, é portanto, o órgão competente para executar o plano diretor, sendo este proposto pelo poder executivo e aprovado pela Câmara Municipal.

            A função social da propriedade deve ser avaliada de acordo com as exigências do plano diretor, pois, como afirma a própria Constituição Federal, art. 182, § 2º:

            A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

            O Plano Diretor deve representar o direcionamento prioritário quanto às atividades públicas municipais no que diz respeito ao ordenamento das cidades. Com uma estrutura clara e bem organizada, auxiliado pela técnica de todos os profissionais necessários ao bom conhecimento da cidade, este plano deve incluir ainda a possibilidade de ser flexível e adaptável a novas e imprevistas realidades.

            De acordo com Hely Lopes Meirelles, o Plano Diretor é um complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físicos, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local (MEIRELLES, Hely Lopes.p.611.)

            Ao Poder Público Municipal cabe ainda a desapropriação do solo urbano não edificado, não utilizado, ou subutilizado, além de poder exigir o parcelamento ou a edificação compulsórias ou uma tributação sobre a área progressiva no tempo (art. 182, §4º).

            O Plano Diretor é quem vai determinar a área que não cumpre sua função social, mas quando não existe Plano Diretor?

            Se ao Município cabe a faculdade de desapropriar solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, entende-se que o solo urbano assim constituído não estaria cumprindo a sua função social e estaria portanto sujeito à desapropriação.

            J. Cretella Jr. assim se posiciona: poderia ser definido a propriedade, cumpridora de sua função social, quando preenchesse de modo pleno a destinação prevista: a propriedade urbana cumpriria sua função social, quando atendesse às necessidades de seus moradores.(CRETELLA JR., José.p.4168)

            De fato, se os moradores são o coletivo, a sociedade; então, o Poder Executivo Municipal deve atender aos interesses sociais, sobrepondo-se aos individuais, como a própria Constituição Federal garante.

            Fábio Konder Comparato, ao discutir direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade sob a perspectiva dos direitos humanos, afirma que, embasando-se no art. 3º, a Constituição Federal determina, implicitamente, a realização pelo Estado, em todos os níveis – federal, estadual e municipal – de uma política de distribuição eqüitativa das propriedades, sobretudo de imóveis rurais próprios à exploração agrícola e de imóveis adequados à construção de moradias (COMPARATO, Fábio Konder. pag irreg.).

            A não-realização dessa política pública representa, indubitavelmente, uma inconstitucionalidade por omissão,(6) podendo propor ação de inconstitucionalidade por omissão: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador- Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            O Poder Judiciário, regulado pela Constituição de 1988, arts. 91 a 126, pelo Capítulo IV do Código de Processo Civil, e pela Lei Complementar 35 de 14 de Março de 1979, que trata da Magistratura, apresenta-se como o principal elemento para dirimir os conflitos urbanos no que diz respeito à propriedade.

            A doutrina nos apresenta um Direito morto, que precisa ser requisitado ou provocado para se manifestar. Nesse sentido, ao juiz, pelo Princípio da Ação(7), é resguardado o direito de não se pronunciar antes que uma ação promovida por uma das partes envolvidas no conflito urbano chegue as suas mãos.

            Na Hermenêutica Jurídica e em algumas regras de aplicação do direito e até nos "Princípios Gerais do Direito" se permite ao juiz interpretar a lei de acordo com a realidade que o cerca, mas, em todos os momentos ele não se manifesta antes de ser provocado.

            Analisando agora somente a responsabilidade do juiz em relação a um processo que lhe diz respeito, podemos citar o Código de Processo Civil, Seção I: Dos Poderes, Dos Deveres e Da Responsabilidade do Juiz:

            Art. 125. O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

            I. assegurar às partes igualdade de tratamento;

            II. velar pela rápida solução do litígio;

            III. prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça;

            IV. tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

            A Lei Complementar 35 de 14.03.1979, acrescenta:

            Art. 35. São deveres do magistrado:

            V. Tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.

            Mais especificamente aos conflitos sociais pelo acesso à terra e à propriedade, a Constituição Federal assim se posiciona:

            Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça designará juízes de entrância especial, com competência exclusiva para questões agrárias.

            Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio.

            O juiz é responsável pelo tratamento que confere às partes, por zelar pela realização da Justiça, pela tentativa de se dar celeridade aos processos e por uma eficiente prestação jurisdicional.

            No Código de Processo Civil, art. 125, I, igualdade de tratamento pode significar impor igualmente às partes condições para o bom andamento do processo, o que poderia recair em elementos onde somente uma das partes pode trazer resultados e ser beneficiada, por inúmeras limitações de ordem econômica, social, e até cultural que a outra parte pode sofrer.

            No entanto, entende-se igualdade de tratamento a possibilidade de se tratar desigualmente os desiguais e igualmente os iguais, observando-se as condições e limitações sob as quais cada um participa do processo.

            O art. 35 da Lei Complementar 35, que trata dos deveres do Magistrado, nos apresenta a solução de urgência para os casos em que a ação do magistrado possibilite essa solução e o caso seja urgente. Nos mandados de despejo, resultado de ações de reintegração de posse, determinados pelo juiz, constatados casos de violência policial que ferem a dignidade da pessoa humana, e até mesmo o próprio despejo, que fere a garantia do acesso à propriedade, magistrado pode ser requisitado a manifestar, e, talvez, pela Lei Complementar nº 35, pode até ser obrigado a isso, pela urgência dos acontecimentos, e pela possibilidade de solução.

            A Constituição Federal, em seu art. 126, apresenta um fato novo ao Poder Judiciário, na prática, mas que, pelo menos desde 1988, já deveria ter sido aplicado. O juiz far-se-á presente ao local do litígio, sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional. Ora, esse artigo chama o magistrado para as proximidades do conflito, tenta afastá-lo dos seus papéis e apresentá-lo à realidade social que nos cerca.

            Para finalizar a discussão sobre as possibilidades teóricas da atuação do Poder Judiciário, apresentamos as palavras de Urbano Ruiz: É preciso, que o juiz conscientize-se de que a função judicante deve ser utilizada como mecanismo de proteção efetiva dos direitos do homem, individual e coletivamente considerando, buscando a realização substancial e não apenas forma dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito.

            O juiz é um cidadão como outro qualquer. Tem direito a opinião e pode expressá-las. Não há juiz neutro porque não pode haver nenhum homem neutro.(RUIZ, Urbano.p.791.)

            Como a prática das políticas públicas têm se mostrando ineficiente, e se aprofundarmos melhor, até a lei, porque ela não aproxima a sociedade do Direito e sim a afasta, o juiz tem que assumir a sua posição na solução dos conflitos, como principal mediador e detentor do poder de igualar as partes desiguais. O magistrado não pode mais justificar a sua omissão nos escudos da neutralidade.

            Para demonstrar-se, no caso concreto, como isso pode ser feito, recentemente em São Paulo, várias famílias, pessoas trabalhadoras, foram atingidas por inundações, perdendo as respectivas moradias. Abrigaram-se, por isso, num prédio em construção próximo, de apartamentos com dois dormitórios, que apenas tinha a estrutura de concreto e as paredes prontas. Estava o imóvel abandonado há 20 anos porque o proprietário, construtor, havia falecido, sem que a viúva tivesse condições de concluir a obra. Intentada ação de reintegração de posse, em que a liminar poderia de pronto ser deferida, em face da prova produzida, o Juiz entendeu de ouvir o Curador de Menores, porque dentre aquelas famílias, no prédio, havia cerca de 80 crianças e o juiz estava preocupado com a questão social. Por proposta do promotor, iniciou-se a negociação. Não era justo que aquele prédio ficasse ocioso, como da mesma forma que aquelas famílias permanecessem desabrigadas. Poderiam elas terminar a construção, adquirindo cada uma das unidades, no estado em que estavam, desde que acertassem o preço e as condições de pagamento e, de outra parte, obtivessem financiamento. (RUIZ, Urbano.p.791.)

            O magistrado tem leis, jurisprudências e a sociedade com todos os seus conflitos, colocando-o frente à necessidade de uma atuação séria e comprometida com os interesses coletivos, na perspectiva de que o direito deve ser entendido como meio ou instrumento de transformação e não como elemento gerador de conflitos.

            Isto porquê o Direito hoje dá mecanismos processuais e normativos aos advogados, ao ministério público e aos magistrados que só atrasam a justiça, alongam ou até não resolvem os conflitos, ou por interesse de uma das partes – claro, a mais forte economicamente ou por conivência e falta de interesse do juiz.

            Em relação ao Ministério Público, como auxiliar da justiça, a Constituição assim se posiciona:

            Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

            Na medida em que é função do Ministério Público a defesa dos interesses sociais a sua manifestação diante das ocupações urbanas se torna obrigatória.

            Como o Poder Executivo Municipal é o principal responsável, legalmente, pela necessidade social do acesso à moradia existente hoje nas cidades, porque se omite diante do déficit habitacional e ignora as ocupações progressivas do solo urbano pelos sem-teto; cabe ao Ministério Público fiscalizar a atuação do Município.

            Neste caso, a Ação Civil Pública seria o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos aos interesses difusos ou coletivos da sociedade; incluindo-se, consequentemente, o direito ao acesso à moradia.

            Com a Constituição Federal brasileira da 1988, o âmbito de incidência da Ação Civil Pública sofreu profundo alargamento, como se observa do disposto em seu artigo 129, III, que afirma caber ao Ministério Público a sua promoção, para a defesa de interesses transindividuais, de todo e qualquer interesse coletivo de cunho social e indisponível e de todo e qualquer interesse difuso. Além disso, a lei 7.347/85, que versa sobre a Ação Civil Pública em caráter objetivo e processual, deu legitimidade ativa ao Ministério Público e às pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais para mover a Ação Civil Pública na defesa de interesses transindividuais, difusos ou coletivos.

            Além disso, se o Poder Público Municipal não realiza a política pública da qual é responsável – no mínimo, redução do déficit habitacional, no caso dos conflitos urbanos por moradia, e a desapropriação do solo urbano que não cumpre sua função social - pode ser movida uma Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, a cargo do Presidente da República, da Mesa do Senado Federal, da Mesa da Câmara dos Deputados, da Mesa da Assembléia Legislativa, do Governador de Estado, do Procurador- Geral da República, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de partido político com representação no Congresso Nacional, de confederação sindical ou de entidade de classe de âmbito nacional.

            Quanto aos proprietários a Constituição lhes garante o Direito de propriedade, excetuando-se os casos em que ela deva ser desapropriada por interesse público, necessidade pública ou interesse social, ou seja, quando ela não estiver cumprindo sua função social. A garantia do direito adquirido não deixa de existir, no entretanto, sua defesa mais contundente é a do Código Civil, como já citado anteriormente.

            Quanto aos ocupantes, a Constituição Federal por si só os garante a propriedade, citemos apenas o art. 1º, III, onde se constitui princípio fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana; analisemos mais de perto o art. 3º, I, em que se constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, ou o art. 5º, que garante a igualdade entre todos e a inviolabilidade do direito à vida.

            Acrescenta-se ainda que a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que altera o art. 6º da CF, que trata dos direitos sociais da República Federativa do Brasil, inclui a moradia no rol das necessidades essenciais do ser humano, garantindo-a como um bem fundamental:

            Apesar de todas as garantias no acesso à propriedade estarem inscritas no texto da lei como resultado da tentativa de adaptação do Estado Liberal aos questionamentos sociais, o que não passa, portanto, de uma aproximação de interesses, a norma legal, hoje, tende para a solução dos conflitos fundiários urbanos a favor da propriedade coletiva da terra e da defesa do acesso à propriedade para todos se sobrepondo à proteção desmedida da propriedade privada e individual.

            Não existem mais motivos para se defender o domínio ilimitado da coisa, nem o patrimônio de uma só pessoa quando o que está do outro lado é a vida, a dignidade e a moradia da maioria.


II: O conflito das leis e o social:

o caso da vila irmã Dulce

            1. O Direito Social: origem e processo de legalização da Vila Irmã Dulce sob o ponto de vista da imprensa escrita.

            A Vila Irmã Dulce surgiu do mesmo processo do qual nasceram inúmeras outras ocupações urbanas no Brasil ao longo das últimas décadas: fome, desemprego e baixo padrão de qualidade de vida.

            Segundo dados estatísticos (LIRA, Ricardo César Pereira.p.825.), 45% da população mundial vive em centros urbanos (2,6 bilhões de pessoas), 250 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada, 400 milhões não conhecem esgoto ou saneamento básico, 600 milhões de pessoa moram em casas em situação de risco e outras 500 milhões não têm moradia. Estamos adentrando o 3º milênio e em 96 já se anunciava que no próximo século metade da população mundial (2,9 bilhões de habitantes) estará concentrada nas cidades.

            A falta de moradia, um problema que abala o atual mundo capitalista da concentração de riquezas, se manifestou na forma de ocupações urbanas em Teresina na década de 1970, se solidificou nos anos 80 e já possui forças suficientes para pressionar e enfrentar a justiça e o poder executivo nos dias de hoje. O exemplo mais claro disso é a Vila Irmã Dulce.

            Segundo o Censo das Vilas e Favelas de Teresina (Censo 96 – Vilas e Favelas. Teresina, 1996.) e os topógrafos e assistentes sociais da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo, o município tem hoje mais de 160 vilas e favelas. O déficit habitacional no município, segundo a Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí - FAMCC, era de 30 mil famílias em 1998.

            A ocupação da Vila Irmã Dulce aconteceu no dia 03 de junho de 1998, ao lado do Residencial Esplanada, na zona sul de Teresina. A área de 50 hectares abriga 7 mil famílias (Sem-teto. Especial. p.3.) em barracos feitos em lotes de 10 por 20 metros. Há crianças, mulheres grávidas, casais recém-casados, jovens desempregados, recém-nascidos e idosos, todos unidos pela miséria, pelo desemprego, lutando por uma moradia que o Poder Público Municipal não vislumbra lhes proporcionar.

            A Vila Irmã Dulce foi planejada pela FAMCC, com o apoio de sindicatos, movimentos sociais, ong’s e partidos políticos de esquerda atuantes na cidade de Teresina. Durante quatro meses foram feitos cadastros, em todas as zonas da cidade, de pessoas que pagavam aluguel, moravam de favor com pais, parentes ou amigos, dividiam quartos entre várias famílias ou estavam nas ruas. Nesse mesmo período a FAMCC promoveu quatro reuniões por zonas: norte, sul, leste e sudeste, discutindo com as comunidades a situação de pobreza em que se encontravam, a conjuntura da cidade e a ilegalidade, ou legalidade, da atitude que eles estavam prestes a tomar. Os futuros moradores da ocupação do Esplanada discutiram seus direitos e deveres como pessoas inseridas nesta triste realidade e se armaram daquilo que sempre os afastava da sociedade e colocava na marginalização: a lei e a discussão política.

            Dentro dessa discussão política, foram incluídas conversas a respeito dos direitos e das obrigações daqueles que estavam participando da organização da Vila Irmã Dulce, dos seus moradores e de alguns conceitos essenciais ao pleno desenvolvimento daquela ocupação. A própria diferenciação entre os conceitos de ocupação e invasão, por exemplo, foram elementos essenciais para que se caracterizasse a legalidade da Vila. Ocupar significa estar de posse de área que não esteja sendo adequadamente utilizada, não utilizada, não edificada ou subutilizada. Invadir significa tomar algo que estava sendo adequadamente utilizado por seu dono. A Vila Irmã Dulce ocupou uma área que nem sequer muros ou cercas possuía, não havia aproveitamento do local, o dono apenas aguardava a valorização da área, o que se caracteriza claramente como especulação imobiliária. Os moradores da Vila estavam cientes da sua condição de ocupantes.

            Entre Fevereiro e Maio de 1998, e até o dia da ocupação, as famílias se organizaram da melhor maneira possível para acelerar o processo de ocupação da área. No começo, foram organizados grupos de 50 famílias por zona, para manter em espaços próximos as vizinhanças de origem. Essa medida ajudaria a manter os laços de amizade, a confiança mútua, e, como conseqüência, uma maior resistência diante das dificuldades surgidas e, portanto, como um importante fator de coesão para a luta da manutenção do espaço ocupado. Dessa forma, evitariam o surgimento e a proliferação de casos de violência. Em seguida ocorreram sorteios para a entrega dos lotes. No dia da ocupação, madrugada de 02 para 03 de junho de 1998, iniciou-se o desmatamento da área, feito em conjunto, sem ser determinado ainda quais os lotes correspondentes a cada família. Posteriormente uma equipe da coordenação da ocupação, auxiliado pelos próprios moradores, promoveu a divisão da área em pequenos lotes de 10 por 20 metros. Os ocupantes foram trazendo suas coisas, improvisando suas moradias e dormindo a relento para vigiar seus lares.

            Além do trabalho de conscientização das pessoas quanto aos seus direitos, a FAMCC estruturou uma coordenação para a vila, estabelecendo um vínculo direto entre seus moradores – que compunham a coordenação – e aquilo pelo qual lutavam: a desapropriação da área já ocupada. Essa coordenação, até hoje, passados um ano e sete meses desde a ocupação da área em 03/06/98, se reúne semanalmente a fim de manter vigilância para impedir a especulação e a ação de aproveitadores, manter a amizade entre os moradores, reivindicar e orientar os novos caminhos a serem traçados pela Vila.

            Ao longo de todo o processo de organização da segunda maior ocupação de área urbana no Nordeste, a primeira fica em São Luís – MA, com quinze mil famílias (FAMCC expulsa especuladores no loteamento.p.11.), foram organizadas muitas passeatas, audiências com autoridades, ocupações de prédios públicos, documentos e dias de protesto com o objetivo de se pressionar o Poder Público, o que inclui juizes, secretários, o governador, o prefeito e outras autoridades. Como exemplo podemos citar um manifesto realizado no dia 08 de junho de 1998 – 05 dias após a ocupação – em que mais de 300 moradores se concentraram no fórum para impedir que a Justiça concedesse a liminar de reintegração de posse. Essa manifestação levou o juiz da 2ª Vara Cível, José Ramos Dias Filho, ao local da ocupação, além do vice-governador, Osmar Araújo. (Sem-teto realizam manifesto para evitar despejo.p.3.)

            Pela primeira vez na história das ocupações, um juiz visita a área em questão. Após a vistoria, será realizada uma audiência para ouvir as partes interessadas no problema (Autoridades visitam sem-teto.p.3.), afirmou Francisco Sales, diretor de Habitação da Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários. De acordo com os jornais o juiz José Ramos Dias Filho se sensibilizou e acabou suspendendo a execução do despejo e o processo foi suspenso. (Sem terem onde cair mortos,... p.3.)

            A área ocupada pela Vila Irmã Dulce era destinada à construção da segunda etapa do Residencial Esplanada. Pertencia à Construtora CIPREMO, à THE Construção Ltda. e a uma pessoa física: o empresário Júlio Soares Nascimento.

            Os três reclamantes entraram com pedido de reintegração de posse do terreno na justiça, como já foi dito anteriormente, em ação conjunta. No dia 09 de junho o juiz da 2ª Vara Cível, José Ramos, visitou a área e posteriormente acabou suspendendo o despejo. No entanto, a visita e a ação do juiz não foram suficientes porque os donos do terreno entraram com uma outra ação, que, sendo julgada pelo juiz da 3ª Vara Cível, Antonio Perez, resultou em uma rápida ordem de despejo. Os ocupantes resistiram na área, construíram cercas ao redor, mas a polícia não apareceu na área para cumprir a ordem de despejo, e se apareceu, não teve coragem de entrar na Vila.

            No dia 17 de Junho, o governador do Estado visitou o local, e, como exemplo claro apenas de discurso demagógico e na tentativa de se promover frente a ocupação tão grandiosa, fez promessas, mas não deu garantias.

            A Prefeitura, em audiência reivindicada pelos sem-teto, afirmou no dia 25 de junho de 1998 que não iria desapropriar a área (PMT não vai desapropriar terreno.p.1.). A proposta seria cadastrar as famílias em um projeto que pretende atender a 8 mil famílias, e que propõem resolver o problema da moradia através do programa de mutirão habitacional. No entanto, até meados de 1998 (Prefeitura garante casas para sem-teto.p.11), o programa Minha Casa – projeto de construção de casas no sistema de melhoria habitacional – só havia cadastrado 2.000 famílias e atendido 1.100.

            Ao longo de muitos protestos, e expondo a sua situação de pobreza e marginalização ao município de Teresina, a Vila Irmã Dulce alcançou algumas vitórias. Dentre elas estão o apoio do Ministério Público na pessoa da promotora Dr.ª Leida Diniz(8), a construção de uma escola(9), a instalação de algumas torneiras em pontos específicos da vila, além de outras conquistas.

            Antes da Prefeitura assumir o compromisso, diante do Ministério Público, de construir uma escola na Vila, foram realizadas inúmeros protestos de reivindicação. A comunidade construiu um galpão que serviria de escola, cerca de dez pessoas da própria comunidade se prontificaram a colaborar como professores, e receberam algumas orientações de professores da Universidade Federal do Piauí – UFPI (Galpão servirá de Escola na Vila Irmã Dulce.p.11). A escola foi inaugurada no dia 28 de Outubro de 1998, onde foram atendidos 250 alunos, durante 3 meses (Vila Irmã Dulce inaugura Escola Alternativa.p.9). A escola se chamou Escola Alternativa 03 de Junho e se propunha a não se comportar como as escolas tradicionais, mas a incluir em suas disciplinas aulas de religião, formação política e convívio social.

            Atualmente, estima-se que moram na Vila Irmã Dulce, depois de 1 ano e meio de ocupação, mais de 7 mil famílias. Após um longo período de tensão, em que a polícia ameaçava cumprir as ordens de despejo, os moradores tentavam combater a especulação e, ao mesmo tempo, construir suas casas de taipa. Os coordenadores tentavam manter a amizade das pessoas e a unidade do conjunto, e a prefeitura não se manifestava, ou se manifestava contra. Os ocupantes conseguiram a promessa de desapropriação da área após um ano e meio de resistência. A Secretaria de Habitação e Urbanismo anunciou, em novembro de 1999, que desapropriaria 80% da Vila.

            Apesar de todas as dificuldades encontradas, e, principalmente, a recepção negativa, que a opinião pública dá aos sem-teto(10), os ocupantes da Vila Irmã Dulce provaram que a luta por moradia e dignidade se faz urgente nos dias de hoje. Atualmente, aguardam a efetivação do anúncio de que seria desapropriada 80% da área. Enquanto isso, continuam reivindicando seus direitos e encontrando resultados positivos com muita organização. No mês de Janeiro de 2000, por exemplo. As Centrais Elétricas do Piauí S.A - CEPISA, anunciaram a substituição das "gambiarras" que levam energia elétrica à Vila por fiação adequada. Os moradores se comprometeram a fiscalizar a obra para evitar desvio do dinheiro público ou atraso no seu cumprimento.

            A Vila Irmã Dulce, calcada na organização e reivindicação de direitos pelas vias legais, deu uma lição de coragem ao Estado Liberal capitalista. Em tempo recorde sanou, de certa forma o problema, e exigiu trabalho e soluções das autoridades responsáveis. Hoje, lutam contra o desemprego e a fome, que muitas vezes pode os compelir a vender suas moradias tão sonhadas.

            2. O Direito Institucional: a evolução do processo na Justiça

            Após visualizarmos, no capítulo anterior, a Vila Irmã Dulce sob o ponto de vista social, sua origem e processo de evolução, faz-se necessária uma análise dos processos judiciais a ela referentes.

            Logo após a ocupação, os proprietários da área ocupada – THE Construções Ltda., Construtora CIPREMO Ltda. e o Sr. Júlio Soares do Nascimento – entraram, em ação conjunta, com pedido de reintegração de posse da área, representados pelos seus advogados Drs. Francisco Miguel Soares A. Filho e Edvaldo Oliveira Lobão, perante a 2 ª Vara Cível de Teresina em 05 de Junho de 1998.(11)

            Os advogados da FAMCC, Zacarias Barbosa da Silva e Ana Lúcia Gonçalves Sousa, em apoio à ocupação, fizeram a requisição de uma audiência de justificação de posse e inspeção judicial, a fim de que o juiz conhecesse a área antes de apreciar o pedido de liminar. O juiz, Dr. José Ramos Dias Filho, visitou a área e, por conseguinte, optou pela audiência de justificação de posse antes da apreciação do pedido de liminar.

            Utilizando-se de medidas processuais(12) e contrariando até mesmo o exercício ético da advocacia, os proprietários formularam um pedido de desistência da ação de reintegração de posse que estava na 2ª Vara Cível e ingressaram com ação idêntica que foi distribuída para a 3ª Vara Cível de Teresina, antes mesmo de transitado em julgado o 1º processo.

            O novo processo(13), agora distribuído à 3ª Vara Cível de Teresina em 10 de junho de 1998, logra êxito não alcançado na primeira ação, pois o juiz concedeu liminar inaudita altera pars(14), apesar de já ter sido apreciado e não atendido pelo julgador da 2ª Vara Cível. Os autores – proprietários da área ocupada – terminaram por induzir o Dr. Antonio Perez – 3ª Vara Cível – ao erro, pois julgou novamente algo que já havia sido apreciado em juízo, contrariando frontalmente o princípio da economia processual e da segurança na obtenção da prestação jurisdicional.

            Os advogados dos moradores da vila, recorreram ao Código de Processo Civil, art. 267, V, alegando que o 2º processo, na 3ª Vara Cível, deveria ter sido extinto pelo juiz, porque havia sido cometida a LITISPENDÊNCIA, ou seja, a reprodução de ação já em curso, de processo que ainda não havia transitado em julgado.

            Código de Processo Civil, art. 267:

            "Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:

            V. quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;"

            Assim se posiciona Moacyr Amaral Santos: Há litispendência, quando se repete ação que está em curso; (...). Acolhendo qualquer dessas alegações, o juiz decretará a extinção do processo, condenando o autor nas custas e honorários de advogado.( SANTOS, Moacyr Amaral.p.104.)

            O Agravo de Instrumento, dirigido ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí pelos advogados dos moradores não questionou somente a LITISPENDÊNCIA – fato mais grave do processo – mas também a ausência de identificação dos réus, o não atendimento aos requisitos indicados no art. 927 do Código de Processo Civil, pois os proprietários não comprovaram a posse anterior sobre a área em litígio, pois, a propriedade encontrava-se abandonada, e, finalmente, o mérito da ação de reintegração de posse, pois esta não existia já que a propriedade violava a norma constitucional que fixa a necessidade do cumprimento da função social da propriedade, sem o qual o direito perde a razão de existir.

            O relator do processo nº 98.000755-0, de 18 de junho de 1998, Des. Brandão de Carvalho, assim se posiciona em relação ao Agravo de Instrumento:

            Resta evidenciado que os autores/recorridos usaram de meio ardiloso para evitar o enfrentamento da audiência de posse. É oportuno ressaltar que posse é fato, não sendo razoável que se conceda liminar em ação dessa natureza quando os autores comprovaram apenas a propriedade. Por outro lado, é induvidoso que o cumprimento da medida agravada resultará em prejuízos de difícil reparação para aqueles que estão diretamente na posse do imóvel, que, diga-se, são inúmeras famílias.

            Assim sendo, concedo efeito ao presente instrumental, para estancar a efetivação da liminar deferida pelo magistrado monocrático.

            A liminar do juiz da 3ª Vara Cível, Dr. Antonio Perez – que concedia, de imediato, a reintegração pleiteada pelos proprietários, sendo inclusive requisitado reforço policial pra efetivação da medida deferida – foi caçada pelo Tribunal de Justiça e o processo de reintegração de posse seguiu para decisão de mérito, posteriormente.

            Meses depois, o Banco do Estado do Piauí – BEP – ingressou com Ação de Reintegração de Posse, reivindicando 30.00.00 há. de uma parte da área ocupada pela Vila Irmã Dulce. A ação(15) foi distribuída à 3ª Vara Cível de Teresina e o juiz concedeu a liminar reintegratória. Os advogados dos moradores ingressaram com Agravo de Instrumento no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e o Des. Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho – o mesmo do processo anterior – concedeu novamente o efeito suspensivo ao despacho agravado.

            Nota-se que o processo judicial, em relação ao que está escrito nos jornais, ocorreu de maneira um pouco diferente. Os nossos maiores meios de comunicação escrita omitem, por exemplo, as "artimanhas" processuais das quais se utilizaram os advogados dos ditos donos do local ocupado a fim de evitar que a lei fosse cumprida. Além de ofenderem o Princípio da Justiça e da Segurança Jurídica, prejudicaram a sociedade e a própria administração pública, pois mantinham uma área que além de não cumprir a sua função social e servir de depósito de lixo para os moradores adjacentes – não havia sequer uma cerca no local -, ainda estava inadimplente e irregular com a tributação do município.

            No entretanto, apesar de algumas falhas e, ou, omissões, os jornais serviram para apresentar a realidade de pobreza, marginalização e desigualdade em que vivemos hoje, e mostrar à sociedade a legalidade existente dentro do processo de ocupação daquela área, e os encaminhamentos favoráveis da justiça a esse respeito.

            Espera-se, de fato, que, anunciada recentemente a desapropriação, não ocorram fatos semelhantes aos de Recife – PE, em que Joaquim de Arruda Falcão afirma que os processos, quando chegam a ser julgados, são suspensos ou arquivados porque não interessa aos poderes públicos continuar o julgamento. É um abandono assumido por todas as partes envolvidas no conflito. Para Joaquim de Arruda Falcão, o Judiciário hoje é o local onde se buscam tanto decisões incertas toleráveis, quanto não-decisões. ( FALCÃO, Joaquim de Arruda.p.91)

            Após o anúncio de desapropriação feito pela Prefeitura, espera-se que o executivo cumpra a sua parte. Vale lembrar, que, se o Poder Judiciário Piauiense decidiu a favor dos moradores da Vila Irmã Dulce foi a custa de muitas manifestações, organização frente à Justiça e apoio da sociedade civil organizada, na forma dos Movimentos Sociais, ONG’s, sindicatos e partidos políticos.

            3. As possibilidades teóricas da lei e os limites da sua utilização concreta no caso da Vila Irmã Dulce

            No capítulo anterior e nos itens anteriores deste estudo foram discutidos o Direito à Propriedade no sentido normativo, na Constituição e no Código Civil, e no sentido prático do conflito social – a observação do caso da Vila Irmã Dulce. A partir da comparação entre essas duas realidades, podemos, nesse momento, circunscrever o horizonte das possibilidades teóricas da lei e os limites que foram encontrados para que a lei fosse aplicada ao caso da Vila Irmã Dulce.

            A utilização concreta da lei encontrou os seguintes obstáculos sociais: a desigual distribuição de renda expressa na miséria, pobreza e desemprego; a omissão do Poder Público municipal, que não cumpre suas funções; a corrupção do Estado, que fere princípios constitucionais fundamentais; a passividade do judiciário – inerte na sua condição e moroso em suas decisões -; e, por fim, a própria lei, por ser constituída atendendo a determinados interesses, abrindo possibilidades das mais diversas de se burlar a Justiça. A seguir esclarecemos mais profundamente cada um desses obstáculos encontrados.

            O termo exclusão social associa dois aspectos do conflito social: o aspecto econômico, devido à extrema desigualdade de acesso aos bens da vida em sociedade, e o aspecto político, que consiste na negação prática de cidadania ao grupo excluído. A desigualdade social, em sua essência, direciona-se para a real negação da cidadania, o que significa, no que se refere aos conflitos de propriedade urbana e no acesso à moradia, que, no Brasil atual, é negado àquele que é marginalizado economicamente o direito de constituir um lar e tudo mais que ele possa representar. É negada a sua cidadania.

            Os dados estatísticos não negam essa realidade: no Brasil, a renda dos 10% mais ricos eqüivale a quase 30 vezes a dos 40% mais pobres, o número de pobres no Brasil atinge 42 milhões de pessoas, ou seja, 30% de uma população total de 147 milhões (SANTOS, Roberto A. Oliveira.p.685) enquanto isso o déficit habitacional só faz crescer, em Teresina já alcança 30 mil famílias (FAMCC).

            Analisando a questão do desemprego no Brasil, os dados, se não são piores, são, no mínimo, equivalentes: em abril de 1996 a taxa de desemprego atingiu 15,9% somente na grande São Paulo, de acordo com o DIEESE, em apenas cinco regiões metropolitanas, mais de 2 milhões de pessoas estão desempregadas, um total maior que a população de muitos países (SANTOS, Roberto A. Oliveira.p.685).

            Em relação à Vila Irmã Dulce, esses índices crescem: de acordo com a presidente da Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários, Lucineide Barros Medeiros, 96% das pessoas acampadas estão desempregadas (PMT não vai desapropriar terreno.p.1.) (16)

            Um levantamento estatístico sobre a Vila Irmã Dulce apresenta a sua população constituída, em sua maioria, de famílias recém-formadas: jovens mães e casais, retrato claro de que a vila não é composta apenas por pessoas oriundas do interior do estado, mas por jovens sem renda própria e que não tem mais espaço no mercado de trabalho, seja pela precária educação formal que receberam, seja pela falta de empregos (Sem-teto. Especial.p.1.).

            O Poder Público Municipal é omisso diante de suas funções: não promove a criação de novos empregos, ferindo o art. 3 º da Constituição Federal; não desapropria áreas que não estejam cumprindo a sua função social, violentando o art. 5º, XXIII; não garante o acesso à propriedade – o que poderia ser feito com a desapropriação com fins sociais (art. 182, caput) e a construção de moradias populares -, indo contra o art. 5º, caput, e o art. 5º, XXII; e, não apresenta um plano diretor para o município desde 1988. As iniciativas adotadas chegam a tornarem-se insignificantes, por não atenderam a verdadeira demanda das necessidades do Município de Teresina.

            Desde 1988, quando foi sistematizado o 2º Plano Estrutural de Teresina - 2º PET, o município de Teresina não tem plano diretor, o que existe de mais parecido com isso é o Plano de Gestão do Município, realizado pelo próprio poder executivo, a cada gestão da Prefeitura Municipal. Além disso, desde 1997, a Prefeitura Municipal utiliza-se da sistematização do Orçamento Participativo, para planejar as contas de Teresina para o ano seguinte. Dessa forma, o último Plano Diretor de Teresina foi o 2º PET, de 1988, que foi formulado pela Câmara Municipal e aprovado pelo Prefeito à época.

            A atuação da Prefeitura de Teresina é bastante parecida com as "adaptações" que o Estado Liberal vem apresentando, na tentativa disfarçada de tentar ser conceituado como um Estado Democrático de Direito. O Poder Executivo Municipal não age como agente transformador, mas em programas de melhoria habitacional, que podem até melhorar a qualidade de vida das pessoas, mas que não solucionam o problema do déficit habitacional na cidade.

            No caso da Vila Irmã Dulce, por exemplo, o Executivo Municipal aguardou a explosão do conflito, deixou os moradores a mercê dos seus próprios problemas, e, só após um ano da ocupação resolveu desapropriar a área, reflexo puro de medidas unicamente políticas, dado o grande contigente de famílias que ali se aglomeravam.

            Com a desculpa de que se desapropriasse imediatamente a área, estaria estimulando as "invasões", a Prefeitura negou o pedido de desapropriação (PMT não vai desapropriar terreno.p.1.), não construiu uma escola no local (Vila Irmã Dulce inaugura Escola.p.8.) e tentou justificar a sua atitude omissa. Quando, na verdade, pela lei, deveria ter desapropriado a área e removido todas estas famílias para lá, bem antes do evento da ocupação ter sido pensado pelos Movimentos Sociais, ou, no mínimo, ter imposto tributações altas ao proprietário e o obrigado a murar e manter a preservação do local. No entanto, o poder Executivo Municipal, desde a década de 1980, espera que as ocupações ocorram, o que torna a área supervalorizada, para promover a desapropriação, facilitam mais ainda a concentração de riquezas, pois o proprietário obtém lucros exorbitantes com a especulação imobiliária.

            Hoje, o único programa é o "Programa Minha Casa", em que a Prefeitura só pretende atender 2.000 pessoas e já atendeu 1.100. Vale lembrar que só a Vila Irmã Dulce tem hoje mais de 7 mil famílias, e que, segundo o último censo das vilas e favelas de Teresina, de 1996, as famílias sem-teto correspondiam ao equivalente a 25.775 famílias, ou 94.617 habitantes (Censo 96 – Vilas e Favelas. Teresina, 1996.). Novos dados da Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários (FAMCC) e da Federação de Associações de Moradores do Piauí (FAMEPI), elevam este número para 34.075 famílias.

            Com relação à corrupção do Estado Brasileiro, é necessário que seja lembrado apenas a possibilidade de se mover uma Ação de Inconstitucionalidade por Omissão contra o Poder Público Municipal, Estadual ou Federal, alicerçada em todas as normas Constitucionais que aqui foram citadas e que não são adequadamente cumpridas pelos poderes competentes. Caberia ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados, à Mesa da Assembléia Legislativa, ao Governador de Estado, ao Procurador- Geral da República, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, às confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional, mover as ações de inconstitucionalidade por omissão, justificando-se na defesa de seus próprios interesses e, ou, na defesa dos interesses do próprio povo brasileiro. Porque isso não ocorre? Falta de interesse político; comprometimentos entre os competentes para mover esta ação e o Poder Público atingido; a existência de cargos comissionados, o que significa que os indicados para os cargos dificilmente moveriam uma ação deste tipo contra aquele que os indicou; falta de organização das entidades de classe e, até mesmo, desconhecimento. Acrescenta-se ainda que a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão apresenta-se como um instrumento jurídico que não corresponde às expectativas, pois não possui acolhida em nossa cultura jurídica.

            O Poder Judiciário, na espera de ser acionado para se manifestar, não se manifesta. O art. 126 da Constituição Federal, por exemplo, afirma que sempre que necessária à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente ao local do litígio. No caso da Vila Irmã Dulce, apesar da imprensa colocar como fato excepcional, e não como algo que estava na lei, o juiz fez uma vistoria na área. Mas essa vistoria se deu por requisição dos advogados dos moradores e não por pura e simples iniciativa do juiz. Além disso, quando o juiz da 3º vara deferiu o pedido de reintegração de posse e expediu o mandado de despejo, não justificou a sua atitude com fundamentação, apenas assinou e encaminhou o processo, o que nos mostra o descompromisso do Poder Judiciário com a sociedade e a própria Justiça.

            O Ministério Público deve provocar o Poder Judiciário, o que, muitas vezes não ocorre, ou só acontece sob muitas pressões dos movimentos sociais. Em Teresina, e no caso da ocupação estudada, ele se manifestou duas vezes: a primeira, depois de longas pressões dos Movimentos Sociais, quando obrigou a Prefeitura Municipal a construir uma escola na área, e a segunda, por iniciativas individuais de apoio à ocupação, na pessoa da promotora Dr.ª Leida Diniz.

            O fato de existirem leis que defendem elementos diferenciados – por um lado a defesa incondicional da propriedade e do seu uso, gozo e usufruto pelo seu dono, no Código Civil, e por outro a garantia do acesso à propriedade mediante a atuação do Estado (art. 3º) e a desapropriação das áreas que não cumpram adequadamente a sua função social – permite aos advogados das partes que se embasem em idéias diferenciadas para defender seus interesses, e aos juizes a possibilidade de optar entre o individual e o coletivo.

            Do conflito normativo inerente ao Direito, surge então o conflito social, pois Estado, Poder Judiciário e Sociedade têm um comportamento omisso diante dos fatos e justifica "legalmente" a sua omissão. O povo então se questiona se a lei de fato funciona, chegando a um questionamento sobre justiça social e sobre a própria estrutura do Estado. O legislador, imbuído no Estado Liberal, apenas adaptou a lei para disfarçar as desigualdades sociais. A lei criada para defender o povo não funciona, por que as desigualdades econômicas incorrem, necessariamente em marginalização social, e só o centro do poder tem acesso e influência sobre as decisões mais importantes.

            Esses são, portanto, os obstáculos encontrados. Mas, o povo, a exemplo do caso da Vila Irmã Dulce, tem como se organizar e ganhar força, e, com o apoio dos Movimentos Sociais, vai lutando e alcançando seus objetivos, e se manifestando por uma moradia digna, a favor da pessoa humana e da vida.


III.Os movimentos sociais como elementos de transformação jurídica:

o princípio da justiça e os conflitos sociais

            Os Movimentos Sociais emergiram na sociedade brasileira de maneira nova porque se inseriram como sujeitos que defendiam, ou representavam, a sociedade civil e a defesa de seus interesses coletivos.

            As práticas sociais populares instauraram métodos políticos que abriram espaços sociais inéditos, apresentando-os como novos sujeitos com organização, objetivos e estrutura própria, capazes de auto-gestão na defesa de interesses coletivos.

            Os Movimentos Sociais surgiram na sociedade brasileira numa conjuntura de despolitização repressiva da sociedade civil brasileira, submetida a uma estratégia autoritária de articulação dos interesses capitalistas de acumulação. Eles representaram o momento mais consistente de organização da sociedade civil até aquela época, marcada pelo golpe e pela ditadura militar brasileira.

            O trabalho da Igreja Católica, desde os anos 70, forma, a partir de relações de vizinhança, amizade e parentesco, grupos de jovens, grupos de renovação religiosa, de articulação da igreja, e, consequentemente, associações de bairro. Os grupos de moradores estavam interessados nas discussões dos problemas concretos vivenciados nos bairros de periferia das grandes cidades, foram os embriões de organizações populares de base, constituindo os assim chamados movimentos populares, compreendendo o conjunto de formas de mobilização e organização das classes populares ligadas direta ou indiretamente ao processo produtivo. (SOUZA JR., José Geraldo.p.308). Como exemplo, podemos citar em Teresina o caso da Favela COHEBE, em que a Paróquia do Parque Piauí que ao organizar sua própria associação de moradores para reivindicar os direitos dos residentes neste conjunto habitacional deu os primeiros caminhos de práticas sociais populares aos moradores da Favela COHEBE. (LIMA, Antonia Jesuíta de.p.32.)

            O povo consciente descobre-se sujeito da história na medida em que desvenda a sua própria identidade, ou seja, a sua capacidade de auto-organização e de autodeterminação, condição que permite aos indivíduos, no interior dos Movimentos Sociais, a decidir e agir em conjunto, a defender seus interesses, a expressar sua vontade e assim, conquistar lugares novos, desenvolver uma linguagem comum, definir valores, em suma, criar direitos.(CNBB, Sociedade Brasileira e Desafios Pastorais apud SOUZA JR., José Geraldo.p.308.)

            É sob essa perspectiva que, de fato, se organizam os Movimentos Sociais: como elementos criadores de direitos e de exigência ao Poder Público. Os direitos criados, ou "arrancados do papel", são resultado puro e simples da organização do povo.

            Atualmente, a atuação dos Movimentos Sociais de base e de suas práticas inovadoras, já ultrapassa bastante a criação de direitos. Eles insurgem como elementos de transformação jurídica porque não modificam somente o direito e sua aplicação na sociedade – o que por si só já representaria uma vitória infinita – mas as pessoas que participam deste processo de aplicação da lei.

            Miguel Reale já afirmava que o Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela (REALE, Miguel.p.2.) Apesar de o Direito ser estudado em toda a sua interrelação com o fato social, na prática ocorre fenômeno bem diferente: a grande maioria dos operadores do direito não analisam o meio social, não observam a importância da sua atuação, nem as conseqüências jurídicas, políticas e econômicas que suas decisões representam.

            Os Movimentos Sociais emergem acordando o Direito para a realidade social, reivindicando a aplicação da Justiça e despertando não só os aplicadores do Direito mas todo o Poder Público para a necessidade urgente de realizar seu trabalho embasado na observação social, ou no mínimo, aplicando corretamente a lei.

            A observação dos Movimentos Sociais, pelos aplicadores do direito torna-se mais necessária ainda a partir do momento em que se interpreta a idéia do Estado Democrático de Direito.

            Ora, a Constituição Federal vigente inova de modo absoluto ao inserir a democracia, verdadeiramente, em seu texto. O que antes se constituía apenas em Estado de Direito, hoje apresenta-se como Estado Democrático de Direito. Se anteriormente existia a ação do Estado Liberal, que fazia apenas concessões aos Movimentos Sociais, agora o Estado, em seu conceito, natureza e objetivos, entende, ou deve entender, que há a necessidade de uma atitude transformadora junto ao coletivo.

            Como afirma Sérgio do Rêgo Macedo, com o advento do Estado Democrático de Direito todos os dispositivos que lhe seguem nos obrigam a interpretação eivada do espírito democrático. A ideologia da Democracia infiltrou-se obrigatoriamente em toda a letra, a inteligência e aplicação de todo Mandamento Constitucional, a viabilizar a sua fiel realização.(MACEDO, Sérgio do Rêgo.p.358.)

            A aplicação do Direito deve ser fiel a Constituição em todos os seus mandamentos na instituição do Estado Democrático de Direito, e isso é que se apresenta como inovador. Na medida em que o operador do Direito (juízes, advogados, promotores de justiça e até os membros do Poder Executivo) se propuser a cumprir os Princípios e as garantias constitucionais, ele toma uma atitude transformadora diante da realidade que está posta e passa a questionar aqueles que estudam e aplicam a letra morta da lei, com desconhecimento profundo da sociedade.

            O Brasil, como Estado Democrático de Direito, não devia necessitar da ação dos Movimentos Sociais para evidenciar constantemente a necessidade de considerá-lo dessa forma. Mas, é especificamente nesse momento que os Movimentos Sociais agem como agentes transformadores. A letra da lei está morta, convalescendo nos compêndios de direito. A própria idéia e os objetivos do Estado Democrático de Direito, continuarão inertes e inaplicáveis enquanto os detentores do poder, embasados nos seus objetivos próprios, não tiverem interesse de cumpri-los.

            Cabe, portanto, aos Movimentos Sociais propugnar a transformação jurídica, despertando a sociedade para a reivindicação de seus direitos e para a necessidade de se pressionar o Poder Público, Executivo e Judiciário, a fim de que eles sejam efetivados.

            Bonesso de Araújo assim se posiciona: Com a integração entre Estado e Sociedade Civil, passa aquele a agir mais em função desta. Assim, o Estado deixa de ser mero espectador da atividade econômica e social e passa a agir, saindo do estágio de garantidor das relações sociais para o promotor de novas relações, no âmbito social. Sai da condição de tutor das liberdades para a de promotor da ação social. (BONESSO de ARAÚJO, Luiz Ernani. pag irreg.)

            A transformação jurídica, ocasionada pelo Estado Democrático de Direito e pela ação incisiva dos Movimentos Sociais, recai na necessidade de um estudo sobre o sentido de Justiça relacionado à resolução dos conflitos sociais.

            Os jurisconsultos romanos assim conceituavam justiça: vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu. (Ulpiano apud REALE, Miguel.p.377) No entanto, visto apenas como vontade ou virtude de dar a cada um o que é seu, esse conceito não se faz completo. Em primeiro lugar, porque não diz o que pertence a cada um, entrando aí nos nossos questionamentos sobre a propriedade. Em segundo lugar porque não estabelece uma escala de valores entre o que seria mais importante para cada um. Se, por exemplo, a vida é mais importante que a propriedade ou a propriedade é mais importante que a vida(17)

            O conflito social, por colocar em embate valores, garantias e interesses, é um momento em que a Justiça pode ser facilmente questionável. Nos conflitos de propriedade, por exemplo, o que é mais justo: o interesse individual do proprietário ou o interesse coletivo da comunidade?

            O nosso estudo prefere reconhecer a atuação dos Movimentos Sociais como a mais legítima para se observar o Princípio da Justiça. Se esse princípio prima pela sociedade – enquanto a segurança jurídica pela lei – é responsabilidade dos operadores do direito e do Poder Público, ao trabalhar com os conflitos aplicar a Justiça.

            A partir do momento em que o Princípio da Justiça nos dirige à responsabilidade que todos temos sobre os interesses da sociedade, o coletivo supera o individual na resolução dos conflitos sociais.


Conclusão

            Nos dias atuais, o conflito surgido no que diz respeito ao acesso à propriedade tem suscitado a atuação da sociedade como um todo. Seja pela importância da temática, seja pela proliferação em quantidade dos Movimentos Sociais urbanos e rurais que reivindicam o acesso á moradia e à terra; não só a sociedade civil organizada, mas os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário manifestam grande interesse pela questão.

            Nesse contexto, e com relação ao que foi apresentado na execução deste estudo, serão demonstrados os resultados encontrados no que diz respeito a esses Poderes organizativos do Estado Brasileiro, ao alcance jurídico e às limitações sociais do direito a propriedade na resolução dos conflitos, ao embate jurídico do Código Civil e a Constituição Federal de 1988, àquilo que os jornais representam para a resolução ou agravo dos conflitos e às ocupações urbanas como a maior solução dos conflitos atualmente no acesso à propriedade.

            As relações mais significativas que se podem estabelecer entre o Direito à Propriedade e o conflito social dizem respeito à atuação dos Poderes Executivo e Judiciário.

            O Poder Executivo, influenciado pelos resultados políticos que sua atuação pode representar, tem uma atuação omissa em relação às suas obrigações legais, passiva quando se observa o conflito de direitos no acesso à propriedade e conivente com os resultados que muitas vezes não primam pelo social.

            O Poder Público Municipal espera ser requisitado para se manifestar; aguarda o acontecimento das ocupações urbanas e a fixação dos moradores na área durante algum tempo, para, em seguida, promover a desapropriação e a urbanização da área ocupada. Quando, na verdade, deveria tentar suprir o déficit habitacional da cidade, promovendo a desapropriação de área que não cumprem a sua função social e construindo moradias (o que é determinado em lei). A Prefeitura deveria promover, além disso a formação qualificada da mão-de-obra desempregada e fomentar a criação de empregos, a fim de que as pessoas pudessem construir suas casas e não vendê-las posteriormente para suprir necessidades básicas mais urgentes, como a alimentação.

            O Poder Judiciário continua cheio de arcaísmos em relação ao uso da lei – prima-se mais pelo Código Civil em detrimento da Constituição. Apesar de muitos juizes no Brasil já promoverem uma visão mais social da lei através da observação da sociedade e daquilo que a sua decisão possa vir a representar, a maioria – o que é mais comum em Teresina – não observa as conseqüências políticas e econômicas de seus atos.

            Os aplicadores do direito, imbuídos de seus próprios posicionamentos ideológicos – que nem sempre refletem uma idéia transformadora da sociedade -, resolvem os conflitos de acesso à propriedade geralmente desconhecendo o local ocupado e a quantidade de pessoas que a sua decisão possa vir a atingir.

            Para os proprietários, o Poder do Estado, através do aparato policial, funciona na maioria das vezes, muito bem, e os juizes, quase sempre concedem mandados de despejo conhecendo apenas a parte proprietária e não a possuidora do local.

            O processo da Vila Irmã Dulce, foi um pouco diferente em relação ao senso comum dos juristas: um juiz foi ao local; o Tribunal de Justiça suspendeu o Mandado de Reintegração de Posse e o Ministério Público se manifestou para obrigar o município a construir uma escola.

            No entanto, isso não aconteceu por alguma reforma no pensamento do nosso Poder Judiciário. Os resultados positivos encontrados no caso da Vila Irmã Dulce foram resultado direto da organização do povo e da atuação dos Movimentos Sociais. As pressões exercidas pelas 5 mil famílias que estavam no local, à época, e pela sociedade como um todo, influenciaram nos posicionamentos dos juizes, obtendo alguns resultados positivos – o que não significa o Poder Judiciário como um todo, mas iniciativas individuais de alguns aplicadores do Direito.

            O conflito social deve ser esclarecido não mais como conseqüência apenas de um conflito jurídico existente no Código Civil e na Constituição Federal, a respeito do Direito à Propriedade, mas como resultado também dos posicionamentos ideológicos dos aplicadores do direito, das pressões exercidas pela sociedade e das conseqüências jurídicas, políticas e econômicas que sua decisão representa.

            A lei, no embate jurídico entre aquilo que é defendido pela Constituição e pelo Código Civil – função social da propriedade e propriedade privada, respectivamente – contribui sobremaneira para a proliferação do conflito social, mas não para a sua existência.

            Com o conflito jurídico e legislativo, o juiz tem sempre a oportunidade de optar por uma situação ou outra, os advogados dos proprietários de usar medidas processuais ardilosas e o Poder Executivo Municipal de ser omisso diante dos problemas. No entanto, as leis abrem essas oportunidades, mas elas não determinam a ação da sociedade ou do Poder Público.

            Na verdade, a influência maior é da ideologia sobre a qual está construída a sociedade, do que pensam os seus juristas, dos questionamentos sociais, das relações de poder e da correlação de forças dentro dessa relação de poder.

            Os jornais de Teresina, em relação ao caso da Vila Irmã Dulce, publicaram um vasto material ao longo do seu primeiro ano de fundação, chegando até a produzir encartes especiais sobre a Vila, com a apresentação de seus moradores e dos resultados de pesquisas de campo. No entanto, em relação ao processo e ao próprio conflito, não deixaram de ser superficiais e limitadas.

            Embora se tenha dado uma grande ênfase às ocupações urbanas em Teresina nos últimos anos, os jornais são ausentes de esclarecimentos jurídicos mais sérios e completos a respeito do Direito à Propriedade expresso na Constituição Federal e no Código Civil e a respeito dos próprios processos judiciais, omitindo, principalmente, os artifícios de que se utilizam os advogados dos proprietários.

            Dentro desse contexto de desigualdades em que se desenvolve o conflito no Direito à Propriedade, e, consequentemente, no acesso à moradia, as ocupações urbanas despontam, informalmente, como a maior solução desses problemas. Os Movimentos Sociais se organizam, as ocupações são realizadas, os proprietários se manifestam e os poderes executivo e judiciário são pressionados de ambos os lados. Quando o povo organizado consegue maior evidência social positiva que negativa, a sua atitude mexe com a opinião pública. Só então executivo e judiciário se manifestam, mesmo que em atitudes passivas ou paliativas.

            Nota-se que essa é uma solução que não deveria ser prolongada por muito tempo. Mesmo que, algumas vezes, os Movimentos Sociais alcancem aquilo a que anseiam, o Estado nunca estará sendo transformado, mas só sendo adaptado a algumas realidades. É uma concessão de direitos e não a sua manifestação.

            As ocupações urbanas, como forma de adaptação da sociedade a um estado de desigualdades, tentam, na verdade, abrir os olhos de todos e questionar o Estado frente às políticas públicas que ele promove. É uma pena que este Estado inerte as tenham transformado em solução para o problema da moradia, desenvolvendo medidas paliativas e movidas, em sua maioria, por interesses políticos.

            O Direito de acesso à propriedade é garantido por lei, sob a forma do mecanismo da desapropriação e do conhecimento da função social da propriedade. Mas, esse direito esbarra na não evolução dos poderes públicos e das políticas públicas frente às progressivas transformações em que encontra-se a sociedade atual.

            Cabe lembrar que a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que altera o art. 6º da CF, que trata dos direitos sociais da República Federativa do Brasil, inclui a moradia no rol das necessidades essenciais do ser humano, garantindo-a como um bem fundamental.

            Mesmo que seja sustentado o embate entre o Código Civil brasileiro e a Constituição Federal de 1988, não se pode esquecer que a CF é a lei suprema de um país. Todo e qualquer ordenamento jurídico não recepcionado pela atual Constituição perde sua validade. Assim, em um possível conflito entre o Código Civil e a Constituição Federal, o próprio conflito teria que ser desconsiderado, pela supremacia da Constituição.

            Um dos grandes problemas a ser enfrentado pela sociedade, hoje, consiste na formação cultural e acadêmica dos atuais e futuros operadores do Direito, que, em sua maioria, representam os interesses de determinada classe social, e não vislumbram o Direito e seus instrumentos como agentes transformadores da realidade. O que existe é a tentativa constante de se utilizar a lei como um instrumento para a manutenção do status quo, dos privilégios e das desigualdades.

            A pura mudança da legislação não provocará, portanto, efeito algum sobre a sociedade, enquanto os representantes do Poder Público, e a própria sociedade não tiverem a consciência real de seu papel.

            A lei não precisa ser modificada, a priori, para que seja adequadamente utilizada na sociedade. Antes e depois dela sempre existirão relações de poder e os interesses dos mais fortes dentro destas relações. Cabe ao coletivo se organizar a fim de medir forças nessa relação e se manifestar incisivamente para alcançar seus interesses.

            O Direito à propriedade, mesmo garantido, encontra limitações que abrangem desde as desigualdades sociais às relações de amizade que podem existir entre um juiz e o proprietário legal de uma área ocupada, passando pela própria constituição do Estado Liberal e pelas referências ideológicas que todos temos.

            O Poder Público é o responsável direto pelo conflito, mas toda a sociedade também contribui diretamente para que ele se manifeste e permaneça.

            O acesso à moradia está alicerçado no direito à vida e à dignidade humana. Até onde chegará essa sociedade que prima pelo patrimônio em detrimento da vida? Ou ela se adapta para permanecer assim, ou ela se transforma, o que significa tocar, diretamente, nas desigualdades sociais e nas relações de poder que ela mantêm.


Notas

            1. Na Suma Theológica, São Tomás de Aquino afirma que: o homem tem um direito natural de se apossar dos bens materiais para garantir sua sobrevivência; logo, o direito de propriedade é conseqüência desse direito natural de luta pela sobrevivência. Todavia, esse direito de propriedade é limitado pelo bem comum, pelo direito que têm todos os homens de viver dignamente." (KIRST, Dario. p. 08). Essa doutrina questiona a intangibilidade absoluta da propriedade, abrindo caminho para um conceito diferenciado.

            2. Karl Marx questiona a própria estrutura capitalista e seus mecanismos de concentração de riqueza, declarando a propriedade privada como a grande causa das injustiças sociais.

            3.Jurista e sociólogo francês que colaborou decisivamente na elaboração do conceito de função social da propriedade.

            4. Do latim, direitos de gozar, usar e dispor de seus bens dados aos proprietários da coisa.

            5. O art. 141, § 16, garante o direito de propriedade com exceções apenas aos casos de desapropriação por necessidade e utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

            6. A Ação de Inconstitucionalidade por Omissão tem o objetivo de imprimir obrigação, para com dos poderes públicos, de cumprimento das normas constitucionais. Isso significa que, movendo-se uma Ação de Inconstitucionalidade por Omissão contra órgão do poder Executivo, e sendo esta acatada pelo poder Judiciário, o poder Executivo possui até trinta dias para sanar a omissão. Não realizada a obrigação judiciária, o Executivo poder ser julgado por crime de responsabilidade.

            7. Oriundo do Direito Processual Civil, o Princípio da ação: Ne procedat Judex ex officio - não pocederá ação judicial por ofício, sem provocação; resgarda ao juiz o direito de não se manifestar sem a prévia manifestação de uma das partes envolvidas.

            9. A Prefeitura foi obrigada pelo Ministério Público a construir uma escola na Vila até abril/2000, quando iniciaria o período letivo, mas não possuía nada definido até janeiro/2000

            10. Os jornais, apesar da alta credibilidade que possuem, muitas vezes colaboram para isso, usando termos pejorativos - invasores, por exemplo - ou fornecendo informações equivocadas.

              11. Processo nº 98.7707-0, 2ª Vara Cível de Teresina (PI).

            12. O procedimento tem respaldo na legislação processual em vigor que permite ao desistente ingressar com nova ação – art. 268 do Código de Processo Civil.

            13. Processo nº 6281-1, 3ª Vara Cível de Teresina (PI)

            14. Na dição do Código o exercício de qualquer poder inerente ao domínio confere ao proprietário formal legitimidade para manejar os interditos, ainda que não utilize efetivamente a terra. O resultado é a concessão da liminar inaudita altera pars, a determinação da força policial e a expulsão dos ocupantes. Esse quadro é perfeito para encaixar-se no retrato dos valores que inspiram o legislador em 1916. Foi diante disso que o Prof. Caio Mário da Silva Pereira sentiu-se confortável para sustentar que o dono da coisa "também pode deixar de usá-la, guardando-a ou mantendo-a inerte". (FACHIN, Luís Edson.p.504.) inaudita altera pars = mesmo que a outra parte não seja ouvida, sem ouvir a outra parte.

              15. Processo nº 98.6281-1, 3ª Vara Cível de Teresina (PI).

            16. Vale lembrar que o Censo Municipal que inclui a Vila Irmã Dulce só será publicado em julho próximo e que, consultando os funcionários da SEMSUR, fomos informados que os dados da FAMCC são confiáveis e poderíamos fundamentar neles o nosso trabalho.

            17.. No Direito Romano, instituído em uma sociedade escravista e com valorização do individual, em que a cidadania exigia uma série de pré-requisitos (sexo, idade, bens, etc.) a propriedade se sobrepõe à vida em muitos momentos.


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            Galpão servirá de escola na Vila Irmã Dulce. DIÁRIO DO POVO, Teresina, 29 ago. 1998. Geral, p.11.

            FAMCC expulsa especuladores no loteamento. DIÁRIO DO POVO. Teresina, 4 Jun. 1998.p.11.

            PMT não vai desapropriar terreno. DIÁRIO DO POVO, Teresina, 26 jun. 1998. Cidade, p.1.

            Prefeitura garante casas para sem-teto. DIÁRIO DO POVO. Tresina, 5 ago. 1998. Geral, p.11.

            Promotora é afastada. O DIA, Teresina, 18 set. 1998. Geral, p.9.

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            Sem-teto realizam protesto para evitar despejo. MEIO NORTE, Teresina, 9 jun.1998.Cidade, p.3.

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Agradecimentos

À Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí - FAMCC, primeira entidade a nos acolher. Por sua receptividade, atenção e respeito por este estudo. Por todas as fontes bibliográficas fornecidas. Pelas entrevistas e depoimentos verdadeiros e pela consciência do seu papel na sociedade.

Aos funcionários da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo de Teresina, que nos apresentaram material prático e legislativo sobre a atuação deste Município.

Ao Professor Roberto Gonçalves de Freitas Filho, primeiro docente a se manifestar como orientador, a incentivar a idéia e a fornecer bases para sua construção.

Ao Professor Enoque Soares Cavalcanti, orientador com o qual esta pesquisa foi aprovada, pela sua experiência e disponibilidade de tempo e conhecimento. Pela amizade com que conduziu as nossas reuniões, e pela vontade de continuar sendo orientador deste trabalho, mesmo enfrentando problemas de saúde.

Ao Professor Alexis Leite pelo estímulo, pela amizade e coragem com a qual pôde orientar a execução deste trabalho e, por ter creditado tempo, paciência e conhecimento como orientador final desta pesquisa. Pela dedicação como pesquisador, como amigo e como defensor da causa daqueles que lutam por uma vida digna.

À comunidade da Vila Irmã Dulce, que dedicou momentos de sua convivência às nossas entrevistas. Pela sinceridade em seus depoimentos, clareza nas suas atitudes e na construção necessária de sua morada. Em especial, aos moradores que nos abriram as portas de suas casas e conversaram conosco, para que pudéssemos fazer uma construção histórica da Vila Irmã Dulce sob a ótica daqueles que a construíram.

À Drª Ana Lúcia, advogada defensora da comunidade da Vila Irmã Dulce, pela dedicação, e pelo conhecimento ao nos fornecer e nos auxiliar na observação do processo jurídico referente à Vila Irmã Dulce.

E, ao Dr. James Willlian T. dos Reis, pelo estímulo nos momentos mais difíceis, por ajudar e acompanhar nas entrevistas, pelas fontes bibliográficas fornecidas, pelo conhecimento, pelo apoio e pela honestidade nos esclarecimentos. Por acreditar neste trabalho e em seus resultados mais do que qualquer pessoa.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Inga Michele Ferreira. Direito à propriedade e conflito social: A Vila Irmã Dulce como estudo de caso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2448. Acesso em: 10 maio 2024.