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A evolução (?) do papel dos auditores dos tribunais de contas do Brasil

A evolução (?) do papel dos auditores dos tribunais de contas do Brasil

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A capacidade técnica dos auditores do TCU deve ser plenamente aproveitada, remetendo-lhes as atribuições devidas, nos termos constitucionais, com os deveres e direitos inerentes à magistratura. Na escolha dos ocupantes do cargo, os critérios políticos, se inevitáveis, devem vir após o exaurimento dos critérios técnicos.

Resumo: Este trabalho tem por principal objetivo demonstrar que os Auditores dos Tribunais de Contas não têm sido devidamente aproveitados em sua potencialidade no papel que desempenham, em função de equívocos históricos em relação ao funcionamento dessas instituições. Também é objetivo do trabalho demonstrar que a composição do corpo deliberativo dessas instituições deveria ser eminentemente técnica, ao contrário do que ocorreu e vem ocorrendo até os dias atuais.

Palavras-chave: Brasil, Tribunais de Contas, Auditores, Ministros, Evolução histórica.

Sumário: 1.INTRODUÇÃO. 2.AUDITOR: UM TERMO EQUÍVOCO. 3.O TERMO “AUDITOR” NO DIREITO COMPARADO. 4.A REPÚBLICA VELHA, O SURGIMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL E O SURGIMENTO DO CARGO DE AUDITOR NESSAS INSTITUIÇÕES. 5.OS AUDITORES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS APÓS A REPÚBLICA VELHA E ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 6.O DECRETO LEI Nº 199/1967 E A “PROPOSTA DE DECISÃO”. 7.OS AUDITORES DO TRIBUNAL DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 8.A INADEQUAÇÃO DA COMPARAÇÃO ENTRE A JUSTIÇA MILITAR E AS CORTES DE CONTAS. 9.SINE IRA ET STUDIO – O CORPO DECISÓRIO DAS CORTES DE CONTAS HÁ DE SER EMINENTEMENTE TÉCNICO. 10.O SISTEMÁTICO DESRESPEITO AO CARGO DE AUDITOR. 11.AS TENTATIVAS LEGIFERANTES PARA DESVALORIZAR A FUNÇÃO DO AUDITOR E DOS SERVIDORES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. 12.A “PROPOSTA DE DECISÃO” PODE SER CONSIDERADA UMA EVOLUÇÃO?. 13.DA INADEQUABILIDADE DO MODELO DE AUDITORIA GERAL EM SUBSTITUIÇÃO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL. 14.CONCLUSÃO. 


1.  Introdução

O ponto de interrogação entre parênteses no título do artigo após a palavra “evolução” pretende realçar que as mudanças em relação ao cargo de auditor dos Tribunais de Contas, ao longo do tempo, mais caracterizam a acepção daquele termo como sinônimo de movimento, seja contínuo, regular, circular ou para diante, do que como processo gradativo, progressivo de transformação, de mudança de estado ou condição, sinônimo de progresso, avanço, melhoria ou desenvolvimento.

A História confirma que pouco se valorizou o cargo de auditor em relação ao que foi estabelecido quando da sua criação no início do século passado.

Os Auditores dos Tribunais de Contas são ocupantes de cargos desconhecidos da maioria dos brasileiros, mesmo daqueles com formação nas áreas que são afetas àquela instituição.

Pretende-se com o presente texto apresentar dados acerca do real papel que esses profissionais desempenham nas Cortes de Contas brasileiras, e uma comparação com aquele que deveria ser esse papel, sob a ótica dos desígnios da sociedade brasileira, conforme ficou assentado na elaboração do texto constitucional de 1988, em que, apesar de iniciar conferindo maior relevância ao segmento técnico, ao final prevaleceu a conservação do status anterior, com modificações que, embora relevantes, foram sufocadas pela cultura organizacional ainda vigente.

Além disso, pretende-se fornecer subsídios para interpretação histórica do papel dos auditores e suas modificações ao longo do tempo, o que, pretensamente, deveria constituir “evolução”, posto que a sociedade sempre marcha tendo como maior objetivo o desenvolvimento humano, bem como para fornecer elementos para a interpretação autêntica da Constituição Federal de 1988, no que tange aos auditores dos Tribunais de Contas.


2.  auditor: um termo equívoco

Nas últimas décadas, com o predomínio das técnicas contábeis de origem anglo-saxã, que consagraram a auditoria como uma técnica de fiscalização contábil de ampla efetividade, a acepção contábil do termo “auditor” tem dominado o conceito, haja vista que o seu uso corrente normalmente remete a essa acepção.

De seu turno, a acepção jurídica desse termo tem sido constantemente olvidada.

Na acepção contábil, auditor é aquele que realiza auditoria, técnica contábil que verifica ou revisa registros, demonstrações e procedimentos da escrituração contábil[1]. Tal acepção é tão dominante que até mesmo a Associação Civil de Estudos e Pesquisas dos Tribunais de Contas do Brasil, denominada “Instituto Ruy Barbosa”, registrou em seu Glossário de Termos Técnicos somente essa acepção (p. 030):

“AUDITOR: pessoa encarregada de realizar uma auditoria e elaborar um relatório escrito sobre essa auditoria (Boletim Interno do TCU nº 34 de 23/07/1992 – Glossário de Termos Comuns Utilizados no Âmbito do Controle Externo do TCU e do Tribunal de Contas de Portugal).”[2]

Convém registrar que o termo auditor não é usado na Corte de Contas portuguesa[3], por esse motivo não constou dos termos comuns aos Tribunais de Contas brasileiro e português. Em que pese a essa constatação, o glossário retrocitado não apresenta justificativa para utilizar apenas essa definição para o termo “auditor”, ainda que essa obra não estivesse limitada ao registro de termos comuns a Brasil e Portugal.

A acepção jurídica do termo “auditor” existe e é presentemente utilizada, conquanto seja atualmente desconhecida. O eminente jurista De Plácido e Silva assim registra o vocábulo (p. 170)[4], tanto na acepção jurídica como na contábil:

“AUDITOR: É título por que se designam juízes ou magistrados encarregados da aplicação de justiça em certo ramo ou espécie de jurisdição, em regra, de ordem criminal.

No Direito Antigo, com o mesmo sentido de ouvidor, indicava o funcionário instruído em leis, que tinha a missão ou atribuição de informar o tribunal ou repartição pública sobre a legalidade de certos atos ou sobre a interpretação das leis nos casos concretos submetidos à sua apreciação. É o consultor jurídico da atualidade.

Segundo a aplicação atual, o vocábulo designa o juiz de direito agregado aos tribunais de jurisdição especial: auditor de guerra ou auditor de marinha.

Auditor. Na linguagem técnica da contabilidade, é a palavra empregada para distinguir o perito ou técnico de contabilidade, a que se comete o encargo de examinar e dar parecer sobre a escrituração mercantil de um estabelecimento comercial, atestando, igualmente, a sua exatidão, em confronto com os documentos, de que se originaram os lançamentos ou assentos constantes da escrita e a veracidade do balanço geral, que lhe foi mostrado para exame.”

São exemplos atuais do emprego da acepção jurídica o Juiz-Auditor da Justiça Militar e o Auditor da Justiça Desportiva. Como se verá adiante (item nº 07), o Juiz-Auditor Militar foi utilizado durante a Assembléia Nacional Constituinte como comparação para diminuir o número de vagas destinadas a auditores na composição dos cargos de Ministros/Conselheiros dos Tribunais de Contas.

Forçoso destacar o emprego no Tribunal de Contas da União (TCU) de ambas as acepções: os Auditores, internamente denominados Ministros-Substitutos[5], e os Auditores Federais de Controle Externo[6], servidores públicos da Secretaria do Tribunal, responsáveis pela execução da fiscalização a cargo daquela Corte de Contas, incluindo-se entre as suas atribuições a realização de auditorias governamentais.


3.  o termo “auditor” no direito comparado

O objetivo aqui é demonstrar que o termo “Auditor” é usado, em sua acepção jurídica, nos países que serviram de modelo para implantação do Tribunal de Contas no Brasil. Ruy Barbosa, na célebre Exposição de Motivos do Decreto 966-A, cita expressamente a Corte de Contas italiana, motivo pelo qual será objeto de estudo neste artigo, bem como a Corte de Contas francesa, que serviu de inspiração para as demais cortes europeias que empregam o modelo “Tribunais de Contas”[7], entre elas a italiana, e como esta também foi citada por Ruy Barbosa.

Nesse diapasão, deixam de serem abordados os modelos de outros tribunais de contas europeus, haja vista que, no que tange ao objeto desse estudo, as diferenças em relação à França e à Itália não descaracterizam a sua natureza primordial: os órgãos que julgam contas são compostos por membros de comprovada capacitação e formação técnica.

Deixa de ser abordado o modelo anglo-saxão (auditoria-geral), posto que essas instituições não têm competência para julgamento de contas, sendo sua missão precípua auxiliar o Poder Legislativo na fiscalização financeira. Por esse mesmo motivo não será abordado o modelo alemão, pois, conquanto seja um órgão colegiado, suas decisões não constituem julgamento de contas.

É preciso lembrar que França e Itália utilizam dualidade de jurisdição, ou seja, no Poder Judiciário desses países há órgãos específicos para julgar as causas que envolvem o poder público.

Na França, o termo Auditeur é empregado no Código de Justiça Administrativa (Code de Justice Administrative) para designar os magistrados oriundos da Escola Nacional de Administração.

O mesmo termo é empregado na Lei Orgânica da Magistratura (Loi Organique relative au Statut de La Magistrature) para os juízes que compõem o grau inicial da magistratura, recrutados por concurso público, após realizarem o curso da Escola Nacional da Magistratura.

A Cours de Comptes segue a mesma orientação da justiça francesa, tanto na justiça administrativa quanto na justiça comum, ou seja, o grau inicial da magistratura de contas recebe também a denominação de “auditeur”.

Na justiça italiana, até a edição da Lei nº 111, de 30/07/2007, o magistrado de início da carreira era denominado Uditor, e a partir de então passou a receber a denominação de Magistrato Ordinario.

Na justiça administrativa italiana, pela Lei nº 186 de 27/04/1982 (Ordinamento della Giurisdizione Amministrativa), o magistrado de grau inicial é denominado Referendario, mesmo termo utilizado na Corte dei Conti para o cargo que equivale ao de Auditor.

É de se notar, portanto, que a República Italiana e a República Francesa adotaram a mesma postura, designando o posto de entrada na magistratura de contas com a mesma denominação utilizada para os magistrados de primeira entrância na justiça administrativa.

Além da proximidade dos termos utilizados nas justiças e nas cortes de contas de ambos os países, quanto ao provimento de cargos também há coincidência: a formação técnica é requisito primordial na escolha dos magistrados de contas.

Conforme consta do Título II do Livro I do Code de Juridictions Financières, nos dispositivos referentes à sua organização, a Cours de Comptes é composta por Conseillers-Maîtres, Conseillers Référendaires e Auditeurs de 1ª e 2ª classe.

Os Auditeurs de 2ª classe até o ano de 1945 eram recrutados mediante concurso público específico[8]. Após esse período até os dias de hoje são arregimentados da Escola Nacional de Administração. Após um período de dezoito meses, estão aptos a desempenharem as funções de Auditeurs de 1ª classe.

Três quartos das vagas de Conseillers Référendaires são destinados aos Auditeurs de 1ª classe. O quarto restante é reservado a funcionários públicos da área de finanças com pelo menos dez anos de serviço.

Dois terços das vagas de Conseillers-Maîtres são reservados aos Conseillers Référendaires, sendo o terço restante endereçado, em sua maior parte, a funcionários públicos da área de finanças com pelo menos quinze anos de serviço, e, em sua minoria, a funcionários públicos de outras áreas com pelo menos quinze anos de serviço.

Na Itália a formação técnica também é imprescindível aos componentes da Corte dei Conti. A Magistratura de Contas é organizada com os seguintes postos[9]: 01 (um) Presidente, 12 (doze) Presidente de Sezioni, 01 (um) Procuratore Generale, 70 (setenta) Consiglieri, 10 (dez) Vice Procuratori Generali, 203 (duzentos e três) Primi Referendari e 230 (duzentos e trinta) Referendari.

Da mesma forma adotada para a admissão dos magistrados da Giurisdizione Amministrativa (art. 16 da Lei nº 186, de 27/04/1982), para a nomeação no cargo de Referendario da Corte dei Conti é exigido concurso público (art. 12 da Lei nº 1345, de 20/12/1961).

Os demais postos da magistratura de contas italiana são reservados aos magistrados de nível imediatamente inferior, exceto no que tange ao posto de Consiglieri, em que metade das vagas é reservada a funcionários públicos da Corte dei Conti e dos demais órgãos da administração que cumpram os requisitos previstos em lei (art. 7º da Lei nº 655, de 06/05/1948, com a redação dada pela Lei nº 385, de 08/07/1977).

A outra metade é composta de oriundos do cargo de Primo Referendario.


4. a república velha, o surgimento dos tribunais de contas no brasil e o surgimento do cargo de auditor nessas instituições

Ainda durante o Império, diversas personalidades defenderam a criação de um Tribunal de Contas, o que somente viria a ocorrer após a proclamação da República.

Dentre essas personalidades é imperioso destacar a figura do Visconde do Uruguay, que exerceu diversos cargos públicos e é considerado um dos maiores juristas brasileiros na área de direito público. Em sua obra intitulada “Ensaio sobre o Direito Administrativo”, de 1862, defende a separação entre a política e a administração pública. Em outra de suas obras[10] discorre acerca de uma consulta da então província de Sergipe, estabelecendo razões para a criação de Tribunais de Contas e explicando tanto a inadequação da prestação de contas ser julgada perante as assembléias provinciais quanto a inadequação de ser prestada às tesourarias provinciais[11]: (sem grifos no original)

Caso do Sergipe. Consulta do 29 de Outubro de 1845.

(...)

§ 274.

Duvidas.

Quem presta essas contas? É directamente o Presidente? Quem as esclarece na discussão, na Assembléa provincial, e nas commissões? Como se prestão, em que épocas? Qual o seu processo? Que garantias tem o Presidente? Está à mercê da Assembléa, sómente dependente das leis que ella fizer? Limita-se sómente ao exame moral, e a verificar se os creditos forão applicados às despezas para as quaes forão abertos, e se os não excedêrão? Em que casos se ha de verificar a responsabilidade, qual seja e de quem? A. decisão da Assembléa importa ou serve de base à responsabilidade?

Quem prepara essas contas, quem as toma e pronuncia definitivamente com força de sentença para a responsabilidade? O acto addicional diz que a Assembléa provincial legisla. São as Thesourarias provinciaes, ou crear-se-ha para isso uma repartição independente?

§ 275.

As Assembléas Provinciaes?

As Assembléas provinciaes são improprias para verificar a tomada de contas, tarefa tediosa, miuda, que nenhuma popularidade acarêa, que requer muito tempo, assidua paciencia, e conhecimentos especiaes. A politica e discussões apaixonadas, e variados assumptos, não lhes deixão frequentemente tempo para fazer orçamentos, quanto mais para tomarem contas! Que contas teem elas tomado! São 20 e teem essa attribuição ha 30 ánnos! A despeza está feita. É facto consummado.

Envolvidas, como quasi sempre andão entre nós, as Assembléas provinciaes na politica geral de pessoas, e na politica local, tambem pessoal que corresponde, mesquinha e odienta, divididas em maiorias e minorias politicas arregimentadas, ou dando ao Presidente um apoio quasi cego, ou fazendo-lhe opposição desabrida, lançando mão de todos os meios, para embaraça-lo, irrita-lo, derriba-lo, conforme favorece ou hostilisa estes ou aquelles interesses pessoaes, a influencia e a eleição deste ou daquelle, tornão-se por isso essas corporações ainda mais improprias para tomarem contas, enxertando paixões pessoaes e politicas em assumptos meramente administrativos que requerem calma, imparcialidade, independencia, tempo, exames detidos, conhecimentos .especiaes e praticos.

§ 276.

As Thesourarias?

Serão mais proprias as Thesourarias provinciaes? Compoem-se ellas de agentes subalternos, dependentes do Presidente, que lhes pode fazer bem, e muito mal.

Não tem os empregados das Thesourarias provinciaes a posição e independencia que requer um Tribunal de contas.. Um Presidente demittirá o empregado que souber não ser favoravel às suas contas. Outro tirará o pão à familia de um antigo servidor por entender que foi favoravel a seu antecessor, do que ha exemplo.

§ 277.

Serão creadas nas Províncias Repartições Independentes, Tribunaes provinciaes de contas?

A primeira e indispensavel qualidade que devem ter os membros de um Tribunal de contas é uma inteira independencia, principalmente daquelles cujas contas tomão. Não podem ser independentes sem uma alta posição, e se não tiverem vencimentos que os ponhão acoberto da necessidade.

Não deve ser tão diminuto o numero dos membros de um semelhante Tribunal que fique tudo apenas dependente de um ou dous individuos. É preciso que sejão uns contrastados por outros, e que seja revisto por outros o que cada um faz e prepara.

Semelhantes Tribunaes não podem deixar de ser mais ou menos numerosos, mais ou menos dispendiosos.

Já demonstrei no meu Ensaio sobre o Direito Administrativo que a nossa organisação administrativa provincial era muito pesada, e dispendiosa para um paiz pouco povoado, sobretudo para Provincias pobres e em grande parte desertas.

Se juntarmos a esse pesado e dispendioso machinismo mais essa mola, uma Repartição de contas, ficará muito mais pesado e dispendioso.

Na exposição de motivos do Decreto 966-A (Revista do Tribunal de Contas da União, volume 1, nº 01. Brasília: TCU, 1970, p. 253 a 262), que criou o Tribunal de Contas da União, Ruy Barbosa realça a independência e imparcialidade que os membros da Corte de Contas deveriam ter para bem desempenhar suas funções. A par disso, defende que a Corte de Contas seguisse o modelo italiano, que em sua opinião seria mais efetivo no combate a fraudes e malversações do dinheiro público: (sem destaques no original)

(...) a medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediaria à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com attribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias – contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.

(...)

Dois tipos capitais discriminam essa instituição, nos países que a têm adotado: o francês e o italiano.

(...)

No primeiro sistema a fiscalização se limita a impedir que as despesas sejam ordenadas, ou pagas, além das faculdades do orçamento. No outro a ação dessa magistratura vai muito mais longe: antecipa-se ao abuso, atalhando em sua origem os atos do poder executivo susceptíveis de gerar despesa ilegal.

(...)

Dos dois sistemas, o ultimo é o que satisfaz cabalmente os fins da instituição, o que dá toda a elasticidade necessária ao seu pensamento criador. Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância, ou a prevaricação, para as punir. Circunscrita a estes limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia, ou impotente. Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na administração, seja, não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentarias por um veto oportuno aos atos do executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.

Contrariando a lição de Visconde do Uruguay, o Tribunal de Contas da União foi criado com um corpo deliberativo de apenas quatro membros (art. 1º, § 1º, do Decreto nº 392, de 08/1/1896). O cargo de auditor somente foi criado na reforma promovida no governo Venceslau Braz[12], a qual também ampliou o número de ministros para nove, sendo todos nomeados pelo Presidente da República, não havendo requisitos legais para o preenchimento das vagas.

Aos auditores foi atribuída a competência para relatar perante a Segunda Câmara os processos de tomada de contas e substituir os ministros de qualquer das Câmaras nas suas faltas e impedimentos. Para ocupar o cargo de auditor, o indicado pelo Presidente da República deveria ser bacharel em direito.

As atribuições dos auditores foram discriminadas no art. 13 do Decreto Federal nº 13.247, de 23/10/1918, cuja leitura permite inferir que os auditores somente gozavam das prerrogativas da magistratura quando substituindo ministros.

O texto desse decreto é bem claro ao atribuir aos auditores a relatoria de processos de contas, mas dando a entender que o relator não teria direito a voto, posto que essa prerrogativa somente era conferida aos ministros.

Isso porque, ao se referir aos Ministros, o texto atribui-lhes as competências para relatar, discutir e votar (art. 49, inciso I), ao passo que aos Auditores somente é atribuída a competência para relatar (art. 50, inciso I).

Em face da adoção de um novo Código de Contabilidade (Lei nº 4.536, de 28/01/1922), foi editada uma nova Lei Orgânica para o TCU (Decreto nº 15.770, de 01/11/1922), que, apesar de modificações de estilo, manteve inalteradas as competências de Ministros e Auditores (arts. 46 e 47, respectivamente) no que tange a julgamento de contas.


5. os auditores dos tribunais de contas após a república velha e antes da constituição de 1988

Durante os anos Vargas, em face da característica dos governos autocráticos de não se submeterem a efetivo controle de finanças, o cargo de auditor perdeu importância, acompanhando a falta de prestígio da Corte de Contas.

O Decreto nº 19.625, de 24/01/1931 e o Decreto nº 19.824, de 01/04/1931 suprimiram, respectivamente, um e três cargos de Auditor.

A nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 156, de 24/12/1935) ratificou quatro cargos de Auditor (art. 2º, § 2º), sem alterar suas competências em relação ao regime anterior, no que tange ao julgamento de contas.

Da mesma forma, ficaram sem alterações as atribuições dos Auditores pela Lei Orgânica editada no Estado Novo (art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 426, de 12/05/1938).

A redemocratização do país reavivou a importância do Tribunal de Contas, na esteira das demais instituições democráticas. Foi editada uma nova Lei Orgânica para o TCU - a Lei Federal nº 830/49 – que, em relação aos Auditores, manteve o número de cargos em quatro (art. 25, caput) e inovou, ao estabelecer concurso público para seu provimento (metade das vagas por concurso interno entre funcionários do próprio Tribunal e metade das vagas por concurso externo).

No que tange às competências, a lei estabeleceu que, em se tratando de processos de tomada de contas, os Auditores funcionariam junto às duas Câmaras, e junto ao Tribunal Pleno, em recursos naquela espécie processual, com as atribuições previstas na própria lei (art. 22).

Mas a lei não estipulou outras atribuições aos Auditores, apenas remeteu ao regimento interno a incumbência de regular o processo no âmbito do Tribunal.

Conforme consta da monografia de Artur Adolfo Cotias e Silva, que foi vencedora do Prêmio Serzedello Corrêa de 1998, o Tribunal de Contas da União não se dividiu em Câmaras e não foi editado regimento interno até que sobreviesse nova Lei Orgânica - o Decreto-lei nº 199/67, já sob a égide de regime de exceção:

“A divisão em câmaras, estipulada nos artigos 19 a 24 da lei, dar-se-ia em Primeira e Segunda Câmaras, funcionando basicamente nos mesmos moldes como hoje funcionam. Entretanto, de tal permissão não fez uso a Corte, continuando a deliberar pelo regime anterior, por meio da maioria de seus membros.

A segregação das duas vertentes em que atuava o Tribunal se fazia por meio de sessões diferenciadas: as de fiscalização financeira, realizadas às terças e quintas- feiras, e as sessões de tomada de contas, às quartas-feiras.

Nas sessões de fiscalização financeira atuavam somente os ministros, e os auditores quando convocados para substituir ministro, e nelas eram apreciados os processos contendo matéria administrativa, tabelas de crédito, consultas, processos de natureza urgente, pedidos de informação oriundos do Congresso Nacional, aposentadorias, reformas, concessões, entre outros, sujeitos a registro.

Já nas sessões de tomada de contas, onde o Tribunal atuava como Tribunal de Justiça, eram apreciados processos de tomada de contas, comprovação de adiantamento, levantamento de fianças e outros de natureza similar. Nelas atuavam os auditores, relatando os processos, além dos ministros, aos quais competia ouvir o relatório dos auditores e proferir julgamento nos processos, assinando os acórdãos juntamente com aqueles.

(...)

6. O primeiro Regimento Interno

A Lei nº 830, de 1949, havia disposto em seu artigo 34, inciso V, que competia ao Tribunal elaborar seu Regimento Interno. Entretanto, considerando que aquela lei era extremamente minuciosa, o Tribunal não sentiu necessidade da adoção de tal providência.

À guisa de regimento, em cumprimento à Lei nº 830 o Tribunal de Contas baixou internamente as Normas Regimentais, na sessão de 4 de novembro de 1949, sob a presidência interina do ministro Pereira Lira, que serviram por muitos anos como seu regimento interno.

Em face da promulgação da nova Constituição, em 1967, e ante o advento de nova lei orgânica, agora abrigada no Decreto-lei nº 199/67, o Tribunal aprovou, sob a presidência do ministro Glauco Lessa de Abreu e Silva, a Resolução Administrativa nº 14, de 12 de dezembro de 1977, que se traduziu no seu primeiro Regimento Interno, consolidando as diversas normas regimentais ainda vigentes.

Mas o desrespeito com o cargo de Auditor também existiu nesse período. Prova disso consta do Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil, de 11 de janeiro de 1950, em que consta a ata da sessão de discussão e aprovação das Normas Regimentais (Seção I, p. 536 a 539). Ali, o Ministro Alvim Filho, designado como relator, deixa exposta a ideia de que os auditores somente poderiam votar quando em substituição, já que, afora tal hipótese, não estavam ao abrigo das garantias da magistratura:

“De acordo com a proposta só poderão ser convocados para substituir os ministros os auditores efetivos.

Não é possível admitir-se criterio diferente para estas convocações.

Isso porque as decisões do Tribunal de Contas devem ser proferidas pelos votos dos que se encontrarem cercados das garantias necessárias ao desempenho do cargo.

(...)

É bem verdade que os auditores efetivos não têm as mesmas garantias asseguradas na Constituição Federal de 1946 (art. 76, § 1º) aos ministros do Tribunal de Contas, nem as suas nomeações são feitas como acontece em relação as destes, depois de aprovada a escolha pelo Senado.”

A seguir, o relator utiliza os argumentos expendidos no Senado Federal, por ocasião da análise do projeto que deu origem à Lei Federal nº 830/49, para marcar a posição de que as atribuições dos auditores deveriam ser tratadas regimentalmente:

“O Sr. Senador Arthur Santos apresentou várias emendas à Proposição nº 84, de 1947 (projeto nº 319-A, da Câmara dos Deputados), quando em discussão no Senado, em dezembro de 1948. Dentre essas emendas há as seguintes (Diário do Congresso Nacional, de 9 de março de 1949, pag. 1.572):

“Nº 4 – Acrescente-se ao artigo 15, de acordo com a emenda oferecida ao mesmo pelo Sr. Senador José Américo:

Parágrafo único - Os auditores convocados para substituir os Ministros no Tribunal de Contas não terão voto, quando se proceder:

a - à eleição para Presidente e Vice-Presidente do Tribunal;

b - à deliberação sobre questão de ordem administrativa ou de economia interna do Tribunal.”

Justificação

"São normas idênticas às adotadas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (Diário da Justiça, de 27 de janeiro e 24 de abril de 1947, artigo 17, parágrafo 2º, letras ‘a’ e ‘e’) e no mesmo Regimento do Tribunal Federal de Recursos (Diário da Justiça, de 30 de setembro de 1947, artigo 32, letras ‘a’ e ‘e’).

Conviria que elas constituíssem parte integrante da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, a fim  de evitar qualquer dúvida a respeito”

"N° 5 – Substitua-se o artigo 12 pelo seguinte:

(...)

O projeto nº 319-A, de 1947, foi devolvido à Câmara dos Deputados com as emendas aprovadas pelo Senado. As de nº 4 e 5, que o Sr. Senador Arthur Santos apresentou no Plenário, tomaram os nº 10, a de nº 5, e 11, a de n° 4 (Diário do Congresso Nacional, de 3 de setembro de 1949, página 7.937).

Do parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sendo relator o Sr. Deputado Gustavo Capanema (Diário do Congresso Nacional, de 3 de setembro de 1949, pagina 7.941), consta o seguinte:

"Emenda n° 10. Propõe o Senado Federal, com a emenda nº 10, que o artigo 12 do projeto que dispõe sobre a eleição de Presidente e do Vice-Presidente do Tribunal de Contas, seja substituído por um texto nela circunstanciado.

A modificação principal, incluída nesse novo texto, está na declaração de que “somente os Ministros efetivos, ainda que em gozo de férias ou licença, poderão tomar parte nas eleições".

A emenda regula o assunto de modo conveniente e preferível.

E' de notar, todavia, que a matéria desenvolvida no substitutivo é natureza regimental Sobre ela, seria preferível que dispusesse o regimento interno do Tribunal de Contas.

Não sou, por este motivo, favorável à emenda."

Emenda n.° 11. A emenda n.° 11 contem duas partes.

Pela primeira, é proposto um substitutivo para o artigo 15. Dispõe este artigo que o Presidente do Tribunal de Contas convocará auditor, para substituição de Ministro quando julgar necessário ou conveniente fazê-lo. O texto do Senado Federal declara que o Presidente convocará o auditor quando faltar quorum para as sessões, ficando a convocação para as substituições periódicas a juízo do Tribunal de Contas.

Parece-me aceitável esta parte da emenda do Senado Federal. Se for aceita, e preciso que a redação final a harmonize com a disposição do artigo 13, para evitar redundância.

Na segunda parte, a emenda visa a acrescentar ao artigo 15 um parágrafo único, restringindo o voto dos auditores, quando substituírem os Ministros.

A emenda, neste ponto é justificável, mas não lhe sou favorável, porque, versando matéria relativa à economia interna do Tribunal de Contas, é mais própria do seu regimento interno."

No parecer da Comissão do Serviço Público Civil da Câmara dos Deputados, sendo relator o Sr. Deputado João Agripino (Diário do Congresso Nacional, de 3 de setembro de 1949, pág. 7.943), está expresso:

(...)

“Emenda n° 10. Estamos com o parecer da Comissão de Justiça.

A matéria é regimental."

E do parecer da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, sendo relator o Sr. Deputado Raul Barbosa (Diário do Congresso Nacional, de 3 de setembro de 1949. páginas 7.944-7.947), consta o seguinte:

"Relatório — Emendas nº 9 e 10 — Tratam as duas emendas de pura técnica legislativa. A primeira suprime o artigo 11, do Projeto e a segunda regula minuciosamente a eleição do Presidente e do Vice-Presidente do Tribunal.

Emenda n° 11 — Cogita a emenda n° 11 da alteração do artigo 15, do Projeto, com o objetivo de:

a) atribuir a convocação do auditor, para substituir o Ministro, ao Presidente do Tribunal, na hipótese de faltar quorum, deixando ao próprio Tribunal a faculdade dessa convocação para as substituições periódicas;

b) restringir o voto do auditor, quando substituir o Ministro.

A segunda parte é regimental, mas a primeira pode perfeitamente ser incluída na lei orgânica. O sistema de convocação proposto pelo Senado é mais conveniente e evitará por certo as substituições, contribuindo, assim, para diminuir a despesa a esse titulo.

Estamos de pleno acordo com o parecer da Comissão de Constituição e Justiça."

"Parecer — A Comissão de Finanças, examinando as emendas do Senado Federal ao Projeto n° 319-A, de -1947. opina pela aprovação das de números 10 (contra o parecer do relator) ... Quanto à de número 11.,foi aprovado o parecer do Relator, acorde com o da Comissão de Constituição e Justiça."

(...)

Conforme já se viu, as emendas nº 10 e 11 aprovadas pelo Senado ao Projeto nº 319-A, de 1947, da Câmara dos Deputados tiveram ai pareceres contrários à sua aceitação, das Comissões de Constituição e Justiça e do Serviço Público Civil, simplesmente porque entendiam as mesmas Comissões que a "matéria é de natureza regimental".”

No Paraná, surge o TCE em 1947 (Decreto-lei nº 627, de 02 de junho de 1947), mas os auditores, em número de dois, somente são incorporados em 1948, pela Lei Estadual nº 171, atribuindo-se-lhes a relatoria dos processos de tomada de contas e a substituição dos “juízes” em suas faltas e impedimentos.


6. o decreto lei Nº 199/1967 e a “proposta de decisão”

Em 1964 um regime autocrático é instalado no país e o TCU novamente se vê desprestigiado.

Com a publicação do Decreto-lei nº 199/67, é instituída uma nova Lei Orgânica para o TCU. Assim como foi determinado na lei orgânica anterior, no que é referente aos Auditores, ficou a cargo do regimento interno estabelecer as suas atribuições (art. 12, § 3º).

Apenas em 1977 é adotado um novo Regimento Interno (Resolução Administrativa nº 14, de 12 de dezembro de 1977). Ali ficou estabelecido um aparente avanço no papel dos Auditores. Além de relatar os processos, desta feita sem estarem limitados às prestações de contas, os Auditores passariam a apresentar “proposta de decisão” (art. 73, inciso IV), que poderia ser acatada pelo órgão colegiado como solução para a questão em apreciação.


7.  os auditores do tribunal de contas na constituição de 1988[13]

O projeto elaborado pela Comissão Affonso Arinos (p. 053 a 055 do volume 576 – arts. 205 a 217 do texto do projeto de constituição) trazia uma única referência aos auditores no art. 210, caput, que estabelecia que um quinto das vagas de Ministros seria preenchida por auditores ou outros substitutos legais dos titulares ou, ainda, por membros do Ministério Público que tenham servido junto ao Tribunal por pelo menos cinco anos. Não consta do projeto a justificativa para a adoção desse critério, mas é evidente e inegável, quanto à participação do Ministério Público, sua semelhança com o quinto constitucional das vagas de tribunais superiores destinadas a advogados e membros do Parquet.

O projeto acima, apresentado pelo Poder Executivo à Assembleia Nacional Constituinte, não foi seguido. O passo seguinte na elaboração da constituição foi a realização, pelas diversas comissões, de audiências públicas a fim de que fossem elaborados os anteprojetos.

O Tribunal de Contas foi objeto de duas comissões: 1) a Comissão V – Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças; e 2) a Comissão III – Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo.

Como a Comissão de Sistematização acolheu tão-somente o texto apresentado pela Comissão V quanto à composição do Tribunal de Contas e quanto às atribuições dos auditores, no presente texto não será abordado o trabalho da Comissão III.

É de se registrar que, em audiência realizada com Ministros do TCU pela Comissão V, ficou esclarecido que o Tribunal se abstinha de apresentar sugestões quanto à sua composição, em respeito ao poder decisório dos constituintes.

Na apresentação do anteprojeto, o relator da subcomissão Vb (Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira), Deputado Constituinte José Luiz Maia (fl. 04 do volume 151) exaltou o fato de o projeto ter estabelecido critérios técnicos para a escolha dos Ministros do TCU, o que seria consonante com o restabelecimento da democracia no país:

"inovamos, em certa medida, no que respeita à composição do TCU: os cargos de Ministros serão preenchidos sob critérios mais democráticos, mais participativos, evitando-se, no limite do possível, a predominância de fatores políticos na formação daquele colegiado."

O texto desse anteprojeto, no que diz respeito à composição da Corte de Contas e dos auditores vinha vazado nos seguintes termos (volume 151):

Art. 31. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, obedecidas as seguintes condições:

I - dois terços, após aprovada a escolha pelo Congresso Nacional, dentre cidadãos de reputação ilibada e de notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública;

II - um terço entre auditores, indicados pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento.

§ 1º - Os Ministros terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 2º - Além de outras atribuições definidas em lei, os auditores, que têm as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos titulares, substituirão os Ministros em suas faltas e impedimentos.

Nota-se, em relação ao projeto encaminhado pelo Poder Executivo, que a representação dos auditores aumentava do quinto para o terço do total de número de ministros, bem como conferia aos auditores garantias, prerrogativas e impedimentos da judicatura, mas somente quando em substituição.

No que tange ao objeto tratado neste texto, foram aprovadas as emendas 5B0048-2 (fl. 065 do volume 152) e 5B0078-4 (fls. 115 e 116 do volume 152), que incluiu a participação de membros do Ministério Público na composição do Tribunal, em respeito à tradição do direito brasileiro, e a emenda 5B0163-2 (fls. 224 a 226 do volume 152), que deu a redação final dos dispositivos, desvinculando a nomeação dos ministros pelo Chefe do Poder Executivo, a fim de afastar a sua influência, e estabelecendo a maioria da formação do colegiado por técnicos, entre auditores e procuradores e mediante concurso público, considerado pelos componentes da Subcomissão como melhor processo de aferição de capacitação profissional em qualquer área do conhecimento humano.

Após a apresentação de emendas pelos Constituintes, o relator apresentou a redação final do anteprojeto da Subcomissão Vb (volume 154):

Art. 27. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço dentre cidadãos de reputação ilibada e de notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, escolhidos pelo Congresso Nacional;

II - um terço entre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, por este indicados , segundo os critérios, em ambos os casos, de merecimento e antigüidade;

III - um terço mediante concurso público de provas e títulos.

§ 1º - Os Ministros terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 2º - Além de outras atribuições definidas em lei, os auditores, que têm as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos titulares, substituirão os Ministros em suas faltas e impedimentos.

Ressalte-se o fato de que a Emenda 5B0163-2 conferiu aos auditores permanentemente as garantias, prerrogativas e impedimentos da judicatura. A representação técnica permanecia em um terço do total de ministros, ainda que em detrimento dos auditores, ao incluir os membros do Ministério Público.

Na Comissão V, o texto anterior foi modificado por emendas que foram aprovadas parcialmente. Os textos das emendas não permitem concluir quais partes foram aprovadas e quais deixaram de ser. É preciso uma visão global para se chegar ao texto apresentado pelo relator, segundo as razões por ele expendidas em seu relatório (fl. 21 do volume 146):

“O art. 57 do Substitutivo corresponde ao art. 27 do Anteprojeto, porém altera-lhe substancialmente o conteúdo: a composição do TCU continuaria resultante da indicação pelo Presidente da república, de ministros vitalícios, mas apenas 1/3; os 2/3 restantes seriam escolhidos pelo Congresso Nacional (metade dentre profissionais indicados por entidades representativas, e outra metade oriunda de Auditores e Procuradores junto ao próprio TCU), todavia para exercerem mandato de seis anos.

Os parágrafos foram mantidos com pequenas adaptações.”

Embora não houvesse emendas que alterassem o texto do art. 27, § 2º, do Anteprojeto da Subcomissão Vb, que havia conferido aos auditores permanentemente as garantias, prerrogativas e impedimentos da judicatura, foi restabelecida a redação do anteprojeto inicial, para estabelecer que somente durante as substituições os auditores gozariam dessas prerrogativas.

Diante desse silêncio, é de se presumir que essa alteração tenha sido fundamentada apenas como “pequena adaptação”, gerando conflito insolúvel com a magnitude de seu impacto sobre a independência da função de auditor.

Essa “pequena adaptação” perdurou até o segundo substitutivo apresentado pela Comissão de Sistematização, em que foi incluída a previsão de garantias e impedimentos de juiz de Tribunal Regional Federal aos auditores no exercício das demais funções da judicatura.

A redação inicial do Anteprojeto Comissão V ficou da seguinte forma (volume 142):

Art. 57. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de seis anos, não renovável, sendo:

a) um terço dentre profissionais indicados por entidades representativas da sociedade civil, na forma que a lei estabelecer;

b) um terço entre Auditores, substitutos legais de Ministros, ou membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por este indicado, em lista tríplice.

§ 1º - Os Ministros, ressalvada a não-vitaliciedade na hipótese do exercício de mandato, terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos  e impedimentos dos Ministros do  Tribunal Federal de Recursos, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 2º - Além de outras atribuições definidas em lei, os Auditores, quando em substituição aos Ministros, em suas faltas e impedimentos, têm as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos titulares.

Das emendas apresentadas à redação inicial do anteprojeto da Comissão V (volume 143), a única que foi aprovada e se refere ao objeto em estudo é a emenda nº 5S0344-2, que retirou o critério de idade mínima de 35 anos do caput do art. 57.

Com as alterações, ficou assim ficou a redação final do Anteprojeto da Comissão V (volume 146):

Art. 61. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, dentre brasileiros de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de seis anos, não renovável, sendo:

a) um terço dentre profissionais indicados por entidades representativas da sociedade civil, na forma que a lei estabelecer;

b) um terço entre Auditores, substitutos legais de Ministros, ou membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por este indicado, em lista tríplice, alternadamente, segundo os critérios de antiguidade e de merecimento.

§ 1º - Os Ministros, ressalvada a não-vitaliciedade na hipótese do exercício de mandato, terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 2º - Além de outras atribuições definidas em lei, os Auditores, quando em substituição aos Ministros, em suas faltas e impedimentos, têm as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos titulares.

O Anteprojeto da Comissão de Sistematização (volumes 219 e 220) apenas reincluiu a idade mínima de 35 anos para a escolha de Ministros e incluiu na redação a expressão “idoneidade moral” entre os critérios para escolha dos ministros. Também foi substituída a denominação “Tribunal Federal de Recursos” para “Superior Tribunal de Justiça”.

Não houve aprovação de alterações do texto do anteprojeto no que concerne a este estudo (volumes 221 e 222), ficando conforme a seguir o texto do Projeto da Comissão de Sistematização (volume 226):

Art. 145 Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral, de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de seis anos, não renovável, sendo:

a) um terço dentre profissionais indicados por entidades representativas da sociedade civil, na forma que a lei estabelecer;

b) um terço entre Auditores, substitutos legais de Ministros, ou membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por este indicado, em lista tríplice, alternadamente, segundo os critérios de antiguidade e de merecimento.

§ 1º - Os Ministros, ressalvada a não-vitaliciedade na hipótese do exercício de mandato, terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos  e impedimentos dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 2º - Além de outras atribuições definidas em lei, os Auditores, quando em substituição aos Ministros, em suas faltas e impedimentos, têm as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos titulares.

Com aprovação de emendas apresentadas ao Projeto da Comissão de Sistematização (volumes 227, 228 e 229), juntamente com o parecer do relator sobre cada uma delas (volume 234), a redação do Primeiro Substitutivo da Comissão de Sistematização (volume 235) ficou como transcrita integralmente a seguir, sendo a mais relevante alteração a supressão das alíneas do inciso que reservava vagas aos Auditores e a representantes de entidades profissionais. Além dessa alteração, há a supressão do termo “prerrogativas” no § 2º do art. 145, entre “garantias” e “impedimentos”, cuja fundamentação não foi encontrada:

Art. 106. O Tribunal de Contas da União, com sede no Distrito Federal e quadro próprio de pessoal, tem jurisdição em todo o território nacional, cabendo-lhe:

I - elaborar seu Regimento Interno;

II - eleger seu Presidente e Vice-Presidente; e

III - exercer, no que couber, as atribuições previstas no artigo 138.

§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral, de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Senado da República;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, com mandato de seis anos, não renovável.

§ 2º - Os Ministros, ressalvada a não-vitaliciedade na hipótese do exercício de mandato, terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do  Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 3º - Os Auditores, quando substituindo Ministros, em suas faltas e impedimentos, têm as mesmas garantias e impedimentos dos titulares.

Entre as emendas que alteraram o texto do Primeiro Substitutivo da Comissão de Sistematização (volumes 236 a 239) porque tiverem parecer favorável do relator (volume 241), merecem destaque aquelas que incluíram parágrafo atribuindo as garantias da magistratura aos Auditores mesmo quando não estivessem em substituição (emendas ES22052-7, ES22209-1, ES22210-4, ES22212-1, ES23332-7, ES26271-8, ES26272-6, ES27492-9, ES28037-6, ES28120-8 e ES32879-4). Como as razões de cada uma das emendas são muito semelhantes (quando não são rigorosamente idênticas), é transcrita a justificação da primeira emenda citada – emenda ES22052-7:

JUSTIFICAÇÃO

“Os auditores são os juízes permanentes do Tribunal de Contas que têm por missão relatar os processos que são distribuídos entre eles e os Ministros titulares.

Mesmo quando não estão substituindo os Ministros, estão ao lado deles relatando e fazendo propostas de decisões que constituem inequivocamente atos de judicatura.

Por isso é necessário que mesmo nessa situação e, especialmente nelas, estejam protegidos pelas garantias tradicionais da magistratura. Se quando substituem são equiparados aos Ministros, quando executam as atribuições da sua judicatura, sem substituírem, devem, por hierarquia, ser equiparados aos juízes dos Tribunais Regionais Federais.”

Também merecedora de destaque as emendas (ES20918-3, ES22210-4, ES23332-7, ES25743-9, ES26271-8, ES27491-1 e ES28037-6) que recolocaram no teto do projeto a destinação de duas vagas para os Auditores, usando como pilar a comparação com o Superior Tribunal Militar. Como as razões de cada uma das emendas, quando não são idênticas, são muito semelhantes, é transcrita a justificação da primeira emenda citada – emenda ES20918-3:

JUSTIFICAÇÃO

“A participação dos Auditores, que são juízes substitutos dos Ministros, na composição da Corte é um ato de justiça, a exemplo do que já ocorre com os Auditores da Justiça Militar.

Os projetos anteriores da Comissão Temática e da Comissão de Sistematização consagraram essa conquista e lhe deram 1/3 da composição, juntamente com o MP.

Agora o que se pretende é que apenas 2 (dois) dos 9 ministros da Corte sejam escolhidos dentre os Auditores para composição da Corte.

Os Auditores são bacharéis que se submeteram a concurso de provas e títulos e contribuem com a sua experiência e tirocínio para manter a coerência e prestígio do Tribunal.

Sua ascensão é um prêmio ao mérito e à antiguidade e constitui uma justa promoção em sua carreira, valorizando e dignificando a função pública.”

É de se notar que a supressão do termo “prerrogativas” para os Auditores permaneceu (§§ 3º e 4º), a despeito de não ter sido apresentada justificativa para tal. A redação final do Segundo Substitutivo da Comissão de Sistematização assim ficou (volume 244):

Art. 83. O Tribunal de Contas da União, integrado por onze Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. XXX.

§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral, de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Senado da República;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, sendo:

a) dois entre os auditores indicados pelo Tribunal em lista tríplice, alternadamente, segundo os critérios de antiguidade e de merecimento;

b) os demais, com mandato de seis anos, não-renovável.

§ 2º - Os Ministros, ressalvada a não-vitaliciedade na hipótese do exercício de mandato, terão as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos Ministros do  Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 3º - Os auditores, quando em substituição a ministros, têm as mesmas garantias e impedimentos dos titulares.

§ 4º - Os Auditores, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, têm as mesmas garantias e impedimentos dos juízes dos Tribunais Regionais Federais.

Submetido ao Plenário da Assembleia Nacional Constituinte, o projeto da Comissão de Sistematização, no que concerne ao objeto deste estudo, sofreu apenas modificações de estilo, sem alteração de conteúdo, passando a ter o seguinte texto, passando a ser denominado “Projeto A”:

Art. 87. O Tribunal de Contas da União, integrado por onze Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. XXX.

§ 1º. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral, de reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço, indicado pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal;

II - dois terços, escolhidos pelo Congresso Nacional, sendo:

a) dois entre os auditores indicados pelo Tribunal em lista tríplice, alternadamente, segundo os critérios de antiguidade e de merecimento;

b) os demais, com mandato de seis anos, não-renovável.

§ 2º - Os Ministros, ressalvado, quanto à vitaliciedade, o disposto na alínea "b' do inciso II do parágrafo anterior, terão as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo após cinco anos de efetivo exercício.

§ 3º - Os auditores, quando em substituição a ministros, têm as mesmas garantias e impedimentos dos titulares.

§ 4º - Os auditores, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, têm as mesmas garantias e impedimentos dos juízes dos Tribunais Regionais Federais.

Diversas emendas foram apresentadas ao projeto apresentado em Plenário. Conforme consta do mapa demonstrativo da matéria aprovada em 1º turno (p. 058 do volume 293), foi aprovada uma fusão das diversas emendas e destaques apresentados. As alterações que se fizeram se referiram à redução de onze para nove Ministros no TCU, à inclusão da exigência de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos notórios, à inclusão dos conhecimentos contábeis entre os denominados “conhecimentos notórios”, à redução de duas para uma vaga de Ministros aos auditores, remetendo a outra vaga aos Membros do Ministério Público, e à inclusão de vencimentos e vantagens na equiparação dos Ministros do TCU aos Ministros do STJ.

A manifestação em defesa da alteração proposta foi realizada pelo Deputado Constituinte Victor Faccioni durante a votação nº 0309, de 22/03/1988 (p. 8.700 a 8.704 do Diário da Assembleia Nacional Constituinte nº 210), da qual é possível inferir as razões que fundamentaram as mudanças no texto em estudo:

“(...) Havia emenda propondo a elevação para onze membros. Mas, o acordo, na reunião entre os diversos autores e Lideranças, rejeitou a hipótese da ampliação do número de membros do Tribunal de Contas da União, que permanecerá com nove, a exemplo, aliás, da decisão anterior desta Constituinte, que manteve em sete o número de membros para os Tribunais de Contas dos Estados.

(...)

Quero chamar a atenção para um fato importante e inovador. Dentro desse um terço que o Presidente da República continuará indicando, metade das vagas respectivas deverá surgir de lista tríplice, dentre os membros da Auditoria e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Enseja-se uma composição mista com critério político, mas também com critério eminentemente técnico.

Por outra parte, os demais membros a serem indicados para o Tribunal de Contas da União deverão atender a um pré-requisito, tanto aqueles indicados pelo Presidente da República, quanto aqueles indicados pelo Congresso Nacional. E qual é esse pré-requisito? Primeiro, deve referir-se a nome que atenda às exigências de idoneidade moral, reputação ilibada e notórios conhecimentos nas áreas de Direito, Ciências Contábeis, Economia, Finanças ou da Administração Pública, com mais de dez anos de efetiva atividade no exercício da função. Consequentemente, veda-se a improvisação de qualquer nome, por critério meramente político. Há uma composição de critérios. Evidentemente, indicados pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional, há que haver algum critério político, que não pode prescindir de outro, eminentemente técnico, e de um nome de ilibada reputação, de reconhecida reputação e notórios conhecimentos nos diversos ramos do saber e experiência profissional relacionada com as matérias afins às atribuições do Tribunal.”

Com as modificações acolhidas em votação, o texto do denominado “Projeto B” assim ficou:

Art. 75. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. XXX.

§ 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos, para um mandato de seis anos, não renovável, obedecidas as seguintes condições:

I - um terço escolhido pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 2º - Os Ministros, exceto quanto à vitaliciedade, terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tenham exercido efetivamente por mais de cinco anos.

§ 3º - Os auditores, quando em substituição a ministros, têm as mesmas garantias e impedimentos dos titulares e quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as dos juízes dos Tribunais Regionais Federais.

O texto definitivo da Constituição corresponde ao denominado “Projeto C”. Em relação ao objeto deste artigo, a única alteração relevante consiste na concessão e vitaliciedade a todos os Ministros do TCU, em respeito à sua comparação com os Ministros do STJ, ficando o texto da seguinte forma:

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tiverem exercido efetivamente por mais de cinco anos.

§ 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

Ao longo do processo de elaboração do texto constitucional, a concessão de status de magistrados aos Auditores oscilou entre ser permanente e ser eventual, somente por ocasião das substituições.

Ao relatar processos sem estar substituindo, o Auditor seria um servidor público, sujeito às normas de hierarquia inerentes ao serviço público. Então, como seria garantida sua independência, a fim de manter resguardada a garantia dos jurisdicionados ao devido processo legal? Com toda certeza andou bem o legislador constituinte originário ao evitar que fosse criada essa figura de servidor público anfíbio.

Também ao longo da elaboração do texto constitucional as vagas destinadas aos auditores foram reduzidas do terço para o nono da composição do colegiado. Os argumentos para a redução para duas vagas e uma vaga, respectivamente, foram a comparação com a Justiça Militar, em função da utilização do mesmo termo (Auditor) e do denominado quinto constitucional, que remete vagas na Justiça ao Ministério Público e advogados indicados por órgão de classe.

Ambos os argumentos são contraditórios com o próprio texto constitucional aprovado. Primeiro, porque a comparação existente entre membros do TCU se fez com os membros do Superior Tribunal de Justiça, não havendo, em relação a este, qualquer referência ao Superior Tribunal Militar. O argumento equivocado, baseado unicamente na identidade de termos (Auditor) somente corrobora a ideia de que o texto foi construído por autores que ignoravam a realidade dos Tribunais de Contas.

Quanto ao segundo argumento, na realidade criou-se nos Tribunais de Contas um “quinto constitucional” às avessas, pois, no Poder Judiciário, as vagas reservadas a membros oriundos de carreiras estranhas à magistratura são minoria (20%, sendo metade -10% - destinada aos membros do Ministério Público e a outra metade a advogados).

Além disso, este argumento sofre do mesmo equívoco do anterior, posto que o “quinto constitucional” se aplica aos Tribunais Regionais Federais, aos Tribunais dos Estados e ao Tribunal do Distrito Federal e Territórios (art. 94 da Constituição Federal[14]). O paradigma constitucional - Superior Tribunal de Justiça - tem na sua composição dois terços de membros oriundos da magistratura (art. 104 da Constituição Federal[15]). Mesmo assim, a ampla maioria é reservada aos técnicos que militam na área da competência do órgão – os magistrados.

Se fosse permitida, a sugestão a oferecer seria de obedecer ao quinto constitucional nos Tribunais de Contas Estaduais, deferindo as quatro vagas de Conselheiro de indicação da Assembleia Legislativa aos magistrados da própria Corte de Contas (Auditores), cumprindo-se, em relação às três vagas deferidas ao Governador do Estado, uma destinada ao Ministério Público (que no modelo judicial tem o décimo das vagas, e no modelo de contas, supera essa destinação, com o sétimo das vagas), a outra deferida aos Auditores e uma de “livre escolha”, entre servidores públicos que militam no setor de controle das contas públicas, o que, analogicamente, corresponderia aos advogados do quinto constitucional.

No plano federal, observada a constituição do Superior Tribunal de Justiça, das vagas reservadas à indicação do Presidente da República, a de “livre escolha”, entre servidores públicos que militam no setor de controle das contas públicas, o que, analogicamente, corresponderia aos advogados do quinto constitucional. As vagas referentes a Auditores e membros do Ministério Público permaneceriam inalteradas. Das seis vagas referentes ao Congresso Nacional, cinco deveriam ser destinadas à magistratura de contas. Para observar o paradigma constitucional, um terço entre Auditores do TCU, considerando que uma vaga já é de indicação do Presidente, duas seriam conferidas aos auditores da Corte de Contas Federal, destinando-se o outro terço (três vagas) para magistrados de contas dos Tribunais de Contas Estaduais (o que corresponde ao terço dos Tribunais de Justiça na composição do STJ).

Quanto à vaga restante de indicação do Congresso Nacional, como no STJ um terço das vagas é destinado a representantes do Ministério Público e advogados, e como não é possível obter número inteiro da divisão de três vagas por duas destinações, a vaga restante oscilaria na indicação de servidores públicos que militam no setor de controle das contas públicas e representantes do Ministério Público, desta feita concorrendo também os Parquets especializados estaduais.

A divisão da escolha entre Câmara e Senado é de natureza meramente regimental, não sendo obstáculo para viabilizar a proposta.

Proposta essa que, conforme já mostrado no item 03 supra, encontra escora tanto nos modelos paradigmas europeus, que reservam a maioria das vagas da magistratura de contas aos componentes da própria magistratura, como na composição dos tribunais brasileiros constante do texto constitucional.

Não há razão, ao menos não há razões técnicas, para que isso não seja observado no âmbito dos Tribunais de Contas brasileiros. Basta vontade política para que, sem alterações constitucionais, apenas por meio de decretos-legislativos, seja aperfeiçoada a composição desses Tribunais.

Tal medida é fruto da aplicação do princípio hermenêutico da força normativa da constituição, que impõe como escolha, entre as interpretações possíveis, a adoção daquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Sob a perspectiva teleológico-sistemática da Constituição, as normas constantes do art. 73 da Constituição Federal ganham força com a adoção da interpretação proposta. Os requisitos exigidos para ocupar o cargo de Ministro/Conselheiro já são preenchidos pelos Auditores e fica maximizada a referência aos tribunais judiciários constante do caput do artigo. E oferece a oportunidade de haver consonância com as garantias (em sentido lato) deferidas constitucionalmente aos membros dos Tribunais de Contas, uma vez que entre elas está o direito de participarem de um órgão colegiado composto conforme os mandamentos e o espírito do texto constitucional.

E repise-se: sem que haja necessidade de modificações no texto constitucional.


8.  a inadequação da comparação entre a justiça militar e as cortes de contas

Se a comparação com o quinto constitucional para reduzir as vagas destinadas aos Auditores na composição da Corte de Contas foi infeliz, já que adotou esse critério às avessas, mais infeliz foi a analogia com a Justiça Militar com aquele mesmo propósito.

Os militares têm função específica, formação continuada e vivem sob a égide da ética militar (art. 28 da Lei Federal nº 6.880, de 09/12/1980, que dispõe acerca do Estatuto dos Militares[16]). Os militares têm formação técnica, adquirida ao longo de toda a carreira na caserna. Portanto, ainda que estranhos à magistratura em sua origem, os juízes militares são técnicos julgando membros da mesma classe que comungam dos mesmos valores morais e profissionais, valores esses que são distintos dos valores da sociedade civil.

Os agentes políticos têm variada formação, nem sempre compatíveis com as funções de Ministros/Conselheiros de Tribunal de Contas. Ainda que, conforme será abordado a seguir, a natureza de sua função tenha acentuada distinção em relação aos profissionais que militam na execução financeira e orçamentária da administração pública, os valores éticos são coincidentes entre estes e aqueles, posto que ambos pertencem à mesma sociedade civil.

Além desses aspectos, veja-se a seguir os conceitos Weberianos de sine ira et studio e ira et studium, distintivos entre técnicos e políticos.


9. sine ira et studio[17] – o corpo decisório das cortes de contas há de ser eminentemente técnico

A Corte de Contas francesa, que serviu de modelo para a italiana e para a brasileira, separa o julgamento das contas dos políticos dos técnicos. Consiste em freios e contrapesos dentro da própria administração pública: o político controlado pelo técnico, e vice-versa, em função da natureza distinta de suas funções.

Nesse diapasão, os técnicos têm suas contas julgadas por magistrados oriundos de funções técnicas da administração, ao passo que, constatada a responsabilidade de um político, a Cour de Comptes remete o processo ao descortino do Tribunal de Disciplina Orçamentária e Financeira, que aplica sanções de natureza política.

Na Itália, existem as figuras do contabile principale e do contabile secondario, sendo que este presta contas à Corte dei Conti (art. 192 do Regulamento per l’amministrazione del patrimonio e per la contabilità generale dello Stato).

A separação entre políticos e técnicos, sendo que estes compõem a administração pública em sentido estrito, encontra fundamento na teoria da burocracia, conforme a lição de Max Weber (in “Economia e Sociedade”, p. 538 a 543):

O desenvolvimento da política, no sentido de uma “empresa” que exigia um treinamento para a luta pelo poder e nos métodos desta luta, tais como foram desenvolvidos pelo moderno sistema de partidos, condicionava a divisão dos funcionários públicos em duas categorias perceptivelmente, ainda que não o rigorosamente, distintas: os funcionários especializados, por um lado, e, por outro, os “funcionários políticos”. Em regra, os funcionários “políticos”, no sentido próprio da palavra, distinguem-se externamente pelo fato de que a cada momento podem ser transferidos, demitidos ou “colocados a disposição”, como acontece com os prefeitos franceses e com funcionários análogos de outros países, em oposição radical à “independência” dos funcionários com funções judiciais. Na Inglaterra, pertencem a esta categoria aqueles funcionários, que, por convenção fixa, deixam seus cargos ao mudar a maioria parlamentar e, portanto, também o Gabinete. Particularmente, costumam fazer parte dela aqueles cuja competência abrange a realização da “administração interna” geral; e o componente “político” nisto consiste, sobretudo, na tarefa de manter a “ordem” no país, isto é, as condições de dominação existentes.

(...)

O funcionário autêntico - isto é, decisivo para se julgar o regime do reich alemão anterior a 1918-, de acordo com as regras de sua profissão, não deve fazer política, mas “administrar”, e isto sobretudo de modo imparcial; isto vale pelo menos oficialmente, também para os chamados funcionários administrativos “políticos”, desde que não esteja em jogo a “razão de estado”, isto é, os interesses vitais da ordem dominante. Sine ira et studio, “sem ódio e favor”: é assim que o funcionário deve exercer seu cargo, isto é, não deve fazer precisamente aquilo que os políticos, tanto o líder quanto o seu séquito, têm que fazer sempre e necessariamente: lutar, pois a parcialidade, a luta e a paixão – ira et studium – constituem o elemento do político. Particularmente, o do líder político. As ações deste se encontram sob um princípio de responsabilidade completamente diferente, exatamente oposto àquele do funcionário. A honra deste consiste na capacidade de, quando a autoridade superior insiste numa ordem que lhe pareça errônea, executá-la, apesar de suas objeções, sob a responsabilidade do mandante: minuciosamente, como se correspondesse à sua própria convicção. Sem esta disciplina ética, no sentido mais elevado da palavra, e sem esta abnegação, todo o aparato viria abaixo. A honra o líder político, isto é, do estadista dirigente, ao contrário, é a exclusiva responsabilidade própria por tudo o que faz, responsabilidade que não pode nem deve recusar ou passar para outra pessoa. Precisamente os funcionários que em sua esfera representam um alto nível ético são maus políticos, “irresponsáveis”, no sentido político da palavra, tais como repetidamente se encontravam, na Alemanha, em posições dirigentes. Isto é o que chamamos “dominação de funcionários”.

Na administração de associações de massas, o funcionalismo permanente com treinamento especializado forma sempre o núcleo do aparato, e sua “disciplina” é o pressuposto absoluto do êxito. E isto se aplica tanto mais quanto maior é a associação, quanto mais complicadas são suas tarefas e – sobretudo – quanto mais sua existência depende do poder (quer se trate de lutas pelo poder no mercado, na batalha eleitoral ou no campo de guerra).

(...).

A diferença reside, apenas em parte, na natureza da ação esperada. As capacidades de decisão e de organização, conforme suas próprias idéias, são qualidades exigidas, quase sempre no caso concreto, mas muitas vezes também de modo geral, tanto dos “funcionários” quanto dos “dirigentes”. E a idéia de que o funcionário se limite a cumprir deveres subalternos rotineiros e somente o dirigente tenha que realizar as tarefas “interessantes”, que requerem a capacidade intelectual, é completamente absurda e somente pode surgir em um país que não está a par da forma em que se administram seus assuntos e da atuação de seus funcionários públicos. A diferença reside na natureza da responsabilidade do primeiro e do segundo, e disso se determina, em grande parte, o caráter peculiar de um e de outro. O funcionário – cabe repetir – que recebe uma ordem, a seu ver errônea, pode – e deve – fazer objeções. Se a instância superior insiste em sua ordem, não é apenas seu dever, mas também sua honra, cumpri-la como se correspondesse à sua própria convicção, mostrando com isto que seu sentimento de dever vinculado ao cargo está a cima de sua vontade individual. Não faz diferença alguma se a instância superior é uma “autoridade”, uma “corporação” ou uma “assembléia” com mandato imperativo. Um líder político que atuasse dessa forma mereceria desprezo. Este se verá muitas vezes obrigado a recorrer a compromissos, isto é, a sacrificar o menos importante ao mais importante. Mas quem não consegue dizer ao senhor (seja este um monarca ou o demos): “se não obtenho esta instrução renunciarei ao cargo” é um “adesista”, como Bismarck batizou este tipo, e não um líder. “Acima dos partidos”, e isto significa na verdade: fora da luta pelo poder próprio, é como deve manter-se o funcionário. A luta pelo poder próprio e pela consequente responsabilidade própria por sua causa é o elemento vital, tanto do político quanto do empresário.

É claro que Weber ao manifestar-se pelo cumprimento de ordens do funcionário não se referia ao caso da ordem ilegal ou ilegítima, hipótese que, como qualquer cidadão, deve se opor levando a conhecimento das autoridades competentes para as providências cabíveis (os estatutos federal e estadual paranaense preveem a hipótese – art. 116, incisos IV e VI, da Lei Federal nº 8.112/90[18] e art. 279, incisos VII e VIII, da Lei Estadual nº 6.174/70[19], respectivamente).

A premissa é de que, na busca pelo poder, a autoridade utilize todas as formas legais para administrar de acordo com as suas convicções, havendo, além da sua, outras formas de fazê-lo. Veja-se que Weber atribui ao funcionário o dever ético de apontar soluções alternativas, mas ao final deve cumprir seus afazeres conforme aquela escolhida pelo dirigente, desde que não seja ilícita, pois isso contrariaria o próprio Estado, representado pela ordem jurídica em vigor.

Quanto aos Tribunais de Contas, a inexistência de separação entre técnicos e políticos fulmina a sua própria existência. Nos países que adotam esse modelo de controle, o julgamento político cabe a órgãos políticos, ficando a cargo das Cortes de Contas o julgamento de técnicos e emitir pareceres técnicos sobre as contas dos agentes políticos, a fim de orientar o julgamento pelo órgão político. Ora, se ambos, técnicos e políticos, são julgados por magistrados escolhidos entre políticos, não seriam necessários dois julgamentos, porque ambos terão forte cunho político, implicando a inexorável inutilidade do órgão técnico.

No Brasil, também existe, em certa medida, a separação entre o julgamento de contas de técnicos e de políticos. O Chefe do Poder Executivo não tem suas contas julgadas pelo órgão técnico, mas apreciadas mediante parecer prévio. Na esfera federal, os titulares dos demais poderes e os Ministros de Estado também, em regra, não têm suas contas julgadas pelos tribunais de contas. Por exemplo, as contas do Senado Federal são de responsabilidade de seu Diretor-Geral, e no caso dos Ministérios, há vários servidores designados como ordenadores de despesas (Instrução Normativa – TCU nº 063, de 1º de setembro de 2010 e Decisão Normativa nº 119/2012).

Quando fica comprovada responsabilidade dos titulares, resta ao Tribunal de Contas da União representar ao Poder competente, nos termos do art. 71, inciso XI, da Constituição Federal.

Entretanto, conforme já comentado, permanece o inconveniente do corpo deliberativo do órgão técnico ser formado, em sua ampla maioria, por membros oriundos do setor político.

Esse inconveniente é ainda maior na esfera estadual. Cite-se como exemplo os casos em que não há segregação de funções políticas e técnicas, como o prefeito que acumula a função de ordenador de despesas. Muitas leis orgânicas municipais remetem essa tarefa ao prefeito, o que implica ter-se um ocupante de cargo político sendo julgado por critérios técnicos (ainda que a maioria do colegiado de contas seja político).

Outro exemplo, verificado no Estado do Paraná, é o fato de as contas do Poder Executivo Municipal serem de responsabilidade única e exclusiva do Prefeito.

Ora, essa abordagem impede o contraponto entre o político e o técnico, não havendo a responsabilização de servidores efetivos, o que deveria servir de freios e contrapesos à atuação do agente político. Neste caso, a própria legislação estadual, emanada do poder regulamentar do Tribunal de Contas (repisando: um órgão técnico que tem sua ampla maioria do corpo deliberativo formada por agente de origem política), impede a salutar dicotomia entre técnicos e políticos.


10.  o sistemático desrespeito ao cargo de auditor

As Normas Regimentais de 1949 após crise de 1947 já demonstravam a intenção sempre presente de diminuir a relevância das atribuições dos auditores.

Essa visão perdurou ao longo da História. No advento da Assembleia Constituinte instalada em 1987[20], o legislador constituinte originário, em diversas oportunidades, mesmo que o texto constitucional em elaboração conferisse aos auditores a condição de magistrados, deixou claro que a visão dos constituintes era de que os auditores eram funcionários do Tribunal. Funcionários escolhidos para emitirem “voto consultivo”, conforme estabelecia o art. 7º do Decreto 966-A de 1890. Em suma, não houve mudanças em relação a esse ponto – os auditores não seriam magistrados em sua plenitude, mas apenas funcionários com certa relevância na Corte de Contas, ficando, em última análise, subordinados hierarquicamente, como os demais funcionários, aos Ministros e Conselheiros.

O texto constitucional deixa clara a intenção. Afinal, por que somente atribuir garantias aos auditores, ao passo que aos Ministros do TCU foram atribuídas garantias e prerrogativas, além de vencimentos e vantagens?

É preciso ter em conta que, a despeito da visão míope de alguns constituintes, o texto constitucional atribui a condição de magistrados a Ministros e Auditores. E não faz sentido algum, dentro do texto constitucional, a interpretação de que as garantias concedidas aos Auditores sejam em sentido estrito, uma vez que essa interpretação vai de encontro à independência da magistratura. Não é possível ter magistrado que não o seja por inteiro. Lembre-se que a independência do magistrado é, acima de tudo, a garantia de que o julgamento proferido será imparcial.

O texto constitucional deve ser encarado como escrito por leigos. Então o termo “garantias” deve ser interpretado em sentido amplo, englobando os demais conceitos de prerrogativas, vencimentos, e vantagens. Não sendo essa a interpretação, estar-se-ia criando um espécime jurídico anfíbio, que, ora é servidor efetivo, sujeitos às normas de hierarquia funcional do estatuto que rege sua carreira, ora é magistrado, a quem é conferida a independência funcional, a fim de proteger a sua imparcialidade no desempenho da função judicante.

No nível estadual remanesce a visão anacrônica e retrógrada que foi notada na Assembleia Constituinte.

Há estados que até hoje não preencheram seus quadros com o cargo de auditor: Acre, São Paulo e Rio de Janeiro.

Os Estados do Paraná, de Pernambuco, do Piauí e de Tocantins não trazem a garantia da magistratura aos auditores quando não estão em substituição a Conselheiros, deixando de cumprir a reprodução obrigatória da Constituição Federal.

O Tribunal de Contas Estadual da Bahia utiliza-se de seu quadro de servidores para preencher os cargos de auditores (dispositivo da Lei Orgânica - art. 58 da Lei Complementar nº 005 de 04 de dezembro de 1991, com alterações dadas pela Lei Complementar nº 027 de 28 de junho de 2006[21] c/c o art. 5º, § 3º, inciso I, da Lei Estadual nº 7.879, de 29 de junho de 2001, com alterações dadas pela Lei Complementar Estadual nº 027, de 28 de junho de 2006[22], que revogou e substituiu a Lei Estadual 4.823/89, citada no texto da Lei Orgânica)[23].

Em 2011, foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4541 questionando essa situação. Essa ação ainda se encontra em trâmite.

No Estado de Sergipe[24] não há distribuição originária de processos aos Auditores. O Regimento Interno[25], ao regular a distribuição de processos (por expressa disposição na Lei Orgânica), além de alijar os Auditores da distribuição originária, estabelece o critério subjetivo ao conselheiro em relação à proposta de decisão apresentada por Auditor. Ou seja, além de dependerem da vontade dos Conselheiros em distribuírem processos à sua relatoria, os Auditores simplesmente podem ter seu relatório recusado monocraticamente por Conselheiro, não sendo submetido à apreciação de órgão colegiado.

O Estado do Paraná[26] enfrenta situações semelhantes ao de Sergipe. O art. 50 da Lei Orgânica[27] (Lei Complementar Estadual nº 113, de 15 de dezembro de 2005) prevê que haja sorteio de “novo relator” quando o relator originário for vencido. Ora, à luz do bom direito, não é logicamente possível haver um “novo relator”, pois quem prolatou o voto vencedor não presidiu a instrução do processo e, portanto, não conhece tão a fundo os autos como o relator originário. Na opinião do autor deste artigo esse procedimento é uma forma velada de impor mais uma grave capitis diminutio aos auditores que, ao serem vencidos, deixam de constar como relatores dos autos (acerca da relevância do papel do relator em órgão colegiado, consultem-se as lições doutrinárias transcritas no item 12 a seguir).

Há distribuição originária de processos aos auditores no Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Mas, assim como em Sergipe, há critério subjetivo à disposição dos Conselheiros, uma vez que em seus impedimentos legais os processos somente serão distribuídos aos Auditores se o Conselheiro requerer expressamente (art. 51-A, inciso II, do Regimento Interno23).

No Paraná, em que pese haver distribuição originária aos Auditores (art. 51-A do Regimento Interno[28]), esta configura mais uma grave capitis diminutio, pois àqueles são destinados, prioritariamente, os atos sujeitos a registro. Ora, a divergência doutrinária consiste em caracterizar tais atos como atos complexos ou compostos ou, ainda procedimentos administrativos. Portanto, qualquer que seja a corrente doutrinária adotada, esses atos não constituem processo no estrito senso processual, que nos Tribunais de Contas se limitam aos processos de contas (tomadas e prestações de contas).

Interessante notar que essa distribuição é contraditória com a própria história dos Tribunais de Contas, uma vez que os cargos de auditores surgiram (tanto na esfera federal como na esfera estadual paranaense) justamente para relatar os processos de contas (além de substituir os Ministros e Conselheiros).

A intenção de diminuir a importância do papel dos auditores também se nota na vedação de distribuição de processos de relevância, como prejulgados e conflitos de competência (art. 51-A, § 3º, do Regimento Interno[29]). Fica a dúvida: a capacidade técnica dos Auditores, aferida por concurso público, não é suficiente para poder relatar esses processos? Quais os fundamentos para diminuir o papel dos auditores?

Ao menos, é possível inferir que esses fundamentos, se existem, não têm caráter técnico.

E se não forem suficientes esses aspectos para caracterizar a flagrante capitis diminutio, então que seja citada mais uma. Ao substituírem os Conselheiros, os Auditores têm a obrigação de dar impulso a processos da relatoria do Conselheiro (art. 53-A, § 1º, do Regimento Interno[30]) que continuam sob sua relatoria após a substituição. Esta é uma forma velada de transformar o Auditor, magistrado de contas, em funcionário subordinado a Conselheiro, mesmo que temporariamente.


11. as tentativas legiferantes para desvalorizar a função do auditor e dos servidores dos tribunais de contas

Com o mesmo desconhecimento sobre o funcionamento dos Tribunais de Contas revelado por diversos constituintes, vários parlamentares têm apresentado, desde a promulgação da Constituição Federal, diversas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), com o fito de alterar a escolha e a composição dos membros do TCU. Em todas elas nota-se a intenção de importar soluções que foram elaboradas heuristicamente pelos seus proponentes. Não é possível inferir que houve fundamentação técnica, já que propostas que gozam de tais fundamentos têm por ponto de partida conhecer a fundo o que se pretende mudar.

As PECs nº 123/1999, 209/2003, 222/2003 e 531/2006, todas apensadas à PEC nº 556/1997 (que remete ao Congresso Nacional a indicação de todas as vagas de Ministros do TCU), modificam a Constituição para realizar concurso público para Ministros e Conselheiros.

Qual o verdadeiro propósito dessas propostas é difícil compreender. Os Auditores já são escolhidos mediante concurso público e realizam as mesmas tarefas dos Ministros. Por que então realizar concurso público, em vez de tornar os cargos de Ministros e Auditores reunidos em uma única carreira, conforme se verifica nas cortes de contas europeias e que serviram de inspiração para a adoção do modelo de Tribunal de Contas no Brasil? Tampouco fica esclarecido por que não seguir os paradigmas europeus, valorizando-se a escolha de servidores públicos das carreiras afetas aos controles interno e externo. A leitura das razões que fundamentam essas PECs não dissipa essas dúvidas.

A PEC nº 316/2008, também apensada à PEC 556/1997, em que o parlamentar que a apresenta faz pleno uso das suas prerrogativas, e pelo texto transcrito abaixo, pode constatar-se a natureza ira et studium de seu conteúdo, pinça trechos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção para defender a participação dos Conselhos Federais de Contabilidade, de Economia, de Administração e da Ordem dos Advogados do Brasil na escolha de membros do TCU:

“Não é nenhuma novidade que em praticamente todos os Estados do país as Assembléias Legislativas costumam referendar os atos e as vontades do Chefe do Executivo. Desse modo, desejando o Governador que um seu aliado político ou amigo pessoal venha a tornar-se membro do Tribunal de Contas do Estado - independente de haver pessoas mais capacitadas para tal -, basta evidenciar sua vontade ao legislativo estadual que esta será realizada.

Não é raro encontrar-se, nos Estados, membros de Tribunais de Contas que foram agraciados com tais cargos após terem atuado como Secretários de Estado durante a administração do Chefe do Executivo que os nomearam, ou após terem exercido fielmente, na Assembleia Legislativa local, funções de lideranças políticas do mesmo governo responsável por suas indicações para a Corte de Contas.

Em assim sendo, qual a garantia de que esses Conselheiros, ao julgarem as contas daqueles que foram responsáveis por suas escolhas para o Tribunal de Contas, não serão influenciados, ao menos, pelo sentimento de gratidão que é inerente a todo ser humano.

A indiscutível influência política sobre os Tribunais de Contas compromete seriamente a independência que devem ter tais órgãos para os quais a Constituição da República determinou a importante tarefa de fiscalização e revisão da atividade administrativa de qualquer das esferas de Poder.

O ideal é que tais Cortes fossem extirpadas de qualquer influência política, seja esta influência oriunda do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, idéia que várias vezes foi esposada nesta Casa, em PECs como as que propõem a escolha de Ministros e Conselheiros (ou parte deles) por meio de concurso público, algumas delas apenas aguardando a constituição de Comissão Especial nesta Casa.

Quanto à relação entre o Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional, dispõe a própria Constituição da República que aquele deve atuar em auxílio ao Poder Legislativo, em regime de cooperação, o mesmo se aplicando, pelo princípio da simetria, aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios. O entendimento dominante, pois, tanto entre doutrinadores do direito quanto nos tribunais pátrios é o de que o Tribunal de Contas da União não é integrante do Congresso Nacional, assim como os Tribunais de Contas dos Estados ou os Tribunais de Contas dos Municípios não são integrantes dos Poderes Legislativos estaduais ou municipais.

Em face disso, não é imperativo que os membros de um Tribunal de Contas sejam escolhidos, livremente, pelo Poder Legislativo ao qual ele deve auxiliar, podendo essa escolha recair – como aqui se propõe – sobre nomes indicados por setores da sociedade civil.

Uma vez que a Constituição exige, para quem vier a compor os Tribunais de Contas, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública (art. 73, § 1º, inciso III), entendemos que os membros dos Conselhos fiscais ligados a essas áreas são as pessoas mais indicadas para apontarem aqueles que possuem tais conhecimentos, afastando-se, dessa forma, o risco de indicações e escolhas meramente políticas.

A participação da sociedade civil, ainda, é fortemente recomendada, para os Estados Partes, pela Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção – CNUCC na promoção e formulação das políticas e medidas administrativas destinadas ao combate à corrupção (lembrando que os Tribunais de Contas são importantes órgãos de combate à corrupção). A referida Convenção foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro do mesmo ano.

Transcrevemos, a seguir, os artigos 5º e 13 da CNUCC.

“Art. 5º. Políticas e práticas de prevenção da corrupção

Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de render contas” (sublinhamos).

“Art. 13. Participação da sociedade

1. Cada Estado Parte adotará medidas adequadas, no limite de suas possibilidades e de conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, para fomentar a participação ativa de pessoas e grupos que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não governamentais e as organizações com base na comunidade, na prevenção e na luta contra a corrupção, e para sensibilizar a opinião pública a respeito à existência, às causas e à gravidade da corrupção, assim como à ameaça que esta representa. Essa participação deveria esforçar-se com medidas como as seguintes:

................................................................................” (sublinhamos).

Assim, ao retirarmos do Executivo Federal a faculdade de escolher alguns dos membros do Tribunal de Contas da União e ao estabelecermos que cinco desses membros venham a ser escolhidos, pelo Congresso Nacional, dentre aqueles indicados em listas encaminhadas pelos Conselhos Federais de Contabilidade, de Economia, de Administração e da Ordem dos Advogados do Brasil – cientes, sobretudo, de que os Estados membros, os Municípios e o Distrito Federal deverão adotar o modelo federal aqui estabelecido – estamos tão somente contribuindo para o fortalecimento e uma maior transparência do controle financeiro exercido pelo Poder Legislativo e pela Corte de Contas e, ainda, para uma participação mais efetiva de setores da sociedade civil na fiscalização dos recursos públicos.”

Além do fato de que a participação de membros de setores da sociedade civil não ser adotada nas Cortes de Contas europeias, não fica elucidado por que a fundamentação da PEC não trouxe à colação o conteúdo dos artigos 6º e 7º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Esses dispositivos são mais esclarecedores quanto ao papel da sociedade civil no combate à corrupção, correspondendo ao que se denomina de “controle social”:

Artigo 6

Órgão ou órgãos de prevenção à corrupção

1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, segundo procede, encarregados de prevenir a corrupção com medidas tais como:

a) A aplicação das políticas as quais se faz alusão no Artigo 5 da presente Convenção e, quando proceder, a supervisão e coordenação da prática dessas políticas;

b) O aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção.

2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1 do presente Artigo a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida. Devem proporcionar-lhes os recursos materiais e o pessoal especializado que sejam necessários, assim como a capacitação que tal pessoal possa requerer para o desempenho de suas funções.

3. Cada Estado Parte comunicará ao Secretário Geral das Nações Unidas o nome e a direção da(s) autoridade(s) que possa(m) ajudar a outros Estados Partes a formular e aplicar medidas concretas de prevenção da corrupção.

Artigo 7

Setor Público

1. Cada Estado Parte, quando for apropriado e de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, procurará adotar sistemas de convocação, contratação, retenção, promoção e aposentadoria de funcionários públicos e, quando proceder, de outros funcionários públicos não empossados, ou manter e fortalecer tais sistemas. Estes:

a) Estarão baseados em princípios de eficiência e transparência e em critérios objetivos como o mérito, a eqüidade e a aptidão;

b) Incluirão procedimentos adequados de seleção e formação dos titulares de cargos públicos que se considerem especialmente vulneráveis à corrupção, assim como, quando proceder, a rotação dessas pessoas em outros cargos;

c) Fomentarão uma remuneração adequada e escalas de soldo eqüitativas, tendo em conta o nível de desenvolvimento econômico do Estado Parte;

d) Promoverão programas de formação e capacitação que lhes permitam cumprir os requisitos de desempenho correto, honroso e devido de suas funções e lhes proporcionem capacitação especializada e apropriada para que sejam mais conscientes dos riscos da corrupção inerentes ao desempenho de suas funções. Tais programas poderão fazer referência a códigos ou normas de conduta nas esferas pertinentes.

2. Cada Estado Parte considerará também a possibilidade de adotar medidas legislativas e administrativas apropriadas, em consonância com os objetivos da presente Convenção e de conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a fim de estabelecer critérios para a candidatura e eleição a cargos públicos.

3. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar medidas legislativas e administrativas apropriadas, em consonância com os objetivos da presente Convenção e de conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, para aumentar a transparência relativa ao financiamento de candidaturas a cargos públicos eletivos e, quando proceder, relativa ao financiamento de partidos políticos.

4. Cada Estado Parte, em conformidade com os princípios de sua legislação interna, procurará adotar sistemas destinados a promover a transparência e a prevenir conflitos de interesses, ou a manter e fortalecer tais sistemas.

Ademais, é possível constatar que a participação da sociedade civil, conforme prega a Convenção, não inclui a indicação de membros de grupos para órgãos públicos porque isso conflitaria com o disposto no art. 7º da Convenção. Fica ainda mais clara a ideia quando se transcreve as hipóteses de participação, que foi suprimida na fundamentação da PEC: (sem destaques no original)

“(...). Essa participação deveria esforçar-se com medidas como as seguintes:

a) Aumentar a transparência e promover a contribuição da cidadania aos processos de adoção de decisões;

b) Garantir o acesso eficaz do público à informação;

c) Realizar atividade de informação pública para fomentar a intransigência à corrupção, assim como programas de educação pública, incluídos programas escolares e universitários;

d) Respeitar, promover e proteger a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informação relativa à corrupção. Essa liberdade poderá estar sujeita a certas restrições, que deverão estar expressamente qualificadas pela lei e ser necessárias para: i) Garantir o respeito dos direitos ou da reputação de terceiros; ii) Salvaguardar a segurança nacional, a ordem pública, ou a saúde ou a moral públicas.

2. Cada Estado Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o público tenha conhecimento dos órgão pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e facilitará o acesso a tais órgãos, quando proceder, para a denúncia, inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção.”

Para cumprir eficazmente o que prega a Convenção é salutar que participem do corpo decisório servidores públicos que tenham dedicado sua carreira às finanças públicas. E no transcorrer dessa carreira, é fundamental que haja programas de formação e capacitação para que o corpo técnico tenha maior capacitação nas áreas afetas ao controle.

Na graduação em direito, cadeiras como a de direito financeiro são matérias acessórias, assim como a contabilidade pública é no curso de graduação em contabilidade. Da mesma forma, são acessórias, quando previstas na grade curricular, as matérias referentes ao setor público nos cursos de graduação em economia e em administração. Os ensinamentos transmitidos nesses cursos somente serão úteis no âmbito do Tribunal de Contas se envoltos na sua missão constitucional e na aplicação prática de cada um desses conhecimentos em conjunto com os demais. Assim, pouco útil será a participação de um advogado no corpo decisório de uma corte de Contas se sua atividade profissional fosse voltada ao direito trabalhista ou ao direito penal, por exemplo. Assim como o contador atuante na contabilidade bancária também terá pouca utilidade no cotidiano dos julgamentos a cargo de um Tribunal de Contas.

E ao se pensar nos cursos de especialização strictu sensu (mestrados e doutorados), conclui-se pela raridade daqueles voltados a assuntos afetos a Tribunais de Contas.

A valorização dos auditores e dos servidores dos Tribunais de Contas, assegurando-lhes as vagas de Ministros e Conselheiros, se mostra atitude mais consentânea com a eficiência e a busca de critérios objetivos como o mérito, a equidade e a aptidão, conforme previsto no art. 7º da Convenção, bem como supre o anseio colocado em diversas PECs, de que os cargos de Ministros deveriam ser preenchidos por concurso público.

Aliás, a valorização do servidor público, adotando-se o paradigma europeu, deveria abranger os servidores de todos os poderes que dedicam sua carreira à fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial, em especial aqueles pertencentes aos quadros do sistema de controle interno e externo.

O Tribunal de Contas tem suas funções específicas, não sendo recomendável, com raríssimas exceções, tornar ainda mais específico o que já é especializado.

A especificação de carreiras para provimento dos cargos de servidores nos tribunais de contas estaduais vai de encontro a isso. Novamente, serve o Tribunal de Contas da União como paradigma, já que não exige especificação por áreas de formação para o preenchimento dos cargos de nível superior.

Aliás, instituições que são apontadas como modelos de formação e capacitação de seus quadros, como a Receita Federal e a Polícia Federal, também adotam o modelo usado pelo TCU no preenchimento de seus quadros. Cabe a esses órgãos a continuada capacitação e aperfeiçoamento de seus servidores, haja vista que seus afazeres não são de domínio amplo na sociedade.


12. a “proposta de decisão” pode ser considerada uma evolução?

Nas Normas Regimentais de 1949 ficou claro que os auditores eram funcionários e não poderiam votar por não terem a proteção conferida aos magistrados.

Veja-se que essa decisão tem raiz na crise de 1947 (p. 91 e 92 da Monografia Vencedora do Prêmio Serzedello Corrêa de 1998): (sem destaques no original)

“Em sessão realizada no dia 26 de dezembro de 1947, sob a presidência do ministro Bernardino José de Souza, presentes os ministros Francisco José de Oliveira Vianna e Alvim Filho, os auditores Júlio Bueno Brandão Filho e Rogério de Freitas, ambos no exercício pleno do cargo de ministro, e ausente o ministro Ruben Rosa, foi designado o dia 30 de dezembro seguinte para se proceder às eleições de presidente e vice-presidente do Tribunal para o exercício de 1948.

Na ocasião, ponderou o ministro Alvim Filho que não poderia se realizar tal eleição por estarem presentes na capital apenas quatro dos sete ministros efetivos do Tribunal, encontrando-se dois em exercício de mandato eletivo — Silvestre Péricles de Góes Monteiro e José Américo de Almeida — e o outro, Ruben Rosa, em gozo de férias.

Como o ministro-presidente não acolheu as ponderações, decidiu-se o ministro Alvim Filho a não comparecer à sessão destinada à eleição.

Realizada, então, a sessão, com a presença de apenas três ministros efetivos e dois substitutos, foi eleito com quatro votos o ministro Alfredo Guimarães de Oliveira Lima para o cargo de presidente do Tribunal, e em segunda votação o vice-presidente, Bueno Brandão, auditor no exercício do cargo de ministro.

Inconformado com o modo como se processara a eleição, o ministro Alvim Filho convenceu o ministro Ruben Rosa e ambos impetraram mandado de segurança junto à 3ª Vara da Fazenda Pública, pedindo que lhes fosse assegurado o direito líquido e certo de elegerem, com a só participação de seus pares — daí excluídos os auditores, que classificaram como funcionários — o presidente e o vice-presidente do Tribunal, rogando, para tal, que fosse declarada nula a eleição realizada.

Do litígio que se seguiu, ocupando quase todo o exercício de 1948, os requerentes tiveram sua pretensão repelida em todas as instâncias: parecer do Procurador-geral do Tribunal, de 8 de maio; parecer do Procurador da República, de 14 de maio; sentença de primeira instância, proferida pelo juiz da mencionada 3ª Vara, de 8 de julho; parecer do subprocurador-geral da República, incluso nos autos do recurso interposto junto ao Tribunal Federal de Recursos, em 25 de agosto; e, finalmente, decisão do TFR no recurso interposto, de 27 de setembro de 1948.

(...)

A lei viria a manter a sistemática de convocação dos auditores como prerrogativa do presidente do Tribunal, sempre que faltasse quorum mínimo para as sessões, conforme ficaria disposto no art. 13. A discussão, todavia, levou o legislador a incluir dispositivo estabelecendo que somente os ministros efetivos, ainda que em gozo de férias ou licença, poderiam tomar parte nas eleições (art. 10, § 6º), critérios preservados até os dias atuais.

Encerrada a pendência, terminava também o mandato de Oliveira Lima, não a salvo das mágoas e sinais que o episódio e o tumultuado ano lhe trouxeram. Logo no princípio do ano seguinte, 1949, licenciou-se para tratamento de saúde. Para substitui-lo nas funções de ministro foi designado o auditor Ernesto Claudino de Oliveira e Cruz. Assumiu pela segunda vez a Presidência do Tribunal de Contas o ministro Ruben Rosa, que permaneceria à frente da Corte até o final do ano de 1949.

Conforme já visto anteriormente no item nº 06, apenas em 1977 (com a adoção de um novo Regimento Interno - Resolução Administrativa nº 14, de 12 de dezembro de 1977) ficou estabelecido um aparente avanço no papel dos auditores, os quais, além de relatar os processos, passavam a apresentar “proposta de decisão” (art. 73, inciso IV), que poderia ser acatada como solução para a questão em apreciação.

Era um “avanço” no sentido de que, no regime anterior, o papel dos auditores estava limitado a relato dos autos, sem participação da discussão e apresentação de proposta de decisão.

Entretanto, a partir da promulgação da Constituição Federal, em 05/10/1988, o que poderia ser considerado avançado passou a ser retrógrado, já que os Auditores foram inseridos no seio da magistratura, não sendo possível, à luz do bom direito, usurpar-lhes a prerrogativa de votar nos processos em que foram relatores.

Esse preceito é rigorosamente observado nas cortes judiciárias brasileiras. O magistrado relator sempre vota, sem que haja previsão de quaisquer exceções.

Na verdade, o instituto da “proposta de decisão” é uma espécie de voto consultivo, instituto que não existe no ordenamento jurídico brasileiro e já não existia à época em que foi adotado no TCU. Vale lembrar, entretanto, que o art. 7º do Decreto nº 966-A, de 07/11/1890, estabelecia que o regulamento do TCU determinaria quais funcionários do corpo administrativo teriam voto consultivo nas deliberações do Tribunal.

Assim, é possível inferir que a “proposta de decisão” era compatível quando os Auditores eram servidores públicos, mas perde a compatibilidade quando se tornam magistrados.

Nas Cortes de Contas europeias, fontes de inspiração para a criação do Tribunal de Contas federal brasileiro, as garantias da magistratura são sempre atribuídas a seus membros, sem exceções. No que tange à Corte dei Conti, por exemplo, assim consta de sua Lei Orgânica:

“5. (art. 9, legge 14 agosto 1862, n. 800; art. 1, legge 3 aprile 1933, n. 255.) - I primi referendari e i referendari hanno voto deliberativo oltre che nel caso in cui siano chiamati dal presidente ad integrare il collegio giusta il terzo comma del precedente articolo, anche negli affari dei quali sono relatori.

Possono essere chiamati dal presidente a supplire i consiglieri assenti od impediti, compreso quello avente l'incarico di segretario generale, ed anche in questo caso hanno voto deliberativo.”[31]

Na doutrina pátria, o papel do relator nos tribunais judiciários é o mais relevante do colegiado. A lição de Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil - p. 639 e 640) é bastante elucidativa acerca desse tema:

353. Exposição do relator – O relator terá, naturalmente, feito nos autos, consoante o disposto no art. 549, parágrafo único, a "exposição dos pontos controvertidos sobre que versar o recurso" – ou a causa, entende-se. Semelhante exposição deve ser reproduzida oralmente na sessão de julgamento, a fim de que se inteirem do que se vai discutir e decidir todos os componentes do órgão colegiado, inclusive aqueles que porventura não hajam lido a cópia do relatório escrito (art. 553), ou não tenham retido na memória, com a desejável nitidez, os vários aspectos da matéria. Aliás, o relator não fica adstrito, na exposição oral, à pura repetição do que consta do relatório escrito: pode acrescentar pormenores esclarecedores e deve, se for o caso, proceder a retificações ou suprir omissões relevantes.

A clareza e a precisão da exposição do relator são condições essenciais para que se possa julgar bem. Avultam aqui a delicadeza e a importância da função cometida ao relator. Uma exposição incompleta ou pouco fiel pode levar o colegiado a perpetrar graves injustiças. É necessário que ela contenha todos os dados relevantes, dispostos em ordem que lhes facilite a apreensão e a memorização, sem contudo perder-se em minúcias fatigantes que desviem a atenção do essencial.

A exposição é puramente objetiva. Descreve o relator os fatos que deram origem ao pleito, como os tenham narrado as partes, e mais os que, verificados no curso do processo, se revistam de interesse para o julgamento. Não deve antecipar sua opinião, nem adotar tom de crítica ou aprovação a qualquer ato ou pronunciamento das partes ou, sendo o caso, de outro órgão judicial que antes haja funcionado no processo. Cabe-lhe, todavia, dar o realce necessário aos fatos que entenda mais importantes para a correta apreciação da espécie.

Qualquer dos juízes participantes do julgamento pode solicitar ao relator, desde logo, esclarecimentos sobre algum ponto da exposição que lhe haja parecido obscuro ou contraditório, ou mesmo, simplesmente, a confirmação de algum dado que não tenha podido reter ao ouvir a exposição.

Também para Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil - p. 212 e 213) o papel do relator é proeminente no colegiado:

3. Função do relator – O relator decide todas as questões que não dependem de acórdão. Além disso, dá-lhe a lei os poderes de incoação até o julgamento, inclusive quando alguma diligência houver de ser feita. Os seus atos ou são administrativos, ou judiciais, conforme o conteúdo deles.

(...)

O relator faz nos autos a exposição dos pontos controvertidos sobre o que versa o recurso ou a causa (art. 549). Na sessão de julgamento, tem ele de volver à exposição, que pode ser mera reprodução, ou extrato, mas convém que o relator oralmente transmita o que essencialmente expusera. Pode ocorrer que algum ou alguns dos membros do corpo julgador entendam que há divergência entre o relatório, constante das cópias, e o que oralmente expõe o relator. Aliás, o relator pode entender que precisa acrescentar algo ao relatório escrito, inclusive diante do que escrevera o revisor, ou até mesmo suprir lacuna ou retificar algo do que inserira.

É de grande relevância que o relator seja claro e preciso, porque a má exposição pode levar a erros no julgamento. Ainda não se trata do seu voto, porém os fundamentos que apresentaram as partes têm de ser mencionados com exatidão e igual tratamento.

Qualquer juiz que toma parte no julgamento pode solicitar que o relator (e o revisor, se o há) preste esclarecimentos de algum ponto, ou de alguma circunstância, inclusive alegando que lhe parecem contraditórios dois ou mais enunciados, ou que tem algum ou alguns deles como obscuros, ou sugerindo que confirme a interpretação que ao texto deu o solicitante.

Portanto, à luz dos ensinamentos desses eminentes doutrinadores, é inconcebível que o relator, pela relevância desse papel, não tenha direto a voto deliberativo nos processos a seu encargo. E como não há previsão de revisor nos Tribunais de Contas, o papel do relator se torna ainda mais relevante, ao lado do princípio da verdade material e da peculiaridade da instrução processual, que é mais ampla que no Poder Judiciário.

O caso paranaense do “novo relator” (quando a proposta de decisão de auditor não é acatada pelo Colegiado) e o caso sergipano de atribuir critério subjetivo a conselheiro em relação à proposta de decisão de auditor, conforme já abordado no item nº 10 supra, são demonstrações de desvalorizações dos auditores, porquanto tais disposições diminuem a relevância de seu papel nas decisões que submetem aos órgãos colegiados.


13. da inadequabilidade do modelo de auditoria geral em substituição aos tribunais de contas no brasil

Naqueles que iniciam o contato com a matéria, é de causar surpresa a criação de um Tribunal de Contas de índole europeia justamente em uma república federativa que, àquela época, baseou sua constituição no modelo estado-unidense, já que naquele país é adotado o modelo de auditoria-geral, exercido pelo Government Accountability Office – GAO[32].

Ao ler a íntegra da Exposição de Motivos do Decreto nº 966-A de Ruy Barbosa, fica claro por que o Águia de Haia preocupou-se em transplantar para a nascente república o modelo europeu-continental de controle das contas públicas:

“Na Itália, dizia o general Menabréa, “a responsabilidade ministerial não está definida. Nada a sanciona. Releva, por conseqüência, buscar alhures e noutros principias as garantias, em que o país deve apoiar a regularidade da administração da fortuna do Estado”.

Não será ainda pior a situação de nós outros? Onde a responsabilidade ministerial contra os abusos orçamentários, no regimen passado durante quase três quartos de século de monarquia parlamentar?

A Republica presidencial, a este respeito, não nos dará condições mais favoráveis: não tem, no seu organismo, elementos superiores para a consecução desse resultado, que de nenhuma fôrma de governo se poderá jamais obter, no país que não souber dotar-se com esta instituição robusta e preservadora. No regimen americano, com efeito, que esperamos ver perfilhado pelo Congresso Constituinte, as câmaras não têm meios mais seguros de opor mão repressiva ou preventiva aos abusos dos ministros. Nem a responsabilidade política do presidente, nem a responsabilidade judiciaria dos seus secretaries de estado nos livrarão de excessos e abusos na delicada matéria das finanças federais, si não enriquecermos a nossa Constituição nova com esta condição suprema da verdade pratica nas cousas do orçamento. Nada teremos feito, em tão melindroso assumpto, o de mais alto interesse, entre todos, para o nosso futuro, enquanto não erguemos a sentinela dessa magistratura especial, envolta nas maiores garantias de honorabilidade, ao pé de cada abuso, de cada gérmen ou possibilidade eventual dele.

“Se há coisa, que contenha os administradores no declive de atos arbitrários,” - dizia, no senado italiano, o ministro das finanças, em março de 1862, - ‘se há coisa, que nos iniba de ceder a postulantes importunos, à gente cujas pretensões não cessam de acarretar novas despesas, e transbordar os recursos facultados pelo orçamento, é o espectro do Tribunal de Contas. Todo o dia, a toda a hora, muitas vezes na mesma hora, um ministro, um secretario geral, todos os que têm relações com a administração afluem, a solicitar novas despesas. Não é fácil resistir. Muitas vezes os pretendentes mesmos não crêem na utilidade delas, e apenas as propõem impelidos por outros, que os seguem; mas, dada a força da autoridade dos intercessores, a conseqüência é que, resistindo-se-lhes uma ou duas vezes, há de acabar-se por ceder’.”

A despeito desses ensinamentos, há no Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela adoção do modelo de auditoria-geral em substituição ao TCU[33]. No Senado Federal foi apresentada a PEC nº 90/2007, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, em que faz pleno uso das suas prerrogativas, podendo constatar-se a natureza ira et studium de seu conteúdo, conforme já abordado no item nº11, supra.

“Segundo nossa percepção, não subsiste razão para que o Poder Legislativo não exerça plenamente a função fiscalizatória, que, assim como a legiferante, também lhe é típica. A manutenção dos Tribunais de Contas não se justifica. As Casas Legislativas têm total condição de exercer diretamente as atividades de controle externo, desde que lhes seja provido apoio técnico especializado.

Aliás, é essa a sistemática dos Tribunais de Contas, nos quais ministros e conselheiros contam com um corpo técnico selecionado por meio de concurso público, preparado para fornecer-lhes os insumos para o desempenho de suas atividades.

A verdade é que hoje temos, em vários casos, os cargos de Ministro e de Conselheiro dos Tribunais de Contas como prêmio para parlamentares que não mais possuem força eleitoral para se manter em cargos eletivos. Toda uma estrutura administrativa acaba sendo erigida para viabilizar esse verdadeiro benefício. Tal circunstância não mais é tolerada pela sociedade brasileira.

Esta Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pretende atacar corajosa e frontalmente o problema, com a extinção dos Tribunais de Contas.

No médio e no longo prazo, não resta dúvida que trará redução de gastos com a máquina pública e aumentará a efetividade das ações de controle. Convém lembrar que os quadros técnicos imprescindíveis para o exercício do controle externo estão sendo mantidos, mas incorporados às Casas Legislativas, em quadros próprios. Tivemos o cuidado e valorizá-los, tornando todos os seus cargos alcançáveis por qualquer brasileiro, mas somente por meio de concurso público.

Por derradeiro, entendemos que esta iniciativa é meritória e alinhada com os princípios maiores do interesse público e da probidade, da eficiência e da eficácia administrativas, valores que a sociedade, cada dia mais, intransigentemente exige do Poder Público.”

Com a devida vênia à opinião da autora da proposta de extinção dos tribunais de contas, a manutenção do modelo de tribunais de contas, com o aperfeiçoamento da escolha do corpo decisório, é medida mais consentânea com o modo de ser e fazer do brasileiro. Não foi à toa que Ruy Barbosa escolheu esse modelo.

O “ser cordial”, na brilhante definição de Sérgio Buarque de Hollanda, será inexoravelmente afeito a “solicitar novas despesas”, conforme descreveu o general italiano na passagem reproduzida acima de transcrição da exposição de motivos do decreto que criou o TCU. E sem a sombra de possível intervenção de uma magistratura independente e equidistante dos Poderes Legislativo e Executivo.

O Tribunal de Contas há de atender aos anseios da sociedade. Basta que lhe sejam dados os meios adequados, dentre eles um corpo deliberativo eminentemente técnico.


14.  Conclusão

Ao se reduzir a relevância do papel dos Auditores dos Tribunais de Contas corre-se o risco de transformar o seu exercício em uma sinecura. E toda sinecura é incompatível com os princípios da eficiência e da moralidade da administração pública. Para que isso seja evitado, é necessário que a capacidade técnica desses profissionais seja plenamente aproveitada, remetendo-lhes as atribuições devidas, nos termos constitucionais, com os deveres e direitos inerentes à magistratura.

No que tange à composição dos Tribunais de Contas, não se pretendeu afirmar que os atuais ocupantes dos cargos de conselheiros não preencham os requisitos técnicos exigidos constitucionalmente, haja vista que não há elementos que permitam a formação desse juízo de valor.

Entretanto, é inconstitucional toda escolha que não contemple os requisitos do texto constitucional, mediante critérios objetivos que possibilitem a eleição do candidato que melhor atenda àqueles requisitos. Não basta preencher o mínimo para satisfazer o texto constitucional, e a partir desse mínimo promover uma escolha política. O Tribunal de Contas é um órgão técnico. Os critérios políticos, se inevitáveis, devem vir após o exaurimento dos critérios técnicos.

Além disso, a escolha dos candidatos deve ser transparente, conforme exige o regime democrático. Nesse diapasão, a Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a vigorar 180 dias a partir de sua publicação, deve ser observada também pelos Poderes Executivo e Legislativo no processo de escolha dos cargos para Conselheiros, a fim de que não pairem dúvidas, como aquelas que são reiteradamente veiculadas na mídia, criticando a composição dos Tribunais de Contas.


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TCU, Tribunal de Contas da União. Prêmio Serzedello Corrêa 1998: Monografias Vencedoras. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 1999.

TCU, Tribunal de Contas da União. Regimento Interno: Resolução Administrativa nº 15, de 15 de junho de 1993, e alterações posteriores. Brasília: TCU, 1997.

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TCU, Tribunal de Contas da União. Revista do Tribunal de Contas da União, volume 1, nº 01. Brasília: TCU, 1970.

TOSI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas; tradução de Ivone Castilho Benedetti. 3ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

WEBER, Max. Economia e Sociedade, volume 2. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.


Notas

[1] Sá, Antônio Lopes de. “Dicionário de Contabilidade”. 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

[2] Instituto Ruy Barbosa. “Termos Técnicos: Glossário”. Instituto Ruy Barbosa, Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: IRB/TCE/SC, 2005.

[3] Segundo a Lei nº 98, de 26/08/1997 e modificações posteriores, os componentes do Tribunal de Contas português são denominados “Juízes Conselheiros”, sendo recrutados por concurso curricular (art. 19.º).

[4] Silva, de Plácido e. “Vocabulário Jurídico”/ Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 25ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[5] Expressão utilizada no Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, mas estranha à sua Lei Orgânica, Lei Federal 8.443, de 16/07/1992, que emprega exclusivamente o termo “auditor”.

[6] Denominação adotada conforme art. 4º da Lei Federal nº 11.950, de 17/06/2009, em substituição à expressão “Analista de Controle Externo”.

[7] Assim entendido como o órgão que tem como missão precípua o julgamento de contas dos administradores públicos.

[8] Duverger, Maurice. “Finances Publiques”. 6ª Ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.

[9] Conforme Lei nº 1345, de 20/12/1961.

[10] “Estudos práticos sobre a Administração das Províncias no Brasil”, Rio de Janeiro, 1865, p. 341 a 345. Disponível em www.google.com.br.

[11] O trecho grifado em itálico, que estão nas primeiras linhas do § 277, corresponde a uma citação feita pelo Exmº Sr. Temístocles Brandão Cavalcanti no artigo “O Tribunal de Contas – Órgão Constitucional – Funções Própria e Funções Delegadas”, em conferência realizada em São Paulo nas comemorações do 25º aniversário do Tribunal de Contas do Estado, em 09/06/1972, e publicado na Revista do tribunal de Contas da União, Brasília, ano 4, nº 4, p. 37-46, abr 1973..

[12] A Lei nº 3.454, de 06/01/1918, que fixava despesas no exercício financeiro, criou oito cargos de Auditor, que compunham o denominado “corpo especial” (art. 162, § 2º, alínea ‘b’).

[13] As referências deste título (páginas e volumes) são dos anais da Assembleia Constituinte, disponível em www.camara.gov.br (consultas entre 03/03/2009 e 30/12/2011).

[14] Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

[15] Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.

Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;

II - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.

[16] Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:

I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal;

II - exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;

III - respeitar a dignidade da pessoa humana;

IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;

V - ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados;

VI - zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum;

VII - empregar todas as suas energias em benefício do serviço;

VIII - praticar a camaradagem e desenvolver, permanentemente, o espírito de cooperação;

IX - ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada;

X - abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa de qualquer natureza;

XI - acatar as autoridades civis;

XII - cumprir seus deveres de cidadão;

XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;

XIV - observar as normas da boa educação;

XV - garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar;

XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;

XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;

XVIII - abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas:

a) em atividades político-partidárias;

b) em atividades comerciais;

c) em atividades industriais;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública; e

XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar.

[17] Segundo o Dicionário de Sentenças Latinas e gregas de Renzo Tosi (p. 800):

“1770. ira et

Sem cólera nem favor

Essa expressão, registrada pore ainda conhecida e citada a respeito de uma operação feita com objetividade e sem excessivo envolvimento, deriva doAnais deescreviaNeque amore quisquam et sine odio dicendus est"ningConjuração de Catilina que aqueles que se encontram em posição eminente não podem comportar-se com liberdade, mas para elesNeque studere neque odisse, sed minume irasci decet"não éconveniente apaixonar-se nem odiar, e muito menos irar-se". Outros paralelos estãoMarcello,

[18] Art. 116. São deveres do servidor:

(...)

IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

(...)

VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;

[19] Art. 279. São deveres do funcionário:

(...)

VII - Obediência às ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

VIII - Levar ao conhecimento de autoridade superior irregularidade de que tiver ciência em razão do cargo ou função;

[20] Aos críticos que não aceitam que se usem argumentos baseados na elaboração da Constituição, em face da regra hermenêutica que a lei tem vida própria em relação à sua elaboração, devem lembrar que esse artifício foi usado nas Normas Regimentais de 1949 (conforme Diário Oficial de 11/01/1950, p. 536 a 539)

[21] Art. 58 - O cargo de Auditor, compreendendo as categorias de Auditor Jurídico e Auditor de Controle Externo, será provido, mediante os critérios da Lei 4.823/89, por pessoas de idoneidade moral, reputação ilibada e possuidoras de conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros, de engenharia, arquitetura, processamento de dados ou de administração e portadoras do respectivo diploma de nível superior.

[22] Art. 5º - Os cargos de provimento permanente estão classificados nos seguintes grupos ocupacionais:

I - Grupo de Atividades Controladoras, designado pelo Código TCE-AC-500, compreendendo os cargos de nível superior e de nível médio, correspondentes às atividades específicas do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, no exercício das funções de controle externo que lhe são constitucionalmente atribuídas;

II - Grupo de Atividades de Nível Superior, designado pelo Código TCE-ANS-400, compreendendo cargos a que são inerentes atividades técnicas não específicas do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, desenvolvidas em áreas de conhecimentos obtidos em curso de nível superior;

III - Grupo de Atividades Técnicas e Administrativas de Nível Médio, designado pelo Código TCE-ANM-300, compreendendo cargos a que são inerentes atividades técnicas não específicas do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, bem como atividades administrativas, que exijam escolaridade de 2º Grau;

IV - Grupo de Atividades Auxiliares, designado pelo Código TCE-AA-200, compreendendo cargos a que são inerentes atividades auxiliares, para cujo desempenho seja suficiente a escolaridade de 1º Grau.

§ 1º - Os grupos ocupacionais referidos neste artigo estruturam-se em categorias funcionais identificados segundo a natureza e a complexidade do trabalho desenvolvido, o grau de escolaridade e a abrangência de conhecimentos e de aperfeiçoamento exigidos, e demais requisitos estabelecidos nas especificações das respectivas categorias.

§ 2º - O planejamento e a execução das atividades de controle externo, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, é privativa dos servidores integrantes do grupo ocupacional Atividades Controladoras e do Quadro Suplementar, sem prejuízo da participação eventual em auditorias de especialistas e peritos técnicos estranhos ao Quadro de Pessoal do Órgão, bem como de auditores internos do Estado.

§ 3º - O Grupo de Atividades Controladoras compreende cargos estruturados em carreiras típicas do Estado, com os seguintes conteúdos ocupacionais:

I - Auditor - atividades auditoriais de nível superior compreendendo as funções de substituição de Conselheiro; instrução e apreciação, em primeira instância, de processos; participação em órgãos técnicos auditoriais colegiados do Tribunal de Contas e nas equipes técnicas instituídas pelo Tribunal para atender as solicitações previstas no art. 91, IX e XVI, da Constituição Estadual e no art. 1º, IX, XVI e XXII, da Lei Complementar nº 005/1991; emissão de parecer técnico em matéria de consulta e denúncia; pronunciamento conclusivo em matéria auditorial relevante, na forma definida no Regimento Interno; bem como o exercício das demais atividades técnicas especificadas no inciso II, seguinte; (sem destaques no original)

[23] Os textos das leis do Estado da Bahia estão disponíveis no sítio na Internet http://www2.casacivil.ba.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm (consulta realizada em 02/05/2012)

[24] O texto do Regimento Interno do TCE de Sergipe está disponível no sítio na Internet http://www.tce.se.gov.br/sitev2/assets/files/regimento2012.pdf, consulta realizada em 02/05/2012.

[25] Art. 29. Todo e qualquer documento sujeito à apreciação do Tribunal de Contas será autuado e distribuído a um Conselheiro Relator, obedecidos os seguintes critérios:

I – mediante rodízio entre todos os Conselheiros, com exceção do Presidente, os processos de:

a) admissão de pessoal;

b) aposentadoria;

c) reforma;

d) transferência para a reserva remunerada;

e) disponibilidade;

f) pensão;

g) revisão de atos de inatividade e de pensões;

II - por sorteio em Pleno entre todos os Conselheiros, com exceção do Presidente, os processos de:

a) recursos;

b) rescisória;

III- por dependência de área de coordenação, todos os demais processos, salvo as exceções previstas neste Regimento. (sem destaques no original)

Parágrafo único. Poderá o Conselheiro, a qualquer tempo, determinar a distribuição de documento ou processo, observando-se o critério de rodízio, para um dos Auditores que fará a instrução dos mesmos, emitindo proposta de decisão a ser apreciada pelo Conselheiro Relator o qual, concordando com a mesma, levará à Câmara ou ao Tribunal Pleno, conforme o caso.

[26] Os textos da Lei Orgânica e do Regimento Interno do TCE do Paraná estão disponíveis no sítio na Internet http://www.tce.pr.gov.br/acervo.aspx, consulta realizada em 02/05/2012.

[27] Art. 50. Sendo o voto do Relator vencido, será designado pelo Presidente, na própria sessão, novo Relator dentre os votantes vencedores, para lavratura de voto, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

[28] Art. 51-A. Serão distribuídos aos Auditores: (Redação dada pela Resolução nº 24/2010)

I – os processos de atos sujeitos a registro, da esfera municipal e do Poder Executivo Estadual, abrangendo a administração direta e indireta; (Redação dada pela Resolução nº 24/2010)

II – os processos que seriam distribuídos aos Conselheiros por ocasião de suas férias, licenças e outros afastamentos legais, mediante requerimento expresso dos Conselheiros ao Presidente. (Redação dada pela Resolução nº 24/2010)

[29] § 3º Serão distribuídos exclusivamente aos Conselheiros os processos relativos, aos prejulgados, conflito de competência e projeto de resolução. (Redação dada pela Resolução nº 24/2010)

[30] Art. 53-A. Será designado, mediante Portaria da Presidência, para a substituição de que trata o inciso II, do art. 50-A, um dos Auditores que compuserem a Câmara do Conselheiro que se afastar, na forma do parágrafo único do mesmo artigo. (Redação dada pela Resolução nº 24/2010)

§ 1º A substituição de que trata o caput dar-se-á, exclusivamente, para a composição de quorum de votação, emissão de despachos, inclusive em pedidos de liminares, nos processos conclusos ao Gabinete do Conselheiro afastado, que permanecerão sob a relatoria do titular. (Redação dada pela Resolução nº 024/2010) (sem destaque no original)

[31] Em tradução livre: “5º. (redação dada pelo art. 9 da Lei nº 800, de 14 de agosto de 1862, e pelo art. 1º da Lei nº 255, de 3 de abril de 1933) – Os primi referendari e os referendari têm voto deliberativo além da hipótese em que são convocados pelo presidente para integrarem o colegiado conforme o parágrafo terceiro do artigo precedente, e nos processos nos quais são relatores.Podem ser convocados pelo presidente para substituir os conselheiros ausentes ou impedidos, incluindo aquele que tem o cargo de secretário-geral, em que, também nessas hipóteses, têm voto deliberativo.”

[32] Em 1890, o GAO ainda não existia. Sua criação se deu em 1921, sob a denominação de General Accounting Office (informações disponíveis em http://www.gao.gov/about/history). Em 2004 houve a mudança de denominação para Government Accountability Office.

[33] Na Câmara dos Deputados havia em tramitação a PEC nº 193/2000, de autoria do Deputado Augusto Franco, que também pretendia extinguir o Tribunal de Contas e criar a Auditoria-Geral da União, a qual foi arquivada em 28/02/2008 (conforme consta do sítio na Internet http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb, consulta realizada em 09/05/2012).


Abstract: This study has the main objective to demonstrate that Auditors of Brazilian Courts of Audit don´t have been appropriately in their potentiality in their professional role, caused by historical misunderstandings over the functioning of those institutions. Also is an objective to demonstrate that the composition of the deliberative corp of those institutions should be eminently technic, otherwise used to be and use to be until the present days.

Keywords: Brazil, Financial Courts, Auditors, Ministers, Historical evolution.


Autor

  • Cláudio Augusto Canha

    Cláudio Augusto Canha

    Auditor do Tribunal de Contas do Paraná Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (UNIPLAN) Especialização em Audiotoria Governamental pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC) do Tribunal de Contas da União (ISC) especialização em Logística e Administração de Material pelo Centro de i\nstrução Almirante Wandenkolk (CIAW).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANHA, Cláudio Augusto. A evolução (?) do papel dos auditores dos tribunais de contas do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24751. Acesso em: 29 mar. 2024.