Resumo: Este trabalho tem por principal objetivo demonstrar que os Auditores dos Tribunais de Contas não têm sido devidamente aproveitados em sua potencialidade no papel que desempenham, em função de equívocos históricos em relação ao funcionamento dessas instituições. Também é objetivo do trabalho demonstrar que a composição do corpo deliberativo dessas instituições deveria ser eminentemente técnica, ao contrário do que ocorreu e vem ocorrendo até os dias atuais.
Palavras-chave: Brasil, Tribunais de Contas, Auditores, Ministros, Evolução histórica.
Sumário: 1.INTRODUÇÃO. 2.AUDITOR: UM TERMO EQUÍVOCO. 3.O TERMO “AUDITOR” NO DIREITO COMPARADO. 4.A REPÚBLICA VELHA, O SURGIMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL E O SURGIMENTO DO CARGO DE AUDITOR NESSAS INSTITUIÇÕES. 5.OS AUDITORES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS APÓS A REPÚBLICA VELHA E ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 6.O DECRETO LEI Nº 199/1967 E A “PROPOSTA DE DECISÃO”. 7.OS AUDITORES DO TRIBUNAL DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 8.A INADEQUAÇÃO DA COMPARAÇÃO ENTRE A JUSTIÇA MILITAR E AS CORTES DE CONTAS. 9.SINE IRA ET STUDIO – O CORPO DECISÓRIO DAS CORTES DE CONTAS HÁ DE SER EMINENTEMENTE TÉCNICO. 10.O SISTEMÁTICO DESRESPEITO AO CARGO DE AUDITOR. 11.AS TENTATIVAS LEGIFERANTES PARA DESVALORIZAR A FUNÇÃO DO AUDITOR E DOS SERVIDORES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. 12.A “PROPOSTA DE DECISÃO” PODE SER CONSIDERADA UMA EVOLUÇÃO?. 13.DA INADEQUABILIDADE DO MODELO DE AUDITORIA GERAL EM SUBSTITUIÇÃO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO BRASIL. 14.CONCLUSÃO.
1. Introdução
O ponto de interrogação entre parênteses no título do artigo após a palavra “evolução” pretende realçar que as mudanças em relação ao cargo de auditor dos Tribunais de Contas, ao longo do tempo, mais caracterizam a acepção daquele termo como sinônimo de movimento, seja contínuo, regular, circular ou para diante, do que como processo gradativo, progressivo de transformação, de mudança de estado ou condição, sinônimo de progresso, avanço, melhoria ou desenvolvimento.
A História confirma que pouco se valorizou o cargo de auditor em relação ao que foi estabelecido quando da sua criação no início do século passado.
Os Auditores dos Tribunais de Contas são ocupantes de cargos desconhecidos da maioria dos brasileiros, mesmo daqueles com formação nas áreas que são afetas àquela instituição.
Pretende-se com o presente texto apresentar dados acerca do real papel que esses profissionais desempenham nas Cortes de Contas brasileiras, e uma comparação com aquele que deveria ser esse papel, sob a ótica dos desígnios da sociedade brasileira, conforme ficou assentado na elaboração do texto constitucional de 1988, em que, apesar de iniciar conferindo maior relevância ao segmento técnico, ao final prevaleceu a conservação do status anterior, com modificações que, embora relevantes, foram sufocadas pela cultura organizacional ainda vigente.
Além disso, pretende-se fornecer subsídios para interpretação histórica do papel dos auditores e suas modificações ao longo do tempo, o que, pretensamente, deveria constituir “evolução”, posto que a sociedade sempre marcha tendo como maior objetivo o desenvolvimento humano, bem como para fornecer elementos para a interpretação autêntica da Constituição Federal de 1988, no que tange aos auditores dos Tribunais de Contas.
2. auditor: um termo equívoco
Nas últimas décadas, com o predomínio das técnicas contábeis de origem anglo-saxã, que consagraram a auditoria como uma técnica de fiscalização contábil de ampla efetividade, a acepção contábil do termo “auditor” tem dominado o conceito, haja vista que o seu uso corrente normalmente remete a essa acepção.
De seu turno, a acepção jurídica desse termo tem sido constantemente olvidada.
Na acepção contábil, auditor é aquele que realiza auditoria, técnica contábil que verifica ou revisa registros, demonstrações e procedimentos da escrituração contábil[1]. Tal acepção é tão dominante que até mesmo a Associação Civil de Estudos e Pesquisas dos Tribunais de Contas do Brasil, denominada “Instituto Ruy Barbosa”, registrou em seu Glossário de Termos Técnicos somente essa acepção (p. 030):
“AUDITOR: pessoa encarregada de realizar uma auditoria e elaborar um relatório escrito sobre essa auditoria (Boletim Interno do TCU nº 34 de 23/07/1992 – Glossário de Termos Comuns Utilizados no Âmbito do Controle Externo do TCU e do Tribunal de Contas de Portugal).”[2]
Convém registrar que o termo auditor não é usado na Corte de Contas portuguesa[3], por esse motivo não constou dos termos comuns aos Tribunais de Contas brasileiro e português. Em que pese a essa constatação, o glossário retrocitado não apresenta justificativa para utilizar apenas essa definição para o termo “auditor”, ainda que essa obra não estivesse limitada ao registro de termos comuns a Brasil e Portugal.
A acepção jurídica do termo “auditor” existe e é presentemente utilizada, conquanto seja atualmente desconhecida. O eminente jurista De Plácido e Silva assim registra o vocábulo (p. 170)[4], tanto na acepção jurídica como na contábil:
“AUDITOR: É título por que se designam juízes ou magistrados encarregados da aplicação de justiça em certo ramo ou espécie de jurisdição, em regra, de ordem criminal.
No Direito Antigo, com o mesmo sentido de ouvidor, indicava o funcionário instruído em leis, que tinha a missão ou atribuição de informar o tribunal ou repartição pública sobre a legalidade de certos atos ou sobre a interpretação das leis nos casos concretos submetidos à sua apreciação. É o consultor jurídico da atualidade.
Segundo a aplicação atual, o vocábulo designa o juiz de direito agregado aos tribunais de jurisdição especial: auditor de guerra ou auditor de marinha.
Auditor. Na linguagem técnica da contabilidade, é a palavra empregada para distinguir o perito ou técnico de contabilidade, a que se comete o encargo de examinar e dar parecer sobre a escrituração mercantil de um estabelecimento comercial, atestando, igualmente, a sua exatidão, em confronto com os documentos, de que se originaram os lançamentos ou assentos constantes da escrita e a veracidade do balanço geral, que lhe foi mostrado para exame.”
São exemplos atuais do emprego da acepção jurídica o Juiz-Auditor da Justiça Militar e o Auditor da Justiça Desportiva. Como se verá adiante (item nº 07), o Juiz-Auditor Militar foi utilizado durante a Assembléia Nacional Constituinte como comparação para diminuir o número de vagas destinadas a auditores na composição dos cargos de Ministros/Conselheiros dos Tribunais de Contas.
Forçoso destacar o emprego no Tribunal de Contas da União (TCU) de ambas as acepções: os Auditores, internamente denominados Ministros-Substitutos[5], e os Auditores Federais de Controle Externo[6], servidores públicos da Secretaria do Tribunal, responsáveis pela execução da fiscalização a cargo daquela Corte de Contas, incluindo-se entre as suas atribuições a realização de auditorias governamentais.
3. o termo “auditor” no direito comparado
O objetivo aqui é demonstrar que o termo “Auditor” é usado, em sua acepção jurídica, nos países que serviram de modelo para implantação do Tribunal de Contas no Brasil. Ruy Barbosa, na célebre Exposição de Motivos do Decreto 966-A, cita expressamente a Corte de Contas italiana, motivo pelo qual será objeto de estudo neste artigo, bem como a Corte de Contas francesa, que serviu de inspiração para as demais cortes europeias que empregam o modelo “Tribunais de Contas”[7], entre elas a italiana, e como esta também foi citada por Ruy Barbosa.
Nesse diapasão, deixam de serem abordados os modelos de outros tribunais de contas europeus, haja vista que, no que tange ao objeto desse estudo, as diferenças em relação à França e à Itália não descaracterizam a sua natureza primordial: os órgãos que julgam contas são compostos por membros de comprovada capacitação e formação técnica.
Deixa de ser abordado o modelo anglo-saxão (auditoria-geral), posto que essas instituições não têm competência para julgamento de contas, sendo sua missão precípua auxiliar o Poder Legislativo na fiscalização financeira. Por esse mesmo motivo não será abordado o modelo alemão, pois, conquanto seja um órgão colegiado, suas decisões não constituem julgamento de contas.
É preciso lembrar que França e Itália utilizam dualidade de jurisdição, ou seja, no Poder Judiciário desses países há órgãos específicos para julgar as causas que envolvem o poder público.
Na França, o termo Auditeur é empregado no Código de Justiça Administrativa (Code de Justice Administrative) para designar os magistrados oriundos da Escola Nacional de Administração.
O mesmo termo é empregado na Lei Orgânica da Magistratura (Loi Organique relative au Statut de La Magistrature) para os juízes que compõem o grau inicial da magistratura, recrutados por concurso público, após realizarem o curso da Escola Nacional da Magistratura.
A Cours de Comptes segue a mesma orientação da justiça francesa, tanto na justiça administrativa quanto na justiça comum, ou seja, o grau inicial da magistratura de contas recebe também a denominação de “auditeur”.
Na justiça italiana, até a edição da Lei nº 111, de 30/07/2007, o magistrado de início da carreira era denominado Uditor, e a partir de então passou a receber a denominação de Magistrato Ordinario.
Na justiça administrativa italiana, pela Lei nº 186 de 27/04/1982 (Ordinamento della Giurisdizione Amministrativa), o magistrado de grau inicial é denominado Referendario, mesmo termo utilizado na Corte dei Conti para o cargo que equivale ao de Auditor.
É de se notar, portanto, que a República Italiana e a República Francesa adotaram a mesma postura, designando o posto de entrada na magistratura de contas com a mesma denominação utilizada para os magistrados de primeira entrância na justiça administrativa.
Além da proximidade dos termos utilizados nas justiças e nas cortes de contas de ambos os países, quanto ao provimento de cargos também há coincidência: a formação técnica é requisito primordial na escolha dos magistrados de contas.
Conforme consta do Título II do Livro I do Code de Juridictions Financières, nos dispositivos referentes à sua organização, a Cours de Comptes é composta por Conseillers-Maîtres, Conseillers Référendaires e Auditeurs de 1ª e 2ª classe.
Os Auditeurs de 2ª classe até o ano de 1945 eram recrutados mediante concurso público específico[8]. Após esse período até os dias de hoje são arregimentados da Escola Nacional de Administração. Após um período de dezoito meses, estão aptos a desempenharem as funções de Auditeurs de 1ª classe.
Três quartos das vagas de Conseillers Référendaires são destinados aos Auditeurs de 1ª classe. O quarto restante é reservado a funcionários públicos da área de finanças com pelo menos dez anos de serviço.
Dois terços das vagas de Conseillers-Maîtres são reservados aos Conseillers Référendaires, sendo o terço restante endereçado, em sua maior parte, a funcionários públicos da área de finanças com pelo menos quinze anos de serviço, e, em sua minoria, a funcionários públicos de outras áreas com pelo menos quinze anos de serviço.
Na Itália a formação técnica também é imprescindível aos componentes da Corte dei Conti. A Magistratura de Contas é organizada com os seguintes postos[9]: 01 (um) Presidente, 12 (doze) Presidente de Sezioni, 01 (um) Procuratore Generale, 70 (setenta) Consiglieri, 10 (dez) Vice Procuratori Generali, 203 (duzentos e três) Primi Referendari e 230 (duzentos e trinta) Referendari.
Da mesma forma adotada para a admissão dos magistrados da Giurisdizione Amministrativa (art. 16 da Lei nº 186, de 27/04/1982), para a nomeação no cargo de Referendario da Corte dei Conti é exigido concurso público (art. 12 da Lei nº 1345, de 20/12/1961).
Os demais postos da magistratura de contas italiana são reservados aos magistrados de nível imediatamente inferior, exceto no que tange ao posto de Consiglieri, em que metade das vagas é reservada a funcionários públicos da Corte dei Conti e dos demais órgãos da administração que cumpram os requisitos previstos em lei (art. 7º da Lei nº 655, de 06/05/1948, com a redação dada pela Lei nº 385, de 08/07/1977).
A outra metade é composta de oriundos do cargo de Primo Referendario.
4. a república velha, o surgimento dos tribunais de contas no brasil e o surgimento do cargo de auditor nessas instituições
Ainda durante o Império, diversas personalidades defenderam a criação de um Tribunal de Contas, o que somente viria a ocorrer após a proclamação da República.
Dentre essas personalidades é imperioso destacar a figura do Visconde do Uruguay, que exerceu diversos cargos públicos e é considerado um dos maiores juristas brasileiros na área de direito público. Em sua obra intitulada “Ensaio sobre o Direito Administrativo”, de 1862, defende a separação entre a política e a administração pública. Em outra de suas obras[10] discorre acerca de uma consulta da então província de Sergipe, estabelecendo razões para a criação de Tribunais de Contas e explicando tanto a inadequação da prestação de contas ser julgada perante as assembléias provinciais quanto a inadequação de ser prestada às tesourarias provinciais[11]: (sem grifos no original)
Caso do Sergipe. Consulta do 29 de Outubro de 1845.
(...)
§ 274.
Duvidas.
Quem presta essas contas? É directamente o Presidente? Quem as esclarece na discussão, na Assembléa provincial, e nas commissões? Como se prestão, em que épocas? Qual o seu processo? Que garantias tem o Presidente? Está à mercê da Assembléa, sómente dependente das leis que ella fizer? Limita-se sómente ao exame moral, e a verificar se os creditos forão applicados às despezas para as quaes forão abertos, e se os não excedêrão? Em que casos se ha de verificar a responsabilidade, qual seja e de quem? A. decisão da Assembléa importa ou serve de base à responsabilidade?
Quem prepara essas contas, quem as toma e pronuncia definitivamente com força de sentença para a responsabilidade? O acto addicional diz que a Assembléa provincial legisla. São as Thesourarias provinciaes, ou crear-se-ha para isso uma repartição independente?
§ 275.
As Assembléas Provinciaes?
As Assembléas provinciaes são improprias para verificar a tomada de contas, tarefa tediosa, miuda, que nenhuma popularidade acarêa, que requer muito tempo, assidua paciencia, e conhecimentos especiaes. A politica e discussões apaixonadas, e variados assumptos, não lhes deixão frequentemente tempo para fazer orçamentos, quanto mais para tomarem contas! Que contas teem elas tomado! São 20 e teem essa attribuição ha 30 ánnos! A despeza está feita. É facto consummado.
Envolvidas, como quasi sempre andão entre nós, as Assembléas provinciaes na politica geral de pessoas, e na politica local, tambem pessoal que corresponde, mesquinha e odienta, divididas em maiorias e minorias politicas arregimentadas, ou dando ao Presidente um apoio quasi cego, ou fazendo-lhe opposição desabrida, lançando mão de todos os meios, para embaraça-lo, irrita-lo, derriba-lo, conforme favorece ou hostilisa estes ou aquelles interesses pessoaes, a influencia e a eleição deste ou daquelle, tornão-se por isso essas corporações ainda mais improprias para tomarem contas, enxertando paixões pessoaes e politicas em assumptos meramente administrativos que requerem calma, imparcialidade, independencia, tempo, exames detidos, conhecimentos .especiaes e praticos.
§ 276.
As Thesourarias?
Serão mais proprias as Thesourarias provinciaes? Compoem-se ellas de agentes subalternos, dependentes do Presidente, que lhes pode fazer bem, e muito mal.
Não tem os empregados das Thesourarias provinciaes a posição e independencia que requer um Tribunal de contas.. Um Presidente demittirá o empregado que souber não ser favoravel às suas contas. Outro tirará o pão à familia de um antigo servidor por entender que foi favoravel a seu antecessor, do que ha exemplo.
§ 277.
Serão creadas nas Províncias Repartições Independentes, Tribunaes provinciaes de contas?
A primeira e indispensavel qualidade que devem ter os membros de um Tribunal de contas é uma inteira independencia, principalmente daquelles cujas contas tomão. Não podem ser independentes sem uma alta posição, e se não tiverem vencimentos que os ponhão acoberto da necessidade.
Não deve ser tão diminuto o numero dos membros de um semelhante Tribunal que fique tudo apenas dependente de um ou dous individuos. É preciso que sejão uns contrastados por outros, e que seja revisto por outros o que cada um faz e prepara.
Semelhantes Tribunaes não podem deixar de ser mais ou menos numerosos, mais ou menos dispendiosos.
Já demonstrei no meu Ensaio sobre o Direito Administrativo que a nossa organisação administrativa provincial era muito pesada, e dispendiosa para um paiz pouco povoado, sobretudo para Provincias pobres e em grande parte desertas.
Se juntarmos a esse pesado e dispendioso machinismo mais essa mola, uma Repartição de contas, ficará muito mais pesado e dispendioso.
Na exposição de motivos do Decreto 966-A (Revista do Tribunal de Contas da União, volume 1, nº 01. Brasília: TCU, 1970, p. 253 a 262), que criou o Tribunal de Contas da União, Ruy Barbosa realça a independência e imparcialidade que os membros da Corte de Contas deveriam ter para bem desempenhar suas funções. A par disso, defende que a Corte de Contas seguisse o modelo italiano, que em sua opinião seria mais efetivo no combate a fraudes e malversações do dinheiro público: (sem destaques no original)
(...) a medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediaria à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com attribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias – contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.
(...)
Dois tipos capitais discriminam essa instituição, nos países que a têm adotado: o francês e o italiano.
(...)
No primeiro sistema a fiscalização se limita a impedir que as despesas sejam ordenadas, ou pagas, além das faculdades do orçamento. No outro a ação dessa magistratura vai muito mais longe: antecipa-se ao abuso, atalhando em sua origem os atos do poder executivo susceptíveis de gerar despesa ilegal.
(...)
Dos dois sistemas, o ultimo é o que satisfaz cabalmente os fins da instituição, o que dá toda a elasticidade necessária ao seu pensamento criador. Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância, ou a prevaricação, para as punir. Circunscrita a estes limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia, ou impotente. Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na administração, seja, não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentarias por um veto oportuno aos atos do executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.
Contrariando a lição de Visconde do Uruguay, o Tribunal de Contas da União foi criado com um corpo deliberativo de apenas quatro membros (art. 1º, § 1º, do Decreto nº 392, de 08/1/1896). O cargo de auditor somente foi criado na reforma promovida no governo Venceslau Braz[12], a qual também ampliou o número de ministros para nove, sendo todos nomeados pelo Presidente da República, não havendo requisitos legais para o preenchimento das vagas.
Aos auditores foi atribuída a competência para relatar perante a Segunda Câmara os processos de tomada de contas e substituir os ministros de qualquer das Câmaras nas suas faltas e impedimentos. Para ocupar o cargo de auditor, o indicado pelo Presidente da República deveria ser bacharel em direito.
As atribuições dos auditores foram discriminadas no art. 13 do Decreto Federal nº 13.247, de 23/10/1918, cuja leitura permite inferir que os auditores somente gozavam das prerrogativas da magistratura quando substituindo ministros.
O texto desse decreto é bem claro ao atribuir aos auditores a relatoria de processos de contas, mas dando a entender que o relator não teria direito a voto, posto que essa prerrogativa somente era conferida aos ministros.
Isso porque, ao se referir aos Ministros, o texto atribui-lhes as competências para relatar, discutir e votar (art. 49, inciso I), ao passo que aos Auditores somente é atribuída a competência para relatar (art. 50, inciso I).
Em face da adoção de um novo Código de Contabilidade (Lei nº 4.536, de 28/01/1922), foi editada uma nova Lei Orgânica para o TCU (Decreto nº 15.770, de 01/11/1922), que, apesar de modificações de estilo, manteve inalteradas as competências de Ministros e Auditores (arts. 46 e 47, respectivamente) no que tange a julgamento de contas.