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Protesto de títulos e o momento da lavratura do protesto

Protesto de títulos e o momento da lavratura do protesto

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Investiga-se o momento da lavratura e registro do protesto, levando-se em consideração todos os princípios inerentes a esta atividade notarial.

Resumo: O presente trabalho visa discorrer sobre a interpretação da regra contida no art. 12 da Lei nº 9.492/97. As divergências doutrinárias e jurisprudências serão analisadas. Foi dado enfoque ao instituto do protesto em sua origem, mas também o norte que foi tomado modernamente. O aprofundamento do tema dependeu do estudo da atividade notarial e registral como um todo: a natureza jurídica, as responsabilidade, a Lei nº 8.935/94, a forma de ingresso na atividade, e a remuneração de tais Oficiais. Após, a atividade notarial de Protesto foi abordada. Os princípios genéricos e específicos foram objeto de estudo, especialmente os postulados da segurança jurídica formal estática e dinâmica. A celeridade e a formalidade simplificada também serviram de base para a fundamentação do desenvolvimento deste trabalho. A boa-fé objetiva e a eticidade não deixaram de figurar como protagonistas da conclusão do objetivo proposto. Por fim, o momento da lavratura e registro do protesto foi fixado, levando-se em consideração todos os princípios, postulados e conceitos inerentes à atividade notarial de Protesto.

Palavras-chave: Protesto. Prazo. Art. 12 da Lei nº 9.492/97. Celeridade. Segurança jurídica.


1. introdução

O Protesto de Títulos é o serviço extrajudicial destinado procedimentar o protesto de títulos e outros documentos de dívida. Dentre as finalidades do protesto é o de provar a inadimplência e o descumprimento de certa obrigação.

Neste contexto, o ato do protesto tem a finalidade de compelir o devedor a honrar a obrigação assumida. E este procedimento é iniciado por requerimento do devedor, e termino mediante a lavratura do protesto, de autoria do Tabelião de Protestos.

Dentro desse procedimento, o tema que mais gera discussões é o momento em que se inicia o prazo para a lavratura do protesto.

A Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1.997, estabeleceu que o registro do protesto deve ser lançado no prazo de 3 (três) dias após a protocolização do título no Tabelionato de Protesto de Títulos. No entanto, há entendimento de que esse prazo deve ser contado do momento da intimação do devedor, e não da protocolização do título. Essa distinção é relevante, e merece ser melhor estudada doutrinariamente.

A importância da abordagem deste tema é evidente. A fixação da data do momento do protesto pode interferir na visão finalística do Protesto de Títulos. É que, de um lado, pode-se defender a proteção ao devedor, e de outro, pode-se defender a proteção ao credor, em reaver o seu crédito.

O interesse do devedor é de estender o prazo para o protesto, de forma a lhe possibilitar mais tempo para pagar o débito, ou mesmo para sustar o protesto judicialmente. De outra forma, o credor almeja, em regra, que o protesto seja tirado o quanto antes possível, de maneira a comprovar o inadimplemento e de lançar o nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito.

O art. 12 da Lei nº 9.492/97 impõe o prazo de 3 (três) dias para a lavratura do protesto, contados da data da protocolização do título no serviço de Protesto. Se o entendimento legal for respeitado, em certos casos, o devedor gozará de apenas 1 (um) dia para cumprir com a sua obrigação.

Vejamos o exemplo: se o título for protocolizado na segunda-feira, e o devedor for intimado na quarta-feira, ele só terá a quinta-feira para apresentar-se ao Tabelionato. Isso considerada a regra insculpida no § 1º do art. 12, que exclui o dia da protocolização e inclui o dia do vencimento. Obviamente, tal situação pode não atender os interesses do devedor.

Essa discussão envolve vários conceitos de Direito, inclusive de Direito notarial, registral e civil.

Os serviços de registro e de notas são essenciais para a garantia da segurança jurídica, publicidade, autenticidade, veracidade, e eficácia. A publicidade registral também é importante no universo jurídico. Podemos dizer que, em certos casos, a publicidade registral garante o efeito constitutivo ao ato.

Os Notários e Registradores são conhecidos como Oficiais Públicos, pessoas as quais é atribuída a fé pública. Este atributo é conferido a poucas pessoas, e traduz a confiança de que os atos por ela exarados expressam a verdade.

Tais profissionais públicos exercem a função notarial e registral sob regime jurídico híbrido, no sentido de que estão sujeitos às regras de Direito Público e de Direito Privado.

As atividades notariais e registrais estão traduzidas no art. 236 da Constituição Federal. Por meio deste dispositivo constitucional é possível concluir que tais atividades são públicas, e constituem atividades próprias do Estado. Este decidiu transmitir a responsabilidade da execução desses serviços a particulares.

Várias são as razões: a descarga de responsabilidade, repousando sobre particulares, e não sobre o Estado, como seria se diretamente as executasse, visto a aplicação irrestrita da teoria do risco administrativo, consubstanciada no § 6º do art. 37 da Constituição.

Ainda, podemos dizer que a eficiência da Administração Pública é comprometida por diversas regras que a impedem de acompanhar as transformações, principalmente em termos tecnológicos e de pessoal. Se os serviços notariais e de registro foram prestados diretamente pelo Estado, haveria a necessidade de se sujeitar às regras de licitação e de contratação de servidores públicos para prestarem os serviços, que hoje são executados por empregados, sujeitos à CLT.

Assim, afirma-se que o Estado é titular dos serviços de notas e de registro, mas preferiu transferir o exercício a particulares, mediante delegação pública.

E por meio desse instituto da delegação pública conclui-se, como não poderia deixar de ser, que o exercício dessas nobres atividades recai sobre pessoas físicas. Isso porque em Direito Administrativo entende-se que às pessoas jurídicas estão reservados os institutos da concessão e da permissão.

O delegado público da atividade notarial e registral é profissional do Direito, habilitado em concurso público de provas e títulos, conforme art. 3º da Lei nº 8935/94.

O enquadramento jurídico como profissional do Direito permeia toda a execução da atividade, e isso está enraizado na razão de existir dessas funções públicas. A atividade notarial e de registro depende do conhecimento jurídico. A função executada por um Notário ou por um Registrador não difere da executada por um magistrado, ou de um promotor. Todos devem conhecer o Direito para bem fundamentar as suas decisões. O conhecimento da arte jurídico é indispensável pelo operador notarial.

O Tabelião de Protesto está incluído nesta exigência. A qualificação de um título exige que o profissional público conheça – a fundo – todas as regras de direito cambiário e de direito empresarial. Como poderia negar o protesto a determinado título se nem sequer conhece os requisitos do mesmo?

Além disso, tal profissional deve estar antenado. Não pode deixar de conhecer a orientação jurisprudencial e doutrinária majoritária do momento. As decisões do órgão corregedor local devem ser necessariamente seguidas pelo Tabelião.

E a interpretação das mesmas só pode ser bem executada por aquele que bem conhece as regras jurídicas.

O concurso público de provas e títulos é a forma encontrada pelo legislador para cumprir a necessidade de escolher o candidato melhor preparado. A Lei nº 8935/94, que regula a atividade notarial e de registral, contem uma inconstitucionalidade.

Apenas a título de conhecimento, o art. 16 da mencionada Lei prevê concurso público apenas de títulos para a remoção. Entretanto, tal previsão já está superada jurisprudencialmente, especialmente administrativamente. Os concursos, inclusive para remoção, devem ser realizados com a previsão da realização de provas.

A característica jurídica da atividade permite que os profissionais de notas e de registro a independência. É o que reza o art. 28 da Lei nº 8.935/94, Lei dos Cartórios: art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

Como dito anteriormente, nesta parte introdutória do trabalho, as atividades notariais e de registro são regradas pelo Direito Público e pelo Direito Privado. Agora, o que significa dizer isso? Que parte da atividade exercida está sujeita aos regramentos, aos cânones do regime jurídico público, ou ainda, do regime jurídico administrativo. E a outra parte está sujeita às regras de direito privado. Como distingui-las? O tema é controverso, e merece muito cuidado do estudioso.

A atividade notarial e de registro é essencialmente pública. O estado optou por delegar o exercício a particulares. Pois bem. O fez ciente de que, em certo ponto, o regime jurídico administrativo, ou aquele regime que impõe ao Estado regras mais rígidas, poderia tornar mais penoso o exercício dessas atividades. E a importância das mesmas impunha um tratamento diferenciado.

Neste momento, o legislador escolheu submeter as serventias extrajudiciais a um regime híbrido, que acalentasse a necessidade de controle administrativo e fiscalização, e ao mesmo tempo garantisse a eficiência necessária.

Dividiu-se, assim, as atividades notariais e de registro na parte pública e na parte privada. Os serviços notariais e de registro estão sujeitos aos mandamentos de Direito Público no que tange à relação de sujeição do titular com o Poder Público, que lhe delegou o exercício de tais funções, à forma de seleção desses profissionais, à estrutura de organização desses serviços dentro de uma mesma unidade da federação, à fiscalização do desempenho da atividade, à regulação técnica, à aplicação de sanções administrativas, e ao cumprimento dos deveres institucionais e legais das Notas e dos Registros.

A parte privada do desempenho dessas atividades reside nas demais atribuições conferidas aos delegados públicos. A contratação de prepostos, a escolha do local do serviço, a estrutura interna, plano de salários e remuneração, despesas administrativas, sistemas de informática, contratos variados, etc. Enfim, tudo aquilo que esteja justificado pelo próprio instituto da delegação. Significa dizer que o Oficial Público pode, dentro do que é chamado de juízo de proporcionalidade e razoabilidade, escolher o que melhor lhe aprouver para o desempenho das atividades.

A essa característica privada das atividades dá-se o nome de gestão privada, a parcela sobre a qual o Oficial tem “liberdade”.

Evidentemente que eventuais desvios, que ameassem o exercício regular, contínuo, adequado, eficiente, uniforme, universal e modico, ou que coloquem em risco direitos da coletividade estão sujeitos ao controle do Estado, por meio do Poder Judiciário.

Dentro deste contexto, os Notários e os Registradores gozam de independência jurídica. Esse conceito é amplo, e possibilita aos oficiais das notas e dos registros uma garantia que é atribuída aos magistrados.

Significa que os Notários e os Registradores podem fazer valer o seu entendimento sobre determinado assunto, sem submeter-se a pressões quaisquer. Sujeitam-se apenas aos ditames da lei, inclusive quando estiverem efetuando a qualificação em títulos de natureza judicial.

A independência jurídica é, talvez, a maior garantia dos profissionais da fé pública.

E as consequências práticas são inúmeras. A interpretação das leis, dos princípios, das regras também compete aos Notários e aos Registrados. Obviamente que essa independência não pode ser confundida com livre arbítrio total ou discricionariedade. Trata-se da discricionariedade regulada, ou formal.

No que tange ao foco deste trabalho, os Tabeliães de Protestos podem aceitar que determinados documentos de dívida sejam aceitos como títulos protestáveis. Basta que, dentro do conhecimento jurídico que lhes é conferido, entendam que o documento se enquadra dentro do conceito do art. 1º da Lei nº 9.492/97.

O Tabelião de Protesto, que goza da independência jurídica, pode, se não houver regra específica em sentido contrário, aplicar no Tabelionato a orientação que melhor julgar, desde que devidamente fundamentada.

Neste iter, a discussão sobre o momento da lavratura e do registro do protesto também se mostra importante. A agilidade das relações comerciais exige que o procedimento extrajudicial de cobrança seja o mais célere e o mais eficiente possível. Entretanto, existem regras processuais que buscam garantir ao devedor uma forma de defesa, frente a possíveis ingerências do credor. Há quem diga que o procedimento do protesto não pode ter um prazo enxuto, a fim de possibilitar um mínimo de defesa ao devedor.

Algumas Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados se posicionaram no sentido de que o prazo é contado do momento da protocolização do título. Outras entendem que o momento inicial é o da intimação do devedor.

Essas ponderações tornam a problemática apresentada relevante. A doutrina, a jurisprudência, os órgãos de fiscalização, os Tabelionatos, e os juristas em geral ainda não firmaram posição unívoca sobre o tema. Daí a importância deste trabalho monográfico.

1.1.  JUstificativa

O tema foi escolhido por vários fatores. Primeiro, entendo que o Direito Notarial e Registral ainda está sendo construído. Para que seja considerado um ramo do Direito, deve haver doutrina própria, sedimentada, robusta. Ainda, não se pode falar em Direito Notarial e Registral de forma absoluta, de forma autônoma.

A temática notarial e registral ainda está muito permeada por lições do Direito Administrativo, Constitucional, Civil, Civil-Empresarial, dentre outros.

A atividade notarial ainda depende do ensinamento extraído por esses ramos do Direito. Ainda falta a unidade doutrinária no Direito Notarial e Registral, mesmo que já seja possível vislumbrar um grande número de escritores, de doutrinadores deste embrionário ramo.

Segundo, a atividade notarial e registral é peculiar.

Juntamente com os advogados, são os únicos profissionais liberais que são tratados diretamente no corpo da Constitucional – art. 236, da Constituição Federal de 1988.

O Notário e o Registrador exercem função pública, mas sob regime de execução privado. É uma forma de administração pública de interesses privados. Este profissional do Direito – art. 3º da Lei nº 8935/94 – atua nos atos e negócios jurídicos para instrumentalizar e dar forma jurídica à vontade das partes. Atua ainda certificando a ocorrência de certos fatos juridicamente relevantes – ata notarial.

Além disso, efetua a qualificação jurídica de títulos que lhes são apresentados – registrador.

São agentes públicos em colocação com o Poder Público, que são caracterizados pelo diferencial da fé pública, da oficialidade, e da imparcialidade. Conferem segurança jurídica formal – estática ou dinâmica – às situações jurídicas.

São os conselheiros jurídicos das pessoas que até eles se deslocam.

Estão sujeitos a um regramento de direito público, o chamado regime jurídico administrativo, a qual permeia o exercício da atividade notarial e registral.

Ao mesmo, gozam da prerrogativa da independência jurídica e da gestão privada. Podem livremente contratar prepostos pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, escolher locais para o desempenho da atividade, estabelecer planos internos de gestão administrativa, de pessoal, de carreira, de salários, etc.

São investidos na função por meio de concurso público de provas e títulos. O saber jurídico, portanto, é essencial para o desempenho dessas atividades notariais e registrais.

A prudência notarial e registral também é destacada pelos doutrinadores. O papel desses profissionais se assemelha com a função exercida pelos magistrados. Não é a simples adequação do título com os requisitos da Lei que garantirá o acesso ao registro, por exemplo. Há a necessidade de enquadrar-se ao Direito, e não somente à Lei. Existem princípios jurídicos, gerais e específicos, que devem ser respeitados. A jurisprudência – administrativa ou judicial – deve sempre ser acompanhada. A doutrina não pode deixar de figurar no saber notarial e registral, sob pena de aplicação de preceitos ultrapassados, ou em desuso. As normas administrativas das Corregedorias locais são o norte a ser seguido, atuando como verdadeiros atos normativos – em certos casos, essas normativas contrariam a Lei, mas acabam prevalecendo.

Além disso, os Notários e os Registradores são, acima de tudo, interpretes do Direito. Não estão adstritos à letra fria da Lei. Podem interpretá-la, utilizando a prerrogativa do art. 28 da Lei nº 8.935/94 – Lei dos Cartórios: a já comentada independência.

Terceiro, os Tabeliães de Protesto exercem função dúplice. O protesto é um ato que encerra um procedimento. A função do Tabelião é a de orientar o desfecho do procedimento com o seu atributo da fé pública. Ele certifica a ocorrência de certo fato, lançando em seu Livro de Registro o ocorrido. Então, podemos dizer que a natureza jurídica da atividade do Tabelião de Protesto é notarial, porque certifica o ocorrido, e registral, pois lança o extrato dos fatos em Livro de Registro de Protestos. É uma atividade notarial e registral, portanto.

O protesto tem função tríplice. O credor almeja a satisfação da obrigação, que pode ser de pagar, ou de aceitar a Letra. O credor deseja – ou pode desejar – constituir meio de prova do inadimplemento. Esta prova é constituída por meio da fé pública conferida ao Tabelião, que opõe o selo da autenticidade e da presunção de verdade aos fatos narrados na certidão. Ainda, o protesto serve ainda como meio de cobrança de dívidas – modernamente, está é a função mais evidente dos serviços de protesto.

A atividade notarial de protesto está sujeita a diversos princípios, dentre eles, o da segurança jurídica formal dinâmica, da celeridade e da formalidade simplificada. Traduzem a ideia de que o serviço de protesto de títulos e documentos de dívida deve oferecer confiança de que o inadimplemento não será perpetuado, que as dívidas serão honradas. E esse procedimento é pautado pela necessidade de agilidade, de intensidade, de modo a acompanhar as mutações no universo negocial.

Nesse sentido, o estudo do prazo para a lavratura e registro do protesto se mostra relevante, posto que trata da principal função do Tabelião de Protesto, qual seja, a de certificar que certo fato ocorreu – a recusa do aceite ou o inadimplemento de certa obrigação -, com a insígnia da fé pública.

A interpretação do prazo descrito no art. 12 da Lei nº 9.492/97 – Lei dos Protestos – é tema que merece total atenção. Em jogo estão diversos postulados jurídicos: devido processo legal, amplo direito de defesa, contraditório, celeridade, defesa do crédito, segurança jurídica, boa-fé, eticidade, etc.

1.2.  objetivos

1.2.1.   Objetivo geral

O objetivo deste trabalho é contribuir na formação do Direito Notarial e Registral, no conhecimento da própria atividade notarial e registral. O fortalecimento dessas instituições passa pela existência de doutrina e jurisprudência própria. O Tabelião de Protesto é figura ainda pouco estudada nas faculdades de Direito.  

A elucidação da concepção do Notário e do Registrador como agentes públicos em colaboração com o Poder Publico, a quem foi atribuída a função de testificar e qualificar juridicamente as vontades das partes, sob o selo da fé pública, também é um dos objetivos deste trabalho.

1.2.2.   Objetivos específicos

- Apresentar a natureza jurídica das funções notariais e de registro no Brasil;

- Elucidar os princípios da atividade notarial e registral de Protesto;

- Investigar a interpretação mais jurídica do art. 12 da Lei nº 9.492/97;

 1.3. MetodologiA da pesquisa

O presente trabalho será bibliográfico, com base em consultas a livros, jurisprudência, Leis, e artigos da Internet sobre o tema.

A pesquisa bibliográfica será desenvolvida com base em doutrinadores dos diversos ramos do Direito, em especial a doutrina específica do jejuno Direito Notarial e Registral.

A internet desempenhará papel fundamental para o deslinde deste trabalho, especialmente considerando que a doutrina notarial e registral ainda não formou a edição de Livros em número satisfatório sobre a atividade do Tabelião de Protestos.


2. Atividade notarial e de registro

As atividades notariais e de registro estão previstas na Constituição Federal de 1988, no art. 236. Daí extrai-se a sua importância. O legislador, ao traçar as linhas do Estado Democrático de Direito, optou por alçar tais atividades à tema constitucionalmente relevante. Pode-se dizer, assim, que os serviços notariais e de registro compõem a estrutura constitucional do Brasil.  O constituinte optou por prever constitucionalmente tais atividades, elevando-as a conteúdo de norma constitucional. Assim, apenas outra norma constitucional tem o condão de alterar o regime previsto no art. 236.

Nesse momento, cabe a seguinte indagação: a norma contida no art. 236 é material ou formalmente constitucional? As normas materialmente constitucionais são aquelas que dispõem sobre a estrutura do Estado brasileiro, direitos políticos, cidadania, limites e atribuições dos poderes públicos, enquanto as formalmente constitucionais são aquelas que estão previstas no texto da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. A norma formalmente constitucional é alçada à Constituição por opção do constituinte, a fim de gozem do quórum mais elevado para a sua alteração. É uma forma de tornar estável o conteúdo do texto, por uma série de motivos (culturais, políticos, etc).

As atividades notariais e de registro não integram a estrutura da Administração Pública, mas são atividades próprias do Estado, visto a previsão constitucional da delegação do seu exercício. Quanto ao conteúdo da norma, acredito tratar-se de norma materialmente constitucional, dada a importância estrutural de tais atividades. A eficácia, a validade e a segurança jurídica dos atos e negócios jurídicos são de suma importância para a existência de um Estado Democrático. Os serviços notariais e de registro são os repositórios públicos das diversas informações que norteiam a vida em sociedade. O Estado Democrático Direito pressupõe a segurança jurídica. Os serviços de notas e de registro são os destinados a garantir a segurança dos atos e negócios jurídicos. Então, poderíamos dizer que tais atividades são essencialmente instrumentos de efetivação do Estado Democrático de Direito.

O art. 236 da Constituição dispõe sobre o regime jurídico aplicável às atividades notariais e de registro. E esse regime diz respeito ao exercício privado, à delegação a pessoas físicas pelo Poder Público, à remuneração dos particulares, à fiscalização do Poder Judiciário, à competência para estabelecer normas gerais sobre emolumentos, à forma de ingresso na atividade, e responsabilidades.

2.1.       DELEGAÇÃO A PARTICULARES

A Constituição definiu que o exercício das atividades de notas e de registro depende de delegação do Poder Público a particulares. Temos aí o instituto da delegação, que expõe a titularidade dos serviços ao Estado, por meio do Poder Público. O exercício privado não afasta a titularidade pública dos serviços. O Estado opta por conferir a particulares o exercício da função, que não deixa de ser pública. A opção pelo exercício particular se dá por diversos fatores: responsabilidade, agilidade na prestação, facilidade na contratação de prepostos, ausência de gastos públicos para o desempenho da atividade, etc.

O exercício deve recair sobre pessoas físicas, de forma que a Constituição previu o instituto da delegação. Querendo que tais atividades pudessem ser exercidas por pessoas jurídicas, deveria prever o instituto da concessão ou o da permissão. Além disso, os serviços de registro e de notas exigem, do prestador, conhecimento jurídico aprofundado. A qualificação notarial e registral demanda conhecimento dos diversos ramos do Direito, especialmente quanto às regras de Direito Privado. Uma pessoa jurídica não goza de um atributo típico dos seres humanos capazes: o discernimento prudencial.

É o que ensina Ricardo Dip:

“A complexidade da determinação negocial do direito, já se deixou dito, exige, para seu processo conformador e sua sinalização, o concurso, segundo o tipo romântico ou latino, de um jurista dotado de idôneos conhecimentos jurídicos e titular de um poder público de autenticação e efetividade probatória: isso se dá quando ao pacto celebrado com a auctoritas própria do jurista se junto uma bastante força publicizante, que é específica protestas de dação da fé pública.

Esse jurista especializado, o notário, não apenas se vocaciona, portanto, ao conhecimento de normas jurídicas tanto naturais – e, nelas, avultado o juízo da sindérese, como princípio da retidão de todas as proposições jurídicas retas -, quanto determinativas do agir humano. Além disso, também é chamado a conhecer a realidade a que se moldam essas normas, incluídas as circunstâncias que, quase infinitas em possibilidade, tenham relevância para a formação do ato prudencial e que se discernem pela experiência jurídica. Por fim, cabe ao notário atribuir ao actum (instrumentado em um dictum) validade e eficácia pública.

O discurso prático-jurídico ou, em acepção que se indica figurada, silogismo jurídico-prudencial (ou ainda normativo) exige, pois, ao lado da apreensão dos primeiros princípios, percepcionados, de modo imediato, pelo hábito da sindérese, e das normas concluídas pela ciência ética, o conhecimento das regras determinativas postas nos ordenamentos locais e, sobretudo, o conhecimento de toda realidade (com suas circunstâncias) em que é determinável (ou concretizável) o direito”. (DIP, Ricardo Henry Marques. Prudência Notarial. São Paulo: Quinta Editorial, 2012, pág. 89-90).

                                                                                

A qualificação notarial e de registro é a forma pela qual tais Oficiais impõem o juízo prudencial - notarial ou registral - sobre os atos e negócios jurídicos. É através deste procedimento que o conhecimento jurídico é impresso, exteriorizado pelo Oficial público. A adequação do ato ou negócio jurídico à legalidade é um dever do notário e do registrador.

2.2.       CONCURSO PÚBLICO

Nesse contexto, o serviço notarial e de registro depende de conhecimentos jurídicos. Daí extrai-se a necessidade de selecionar pessoas com habilitação técnica específica. O parágrafo 3º do art. 236 da Constituição exige concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade, seja na modalidade provimento, seja na remoção. A Constituição não faz distinção. O concurso de provas e títulos se aplica tanto ao provimento quanto à remoção, ao contrário do que é defendido por parte dos próprios notários e registradores, que defendem o concurso apenas por títulos para a remoção. Esse entendimento foi alinhavado com base no art. 16 da Lei nº 8.935/94, conhecida como Lei dos Notários e Registradores. Vejamos:

“Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou remoção, por mais de 6 (seis) meses”.

Confrontando os dispositivos em comento, chega-se à clara conclusão de que a lei ordinária regulou mais do que deveria. A Constituição é clara ao determinar a existência de concurso de provas e títulos para a remoção. O legislador ordinário agiu, no iter de regular a atividade, neste ponto, em flagrante inconstitucionalidade. Os concursos para o provimento das serventias notariais e de registro, independentemente da modalidade, devem conter provas, e não apenas uma fase de avaliação de títulos.

Como se não bastasse o argumento pela inconstitucionalidade do dispositivo, temos que o provimento de uma unidade extrajudicial sempre deve ser pautado pelo caráter jurídico do exercício da função. O conhecimento jurídico é essencial nessas atividades, como já foi dito. E como é de conhecimento notório, o Direito sofre constantes mutantes, especialmente a legislação, a jurisprudência e a doutrina. Disso resulta a necessidade de avaliação do conhecimento notarial e registral dos candidatos.

A fase de títulos é importante para a verificação do aperfeiçoamento e a evolução do candidato, mas não tem o condão de avaliar o quanto o mesmo apreendeu do Direito. É que o simples fato de possuir um título de Doutorado, por exemplo, não significa ser o candidato mais preparado. Presume-se, entretanto, que o mesmo aprofundou-se em certo tema jurídico. Necessária se faz, então, a efetiva verificação desse aprofundamento.

É o que ensina Luís Paulo Aliende Ribeiro:

“O conhecimento jurídico constitui-se, pois, como já afirmado anteriormente, no pressuposto do adequado desempenho da atividade jurídica outorgada aos delegados de notas e de registro, mostrando-se fundamental para a efetiva implantação, em todo o Brasil, do regime jurídico previsto na Constituição Federal, com o aperfeiçoamento e a possibilidade de mais ampla e responsável atuação jurídica do profissional do direito, aprovado em concurso público e encarregado das relevantes tarefas de artífice da fé pública. Esta, sem descuidar da organização interna da unidade de serviço cuja delegação é titular, da continuidade, modicidade e universalidade que devem informar sua atuação, deve satisfazer, também, as expectativas legítimas dos usuários, visando, assim, o fortalecimento institucional das funções notariais e de registro”. (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 67-68).

Aline Molinari confirma:

“...não poderia ser de outra forma, uma vez que a função registraria se fundamenta necessariamente na qualificação registral, que nada mais é do que um controle de legalidade feito pelo registrador, o qual decidirá, com imparcialidade e responsabilidade, quanto à inscrição ou não dos títulos que ingressam na serventia, tendo como fim a segurança jurídica”. (MOLINARI, Aline A. Manfrin. A Lei 8.935/94 e a qualificação registral. Algumas considerações. In: PÉREZ, Diego Selhane (Coord.). Títulos judiciais e o registro de imóveis. Rio de Janeiro: IRIB, 2005, págs. 119-119).

 A própria Lei nº 8.935/94 estatui serem os Notários e os Registradores profissionais do Direito.

Leonardo Brandelli também explícita a alta preparação jurídica exigida para o desempenho da atividade notarial:

“O notário é o profissional do direito, assim como o juiz, o promotor de justiça, o advogado e o oficial de registro, por exemplo. Desempenha mister jurídico, privativo dos que têm formação jurídica. Ao receberas partes com seus desígnios, deve o notário qualificar juridicamente sua vontade, erigindo o instrumento jurídico adequado. Essa qualificação jurídica desempenhada pelo notário é função jurídica técnica e complexa, típica dos profissionais do direito. É função relevante e profunda, que somente pode ser bem desempenhada por quem domine as ciências jurídicas”. (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2007, pág. 59-60).

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça, fazendo uso da prerrogativa e da competência atribuídas no art. 103-B da Constituição Federal, editou a Resolução nº 81, de 09 de junho de 2009. Fixou ato regulamentador dos concursos públicos para outorgada das delegações de Notas e de Registro. O art. 1º da Resolução foi claro e não possibilita outras interpretações: “Art. 1º. O ingresso, por provimento ou remoção, na titularidade dos serviços notariais e de registros declarados vagos, se dará por meio de concurso de provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário, nos termos do § 3º do art. 236 da Constituição Federal”.

2.3.       LEI Nº 8.935/94

O parágrafo 1º do art. 236 da Constituição Federal determina que cabe a lei regular as atividades, disciplinar a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos registradores e de seus prepostos, e definir a fiscalização dos atos pelo Poder Judiciário.

Essa lei foi sancionada em 18 de novembro de 1994, sob o nº 8.935, pelo então Presidente Itamar Franco. Trata-se, portanto, de norma geral sobre a atividade notarial e de registro, abordando todos os assuntos a que fez alusão o mencionado parágrafo 1º do art. 236. Por conta disso, a Lei nº 8.935/94 ficou conhecida como a Lei dos Cartórios.

Qualquer outra lei que dispuser de forma contrária ao disposto na Lei nº 8935/94 será tida como inconstitucional, por incompatibilidade com o regime constitucional. E o caso da responsabilidade civil dos notários e dos registradores.

O art. 22 da Lei nº 8935/94 dispõe sobre a responsabilidade civil, determinando o seguinte:

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.

Da leitura do mencionado dispositivo extrai-se que a responsabilidade extracontratual dos notários e dos registradores é objetiva, ou seja, independe da averiguação do dolo ou da culpa.

Fugindo dessa regra, a Lei nº 6015/73 e a Lei nº 9492/97 estipularam regas de aplicação da responsabilidade subjetiva. O art. 28 da Lei nº 6015/73 possui a seguinte redação:       

“Art. 28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro”.

A primeira Lei foi sancionada em 1973, muito antes da Lei geral dos Cartórios. Aplica-se, nesta hipótese, a regra de que a lei nova revoga a anterior, bem como a regra de que a norma especial deve estar compatibilizada com a norma geral.

Já a Lei nº 9.492/97 tratou de disciplinar a atividade dos Tabeliães de Protesto de Títulos. O art. 38 determinou que tais Oficiais respondam civilmente pelos atos praticados, mas sob a forma subjetiva de responsabilização. Vejamos:

“Art. 38. Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”.

Se não fosse o status de norma de caráter geral da Lei nº 8935/94, o art. 38 da Lei nº 9492/97 teria aplicação irrestrita aos Tabeliães de Protesto, mesmo que pudesse parecer inadequado, frente aos demais Oficiais públicos titulares do exercício das unidades extrajudiciais, que respondem objetivamente pelos danos causados. Não existem motivos que justifiquem o tratamento diferenciado de tais profissionais, porquanto todos são integrantes da mesma categoria de agentes públicos em colaboração com o Poder Público.

Luís Paulo Aliende Ribeiro:

“Também não prevalece a regra da Lei n. 9.492/97, porque, ao estabelecer de modo geral regra referente à responsabilidade extracontratual de todos os delegados de notas e de registros, a Lei n. 8.935/94, no seu artigo 22, cumpriu, de forma exaustiva, o comando expresso no § 1º do artigo 236 da Constituição Federal de 1988.

Consumada a atribuição dada ao legislador pelo constituinte com a opção legislativa por esse regramento geral e uniforme, comum aos delegados de todas as especialidades notariais e de registro, com este não se mostra compatível a posterior edição, parcelada e veiculada em leis editadas para regular os serviços de uma dada especialidade, de regras que possam se identificar como específicas e modifiquem, apenas para os delegados que exerçam tal especialidade, questões inerentes à própria delegação, objeto de privativa de definição na mencionada lei geral.

A regra que fixou definição de responsabilidade extracontratual distinta da prevista na Lei n. 8.935/94 apenas para os tabeliães de protestos, sem tratar dos tabeliães denotas e dos registradores, juridicamente iguais no que se refere à delegação, consta de lei que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e que não poderia tratar de matéria relativa à própria delegação de modo diverso do estabelecido na Lei n. 8.935/94, razão pela qual não se ajusta ao sistema e caracteriza flagrante ofensa ao princípio da igualdade”. (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 124-125).

Portanto, a responsabilidade dos Tabeliães de Protesto é objetiva, submetendo-se ao regramento normativo da Lei nº 8935/94.

Convém aqui apenas indicar a existência de tese em que se defende a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva aos Notários e Registradores por meio da incidência do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

Data venia, apesar dos argumentos fortes utilizados por seus defensores, o § 6º se aplica apenas às pessoas jurídicas de direito público e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Os defensores dessa tese entendem que o constituinte se referiu às pessoas jurídicas de direito público, e às pessoas de direito privado, não trazendo exceção quanto as pessoas de direito privado, se jurídicas ou se físicas. Em verdade, não se pode concluir dessa forma, visto que a redação da Constituição foi clara ao referir-se apenas às pessoas jurídicas.

Assim, o argumento da aplicação da teoria do risco administrativo consubstanciada no mencionado § 6º não merece prosperar (quanto os prestadores de serviços notariais e de registro).

2.4.       REMUNERAÇÃO DOS OFICIAIS

Os Oficiais públicos titulares da delegação do serviço extrajudicial gozam do direito à remuneração. E a regra está prevista na Constituição de 1988.

O § 2º do art. 236 disciplinou que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”. Assim, expressamente, a Lei a referida terá caráter de norma geral, como ocorreu em relação à Lei nº 8.935/94 e o § 1º do mesmo art. 236.

Nesse sentido, a Lei nº 10.167, de 29 de novembro de 2000, regulamenta a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados nos serviços notariais e de registro.

O art. 1º determina que a competência para fixar emolumentos é dos Estados. Uma das características dos emolumentos, então, é a submissão ao império da Lei, do princípio da legalidade. O art. 2º confirma essa posição.

O art. 5º impõe outra caraterística dos emolumentos:

“Art. 5º. Quando for o caso, o valor dos emolumentos poderá sofrer reajuste, publicando-se as respectivas tabelas, até o último dia do ano, observado o princípio da anterioridade”.

A Lei nº 10167/2000 é clara em apontar a incidência do princípio da anterioridade, mesmo na hipótese de simples reajuste das respectivas tabelas. Entende-se, apesar disso, que a atualização monetária não se submete ao princípio da legalidade e da anterioridade, visto que tem o condão de repor as perdas monetárias decorrentes do processo de inflação ocorrido em determinado período.

A natureza tributária dos emolumentos já é assente na jurisprudência nacional.

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento nesse sentido. Vejamos:

Custas e emolumentos. Natureza jurídica. Necessidade de lei para sua instituição ou aumento. O STF já firmou o entendimento, sob a vigência da emenda constitucional n. 1/69, de que as custas e os emolumentos tem a natureza de taxas, razão por que só podem ser fixadas em lei, dado o princípio constitucional da reserva legal para a instituição ou aumento de tributo. Regras não recepcionadas pela emenda constitucional n. 1/69, o que implica dizer que estão elas revogadas. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF → RE 116.208-MG, Minas Gerais, j. 20.4.1990, DJ de 8.6.1990, Pleno, rel. min Moreira Alves).

Emolumentos – natureza jurídica – taxa – poder de polícia. Já ao tempo da EC 1/69, o STF firmou entendimento no sentido de que “as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais”, por não serem preços públicos, “mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade. Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição de 1988. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. (STF → ADI 1444-PR, Paraná, j. 12.2.2003, DJ de 11.4.2003, pleno, rel. min. Sidney Sanches).

A natureza jurídica dos emolumentos é de taxa. Os princípios constitucionais inerentes aos tributos desta espécie são aplicáveis também aos emolumentos. Aí enquadram-se a legalidade, a anterioridade e a “noventena”, ou anterioridade nonagesimal.

A natureza tributária dos emolumentos também se afirma no sentido de que os Oficiais públicos não podem conceder descontos aos usuários, de forma que os tributos são devidos em sua integralidade, ou seja, conforme previstos na Lei. Isso também ocorre com relação aos “descontos”, que podem ser interpretados como isenções ou reduções, o que somente é cabível por Lei.

É o que defende Luiz Guilherme Loureiro:

“Como se trata de um tributo, apenas pode ser criado ou aumentado por lei, observados os princípios da anterioridade e da noventena. A simples atualização monetária do valor da taxa não exige lei específica, por não haver, nesta hipótese, aumento de tributo. Pela mesma razão, não pode o notário ou registrador cobrar valor inferior ou superior daquele previsto em lei, tampouco “abrir mão” da cobrança, uma vez que apenas a lei pode conceder isenção ou postergar o momento do recolhimento do tributo”. (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos:  teoria e prática. – 3ª ed. – Rio de Janeiro : Forense: São Paulo : MÉTODO, 2012, pág. 14).

Ainda, importante ressaltar outro ponto. O art. 28 da Lei nº 8935/94 impõe que os Oficiais públicos terão direito aos emolumentos integrais. E o que significa serem integrais os emolumentos? Qual é o alcance desta norma?

A percepção de uma remuneração pelo exercício da atividade notarial e de registro é um direito assentado. E isso decorre do exercício de qualquer atividade profissional, excetuando-se aquelas voluntárias e tidas como beneficentes. Não precisamos aqui discorrer sobre a fonte e o pressuposto filosófico da remuneração.

O legislador pátrio atribui aos Notários e aos Registrados o direito à remuneração, por meio da instituição de emolumentos. Este tributo – da espécie taxa – constitui verdadeira forma de contraprestação pelo serviço realizado.

A norma do art. 28 da Lei dos Cartórios é peculiar. Determina que os Oficiais não tenham direito apenas aos emolumentos. Na redação do mencionado artigo a palavra emolumentos vem acompanhada do vocábulo integrais. O legislador foi enfático ao conferir o direito aos emolumentos integrais. Como é de conhecimento dos operadores do direito, o legislador não lança palavras sem sentido.

Nesse sentido, entendo que o valor estipulado a título de emolumentos deve ser destinado, integralmente, ao Oficial. Nenhum desconto pode ser feito. Convém aqui lembrar a possibilidade da cobrança de taxa pelo exercício do poder de polícia sobre tais atividades.

O Estado preferiu delegar o exercício das atividades de notas e de registro a particulares, quando poderia o fazer pessoalmente e perceber os emolumentos devidos. No entanto, o constituinte optou por transferir tal responsabilidade, conservando para si o dever-direito de fiscalizar o cumprimento de diversos deveres inerentes à atividade. O poder de policia da atividade fiscalizatória do Estado reside justamente nesta fiscalização. O Estado, com isso, pode cobrar um determinado valor para fazer frente a essa atividade de polícia.

Entendo, diante do levantado, que a cobrança da taxa pelo exercício efetivo ou potencial do poder de polícia deve respeitar a regra insculpida no art. 28 da Lei nº 8935/94, não incorrendo em redução ou pagamento parcial do valor dos emolumentos. A taxa devida ao Estado deve ser incidir sobre os emolumentos, e não ser retirado ou “descontado” destes. Além disso, a cobrança de taxa pelo exercício do poder de polícia não pode ocorrer inserida no valor devido a título de emolumentos, posto que seria cobrança de taxa sobre taxa, o que é vedado pelo ordenamento constitucional brasileiro.


3.            PROTESTO DE TÍTULOS

O Protesto é o ato pelo qual se comprova, oficialmente, que uma obrigação foi descumprida ou não aceita. O art. 1º da Lei nº 9492/97 conceitua o protesto como sendo o “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

Vicente de Abreu Amadei melhor define a finalidade do protesto ao referir que este tem o condão de provar uma “situação cambiária insatisfeita”. (AMADEI, Vicente Abreu. DIP, Ricardo (coordenador) et al. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Porto Alegre: Fabris Editor IRIB, 2004, pag. 75).

O serviço de protesto de títulos é prestado pelo Tabelião de Protesto. A Lei nº 8935/94, em seu art. 5º, assim nomeia este profissional. Enquadra a atividade de protesto dentro daquelas típicas dos notários. O ato do protesto é o que sedimenta um procedimento, voltado à obtenção de um resultado: provar a insatisfação de uma situação cambiária.

O ato do protesto é, portanto, notarial, no sentido de que lança em notas o acontecido, o presenciado, e certifica que aquilo ocorreu. Não há um juízo de qualificação meramente documental. O Tabelião de Protestos verifica o título apresentado, se contém algum vício. Em não havendo algo que impeça o procedimento do protesto, o Tabelião diligenciará a intimação do devedor (não abordaremos aqui a questão do aceite, nas Letras de Câmbio, que hoje quase estão fadadas ao completo desuso). Aguarda-se a conduta do intimado para, após, caso o mesmo não se prontifique a cumprir a obrigação, “tirar-se” o protesto.

Essa série de situações que ocorrem durante o procedimento confirma a natureza notarial do protesto. As atividades mencionadas nos incisos I e III do art. 6º da Lei nº 8935/94 são exercidas pelo Tabelião de Protesto. Formalizam juridicamente a vontade das partes, no sentido de que testificam a insatisfação da situação cambiária ou em forma similar às cambiárias.  Autenticam fatos, de forma a certificar que o devedor deixou de agir.

Entretanto, isso não afasta o enquadramento do Protesto como um ato de registro. É que o Tabelião de Protesto lança o teor do protesto em seu Livro, procedendo a verdadeiro assentamento registrário.

Vicente de Abreu Amadei discorre sobre isso:

“Por fim, sob o ângulo do direito notarial e registrário apresenta-se intrincada questão, ou seja, saber se o ato oficial extrajudicial do protesto é notarial, de registro ou misto:

a)           segundo a tradição do instituto é ato notarial (daí até a denominação “Tabelião de Protesto” – não “Oficial Registrador”), porque o Tabelião é terceiro (testemunha qualificada) em condições de testificar (comprovar), com o sinal da fé pública, o protesto que o portador do título (o primeiro) faz em relação ao devedor (o segundo); assim, o Tabelião viabiliza, testifica e instrumenta publicamente o protesto e, neste sentido, pela tradição do instituto, é ato notarial;

b)           todavia, a Lei 9.492/97 também o qualifica como ato de registro (daí a denominada de Livro de Registro de Protesto), porque cabe ao Tabelião registrar (inscrever) o fato do protesto para proclamar publicamente a nova situação jurídica do título: título protestado;

c)           assim, como cabe ao Tabelião de Protesto essa dupla função – dar forma escrita e pública ao protesto, instrumentando-o, bem como inscrevê-lo para proclamar publicamente a nova situação jurídica do título -, a natureza do protesto, em meu ver, é mista: notarial e registral”. (AMADEI, Vicente Abreu. DIP, Ricardo (coordenador) et al. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Porto Alegre: Fabris Editor IRIB, 2004, pag. 89).

E o protesto pode ser visto com a função única de testificar a inércia do devedor. Modernamente, o protesto é um meio de coerção. O credor provoca o Tabelião de Protesto com o intuito de coagir, licitamente, o devedor a cumprir a obrigação. A finalidade do serviço de protesto de títulos é, também, o de satisfazer o crédito. Se o devedor não honrar a obrigação no tríduo legal, terá contra si lavrado termo de Protesto, o qual poderá ser informado a entidades de proteção ao crédito, restringindo a liberdade contratual do devedor.

Sérgio Luiz José Bueno afirma:

“Assim, a atividade dos Tabeliães de Protesto vai muito além da simples testificação da falta de pagamento, aceite ou devolução do título ou documento de dívida. Nos dias de hoje, os citados Profissionais do Direito, por meio de procedimento legal e oficial, testificam também o cumprimento de obrigações e é preciso dizer, mesmo sem rigor estatístico, que cerca de metade dos apontamentos resulta em pagamentos, propiciando aos credores a satisfação de seus créditos. Se não tivesse o credor a faculdade de valer-se do Tabelionato de Protesto, fatalmente o litígio aportaria em um de nossos tribunais, já de há muito assoberbados, e o credor legítimo aguardaria por meses ou anos pelo pagamento que no Tabelionato poderia ocorrer em poucos dias.

É essencial que não tenhamos uma visão distorcida do protesto como instituto jurídico, como tem sido lançado equivocadamente mesmo em algumas decisões pretorianas. O procedimento que pode resultar no protesto não é apenas um meio de coerção para obtenção do pagamento pelo devedor. É muito mais que isso, mesmo nos casos de protesto facultativo. É, sim, uma forma rápida e segura de composição e prevenção de litígios, sem passar por manobrar meramente protelatórias que insegurança e revolta trazem aos bons pagadores. Não é um castigo ao mau pagador, mas um caminho jurídico legítimo e eficaz para o credor, com o desafogo do Poder Judiciário”. (BUENO, Sérgio Luiz José. O protesto de títulos e outros documentos de dívida : aspectos práticos. – Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2011, pág. 23)

A finidade do protesto é, portanto, dúplice: constituir prova oficial da inércia de alguém, e de coagir o devedor a pagar, sob pena de sofrer restrições diversas.

3.1.       RESPONSABILIDADE CIVIL

Quanto à responsabilidade civil dos Tabeliães de Protesto, remeto as considerações feitas quando da análise do item 2.3 deste trabalho monográfico. Em síntese, entendo inaplicável o art. 38 da Lei nº 9.492/97 (que impõe a responsabilidade subjetiva), mesmo que somente restrita aos Tabeliães de Protesto. A Lei nº 8935/94, de caráter geral, regulou a matéria no art. 22, impondo a todos os Notários e Registradores a responsabilização objetiva. Não poderia o legislador regular a matéria de forma diversa, justamente porque o fundamento da Lei nº 8935/94 é o parágrafo 1º do art. 236 da Constituição Federal. Somente uma Lei pode ter caráter geral para regular a atividade notarial e registral, disciplinando a responsabilidade civil e criminal dos mesmos.

O entendimento acima confronta com parte da doutrina. Sérgio Luiz José Bueno é um dos que defendem a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva aos Tabeliães de Protesto. Comentando o art. 38, Sérgio Bueno expõe:

“O artigo em comento estabelece a responsabilidade civil subjetiva ao Tabelião de Protesto, ou seja, sua responsabilização depende da demonstração de que agiu com dolo ou culpa. Descabida se mostra a imputação de responsabilidade objeti/va, tal como se dá com o art. 22 da Lei nº 8.935/94.

A propósito, tendo em vista que a Lei 9.492/97 é posterior àquela a que nos referimos, tem-se que vige para os Tabeliães de Protesto a responsabilidade subjetiva estabelecida na lei mais nova.

Note-se que o Tabelião de Protesto responde pelos atos de seus prepostos, desde que se demostre que em relação a eles agiu com imprudência, imperícia ou negligência. É o que se dá, no caso de culpa in eligendo e in vigilando”. (BUENO, Sérgio Luiz José. O protesto de títulos e outros documentos de dívida : aspectos práticos. – Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2011, pág. 187).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já reconheceu a responsabilidade civil objetiva dos Tabeliães, aplicando o art. 22 da Lei nº 8935/94:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. PREJUÍZOS DECORRENTES DA INDEVIDA AVERBAÇÃO PELO REGISTRO IMOBILIÁRIO. QUESTÃO ANALISADA EM PROCEDIMENTO DE DÚVIDA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ADEQUADAMENTE FIXADOS. SENTENÇA MANTIDA.

O tabelião responde objetivamente pelos atos praticados no exercício de sua serventia. Inteligência do artigo 22 da Lei 8.935/94.

Para que seja reconhecida a responsabilidade pela falha na prestação do serviço, é indispensável a prova do dano e, ainda, do nexo causal.

Os prejuízos sofridos pelo autor decorrem de ato praticado pelo Registro Imobiliário, quando da averbação indevida da escritura pública, circunstância que também foi apurada em procedimento de dúvida. Indenização indevida.

Honorários sucumbenciais fixados em conformidade com os ditames contidos no artigo 20, §§ 3º e 4, do CPC. Sentença mantida...228.935

(70044705960 RS , Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Data de Julgamento: 29/02/2012, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/03/2012)

3.2.       PRINCÍPIOS

O serviço de protesto de títulos está sujeito a regras, normas e princípios. Estes últimos norteiam a edição das regras, a criação de normas e a interpretação de ambos.

Vicente de Abreu Amadei divide os princípios aplicáveis à atividade notarial de protesto em 3 (três) grupos: os institucionais, os finalísticos, e os específicos do protesto de títulos. Tratou de dividir ainda os princípios específicos em dois subgrupos: aqueles de ordem finalística, que regulam o protesto como ato jurídico, e aqueles de ordem operacional, que vislumbram o protesto como procedimento notarial-registral.

Quanto aos princípios institucionais, entende-se que se aplicam, em geral, aos serviços de notas e de registro, os princípios que regem o regime jurídico administrativo. São eles os elencados no art. 37 da Constituição, especialmente a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Ainda, o da continuidade do serviço público e o da fiscalização pelo Poder Judiciário (art. 236 da Constituição).

No segundo grupo, constam os princípios finalísticos que, evidentemente, dizem respeito aos fins do protesto. São dois os princípios: o da segurança jurídica formal e o da publicidade.

O princípio da segurança jurídica é inerente a todas as atividades de notas e de registros, e constitui pressuposto de existência desses serviços. As serventias extrajudiciais são os braços do Estado que tem em sua matriz fundamental a busca da segurança jurídica. Deste princípio decorre o atributo que confere aos serviços notariais e registrais a característica de certeza: a fé pública. São os chamados dignos de fé, a que fez alusão Demócrito de Abdera.

Quanto ao princípio da segurança jurídica formal, Vicente de Abreu Amadei o divide em dois modos: estaticamente e dinamicamente. Assim, expõe o doutrinador:

“Esse princípio maior das Notas e dos Registros, que é o de segurança jurídica formal, particulariza-se no serviço de protesto de títulos de dois modos:

a)           estaticamente, conferindo, concreta e formalmente, certeza jurídica (por presunção relativa) às situações cambiárias não satisfeitas de cada título protestado;

b)           dinamicamente, na medida em que projeta confiança na vida comercial (especialmente na proteção ao crédito), quer infundindo esperança de que os títulos inadimplidos venham a ser satisfeitos com rapidez, quer atuando como veículo de informação de protestos tirados, em favor dos adquirentes de boa-fé, para os negócios jurídicos futuros.

Publicidade é, nas Notas e Registros, o meio (instrumento) pelo qual se atinge a segurança jurídica estática e dinâmica e, por isso, enquanto esta (segurança jurídica) é a razão última deles, a publicidade é a razão próxima: Notas e Registros existem para a publicidade (e daí para a segurança jurídica), e, por isso é que o ato notarial e o ato de Registro se qualificam como “públicos” (não como “seguros”)”. (AMADEI, Vicente Abreu. DIP, Ricardo (coordenador) et al. Introdução ao Direito Notarial e Registral. Porto Alegre: Fabris Editor IRIB, 2004, pag. 100-101).

A publicidade notarial (dos Tabeliães de Protesto) difere da publicidade estudada em Direito Administrativo. Enquanto nesta há a imposição ao administrador público de agir com transparência, lisura, ética, de garantir acesso às informações de interesse coletivo. A publicidade notarial, no entanto, visa o interesse privado, particular. A publicidade notarial confere notoriedade ao ato jurídico, conferindo eficácia, produzindo efeitos na esfera jurídica das partes. A fé pública é marca da publicidade notarial, que garante a autenticidade e a presunção de veracidade ao ato.

Os princípios específicos do protesto são o da oficialidade, da insubstitutividade, da unitariedade, da rogação, da celeridade, e da formalidade simplificada. Os três primeiros dizem respeito à ordem finalística do protesto, enquanto os três últimos tratam do protesto como procedimento.

A oficialidade traduz a noção de que o protesto é um ato oficial, realizado por uma pessoa dotada de atributos peculiares, qual seja, de conferir autenticidade e presunção de veracidade a um ato ou fato.

A insubstitutividade do protesto denota a necessidade do protesto como meio indispensável de prova. Não há outra forma supressão do protesto. O protesto de título não pode ser substituto por qualquer testemunho, documento ou ato.

Pelo princípio da unitariedade entende-se que o protesto é ato único. O que está sendo protestado é o título, a falta de pagamento ou a falta de aceite, e não a pessoa que consta no título.

O princípio da rogação, também conhecido por instância, reza que o Tabelião de Protesto somente pode iniciar o procedimento do protesto mediante requerimento formal do interessado, pessoalmente ou por procurador.

Os princípios da celeridade e da formalidade simplificada implicam na ideia de que o procedimento do protesto deve ser norteado pela rapidez. As relações empresariais e negociais exigem que a satisfação da obrigação ocorra de maneira dinâmica. O protesto é o procedimento que visa garantir efetividade ao direito de crédito.

A demora na tirada do protesto pode acarretar prejuízos desnecessários ao credor. Os prazos do protesto traduzem a inserção desses princípios: 24 (vinte e quatro) horas para protocolização dos títulos apresentados e 3 (três) dias úteis para a lavratura do protesto.

Ainda, é possível levantar, no contexto do princípio da formalidade simplificada, o exemplo da intimação do devedor para pagar no tríduo legal. Conforme dicção do art. 14 da Lei nº 9.492/97, a intimação do protesto não precisa ser feita pessoalmente ao devedor, sendo considerada válida se entregue no endereço indicado pelo credor, assumindo este a responsabilidade pela veracidade da informação.

3.3.       TERRITORIALIDADE

O Tabelionato de Protesto está sujeito ao princípio da territorialidade. A Lei nº 9492/97, no art. 6º, apenas se refere ao local do protesto quando trata dos cheques, que deverá ser levado a protesto no Tabelionato da local da praça de pagamento ou do domicílio do devedor.

As regras de competência dos serviços de protesto levam em consideração as leis esparsas, que tratam dos títulos de crédito em espécie. Geralmente, a praça de pagamento indicada no título determina o serviço competente para a tirada do protesto.

Importante salientar que, em regra, a territorialidade do protesto é definida pela unidade da comarca. As normas estaduais é que definem com clareza a divisão dos serviços de protesto, podendo haver mais de um Tabelionato na mesma localidade. Nesta hipótese, faz-se necessária a instalação de serviço de distribuição de títulos, conforme diretriz do art. 7º da Lei de Protesto.

3.4.       TÍTULOS PROTESTÁVEIS

A noção clássica do protesto de títulos se funda na ideia de títulos de créditos. A origem do instituto do protesto está diretamente ligada ao conceito desses títulos, em especial ao da Letra de Câmbio, que caracteriza-se por seu o título cambiário mais tradicional.

A Lei nº 9492/97 inovou ao introduzir a possibilidade de protesto de outros documentos de dívida. O conceito de documentos de dívida é amplo, e muito tem se discutido sobre isso.

O art. 1º da mencionada Lei possui a seguinte redação:

“Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

 

A Lei de Protesto regulou o protesto, e o estendeu a duas possibilidades: títulos e documentos de dívida. Títulos de dívida são os conhecidos títulos de crédito clássicos, letra de cambio, cheque, duplicata, nota promissória, cédulas, etc.

Há ainda os documentos de dívida. A interpretação dada no Estado de São Paulo é a sedimentada no Parecer nº 076/05-E, da Corregedoria Geral da Justiça, lançada pelo MM. Juiz José Antônio de Paulo Santos Neto, no bojo do Processo CG 864/2004:

“PROTESTO DE TÍTULOS E OUTROS DOCUMENTOS DE DÍVIDA – Alcance desta terminologia – Inteligência da Lei nº 9.492/97 à luz do hodierno ordenamento jurídico – Possibilidade de protesto dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais – Atributos de liquidez, certeza e exigibilidade – Caráter normativo – Inclusão do contrato de locação de veículo desde que ajustado ao inciso II do art. 585 do Código de Processo Civil”.

Nesse sentido, todos os documentos que gozem dos atributos de liquidez, certeza e exigibilidade podem ser admitidos a protesto, especialmente os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, dispostos nos artigos 475-N e 585 do Código de Processo Civil.

Sílvio de Salvo Venosa comenta a mudança de visão e de interpretação dos serviços de protestos:

“A Lei nº 9.492/97, ao ampliar as possibilidades de protesto a outras modalidades de obrigações, insere-se nesse desiderato, qual seja, instrumentalizar o credor mais uma ferramenta para que seu crédito seja adimplido. A posição da lei não é nova, pois o Código Civil de 2002 enfatiza a função social do contrato (art. 421) e os princípios de probidade e boa-fé (art. 422). Aliás, o princípio da boa-fé objetiva é norteador de todo direito obrigacional no diploma civil, e a jurisprudência já o aplica amplamente. A nova lei de protestos insere-se nesse ordenamento. A matéria não é nova na legislação, pois os processualistas já se adiantaram e, na última década do século XX, introduziram importantes modificações no CPC, em prol do sentido social no cumprimento das obrigações, dando nova feição à execução específica e autorizando a tutela antecipada.

(...)

Destarte, não há surpresas nem necessidade de maiores investigações para buscar a ratio essendi da inovação da lei que permite o protesto extrajudicial de outros documentos de dívida, fora do âmbito dos títulos cambiários. A tendência é de ser ampliado o universo de documentos representativos de créditos, sujeitos a protesto”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial / Sílvio de Salvo Venosa, Cláudia Rodrigues. 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2010, pág. 263-264).

Recentemente, houve inclusão do parágrafo único no citado art. 1º da Lei nº 9492/97. Por meio dessa adição, “as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas” são documentos sujeitos ao protesto. A Lei nº 12767/2012, que determinou a inclusão do paragrafo único, veio em boa hora, em virtude das constantes discussões doutrinárias e também jurisprudenciais sobre o tema.

A protestabilidade das certidões de dívida ativa é objeto de inúmeros questionamentos. Um deles emana do MM. Desembargador Milton Nobre:

“Anoto que, não obstante os bons propósitos que podem mover os defensores da validade do protesto das CDAs, como meio de receber o montante elevadíssimo de dívida ativa não paga de fato existente no Brasil, e mesmo o protesto de sentenças transitadas em julgado que versem sobre o pagamento, em especial de dívidas líquidas de natureza alimentar ou trabalhista, no meu modo de ver, essas práticas, ainda que possam vir a ser consagradas em lei, o que não duvido possa acontecer com a atual relativização dos conceitos jurídicos e o predomínio de um conhecimento norteado pelo pragmatismo, ao mesmo tempo tão imediatista quanto pouco responsável, serão sempre destituídas de fundamento ético que as legitime juridicamente, uma vez que desfavorecem o equilíbrio entre as partes com riscos de prejuízo para os notoriamente mais fracos, ou sejam, no caso das CDAs, os contribuintes e, no daquelas sentenças, o alimentante ou o trabalhador, pois na hipótese destas, como antes sublinhado, sendo o apontamento feito sob responsabilidade destes, poderão vir a pagar as despesas cartoriais e até a responder por dano”. (NOBRE, Milton Augusto de Brito. Protesto das CDAs: mutação ou deformação no protesto de títulos. In Revista do Ministério Público do Estado do Pará. Belém: Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, ano 5, vol.1, 2010, p. 145).

Os que defendem a impossibilidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa argumentam que tais documentos possuem natureza oficial, com presunção de veracidade. O protesto, portanto, não conferirá publicidade, ou certeza quanto a inércia do devedor, posto que a CDA é emitida em razão da comprada inadimplência do devedor. O protesto seria desvirtuado, passando apenas ao condão de compelir o devedor a pagar, sob pena de restrição à liberdade contratual, com a possível incluir do nome do devedor nos bancos de restrição ao crédito.

Apesar dos argumentos desfavoráveis, é plenamente possível o protesto das Certidões de Dívida Ativa, especialmente considerada a existência de permissivo legal. Além disso, o protesto das CDAs deve ser visto também sob o princípio da segurança jurídica dinâmica, a qual visa garantir confiança ao meio negocial, de que as dívidas serão adimplidas, que as obrigações serão honradas no prazo adequado.

O protesto é o meio idôneo e oficial para tal intento. Outro atributo importante nessa problemática é a condição de imparcialidade do Tabelião de Protesto. A Certidão de Dívida Ativa é emitida após um procedimento feito pelo próprio credor da dívida, em termos gerais. A execução da dívida possui instrumento processual próprio, mas não tão célere quanto o praticado nos Tabelionatos de Protesto. O procedimento do protesto garante uma tentativa a mais para satisfazer a obrigação inadimplida. Aí está inserido o interesse não só do ente credor, mas da sociedade, que almeja seja o crédito satisfeito. O Tabelião de Protesto é agente imparcial, que não participou do procedimento administrativo voltado a instrumentalizar a CDA, e por conta disso legitimará a cobrança da dívida.

O procedimento do protesto se traduz em um meio célere e simplificado para coagir o devedor a satisfazer a obrigação, quitando a dívida, e evitando assim a inauguração de um processo contencioso.


4. MOMENTO DA LAVRATURA DO PROTESTO

Chegamos, então, ao tema central deste trabalho monográfico, após serem lançadas algumas colocações sobre a natureza jurídica do protesto de títulos, e outras peculiaridades.

Começaremos a analisar a questão sobre o prisma legal. O art. 12 da Lei nº 9.492/97 reza o seguinte:

 

“Art. 12. O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do título ou documento de dívida.

§ 1º Na contagem do prazo a que se refere o caput exclui-se o dia da protocolização e inclui-se o do vencimento.

§ 2º Considera-se não útil o dia em que não houver expediente bancário para o público ou aquele em que este não obedecer ao horário normal”.

A interpretação literal do dispositivo indica que o protesto deverá ser lançado no Livro de Registro de Protestos dentro de 3 (três) dias úteis contados da protocolização do título no Livro de Apontamento de títulos. E a protocolização do título ocorrerá em, no máximo, 24 (vinte e quatro) horas da apresentação do título perante o Tabelionato, conforme prevê o art. 5º da Lei de Protestos.

O procedimento do protesto concebido pela Lei nº 9492/97 coaduna com os dois princípios específicos do protesto, sob o enfoque de ordem procedimental. A celeridade e a formalidade simplificada dão sustentação ao prazo reduzido.

A questão que se firma é a de que parte da doutrina e da jurisprudência defendem uma interpretação contra legem. Entendem que o prazo deve ser contado da data em que ocorreu a intimação do devedor, e não da protocolização do título.

Os defensores dessa tese levantam o argumento de que se o prazo for contado da protocolização do título, o devedor terá pouquíssimo tempo para cumprir a obrigação, ou buscar judicialmente meios para sustar o protesto. Levantam o argumento constitucional do devido processo legal e o direito de defesa do devedor.

Em artigo intitulado “Análise Jurídico Constitucional da Aplicabilidade do Tríduo da Lei 9492/97: Uma Análise sob o Ponto de vista dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da ampla defesa”, Anderson José Collares de Souza comenta o citado art. 12:

“Este artigo quer dizer, que no período compreendido entre a protocolização e o último dia do vencimento, ou seja, dentro do tríduo legal, o protesto será registrado, a não ser que o título seja pago ou retirado, ou o protesto sustado judicialmente.

Diante disto, se considerar apenas este artigo, o prazo começará a correr do momento da protocolização do documento, (momento em que o “devedor” ainda não foi intimado), terminando no terceiro dia útil subsequente. Decorrido o tríduo lega e não ocorrendo nenhuma das hipóteses, o Tabelião registrará o protesto, cabendo ao sacado responder pelas consequências.

Mas, considerando-se que o devedor foi regularmente intimado, como deverá ser contado esse prazo para se registrar o protesto ou tomar medidas contra esse registro?

A doutrina já se tornou pacífica em reconhecer esse erro da lei e entender que o prazo só poderá começar a ser contado de quando ficar comprovada a entrega da intimação no endereço do responsável, posição que nos parece correta. Segundo João roberto Parizatto, “A nosso ver, tal prazo, que constará obrigatoriamente da intimação, deverá ser de três dias úteis, contados da intimação, como praxe já adotada pelos Tabelionatos de protesto”. (João Roberto Parizatto: São Paulo: Saraiva, 2002: p. 44).

Nota-se que a existência de tal norma além de contrariar  a “vontade do legislador” consegue adeptos do Direito Positivo, os formalistas, que seguem rigorosamente o posicionamento do que está escrito no artigo; fazem interpretação positivista que afeta a eficácia do registro do protesto, acarretando um tipo de inconformismo legal”. (texto disponível no link http://www.anoregms.org.br/index.php?p=detalhe_noticia&id=1175. Acesso em 14/01/2013, às 23:40).

Em Encontro Regional realizado em Uberlândia, em maio de 2007, Hermínia Bráulio reforçou o entendimento de que a interpretação literal do art. 12 pode acarretar infringência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, consubstanciados no inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (apresentação disponível no link http://www.serjus.com.br/encontros/uberlandia_2007/encontro_regional_uberlandia_maio_2007_palestra_dra_herminia.pdf. Acesso em 14/01/2014, às 23:45).

O inciso I do art. 536 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Pernambuco dispõe que “Art. 536. O protesto será lavrado: I – dentro de 3 (três) dias úteis, a contar da data da intimação do devedor”. Já o art. 181 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Ceará confirma que o prazo é contado da data da protocolização do título no Tabelionato de Protesto. Em São Paulo também vigora tal entendimento, conforme prevê o item 12, da seção IV, do Capítulo XV, do Tomo II, das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais. O art. 625, alínea “a” do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão também utilizada o critério legal – da protocolização do título como início do tríduo legal. O art. 987 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro também faz uso da opção legal, ou seja, que o prazo é contado da data da protocolização.

O protesto deve ser interpretado como uma forma de garantir ao credor a satisfação do crédito. É um instituto em favor do credor – pró-credor. O direito pátrio é pautado pela função social. Pois bem, a tendência inicial é de que, quando se fala em função social dos contratos, ou mesmo do Direito, é garantir o dialogo, o consenso, a comunhão, a composição. E nesse sentido acabam os juristas a criar formas de estabelecer contraditório, mesmo que em certas situações não seja adequado, razoável e proporcional.

O Direito empresarial moderno foi concebido dentro desse universo de relações se completando a cada instante. Os negócios jurídicos exigem que os instrumentos jurídicos acompanhem essa enorme gama de situações. É de interesse de todos que as obrigações sejam cumpridas conforme o estabelecido. Somente uma pessoa poderia, hipoteticamente, não querer o adimplemento da obrigação: o devedor. E digo isso mesmo ciente da teoria da boa-fé objetiva. Não podemos esquecer que todas as relações jurídicas são permeadas por conceitos genéricos, mas de aplicação universal. A boa-fé objetiva e a função social são duas delas.

Miguel Reale nos ensina:

“O que aqui se critica é o exclusivismo jurídico dominante na visão positivista do Direito, que se contenta com princípios e regras de caráter empírico ou factual.

A vida do Direito não se reduz a uma sucessão de fatos desvinculados dos valores que lhes dão sentido e significado, de cuja correlação dialética emerge a regula iuris.

Daí a orientação assumida pelos autores do Anteprojeto do Código Civil, sistematizado e publicado em 1972, o qual, devidamente revisto culminou no Projeto de 1975, enviado ao Congresso Nacional, nele já apresentada a eticidade, cuja raiz é a boa-fé, como um dos princípios diretores que o distinguem do individualismo do Código revogado de 1916.

O resultado da compreensão superadora da posição positivista foi a preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juízes.

É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº  113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o Art. 422 que determina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências.

Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial”. (Disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm, com acesso em 14/01/2013, às 23:50).

O Protesto está inserido neste contexto, e assim deve ser interpretado. O sistema jurídico foi concebido justamente para que o protesto possa garantir a liquidez das obrigações. Hodiernamente, o protesto é mais um meio de coerção do que um meio de constituição de prova. E o sucesso do protesto é a sua característica de oficialidade, que nenhum outro ente pode conferir. Um agente público imparcial, que dá caráter de certeza de que o devedor não adimpliu quando instado a fazê-lo.

O Direito deixou a visão do núcleo indivíduo. O coletivo, e o resultado das relações jurídicas é o foco.

É o que ensina

“(...) o reconhecimento da necessidade da tutela da confiança desloca a atenção do direito, que deixa de se centrar exclusivamente sobre a fonte das condutas para observar também os efeitos fáticos de sua adoção. Passa-se da obsessão pelo sujeito e pela sua vontade individual, como fonte primordial das obrigações, para uma visão que, solidária, se faz atenta à repercussão externa dos atos individuais sobre os diversos centros de interesses, atribuindo-lhes eficácia obrigacional independentemente da vontade ou da intenção do sujeito que os praticou.” (SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 94).

O prazo para a tirada – lavratura e registro – deve refletir essa tendência e esses conceitos. Não há que se cogitar, então, em alterar a interpretação do art. 12 da Lei nº 9.492/97 para possibilitar mais uma forma de defesa ao devedor. Não há que se falar em contraditório e ampla defesa no procedimento do protesto, até porque não é possível ao devedor defender-se administrativamente, seja o prazo maior ou menos. A única saída, fora o pagamento do título, é a sustação judicial do protesto. E essa medida é garantida independente da forma de contagem do prazo do protesto. A sustação judicial é uma medida  de urgência, cautelar por natureza, que será apreciada pelo magistrado tão logo lhe seja apresentada. A demora na apreciação do pedido não pode justificar a interpretação elástica do prazo do protesto. Isso é um problema jurisdicional, de administração da Justiça, que não compete ser aqui discorrido.


5.            CONCLUSÃO

O instituto do protesto sofreu alterações desde a sua origem. No início, a Letra de Câmbio foi concebida para atender as necessidades dos comerciantes, da então região da Itália, na idade média.

A evolução das relações comerciais impôs o surgimento de outros títulos de crédito, de natureza cambiária. O cheque, a nota promissória, a duplicata, e outros, foram instituídos para fazer frente a essa recorrente necessidade de abranger todas as situações negociais.

O protesto, nesse sentido, acompanhado as mudanças na economia. Apesar disso, sempre esteve ligado, umbilicalmente, com os títulos de créditos clássicos.

A globalização fez com as relações comerciais fossem cada vez mais intensas, exigindo que os instrumentos de garantia da segurança jurídica fossem reformulados, acompanhado essa tendência.

Nesse contexto, o protesto é institucionalizado sob postulados eminentemente voltados ao comércio. Os princípios que traduzem essa visão moderna do Protesto de Títulos são a segurança jurídica formal dinâmica, a celeridade, e a formalidade simplificada.

A segurança jurídica formal dinâmica enraíza no protesto a noção funcional da confiança na sociedade. A garantia – sob as insígnias da oficialidade, autenticidade, veracidade, imparcialidade – de que as obrigações serão satisfeitas, honradas.

A celeridade e a formalidade simplificada, ligados ao procedimento de protesto, impõem a visão de eficiência e agilidade, conjugando com a noção de solenidade.

O instituto do protesto, neste contexto, deve ser voltado ao interesse coletivo do cumprimento regular das obrigações. A boa-fé objetiva advém dessa premente necessidade de honradez.

O art. 12 da Lei nº 9.492/97 não pode ser interpretado de outra forma. Pode-se falar, então, na função social dos Protestos de Títulos. Não há prejuízo à institucionalidade do Protesto, como ato jurídico emanado de autoridade imparcial. A função social surge justamente dessa característica: uma pessoa física dotada de fé pública, os chamados de “órgãos da fé pública” (expressão utilizada por João Mendes de Almeida Júnior, na sua obra Órgãos da fé pública, 2ª ed. São Paulo : Saraiva, 1963, pág. 2).

O protesto é instituto pró-credor e pró-sociedade, e assim devem ser interpretadas as disposições da Lei nº 9.492/97.

Nesse sentido, a contagem do prazo para a lavratura e o registro do protesto tem início na data da protocolização do título, sob pena de desfiguração do próprio instituto do protesto.


6. Referências

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BUENO, Sérgio Luiz José. O protesto de títulos e outros documentos de dívida : aspectos práticos. – Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2011.

DIP, Ricardo Henry Marques. Prudência Notarial. São Paulo: Quinta Editorial, 2012.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos:  teoria e prática. – 3ª ed. – Rio de Janeiro : Forense: São Paulo : MÉTODO, 2012.

MOLINARI, Aline A. Manfrin. A Lei 8.935/94 e a qualificação registral. Algumas considerações. In: PÉREZ, Diego Selhane (Coord.). Títulos judiciais e o registro de imóveis. Rio de Janeiro: IRIB, 2005.

NOBRE, Milton Augusto de Brito. Protesto das CDAs: mutação ou deformação no protesto de títulos. In Revista do Ministério Público do Estado do Pará. Belém: Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, ano 5, vol.1, 2010

REALE, Miguel. Boa-fé. Artigo disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm, com acesso em 14/01/2013, às 23:50.

RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. – São Paulo : Saraiva, 2009.

SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007

SOUZA, Anderson José Collares. Análise Jurídico Constitucional da Aplicabilidade do Tríduo da Lei 9492/97: Uma Análise sob o Ponto de vista dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da ampla defesa. Disponível em http://www.anoregms.org.br/index.php?p=detalhe_noticia&id=1175. Acesso em 14/01/2013, às 23:40.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial / Sílvio de Salvo Venosa, Cláudia Rodrigues. 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2010.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, José Eduardo de. Protesto de títulos e o momento da lavratura do protesto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3721, 8 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25247. Acesso em: 8 maio 2024.