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A ocupação das propriedades rurais improdutivas

análise das ações de ocupação dos trabalhadores rurais sem terra e a questão agrária no Brasil

A ocupação das propriedades rurais improdutivas: análise das ações de ocupação dos trabalhadores rurais sem terra e a questão agrária no Brasil

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O MST promove atos de ocupação de propriedades rurais improdutivas, movido pelo exercício da cidadania ativa de seus membros, a fim de colocar, na agenda do Poder Público, demandas sociais que historicamente tiveram sua concretização adiadas por interesses antidemocráticos.

“Aquele que desrespeita uma lei injusta deve fazê-lo abertamente, com amor, e com vontade de aceitar a punição. Considero que, aquele que desrespeita uma lei que sua consciência lhe diz ser injusta e que aceita de bom grado a pena de prisão com a intenção de despertar a consciência da comunidade para a injustiça dessa lei exprime, na realidade, o mais alto respeito pela lei.” 

Martin Luther King

Resumo: A questão agrária tem origem no processo histórico de ocupação da terra que remonta ao período colonial brasileiro. A estrutura fundiária foi se moldando de forma desigual, o que ocasionou o surgimento de um quadro de exclusão e marginalização dos trabalhadores rurais. Analisa-se essa situação como motivação para a formação de um movimento de massa nacional, o MST. A estratégia principal dessa organização popular é a ocupação de propriedades rurais improdutivas como forma de pressão social sobre o Poder Público para a realização da reforma agrária e assegurar a efetividade de direito fundamentais. Suas pretensões são apresentadas juntamente com aspectos jurídico-filosóficos relacionados com o direito democrático de resistência e com os atos de desobediência civil. Os fundamentos de legitimidade suscitados são encontrados na própria Carta Magna, onde se relacionam com o exercício da cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana. Inclui-se nessa esfera, ainda, a exigência imposta pelo texto constitucional para que a propriedade rural cumpra uma função social. Nesse ambiente, discute-se a posição do Poder Judiciário como um indutor das transformações sociais em atenção às novas demandas oriundas de movimentos populares.

Palavras-chave: Direito de Resistência. MST. Ocupações. Desobediência Civil. Poder Judiciário.

Sumário: 1INTRODUÇÃO. 2A EVOLUÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL. 2.1Evolução histórica da propriedade rural no Brasil. 2.2Caracterização atual da propriedade rural: produtividade e improdutividade. 2.3O movimento dos trabalhadores rurais sem terra: surgimento e importância. 3CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA E A DESOBEDIÊNCIA CIVIL. 3.1Direito de resistência. 3.2Desobediência civil. 3.3Democracia e desobediência civil. 4FUNDAMENTOS DE LEGITIMIDADE DAS OCUPAÇÕES DE PROPRIEDADES RURAIS IMPRODUTIVAS. 4.1A função social da propriedade rural. 4.2O MST e o direito à terra. 4.3Um novo paradigma para a solução de conflitos agrários. 5CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. 


1.INTRODUÇÃO

A escolha do tema desta pesquisa foi influenciada, fortemente, pelos graves conflitos agrários que ocorrem no Brasil. De um lado estão os movimentos sociais, notadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, reivindicando, do Estado, a efetivação de direitos fundamentais como o direito à terra, à vida, à moradia e ao trabalho, do outro, os donos de imóveis rurais que cobram a proteção do direito de propriedade. Nesse ambiente, as notícias de confronto entre as duas partes são comumente divulgadas pelos meios de comunicação, representando um retrato da frágil democracia brasileira.

Diante da apatia estatal para solucionar problemas dessa natureza, os trabalhadores rurais sem terra são obrigados a tomar atitudes mais obstinadas, visando chamar atenção para o estado de penúria em que vivem. Muitas vezes essas ações são alvos de críticas, sobretudo porque impera, neste país, uma forte cultura individualista e patrimonialista como fruto do modelo econômico seguido.

Logo, tem-se por relevante a análise, in abstrato, das ocupações de propriedades rurais improdutivas por integrantes do MST como uma forma de efetivar direitos fundamentais e resgatar a cidadania daqueles que carecem de um mínimo existencial para poderem viver com dignidade.

Para tal empreitada, o trabalho foi dividido em três capítulos, sendo o primeiro dedicado exclusivamente a demonstrar a evolução da questão agrária no Brasil, bem como a formação e importância do MST no cenário sócio-jurídico nacional, o segundo discutirá sobre o direito de resistência e a desobediência civil, relacionando-os com a defesa do regime político democrático e, por último, o terceiro analisará os fundamentos de legitimidade das ocupações das propriedades rurais improdutivas.

De início, o primeiro capítulo explicará como ocorreu a evolução histórica e normativa da propriedade rural no país desde o regime sesmarial, implantado durante o período colonial, passando pela Lei de Terras de 1850 e pelo estatuto da terra do governo militar, até chegar aos dias atuais com a promulgação da Constituição de 1988.

Ademais, será analisada a propriedade rural quanto a sua produtividade, apresentando os parâmetros usados, atualmente, para caracterizá-la, tendo por base a Lei nº 8.629/93 e os procedimentos de cálculo estabelecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária – INCRA por meio da Instrução Normativa nº 11.

Ainda sobre a evolução da questão agrária, será demonstrado como a difícil realidade social contribuiu para a formação do MST. Logo sem seguida, entrar-se-á na própria organização do movimento social, explanando sobre sua estrutura, ações internas, caracterização, além de apontar aspectos relevantes de sua história e a sua importância, como movimento social de massa, para a promoção da justiça social neste país.

 Após essas informações, será iniciado o segundo capítulo com a apresentação da evolução histórica do direito de resistência, apontando a sua origem e fundamentos. Posteriormente, procurar-se-á dimensioná-lo a fim de descobrir em quais condições seu exercício fica autorizado, além de discutir a possibilidade de sua presença em um ordenamento jurídico-positivo. Serão feitos, ainda, referências as personalidades que historicamente se utilizaram dessa ferramenta como meio de luta.

Em seguida, será analisado o instituto da desobediência civil como uma espécie de manifestação do direito de resistência. Primeiramente, resgatar-se-á a sua origem no pensamento de Henry David Thoreau para, logo adiante, apresentar as divergências que rondam a matéria. Ademais, serão estudadas as circunstâncias que justificam esse tipo de ação, bem como as suas características.

Também sobre a mesma questão, será discutida a relação entre os postulados morais que movem os dissidentes e a Constituição, objetivando compreender as ações de desobediência civil como um modo de participação popular no controle de constitucionalidade das leis ou de ato emanado do Poder Público.

Procurar-se-á, outrossim, relacionar a prática da desobediência civil com o Estado Democrático de Direito, argumentando que tal regime pressupõe a diminuição da distância que separa o povo das decisões políticas e o reconhecimento do direito de dissentir. Nesse desiderato, a pressão popular será analisada como uma forma de harmonizar os anseios sociais à interpretação oficial da norma jurídica.

Já o terceiro capítulo, por sua vez, abordará o estudo da função social da propriedade rural, tratando da sua evolução histórico-jurídica desde a antiguidade até os dias atuais com a incorporação do seu conceito junto à Lei Fundamental. Além disso, esse momento verificará também, se, independente da sua destinação econômica, todos os bens possuem um interesse social.

Superado isso, a atenção se voltará para o modo como a função social pode ser assegurada nos termos da Constituição, ocasião onde será tratado da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, como uma limitação do direito de propriedade. Apontar-se-á, ainda, algumas divergências acerca da questão no que tange à possibilidade da propriedade produtiva ser atingida por essa modalidade de expropriação.

Após, serão analisadas as ações do MST como uma maneira de efetivar a conquista da cidadania pelos trabalhadores rurais sem terra. Para tanto, estudar-se-á as motivações para seus atos e como elas se apresentam no contexto político nacional tão marcado pelo antagonismo entre proprietários de terra e o movimento popular.

Nesse sentido, a discussão avançará em direção a uma inevitável tentativa de associar a desobediência civil aos atos praticados pelo MST com a verificação da presença de elementos caracterizadores do primeiro nas ações de ocupação de propriedade rurais improdutivas.

Acerca desse ponto, o estudo procurará entender essa estratégia de luta como uma forma de cidadania ativa, visto que a situação de exclusão social obriga os trabalhadores rurais sem terra a lutarem para incluir, na agenda do Poder Público, demandas sociais que nem sempre ganham a merecida atenção.

Como conseqüência dessa conjuntura conflituosa, a contenda será vista, também, sob a ótica do judiciário. Nessa seara, defender-se-á, primeiramente, a noção da conquista do Direito pela luta popular, procurando afastar, da cultura jurídica, a noção da lei como uma verdade incontestável. Pretende-se, com isso, retirar do magistrado o tecnicismo que inviabiliza a adaptação da norma jurídica às necessidades da comunidade.

Depois dessas considerações, serão analisadas, por fim, duas decisões. A primeira é o resultado do julgamento do Habeas Corpus nº 5.574/SP pelo Superior Tribunal de Justiça, enquanto que a segunda é originaria do Supremo Tribunal Federal e foi prolatada nos autos do Mandado de Segurança nº 24.764-9/DF.

Após essa exposição, cumpre destacar que as ocupações de propriedades rurais improdutivas serão analisadas sob uma perspectiva progressista, reconhecendo a sua importância na luta pela efetivação de direitos.

Nessa tarefa, a abordagem proposta pretende ser dotada de neutralidade. No entanto, é sabido que a mesma é um ideal inatingível, pois é próprio da natureza humana se influenciar pelas ideologias, valores e visões de mundo. Feito esse merecido destaque, pede-se, portanto, compreensão por qualquer preferência assumida no transcorrer deste trabalho.


2.A EVOLUÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

A questão agrária tornou-se um assunto importante de discussão, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, dentro da sociedade brasileira. Os debates acalorados transbordam os limites da academia e mobilizam os diversos segmentos sociais na busca de soluções. Assim sendo, a partir da natureza do problema, faz-se imprescindível o estudo da sua evolução no país, abordando os aspectos relacionados à matéria.

2.1.Evolução histórica da propriedade rural no Brasil

O entendimento da questão agrária no Brasil, passa inevitavelmente pelo estudo da evolução histórica da propriedade rural. O começo de todo o processo é dado com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, no ano de 1494, entre Portugal e Espanha. Esse documento possui um imensurável valor histórico e jurídico na formação do sistema fundiário brasileiro[1].

Conforme o que foi acordado, as terras descobertas no novo continente seriam divididas entre os dois países, sem ninguém saber ao certo a extensão que coube a cada um.

Diante da necessidade de ocupar o território, tendo em vista o crescente interesse de outros países europeus nas novas terras, Portugal optou por implantar aqui no Brasil um antigo regime português de distribuição de terras baseado no instituto das Sesmarias.

Nesse país, as terras ociosas eram distribuídas para serem cultivadas dentro de um prazo de dois anos, caso contrário, elas seriam imediatamente retomadas pelo rei e redistribuídas. O rigorismo tinha explicação, sendo Portugal um país de dimensões modestas, a terra acabava sendo um bem valiosíssimo e a sua má distribuição levaria, fatalmente, à fome para a população.

No Brasil, o regime das sesmarias seguiu a lógica do sistema colonial. O beneficiário, chamado de sesmeiro, “tinha a obrigação de colonizar a terra, ter nela moradia habitual e cultura permanente, demarcar os limites das áreas, submetendo-se a posterior confirmação e pagar os tributos correspondentes[2]”.

Não obstante, no Brasil, o descumprimento das obrigações era constante, sem que houvesse a retomada das terras cedidas, como propunha o regime sesmarial. Explica-se pelo fato dos beneficiários pertencerem a uma classe privilegiada de pessoas, constituídas essencialmente por nobres e burgueses enriquecidos.

Benedito Ferreira Marques, tratando sobre o tema, diz que “essa prática clientelista – lamentavelmente ainda hoje adotada em nosso país – influenciou o processo de latifundialização que até hoje distorce o sistema terreal brasileiro[3]”. 

No mesmo sentido, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigava a questão agrária no Brasil, também conhecida como CPMI da Terra, o então Presidente do INCRA, Rolf Hackbart, afirmou que “ao instituir o regime das sesmarias, garantido a cessão de grandes glebas aos amigos do rei, o colonizador português deu origem ao latifúndio[4]”.

O regime das sesmarias permaneceu em vigor até a edição da Resolução Imperial de 17 de julho de 1822 e teve por conseqüência a formação das bases da estrutura fundiária nacional, bem como ter dado início à colonização do Brasil.

Somente em 1850, cerca de 28 anos depois, é que foi editada a Lei nº 601, a primeira Lei de Terras do Brasil. Durante esse período, sem uma lei específica que regulasse a aquisição de terras, o país viveu em um regime de posses, onde o ocupação do território se deu de forma indisciplinada.

A Lei de Terras, dentre outras medidas, determinou que a compra e venda seria a única forma de adquirir o domínio de terras devolutas. Sob a disciplina desse diploma legal, os grandes proprietários de terras viram caminho livre para a expansão do latifúndio.

Explicando as consequências da citada lei, diz João Pedro Stédile[5]:

Essa lei discriminou os pobres e impediu que os escravos libertos se tornassem proprietários, pois nem uns nem outros possuíam recursos para adquirir parcelas de terras da Coroa ou para legalizar as que possuíam. Por essa razão, após a libertação dos escravos, a maior parte deles optou por migrar para as cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

A Lei de Terras foi regulamentada pelo Decreto nº 1.318/1854 e foi recepcionada por diversas Constituições brasileiras, bem como pelo Código Civil de 1916.

No início da década de 60 do século XX, existia uma grande mobilização social em prol da reforma agrária. “Os movimentos camponeses tornaram-se mais fortes com a melhor organização da classe e, sob a influência de organizações políticas e partidárias, consolidaram suas propostas e exigências de uma reforma agrária imediata[6]”.

Assim, no âmbito interno, foram tomadas algumas medidas para enfrentar a questão agrária, dentre as quais está a edição da Lei nº 4.504/64, o Estatuto da Terra.

Este diploma legal trouxe, em seu art. 1º, caput, os fins a que se propunha: “esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola”.

O citado Estatuto assumiu ainda o compromisso de eliminar gradualmente as propriedades nocivas ao interesse social ao dispor como objetivos da reforma agrária, a criação de um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de melhorar a vida do trabalhador e promover o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

Sem embargos, os avanços do Estatuto da Terra não foram sentidos no combate ao problema.

A Lei nº 4.504/64 foi muito festejada na época pelos que desejavam o aprimoramento das relações jurídicas e econômicas agrárias e, ainda hoje, depois de 40 anos, é considerada uma lei progressista, dando a impressão de que realmente buscava-se solução para o grave problema da distribuição de terras no Brasil. De fato, serviu apenas para aplacar os ânimos exaltados da época, pois não saiu do papel[7].

Com a Constituição de 1988, foi dado início a um novo momento na história do Brasil. A Carta Magna consagrou o Estado Democrático de Direito e colocou como objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

No que tange à propriedade, a Lei Suprema fortaleceu o princípio da função social, ao incluí-lo não só na parte referente à ordem econômica, como ocorria nas Constituição anteriores, mas também na que trata dos direito e garantias fundamentais.

A propriedade privada não deixou de existir, mas apenas teve sua natureza modificada. “Assim, a nossa carta atual elencou a teoria da função social da propriedade entre os direitos fundamentais, a fim de submeter o interesse individual às exigências do bem-estar comum[8]”. 

A Constituição de 1988 determinou que compete a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Por outro lado, deixou expresso que a propriedade produtiva não será desapropriada para fins de reforma agrária.

Essa vedação imposta pela Carta Magna acaba esvaziando o conteúdo do seu art. 186, que enumera os requisitos da função social da propriedade, no que se refere a desapropriação para fins de reforma agrária. Ou seja, a produtividade, quando presente, elimina a necessidade do cumprimento dos demais requisitos para que a propriedade rural não seja desapropriada nos moldes do art. 184 da Constituição.

Dessarte, demonstrada a evolução histórica da propriedade rural no Brasil, torna-se fácil observar que a grande concentração fundiária existente hoje é resultado de políticas equivocadas de ocupação que foram implantadas logo com a chegada dos portugueses e consolidadas ao longo dos séculos, o que provocou, como consequência, a geração de graves problemas sociais no campo brasileiro.

Durante esse tempo, a propriedade rural sempre foi vista pelos setores mais conservadores como uma reserva de valor. Essa infeliz característica tornou-se o maior entrave para o progresso socioeconômico do país[9].

Porém, a partir da Constituição de 1988, foi criado um ambiente favorável para discussões de temas relevantes para o Brasil, além de possibilitar o ressurgimento do movimento camponês que, durante o regime militar, foi duramente reprimido. Tal abertura colocou novamente em pauta, dentro da sociedade, o debate acerca da necessidade de redistribuição das terras.

Sobre o tema, João Pedro Stédile afirma que atualmente toda a sociedade reconhece a necessidade da reforma agrária. No entanto, o grande desafio é identificar quais terras deverão ser desapropriadas e como fazer tal empreitada, tendo em vista a forte resistência imposta por alguns setores da sociedade[10].

2.2.Caracterização atual da propriedade rural: produtividade e improdutividade

A propriedade rural possui algumas classificações estabelecidas tanto no plano constitucional quanto no plano infraconstitucional. Nesses termos, é mister mostrar como a propriedade rural encontra-se disposta. 

A Lei nº 4.504/64, o Estatuto da Terra, traz algumas classificações em seu art. 4º.  Para efeitos desse diploma legal, a propriedade agrária pode ser entendida como propriedade familiar, minifúndio, latifúndio ou empresa rural, dependendo das características encontradas[11].

 A partir da Constituição de 1988, foram introduzidas, no ordenamento jurídico brasileiro, mais três classificações, quais sejam, pequena propriedade, média propriedade e propriedade produtiva. Elas são encontradas no art. 185 da Carta Magna vigente, quando são colocadas como insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, bem como no art. 4º e 6º da Lei nº 8.629/93, que regulamentou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, onde são definidos os seus conceitos.

A despeito das várias classificações apresentadas, este trabalho terá o seu objeto de estudo limitado à propriedade produtiva e, por exclusão, à propriedade improdutiva também, tendo em vista a sua consonância com a abordagem proposta. Posto isso, adentra-se na análise da propriedade rural com relação a sua produtividade.

A Constituição Federal, em seu art. 185, afirma que a propriedade produtiva não será desapropriada para fins de reforma agrária. Complementa, em seu parágrafo único, afirmando que ela terá tratamento especial.

A propriedade rural, quanto a sua destinação econômica, é um bem de produção, ou seja, é usada para produzir outros bens. Devido a sua importância, foi reservada uma parte exclusivamente para discipliná-la na nossa Lei Suprema. Rosalinda P.C. Rodrigues Pereira, explicando o assunto, assevera[12]:

A terra é por excelência um bem de produção, porque tem como utilidade natural a produção de bens necessários à sobrevivência humana. Logo, se ela é mantida inerte ou inaproveitável não exerce sua função econômica, não gerando bens à sociedade, por isso mesmo é que possui uma destinação social e uma função econômica tão importante que a sua utilização deve ser subordinada em regime especial.

No mesmo sentido, José Afonso da Silva afirma que a Constituição de 1988 albergou um regime jurídico especial acerca da propriedade rural. O constitucionalista diz que os requisitos da função social, as regras sobre política agrícola e reforma agrária, demonstram a existência desse regime. A razão disso seria fruto da sua natureza de bens de produção, bem como a sua importância para existência humana[13].

Para regular os dispositivos constitucionais relativos às matérias mencionadas foi editado a Lei nº 8.629/93. Destacam-se nela, em seu art. 6º, caput, o conceito e a aferição do que seja propriedade produtiva, assim dispondo:

Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada economicamente e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

Desse modo, Benedito Ferreira Marques observa que a lei, ao definir a propriedade produtiva, levou em consideração apenas aspectos econômicos, excluindo totalmente os componentes sociais e ecológicos[14]. A produtividade será aferida com base no Grau de Utilização da Terra – GUT e no Grau de Eficiência na Exploração – GEE. 

Nesse sentido, o GUT deverá ser igual ou superior a 80% e será fixado mediante divisão da área efetivamente utilizada pela área aproveitável do imóvel, sendo, por fim, multiplicado o resultado por cem para obter o valor em porcentagem, consoante art. 6º, § 1º, da Lei 8.629/93.

Por área efetivamente utilizada, dispõe os §§ 3º, 4º e 5º, contidos no art. 6º, da Lei 8.629/93, in verbis:

§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:

I - as áreas plantadas com produtos vegetais;

II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;

IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;

V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica.

§ 4º No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

§ 5º No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado

Na mesma seara encontra-se o GEE. Ele deverá ser igual ou superior a 100% e será medido segundo § 2º, I, II e III, inseridos no art. 6º, da Lei nº 8.629/93, aqui expresso:

§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

Os procedimentos para cálculo do GUT e do GEE, observadas as disposições constantes da Lei nº 8.629/93, são estabelecidos pelo INCRA, autarquia federal criada pelo Decreto nº 1.110, de 9 de julho de 1970, por meio da Instrução Normativa nº 11.

À luz dos preceitos legais enfocados, o índice de lotação por zona de pecuária, bem como os índices de rendimentos necessários para calcular o grau de utilização terra e o grau de eficiência na exploração são encontrados nas tabelas anexas da retrocitada Instrução Normativa.

É mister destacar, consoante o que diz o art. 11 da Lei nº 8.629/93, que os parâmetros informadores devem ser atualizados periodicamente, levando em conta o progresso científico e tecnológico e o desenvolvimento regional pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, depois de ouvirem o Conselho Nacional de Política Agrícola.

Não obstante o que determina o diploma legal, a atualização dos índices de rendimento da agropecuária brasileira não tem ocorrido. As informações que sustentam os atuais indicadores são oriundas do Censo Agropecuário de 1975 e acabam não refletindo a atual realidade[15].

Com a edição da Instrução Normativa nº 11 pelo INCRA, passaram a existir novas diretrizes para fixação do Módulo Fiscal de cada Município, bem como os procedimentos para cálculo do GUT e do GEE. No entanto, no que se refere aos índices de rendimentos, não houver nenhuma mudança.

Esse longo período sem alteração nos indicadores coloca um número significativo de propriedades rurais como produtivas, mesmo não sendo cuidadas com o devido zelo. Ou seja, a desatualização dos índices de rendimento somado ao avanço científico e tecnológico, permite que algumas propriedades rurais sejam consideradas produtivas apenas porque os parâmetros usados para classificá-las não se coadunam com a realidade atual.

Com isso, as propriedades rurais que se beneficiam da desatualização dos índices acabam não sendo utilizadas para a reforma agrária, pois são insuscetíveis de desapropriação para esse fim, consoante art. 185, II, da Constituição Federal.

Plínio de Arruda Sampaio, em depoimento a CPMI da Terra, explicou bem a questão[16]:

Um dos problemas que está dificultando a desapropriação é a defasagem dos índices de produtividades. A terra é considerada produtiva ou improdutiva em função de dois índices um de aproveitamento e um de produtividade física. Esses índices foram calculados e feitos, segundo lei, por órgãos técnicos, aprovados por decreto do Presidente da República. Pois bem, os índices de que dispomos são de 1975. De 1975 para cá, a produtividade média da agricultura brasileira aumentou, melhorou, más só consideramos improdutivas uma propriedade tão ociosa, tão mal cuidada que em 1975 ela atingiria os índices médios da população brasileira.

Assim, conforme visto, a informação mais importante para saber se uma propriedade rural é passiva de ser desapropriada para fins de reforma agrária é a produtividade, tendo em vista a proteção que a Constituição de 1988 deu às propriedades rurais que possuem essa qualidade. Todavia, a falta de dados atuais, resultante da omissão do Estado brasileiro, impede que seja feito uma classificação adequada e, por conseguinte, cria um entrave para a redistribuição de terras no país.

2.3O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: surgimento e importância

O surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no cenário sócio-jurídico nacional não pode ser visto de forma isolada, pois tudo foi construído em cima de experiências históricas que o antecedeu. Assim, antes de tudo, é necessário distinguir as diferenças entre os movimentos sociais clássicos e os novos movimentos sociais para que seja compreendido como se deu o processo de formação do maior e mais importante movimento social agrário do Brasil.

Os movimentos sociais caracterizam-se pela presença de um grupo relativamente organizado, podendo ter ou não uma liderança definida, com interesses, programa ou objetivos comuns, tendo por fundamento os mesmos princípios valorativos, doutrina ou ideologia, desenvolvem uma consciência de classe e visam à transformação social ou alteração dos padrões vigentes[17].

De posse desse conceito e analisando os velhos movimentos sociais ou clássicos, verifica-se que eles possuíam idéias comunistas, socialistas e até mesmo anarquistas. Seus objetivos eram imediatos, atuavam de forma tradicional[18] e eram subordinados às instituições, partidos políticos e sindicatos[19].

A partir da década de 70, as formas de atuação foram evoluindo e se tornando cada vez mais complexas, abordando questões de interesse de toda a coletividade. Os movimentos sociais passaram a ter como objetivos principais a defesa de novos paradigmas que possibilitasse a conquista de direitos e garantisse mais efetividade aos canais de justiça e de participação democrática, bem como a luta pela criação de uma ordem jurídica estatal mais pluralista, justa e igualitária[20].

Logo, entende-se que o MST está alojado no grupo dos novos movimentos sociais.

Estando superada essa discussão, o estudo passará a direcionar-se para os desdobramentos históricos que possibilitaram a criação de um ambiente fértil para o seu nascimento.

Antes do golpe militar de 1964, os movimentos sociais agrários mais organizados eram as Ligas Camponesas que atuavam no Nordeste. Sobre o tema, Bernardo Mançano Fernandes, estudioso do MST, afirma[21]:

A formação das Ligas Camponesas começou por volta de 1945. Neste ano acabava a ditadura do governo Vargas, que durou 10 anos. As Ligas foram uma forma de organização política de camponeses proprietários, parceiros, posseiros e meeiros que resistiram à exploração, à expulsão da terra e ao assalariamento.

Esse movimento tinha apoio de uma parcela mais progressista da Igreja Católica liderada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e de alguns partidos políticos como o Partido Comunista Brasileiro – PCB que, posteriormente, foi para a ilegalidade. João Pedro Stédile aponta o MST como herdeiro das Ligas Camponesas[22]. As suas experiências foram incorporadas e ajudaram a moldar as formas de luta do movimento, especialmente no que diz respeito à suposta afirmação, sempre suscitada, de legalidade de suas ações e a autonomia de sua organização.

O aprendizado histórico do MST na luta pela terra vai sendo incorporado pelos trabalhadores, na forma de organização, nas estratégias e nos reveses sofridos, direcionando assim para novas formas de resistência, independentemente do espaço geográfico em que os fatos tenham ocorrido[23].

Com a tomada do poder pelos militares em 1964, as ligas camponesas foram duramente reprimidas e praticamente extintas. Do ponto de vista social, o governo instalado foi um grande retrocesso para o país, pois os projetos implantados pelos militares tiveram seus benefícios restritos às camadas mais favorecidas da sociedade.

Com efeito, sob a justificativa de modernizar o país, o governo militar criou um caos social. O processo de mecanização e industrialização se intensificou com a adoção de medidas de incentivos aos empresários ao mesmo tempo que os salários eram congelados e famílias camponesas eram expulsas de suas terras. Essas medidas aumentaram ainda mais a concentração fundiária no Brasil[24].

Não obstante a conjuntura política desfavorável, “não há repressão que consiga controlar todo o tempo e todo o espaço. São diversos os caminhos possíveis de serem criados nas formas de resistência, no desenvolvimento da luta de classes. Assim, os camponeses começaram a romper as cercas da repressão da ditadura militar[25]”.

 João Pedro Stédile, ao explicar a base social do MST, afirma que os camponeses expulsos decidiram resistir e buscaram outras formas de luta na região onde viviam. Era uma tentativa de evitar que fossem obrigados a partirem para as cidades ou até mesmo para as fronteiras agrícolas[26].

Nesse cenário hostil, foi criada, pela Igreja Católica, a Comissão Pastoral da Terra – CPT. Esse fato foi fruto do descontentamento de setores da Igreja ligados à luta pela terra com a política do governo militar de implantação de grandes empresas no campo.

A CPT tornou-se um espaço político que se liga umbilicalmente à gênese do MST, tendo em vista que a partir do seu trabalho de discussão e conscientização dos camponeses é que foi possível reorganizar a luta no campo[27].

Ademais, a CPT, em seu trabalho, teve um caráter ecumênico, englobando também membros de outras igrejas, em especial a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB. João Pedro Stédile esclarece a importância dessa característica para a formação do MST[28]:

Ela teve uma vocação ecumênica ao aglutinar ao seu redor o setor luterano, principalmente nos estados do Paraná e de Santa Catarina. Por que isso foi importante para o surgimento do MST? Porque se ela não fosse ecumênica, e se não tivesse visão maior, teriam surgidos vários movimentos. A luta teria se fracionado em várias organizações.

Com a luta pela redemocratização do país, o ambiente tornou-se mais favorável ao surgimento do MST. Nessa época os movimentos populares saíram às ruas exigindo mudanças na estrutura política, econômica e social impostas pela ditadura militar.  Foi o momento em que surgiu o novo sindicalismo[29], representado pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, e foi criado o Partido dos Trabalhadores – PT.

 Dentro dessa nova conjuntura política que estava nascendo, vários movimentos populares que promoviam ocupações nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul reuniram-se em 1984, na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, e fundaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra[30]. A CPT organizou o evento, que contou com a presença de representantes da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, da Central Única dos Trabalhadores – CUT, da Comissão Indigenista Missionária – CIMI e da Pastoral Operária de São Paulo[31].

Assim, pode-se concluir que gênese do MST se deve à forte repressão aplicada pela Ditadura Militar, à organização dos camponeses promovida da Igreja por meio da CPT e ao ambiente de redemocratização vivido no país.

É mister destacar que, após a sua criação, o MST ganhou corpo e constituiu características próprias que deram rumos ao movimento. As principais delas são a sua face popular, corporativa e política.

Esse caráter popular é representado pela participação de homens, mulheres, jovens, idosos e crianças, ou seja, há a inclusão de todos os membros da família. Ademais, o movimento está sempre aberto para aqueles que quiserem lutar pela reforma agrária, seja padre, advogado, professor ou militante urbano. Independente da área específica, o MST agrega todas as profissões sem perder a característica de movimento de trabalhadores rurais[32].

Bernardo Mançano Fernandes assevera que “na constituição do MST, foi-se aprendendo que a luta não era apenas por um pedaço de terra, era uma luta permanente pela dignidade e pela vida. Daí a necessidade de participação de todos[33]”.

A outra característica é a corporativa. A pretensão maior do MST é a concretização da reforma agrária, onde a conquista da terra é apenas o ponto de partida para outras lutas que se seguiram, como a aquisição de créditos para a produção, estrada, energia elétrica. Delze dos Santos Laureano, em sua obra, aprofunda o tema aduzindo[34]:

A organização da luta gira em torno de demandas específicas e que não se restringem à conquista da terra. No primeiro momento é essencialmente uma reivindicação econômica, de conquista da terra. Porém, após o assentamento, a família passa a lutar por crédito para a produção, por escola, por estrada, por saúde, pelo preço do produto. No entanto, ao mesmo tempo em que consegue ampliar o campo de ação para a demanda de outros segmentos sociais, dá aos seus interesses mais corporativos, como as discussões acerca da produção agrícola e da reforma agrária, a ênfase necessária para ampliar a discussão em seu campo próprio de atuação.

Nessa esteira, observa-se a última grande característica do MST, a política. Bernardo Mançano Fernandes destaca que os camponeses sem terra, em seu ambiente de socialização política, entenderam que a luta pela terra e pela reforma agrária, só seria levado adiante por meio da luta de classes. Continua afirmando que essa consciência política determinou a forma de organização do movimento que, sem deixar de ter na essência a sua autonomia, participa ativamente das discussões do país[35].

Quanto à forma de atuação, o MST ao longo dos anos se valeu de um instrumento bastante debatido pelos diversos setores da sociedade e que está comumente em destaque na mídia nacional, as ocupações massivas de terra. Essa prática de pressão social tem por objetivo estimular o Estado a dar efetividade aos artigos da Constituição de 1988 que tratam da Reforma Agrária, bem como acender o debate acerca de mudanças profundas no interior da sociedade.

É evidente que não existe somente o MST como movimento de luta pela terra no país. Há outros de menor expressão e, muita das vezes, com algumas diferenças políticas, sendo alguns desses, movimentos isolados que com a mesma rapidez com que surgem no calor das tensões sociais de uma região, também desaparecem. Destaca Bernardo Mançano Fernandes[36]:

Embora o número de movimentos camponeses organizados venha crescendo, ainda não atende a demanda da luta pela terra. Muitas famílias se mobilizam em movimentos localizados, que representam parte considerável da luta. Esses são de difícil análise por não possuírem uma estrutura organizacional. Duram o tempo da luta pela terra.

Existem, outrossim, movimentos de trabalhadores rurais que preferiram aderir às propostas institucionais que não modificam a estrutura fundiária, como a colonização ou a reforma agrária de mercado. Essa última é baseada em programas do tipo Cédula da Terra, Crédito Fundiário de Combate à Pobreza e no Banco da Terra[37].

Contudo, o único organizado nacionalmente, com uma boa estrutura e tendo a assessoria de profissionais em diversas áreas é o MST. Como reflexo de sua importância, o movimento já conquistou reconhecimento internacional com o recebimento do prêmio Nobel alternativo que lhe foi conferido pelo Parlamento Sueco, em 1991. Outro reconhecimento foi a condecoração pela eficiência do modelo educacional implementado nos assentamentos de reforma agrária entregue pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, em 1995, além de inúmeros prêmios recebidos no Brasil[38].

Nessa seara, a importância que o MST ganhou dentro e fora do país deixa claro o tamanho do seu desafio, como movimento de massa, para a transformação da sociedade. O trabalhador rural sem terra é aquele desprovido dos direitos mais fundamentais, sendo-lhe negado educação, saúde, moradia, trabalho, enfim, a vida digna que a Constituição de 1988 preconizou. Assim, a luta pela terra, promovida por esse movimento, é apenas a caixa de ressonância para a derrubada de outras cercas, representadas agora pela estrutura excludente imposta pelo Estado que contribui para a perpetuação da realidade desigual.


3.CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA E A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Discussões acerca de temas como direito de resistência e desobediência civil são de suma importância para a correta compreensão do trabalho, por trazerem os fundamentos jurídico-filosóficos que irão lastrear-se no bojo do mesmo. Assim, neste capítulo será analisada a evolução do conceito de direito de resistência e as limitações ao seu exercício, além de apontar exemplos históricos de sua manifestação. Com relação à desobediência civil, será estudado o seu conceito e as condições que a justificam, procurando relacioná-la com a moralidade política dos indivíduos. Por fim, será mostrado como a desobediência civil se compatibiliza com o Estado Democrático de Direito.

3.1Direito de resistência

O tema direito de resistência é bastante complexo e pouco explorado na produção jurídica nacional. É um assunto que requer cuidados, haja vista a ausência de consenso terminológico, bem como a existência de discordância acerca de sua natureza. Dessarte, o presente trabalho, com o fim de não perder a sua clareza e objetividade, abordará a matéria a partir da concepção de alguns pensadores, como, por exemplo, Santo Tomás de Aquino, John Locke, Rudolf Von Ihering, Maria Garcia, dentre outros, mantendo, contudo, a coerência em suas proposições.

Inicia-se o estudo buscando as raízes históricas do direito de resistência. O Código de Hamurabi, datado de 1700 a. C. já autorizava a rebelião como forma de oposição ao mau governante que não respeitasse os mandamentos e as leis. Na Grécia Antiga encontra-se igualmente o registro desse direito na obra de Sófocles, Antígona. Nela é reconhecida a existência de leis naturais de origem divina, superiores, portanto, que as leis dos homens, como justificativa para desobedecer às ordens do governante[39].

No entanto, somente ao longo do período medieval foi que o direito do povo de resistir a um governante tirano ganhou maior importância. Durante esse momento da história, o poder estava concentrado na figura do Papa, que era quem definia os princípios a serem seguidos por todos os cristãos. Sob essa ótica, o direito de resistência entrou na órbita de influência da Igreja Católica, sendo posto como um direito natural de concepção divina e se tornando, por conseguinte, no único limitador do poder do monarca, pois nem mesmo ele poderia deixar de se curvar às leis da natureza.

O grande pensador da época que teorizou o direito de resistência foi Santo Tomás de Aquino. Para ele, o tema é visto à luz da reciprocidade de direitos e deveres que deve existir entre governantes e governados. Explicando a questão, afirma Celso Lafer que “se o legislador pode reivindicar o direito a ser obedecido, o cidadão pode igualmente reivindicar o direito a ser governado sabiamente e por leis justas[40]

A reciprocidade é invocada pelo Tomismo como o modo de manutenção da ordem. Revoltar-se era, inclusive, considerado um pecado. A despeito disso, Machado Paupério, lembrado por Maria Garcia, assevera que Santo Tomás de Aquino “reconhecia o direito de resistência, partindo do pressuposto de que o levante contra o tirano não chegava a constituir sedição, mas resistência ou a repressão da sedição[41]”.

As leis naturais de origem divina eram colocadas, nesse contexto, como um instrumento de subordinação do governante à ordem natural de justiça e justificavam a mudança de regime pelo povo quando esse se tornava tirânico.

Na Modernidade, o paradigma do direito natural vinculado a uma compreensão divina se desfaz, dando origem a uma nova percepção atrelada a razão humana. A doutrina jusnaturalista apresenta o direito natural como inerente ao indivíduo e preexistente ao próprio Estado, servindo, desse modo, de inspiração ao direito positivo e reforçando a sua idéia de superioridade.

É a partir do jusnaturalismo moderno que nasce o contratualismo, um conjunto de teorias que visualiza, no contrato social, o elemento que deu origem ao Estado político. O pacto extingue o estado de natureza e marca a formação da sociedade. Nesse sentido, conclui Ana Maria Marques Ribeiro[42]:

No pensamento jusnaturalista, a noção de contrato social se coloca como a única saída do estado de natureza para a sociedade política. De acordo com a teoria contratualista, a origem da sociedade e o fundamento do poder político estão prescritos num contrato, um acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos. Este acordo assinalaria o fim do estado natural e início do estado político.

Dentre os pensadores contratualistas, destaca-se John Locke. Para ele, os homens viviam, inicialmente, em um estado de perfeita liberdade e igualdade, chamado de estado de natureza. Todos podiam regular suas ações e dispor de seus bens sem depender de qualquer outro homem, além de possuírem as mesmas vantagens e faculdades sem a existência de relação de subordinação entre si, sendo apenas obrigados pelas leis da natureza. Contudo, esse estado apresentava algumas inconveniências, conforme relata[43]:

No estado de natureza todos têm o poder executivo da lei da natureza, não duvido que se objetará que não é razoável que os homens sejam juízes em causa própria, que o amor-próprio os fará agir com parcialidade em favor de si mesmos e de seus amigos. E, por outro lado, a natureza vil, a paixão e a vingança os levarão longe demais na punição dos demais, da qual nada resultará além de confusão e desordem.

Da desordem no estado de natureza, entende Locke, surgiria o estado de guerra, um ambiente caracterizado pela inimizade, onde a ausência de proteção à vida, à liberdade e aos bens levaria todos à destruição. Desse modo, é com o fim de evitar que isso aconteça que os homens, segundo ele, se reúnem em sociedade.

Evitar esse estado de guerra (no qual não há apelo senão aos céus, e para o qual pode conduzir a menor das diferenças, se não houver juiz para decidir entre os litigantes) é a grande razão pela qual os homens se unem em sociedade e abandonam os estado de natureza. Ali onde existe autoridade, um poder sobre a Terra, do qual se possa obter amparo por meio do apelo, a continuação do estado de guerra se vê excluída e a controvérsia é decidida por esse poder[44]

Entretanto, para Locke, o Estado nascente, originado do contrato social, não deve eliminar a condição natural do homem. As leis criadas devem ser a positivação das leis naturais, nas quais se fundamentam os direitos dos indivíduos[45], ainda mais que a sociedade política estaria baseada na relação de confiança entre governantes e governados[46].

Nesses termos, quando essa confiança é quebrada pelo governante, é perdido todo o seu direito à obediência por parte dos membros da sociedade. Locke aduz que “onde termina a lei, começa a tirania” e completa, afirmando que, deixará a sua posição de autoridade, aquele que fizer uso da força para, a despeito da lei, obrigar um súdito a fazer o que ela não permite. Nessa hipótese, poderá ser combatido como qualquer outro homem que interfere em direito alheio[47].

Na visão de Locke, sustenta Celso Lafer, o direito de resistência surgiria como conseqüência de uma crise na sociedade política que torna possível a reversão provisória ao estado de natureza. A regeneração do Estado viria do direito natural dos homens de não se deixarem oprimir pelos governantes. É isso que fazia Locke defender o oprimido contra o opressor com tanta exaltação e afirmar a liberdade e a soberania popular em oposição à ordem injusta[48].

Complementando Celso Lafer e Locke, Maria Garcia acrescenta, afirmando que “o povo é, assim, soberano, pois não abdicou de todos os direitos que lhe são inerentes em favor de nenhuma pessoa ou assembléia. Pelo contrato social, não se despojou do poder, cujo exercício apenas delegou[49]”.

Superada as considerações históricas, a atenção se volta neste momento para o dimensionamento do direito de resistência.

Introdutoriamente, as palavras de Rudolf Von Ihering, em sua clássica obra, “A luta pelo direito”, merecem destaque no bojo deste trabalho[50].

A defesa do direito ofendido no plano internacional, realizada através da guerra, a resistência de um povo contra os atos de despotismo e contra as violações da Constituição praticadas pelo poder estatal, que assume a forma de sublevação, de revolta, de revolução, a realização turbulenta do direito privado através da chamada lei de Lynch, a vingança privada da Idade Média e o vestígio que dela encontramos em nossos dias, o duelo, a legítima defesa admitida pela lei e, finalmente, a regular efetivação do direito através do processo civil – todos esses modos de defesa apesar da diversidade do objeto do litígio e do maior ou menor empenho colocado nelas, bem como dos aspectos e das dimensões diferentes que a luta assume, não passam de formas e cenas de uma mesma luta pelo direito.

Para ele, a resistência contra o desrespeito ao direito que assuma caráter de menosprezo constitui um dever do titular para consigo mesmo e para com a comunidade, pois é somente desse modo que o direito pode realizar-se em sua essência, ou seja, na prática. O indivíduo que defende o seu direito estaria protegendo também o direito em geral, da mesma forma que defendendo o direito em geral fica protegido o seu direito individual. Dessarte, sempre que a arbitrariedade toma forma, restará comprovado que aqueles a quem incube a defesa do direito omitiram-se de seu dever.

Continua Ihering, sustentando que o grau de resistência à agressão é determinado pela intensidade do sentimento de justiça de um povo. Ele é a raiz que sustenta e serve de garantia para a existência do Estado.

Qualquer norma que se torne injusta aos olhos do povo, qualquer instituição que provoque seu ódio, causa prejuízo ao sentimento nacional de justiça, e por isso mesmo solapa as energias da nação; representa um pecado contra a idéia do direito, cujas conseqüências acabam por atingir o próprio Estado[51].

É nas palavras de Ihering, com a relação entre Direito, Estado e sentimento de justiça, que Ronald Fontenele Rocha afirma está o fundamento para o exercício do direito de resistência[52].

Ante o exposto, o direito de resistência, no sentido amplo, pode ser conceituado como sendo aquele que reconhece aos cidadãos, em certas condições, quando houver abuso de poder por parte de autoridade, a oposição às normas injustas, a resistência à opressão e a revolução[53]. Nessa seara, é mister saber quais são as condições que autorizam o exercício do direito de resistência.

 Segundo Celso Lafer, no contexto contemporâneo, o paradigma do direito natural não mais mantém o debate em torno da reciprocidade de direitos e deveres entre governantes e governados, mas, sim, sobre os meios empregados para derrubar a opressão[54]. Assim, as condições referidas no parágrafo anterior, são entendidas como aquelas relacionadas com o modo que o direito é exercido.

Nesse momento, são importantes as lições de Machado Paupério, citado por Geovani de Oliveira Tavares, para o qual o direito de resistência deve ser necessário, útil e proporcional. Para o autor, o direito de resistência só existiria quando forem esgotadas as vias institucionais sem que se tenha obtido resultados concretos, o problema combatido seja reconhecidamente significativo, inclusive pelos órgãos oficiais, e que os meio empregados sejam proporcionais aos fins almejos[55].

No mesmo sentido, posiciona-se J. J. Gomes Canotilho, segundo Geovani de Oliveira Tavares. O constitucionalista português defende que “o direito de resistência é a ultima ratio do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, por actos do poder público ou por ações de entidades privadas[56]”.

Considerando o direito de resistência como a ultima ratio, J.J. Gomes Canotilho o coloca na fronteira da legalidade, onde só poderá ser utilizado quando ocorrer flagrante violação de direitos ou lesão de princípios constitucionais.

Outrossim, Ronald Fontenele Rocha argumenta que, em um Estado Democrático de Direito, não é qualquer injustiça que autoriza a resistência, mas somente aquelas que ultrapassam um limite e são capazes de romper com o dever de todos para com as instituições[57].

Locke, um grande defensor do direito de resistência, teceu, também, comentários a respeito do tema[58]:

Quando a parte que sofreu a injúria puder ser compensada e seus prejuízos reparados mediante o apelo à lei, não haverá pretexto para força, que só deve ser usada quando alguém for impedido de recorrer à lei. Pois nenhuma força deverá ser considerada hostil, a menos que não permita o remédio de tal apelo. E é apenas essa força que põe quem a usa em estado de guerra e torna legítimo resistir-lhe.

Assim sendo, uma sociedade que possua meios institucionais insignificantes de controle das leis, dará, com maior frequência, motivos para que os cidadãos utilizem a resistência, diferentemente de uma sociedade onde as vias institucionais de questionamento estão disponíveis aos cidadãos, o que não impede, eventualmente, a existência de arbítrios.

A despeito da posição exarada acima, existe uma grande dificuldade enfrentada pelo direito de resistência nesse cenário, a sua positivação na ordem jurídica. Não obstante, há consagrações legislativas históricas que fazem referência a esse direito.  

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776, de forte inspiração no paradigma do direito natural, deixou expresso o direito de resistência contra o poder arbitrário dos governantes. Diz seu texto:

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade.

Essa declaração influenciou movimentos de independência em vários países, inclusive no Brasil, consoante relato de Thomas Jefferson, feito por meio de carta, a John Jay[59], em 1787, o qual menciona o teor de uma carta recebida de um brasileiro[60]:

Eu nasci no Brasil. Vós não ignorais a terrível escravidão que faz gemer nossa pátria. Cada dia se torna mais insuportável nosso estado, depois da vossa gloriosa independência, porque os bárbaros portugueses, receosos de que o exemplo seja abraçado, nada omitem que possa fazer-nos mais infelizes. A convicção de que estes usurpadores só meditam novas opressões contra as leis da natureza e contra a humanidade tem-nos resolvido a seguir o farol que nos mostrais, a quebrar os grilhões, a renunciar à nossa moribunda liberdade, quase de todo acabrunhada pela força, único esteio da autoridade dos europeus nas regiões da América.

Por sua vez, o texto da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, acompanhando o momento histórico, estabelece, em seu art. 2º, que “a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.

Entretanto, posteriormente a esse período, o direito de resistência sofreu um processo de desaparecimento dos textos legislativos. Celso Lafer, explica esse acontecimento no processo de positivação de importantes instrumentos de controle destinados a evitar os abusos de poder do Estado absolutista, citando as declarações de direitos, a separação dos poderes, a legitimação constitucional das oposições, a crescente investidura popular dos governantes através de extensão do sufrágio e o controle dos atos administrativos pelo Judiciário[61].

Conclusão semelhante chegou Burdeau, menciona Maria Garcia. O desaparecimento do direito de resistência do campo jurídico positivo apresentaria duas explicações. A primeira diz respeito à dificuldade de admitir a possibilidade da opressão num regime democrático, onde teoricamente não haveria tal espaço. Em segundo lugar “as ideologias modernas começaram a não admitir a resistência como atitude de reserva do cidadão tanto em relação ao poder quanto em relação ao grupo: para elas existe apenas uma tirania, a das ameaças que vêem na recusa dos sacrifícios individuais, aos valores que representam[62]”.

Ademais, correntes jusfilosóficas suscitam que a positivação do direito de resistência implicaria a impossibilidade de distinção entre o lícito e o ilícito. Por esse motivo, defendem a fidelidade ao ordenamento como modo de garantir a unidade e a coerência no momento de comprovar, interpretar e conciliar as normas de direito positivo[63].

Não obstante a força dos argumentos supramencionados, a questão urge algumas considerações. Primeiramente, é mister esclarecer que em Estados autoritários é perfeitamente compreensiva a inexistência de positivação do direito de resistência, visto que há uma tendência irresistível de afastar o povo das discussões políticas. A mesma alegação não pode ser utilizada em um Estado Democrático de Direito, onde a participação popular é sua característica precípua.

Outro ponto é que a opressão não é própria de um regime político específico, podendo existir em qualquer de suas formas, inclusive nos regimes democráticos. Ainda que os cidadãos possuam meios institucionais de questionamento, tais mecanismos podem sofrer distorções e não serem efetivados, fato que transforma o regime em opressor.

Por fim, é necessário indagar quais os fins buscados pelo direito de resistência. Em um ordenamento jurídico jamais será admitido uma disposição que possibilite a sua própria destruição. Desse modo, as invocações do direito de resistência com o objetivo de provocar um colapso na ordem vigente, como fazem movimentos revolucionários, nunca terão refugio no campo jurídico-positivo. A sua aceitação criaria, inevitavelmente, uma ordem legal autofágica, o que é ilógico do ponto de vista jurídico.

Todavia, o exercício do direito de resistência com a finalidade de reafirmação da obrigação jurídica e defesa da ordem constitucional é perfeitamente compatível com o ideal democrático.  Consiste em “um último recurso para manter a estabilidade de uma constituição justa[64]”. Nesse cenário, a resistência se transforma em um instrumento de participação popular nas políticas públicas governamentais sob a forma de pressão social.

Ademais, é imperativo lembrar que a resistência não pode ser usada de maneira desarrazoada, conforme mencionado anteriormente, sob pena de se tornar abusivo e ferir os próprios valores democráticos. Assim, pode-se concluir que, na hipótese de aperfeiçoamento da ordem jurídica, ou seja, o exercício de um direito de resistência social, a sua positivação é perfeitamente coerente com um regime tolerante, onde mesmo quando não expressamente previsto de forma genérica, está implicitamente albergado na Constituição[65]

Como exemplo de textos constitucionais que consagram expressamente o direito de resistência, existe a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949, que dispõe, no seu art. 20, item 4: “ Não havendo outra alternativa, todos as alemães têm o direito de resistir”. No mesmo sentido, expressa a Constituição portuguesa de 1982, em seu art. 21º: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.

O direito de resistência possui varias formas de manifestação, muitas delas ficaram famosas no mundo inteiro como exemplos de luta e perseverança. São elas: o não pagamento de imposto por Henry David Thoreau como protesto pela política escravista do estado de Massachusetts e contra a guerra dos Estados Unidos com o México; a luta de Mahatma Gandhi contra o imposto do sal, levando centenas de hindus ao mar, culminando, posteriormente, nas campanhas para a libertação da Índia do domínio britânico; a campanha pelos direitos civis da população negra norte-americana, tendo como líder o pastor Martin Luther King; o não alistamento militar obrigatório nos Estados Unidos durante a guerra do Vietnã; a luta pelo fim do apartheid na África do Sul, tendo em Nelson Mandela o seu personagem principal e, mais próximo da realidade brasileira e do objeto deste trabalho, as ocupações de propriedades rurais improdutivas pelo MST.

Com exceção da luta contra o apartheid, que teve uma característica violenta em um primeiro momento, todos os outros exemplos de resistência citados acima tinham características de luta pacífica. Essa espécie de manifestação do direito de resistência é chamada de desobediência civil e será tratada mais detidamente no próximo tópico.

3.2Desobediência civil

O ato de desobedecer em si sempre foi colocado, dentro de uma organização social, como algo condenável por possuir um enorme potencial de abalar às suas estruturas vigentes. Essa característica torna o estudo da desobediência civil uma tarefa difícil, pois urge afastá-la de todas as formas de violações de direitos que poderiam distorcer seu conceito e finalidade. Diante disso, a matéria será debatida, abordando problemas de natureza jurídico-filosófica de forma que as conclusões alcançadas permitam clarear as dúvidas que a discussão, possivelmente, trará.

A desobediência civil, nas palavras de Maria Helena Diniz, pode ser entendida como “uma forma particular de desobediência, na medida em que é executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustiça, a ilegitimidade e a invalidade da lei e com o fim mediato de induzir o poder a mudá-la[66]”. Entretanto, esse conceito deve ser estendido, considerando que os objetivos da desobediência civil podem ir além da simples mudança de uma lei.

Para Maria Garcia, esse tipo de resistência pode ser tanto contrária à lei como ao ato de uma autoridade[67]. Já John Rawls vai mais longe ao sustentar que a desobediência civil tem por objetivo mudar até mesmo políticas de governo[68]. Compartilha da mesma opinião Ronald Dworkin. Para ele, são igualmente desobedientes civis, aqueles que se opõem a uma política que consideram injusta com o fim de alterá-la, “uma política de opressão de uma minoria pela maioria[69]”.

Assim, este trabalho não limitará a compreensão acerca da desobediência civil apenas aos atos que buscam a mudança de lei, mas, também, aqueles que visam alterar atos de autoridades instituídas e políticas de governo por ser, nesse sentido, mais coerente com o fim último a que se propõem os praticantes de ações dessa natureza, o combate à injustiça.

De posse desse entendimento, passa-se a busca das origens do tema no pensamento de Henry David Thoreau.

Sob o argumento de que os impostos arrecadados estavam sendo usados, à época, para sustentar um Estado escravista e financiar a guerra de conquista do território mexicano pelos Estados Unidos, Thoreau decidiu negar-se a cumprir suas obrigações tributárias. Essa atitude de desobediência às leis tinha o objetivo de expor, perante o governo, o seu posicionamento contrário às ações estava sendo adotada[70].

Quando um sexto da população de uma nação que se comprometeu a ser o abrigo da liberdade é formado por escravos, e um país inteiro é injustamente invadido e conquistado por um exército estrangeiro e submetido à lei militar, penso que não é demasiado cedo para os homens honestos se rebelarem[71].

Em sua obra, Thoreau faz uma dura crítica ao conformismo da população que, na visão dele, omite-se diante dos abusos cometidos e, por conseguinte, ajuda a fortalecer o próprio governo repressor. Nesse seara, relata expressamente: “aqueles que, embora desaprovando o caráter e as medidas do governo, dão a ele sua lealdade e seu apoio, são indubitavelmente seus defensores mais conscienciosos[72]”.

Nesses termos, conclui que o indivíduo deve obedecer, primeiramente, a sua consciência, cabendo aos governantes apenas respeitar a sua livre escolha. A desobediência civil, tal como foi cunhada por Thoreau, está, portanto, diretamente relacionada ao direito de liberdade de não se submeter às instituições e leis injustas do Estado.

Se a injustiça faz parte do atrito necessário à máquina do governo, deixemos que assim seja: talvez amacie com o passar do tempo, e certamente a máquina irá se desgastar. Se a injustiça tem uma mola, polia, cabo, ou manivela exclusivamente para si, talvez possamos questionar se o remédio não será pior que mal. Mas se ela for de natureza tal que exija que nos tornemos agentes de injustiça para com os outros, então proponho que violemos a lei[73].

A partir da análise da obra de Thoreau, é certo que o autor não faz uma distinção clara entre a desobediência civil e a objeção de consciência. Essas expressões merecem o devido cuidado, pois podem facilmente serem vistas como sinônimas. Desse modo, algumas considerações se fazem necessárias.

A objeção de consciência é a desobediência a uma lei ou ordem considerada moralmente injusta assim como a desobediência civil. Contudo, de acordo com John Rawls, a primeira diferencia-se da segunda por não ser uma ação praticada publicamente com o objetivo de recorrer ao senso de justiça da comunidade. Ademais, continua o autor, os objetores de consciência não são movidos necessariamente por princípios políticos, como ocorre com os desobedientes civis, podendo fundamenta-se em outros de natureza divergente como, por exemplo, fizeram os primeiros cristãos quando se recusaram a obedecer algumas leis do império romano, por serem contrárias as suas convicções religiosas[74].

Sobre o assunto, assevera Celso Lafer que a tendência de confundir desobediência civil com objeção de consciência tem sua explicação no paradigma do direito natural tanto de inspiração na filosofia cristã quanto na razão humana, pois ambos os conceitos se sustentam na crença de que a consciência é o lumen naturale que revelaria aos homens a existência de uma lei superior à lei positiva, a qual devem se submeter[75].

Feitos esses esclarecimentos, é oportuno reconhecer a importância, para o estudo da desobediência civil, das bases que foram lançadas no século XIX, por Thoreau, e que são conservadas até hoje. Todavia, no processo natural de evolução da sua compreensão ao longo dos anos, observam-se o surgimento de opiniões conflitantes entre os estudiosos da matéria acerca de suas características e justificativas.

Contrariamente a Thoreau, para quem a desobediência civil possui como característica marcante a individualidade quanto ao modo de exercício e quanto à titularidade[76], Hannah Arendt defende que o desobediente civil só pode existir mediante ação de grupo. Segundo a filósofa alemã, os “argumentos levantados em prol da consciência individual ou de atos individuais, ou seja, os imperativos morais e os apelos a mais alta lei, seja ela secular ou transcendente, são inadequados quando aplicados à desobediência civil[77]”.

A consciência, afirma Hannah Arendt, tem a faculdade de colocar o homem diante de si próprio, mas não tem o capacidade de persuadir os outros. Dessarte, a objeção de consciência só seria politicamente relevante quando determinado número de indivíduos resolve ir a público. Nesse momento, os desobedientes civis já não contam apenas com suas consciências, mas com a força de uma opinião que está associada ao número de pessoas que a compartilha[78]. Ademais, a desobediência civil, por ser uma ação política, encontra-se na esfera de interesse público, não podendo ser ato de um indivíduo isoladamente.

Assim sendo, a objeção de consciência pode até levar o indivíduo a juntar-se a um grupo de opinião comum, mas são as ações combinadas de minorias organizadas que darão credibilidade às suas convicções e onde se encontra o verdadeiro poder da desobediência civil.

Diante de pontos de vista tão divergentes, não seria desarrazoado admitir um meio-termo, onde o exercício da desobediência civil possa assumir tanto a forma individual quanto a coletiva, mas sempre com fundamento de caráter estritamente público. Compartilha dessa opinião, Ronald Fontenele Rocha[79].

Superadas essas questões, este trabalho volta sua atenção para as circunstâncias que justificariam as ações de desobediência civil.

Nessa tarefa, são valiosos ensinamentos de John Rawls. O autor trabalha a questão da desobediência civil em um contexto que ele convencionou chamar de estado de quase-justiça. Trata-se de “um estado em que a estrutura básica da sociedade é quase justa, fazendo-se as devidas concessões ao que se pode razoavelmente esperar dessas circunstâncias[80]”. Nesse cenário, John Rawls acredita no dever de obediência as leis e as instituições, ainda que injustas.

Segundo ele, no momento em que se busca uma Constituição justa, o objetivo é encontrar aquela que possui a maior probabilidade de conduzir a uma legislação razoável e eficaz. Entretanto, uma Constituição com essa qualidade não garante que as leis originadas a partir dela apresentem a mesma característica, tendo em vista que nenhum processo político é infalível.

Assim, conclui John Rawls[81]:

O dever de civilidade impõe a devida aceitação dos defeitos de instituições e uma certa moderação em beneficiar-se delas. Sem algum tipo de reconhecimento desse dever natural, a crença, e a confiança mútuas tendem a fracassar. Assim, pelo menos num estado de quase-justiça, há normalmente um dever (e para alguns uma obrigação) de obedecer a leis injustas.

Contudo, o autor faz uma ressalva. Quando o ônus decorrente das falhas do processo político não for distribuído de modo mais ou menos uniforme entre os vários grupos da sociedade, e as duras conseqüências de políticas equivocadas pesarem demais em algum caso específico, a obediência pode tornar-se problemática para uma minoria que tenha que suportar uma situação de injustiça por muitos anos[82].

Nessa seara, o John Rawls, elenca três circunstâncias que a desobediência civil seria razoável. A primeira diz respeito à violação do que denominou de princípio da liberdade igual. Entende o autor que, por definir “o status comum da cidadania igual dentro de um regime constitucional e está na base da ordem política[83]”, o seu desrespeito permitiria concluir que as injustiças existentes fugiram ao controle público. A outra condição é que as vias normais de apelo contra a injustiça se mostrem inúteis. Nessa hipótese, como a desobediência civil é o último recurso, o seu exercício se faria necessário. A terceira e última condição se refere aos limites das ações. A adoção da desobediência civil, diz ele, não pode provocar o colapso da lei e da Constituição, pois, caso contrário, atrairia um mal ainda maior para todos[84].

É bem verdade que John Rawls trouxe, com suas palavras, a preocupação constante de evitar desordens e divisões da sociedade nas lutas contra injustiças. No entanto, essa possibilidade somente se vislumbra quando os verdadeiros propósitos da desobediência civil são distorcidos. O que ela almeja é o aperfeiçoamento do sistema vigente, qualquer tentativa de ruptura não pode possuir essa denominação.

Hannah Arendt diverge de John Rawls em alguns pontos. Para a filósofa alemã, a grave dúvida sobre a legalidade e a constitucionalidade das ações governamentais já justificaria a desobediência civil. Nesse sentido, expõe[85]:

A desobediência civil aparece quando um número significativo de cidadãos se convence de que, ou os canais normais para a mudança já não funcionam, e que as queixas não serão ouvidas nem terão qualquer efeito, ou então, pelo contrário, o governo está em vias de efetuar mudanças e se envolve e persiste em modos agir cuja legalidade e constitucionalidade estão expostas a graves dúvidas.

A justificativa para a desobediência civil pode ser, ainda, aperfeiçoada com a utilização de estratégias que possibilitem o combate à injustiça de maneira digna. Nesse caso, pode-se citar o uso da publicidade e o repúdio à violência.

Com efeito, sendo os atos de desobediência civil uma forma de apelo público, nunca são praticados sorrateiramente. A diferença entre a violação clandestina e a violação aberta da lei, executada em público, é enorme.

O transgressor comum, mesmo que pertença a uma organização criminosa, age exclusivamente em seu próprio benefício; recusa-se a ser dominado pelo consentimento dos outros e só cederá ante a violência das entidades mantenedoras da lei. Já o contestador civil, ainda que seja normalmente um dissidente da maioria, age em nome e para o bem de um grupo; ele desafia a lei e as autoridades estabelecidas no terreno da dissensão básica, e não porque, como indivíduo, queria algum privilégio para si, para fugir com ele[86].

Ademais, lembra José Carlos Garcia, a publicidade dos atos serve para manter os canais de negociação com as autoridades, fato que não seria possível caso as ações não fossem públicas[87].

 Nessa esteira, a desobediência civil não pode ser violenta. O dissidente, por acreditar que a violência origina muito mais problemas, impõe-se o permanente exercício da renúncia, ou seja, abandona voluntariamente o uso da força[88]. Complementando a questão, José Carlos Garcia assevera que essa estratégia visa expor o vigor moral dos que estão sendo oprimidos, com vistas a demonstrar que são merecedores de respeito e dignidade, bem como de mobilizar a opinião pública favoravelmente aos desobedientes civis[89].

Com base nessas informações, John Rawls sustenta que, não obstante a violação da lei, o desobediente civil é, paradoxalmente, movido por um grande sentimento de fidelidade à lei, conforme explica[90]:

A lei é violada, mas a fidelidade à lei é expressa pela natureza pública e não violenta do ato, pela disposição de aceitar as conseqüências jurídicas da própria conduta. Essa fidelidade à lei ajuda a provar para a maioria que o ato é de fato politicamente consciente e sincero, e que intencionalmente se dirige ao senso de justiça do público. Ser completamente aberto e não violento significa empenhar a própria sinceridade, pois não é fácil convencer um ou outro de que nossos próprios atos são conscientes, nem é fácil nós próprios termos certeza disso.

 Dessarte, com a prática da desobediência civil, recorre-se ao senso de justiça da sociedade para que seja reconhecida a existência de uma grave violação dos direitos de uma minoria.  Esse apelo ao desejo de justiça tende a convencer a maioria a abandonar as suas vantagens injustas e a reconhecer o pleito dos dissidentes. Nessa tarefa, a violação da lei de forma pública e não violenta torna-se um instrumento de persuasão eficaz.

Todavia, Ronald Dworkin admite a possibilidade dos dissidentes utilizarem métodos não persuasivos.  Alega o autor que os desobedientes civis têm uma relação complexa com o governo da maioria, pois não o rejeitam, mas exigem a presença de algum tipo de restrição. Eles acreditariam, com isso, que a maioria, agindo contra a sua vontade, poderia aceitar as suas reivindicações[91].

Desse modo, a minoria procuraria elevar o preço do programa que tem a preferência da maioria a fim de esperar que ela ache o novo custo elevado demais para levar adiante. São os casos de ocupações de propriedade públicas e privadas, interrupção do tráfego, bloqueio de importações, dentre outras.

Por não pretender mudar a opinião da maioria é que, em uma democracia, métodos não persuasivos são, naturalmente, inferiores do ponto de vista moral. Entretanto, Ronald Dworkin faz uma observação[92]:

Às vezes, porém, estratégias persuasivas não oferecem nenhuma grande perspectiva de sucesso, pois as condições estão longe de ser favoráveis, como é o caso talvez na África do sul. Quando as estratégias não persuasivas são justificadas, se é que o são, na desobediência civil baseada na justiça? É ir muito longe, penso eu, dizer que nunca. A afirmação seguinte, cuidadosamente circunspecta, parece melhor. Se alguém acredita que um determinado programa oficial é profundamente injusto, se o processo político não oferece nenhuma esperança realista de reverter o programa em breve, se não existe nenhuma possibilidade de desobediência civil persuasiva eficaz, se estão disponíveis técnicas não persuasivas não violentas com razoável chance de sucesso, se essas técnicas não ameaçarem ser contraproducentes, então, essa pessoa faz a coisa certa.

Nesses termos, o autor admite que algumas condições tornam aceitáveis métodos não persuasivos de desobediência civil que excepcionem o princípio do governo da maioria. No entanto, é mister destacar que a utilização desses meios merece o devido cuidado para que não sejam entendidos como uma forma de chantagem e, por conseguinte, trazerem um efeito inverso ao pretendido. Nesse sentido, a maioria, ao invés de ceder, pode reforçar ainda mais as suas convicções em prejuízo da minoria. Logo, somente o caso concreto é que vai determinar se é plausível, ou não, utilizar métodos não persuasivos em ações de desobediência civil.

Contrariamente a tudo que já foi exposto, existem aqueles que suscitam argumentos avessos à desobediência civil. Eles acreditam que a sociedade desmoronaria caso todos passassem a desobedecer às leis que acham injustas sem assumirem os encargos de suas ações. Ademais, dizem que a igualdade entre os cidadãos estaria comprometida, uma vez que a minoria desobediente se beneficiaria dos que respeitassem a lei.

Contudo, essa visão oculta uma falha, pois parte do pressuposto de que os dissidentes sabem que estão infringindo uma lei válida. Isso ignora totalmente a possibilidade dos desobedientes civis, por questões morais, divergirem da opinião das autoridades e dos juízes, ou seja, os dissidentes, seguindo seus postulados morais, podem desrespeitar a lei por terem a plena convicção de que ela é inválida[93].

Segundo Ronald Dworkin, a relevância dessas questões morais estaria na Constituição. Assim sendo, diz ele: “qualquer lei que pareça comprometer essa moral levanta questões constitucionais, e se esse comprometimento for grave, as dúvidas constitucionais também serão graves[94]”.

Esclarecendo a ligação entre questões morais e jurídicas para Ronald Dworkin, José Carlos Garcia  aduz[95]:

Dworkin sustenta critérios de moralidade positiva, argumentando que a Constituição dos Estados Unidos, e boa parte das constituições hoje existentes, acolhem certos postulados morais relativos à sociedade em que foram promulgadas, fazendo com que esses critérios de moralidade, que são em última instância critérios de moralidade da própria cidadania, assumam o caráter de determinações constitucionais, em face das quais a legislação em sentido diverso não poderia prevalecer.

O que ocorre é que, quando se trata de Estado Democrático de Direito “a moral não paira mais sobre direito, como era sugerido pela construção do direito racional, tido como uma série de normas suprapositivas: ela emigra para o direito positivo sem perder sua identidade[96]”.

Com isso, a ilegalidade da desobediência civil é, na verdade, relativa. O seu exercício pode ser um instrumento do cidadão para participar do controle de constitucionalidade da norma jurídica, sem que seja pelas formas previstas expressamente[97], ou uma discordância quanto à legalidade do modo como ela está sendo aplicada[98].

Os atos de desobediência civil, portanto, podem funcionar, em uma democracia, como um importante mecanismo de controle popular, desde que respeitadas as condições já mencionadas. Ante a importância do assunto, o tópico seguinte estudará o tema de forma mais aprofundada.

3.3Democracia e desobediência civil

A Democracia é um regime político onde o poder encontra-se nas mãos do povo. Em outras palavras, democracy is the government of the people, by the people, for the people[99]. Nesse ambiente, as leis são aprovadas por um parlamento formado por representantes eleitos pelo povo, direitos e garantias constitucionais ficam à disposição dos cidadãos, as vias institucionais de questionamento são acessíveis, dentre outras características.

Considerando que, a partir disso, é possível suscitar inúmeros argumentos contrários a legitimidade da desobediência civil em Estados democráticos modernos, o presente trabalho reservará este momento para interligar duas expressões que, prima facie, seriam incompatíveis, democracia e desobediência civil.

Segundo Norberto Bobbio, uma definição mínima de democracia se assenta em três bases. A primeira é a existência de um grande número de cidadãos com direito de participar direta ou indiretamente das decisões coletivas. A segunda é a presença de sua regra fundamental, a regra da maioria. De acordo com os seus preceitos, as decisões aprovadas pela maioria daqueles que tem o direito de participação política vinculam a todo o grupo. Uma ressalva que se faz a essa regra é que suas decisões não são absolutas, uma vez que ela não pode ferir elementos intrínsecos à democracia. Está se referindo, aqui, aos direitos fundamentais. Ora, “sendo os direitos fundamentais imprescindíveis à democracia, quando se agride tais direitos fere-se a própria democracia[100]”. Desse modo, a regra da maioria só é válida quando resguarda, em suas decisões, os direitos mais essenciais do ser humano. Por fim, afirma o mestre de Turim, é indispensável que os cidadãos chamados a decidir ou eleger seus representantes possam ter alternativas reais de escolha[101].

No entanto, a noção de democracia não pode estar mais adstrita às condições mencionadas no parágrafo anterior, pois avanços nesse sentido já foram conquistados em muitos países o que torna imperativo buscar outros campos para o seu desenvolvimento. Ante a questão, esclarece Norberto Bobbio[102]:

Uma vez conquistada a democracia política, nos damos conta que a esfera política está incluída em uma esfera muito mais ampla que é a esfera da sociedade no seu todo e que não existe decisão política que não seja condicionada ou até mesmo determinada por aquilo que acontece na sociedade civil. Percebemos que uma coisa é a democratização do Estado, outra coisa é a democratização da sociedade, donde ser perfeitamente possível existir um Estado democrático numa sociedade em que a maior parte das instituições – família à escola, da empresa à gestão dos serviços públicos – não são governadas democraticamente.

Com efeito, o processo de evolução da democracia impõe a diminuição da distância que separa o povo das decisões políticas. Reduzir o cidadão à condição de mero eleitor é restringir, em demasia, o conceito de democracia, cuja participação da coletividade na gerência do Estado é um componente essencial. Assim sendo, a democratização da sociedade só pode ser atingida quando forem criados instrumentos que possibilitem, de fato, o controle social sobre as instituições oficiais.

Nesse sentido, é imprescindível o reconhecimento da proximidade entre democracia e sociedade pluralista. Onde existe essa forma de sociedade, são encontrados diversos grupos formadores de centros de poder não identificados com o Estado. São eles, os sindicatos, partidos políticos de diferentes ideologias, associações e organizações das mais diversas naturezas. A concorrência entre eles é que permite a atração de cada vez mais indivíduos dispostos a participar das decisões políticas, fazendo com que o poder seja, além de partilhado, também controlado[103].

Em defesa de uma democracia participativa, Ronald Fontenele Rocha aduz[104]:

A dialética travada entre governantes e governados deve-se dar por meio de input (pressões sociais centrípetas) e outputs (decisões políticas centrífugas). Essa interface entre o político e o social é fundamental para a oxigenação do governo, e consequente legitimidade da práxis estatal. Devem os governos e parlamentos recrudescer os processos de auscultação social, a fim de sintonizar as decisões públicas com os anseios sociais.

Somente por meio dessa realidade é que possível entender uma característica fundamental da democracia, o dissenso. Não se quer, aqui, dizer que o regime político se apóia no dissenso, mas que a existência do consenso da maioria implica a presença de uma minoria que dissente. Sendo o consenso unânime algo irreal, um regime só pode ser chamado de democrático quando houver liberdade para dissentir.

Refazendo o percurso em sentido contrário, a liberdade para dissentir necessita de uma sociedade pluralista, uma sociedade pluralista permite uma maior distribuição do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a democratização da sociedade civil e finalmente a democratização da sociedade civil alarga e integra a democracia política[105].

Se em uma democracia o dissenso é um direito, ele só faz sentido se for capaz de inserir temas para discussão em sociedade e influenciar na tomada de decisão políticas. Jürgen Habermas denomina de modelo de iniciativa externa os casos em que um grupo, não pertencente à estrutura governamental, mobiliza-se para atrair a atenção da opinião pública e impor pressões sobre os que têm poder de decisão com o fim de ver suas demandas postas na agenda política do governo[106]. Trata-se de um fluxo de poder originado na periferia social que parte em direção ao centro de decisões.

Contudo, o que se observa é que, dentro do sistema político, essas movimentações ocorrem, normalmente, em sentido diverso, pois os temas são introduzidos pelo governo em direção centrífuga sem a participação da sociedade civil sobre a sua iniciativa. Criticando essa situação, assevera Jürgen Habermas[107]:

Em nosso contexto, não há necessidade de fundamentar uma análise empírica convincente acerca das influências que a política exerce sobre o público e vice-versa. Basta tornar plausível que os atores da sociedade civil até agora negligenciados, podem assumir um papel surpreendentemente ativo e pleno de conseqüências, quando tomam consciência da situação de crise. Com efeito, apesar da diminuta complexidade organizacional, da fraca capacidade de ação e das desvantagens estruturais eles têm a chance de inverter a direção do fluxo convencional da comunicação na esfera pública e no sistema político, transformando destarte o modo de solucionar problemas de todo o sistema político.

O certo é que os atores sociais, por si sós, não podem superar as desvantagens que sua posição lhes condiciona ao tentarem inverter o fluxo de poder para terem seus temas discutidos. Nessa tarefa, é forçoso a presença de um elemento determinante, os veículos de comunicação de massas. Recorrendo a Jürgen Habermas novamente[108]:

Para atingir o grande público e a “agenda política”, tais temas têm que passar pela abordagem controversa da mídia. Às vezes é necessário o apoio de ações espetaculares, de protestos em massa e de longas campanhas para que os temas consigam ser escolhidos e tratados formalmente, atingindo o núcleo do sistema político e superando os programas cautelosos dos “velhos partidos”.

Do ponto de vista habermasiano, os atores sociais utilizam a mídia como caixa de ressonância de seus argumentos para atingir o grande público, tendo como última medida para conferir maior audiência, os atos de desobediência civil. Nessa hipótese, procuram demonstrar a insatisfação com os governantes ao mesmo tempo que se colocam sob o julgamento da sociedade. Essas ações, portanto, dependem da “concepção pública da justiça que caracteriza a sociedade democrática[109]” para produzirem resultados.

Os dissidentes procuram fazer com que, dentro da estrutura constitucional, as deliberações políticas não se dissociem da sociedade civil. Seus atos, usados com equilíbrio, contribuem para restaurar as instituições quando desviadas dos interesses sociais. Assim sendo, o argumento a favor da legitimidade da desobediência civil encontra-se em “sua própria origem na sociedade civil, a qual, quando entra em crise, serve-se da opinião pública para atualizar os conteúdos normativos do Estado democrático de direito, e para contrapô-los à inércia sistêmica da política institucional[110]”.

Acredita-se, com isso, que esses modos de protesto se coadunam com os objetivos de uma Constituição democrática ao funcionarem como um suplemento à sua concepção puramente legal[111]. Em outras palavras, a Constituição, quando democrática, pode sancionar atos considerados como violações da lei.

Sob outro aspecto, a desobediência civil encontra sua razão de ser no próprio direito democrático de dissentir sobre o que é justo e bom para o conjunto da sociedade. A partir disso, adentra-se num ponto importante, a divergência entre a interpretação oficial da norma jurídica e a interpretação dos dissidentes no Estado Democrático de Direito.

Conforme mencionado no item anterior, a desobediência civil não é, necessariamente, ilegal. A questão sempre depende do observador. À luz da interpretação oficial, essas ações, normalmente, serão vistas como contrárias às leis, pois existe, por parte das autoridades democraticamente constituídas, o forte interesse político de manutenção do status quo.

Importantes filósofos do direito como Ronald Dworkin, John Rawls e Jürgen Habermas se posicionaram no sentido de reconhecer que não existe apenas uma interpretação da norma jurídica, tampouco que essa fica adstrita aos tribunais.

Ronald Dworkin entende que “a lealdade do cidadão é para com a lei e não para com nenhum ponto de vista particular que alguém tenha sobre a natureza do direito[112]”.  De acordo com essa afirmação, ninguém se comporta injustamente quando se deixa guiar por sua própria concepção, desde que esteja agindo de forma ponderada e razoável, sobre o que a lei requer. Desse modo, se a matéria ferir direitos fundamentais, o cidadão não extrapolará seus direitos ao se recusar a aceitar, como definitiva, uma decisão judicial.

Nesse mesmo sentido, pensa John Rawls[113]:

Numa sociedade democrática, portanto, sabe-se reconhecer que cada cidadão é responsável por sua interpretação dos princípios da justiça e pela conduta que assume à luz deles. Não pode haver nenhuma interpretação legal ou socialmente aprovada desses princípios que moralmente tenhamos sempre de aceitar, nem mesmo quando a interpretação é da corte suprema de justiça ou legislativo. De fato, cada função constitucional, o legislativo, o executivo e o judiciário, apresenta a sua interpretação da constituição e dos ideais políticos que a informam. Embora o judiciário possa ter a última palavra na solução de qualquer caso particular, ele não está imune a poderosas influências políticas que podem forçar a revisão de sua interpretação da constituição.

Deveras, os tribunais não podem ser os únicos capazes de dizer o que é direito, de tal modo que a interpretação correta da norma jurídica seja somente aquela oriunda de suas decisões. Esse modo juspositivista de ver a questão corrompe o que se entende por Estado Democrático de Direito.

Para se harmonizar aos anseios populares, ao invés de impor uma interpretação, os tribunais devem usar argumentações para persuadir a maior parte dos cidadãos acerca de suas concepções. Nessa seara, John Rawls defende que “o tribunal de última instância não é o Judiciário, nem o executivo, nem o legislativo, mas, sim, o eleitorado como um todo[114]

É mister lembrar, ainda, que a Constituição democrática merece uma compreensão dinâmica, o que requer a constante revisão de sua configuração com o intuito de interpretá-la apropriadamente. Nessas atualizações, as expectativas da sociedade é que devem ditar os rumos para o novo momento.

Nesta ótica de longo alcance, o Estado democrático de direito não se apresenta como uma configuração pronta, e sim, como um empreendimento arriscado, delicado e, especialmente, falível e carente de revisão, o qual tende a reatualizar, em circunstâncias precárias, o sistema dos direitos, o que equivale a interpretá-los melhor e a institucionalizá-los de modo mais apropriado e a esgotar de modo mais radical o seu conteúdo[115].

Portanto, a possibilidade de existir divergências quanto à interpretação da norma jurídica torna ainda mais compreensiva a desobediência civil.

Por outro lado, não obstante os dissidentes se apoiarem na crença de que o direito está com eles, a palavra final é do Judiciário. Em função disso, os desobedientes civis procuram utilizar a mobilização popular para forçar os tribunais a revisarem a interpretação da norma jurídica. Isso somente é possível em um ambiente democrático, onde existe liberdade para discordar da interpretação oficial a ponto de adequá-la às pretensões sociais.

Por todo o exposto, um Estado não pode ser considerado democrático apenas por possuir instituições que caracterizam esse regime político. A essência da democracia está no estreitamento das relações entre a sociedade civil e as autoridades políticas. A desobediência civil, nesse contexto, funciona como um estimulante do sistema, fazendo com que as novas demandas alcancem o centro da política.

Torna-se claro que a desobediência civil não é incompatível com a democracia. Ao contrário, são os preceitos desse regime político que dão apóio aos dissidentes. Quando a sociedade entra em crise, a desobediência civil, sob a forma de pressão social, torna-se o único meio de correção das instituições viciadas. Ela é um ato em defesa da democracia contra as deformidades ocasionadas pela tentativa de limitar a participação popular nas decisões políticas.


4.FUNDAMENTOS DE LEGITIMIDADE DAS OCUPAÇÕES DE PROPRIEDADES RURAIS IMPRODUTIVAS

Após a análise detalhada da evolução da questão agrária no Brasil e das concepções jurídico-filosóficos que norteiam o trabalho, serão definidos, neste capítulo, os fundamentos de legitimidade das ocupações de propriedade rurais improdutivas perpetradas pelo MST.  O primeiro momento se limitará ao estudo da função social da propriedade rural, evolução histórica e conceito, demonstrando os pontos mais divergentes que tocam a matéria. Posteriormente, serão analisadas as ações do MST e como elas contribuem para o resgate da cidadania daqueles que sofrem com a negação de direitos fundamentais. No último momento, a matéria será tratada sob a ótica do judiciário, culminando com o estudado de duas decisões proferidas nas mais altas Cortes deste país.

4.1A função social da propriedade rural

O modo como o direito de propriedade é tratado em matéria constitucional demonstra como está constituído todo o arcabouço que sustenta o Estado. Uadi Lammêgo Bulos defende que se trata de “um direito nodular à fisiologia do Estado e, conseqüentemente, de toda a base jurídica da sociedade[116]”. Seu conceito atual é fruto de um logo processo evolutivo, onde os preceitos individualistas foram deixados de lado, dando lugar a um imperativo de ordem econômica e social que a insere em uma posição de subordinação ao bem comum. Nessa nova conjuntura, surge o que é entendido como função social da propriedade.

Desse modo, para que este trabalho alcance o fim que almeja, é indispensável, mais uma vez, valer-se de uma análise histórico-jurídica da matéria, reservando uma atenção especial à propriedade rural.

As primeiras proposições sobre a função social da propriedade nascem na Grécia Antiga. Como um dos maiores pensadores desse tempo, Aristóteles defendia que a comunidade total dos bens geraria inúmeras dificuldades, tendo em vista que as desigualdades naturais existentes entre os homens criariam vantagens indevidas para alguns em detrimento dos outros. No entanto, o filósofo grego admite que os bens possam ter aspectos comunitários, ainda que pertençam a particulares, conforme passagem de sua obra[117]:

A propriedade privada deve ser comum em um certo sentido, mas, como regra geral, privada. Se a administração dos bens for feita por seus proprietários, não haverá reclamações de uns contra os outros, e prosperarão mais, porque cada um considerará tal tarefa como de interesse pessoal; e a virtude dos cidadãos ajustará sua aplicação, conforme diz o provérbio, “todas essas coisas devem ser, o mais possível, comuns entre amigos”. Mesmo hoje já são encontrados traços de um tal sistema, o que indica que não é impraticável, especialmente nas Cidades bem organizadas, em que já existem em parte, e a outra parte pode vir a funcionar. Pois, embora cada homem possua seus próprios bens, ele põe algumas coisas à disposição dos amigos, e também faz uso de alguns bens destes, como se fossem bens comuns.

Em Roma, a organização social e política que sustentava a sociedade tratou de moldar a noção de propriedade para aquele povo. O pater famílias detinha o poder sobre o núcleo familiar, além de tomar todas as decisões que diziam respeito ao patrimônio da gens. Nesse cenário, a propriedade, para o Direito Romano, possuía como característica o individualismo exclusivista e era exercida por meio do jus utendi, fruendi et abutendi.

Uma questão que é suscetível de engendrar discussões diz respeito à possibilidade de entender o direito de propriedade romano como absoluto. Em que pese a presença de elementos contrários ao bem comum, verifica-se que, desde a Lei das XII Tábuas, já existiam limitações ao direito de propriedade. Mais especificamente em relação ao Direito Romano, tinha-se, já no governo de Justiniano, a plena a noção de desapropriação por motivos de utilidade pública. Nesse sentido, ainda que seja considerada individualista, a propriedade romana não pode ser tida como absoluta[118].

O fim do Império Romano do Ocidente, decorrente das invasões bárbaras, proporcionou o surgimento de um novo regime de propriedade. Passa-se a ter uma superposição de direitos, pois o domínio é atribuído a mais de uma pessoa, o senhor feudal e o servo, pondo fim a uma das características do direito de propriedade romano, a exclusividade.

Da importância social que esse bem de produção desfrutava nessa estrutura decorrem conseqüências que singularizavam o regime jurídico da propriedade. Sua exploração tomou, juridicamente, a forma de vínculo entre os que a possuíam, mas não a cultivavam, e os que trabalhavam, mas dela não eram donos. A estes reconheceu-se o direito de possuí-la com a obrigação, porém, de satisfazer perpetuamente determinadas prestações, que revestiam diversas formas. Em suma, tinham um direito real na coisa alheia, mas não a propriedade. Conservava-se esta no domínio eminente das famílias nobres, que a senhoreavam, sem a trabalhar[119].

Entretanto, com aumento das relações comerciais, a migração de pessoas do campo para as cidades se intensificou, houve a concentração do poder político nas mãos do rei e foi dado início a um grande processo de renascimento da cultura greco-romana. Esses fatores, somados, provocaram a decadência do feudalismo na Europa ocidental.

A burguesia que emergia desse novo mundo, com o tempo, começou a contestar os privilégios recebidos pela aristocracia descapitalizada e a reclamar uma maior participação na política dos países. Desse estado de insatisfação, eclodiram as primeiras revoltas liberais.

Fazendo frente ao intervencionismo estatal, a propriedade passou a ser associada aos gritos de liberdade da época de tal forma que os filósofos do liberalismo lhe imprimiram um caráter absoluto nunca antes visto. Em meio a essa turbulência, foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que colocou, em seu art. 2º, a propriedade como inerente a própria natureza humana. Contudo, a consagração da doutrina liberal só chega com o Código Napoleônico que passa a influenciar textos normativos no mundo inteiro, inclusive no Brasil, com o Código Civil de 1916[120].

Marcelo Dias Varella sustenta que, nesse período, o “Estado nada poderia fazer frente ao direito sagrado, natural e absoluto do homem, gerando uma obrigação de não fazer erga omnes, excluindo o direito da coletividade[121]”.

Esse ambiente de individualismo exacerbado trouxe graves consequências para a sociedade. A crescente desigualdade social motivou o surgimento de novas doutrinas, desta vez em oposição ao Estado liberal. Filósofos como Karl Marx e Friedrich Engels passaram a defender a abolição da propriedade privada como forma de combater as deformações causadas pelo sistema capitalista de produção.

No campo jurídico, destacou-se Leon Duguit ao suscitar a tese da propriedade como uma função social. Segundo ele, todos os indivíduos possuem uma obrigação na sociedade. O homem possuidor de bens tem que cumprir a finalidade social que lhe é implícita, porque a propriedade não é um direito subjetivo, mas função social de quem a possui. Assim, quem não a utiliza ou a utiliza inadequadamente não é tido como proprietário[122].

No entanto, a função social da propriedade como doutrina só vem a surgir com a Igreja Católica por meio das encíclicas papais inspiradas nos ensinamentos de São Tomás de Aquino. Na Suma Teológica, ele assevera que “os bens da terra foram destinados por Deus a todos os homens, sendo reservados, provisoriamente, à apreensão individual, e a utilização da propriedade deve visar ao bem comum[123]”.

A doutrina católica reconhecia o direito de propriedade, mas sempre condicionado a satisfazer o bem-estar da sociedade. Na encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII pregava que “o homem não deve possui as coisas exteriores como privadas, mas como comuns, de modo que facilmente as partilhe com os outros[124]”.

Outrossim, o Papa João XXIII, em Mater et Magistra, afirma que a propriedade, “intrinsecamente, comporta uma função social, mas é igualmente um direito que se exerce em proveito próprio e para o bem dos outros[125]”. No mesmo sentido, urge destacar, ainda, a sabedoria do Papa João Paulo II[126]:

A propriedade não implica, por si só, a destinação exclusiva do bem possuído ao uso do possuidor. A propriedade é uma administração. É um poder estável de administrar e dispensar os bens. O possuidor tem o direito de utilizar seus bens ao seu uso em primeiro lugar, a satisfazer de suas próprias necessidades. Em segundo lugar, às necessidades dos demais, confrontando sempre suas necessidades pessoais com as carências dos outros. Os bens dos possuidores estão hipotecados às carências dos que não possuem. Na doutrina da igreja a propriedade não se define pela alocação, mas pela responsabilidade.

Nota-se que, na doutrina da igreja, a propriedade privada não é considerada o grande mal da sociedade, conforme acreditava os comunistas, tampouco é uma função social, como entendia Duguit. Em sua concepção, ela é um direito natural exclusivo e transmissível, onde sua legitimidade decorre da necessidade de atender ao interesses gerais da sociedade. 

Esse pensamento norteou a compreensão atual acerca da função social, pois manteve a propriedade na esfera privada ao mesmo tempo que proporcionou uma mudança de consciência no modo como ela é entendida.

No Brasil, a função social da propriedade só veio a ser incluída no texto constitucional de 1934, sob forte influência da Constituição de Weimar. Carlos Alberto Dabus Maluf conta que se tratava de um golpe de morte no velho conceito de propriedade, que passaria a ter uma forma mais humana, flexível e dinâmica para atender as novas exigências sociais[127]. Nas demais Constituições, a prevalência do interesse público sobre o privado se manteve, embora variando quanto ao grau de importância.

Foi com a Constituição de 1988 que se deu o passo mais largo no desenvolvimento da doutrina da função social da propriedade ao incluí-la no rol dos direitos fundamentais. Analisando a questão, diz José Afonso da Silva[128]:

O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que este atenda sua função social. Se diz: é garantido o direito de propriedade (art. 5º, XXII), e a propriedade atenderá a função social (art. 5º, XXIII), não há como escapar ao sentido de que só garante o direito da propriedade que atenda sua função social. A própria Constituição dá conseqüência a isso quando autoriza a desapropriação, com pagamento mediante título, de propriedade que não cumpra sua função social (art. 182, § 4º, e 184).

Ademais, vale lembrar, ainda, que a propriedade privada e a função social, estão previstos como princípios da ordem econômica, consoante disposição do art. 170 da Lei Fundamental, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Nessa seara, novamente recorre-se a José Afonso da Silva[129]:

Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-o aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legítima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social.

Nas palavras do autor, conclui-se que o conceito de propriedade privada foi relativizado para atingir os fins propostos pela Constituição de 1988. Para tanto, a sua estrutura teve que ser modificada, incorporando, entre os elementos internos, a função social, que, por incidir sobre seu conteúdo, serve de garantia de existência para o próprio direito em questão. No mesmo sentido, posiciona-se Eros Roberto Grau[130]:

O princípio da função social da propriedade, desta sorte, passa a integrar o conceito jurídico-positivo de propriedade (destas propriedades), de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua interioridade.

Em razão disso – pontualizo – é que justamente a sua função justifica e legitima essa propriedade

Ante o entendimento exarado nos parágrafos anteriores, torna-se inevitável, neste momento, analisar se, independente da natureza do bem, todos os tipos de propriedade são dotados de função social.

Os bens, quanto ao seu aspecto econômico, podem ser classificados como de consumo e de produção. No primeiro caso, trata-se dos bens necessários a satisfazer as necessidades materiais, de prover a subsistência do indivíduo e de sua família. A segunda classificação, por sua vez, se refere aos bens destinados a produção de outros bens, a exemplo da propriedade rural, conforme já foi tratado no primeiro capítulo.

Para Eros Roberto Grau, a propriedade que serve de garantia a subsistência individual e familiar não cumpre uma função social, mas, sim, uma função individual. Desse modo, sustenta que apenas o art. 5º, XXII, da Constituição, se aplicaria a hipótese[131].

Já para Rosalinda P.C. Rodrigues Pereira, o princípio da função social, da forma com foi albergado na Constituição, estaria se referindo a propriedade de bens em geral e não a um único tipo em especial[132].

No mesmo sentido é o pensamento de José Afonso da Silva[133]:

A função social desses bens consiste precisamente na sua aplicação imediata e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer que se destinam à manutenção da vida humana. Disso decorre que sejam predispostos à aquisição de todos com maior possibilidade possível, o que justifica até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição, de modo a propiciar a realização ampla de sua função social. E este é um princípio que se superpõe mesmo ao da iniciativa privada. Assim, a intervenção direta na distribuição de bens de consumo (conceito que inclui também os de uso pessoal duráveis: roupa, moradia etc.), para fomentar ou mesmo forçar o barateamento do custo de vida, constitui um modo legítimo de fazer cumprir a função social da propriedade.

Com efeito, por estar consagrado tanto como um direito fundamental quanto como princípio da ordem econômica, é razoável entender que o constituinte ampliou a esfera de abrangência da função social para alcançar todos os tipos de propriedade. Ainda que alguns bens tenham por objetivo o consumo e a satisfação das necessidades básicas, isso, por si só, pode ser entendido como uma função social, na medida em que garante, ao núcleo familiar, a oportunidade de manter dignamente a sua existência. Dessarte, não há distinção jurídica entre os tipos de propriedade no que se refere à função social, o que existe são manifestações diversas conforme a natureza do bem. Assim compreende também Domingos Sávio Dresch da Silveira[134]:

Entendemos que a funcionalização do direito de propriedade atinge a todas as espécies de propriedade. A nosso ver, o que varia é o tipo de função social. Mesmo na pequena e na média propriedade que, nas condições previstas no artigo 182 da Constituição Federal, são insuscetíveis de desapropriação, o que há é uma função social cumprida independentemente da produtividade do imóvel. A função social, portanto, apesar de ser diversa da regra prevista para a propriedade fundiária, está presente e consiste na garantia ao desenvolvimento do núcleo familiar. Essa já é, em si, uma função socialmente relevante. Assim, a função social não é, necessariamente, coletiva. Diga-se, ainda, que ao contrário das constituições anteriores, a atual inclui a função social da propriedade dentre os direitos fundamentais e, não apenas, no capítulo da ordem econômica, o que parece indicar a funcionalização de todas as espécies de propriedades.

Superada essa questão, urge entender como a função social pode ser assegurada nos termos da Constituição.

Partindo da concepção de que o proprietário absorve, para a sua esfera particular, interesses externos que nem sempre coincidem com os seus, é imperativo fazer uso de um conjunto de limitações que venha a impedir a existência de condutas atentatórias aos interesses sociais como outrora se permitia.

Essas limitações se apresentam de forma externa ao direito de propriedade “vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, e se explicam pela simples atuação do poder de polícia[135]”. Não se confundem com a própria função social, pois essa se encontra impregnada na estrutura interna do conceito de propriedade, faz parte do modo como se entende o instituto.

Dentre as limitações, a única que merece um estudo mais aprofundado por este trabalho é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, prevista no art. 184 da Carta Política de 1988.

Por este dispositivo, a União fica autorizada a desapropriar, para fins de reforma agrária, imóveis rurais que não cumpre a função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. Mais adiante a Constituição enumerou os requisitos necessários para que a propriedade rural se compatibilize com o bem-estar social.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Nesses termos, por clara disposição expressa, os requisitos supracitados devem estar presentes concomitantemente. Com isso, o constituinte procurou coibir a inércia do proprietário que “nada faz para auferir de sua propriedade vantagens inerentes a bens desta natureza e que têm repercussão benéfica na coletividade[136]”.

Todavia, o art. 185, II da Carta Magna permite, aparentemente, uma proteção diferenciada à propriedade rural produtiva uma vez que afasta, de sua órbita, a possibilidade de perda indenizada para fins de reforma agrária. Nessa esteira, uma análise literal de seu texto leva facilmente a conclusão de que um imóvel rural que se tornou produtivo ofendendo a legislação trabalhista e ambiental não seria atingido por essa forma de desapropriação.

Embora esse entendimento seja aceito por boa parte da doutrina e da jurisprudência, existem muitos posicionamentos contrários, que merecem igualmente uma devida atenção.

Sobre a matéria, Domingos Sávio Dresch Silveira afirma[137]:

Há outros que entendem que apenas a propriedade que se tornar produtiva respeitando os três elementos componentes da função social, expressamente previstos no artigo 186 da Constituição Federal, encontra-se excluída da reforma agrária. Argumentam que o contrário importaria em premiar a propriedade que descumpre sua função social ou, por outra, que respeita apenas o elemento econômico previsto no artigo 186. Assinale-se que essa interpretação é a que melhor se harmoniza com a concepção que defendemos de ser função social elemento constitutivo do direito de propriedade. 

Não obstante a falta de enfrentamento direto do tema pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 22.164-0/SP, o Relator do caso, Ministro Celso de Mello, em breve passagem de seu voto, se manifestou favorável à possibilidade de desapropriação, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não cumpre o requisito ecológico da função social. Aqui, vale registrar o teor dos argumentos suscitados[138]:

O dever que constitucionalmente incumbe ao Poder Público de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental não impede, contudo, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover, na forma do ordenamento positivo, a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade rural – consoante expressamente proclamado pela Lei nº 8629/93 (art. 9º, II e seu §3º) e enfatizado pelo art. 186, II, da própria Carta Política – consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente, sob pena de, em descumprido esses encargos, sofrer a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental.

Da leitura do voto em apreço, observa-se que houve uma valorização das exigências impostas pelo art. 186 da Lei Maior com a singela inclinação pela possibilidade de desapropriação, para fins de reforma agrária, de propriedades rurais que não resguardam o patrimônio natural das ações predatórias oriundas da exploração econômica do imóvel. É uma posição de grande valor que enriquece ainda mais essa contenda, pois vem de um Ministro da mais alta Corte deste país.

Ademais, é mister ressaltar,  ainda, que a ausência dos elementos ecológico[139] e trabalhista[140] que caracterizam a função social da propriedade rural, já foi usado, inclusive, como justificativa para a edição de decretos expropriatórios que autorizaram o INCRA a propor as devidas ações de desapropriação para fins de reforma agrária.

Nessa mesma seara, é interessante mencionar a posição contraditória de José Afonso da Silva. Em sua obra, Curso de Direito Constitucional Positivo, o autor defende que a proibição de desapropriação, para fins de reforma agrária, de propriedade produtiva, mediante indenização, é absoluta e não seria científico interpretar de maneira diferente[141]. Por outro lado, na obra, Direito Ambiental Constitucional, o mesmo constitucionalista assevera que o proprietário que explora imóvel rural sem atender aos requisitos elencados no art. 186, da Constituição, fica sujeito à expropriação para fins de reforma agrária[142].

A maneira ambígua com que José Afonso da Silva reporta a matéria é um indicador da necessidade de amadurecimento do debate. Ante a relevância que reforma agrária possui, admitir que uma propriedade rural seja desapropriada por descumprir qualquer um dos requisitos que caracterizam a função social abriria, como consequência prática, um leque maior de imóveis rurais passíveis de sucumbir ao interesse social.

Pois bem, diante do que já foi dito, é certo que o estudo da função social suscita muitos questionamentos, sendo compreensível, já que existem diversos interesses que se misturam aos argumentos sustentados por cada lado na contenda. Porém, o mais importante, nesse momento, é destacar que a noção de propriedade rural, sob a ótica tradicional de natureza civilista, já não cabe mais no sistema jurídico brasileiro.

O novo enquadramento legal tem por base a Constituição e leva em consideração os aspectos sociológicos da propriedade rural. A superação das antigas concepções se deve a mudança de valores provocada pela própria evolução da sociedade, conforme explica Marcelo Dias Varella[143]:

O caráter absoluto da propriedade não mais pode ser considerado frente às novas concepções do direito civil, pois cada vez mais a sociedade como um todo impõe uma série de limitações ao seu exercício. Como ensinava Hegel, as instituições jurídicas nascem em um determinado momento histórico, no caso da propriedade, em um período de grande individualismo, onde vigiam determinados valores sociais, ultrapassados há dezenas de anos, defasados mesmo para a realidade da época e, passado estes valores, o instituto da propriedade como bem absoluto do homem perdeu sua razão de existir, perde todo o seu sentido e todo o seu direito. 

Com isso, não se pretende afirmar que houve, no Brasil, a incorporação de conceitos socialistas. A função social modificou o conteúdo do instituto sem retirar-lhe o caráter privado, o que se coaduna com o fato da propriedade ser garantida, como direito fundamental, em inciso próprio do art. 5º, da Constituição. Um reflexo desse entendimento é visto nas indenizações pagas pelo Estado em função das desapropriações de imóveis rurais para fins de reforma agrária.

Eros Roberto Grau argumenta que a função social da propriedade só tem sentido e razão de ser quando referida a propriedade privada, consubstanciando a segunda como pressuposto da primeira. Ademais, lembra que, a despeito disso, muitas vezes a união dessas expressões foi compreendida como algo revolucionário[144].

Esse mesmo raciocínio é observado, ainda, na concepção de reforma agrária proposta pela Carta Magna, onde se privilegia o modo de produção capitalista com a redistribuição das terras em benefício da unidade do núcleo familiar, reforçando, desse modo, a noção de propriedade particular e criando resistências a uma transformação socialista[145].

Contudo, todo raciocínio elaborado não é o bastante para dá a função social da propriedade rural a dimensão que lhe foi concebida pela Lei Fundamental. Por isso, é forçoso uma mudança nas bases que servem de apoio a sociedade para que esse novo momento seja assegurado plenamente.

É por meio desse entendimento que se chega ao ponto central deste trabalho, as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Assim, o próximo item será o espaço de discussão acerca de tais atos, compreendendo-os como uma tentativa de fortalecimento democrático da sociedade civil e de livre exercício da cidadania ativa.

4.2.O MST e o direito à terra

A estrutura agrária no país é fruto, conforme já visto, de um longo período de concentração fundiária que colocou à margem do processo produtivo milhões de brasileiros e desencadeou, por conseguinte, um profundo estado de exclusão social que tem reflexos tanto no meio rural como nos centros urbanos. Nesse ambiente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra surge como um ator social importante ao procurar meios de participação no processo de decisão que ditará os rumos da política nacional de reforma agrária.

Com a finalidade de promover um debate amplo sobre os problemas do campo brasileiro, o MST realiza ações de ocupação de propriedades rurais improdutivas, chamando a atenção do Estado para o cumprimento de norma programática inscrita na Constituição, cujo teor está sendo negligenciado pelo Estado em prejuízo dos trabalhadores rurais que buscam, na democratização do acesso à terra, um modo de regaste da sua própria dignidade.

Dessarte, cumpre analisar as iniciativas do MST e como elas podem contribuir para efetivar a conquista da cidadania por aqueles que, sistematicamente, são privados dos mais elementares direitos.

Primeiramente, é mister estudar a motivação para todas essas ações. A Lei Maior elenca como fundamentos da República, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, além de expressar o compromisso do país com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e da marginalização e com a redução das desigualdades sociais e regionais. Contudo, observa-se que, entre o texto constitucional e a realidade do campo brasileiro, existe, ainda, um caminho muito longo a ser trilhado.

A imensa injustiça social proporcionada pela má distribuição de terras no Brasil acaba servindo de estímulo para que o cidadão, desamparado pelo Estado, tome atitudes que objetivam a realização das necessidades mais básicas da vida humana. Nesse contexto, o MST, como movimento de massa nacional, assume o papel de coordenador da luta campesina, cobrando direitos e se posicionando contrariamente as ações governamentais que agravam a exclusão social no campo.

Assim, a ocupação de propriedades rurais improdutivas reflete o estado de indigência instalada entre os trabalhadores rurais sem terra, que, diante da desesperança, buscam em terras ociosas uma luz para minimizar as péssimas condições em que vivem. Nesse sentido, explica Suzana Angélica Paim Figueiredo[146]:

Característica marcante dessas ações é o motivo e a destinação porque são realizadas. Deve-se considerar que os atos de ocupação têm, inicialmente, como móvel uma situação de fato. O que determina a ocupação para a maioria das famílias é o estado de penúria e necessidade em que se encontram. Sem trabalho, sem condições de sobrevivência, arrastados pela fome, os ocupantes buscam em solos vazios, sem destinação social, em áreas “produtivas não utilizadas” ou “áreas aproveitáveis não exploradas” - para utilizar uma definição do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -, condições de mitigar a fome, imperativo maior para a prática da ocupação de terras.

Nessa esteira, o MST une os trabalhadores rurais sem terra em causa comum, praticando ações que visam despertar as autoridades para a efetivação de programa introduzido no bojo da Constituição. A força de suas pretensões encontra-se presente no esforço coletivo de seus membros que, de forma organizada, tentam dar vida à reforma agrária.

Seus atos intensificam as discussões acerca do tema, chamando a sociedade para dentro do problema. Isso é “fundamental para a consecução da reforma agrária constitucionalmente orientada, uma vez que o mascaramento e o debate ideológico intransigente, antítese da convivência democrática, acabam por desnaturar os respectivos ditames constitucionais[147]”.

Dessa sorte, não se pode falar que exista tão somente a motivação social para a questão, pois há, também, um componente político nas ocupações. Por consequência, o MST, quando atua, atrai para si a discordância daqueles que enxergam suas ações como atos de desordem. É assim porque muitos interesses são colocados em disputa, de um lado aqueles que querem a manutenção do status quo, do outro aqueles que vislumbram um mínimo de transformação social.

João Baptista Herkenhoff afirma que “quando a ordem social, em vez de ser ordem é desordem, os movimentos sociais repõem a ordem essencial, rebelando-se contra a desordem imposta e lutando pela ordem na sua conceituação ontológica[148]”.

A luta do MST contra a ordem imposta justifica-se pela grande distância entre o mundo real e o projeto de mundo idealizado por seus integrantes. Se o primeiro assumisse a percepção de justo não existiria razão para as ocupações de propriedades rurais improdutivas. Todavia, como a realidade não consegue satisfazer o mínimo existencial, torna-se necessária e legítima a pressão por mudanças.

Nesse cenário, urge lembrar que o embate assumido pelo MST é desproporcional, porquanto versa sobre aspectos profundos da sociedade. Acerca da questão, Paulo Freire salientou, em entrevista à TV PUC/SP, que os trabalhadores rurais sem terra, quando lutam pela democratização a sociedade, marcham contra uma vontade reacionária histórica implantada no Brasil[149].

Com efeito, a situação aludida acima é, certamente, o maior obstáculo a ser superado por qualquer o movimento social. Em função disso, é inevitável associar as estratégias de luta dos trabalhadores rurais sem terra com os atos de desobediência civil estudados no capítulo anterior. Esse processo de identificação torna-se, no momento, importante para atestar a legitimidade do MST como catalisador das transformações sociais dentro da ordem democrática.

Os atos de desobediência civil, como já visto, se destacam pela publicidade, não violência e aparente ilegalidade.  Sempre que ocorrem ocupações de propriedades rurais improdutivas, uma preocupação constante das lideranças é a ampla divulgação das suas ações. Para tanto, são utilizados comumente os veículos jornalísticos tradicionais, além do próprio sítio eletrônico do movimento. Essa medida é uma característica do MST e se faz necessária por servir de instrumento de pressão junto ao Poder Público.

No que tange a não violência, verifica-se que esse ponto é bastante polêmico quando se estuda os movimentos sociais. Por isso, é imperioso lembrar que não se pretende, com este trabalho, justificar toda e qualquer forma de atuação do MST. A proposta que está sendo seguida se restringe à análise, in abstrato, das ações de ocupação de propriedades rurais improdutivas à luz da ordem democrática.

Feito esse esclarecimento e dando prosseguimento ao estudo, sustenta-se que a abdicação da violência é uma forma de justificação moral para todo o movimento social que pretende se legitimar perante a opinião pública. Entretanto, isso, por si só, não evita a existência de confrontos nos processos de ocupação de terras improdutivas.

Nessa seara, ressalta-se que, em boa parte das vezes, a força externada pelo MST assume a forma reativa àquela utilizada contra o movimento. Logo, para caracterizar a desobediência civil, basta que a ação seja praticada de tal modo que fique configurada uma hipótese de legítima defesa. No entanto, somente o aplicador do direito, na análise do caso concreto, poderá dirimir a dúvidas que venham a pairar sobre a questão.

Esse é o entendimento de José Carlos Garcia, conforme aduz[150]:

Creio que a exigência de não violência para a caracterização dos Sem-Terra como desobedientes não deve ser entendida necessariamente como sinônimo de vocação para o martírio, e sim como uma dupla exigência de outra ordem: que eles não tomem a iniciativa do confronto violenta; e de que, quando agredidos, limitem sua eventual reação de forma proporcional e moderada, o que exigirá sempre uma atividade de ponderação por parte do intérprete não diferente daquela sempre necessária para caracterizar ou não o exercício da legítima defesa

Por fim, a última característica estudada será a ilegalidade, prima facie, das ações do movimento quando, supostamente, desrespeitam o direito de propriedade.

Ocorre que os trabalhadores rurais sem terra elegeram como objeto principal de suas críticas a propriedade rural improdutiva, apresentando um discurso moral baseado na defesa de sua função social. Nesses termos, o que movimento propõe é a ocupação de terras ociosas para assegurar que elas sejam destinadas ao trabalho e a sobrevivência humana e não mais como reserva de valor. Tal posicionamento é fruto da interpretação sistemática da Carta Magna feita pelo próprio MST e que representa uma discordância acerca da constitucionalidade da política de reforma agrária desenvolvida pelo Poder Público.

Dessarte, observa-se que o movimento afasta a ilegalidade de seus atos, buscando, para tanto, embasamento na Lei Fundamental. Nesse sentido, suas ações são uma tentativa de democratização da sociedade pela inclusão de atores sociais não pertencentes à esfera estatal no processo de interpretação constitucional. Essa situação encontra refugio na teoria da sociedade aberta dos intérpretes proposta por Peter Häberle, conforme passagem de sua obra[151]:

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta, ou até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição.

Deveras, como o MST é, também, um intérprete da Constituição, as ocupações de propriedades rurais improdutivas são, na verdade, uma forma não oficial de controle de constitucionalidade. Elas se fazem necessária diante da posição omissa do Poder Público em relação aos dispositivos elencado na Lei Maior, notadamente os que se referem à reforma agrária. Assim, dentro de um Estado Democrático de Direito, essas ações representam uma evolução da sociedade no sentido de abrir o processo decisório de interesse coletivo à participação da comunidade política.

Quando, se compreende os fatos dessa maneira, é fácil concluir pela legalidade e legitimidade das ocupações de terras improdutivas pelo MST. De modo a reforçar essa percepção, é mister lembrar que os membros do Ministério Público de todo o país aprovaram, no seu 11º Congresso Nacional, a seguinte tese: “considerando a caracterização do estado de necessidade, pode-se concluir que a ocupação de terras improdutivas por trabalhadores e suas famílias que não possuem meios de prover a própria subsistência é ato lícito[152]”.

De igual sorte, o desembargador Gercino José da Silva, ouvidor agrário nacional, defende a legalidade e legitimidade das ocupações[153]:

No que se refere às ações para melhorar a reforma agrária, o Governo Federal, através da Ouvidoria Agrária Nacional, tem notificado os movimentos sociais de que nós apoiamos integralmente as mobilizações, desde que sejam dentro da legalidade. Essa legalidade, no nosso ponto de vista, segue a premissa de que as propriedades rurais produtivas, legitimamente destacadas do patrimônio público para o particular, e que estejam cumprindo a função social, não podem ser objeto de ocupação, haja visto que a Constituição Federal nega sua desapropriação para fins de reforma agrária. Com referencia às áreas improdutivas e griladas, nós entendemos que as ocupações destes imóveis são legítimas, desde que no processo de ocupação não aconteçam crimes como destruição de patrimônio, matança de gado, colocação de pessoas na condição de refém e outros crimes que estão na categoria de crimes comuns e nada têm a ver com a reforma agrária. É bem-vinda a atuação dos movimentos sociais dentro do processo da legalidade. O processo de Reforma Agrária seria mais lento sem a sua atuação.

Desse modo, limitando o estudo às ocupações de terras improdutivas, verifica-se que tais ações se identificam perfeitamente como atos de desobediência civil. Aliado a isso, fica atestado, outrossim, a legitimidade do MST como movimento social inserido no contexto democrático.

Nesse desiderato, é mister mencionar, ainda, no bojo deste estudo que os trabalhadores rurais sem terra mobilizados agem em contraposição às atitudes ofensivas do Estado sobre os direitos e garantias fundamentais, objetivando efetivar a conquista da verdadeira cidadania por meio do respeito à dignidade da pessoa humana. Ante isso, algumas considerações se impõem para o momento.

Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana, nestes termos[154]:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida

Nesse diapasão, garantir a existência de uma vida digna significa proteger os direitos basilares que asseguram ao ser humano um estado de proteção as necessidades mínimas de existência. Esse ideal passa, inevitavelmente, pelo que se entende por cidadania enquanto “status para o cidadão e um direito fundamental[155]”.

Logo, ser cidadão é ter sua dignidade respeitada enquanto pessoa e isso não é outra coisa senão ter, ao alcance, todos os direitos relativos à sua condição humana. Essa afirmação é reforçada pelo pensamento de Hannah Arendt quando preleciona que a cidadania é o direito de ter direitos[156].

Dessarte, aquele que se vê privado da sua posição de cidadão pela negação de direitos fundamentais sofre a maior das violências. Nesse caso, ele será obrigado a viver as margens da sociedade sem um mínimo de dignidade e a ter o seu desenvolvimento pessoal comprometido pela falta de perspectiva em um futuro socialmente mais justo, conforme se observa facilmente em todos os cantos do país, em especial no meio rural.

Assim, quando tenta retardar o acesso à terra àqueles que querem tirar dela o seu sustento e de sua família com respaldo em uma interpretação vesga do direito de propriedade, o Estado brasileiro contribui para a perpetuação da situação de exclusão em que vivem os trabalhadores rurais sem terra e impede que eles exerçam a sua verdadeira cidadania.

Fernando da Costa Tourinho Neto aduz que a propriedade rural é garantida para proteger os direitos fundamentais do ser humano de tal modo que, caso não seja utilizada para esse fim, deixa de ser direito individual fundamental para ser de interesse social[157]. Essa é, sem dúvida, a essência da reforma agrária, a qual se apresenta como uma saída viável para retirar milhões de brasileiros do estado de abandono em que se encontram.

Nesse contexto, conclui-se que só existe cidadania com reforma agrária e é sob essa ótica que o MST procura efetivá-la. A atuação proposta pelo movimento traz um novo ânimo à luta pela terra, pois dá à cidadania um caráter ativo em conexão com o conceito de soberania popular.

Relacionando as duas expressões, Maria Garcia assevera[158]:

A cidadania, exercício da soberania popular e de suas prerrogativas (direitos atribuídos com caráter de exclusividade ao seu titular), compreende os deveres cívicos, a classe dos direitos políticos e todos os que a Constituição e as leis atribuem ao cidadão, em especial a participação na vida política, administrativa e cívica do país; permitem tomar parte na expressão da soberania nacional e procedem ao mesmo tempo da idéia de liberdade política e da liberdade individual, de natureza ou caráter misto, portanto, inerentes, especificamente, à cidadania.

É por meios desse entendimento que se chega a uma concepção de governabilidade democrática. Sabendo disso, o MST promove atos de ocupação de propriedades rurais improdutivas, movido pelo exercício da cidadania ativa de seus membros, a fim de colocar, na agenda do Poder Público, demandas sociais que historicamente tiveram sua concretização adiadas por interesses que não se coadunam com um Estado Democrático de Direito.

Há que se pensar em um novo projeto de reforma agrária, onde as relações econômicas, políticas e sociais sejam geridas pela convivência democrática.  Esse modelo deverá ter nos movimentos sociais, notadamente o MST, o apoio necessário para o seu adequando desenvolvimento.

O desafio da democratização da sociedade agrária passa por um processo em que os movimentos populares rurais se sintam sujeitos capazes e necessários de um Projeto de Reforma Agrária que altere as bases do modelo de desenvolvimento atual e que crie novas bases de integração, reestruturando a produção agrícola e fortalecendo a cidadania dos trabalhadores rurais, entendida como garantia de direitos fundamentais e capacidade de intervenção democrática na definição de política que lhe dizem respeito[159].

Por derradeiro, reafirma-se a posição do MST como legítimo movimento que luta pela reforma agrária e indispensável para o fortalecimento da democracia. Todavia, a tarefa de levar adiante as mudanças necessárias na estrutura agrária no Brasil é pesada demais para ser suportada por um ator social. Nessa empreitada, o papel do Poder Judiciário é dos mais importantes, visto que cabe a ele a função de julgar os conflitos que rodeiam a propriedade rural.

Posto que assuma, em muitas oportunidades, um entendimento avesso as mudanças propostas pelos movimentos populares rurais, em alguns julgamentos, os tribunais já romperam com seu tradicional estilo conservador e adotaram uma postura mais afinada com as transformações sociais. Dessa sorte, insta fazer uma discussão sobre esse ponto no próximo item, analisando o comportamento do Judiciário frente aos conflitos agrários, bem como seu papel na construção de uma nova sociedade.

4.3.Um novo paradigma para a solução de conflitos agrários

A realidade do campo brasileiro é marcada pela presença de inúmeros conflitos coletivos relacionados, dentre outros motivos, pela falta de acesso aos bens de natureza patrimonial ocasionada pela negação de direito essenciais à manutenção das necessidades humana. Sendo esse cenário de desigualdade social o grande estímulo aos conflitos que envolvem a propriedade da terra, conforme destacado neste trabalho reiteradamente, é imperativo analisar a contenda também sob a ótica do Judiciário.

Desse modo, avançando a discussão, cumpre anotar que o ordenamento positivo brasileiro, consoante afirmação de Antônio Carlos Wolkmer, “não consegue garantir uma correta regulação de tensões coletivas que abrangem o acesso à terra e o conseqüente processo de ocupação nas áreas rurais e urbanas[160]”. É assim porque o Poder Legislativo, em crise de legitimidade, se encontra destoante do mundo real e apático diante dos problemas sociais que deveria enfrentar.

Como consequência da inércia das instituições normativas oficiais, os trabalhadores rurais sem terra, excluídos e marginalizados pela sociedade, procuram transformar suas carências em direitos reconhecidos e regulamentados pelo Estado. Para tanto, criam seus próprios espaços de produção jurídica alternativa de cujas relações sociais emergem pretensos direitos legitimados na falta de eficácia da legalidade dominante[161].

Acerca desse ponto, João Baptista Herkenhoff aduz que a prática jurídica popular desmonta as velhas concepções de Direito. Esse, segundo o autor, é posto como algo a ser construído pelo homem e pelas organizações coletivas em meio a uma luta dura e diuturna[162].

No mesmo sentido, a tese de Roberto Lyra Filho corrobora com a ideia da conquista do Direito pela luta populares[163]:

O Direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Por isso, é importante não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazado, com nenhuma das séries contraditórias de normas que aparecem na dialética social. Estas últimas pretendem concretizam o Direito, realizar a Justiça, mas nelas podem estar a oposição entre a Justiça mesma, a Justiça Social atualizada na História, e a “justiça” de classes e grupos dominantes, cuja ilegitimidade então desvirtua o “direito” que invocam.  

Para o jurista, o Direito brota das oposições, dos conflitos e da libertação perante as dominações ilegítimas. Acrescenta, assegurando que, embora se relacione frequentemente com a legalidade, as duas expressões não se confundem, pois o Direito não se acomoda em normas envelhecidas e degradadas, mas, sim, no processo histórico de lutas sociais onde as condições para sua realização são formuladas.

De fato, a lei não deve ser encarada como o único e exclusivo caminho que leva ao Direito. Ela é elaborada para o homem abstrato e padece de naturais imperfeições. Não se quer, com isso, tirar o brilho do regime da legalidade, pois, reconhecidamente, é nele que se apóia o Estado Democrático de Direito. Pretende-se, sim, afastar da cultura jurídica o monopólio da lei como verdade incontestável que apenas contribui para frear os avanços conquistados pela luta popular.

Assim sendo, os direitos não se encontram em uma lista pronta e acabada. Eles são ampliados conforme o surgimento de outras demandas. Dessa sorte, os espaços criados pelo MST para a afirmação de novos direitos refletem as necessidades do momento que envolve uma parcela significativa da sociedade.

Entretanto, na maioria dos casos nem se tratam de novos direitos propriamente ditos, mas novas formas para a sua obtenção, conforme explica Antonio Carlos Wolkmer[164]:

Ainda, que os chamados direitos “novos” nem sempre sejam inteiramente “novos”, na verdade, por vezes, o “novo” é o modo de obtenção de direitos que não possuam mais pelas vias tradicionais – legislativa e judicial –, mas provêm de um processo de lutas e conquistas das identidades coletivas para o reconhecimento pelo Estado. Assim, a designação de “novos” direitos refere-se à afirmação e materialização de necessidades individuais (pessoais) ou coletivas (sociais) que emergem informalmente em toda e qualquer organização social, não estando necessariamente prevista ou contidas na legislação estatal positiva.   

Dessarte, concluir-se que a estratégia usada pelo MST objetiva a transformação da ordem jurídica por meio de mobilização de massa, entendida, aqui, como uma prática alternativa às tradicionais vias de efetivação de direitos. Ou seja, o que o movimento procura, é a conversão do legalismo instituído em uma legalidade democrática fundada nos princípios condutores da justiça social.

Essas aspirações somente serão possíveis com a superação de uma cultura dominada pelo formalismo e tecnicismo no exercício da função jurisdicional. Desse modo, para que possa haver uma resposta satisfatória aos conflitos agrários, o magistrado não deve se apegar, excessivamente, à técnica, pois a mesma inviabiliza, no momento de aplicação da norma genérica e abstrata, a realização da justiça como fim supremo do Direito.

A função jurisdicional transcende a modesta e subserviente atividade de acender aos caprichos e à vontade do legislador (ou dos mandatários do poder), pois, como poder criador, o Juiz não se constitui em simples técnico que mecanicamente aplica o Direito em face dos litígios reais, mas, buscando solucionar os conflitos de interesse entre sujeitos individuais e coletivos de Direito, o operador jurídico aparece como uma verdadeira força de expressão social que se define pelo exercício de uma função capaz de explorar as fissuras, as antinomias e as contradições da ordem jurídica burguesa[165].

Nesses termos, se afastando da posição de técnico, o magistrado pode adaptar os preceitos legais às necessidades fundamentais da comunidade. Isso somente é forçoso porque a norma abstrata, isoladamente, não consegue refletir todo o Direito, tornando a beleza do interprete indispensável para que a ordem jurídica positiva ganhe vida dentro do corpo social.

Assim, o abandono dessa lógica formal é indispensável para que a legalidade ganhe legitimidade e consiga ser, antes de tudo, um instrumento de realização da justiça. Dessa sorte, o interprete torna-se uma força a serviço do progresso, “construtor de uma hermenêutica comprometida com o avanço social, com a melhor distribuição de bens, com a universalização do Direito[166]”.

A proposta apresentada no parágrafo anterior não pretende romper com ordem jurídica oficial, mas buscar a sua transformação dentro do próprio sistema estatal. Não obstante possuir um viés inovador, esse entendimento não é algo incomum nos tribunais, pois facilmente são encontradas decisões judiciais que se coadunam com a posição, aqui, assumida.

Nesse sentido, tem-se o julgamento do Habeas Corpus nº 5.574/SP pelo Superior Tribunal de Justiça que, há um certo tempo, firmou entendimento no sentido de afastar a ocorrência de ilícito penal dos atos de desobediência civil praticados pelos trabalhadores rurais sem terra. Na análise desse acórdão, foram suscitados vários argumentos pelos Ministros, mas que, a despeito do grande valor, não excluem, da decisão final, a importância do MST para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.

A ementa de decisão foi exarada nestes termos[167]:

HC – CONSTITUCIONAL – HABEAS CORPUS – LIMINAR – FIANÇA – REFORMA AGRÁRIA – MOVIMENTO SEM TERRA – Habeas corpus é ação constitucionalizada para preservar o direito de locomoção contra atual, ou iminente ilegalidade, ou abuso de poder (Const., art. 5º, LXVIII). Admissível a concessão de liminar. A provisional visa a atacar, com a possível presteza, conduta ilícita, a fim de resguardar o direito de liberdade. Fiança concedida pelo Superior Tribunal de Justiça não pode ser cassada por Juiz de Direito, ao fundamento de o Paciente haver praticado conduta incompatível com a situação jurídica a que estava submetido. Como executor do acórdão, deverá comunicar o fato ao Tribunal para os efeitos legais. Não o fazendo, preferindo expedir mandado de prisão, comete ilegalidade. Despacho do Relator, no Tribunal de Justiça, não fazendo cessar essa coação, por omissão, a ratifica. Caso de concessão de medida liminar. Movimento popular visando implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando implantar programa constante na Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado Democrático de Direito. 

Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor dos lideres do MST no Pontal do Paranapanema contra o indeferimento da liminar em sede de anterior Habeas Corpus pelo Desembargador Segundo Vice Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, objetivando a revogação da ordem de prisão preventiva. As acusações que pesavam sobre os pacientes se referiam à prática de esbulho possessório, além de formação de quadrilha.

Pois bem, o caso gira em torno do tema central deste trabalho, as ocupações de propriedades rurais improdutivas pelo MST. Destacou-se no acórdão a tese defendida pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro que, dentre outros fundamentos usados para defender sua posição, se manifestou favorável às ocupações de terras ociosas como legítima pressão popular em face do Poder Público.

Eis, aqui, um fragmento extraído de seu voto:

A postulação da reforma agrária, manifestei, em Habeas Corpus anterior, não pode ser confundida, identificada com o esbulho possessório, ou a alteração de limites. Não se volta para usurpar a propriedade alheia. A finalidade é outra. Ajusta-se ao Direito. Sabido, dispensa prova, por notório, o Estado, há anos, vem remetendo a implantação da reforma agrária.

Deveras, as ocupações promovidas pelos trabalhadores rurais sem terra têm por fim chamar a atenção do Estado para a realização da reforma agrária, afastando, com isso, o dolo necessário para a configuração do crime de esbulho possessório.  Outrossim, não há que se falar em crime de formação de quadrilha ou bando, pois esse exige, para sua configuração, a finalidade de cometer delitos, o que não ocorre na hipótese, por consequência lógica da inexistência do esbulho.

Desse modo, o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro procurou salientar que não houve crime contra o patrimônio na hipótese. O que existe, na verdade, é a reivindicação para que o Poder Público, efetivamente, cumpra uma norma programática constitucional. Tal conclusão se sustenta no próprio exercício da cidadania ativa e na noção de soberania popular que fundamentam o Estado Democrático de Direito.

Avaliando a concretização da reforma agrária como uma obrigação que o Estado não pode se ausentar, verifica-se que o acórdão traz um novo paradigma na solução dos conflitos que envolvam movimentos sociais, haja vista a realização de uma exegese sociológica na análise do caso que possibilitou a identificação de fatos fundamentais que orbitavam a matéria, mas que, certamente, seriam desconsiderados se fossem adotados métodos conservadores de interpretação da norma.

A posição assumida é uma amostra de que o Judiciário está sensível as demandas sociais, embora de forma tímida. Por outro lado, é imperioso destacar que isso só foi possível graças à constante mobilização popular, a exemplo do que faz o MST, em prol de direitos que assegurem ao cidadão viver com mais dignidade.

Posto isso, torna-se oportuno finalizar a discussão, lembrando das palavras de Ihering[168]:

Todo direito que existe no mundo foi alcançado através da luta, seus postulados mais importantes tiveram de ser conquistados em um embate contra as legiões de opositores, todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma através de uma disposição ininterrupta para a luta. O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a justiça sustém em uma das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio do qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a outra, e o verdadeiro direito só pode existir quando a justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que a manipula.

Com esse espírito, o MST procura ser um sujeito ativo e influenciador da produção jurídica nacional, reivindicando, do Estado, o reconhecimento de direitos ou exigindo a efetivação dos que já foram positivados.

Outro acórdão de enorme relevância para este trabalho é o julgamento do Mandado de Segurança nº 24.764-9/DF pelo Supremo Tribunal Federal. Segue a ementa, in verbis[169]:

Mandado de Segurança. 2. Desapropriação para fins de reforma agrária. 3. Os recursos administrativos, sem efeito suspensivo, não impedem a edição do decreto de declaração de utilidade pública (Lei 9.794/99, art. 61). Precedente: MS nº 24.163, DJ de 19.9.2003. Inocorrência de ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 4.  Vistorias parceladas. Admissibilidade. Glebas exploradas autonomamente por arrendatários distintos. 5. Configuração de plausibilidade da impetração de modo a obstar medidas tendentes a dificultar a própria produtividade do imóvel, especialmente se, como no caso, a invasão ocorre em áreas onde haja água, passagem ou caminhos. 6. Ocupação pelos “sem-terra” de fração que, embora diminuta, é representativa para a administração da propriedade denominada Engenho Dependência. Superação da Jurisprudência do STF firmada no MS nº 23.054-PB, DJ de 4.5.2001 e MS nº 23.857-MS, DJ de 13.6.2003, segundo a qual, a ínfima extensão da área invadida, não justifica a improdutividade de imóvel. 7. Mandado de Segurança parcialmente deferido.

O caso referido, diz respeito a um Mandado de Segurança impetrado pela Companhia Brasileira de Equipamentos – CBE contra o Decreto do Presidente da República que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária um imóvel rural de propriedade do autor.

Dentre os pontos abordados pelo Impetrante, destaca-se a tentativa de se beneficiar do texto inserido no § 6º, do art. 2º, da Lei nº 8.629/93, com alteração imposta pela Medida Provisória nº 2.183-56/2001, sob a alegação de que o imóvel rural foi objeto invasão motivada por conflitos agrários há menos de dois anos.

A antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assentada nos Mandados de Segurança nº 23.054-0/PB e nº 23.857-7/MS, estabelecia que a ocupação de pequena parte da propriedade rural não tinha força para impedir a vistoria, avaliação ou desapropriação do imóvel. Todavia, na oportunidade, prevaleceu o entendimento do Ministro Gilmar Mendes ao defender que a ocupação, ainda que atinja uma parte ínfima da imóvel rural, não pode ocorrer “em área onde haja água, passagens ou caminhos”, devido ao seu potencial lesivo à administração da propriedade.

No caso, foi superada a jurisprudência que reinava anteriormente, mas sem se distanciar por completo da sua inteligência. Continuou-se a mitigar os efeitos da Medida Provisória nº 2.183/2001, o que permite a continuidade das movimentações do MST, especialmente no que se refere às ocupações de terras ociosas.

Considerando que essas ações são o seu principal instrumento de pressão sobre o Poder Público, o afastamento da interpretação literal da norma adotado pelo Supremo Tribunal Federal é da maior importância, pois possibilita a busca por uma solução para o conflito ao mesmo tempo que se evita sufocar o movimento social.

Sobre o tema, aduz Renata Albernaz[170]:

Tal medida provisória, aliás, criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi “um chute no estômago” para o MST, haja vista que a ocupação é, justamente, sua principal forma de afirmação de direito à ações governamentais de reforma agrária e à de criação de assentamentos. E o judiciário tem aplicado sobejamente os dispositivos legais desta medida provisória quando de julgamentos envolvendo processos desapropriatórios, pois entende que, com tal limitação, o legislador quis evitar o prejuízo ao proprietário expropriado pela redução que macularia o preço de seu imóvel após a notícia da invasão e das depredações possíveis causadas na propriedade. Isto gerou uma enxurrada de defesas de proprietários de áreas ocupadas alegando tais dispositivos de lei para evitar medidas desapropriatórias. Diante desse contexto, que inclusive mataria pela raiz a possibilidade de luta dos movimentos sociais do campo, o Supremo Tribunal Federal interveio mitigando estas restrições [...].

Ronald Dworkin, genericamente, endossa a posição da Corte ao sustentar que o Estado tem como obrigação exteriorizar uma atitude conciliatória em relação aqueles que discordam da aplicação de determinada lei. Suas decisões devem ser flexíveis e tomadas de forma equilibrada sempre que forem compatíveis com outras políticas oficiais[171].

Observa-se, no acórdão em estudo, a necessidade de analisar as divergências com um lado pacificador. Os interesses em disputas devem ser ponderados pelo magistrado a fim alcançar os fins sociais e às exigências do bem comum, na forma apregoada por este trabalho.

Portanto, do estudo das duas decisões citadas acima, extrai-se pontos importantes na defesa de novo paradigma para a solução dos conflitos agrários. O magistrado deixa de ser um servo da lei e passa a ser um agente preocupado com os problemas da sociedade. Ademais, suas responsabilidades se ampliam, já que, na tarefa de procurar os melhores caminhos que levem Justiça, cabe a ele mover a lei de forma a conciliar os interesses dos excluídos e marginalizados, que são necessariamente a ampliação e efetivação de direitos, com o dos proprietários de imóveis rurais.

De igual sorte, deve ter a sensibilidade para assegurar o direito à terra, à vida, à moradia, ao trabalho, dentre outros direitos fundamentais, além de considerar, em suas decisões, a influência da dignidade da pessoa humana e do livre exercício da cidadania como fundamentos para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Deve ser, ainda, compreensivo diante das formas de atuação do MST, haja vista a insuficiência de mecanismos oficiais que garantam o atendimento de seus pleitos. Nesse sentido, a mobilização dos trabalhadores rurais sem terra torna-se uma via natural de luta por direitos devido à força transformadora que um movimento de massa tem sobre as estruturas conservadoras do Estado.

Em breve passagem, ensina Ihering que “a luta necessária ao nascimento do direito não é nenhuma maldição, mas uma benção[172]”. Assim, procurando conquistar direito e promover mudanças mais profundas na sociedade, o MST contribui para a saúde da democracia brasileira, algo que, dentro da razoabilidade, merece um olhar especial.


5.CONCLUSÃO

Os problemas existentes no meio rural brasileiro são históricos. A suas origens remontam ao processo de colonização portuguesa, onde a deturpação do regime das sesmarias implantado no país deu origem a uma classe privilegiada de pessoas. Elas se beneficiaram da proximidade com o poder para atenderem aos seus próprios interesses, o que resultou na formação de uma estrutura fundiária muito desigual.

A promulgação da Constituição de 1988 foi um passo importante para o enfrentamento da questão, pois se criou, aqui, um ambiente favorável às discussões democráticas, permitindo, por conseguinte, a inclusão da sociedade no debate sobre a redistribuição de terras. Entretanto, do ponto de vista prático, pouca coisa mudou.

Esse cenário de concentração fundiária que foi se consolidando ao longo do tempo, ora pela falta de uma legislação adequada, ora pela falta de sua aplicação, fez surgir um descontentamento entre aqueles que ficaram excluídos do processo de produção. As primeiras manifestações contrárias a essa situação foram feitas pelas Ligas Camponesas que atuavam no Nordeste, mas que acabaram sucumbido, após o golpe militar de 1964, devido a forte repressão.

Após duas décadas de poucas liberdades, a consciência política da população aflorou e acabou servindo de estímulo para a criação, em 1984, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra sob a perspectiva de concentrar a luta campesina em uma organização popular de caráter nacional. Preocupou-se, na sua formação, não se limitar a velha luta de classes que caracterizavam os antigos movimentos sociais, relacionando seus objetivos com a conquista de direitos e a participação democrática nas decisões de interesse da sociedade.

O MST, desde sua gênese, passou a se valer das ocupações de terras improdutivas como seu principal instrumento de luta. Suas ações encontram refúgio no legítimo direito de resistência, já que as vias oficiais de contestação não conseguem dá uma resposta satisfatória às necessidades sociais. Trata-se da ultima ratio diante do estado de opressão ocasionado pela negação de direitos fundamentais.

Não obstante os entendimentos contrários, o direito de resistência referido no parágrafo anterior é compatível com o regime democrático desde que seja usado de forma razoável e proporcional, tendo, por fim, o aperfeiçoamento da ordem jurídico-positiva. Essa hipótese ocorre sempre que os atos assumam a forma de pressão social, a exemplo do que faz o MST. A ausência de dispositivo constitucional expresso nesse sentido não impede que se conclua pela existência desse direito sob a forma implícita, pois o envolvimento de atores sociais nas decisões do Poder Público é uma característica marcante do Estado Democrático de Direito e um dos pontos que o diferencia do Estado Autoritário.

Esse direito de resistência próprio da democracia é exercido pelo MST sob a forma de desobediência civil. Por meio desse instituto, os dissidentes demonstram a sua insatisfação com a lei, ato de autoridade ou política governamental de forma pública e não violenta com o objetivo de sensibilizar a sociedade para a alteração do que entende ser injusto.

Dessa sorte, a adoção das características da desobediência civil em sua estratégia de luta é motivada, externamente, pelo estado de exclusão social vivido por seus membros e, internamente, por postulados morais que obrigam a rejeição dessa realidade social. Suas ações são públicas, uma vez que existe ampla divulgação pela impressa nacional e até mesmo internacional, além de não violentas, considerando que os trabalhadores rurais sem terra se restringem apenas a ocupar propriedades rurais improdutivas. Ações fora desse contexto não são consideradas como desobediência civil e não pertenceram ao objeto de estudo deste trabalho.

Soma-se a isso o fato de que, na democracia, a base para a inserção de temas relevantes para a comunidade na agenda política do governo é o dissenso. Sabendo disso, o MST procura, com seus atos, contribuir para enriquecimento do debate acerca da questão agrária no país sem se esconder do julgamento da opinião pública. Essa foi a forma encontrada pelo movimento social para aproximar o centro de poder do cidadão comum, consubstanciando a ideia de legitimidade da suas condutas com a sua origem na sociedade civil.

Na prática dessas ações, os dissidentes podem ser confundidos com violadores da lei. Contudo, o que ocorre, na verdade, é que o MST age em favor do aperfeiçoamento da ordem jurídica. Quando a sociedade está em crise, urge a aplicação de instrumentos corretivos que suplementem a legalidade dominante. Desse modo, a existência de violação, ou não, da norma jurídica é uma questão de caráter, puramente, interpretativo.

Outros fundamentos de legitimidade para as ações do MST são encontrados no bojo do texto constitucional de 1988. Um deles se refere à inclusão do princípio da função social da propriedade entre os direitos e garantias fundamentais. A defesa da utilização da terra em prol do bem comum não chega a ser uma ideia nova no ordenamento jurídico pátrio, pois tal entendimento já existia em Constituições anteriores. No entanto, a forma como foi consagrada, no texto atual, modificou o próprio instituto da propriedade, alcançando todos os tipos de bens.

Para conseguir efetivar a função social em relação à propriedade rural, a Carta Política de 1988 albergou um conjunto de limitações, dentre as quais se encontra a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. A competência para promover essa modalidade de expropriação é da União e deve ser realizada sempre que o imóvel rural não esteja cumprindo o requisito econômico, o ecológico e o trabalhista contidos no art. 186, da Lei Fundamental.

Todavia, o texto constitucional, por meio do art. 185, II, tornou o imóvel produtivo insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária, ainda que não respeite as demais exigências que caracterizam o cumprimento da função social da propriedade rural. Essa exceção é objeto de acalorados debates doutrinários, haja vista o seu aparente descompasso com os demais dispositivos que tratam da matéria.

Em que pese a força dos argumentos avessos a sua aplicação com fundamento em uma interpretação sistemática da Constituição, não seria razoável, na hipótese, desrespeitar a vontade do legislador constituinte.

 Com efeito, a função social não se manifesta sempre da mesma forma. Ela se encontra na propriedade produtiva em virtude da contribuição que a mesma dá para o desenvolvimento da sociedade, reduzindo os custos de vida e ampliando o acesso aos bens de consumo pela população. O mesmo raciocínio se aplica ao caso das pequenas e médias propriedades rurais que possuem uma função social independente da produtividade por serem uma garantia de proteção do núcleo familiar.

Por outro lado, acrescenta-se que a questão agrária não será resolvida com a simples autorização para expropriar imóveis que desrespeitam qualquer requisito do art. 186, da Constituição. O problema está na falta de efetividade dos instrumentos dispostos ao alcance do Poder Público.

A própria noção de produtividade não corresponde à realidade. A Lei nº 8.629/93 alocou o seu conceito, levando em conta apenas os aspectos econômicos atestados por meio do Grau de Utilização da Terra – GUT e do Grau de Eficiência na Exploração – GEE. Todavia, os índices de rendimento usados para aferir a produtividade do imóvel rural foram retirados do Censo Agropecuário de 1975, contrariando a obrigatória atualização periódica exigida pelo diploma legal.

Como resultado, o processo de democratização da terra fica mais lento, uma vez que são desprezados os avanços tecnológicos conquistados nas últimas décadas. Ou seja, uma propriedade só será considerada improdutiva se, de tão mal cuidada, não consiga obter os rendimentos médios de um imóvel rural em 1975. Nessa esteira, a omissão do Estado em atualizar os índices de rendimento provoca uma redução significativa no número de propriedades rurais passíveis de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária.

É nessa situação que se encontra, portanto, um dos motivos pelo qual o MST busca chamar a atenção do Estado. Outras razões estão relacionadas com própria realidade social. A Lei Maior insere como fundamentos do Estado brasileiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana e assegura, como direitos fundamentais, o direito à terra, à vida, à moradia, ao trabalho, dentre outros. A pouca efetividade desses dispositivos constitucionais é determinante para que famílias inteiras decidam ocupar terras não utilizadas pelos seus proprietários.

Devido às divergências com interesses econômicos e políticos poderosos, o MST é frequentemente associado a um grupo de desordeiros. Os que tercem críticas às suas ações ignoram completamente o estado de penúria em que vive o trabalhador rural sem terra para protegerem a manutenção do status quo em respeito a uma suposta ordem que traria benefícios a toda sociedade.

Contudo, a realidade não dá razão a esse argumento. A ordem vigente apenas serve para perpetuar o estado de injustiça e exclusão no campo, o que gera, por conseguinte, algumas reações em defesa de um projeto de mundo diferente do que existe atualmente. Assim, quando os movimentos sociais procuram defender os direitos responsáveis por garantir a própria dignidade de seus membros, não estão trazendo a desordem para o país, mas agindo com o fim de construir uma ordem socialmente mais justa.

Nessa tentativa de transformação da sociedade, o Poder Judiciário assume uma posição de destaque quando abandona a velha cultura jurídica fundada na crença da lei como verdade absoluta. Isso é necessário porque a norma albergada em um comando legal é abstrata e imperfeita para prever todas as particularidades contidas no caso concreto, exigindo, do interprete, sensibilidade diante da dura realidade social.

Dessarte, o magistrado pode ser o indutor do progresso, caso se afaste do legalismo instituído que impede o alcance da verdadeira justiça. Um passo nesse sentido diz respeito ao reconhecimento dos novos direitos conquistados na luta popular e reiteradamente afirmado pelo MST para a solução de conflitos agrários.

Ao invés de condenar o movimento, o magistrado deve reconhecer a importância do MST para o bom funcionamento do corpo social, pois, é na luta pela reforma agrária e efetivação de direitos que essa organização popular consegue expor as mazelas escondidas no interior do país e que historicamente foram ignoradas pelo Poder Público. Nessa esteira, quando os tribunais dispensam um tratamento mais humano à matéria, estão, na verdade, promovendo a justiça social.

Todavia, não basta apenas reservar maior preocupação para os anseios populares ou ser compreensivo diante dos métodos não oficiais empregados pelos movimentos sociais para a efetivação de direitos. O magistrado deve ser, antes de tudo, um conciliador do jogo de interesses. Ao mesmo tempo em que assegura o exercício de direito fundamentais pelos trabalhadores rurais sem terra, deve conter os excessos provocados pela radicalização do movimento.

A proposta mencionada no parágrafo anterior não é algo inalcançável, pois os tribunais já abriram vários precedentes que adotam esse novo paradigma. Embora não sejam tão comuns, decisões nesse sentido parecem ser a melhor saída para conflitos coletivos que envolvem a posse da terra.


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Notas

[1]MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2009. p. 21.

[2]MELO, João Alfredo Telles (Org). Reforma agrária quando?: CPMI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2006. p. 240.

[3]MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2009. p. 24.

[4] MELO, João Alfredo Telles (Org). Reforma agrária quando?: CPMI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2006. p. 240.

[5]STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. 10. ed. São Paulo: Atual, 1997. p. 11.

[6]STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. 10. ed. São Paulo: Atual, 1997. p. 13.

[7]MELO, João Alfredo Telles (Org). Reforma agrária quando?: CPMI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2006. p. 242-243.

[8]PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues Pereira. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 113.

[9]ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Reforma agrária e distribuição de renda. In: STÉDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária hoje. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994. p. 122-123.

[10]STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. 10. ed. São Paulo: Atual, 1997. p. 18.

[11]A propriedade familiar, o minifúndio, o latifúndio e a empresa rural estão definidos nos incisos II, IV, V e VI, do art. 4º da Lei 4.504/64.

[12]PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues Pereira. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 107.

[13]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 819.

[14]MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2009. p. 65.

[15]MELO, João Alfredo Telles (Org). Reforma agrária quando?: CPMI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2006. p. 255-256.

[16]SAMPAIO, Plínio de Arruda apud MELO, João Alfredo Telles (Org). Reforma agrária quando?: CPMI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2006. p. 257.

[17]VARELLA, Marcelo Dias. MST, um novo movimento social?. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 213-214.

[18]Os movimentos sociais clássicos concentravam sua luta na oposição entre burguesia e operário.  

[19]VARELLA, Marcelo Dias. MST, um novo movimento social?. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 226-227.

[20]ALBERNAZ, Renata Ovenhausen, A delimitação de formas de juridicidade no pluralismo jurídico: a construção de um modelo para a análise dos conflitos entre e o direito afirmado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a juridicidade estatal no Brasil. 2008. 320 f. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. p. 186-188.

[21]FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação no MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 33.

[22]STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 18.

[23]LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a constituição: um sujeito histórico na luta pela reforma agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 63.

[24]FERNANDES, Bernardo Mançano.O MST no contexto da formação camponesa no Brasil. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 23-26.

[25]FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação no MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 43.

[26]STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 17.

[27]FERNANDES, Bernardo Mançano.O MST no contexto da formação camponesa no Brasil. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 40-41.

[28]STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 20.

[29]É uma nova forma do movimento sindical, baseada nas reivindicações e disputa política contrária ao sindicalismo oficial.

[30]COMPARATO, Bruno Konder. A ação política do MST. São Paulo: Expressão Popular, 2003. p. 23.

[31]FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação no MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 79-80.

[32]STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 32-33.

[33]FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação no MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 84.

[34]LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a constituição: um sujeito histórico na luta pela reforma agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 89.

[35]FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação no MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 85.

[36]FERNANDES, Bernardo Mançano.O MST no contexto da formação camponesa no Brasil. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 80.

[37]LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a constituição: um sujeito histórico na luta pela reforma agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 119.

[38]VARELLA, Marcelo Dias. MST, um novo movimento social?. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 233-234.

[39]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 158.

[40]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 188.

[41]PAUPÉRIO, Machado apud GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 160.

[42]RIBEIRO, Ana Maria Marques. Direito de resistência nos marcos do Estado Democrático de Direito: Análise do ato de desobediência civil nas ocupações de terra do MST. 2004. 161 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas)-Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2004. p. 57.

[43]LOCKE, John. Dois tratados sobre governo. Tradução Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 391.

[44]LOCKE, John. Dois tratados sobre governo. Tradução Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 400.

[45]A positivação das leis naturais é a base jurídica do Estado Liberal de John Locke.

[46]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 189.

[47]LOCKE, John. Dois tratados sobre governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 563.

[48]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 190.

[49]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 164.

[50]IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998. p. 63.

[51]IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998. p. 108.

[52]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 78-79.

[53]DINIZ, Maria Helena, Norma constitucional e seus efeitos. 7. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 102.

[54]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 196.

[55]TAVARES, Geovani de Oliveira. Desobediência civil e direito político de resistência: os novos direitos. Campinas: Edicamp, 2003. p. 15-17.

[56]CANOTILHO, J. J. Gomes apud TAVARES, Geovani de Oliveira. Desobediência civil e direito político de resistência: os novos direitos. Campinas: Edicamp, 2003. p. 19.

[57]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 81-82.

[58]LOCK, John. Dois tratados sobre governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 567.

[59]Thomas Jefferson foi o principal autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos e o terceiro presidente daquele país.  John Jay foi o primeiro presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos.

[60]HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O federalista. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell Editores, 2003. p. 11.

[61]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 191-192.

[62]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 167-168.

[63]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 233.

[64]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 426.

[65]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 87.

[66]DINIZ, Maria Helena, Norma constitucional e seus efeitos. 7. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 102.

[67]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 293.

[68]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 404.

[69]DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2005.  p. 157.

[70]TAVARES, Geovani de Oliveira. Desobediência civil e direito político de resistência: os novos direitos. Campinas: Edicamp, 2003. p.43.

[71]THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução de Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 15.

[72]THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução de Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 23.

[73]THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução de Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 26.

[74]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 409.

[75]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 231.

[76]LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 200-201.

[77]ARENDT, Hannah. Crises da República. Tradução de José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 55-56.

[78]ARENDT, Hannah. Crises da República. Tradução de José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.63-64.

[79]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 83-84.

[80]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 390.

[81]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 394

[82]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 394.

[83]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 413.

[84]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 413-414.

[85]ARENDT, Hannah. Crises da República. Tradução de José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 68.

[86]ARENDT, Hannah. Crises da República. Tradução de José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 69.

[87]GARCIA, José Carlos. O MST entre desobediência e democracia. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 157.

[88]VIEIRA, Evaldo. O que é desobediência civil. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1984. p. 22-30.

[89]GARCIA, José Carlos. O MST entre desobediência e democracia. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 157-158.

[90]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 406.

[91]DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 163-164.

[92]DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 162.

[93]DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 318.

[94]DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 318.

[95]GARCIA, José Carlos. O MST entre desobediência e democracia. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 156.

[96]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 218.

[97]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 314.

[98]GARCIA, José Carlos. O MST entre desobediência e democracia. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 156.

[99]Frase atribuída a Abraham Lincoln.

[100]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 57.

[101]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 31-32.

[102]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 68.

[103]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 70-73.

[104]ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 54.

[105]BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 76.

[106]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 114.

[107]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 114-115.

[108]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 116.

[109]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 427.

[110]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 117.

[111]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 427.

[112]DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 328.

[113]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 432.

[114]RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 433.

[115]HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 2 v. p. 118.

[116]BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional nº 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 470.

[117]ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 85.

[118]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva , 1997. p. 11-14.

[119]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva , 1997. p. 18-19.

[120]PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 96.

[121]VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos sociais. Leme: Editora de Direito, 1998. p. 199

[122]PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 97-98.

[123]AQUINO, São Tomás apud TANAJURA, Grace Virgínia Ribeiro de Magalhães. Função social da propriedade rural: com destaque para a terra, no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2000. p. 21.

[124]Papa Leão XIII apud PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 98.

[125]Papa João XXIII apud VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos sociais. Leme: Editora de Direito, 1998. p. 203-204.

[126]Papa João Paulo II apud TANAJURA, Grace Virgínia Ribeiro de Magalhães. Função social da propriedade rural: com destaque para a terra, no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2000. p. 23.

[127]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva , 1997. p. 72.

[128]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 270.

[129] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 812.

[130]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed., rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 246.

[131]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed., rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 235.

[132]PEREIRA, Rosalinda P. C. Rodrigues. A teoria da função social da propriedade rural e seus reflexos na acepção clássica de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 111.

[133]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 813.

[134]SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da. A propriedade agrária e suas funções sociais. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 17-18.

[135]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 282.

[136]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva , 1997. p. 80.

[137]SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da. A propriedade agrária e suas funções sociais. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 21.

[138]BRASIL. Supremo Tribunal Federal.  Deferimento de Mandado de Segurança. MS nº 22.164-0/SP. Impetrante: Antônio de Andrade Ribeiro Junqueira. Impetrado: Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília 30 de outubro de 1995. Diário de Justiça, 17 nov. 1995.

[139]INCRA. MG: desapropriada primeira fazenda por promover destruição do meio ambiente. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=12799:mg-desapropriada-primeira-fazenda-por-promover-destruicao-do-meio-ambiente&catid=1:ultimas&Itemid=278>. Acessado em 15 de abril de 2011.

[140]INCRA. Portaria permite Incra reivindicar imóveis de 'lista suja” autuados com trabalho escravo. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4261:0&catid=1:ultimas&Itemid=278>. Acessado em 15 de abril de 2011.

[141]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 820.

[142]SILVA, José Afonso da.  Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.  p. 225.

[143]VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos sociais. Leme: Editora de Direito, 1998. p. 207.

[144]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed., rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 232.

[145]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 821.

[146]FIGUEIREDO, Suzana Angélica Pain. As ocupações de imóveis destinados à reforma agrária. Da desobediência civil e do Estado de necessidade. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 459.

[147]RIOS, Roger Raupp. Princípios democráticos e reforma agrária. In: SILVEIRA, Domingos Sávio Dresch da; XAVIER, Flávio Sant’Anna (Orgs.). O direito agrário em debate. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 211.

[148]HARKENHOFF, João Baptista. Movimentos sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 27.

[149]FREIRE, Paulo. Evolução humana (Processo de busca). Entrevista à TV PUC/SP. Disponível em: <http://www.paulofreire.ce.ufpb.br/paulofreire/Controle?op=detalhe&tipo=Video&id=622>.Acessado em 30 de abril de 2011.

[150]GARCIA, José Carlos. O MST entre desobediência e democracia. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 171.

[151]HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 15.  

[152]ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da apud PASSOS, Cynthia Regina L.; FOWLER, Marcos Bittencourt. O ministério público e o direito à terra. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 240.

[153]SILVA, Gercino José da. Ocupação de áreas griladas ou improdutivas é bem-vinda. Entrevista ao Fórum de entidades nacionais de direito humanos. Disponível em <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2994&Itemid=2>. Acessado em 02 de maio de 2011.

[154]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 70.

[155]BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional nº 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 392.

[156]ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 330-332.

[157]TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Legitimidade dos movimentos populares no Estado Democrático de Direito – as ocupações de terras. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 190.

[158]GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 311.

[159]GRZYBOWSKI, Cândido. Movimentos populares rurais no Brasil: desafios e perspectivas. In: STÉDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária hoje. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994. p. 294.

[160]WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 2001. p. 105.

[161]WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 2001. p. 107-109.

[162]HERKENHOFF, João Baptista. Para onde vai o Direito?: reflexões sobre o papel do Direito e do jurista. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 24.

[163]LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 88.

[164]WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 2001. p. 166.

[165]WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 188.

[166]HARKENHOFF, João Baptista. Movimentos sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 118.

[167]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.  Concessão de Habeas Corpus. HC nº 5.574/SP. Impetrante: Luiz Eduardo Greenhalgh e outros. Impetrado: Desembargador Segundo Vice Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Paciente: Marcio Barreto, Felindo Procópio dos Santos, Claudemir Marques Cano, Laércio Barbosa e José Rainha Junior. Relator: Ministro Willian Petterson. Relator Designado: Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Brasília 08 de abril de 1997. Diário de Justiça, 18 ago. 1997.

[168]IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998. p. 53.

[169]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Deferimento parcial de Mandado de Segurança. MS nº 24.764-9/DF. Impetrante: CBE – Companhia Brasileira de Equipamentos. Impetrado: Presidente da República. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Relator Designado: Ministro Gilmar Mendes. Brasília 06 de outubro de 2005. Diário de Justiça, 24 mar. 2006.

[170]ALBERNAZ, Renata Ovenhausen, A delimitação de formas de juridicidade no pluralismo jurídico: a construção de um modelo para a análise dos conflitos entre e o direito afirmado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a juridicidade estatal no Brasil. 2008. 320 f. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. p. 269.

[171] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 332.

[172]IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998. p. 61.


ABSTRACT: The agrarian issue has its origins within the historical process of land occupation and dates back to the colonial period. The agrarian structure was unequally modeled, which led to the arising of rural workers marginalization and exclusion. This situation is analyzed as the motivation for a national mass movement creation: the MST. The main strategy of this organization is to occupy unproductive rural properties as a way of social pressure over the Government, endeavoring agrarian reform to assure the effectiveness of fundamental rights. Its pretentions are presented along with juridical-philosophical aspects, related to the democratic right of resistance and acts of civil disobedience. The legitimacy principles used are found in the Constitution itself, which relate to citizenship exercise and human dignity respect. It’s still included in this realm, the constitution text demand that the rural property fulfills its social function. Thus, in this sense, there’s a discussion on the Judiciary Power role as an inductor of social transformation, in respect of new social requirements coming from popular movements.

Keywords: Right of Resistance. MST. Occupations. Civil Disobedience. Judiciary Power.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARANHA, Hialey Carvalho. A ocupação das propriedades rurais improdutivas: análise das ações de ocupação dos trabalhadores rurais sem terra e a questão agrária no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3731, 18 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25323. Acesso em: 26 abr. 2024.