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A responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica e sua previsão no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional

A responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica e sua previsão no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional

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O entendimento majoritário no STJ é no sentido de que o mero inadimplemento da obrigação tributária não constitui infração à lei capaz de caracterizar a responsabilidade do administrador.

1. Introdução.

O presente trabalho direciona-se ao estudo da responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. No entanto, buscar-se-á fazer uma análise do referido dispositivo não como um limitador da atuação da Administração Tributária, mas sim como um instrumento colocado à disposição do Fisco para impedir que os dirigentes de sociedades empresárias fujam de suas responsabilidades.

Até que se encontrem alternativas para reduzir a pesada carga tributária brasileira, o mínimo que se espera do Estado-Administração e do Estado-Juiz é que se utilizem dos dispositivos legais existentes para imputar a responsabilidade pelos créditos tributários a quem de direito, otimizando a arrecadação e propiciando a estabilização da economia e o atendimento das demandas da sociedade. Desta feita, é pensando numa arrecadação justa e efetiva que se examinará o art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

Porém, antes de adentrar no tema proposto, tratar-se-á brevemente sobre a obrigação tributária e seus elementos, bem como a respeito dos tipos de responsabilidade tributária elencados no Código Tributário Nacional.

Dentre os elementos da obrigação tributária (sujeito ativo, sujeito passivo e objeto), terá especial destaque o estudo do sujeito passivo que, segundo o disposto no parágrafo único do art. 121 do CTN, divide-se em contribuinte e responsável, sendo o primeiro aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador; já o segundo é aquele que, sem ostentar a condição de contribuinte, sua obrigação decorre da lei. É justamente a figura do responsável tributário que será mais detidamente estudada.

O Código Tributário Nacional dedica um capítulo inteiro à Responsabilidade Tributária (Capítulo V) e divide as hipóteses de responsabilidade em três modalidades: Responsabilidade dos sucessores (art. 129 a 133); Responsabilidade de terceiros (artigos 134 e 135); Responsabilidade por infrações (artigos 136 a 138).

A responsabilidade dos administradores de pessoa jurídica encontra-se disciplinada dentro da Responsabilidade de Terceiros, mais especificamente no art. 135, III, do CTN, que prevê expressamente que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

A partir dessa previsão da responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica, empenhar-se-á em elucidar quais seriam, segundo a doutrina e a jurisprudência, os atos praticados com excesso de poderes, infração à lei, contrato ou estatuto, capazes de caracterizar a responsabilidade dos sócios administradores pelas dívidas tributárias da sociedade.

Como se verá, a maior discussão concentra-se na caracterização da infração à lei por parte dos administradores de pessoa jurídica. Inúmeras questões relacionadas à possibilidade de aplicação do art. 135, III, do CTN, como o mero inadimplemento de tributos; o encerramento irregular da sociedade e a presença de “laranjas” no quadro societário, serão analisadas à luz da lei, dos princípios constitucionais e tributários e da jurisprudência pátria.

Sem se descurar da lei, da doutrina e da jurisprudência, o presente trabalho irá examinar e interpretar o art. 135, III, do CTN, de maneira que o mesmo represente um importante instrumento legal na cobrança dos créditos públicos, imputando responsabilidade àqueles que, com sua conduta irregular ou ilícita, lesam o erário.


2. Obrigação Tributária.

2.1. Conceito.

No intuito de facilitar o entendimento do tema aqui proposto, qual seja, a responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica, mister que se faça breves apontamentos a respeito da origem de tal responsabilidade: a obrigação tributária.

A obrigação tributária nada mais é que a mesma obrigação do direito privado. O doutrinador Washington de Barros Monteiro, ao tratar dos direitos das obrigações, definiu a obrigação da seguinte forma:

Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio. (MONTEIRO, 2003, p. 8).

A obrigação, no direito tributário, não se distancia da definição civilista, tendo somente um objeto diferenciado relacionado a uma prestação de natureza tributária, positiva ou negativa. Desta feita, a obrigação tributária pode consistir em dar uma soma pecuniária ao sujeito ativo, fazer alguma coisa (emitir nota fiscal), ou não fazer algo (não embaraçar a fiscalização).

Interessante trazer a lume os ensinamentos de um dos precursores da doutrina tributária no Brasil e membro da comissão responsável pela elaboração do Código Tributário Nacional, Rubens Gomes de Sousa. Segundo o citado doutrinador: “Obrigação tributária é o poder jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) nas condições definidas pela lei tributária (causa da obrigação).” (SOUSA, 1975, p. 83-84).

Rubens Gomes de Sousa divide ainda a obrigação tributária em dois tipos: principal (pagar tributo) e acessória (praticar ou não certos atos exigidos ou proibidos por lei para garantir o cumprimento da obrigação principal e facilitar a sua fiscalização).

Cumpre salientar que a obrigação tributária principal tem sua definição expressamente prevista no art. 113, § 1º, do CTN: “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”. Já a obrigação tributária acessória tem sua previsão no § 2º do mencionado artigo: “A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.”

Na definição proposta por Rubens Gomes de Sousa, a obrigação tributária possui quatro elementos, quais sejam, sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e causa. No entanto, a “causa da obrigação” não se enquadraria como um elemento e sim como fonte da obrigação tributária.

Para Hugo de Brito Machado, são fontes da obrigação tributária a lei e o fato gerador, vale trazer à colação os ensinamentos desse ilustre doutrinador:

As fontes da obrigação tributária são a lei e o fato gerador. A primeira é fonte formal. A segunda é fonte material. Ambas indispensáveis. Não há obrigação tributária sem a descrição legal da hipótese de seu surgimento. Mas só a descrição legal não basta. É preciso que ocorra o fato descrito na hipótese. A previsão legal – hipótese de incidência – mais a concretização desta – fato gerador – criam a obrigação tributária. (MACHADO, 2002, p. 113).

Os artigos 114 e 115 do CTN trazem a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e acessória, confira-se:

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.

Como se vê, a “causa da obrigação” trata-se, na verdade, da fonte da obrigação tributária, podendo considerar-se como tal a lei e o fato gerador. A lei descreve a situação de surgimento da obrigação (hipótese de incidência), que somente se realizará com a ocorrência do fato gerador.

Verifica-se, pois, que surgindo uma obrigação tributária possui ela três elementos: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto, os quais serão estudados mais detalhadamente a seguir.

2.2. Sujeito Ativo.

O Código Tributário Nacional traz a definição do sujeito ativo em seu art. 119: “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.”

O sujeito ativo da obrigação é o credor, aquele a quem se deve. E, como está a se falar de obrigação tributária, em regra, o sujeito ativo será um ente federado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). No entanto, haverá situações em que a capacidade para exigir tributos poderá ser delegada a outra pessoa jurídica de direito público.

Nesse ponto, interessante fazer um breve esclarecimento. A competência tributária para editar uma lei instituindo tributo é exclusiva dos entes federados não podendo ser delegada. No entanto, a atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos pode ser conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra (art. 7º do CTN).

Não há que se confundir, pois, a atribuição de instituir o tributo (competência tributária) com a capacidade para exigir o cumprimento da obrigação tributária (capacidade tributária), sendo a primeira indelegável e a segunda, passível de delegação.

Embora o art. 119 do CTN mencione a expressão “competência”, trata-se, na verdade, da capacidade tributária ativa, pois se refere à atribuição de exigir o cumprimento da obrigação que poderá ser dos entes federados ou de outra pessoa jurídica de direito público.

2.3. Sujeito Passivo.

Já o sujeito passivo da obrigação tributária é o devedor, aquele que deverá pagar o tributo ou cumprir com uma das obrigações tributárias acessórias. Sobre o sujeito passivo, o Código Tributário Nacional traz as seguintes disposições:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.

Como se observa, o CTN elenca duas figuras como sendo o sujeito passivo da obrigação principal: o contribuinte e o responsável. Enquanto o contribuinte é aquele que possui relação pessoal e direta com o fato gerador, o responsável é aquele que, não sendo contribuinte, é obrigado em razão de disposição expressa em lei.

Para melhor entender a diferenciação entre contribuinte e responsável, interessante trazer à colação o exemplo clássico do parágrafo único do art. 45 do CTN mencionado por Hugo de Brito Machado:

O contribuinte do imposto de renda, conforme o art. 45 do CTN, é o titular da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou dos proventos de qualquer natureza. É aquele que aufere a renda ou os proventos. Mas a lei pode atribuir à fonte pagadora dessa renda ou desses proventos a condição de responsável pelo recolhimento do imposto correspondente (CTN, art. 34, parágrafo único). (MACHADO, 2002, p. 124).

Assim, a doutrina identificou o contribuinte e o responsável como sendo, respectivamente, o sujeito passivo direito e indireto da obrigação tributária. Nesse sentido, ensina Rubens Gomes de Sousa que o tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o fato ou negócio que dá origem à tributação, trata-se do sujeito passivo direto. Ocorre, contudo, situações em que o Poder Público tenha necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente, sujeito passivo indireto.

Rubens Gomes de Souza leciona, ainda, que “a sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade.” (SOUSA, 1975, p. 92)

No que se refere às modalidades da sujeição passiva indireta, falar-se-á mais detidamente no capítulo referente à responsabilidade tributária.

2.4. Objeto.

O objeto da obrigação tributária é a prestação que será exigida do sujeito passivo, pode ser ela principal (pagamento de tributo) ou acessória (prática ou não e qualquer ato que não configure obrigação principal).

O objeto da obrigação tributária principal deve sempre estar definido em lei, princípio da legalidade tributária


3. Responsabilidade Tributária.

3.1. Considerações Iniciais.

A responsabilidade tributária já foi rapidamente abordada na parte em que se discorreu acerca do sujeito passivo da obrigação tributária, sendo o responsável tratado pela doutrina como sujeito passivo indireto.

De acordo com o inciso II do parágrafo único do art. 121 do CTN, o responsável é aquele que, não sendo contribuinte, é obrigado em razão de disposição expressa em lei.

O Código Tributário Nacional dedica um capítulo inteiro à Responsabilidade Tributária (Capítulo V). No entanto, como se verá adiante, há dispositivos fora desse capítulo que também dizem respeito à responsabilidade tributária, como por exemplo, o art. 124 do CTN, que trata da solidariedade. Em sua doutrina, Ives Gandra da Silva Martins, inclusive, assevera que preferiria ver o capítulo sobre responsabilidade tributária abrangido pelo título da obrigação tributária. (MARTINS. 1998, p. 215).

3.2. Conceito.

Como se viu no estudo do sujeito passivo da obrigação tributária, o contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador. Já o responsável é aquele que, não sendo contribuinte, sua obrigação decorre de disposição expressa de lei.

Segundo Hugo de Brito Machado, em Direito Tributário, responsabilidade tem dois sentidos: um, amplo; outro, estrito. Explica o ilustre doutrinador que a responsabilidade tributária:

Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. Essa responsabilidade vincula qualquer dos sujeitos passivos da relação obrigacional tributária.

Em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva. (MACHADO, 2002, p. 132).

Diante dessa diferenciação proposta por Hugo de Brito, o presente trabalho será direcionado ao estudo da responsabilidade tributária em sentido estrito, mais especificamente da responsabilidade dos administradores de pessoa jurídica, prevista no art. 135, III, do CTN, que adiante será tratada mais detidamente.

Pois bem, prescreve o art. 128 do CTN:

Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Verifica-se do dispositivo acima transcrito que somente a lei pode atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário à terceira pessoa (aquela descrita no art. 121, II, do CTN). Extrai-se, ainda, que a lei poderá efetivar tal substituição com a exclusão do contribuinte, ou atribuindo a este, supletivamente, o cumprimento total ou parcial da obrigação. De acordo com Aliomar Baleeiro, “esses casos de responsabilidade tributária são principalmente os de sucessão (arts 129 a 133) e aqueles em que o terceiro interveio em atos do contribuinte, como representante legal deste (arts 134 e 135) ou como seu agente ou instrumento jurídico”. (BALEEIRO, 1999, p. 735).

Importa destacar que o art. 128 menciona que a lei pode atribuir responsabilidade à terceira pessoa excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este supletivamente. Está-se diante da responsabilidade subsidiária e solidária, que serão estudadas a seguir.

3.3. Responsabilidade Tributária Solidária e Subsidiária.

A responsabilidade solidária encontra-se prevista nos artigos 124 e 125 do CTN dentro do capítulo referente à obrigação tributária. Poder-se-ia até alegar que isso seria uma falha do legislador, no entanto, como adverte Ricardo Alexandre, em sua obra Direito Tributário Esquematizado, o legislador agiu com acerto ao tratar a solidariedade fora do capítulo da responsabilidade, tendo em vista que tal instituto refere-se não só ao responsável, mas também ao contribuinte, confira-se os esclarecimentos do mencionado autor:

Não obstante a lição doutrinária, agiu bem o legislador tributário ao tratar da solidariedade fora das regras sobre responsabilidade, uma vez que os devedores solidários possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (CTN, art. 124, I). Tal interesse manifesta-se, por exemplo, quando duas pessoas são co-proprietárias de imóvel na área urbana do Município, sendo, por isso, devedoras solidárias. Perceba-se que ambas têm relação pessoal e direta com o fato gerador , enquadrando-se, portanto, na definição legal de contribuinte, e não de responsável. Poder-se-ia imaginar a possibilidade de a lei nomear como devedoras solidárias pessoas sem relação pessoal e direta com o fato gerador da obrigação, com fundamento no art. 124, II, do CTN, mas, didaticamente a sistematização legal de institutos jurídicos deve levar em consideração prioritariamente as regras e não as possíveis exceções. (ALEXANDRE, 2008. p. 309-310).

Os artigos relativos à responsabilidade solidária assim prescrevem:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:

I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;

III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.

Observa-se dos dispositivos acima transcritos que a responsabilidade tributária solidária decorre de previsão legal e não comporta o benefício de ordem (esgotamento dos bens do devedor principal), o que caracterizaria a responsabilidade subsidiária.

Quanto à responsabilidade subsidiária, o Código Tributário Nacional apenas prevê sua utilização na hipótese de sucessão empresarial em seu art. 133, II, nos seguintes termos:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

(...)

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

A pouca utilização da responsabilidade tributária subsidiária deve-se ao fato do maior risco no recebimento do tributo devido, já que em tal tipo de responsabilidade há a necessidade de se esgotar todas as possibilidades de satisfação do direito no patrimônio do devedor principal, para, somente após, atingir os bens do responsável.

Mister ressaltar que na maioria dos casos de responsabilidade disciplinada no Código Tributário Nacional há o interesse comum (art. 124, I, do CTN) dos responsáveis na situação que constitua o fato gerador, o que leva à conclusão de que a solidariedade é a regra no que se refere à responsabilidade tributária.

3.4. Modalidades.

Como dito alhures, Rubens Gomes de Sousa identificou o contribuinte e o responsável como sendo, respectivamente, o sujeito passivo direto e indireto da obrigação tributária. Ensina o citado doutrinador que sujeito passivo direto é aquele que está em relação econômica com o fato ou negócio que dá origem à tributação e nas situações em que o Poder Público tenha necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente, está-se diante do sujeito passivo indireto.

Rubens Gomes de Sousa leciona, ainda, que “a sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade.” (SOUSA, 1975, p. 92)

A transferência ocorre quando a obrigação tributária, após ter surgido contra o sujeito passivo direto, em razão de um fato posterior, é transferida para outrem, que será o sujeito passivo indireto. Como salientado, para Rubens Gomes de Sousa, as hipóteses de transferência seriam três: solidariedade, sucessão e responsabilidade, assim definidas:

(a) Solidariedade: é a hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação. No caso de condomínio (imóvel com mais de um proprietário), o Município pode cobrar o imposto predial de qualquer dos proprietários, à sua escolha; é claro que aquele que pagou o imposto total terá pago a sua parte e mais as dos outros condôminos: quando a estas, a obrigação tributária transferiu-se para um dos devedores solidários, que fica com o direito (chamado regressivo) de recuperá-la dos outros.

(b) Sucessão: é a hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do devedor original; esse desaparecimento pode ser por morte do primeiro devedor (a obrigação se transfere aos herdeiros) ou por venda do imóvel ou do estabelecimento tributado (a obrigação se transfere ao comprador);

(c) Responsabilidade: é a hipótese em que a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto. No imposto de sisa (transmissão de propriedade intervivos), o tabelião é o responsável pelo imposto se não providenciar a sua cobrança no ato de passar a escritura. (SOUSA, 1975, p. 92-93).

Já a substituição ocorre quando a própria lei, desde o início, substitui a pessoa que esteja na relação econômica com o ato, fato ou negócio tributado (sujeito passivo direito) por outra (sujeito passivo indireto). Rubens Gomes de Sousa cita, como exemplo do instituto da substituição, o imposto de renda sobre dividendos de ações. O sujeito passivo direto é o acionista, mas quando as ações sejam ao portador, o Fisco não pode cobrar o imposto do acionista, porque este é desconhecido; então, por uma disposição expressa de lei, o imposto é cobrado da própria sociedade anônima que paga o dividendo e que fica sendo, assim, o sujeito indireto por substituição.

O Código Tributário Nacional, por sua vez, divide as hipóteses de responsabilidade em três modalidades: Responsabilidade dos sucessores (art. 129 a 133); Responsabilidade de terceiros (artigos 134 e 135); Responsabilidade por infrações (artigos 136 a 138).

Como se nota, o Código Tributário Nacional não adotou a classificação defendida por Rubens Gomes de Sousa, uma vez que, como já salientado, a solidariedade é tratada em capítulo distinto (capítulo relativo à obrigação tributária).

Tendo em mente os ensinamentos de Rubens Gomes de Sousa e sem se descurar da classificação adotada pelo Código Tributário Nacional, entende-se que o melhor seria dividir a responsabilidade em duas modalidades: por substituição e por transferência, sendo que esta última ainda comportaria uma subdivisão em responsabilidade por sucessão; de terceiros e por infrações.

Far-se-á a seguir breves apontamentos a respeito de cada uma das modalidades de responsabilidade tributária.

3.5. Responsabilidade por Substituição.

Como já explanado, na responsabilidade por substituição, a própria lei substitui o sujeito passivo direto pelo indireto. Desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquele que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo. Exemplo clássico é o do parágrafo único do art. 45 do CTN: “A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.”

3.6. Responsabilidade por Transferência.

A responsabilidade por transferência ocorre quando a obrigação tributária surge contra determinado devedor (contribuinte ou responsável), entretanto, em virtude de um fato posterior definido em lei, transfere-se para outra pessoa a responsabilidade pela obrigação tributária. Tal responsabilidade comporta divisão em responsabilidade por sucessão; de terceiros e por infrações.

3.6.1. Responsabilidade por Sucessão.

A responsabilidade por sucessão encontra-se prevista nos artigos 129 a 133 do Código Tributário Nacional e apresenta diferentes espécies: responsabilidade por sucessão imobiliária; responsabilidade por sucessão empresarial; responsabilidade por sucessão pessoal.

3.6.1.1. Responsabilidade por Sucessão Imobiliária.

O artigo 130 do CTN traz a previsão da responsabilidade por sucessão imobiliária nos seguintes termos:

Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

Infere-se da redação do art. 130 do CTN que quando alguém aliena algum imóvel de sua propriedade, o adquirente é que ficará responsável pelo pagamento dos impostos, taxas ou contribuições que o antigo proprietário estava a dever. No entanto, caso seja lavrada a escritura pública, tal situação dificilmente ocorrerá, pois, para a confecção da escritura, são exigidas as certidões de quitação da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal.

Caso o imóvel seja arrematado em hasta pública, a sub-rogação somente se dará no respectivo preço e não no bem, que sairá livre e desembaraçado.

3.6.1.2. Responsabilidade por Sucessão Empresarial.

A disciplina da responsabilidade tributária por sucessão empresarial no Código Tributário Nacional leva em conta todos os tipos de transações entre empresas: fusão, cisão, incorporação, alienação de filiais e outras, confira-se o disposto no art. 132:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Observa-se da redação do art. 132 do CTN, que a sucessão empresarial gerará a sucessão tributária, ou seja, o fim de uma entidade empresária implicará a responsabilidade daquelas que lhe sucederem.

3.6.1.3. Responsabilidade por Sucessão Pessoal.

No que se refere à responsabilidade por sucessão pessoal, o art. 131 do CTN traz as hipóteses de sua ocorrência:

Art. 131. São pessoalmente responsáveis:

I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;

II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação;

III - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

O inciso I do art. 131 do CTN atribui a responsabilidade pessoal ao adquirente de bens alienados ou remidos. Embora o dispositivo não faça referência a qual bem se refere: móvel ou imóvel, entende-se que se trata de bem móvel, pois a disciplina dos imóveis está presente no art. 130 do CTN.

Já os incisos II e III do art. 130 do CTN tratam da responsabilidade na sucessão causa mortis. De acordo com o Direito das Sucessões, a abertura da sucessão ocorre com a morte, no entanto, como se observa do disposto no CTN, a transferência da responsabilidade para os sucessores depende da conclusão do processo de inventário, com a partilha dos bens. E no período de tempo entre a morte (abertura da sucessão) e a conclusão do processo de inventário, a responsabilidade pelos tributos será do espólio.

3.6.2. Responsabilidade de Terceiros.

A responsabilidade tributária de terceiros encontra-se disciplinada nos artigos 134 e 135 do CTN. O art. 134 atribui responsabilidade aos terceiros que agiram de forma regular, já o art. 135 responsabiliza aqueles que agiram irregularmente.

A responsabilidade tributária prevista no art. 134 traz dois requisitos: a) a impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; b) ação ou omissão por parte da pessoa designada como responsável, confira-se sua redação:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Como salientado, a responsabilidade tributária prevista no art. 135 diz respeito a uma atuação irregular, com excesso de poderes ou infração de lei contrato social ou estatutos por parte da pessoa a quem se atribui a responsabilidade. Veja-se:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Verifica-se que o legislador tributário incluiu no art. 135 as pessoas do art. 134, acrescentando os mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

O inciso III do art. 135 que trata da responsabilidade tributária dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas é o que interessa ao presente estudo e será analisado de forma mais aprofundada em capítulo próprio.

3.6.2.1. Responsabilidade Tributária dos Sócios.

Nesse ponto, interessante tecer breves comentários acerca da responsabilidade tributária dos sócios, pois a mesma é tratada de forma distinta nos 134, VII, e 135, III.

O art. 134, VII, do CTN prevê que os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, havendo impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis.

Como se vê, o dispositivo acima transcrito trata da responsabilidade solidária dos sócios e traz alguns requisitos: a) necessidade de se tratar de liquidação de sociedade de pessoas; b) impossibilidade de cumprimento da obrigação principal por parte do contribuinte; c) a responsabilidade será imputada aos sócios somente nos atos em que intervierem ou no caso de serem omissos.

Já o art. 135, III, do CTN, estabelece que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Salienta-se que o art. 135, III, do CTN não faz menção expressa à palavra sócio, entretanto, na grande maioria das vezes, a administração da empresa é sempre exercida por quem ostenta também a qualidade de sócio. Como o citado dispositivo não exige a condição de sócio, qualquer pessoa que exerça a direção da sociedade poderá ser responsabilizada nos termos do art. 135, III, do CTN.

Detecta-se, pois, a principal diferença entre o art. 134, VII, e o art. 135, III, enquanto o primeiro está a tratar do sócio simplesmente; o segundo refere-se ao sócio administrador e também ao não sócio que possua poderes de gerência.

3.6.3. Responsabilidade por Infrações.

A responsabilidade por infrações encontra-se disciplinada nos artigos 136 a 138 e encerra o capítulo destinado a responsabilidade tributária, nos seguintes termos:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Verifica-se da leitura dos dispositivos acima transcritos que a responsabilidade por infrações pode, a depender do caso, ser atribuída a qualquer pessoa ou a agentes específicos (mandatários, prepostos, diretores, gerentes etc).


4. A Responsabilidade Tributária prevista no art. 135, III, do CTN.

4.1. Considerações Gerais.

De acordo com a redação do art. 135, III, do CTN, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Constata-se, pois, que o art. 135, III, do CTN está a indicar a figura do responsável tributário, aquele que, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorre de disposição expressa de lei (art. 121, II, do CTN).

Assim, diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado serão pessoalmente responsável pelos créditos tributários resultantes de atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, responderão com seus bens pessoais por dívidas da empresa que tiveram origem em sua atuação irregular.

Cumpre lembrar, ainda, que a responsabilidade estabelecida no art. 135, III, do CTN é solidária, uma vez que, como destacado anteriormente, a solidariedade é a regra no que se refere à responsabilidade tributária, já que há sempre o interesse comum (art. 124, I, do CTN) dos responsáveis na situação que constitua o fato gerador. A atuação dos administradores é que gera a dívida tributária e traz benefícios e lucros aos mesmos e à empresa.

Ademais, a redação do art. 135, III, do CTN é no sentido de responsabilizar “pessoalmente” os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica e não de responsabilizá-los exclusivamente. Assim, não haveria razão para se entender que tal responsabilidade pessoal excluiria a responsabilização da pessoa jurídica. Esse entendimento encontra amparo na doutrina de Hugo de Brito Machado. (MACHADO, 2002, p. 141-142).

Ricardo Lobo Torres também defende que a responsabilidade tratada no art. 135 do CTN é solidária, pouco importando o fato de o contribuinte ter ou não patrimônio para responder pela obrigação tributária (TORRES, 1998, p. 227-228).

Pois bem, sendo solidária, tal responsabilidade não comporta o benefício de ordem presente na responsabilidade subsidiária. Essa é a interpretação que mais se coaduna com o texto da lei, pois se está a responsabilizar os administradores da pessoa jurídica por sua atuação irregular, não haveria sentido esgotar os bens da pessoa jurídica para só então buscar os bens dos dirigentes faltosos.

Vale lembrar, por oportuno, que o art. 1.016 do Código Civil estabelece que os administradores de pessoa jurídica respondem solidariamente por culpa no desempenho de suas funções. Ora, como admitir que um crédito menos privilegiado que o público tenha uma garantia melhor. Evidente, pois, que a responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN é solidária e não exclusiva ou, ainda, subsidiária.

Extrai-se, assim, que a responsabilidade tributária estabelecida no art. 135, III, do CTN é pessoal e solidária. Resta, no entanto, indicar quando a mesma ocorre, ou seja, quais seriam os atos geradores de tal responsabilidade, assunto esse que será analisado nas linhas que se seguem.

4.2. Atos Geradores da Responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN.

A redação do art. 135, III, do CTN, é clara em estabelecer que a responsabilidade tributária ali prevista é atribuída a pessoa que exerça poderes de administração da sociedade, uma vez que se refere a diretor, gerente ou representante da pessoa jurídica. Dessa forma, como dito alhures, a simples condição de sócio é insuficiente para que se atribua tal responsabilidade e mesmo o não sócio pode ser responsabilizado caso exerça a administração da sociedade.

Além disso, para que se aplique o art. 135, III, do CTN, não basta a condição de administrador da sociedade, é necessário ainda que a responsabilidade resulte de ato praticado com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos.

4.2.1. Excesso de Poderes.

Age com excesso de poderes, o dirigente da pessoa jurídica que extrapola os limites da atuação que lhe foi estabelecida, fazendo com que sua responsabilidade passe a ser pessoal. Assim, quando os atos do administrador são praticados dentro de suas atribuições, os mesmos serão imputados à pessoa jurídica, no entanto, quando a atuação do dirigente ultrapassa seus poderes, a obrigação tributária decorrente de tal agir será de responsabilidade do administrador, o qual responderá com seu patrimônio.

4.2.2. Infração de contrato social ou estatutos.

A caracterização da violação ao contrato social e estatutos é aferível de plano, já que basta a atuação do dirigente de pessoa jurídica em desacordo com o que for estabelecido nos mencionados atos constitutivos. Diferentemente, é a infração à lei ensejadora da responsabilidade pessoal do dirigente de pessoa jurídica, a qual comporta discussões mais aprofundadas.

4.2.3. Infração de lei.

Toda vez que o administrador da pessoa jurídica atuar de forma contrária à lei poderá ser responsabilizado pelos créditos tributários decorrentes de tais atos. Como exemplos dessa atuação ilegal pode-se mencionar a fraude, a simulação, a prática de crimes etc. Caso bem comum de simulação é a constituição de empresas em nome de terceiros alheios à sociedade.

Há condutas, no entanto, que, em princípio, não seriam contrárias à lei, mas que, a depender do caso, podem ensejar a aplicação da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN. Podem ser elencados como exemplos dessas condutas: o não pagamento de tributos e o encerramento irregular da sociedade empresária.

Tanto a simulação na constituição de empresas, quanto o não pagamento de tributos e o encerramento irregular da sociedade empresária, serão mais detidamente estudados nos itens seguintes.

4.2.3.1. Simulação na Constituição de Empresas.

Existem sociedades empresárias que são criadas com o firme propósito de lavar dinheiro e praticar outros crimes tributários e financeiros, cujos verdadeiros sócios, para se esquivarem do Fisco ou, ainda, de futura persecução criminal, colocam nos atos constitutivos da empresa o nome de pessoas alheias à sociedade como sendo os administradores “de direito”, os chamados “laranjas”. Nesses casos, mister que os sócios administradores “de fato” sejam identificados e responsabilizados na forma do art. 135, III, do CTN.

A utilização de “laranjas” não pode servir de escudo para impedir a responsabilização e a punição dos verdadeiros administradores da sociedade empresária. Assim, havendo provas da constituição de empresas em nome de terceiros alheios à sociedade, patente estará a fraude e a simulação aptas a responsabilizar os sócios “de fato”, sem prejuízo da competente representação criminal.

Para respaldar o entendimento acima esposado, vale transcrever ementa do acórdão prolatado recentemente pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. SOCIEDADE DE FATO. FRAUDE E SIMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INCORRÊNCIA. MULTA DE OFÍCIO. MULTA MORATÓRIA. TAXA SELIC. LEGALIDADE. ENCARGO LEGAL.

1. Não conhecido o agravo retido do embargante, uma vez que não reiterado pedido de apreciação, conforme estabelece o art. 523, § 1º, do CPC

2 Conforme reconhecido na sentença penal proferida nos autos nº 95.6011531-6, a empresa e sua composição social não passavam de mera fachada para encobrir os verdadeiras sócios, no caso, [...], sendo que [...], conforme consignado na decisão criminal não passava de "laranja".

3. Houve, portanto, simulação, dolo, fraude, tudo no intuito de encobrir os verdadeiros sócios da "empresa devedora", bem como, visando a efetiva sonegação fiscal.

4. Não se pode falar em efetiva existência de pessoa jurídica regularmente constituída, mas, sim, de sociedade de fato, pois se houve irregularidade na sua constituição (dolo, fraude e simulação), estamos diante na verdade de uma sociedade irregular, ou, conforme diz o novo Código Civil, sociedade em comum, pois a fraude na composição social considera-se como fato impeditivo à inscrição real e verdadeira dos atos constitutivos.

5. A citação não poderia ser realizada em nome da empresa, como se de direito existisse a sociedade, pois, no caso de sociedade irregular ou de fato, a responsabilidade é do próprio sócio pelas dívidas sociais, inclusive tributária.

6. Quando há fraude ou dolo¸ o próprio Código Tributário afirma que a responsabilidade é do sócio gerente ou administrador, sendo essa responsabilidade, segundo diz a legislação tributária, é pessoal, forte no art. 135 do CTN.

7. A partir do momento que o Poder Judiciário reconhece que o verdadeiro sócio da suposta empresa [...] é a pessoa do embargante, surge a pretensão para o direcionamento da execução fiscal. Da data do redirecionamento (2004), à data da citação (2006), não transcorreu prazo superior a 5 (cinco) anos.

8. A taxa SELIC se aplica aos débitos tributários, não existindo vício na sua incidência.

9. Reduzida as multas de ofício para o percentual de 75%, forte no art. 44 da Lei nº 9.430/96. nos feitos executivos citados, por ser mais benéfico.

10. No caso da multa moratória, não é caso de aplicação do art. 106, inc. II, "c", do CTN, considerando que já foi aplicado o percentual mínimo previsto em lei (20%).

11. o encargo legal de 20% previsto no Decreto-Lei nº 1.025/69, o qual substitui, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios, como já pacificado pela Súmula nº 168 do Tribunal Federal de Recursos. [Sem grifo no original].

(TRF 4ª REGIÃO, 2010)

Importante destacar, ainda, que o próprio Código Tributário Nacional prevê que a autoridade fiscal efetivará o lançamento, identificando o sujeito passivo, podendo, ainda, diante da ocorrência de fraude ou simulação, rever de ofício o lançamento (art. 142 e 149, VII, do CTN). Assim, na oportunidade do lançamento, caso não tenha sido possível para a autoridade administrativa identificar a simulação, ainda será possível a responsabilização dos sócios de fato no âmbito da respectiva execução fiscal, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4.2.3.2. Não pagamento de tributos.

Atualmente, o entendimento majoritário no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o mero inadimplemento da obrigação tributária não constitui infração à lei capaz de caracterizar a responsabilidade do administrador, com fulcro no art. 135, III, do CTN.

Entretanto, tendo em mente os ditames constitucionais (construção de uma sociedade justa e solidária e observância do princípio da função social da propriedade), é de se concluir que o Superior Tribunal de Justiça, ao defender que o mero inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei, refere-se ao ato daquela empresa que, momentaneamente, deixa de recolher tributos, em razão de dificuldades financeiras ocasionadas pelo risco natural da atividade empresarial.

Tal entendimento pode ser extraído do julgamento do REsp 1.674/GO, mais especificamente do voto do Ministro Ari Pargendler, que, embora vencido na ocasião, foi um dos precursores da posição hoje defendida no STJ no sentido de que o mero inadimplemento dos tributos não caracteriza infração à lei, confira-se:

A teor do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

A responsabilidade aí decorre de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, e, para caracterizá-la, deve-se distinguir entre o que é infração de lei praticada pela sociedade e infração de lei praticada pelo sócio-gerente.

A falta de pagamento de tributos é, em princípio, infração da sociedade à obrigação legal de pagar tributos. O sócio-gerente pode ser pessoalmente responsável pelos tributos se a falta de pagamento resultar de ato seu praticado com infração à lei.

Quer dizer, não basta, para tipificar a responsabilidade do sócio-gerente, o inadimplemento da sociedade, porque este pode decorrer do risco natural aos negócios — risco, aliás, pressuposto na própria natureza da sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

[...]

Até essa data, a responsabilidade que o Recorrente lhe quer imputar decorre de não ter a sociedade pago o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias, responsabilidade inexistente, porque — como visto — a falta de pagamento de tributos, quando resulta da álea natural aos negócios, não pode ser assimilada à infração prevista no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional; esta é modalidade restrita de infração à lei, aquela em que o sócio-gerente da pessoa jurídica, através de procedimentos ilícitos, visa a encobrir a própria obrigação tributária (v.g., falta de escrituração regular) ou a diminuir as garantias do crédito tributário (v.g., dissolução irregular da sociedade). [Sem grifo no original]. (STJ, 1995, p. 37558).

Como se vê, segundo as palavras do Ministro Ari Pargendler, o não recolhimento de tributos, quando resultar da “álea natural aos negócios”, não pode ser considerado a infração prevista no art. 135, III, do CTN.

Não se pode admitir a existência de “álea natural aos negócios” no início das atividades de uma empresa. Assim, não há como a posição do STJ aproveitar também àquelas sociedades que, desde o seu surgimento, não recolhem qualquer tributo e concorrem no mercado com outras empresas cumpridoras de suas obrigações tributárias. O modus operandi dos sócios administradores dessas sociedades evidencia a clara intenção de sonegar tributos, não podendo, pois, ficar isentos da responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN.

Dessa forma, conclui-se que o mero inadimplemento de tributos que não gera responsabilidade social para o dirigente sócio ou não da pessoa jurídica só pode ser aquele inadimplemento decorrente da “álea natural aos negócios” ou de uma impontualidade ocasional no pagamento dos tributos.

Importante acrescentar que o fato dos administradores de pessoa jurídica auferirem ganhos significativos com o desenvolvimento da atividade empresarial, receberem lucros e pro labore, embora a empresa esteja inadimplente com o Fisco, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito capaz de ensejar a aplicação da responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

Esse posicionamento foi adotado pelo Ministro Luiz Fux, inicialmente no julgamento do Recurso Especial nº 332.082 – RJ, mas vem sendo repetido em diversos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça. Embora o douto Ministro mantenha o entendimento do STJ no sentido de que a ausência de recolhimento de tributos não gera a responsabilidade dos administradores de pessoa jurídica, faz a ressalva de que o sócio que aufere os lucros da empresa, mas não recolhe os tributos, locupleta-se e comete o ilícito que faz surgir a sua responsabilidade.

Para melhor esclarecer esse entendimento, vale transcrever trecho do voto do Ministro Luiz Fux, proferido no âmbito do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 746.345 – BA, no qual faz referência ao julgado inaugural de seu posicionamento (REsp n.º 332.082/RJ), in verbis:

Concordemente, o entendimento da Primeira Seção é de que ‘A ausência de recolhimento do tributo não gera, necessariamente,a responsabilidade solidária do sócio-gerente, sem que se tenha prova de que agiu com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.’ (EREsp 374.139/RS, Relator Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 28.02.2005).

Ressalto, todavia, que tenho ressalvado o meu posicionamento, no sentido de que a ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público.

Neste sentido, o aresto prolatado pela E. Primeira Turma deste Sodalício, no julgamento do REsp n.º 332.082/RJ, de minha relatoria, que recebeu a seguinte ementa:

‘TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA - SÓCIO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSO DE MANDATO, INFRAÇÃO À LEI OU AO REGULAMENTO.

Pacificou-se no E. STJ a tese de que a responsabilidade do sócio não é objetiva. Para que surja a responsabilidade pessoal, disciplinada no art. 135 do CTN é necessário que haja comprovação de que ele, o sócio, agiu com excesso de mandato, ou infringiu a lei, o contrato social ou o estatuto.

Não havendo tal comprovação, não há como a execução fiscal ser redirecionada para ele.

Em princípio o sócio que recolhe os bônus lucrativos da sociedade mas não verifica o adimplemento dos tributos, locupleta-se e a fortiori comete o ilícito que faz surgir a sua responsabilidade. Ressalva do voto com submissão à jurisprudência dominante, à luz da função precípua do E. STJ. Precedentes.Recurso improvido.’ (DJ de 25/03/2002).” [Sem grifos no original] (STJ, 2006).

De fato, não há como validar a atuação do administrador de pessoa jurídica que, ciente do inadimplemento tributário da empresa, locupleta-se com o recebimento de maiores lucros e pro-labore. Portanto, o entendimento esposado pelo Ministro Luiz Fux, que vem se reiterado ao longo de vários anos no sentido de que o dirigente que assim age comete o ilícito ensejador da responsabilidade tributária do art. 135, III, do CTN, é o que mais se coaduna com os ditames constitucionais e tributários, devendo prevalecer.

4.2.3.3. Encerramento Irregular das Atividades da Empresa.

Inúmeros julgados dos tribunais pátrios defendem que a dissolução irregular da sociedade, sem que seja providenciada a quitação dos tributos por seus representantes, é ensejadora da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN. Confira-se, abaixo, o elucidativo julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INCLUSÃO DE SÓCIO GERENTE NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. ARTIGO 135 DO CTN.

[...]

3.Dispõe o inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional que os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei.

4.Gestão com excesso de poderes ou infração à lei ou contrato, é a gestão fraudulenta com intuito de lesar o credor tributário deliberadamente, ou a dissolução irregular da sociedade, sem a devida quitação dos tributos pelos representantes legais da empresa.

5.Conforme entendimento do C. STJ e desta Turma Julgadora, a dissolução irregular da sociedade somente autoriza a desconsideração da personalidade jurídica e a conseqüente substituição da responsabilidade tributária, desde que haja documentos que indiquem o encerramento da empresa.

6.Da análise das peças trazidas aos autos, verifica-se que a sociedade teria sido dissolvida irregularmente (fls.23 e 34), eis que a empresa não foi localizada no endereço constante do cadastro na Receita.

7.Havendo indícios de paralisação das atividades da empresa de maneira irregular, configuram-se as hipóteses a ensejar a responsabilidade dos sócios, nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, autorizando a desconsideração da pessoa jurídica e a conseqüente substituição da responsabilidade tributária. Precedentes do STJ.

8. A responsabilidade tributária dos sócios da empresa executada tem origem no momento da ocorrência do fato gerador, sendo ineficaz perante a Fazenda Pública qualquer alteração posterior que retire dos mesmos a obrigação relativa aos tributos, nos termos do art. 123 do CTN.

9. Do exame dos autos, constata-se que os débitos objeto de execução datam de 1995, época em que o agravante ocupava o cargo de sócio gerente da sociedade, o que o torna parte legítima para responder pela execução, independentemente da posterior dissolução. Eventuais fatos capazes de afastar a sua responsabilidade pelo não recolhimento do tributo poderão ser alegados futuramente, por ocasião de embargos.

10.Agravo de instrumento a que se nega provimento. [Sem grifo no original].

(TRF 3ª REGIÃO, 2009, p. 510).

Vale lembrar que a jurisprudência pátria exige para a caracterização da dissolução irregular da sociedade a presença tão-somente de indícios, quais sejam: a empresa não estar estabelecida no endereço que consta de seu contrato social e dos registros perante órgãos públicos; a empresa não estar habilitada junto aos órgãos que controlam sua atividade (por exemplo, apesar de ser sociedade comercial, a mesma está “não habilitada” no sistema do ICMS do Estado); estar “inapta” ou “baixada” nos sistemas da Receita Federal e demais indícios que apontem para um encerramento das atividades sem a quitação dos tributos.

Frise-se: a jurisprudência pátria não exige prova cabal do encerramento irregular, mas apenas de indícios. Exigir a demonstração plena da dissolução da sociedade seria inviabilizar a responsabilização dos seus dirigentes e conseqüentemente a recuperação dos créditos tributários.

Recentemente, foi editada a Súmula 435 do STJ que confirma a presunção de dissolução irregular da empresa quando a mesma deixa de funcionar em seu domicílio fiscal, sem comunicar os órgãos competentes, eis o seu teor:

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Com a edição dessa súmula, demonstrado nos autos que a empresa não está exercendo suas atividades no endereço por ela informado como sendo seu domicílio fiscal, caracterizada estará a dissolução irregular da sociedade.

Pois bem, configurado o encerramento irregular da empresa, resta definir quais dirigentes seriam responsabilizados pessoalmente pelas obrigações tributárias não quitadas: os gerentes da época do fato gerador ou aqueles presentes no encerramento irregular da empresa.

Como é o encerramento irregular da empresa que possibilita a responsabilização do administrador, o entendimento predominante é no sentido de responsabilizar àquele dirigente presente à época da dissolução da sociedade, uma vez que, mesmo tendo conhecimento do passivo tributário da empresa, encerra suas atividades sem a devida quitação. No entanto, há julgados que atribuem a responsabilidade tributária tanto ao administrador da época do fato gerador quanto àquele presente no encerramento das atividades da empresa.

Esse segundo entendimento é o que mais se coaduna com a justiça fiscal e os ditames constitucionais e tributários, pois, havendo dissolução irregular da empresa, o mais adequado é responsabilizar não só o dirigente responsável pelo encerramento das atividades sem a quitação do passivo tributário, mas também aquele presente na época do fato gerador, uma vez que, com sua ação ou omissão (no caso de não pagamento dos tributos) contribuiu para que a empresa fosse dissolvida de maneira irregular.

Destaca-se que o fato do administrador não fazer mais parte da direção ou do quadro societário da empresa não pode ser utilizado como forma de eximir a responsabilidade do dirigente da época do fato gerador, uma vez que o art. 123 do CTN é claro em estabelecer que as convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública com o escopo de afastar a responsabilidade pelo pagamento de tributo.

Para respaldar esse entendimento, vale transcrever ementa de acórdão prolatado pela Sexta Turma do E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, in verbis:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO – REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO PARA SÓCIO-GERENTE, CUJO NOME NÃO CONSTA DA CDA – RETIRADA DA SOCIEDADE APÓS A OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – CARACTERIZADA A DISSOLUÇÃO IRREGULAR.

1. O fato do agravante não integrar o quadro societário da empresa na ocasião de sua dissolução irregular não o isenta da co-responsabilidade, uma vez que a obrigação tributária já havia surgido, ou seja, sua retirada se deu após a ocorrência do fato gerador.

2. A responsabilidade do agravante advém do fato de à época do fato gerador (1999/2000) ocupar o cargo de sócio-gerente (1997/2000), de acordo com certidão da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro – JUCERJA às fls. 51.

3. Agravo Improvido. [Sem grifo no original].

(TRF 2ª REGIÃO, 2009, p.:112).

Assim, em que pese prevalecer nos Tribunais Pátrios a tese de que o dirigente da empresa da época do fato gerador somente pode ser responsabilizado pessoalmente pelo inadimplemento dos tributos caso também esteja presente ao tempo da dissolução irregular, o mais acertado é responsabilizar o dirigente da época do fato gerador independentemente de sua permanência na sociedade até o encerramento das respectivas atividades.

Como demonstrado, não há como deixar de imputar a responsabilidade ao administrador da pessoa jurídica que encerra suas atividades sem a quitação do seu passivo tributário, bem como não se deve eximir de responsabilidade o dirigente que deu origem às obrigações tributárias em cobrança.

Importante lembrar, por oportuno, as palavras de Aldemário Araújo Castro, em seu artigo Aplicação no Direito Tributário da Desconsideração da Personalidade Jurídica Prevista no Novo Código Civil, no sentido de que o Direito Tributário não deve ser encarado somente como um sistema de limites e óbices à ação do Fisco, é essencial que as normas tributárias sejam alçadas à condição de um dos instrumentos de transformação ou modificação da realidade social, fazendo com que nada ou ninguém fuja de suas responsabilidades constitucionais de concorrer para o atingimento dos fins do Estado brasileiro. (TORRES, 2005, p. 495).

Destarte, buscar a interpretação do art. 135, III, do CTN, de maneira a responsabilizar o dirigente de pessoa jurídica que, por meio de artifícios ou ilegalidades, deixa de recolher os tributos devidos aos cofres públicos, além de prestigiar o bom contribuinte, é uma forma de trazer maiores benefícios à sociedade, já que, com uma arrecadação mais efetiva e eficiente, o Estado terá mais receita para financiar suas atividades essenciais (saúde, educação, assistência social etc).


5. Conclusões.

Dentre as modalidades de responsabilidade tributária disciplinadas no Código Tributário Nacional está a Responsabilidade de Terceiros, modalidade na qual está inserida a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, os quais responderão pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III).

A responsabilidade estabelecida no art. 135, III, do CTN, é solidária, uma vez há o interesse comum (art. 124, I, do CTN) dos responsáveis na situação que constitua o fato gerador. Ademais, a redação do art. 135, III, do CTN é no sentido de responsabilizar “pessoalmente” os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica e não de responsabilizá-los exclusivamente.

Sendo solidária, a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN não comporta o benefício de ordem, presente na responsabilidade subsidiária. Essa é a interpretação que mais se coaduna com o texto da lei, pois se está a responsabilizar os administradores da pessoa jurídica por sua atuação irregular, desta feita, não haveria sentido em se falar em subsidiariedade, que implicaria na necessidade esgotamento dos bens da sociedade empresária para só então buscar os bens dos dirigentes faltosos.

Consoante a redação do art. 135, III, do CTN, a responsabilidade tributária ali prevista é atribuída à pessoa que exerça poderes de administração da sociedade, já que se refere a diretor, gerente ou representante da pessoa jurídica. Dessa forma, a simples condição de sócio é insuficiente para que se atribua tal responsabilidade e mesmo o não sócio pode ser responsabilizado, desde que exerça a administração da sociedade.

Importante salientar, ainda, que, para que se aplique o art. 135, III, do CTN, não basta a condição de administrador da sociedade, é necessário também que a responsabilidade resulte de ato praticado com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos.

Age com excesso de poderes, o dirigente da pessoa jurídica que extrapola os limites de suas atribuições, fazendo com que sua responsabilidade passe a ser pessoal. A caracterização da violação ao contrato social e estatutos é aferível de plano, já que basta a atuação do dirigente de pessoa jurídica em desacordo com o que for estabelecido nos mencionados atos constitutivos.

No que se refere à configuração da infração à lei capaz de ensejar a responsabilidade pessoal do dirigente de pessoa jurídica, vale citar como exemplo a simulação na constituição de empresas. Existem sociedades empresárias que são criadas com o firme propósito de lavar dinheiro e praticar outros crimes financeiros, cujos verdadeiros sócios, para se esquivarem do Fisco ou, ainda, de futura persecução criminal, colocam nos atos constitutivos da empresa o nome de pessoas alheias à sociedade como sendo os administradores “de direito”, os chamados “laranjas”. Nesses casos, mister que os sócios administradores “de fato” sejam identificados e responsabilizados na forma do art. 135, III, do CTN.

Importante destacar, contudo, que há condutas que, em princípio, não seriam contrárias à lei, mas que, a depender do caso, têm força para ensejar a aplicação da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN. Podem ser elencados como exemplos dessas condutas: o não pagamento de tributos e o encerramento irregular da sociedade empresária.

Atualmente, o entendimento majoritário no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o mero inadimplemento da obrigação tributária não constitui infração à lei capaz de caracterizar a responsabilidade do administrador, estabelecida no art. 135, III, do CTN. No entanto, tendo em mente os ditames constitucionais e tributários, é de se entender que o mero inadimplemento de tributos que não gera responsabilidade social para o dirigente (sócio ou não) da pessoa jurídica só pode ser aquele inadimplemento decorrente da “álea natural aos negócios” ou de uma impontualidade ocasional no pagamento dos tributos.

Os tribunais pátrios também defendem que a dissolução irregular da sociedade, sem que seja providenciada a quitação dos tributos por seus representantes, é ensejadora da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN. A jurisprudência pátria exige para a caracterização da dissolução irregular da sociedade a presença tão-somente de indícios e não a comprovação cabal. Recentemente, foi editada a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça que confirma a presunção de dissolução irregular da empresa quando a mesma deixa de funcionar em seu domicílio fiscal, sem comunicar os órgãos competentes.

Como se vê, o art. 135, III, do CTN, traduz um meio colocado à disposição da Administração Tributária para garantir a eficiência na arrecadação, portanto, sua aplicação deve se dar no intuito de propiciar uma maior justiça fiscal.

Vale ressaltar, por fim, que uma sociedade empresária que, intencionalmente, não recolhe os tributos devidos tem condições de fornecer melhores preços aos consumidores e maiores lucros para seus sócios, acarretando uma concorrência desleal no ramo que atua. Buscar a responsabilização dos sócios administradores de sociedades que assim procedem é prestigiar o bom contribuinte que cumpre suas obrigações derivadas da pesada carga tributária do País.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, Claudia Asato da Silva. A responsabilidade tributária dos administradores de pessoa jurídica e sua previsão no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3731, 18 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25325. Acesso em: 26 abr. 2024.