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Aplicação da modicidade tarifária como direito subjetivo do indivíduo de acesso ao serviço público

Aplicação da modicidade tarifária como direito subjetivo do indivíduo de acesso ao serviço público

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A observância do princípio da modicidade tarifária no momento de fixação, revisão ou reajuste de tarifas de serviço público é um direito subjetivo do usuário de ter assegurado o seu acesso ao serviço público, seja ele prestado direta ou indiretamente pelo Estado.

1 SERVIÇO PÚBLICO

Na doutrina não se encontra uniformidade no que se refere a conceituação do serviço público,  sendo essa conceituação uma das mais polêmicas do Direito Público, pois até então não se tem um conceito pacificado.

Historicamente as primeiras noções de serviços públicos nasceram na França, através da Escola de Serviço Público, que entendia o serviço público como a noção capital de todo o Direito Público, sob este ponto de vista o Direito administrativo não era nada mais do que o campo que estabelecia as regras relativas aos serviços públicos.

Leo Duguit apud Marcelo Pereira (2002) sustentou a ideia do Estado como uma coordenação de serviços públicos, tendo o próprio como finalidade e manutenção desses, conceituando o serviço publico em sentido amplo o definiu como:

toda atividade cuja realização deve ser assegurada, regulada e  controlada pelos governantes, porque a consecução dessa atividade é indispensável à concretização e ao desenvolvimento da interdependência social, e é de tal natureza que só pode ser realizada completamente pela intervenção da força governante.

Na doutrina brasileira, dentre os conceitos de serviço público em sentido amplo destaca-se aquele trazido por José Cretella Júnior (1980, p. 59), onde serviço público é: "toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do direito público".

Do mesmo modo Hely Lopes Meirelles (2005, p. 323), adotando o sentido amplo de serviço público assim conceitua:

serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado.

Ainda que o sentido amplo do conceito do serviço público seja defendido por renomados estudiosos, como os colacionados acima, sob o nosso ponto de vista a adoção de tais conceitos mostra-se falha em razão de abranger todas as atividades exercidas pela Administração Pública.

O conceito de serviço público em sentido restrito parte da distinção entre atividade jurídica e atividade social exercida pelo Estado, ou seja, é na atividade social que se situa o conceito de serviço público, onde há um Estado voltado ao atendimento dos interesses coletivos e bem estar social através do fornecimento de serviços essenciais aos particulares.

Nesta linha de pensamento Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 102), conceitua serviço público como

"toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público".

No mesmo diapasão Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 671) conceitua:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.

Aspecto importante a ser destacado no conceito em sentido restrito do serviço público é a utilização do "regime de Direito público" ou "regime administrativo", como forma de distinção das demais atividades.

Segundo o doutrinador acima citado, "de nada adiantaria qualificar como serviço público, determinadas atividades se algumas fossem regidas por princípios de Direito Público e outras prestadas em regime de economia privada".

Outro aspecto também digno de destaque é que para conceituação de serviço público deve ser considerado, fundamentalmente, o atendimento pelo Estado das necessidades coletivas, seja através da ação própria estatal ou por meio de empresas concessionárias, permissionárias ou outras que forneçam serviços indispensáveis ao bom desenvolvimento social.

De qualquer forma, a noção de serviço público em todos os seus aspectos deve ser encontrada na Constituição Federal, eis que a mesma apresenta todos os caracteres necessários a esta definição.

Neste aspecto, o atual Estado Brasileiro, que tem como inspiração a noção de Estado do bem estar social, tem diversas atividades, serviços públicos delineados pela Constituição Federal, que cabem ao Estado prestar.

 Desta feita, alguns serviços são públicos por determinação constitucional, ao discriminar competência aos diversos entes federados, podendo-se citar dentre outros, o serviço postal e correio aéreo nacional, telecomunicações, radiodifusão sonora e de sons e imagens, energia elétrica, seguridade social, que são de competência da União.

Marçal Justen Filho (2003, p. 44) perfilha entendimento contrário, expõe que estas atividades previstas na Constituição podem ou não ser qualificadas como serviço público, pois só haverá serviço público quando tais atividades forem destinadas a satisfação de dignidade da pessoa humana e eliminação de desigualdade social, ou de outros fins essenciais assumidos pela Nação.

Pede-se licença para introduzir alteração significativa a esse entendimento, passando a perfilhar outra interpretação para a disciplina constitucional.

Reputa-se que as atividades referidas nos diversos incisos do art. 21 da CF/88 poderão ou não ser qualificados como serviços públicos, de acordo com as circunstâncias e segundo a estruturação que se verificar como necessária. Existirá serviço público apenas quando as atividades referidas especificamente na Constituição envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e imediatamente o princípio da dignidade da pessoa humana ou quando forem reputadas como instrumento para satisfação  de fins essenciais eleitos pela República brasileira. Mas sempre que se verificar a oferta de utilidades desvinculadas da satisfação de necessidades inerentes e essenciais, configurar-se-á uma atividade econômica em sentido estrito, a ser desempenhada sob o regime de livre iniciativa.

Conforme ensinamento de Eros Roberto Grau (2000, p. 134), apesar de não haver total liberdade, o legislador ordinário também pode qualificar certas atividades como "serviços públicos", que não serão, então, atividades econômicas em sentido estrito.

Marçal Justen Filho (2003, p. 48) também admite a previsão de serviço público mediante lei infraconstitucional, contudo, isto não depende meramente da vontade do legislador, esta vontade está limitada pela necessidade de previsão de interesse público.          

Excluídos dois campos – aquilo que é obrigatoriamente serviço público e aquilo que não pode ser serviço público  - existe possibilidade de o legislador infraconstitucional determinar outras atividades como tal.

...

Ressalte-se que não basta a vontade legislativa para criar um serviço público. Há um núcleo semântico, material, no conceito (constitucional) de serviço público, que limita a vontade legislativa. Esse núcleo consiste na referibilidade do serviço à realização do interesse público (dignidade da pessoa humana e políticas fundamentais). Deve-se tomar cautela, por isso, com a expressão serviços públicos facultativo, especialmente em face do sistema constitucional pátrio.

Por fim, é de se concluir que é o Estado quem elege sempre por meio de suas normas jurídicas, constitucional ou infraconstitucional, quais as atividades terão regime de direito público e serão de titularidade estatal.


2.  PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O regime dos serviços públicos apresenta características funcionais próprias que os diferenciam do regime dos serviços privados.

De modo que o serviço público prestado direta ou indiretamente, de acordo como o conceito jurídico indeterminado constitucional para ser considerado adequado deve satisfazer as seguintes condições: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas.

2.1  REGULARIDADE

O serviço público deve ser mantido com regularidade por quem o execute, sempre conservando as suas características técnicas que devem constar expressamente em regras jurídicas legais, regulamentares ou contratuais, a fim de possibilitar sua cobrança pelo usuário.

No escólio de Diógenes Gasparini (2004, p. 285), para que haja regularidade do serviço público, este precisa ser prestado com atenção às regras impostas previamente pela Administração Pública.

A regularidade exige que os serviço sejam prestados segundo padrões de qualidade e quantidade impostos pela administração Pública tendo em vista o número e as exigências dos usuários, observando-se ainda, as condições técnicas exigidas pela própria natureza do serviço público e as condições de sua prestação.

Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 263), enfoca a necessidade de distinção do princípio da regularidade com o da continuidade, afirmando que um serviço público seja prestado de forma contínua, mas seja irregular. 

A regularidade não se pode confundir com a continuidade, que seria mais uma regularidade temporal. A regularidade refere-se mais propriamente à obediência às regras, normas e condições de prestação que informam os serviços públicos. É perfeitamente admissível, portanto, um serviço prestado de forma contínua e irregular, por não estarem sendo obedecidos os seus regulamentos, mas, pelo contrário, desvirtuados os seus fins que, em vez de servirem ao público, passam a servir aos próprios agentes prestadores do serviço.

Assim, o serviço público deve ser prestado conforme padrões jurídicos e técnicos que visem sua qualidade. 

2.2.   CONTINUIDADE

O serviço público pela importância de que se reveste, bem como por se tratar de prestação legalmente imposta ao Estado pela ordem jurídica, deve ser prestado de maneira contínua ao usuário, ou seja, não é passível de interrupção.

Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 262), estabelece uma divisão neste princípio, fixando-o como regra absoluta nas hipóteses de serviço que atendam necessidades permanentes, como o fornecimento de água, gás e eletricidade. E, como princípio relativo nas hipóteses de serviços intermitentes que se apresentem em algumas ocasiões apenas, sendo que nestas ocasiões o atendimento deve ser contínuo.

Por outro lado, segundo magistério de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 427), o serviço público admite interrupção não só em casos excepcionais, mas também em caso de motivo de ordem particular como a inadimplência do usuário.

Essa permanência do serviço à disposição dos administrados não significa, todavia, necessariamente, que não haja interrupções, o que pode ocorrer, tanto por motivos de ordem geral, como os de força maior, mencionados, na legislação ordinária, como os que resultam de uma situação de emergência ou, ainda, após um prévio aviso, sempre que possível, se for motivada por razões de ordem técnica e segurança das instalações (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, art. 6º , §3°, e seu inciso I), e até por motivos de ordem particular, desde que justifiquem a paralisação, como, entre outros, a inadimplência do usuário (leg. cit., art. 6º , §3°, II).

Neste diapasão também leciona Diógenes Gasparini (2004, p. 283):

Não caracteriza descontinuidade de prestação de serviço público quando interrompido em face de uma situação de emergência ou quando sua paralisação se der, após competente aviso, por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações, ou, ainda, por falta de pagamento dos usuários, conforme estabelece o §3° do art 6º da Lei Federal das Concessões e Permissões.

Quanto à interrupção do serviço público em razão do inadimplemento do usuário, há corrente doutrinária e também jurisprudencial (esta minoritária) que defendem a impossibilidade de interrupção do serviço. Dentre os defensores desta ideia encontra-se Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 746), o qual entende que se tratando de serviços essenciais sua cobrança deverá ser feita judicialmente, vejamos:

Em nosso entender, tratando-se de serviço de uma essencialidade extrema, como é o caso da água, de notória relevância para a saúde pública, ou mesmo de grande importância para a normalidade da vida atual, como os de eletricidade, nem o Poder público ou o concessionário poderão cortá-los, se o usuário demonstrar insuficiência de recursos para o pagamento das contas mensais. Em tal caso, sua cobrança terá de ser feita judicialmente e só, aí, uma vez sopesadas as circunstâncias pelo juiz, é que caberá ou não o corte a ser decidido nesta esfera.

               Weida Zancaner apud Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 746) reconhece o serviço público como direito básico da cidadania e da própria dignidade da pessoa humana, o que impede sua interrupção por inadimplência do usuário.

... os direitos dos usuários dos serviços públicos advém dos princípios informadores dos serviços públicos advém dos princípios informadores do serviço público que têm por fundamento a própria Constituição. Nenhuma lei pode reduzir-lhes ou amesquinhar-lhes os contornos, nem a Administração Pública pode abdicar do fiel cumprimento destes direitos, direitos subjetivos públicos que cada um de nós, como usuários, tem o direito de exercitar contra o Estado-Poder.

Em síntese, pode-se concluir que o serviço público deve ser prestado com continuidade, não podendo ser interrompido sem motivo justificável. Registre-se que a justificativa está prevista no art. 6º, §3° da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, acompanhada da corrente doutrinária e jurisprudencial predominante, as quais admitem interrupção do serviço público diante de situação de emergência ou quando sua paralisação se der, após competente aviso, por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações, ou, ainda, por falta de pagamento dos usuários, sendo a última hipótese, instrumento de assegurar a própria manutenção do respectivo serviço aos usuários adimplentes.

2.3   EFICIÊNCIA

O princípio de eficiência exige que o responsável pela prestação de serviços preocupe-se com o resultado prático da prestação que oferece aos usuários.

Objetiva-se através da eficiência buscar o máximo de resultado com um mínimo de investimento, diminuindo o custo para os usuários.       

Sob o conceito de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 43), eficiente é o serviço prestado na exata medida da necessidade a ser suprida.

Também não é eficiente o serviço que ultrapassa as exigências da necessidade a ser suprida, onerando desnecessariamente a tarifa, como seria, por exemplo, o serviço de transporte coletivo com capacidade para a média diária é inferior a trezentas pessoas.

A eficiência do serviço público não se limita apenas à sua qualidade, mas também na sua quantidade, segundo pensamento de Fernanda Marinela (2007, p. 440) que afirma que “dessa forma, a atividade administrativa deve ser exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional, evitando qualquer tipo de desperdício.”

  Desta feita, seguindo a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 428), conclui-se que a eficiência deve ser entendida como a melhor realização possível do serviço público, buscando-se a mais plena satisfação dos administrados com os menores custos para o usuário, apresentando-se, assim, como um atributo técnico da gestão de interesses, como uma exigência a ser respeitada.

2.4   SEGURANÇA

Corolário do princípio da eficiência, a segurança importa na salvaguarda da incolumidade das pessoas e dos bens afetos aos serviços.

O servidor público deve ser prestado aos usuários com segurança, não podendo se menosprezar nenhum detalhe que coloque em risco os usuários do serviço público ou terceiros, ou ainda, bens públicos e particulares.

Com efeito, Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 43), sustenta que a manutenção da segurança é de interesse público, de modo que o seu custo deve ser inserido nos custos do serviço prestado, o que deve ser observado já por ocasião da licitação, em caso de concessão dos respectivos serviços.

A manutenção da segurança é do interesse público tanto quanto a prestação do serviço. Assim, ao elaborar sua proposta para participar da licitação que tenha por objeto a concessão do serviço, o proponente deve levar em consideração os custos necessários para manter as condições de segurança.

Seguindo a mesma linha de ensinamento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 429), dada a importância da segurança esta deve ser exigida superlativamente, incluindo em sua definição “de modo especial, a consideração de seus correspondentes detalhes técnicos inafastáveis e dos respectivos custos, que reclamam atenção do Poder Público desde a licitação dos serviços.”

Sendo assim, é de se registrar que em face da relevância da segurança no serviço público a sua efetividade está diretamente relacionada com a efetividade deste serviço.

2.5   ATUALIDADE

O princípio da atualidade corresponde ao compromisso que a Administração pública tem de aperfeiçoar o serviço público da forma mais atual possível com os avanços científicos e tecnologia, mormente em razão de ser instrumento de garantia de qualidade das prestações aos usuários, assim, é corolário do princípio da eficiência.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 428), arremata:

.. tido como cláusula de progresso, o princípio da atualidade vem a ser um corolário do princípio de eficiência, no sentido de que o progresso da qualidade das prestações aos usuários deve ser considerado um dos direitos do cidadão, de modo que o Estado, ao assumir um serviço como público, impõe-se também o correlato dever de zelar pelo seu aperfeiçoamento, para que os frutos da ciência e da tecnologia sejam distribuídos o mais rápido e amplamente possível.

Fernanda Marinela (2007, p. 440), ao discorrer sobre o princípio sob comento, afirma que “exige-se que o serviço seja prestado de acordo com o “estado da técnica”, isto é, utilizando-se das técnicas mais modernas possíveis.”

Enfim, a atualidade exige a utilização de equipamentos modernos, cuidando-se bem das instalações e de sua conservação, com o único objetivo de melhoria e expansão dos serviços públicos.

2.6   GENERALIDADE

A generalidade, que decorre do princípio da igualdade previsto no art. 5º da Constituição Federal, assegura o oferecimento do serviço público a todos, de sorte que deve ser oferecido sem qualquer discriminação a todos a quem o solicita.

Maria Silvia Zanella Di Pietro (2010, p. 108) ensina que “pelo princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, desde que a pessoa satisfaça às condições legais, ela faz jus à prestação do serviço, sem qualquer distinção de caráter pessoal”

Portanto, a violação deste princípio caracterizará favorecimento, privilégios discriminações e outros abusos intoleráveis, que pode ensejar perdas e danos.

2.7  CORTESIA

Mais do que bom convívio social, o trato urbano devido pelo prestador do serviço público ao usuário, trata-se de um dever legal previsto no artigo 37, §3° da Constituição Federal.

Na lição de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 45), a cortesia não se refere apenas ao princípio da urbanidade, mas vai, além disto, “é pressuposto necessário do fácil acesso do usuário ao responsável pela prestação do serviço para críticas e sugestões”.

Através deste princípio a Administração Pública obriga-se oferecer aos usuários de seus serviços um tratamento urbano, que, sobretudo, consiste em direito subjetivo do cidadão.

2.8   MODICIDADE TARIFÁRIA

A concepção de prestação de serviço público está ligada à satisfação do interesse público, ou seja, das necessidades da coletividade como um todo.

Diante disto, a ideia defendida por doutrinadores, de aplicação do princípio da gratuidade do serviço público, hodiernamente está superada.

Certo é que para possibilitar a própria manutenção de alguns serviços públicos mister faz-se a cobrança de tarifas, sob pena de inviabilizar a sua execução, uma vez que o Estado não é detentor de recursos ilimitados.

Sendo assim, o próprio ordenamento jurídico vigente instituiu o princípio da modicidade das tarifas, o qual exige a cobrança de menores tarifas possíveis. Eis o ensinamento de Fernanda Marinela (2007, p. 441):

“Esse princípio decorre de um raciocínio simples: o Brasil é um país relativamente pobre, tendo o serviço público que atingir e satisfazer os diversos grupos sociais na persecução do bem comum. Sendoassim, quando esse serviço depender de uma cobrança, ela deve ser condizente com as possibilidades econômicas do povo brasileiro, ou seja, a mais baixa possível.”

A importância deste princípio também foi enfatizada por Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 744), ao afirmar que “ tal modicidade, registre-se, é um dos mais relevantes direitos do usuário, pois, se for desrespeitada, o próprio serviço terminará por ser inconstitucionalmente sonegado; ...”

Sendo assim, é de reconhecer que a aplicação da modicidade tarifária deve ser visualizada sob o contexto da necessidade da cobrança para prestação de alguns serviços públicos pelo Estado e do outro lado, da obrigação deste garantir acesso ao serviço à coletividade como um todo, de forma isonômica, com continuidade, mediante a cobrança de tarifa módica, de modo a assegurar ao indivíduo o direito de acesso ao serviço público.

Sob este fundamento é que defendemos a aplicação do princípio da modicidade tarifária como direito subjetivo do usuário do serviço publico, e como corolário e instrumento de efetivação dos demais princípios que regem este serviço, principalmente, o da sua continuidade.


3 APLICAÇÃO DA MODICIDADE  TARIFÁRIA COMO DIREITO SUBJETIVO DO INDIVÍDUO DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO

A Constituição Federal, no seu artigo 175, inciso IV, estabelece para o concessionário e também ao permissionário a obrigação de manter um serviço adequado.

A definição do serviço adequado encontra-se previsto no artigo 6º da Lei nº 8.987, de 1995, que assim classifica o serviço desde que haja o pleno atendimento aos usuários. Ou seja, para que haja um serviço adequado mister se faz o atendimento das necessidades ou comodidades exigíveis pelos usuários, de forma objetiva.

Eis o comentário de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 38):

Necessário acentuar que este pleno atendimento tem seus limites, não se subordinando aos caprichos e exigências de natureza meramente subjetiva aos usuários.

O serviço deve ser prestado de forma adequada ao pleno atendimento das necessidades ou comodidades exigíveis, sem dúvida, individualmente pelos usuários, mas fundados em razões objetivas e não simplesmente pessoais e peculiares a cada usuário. Assim, por exemplo, a eficiência a que o concessionário se obriga não é aquela desejada subjetiva e individualmente por parte de cada usuário em função de suas peculiaridades comuns a todos como usuários do serviço.

Pondere-se, ainda, que segundo definição do art. 6º, §1º, da  Lei nº. 8.987, de 1995, “serviço adequado é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”

Em sendo assim, o princípio da modicidade tarifária encontra-se incluso no conceito de serviço adequado.

Ao falar em modicidade de tarifas e serviços de qualidade, é preciso buscar com que sentido tais expressões são utilizadas, para tratá-las como artifício de linguagem, afinal, o Direito não possui uma linguagem própria como outra ciência, utiliza-se da linguagem comum para fazer ciência.

Termos como "modicidade de tarifas" devem ser entendidos sempre na perspectiva dos princípios, valores e interesses constitucionalmente relevantes, pois em que pese a larga margem de conformação, ao intérprete não é permitido que altere o conceito, de forma a transformar a efetiva  intenção do legislador.

O vocábulo módico, derivado do latim “modicu” pode ter o significado de exíguo, pequeno, modesto, moderado e  limitado.

 Contudo, segundo lição de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 45), a modicidade prevista na lei não se reduz ao significado comum e a imprecisão deste termo desaparece no caso concreto, mediante processos lógicos de interpretação e integração da norma.

Logicamente a modicidade a que se refere a lei não se limita ao sentido comum, corrente, do termo, mas ao seu significado jurídico. À análise menos criteriosa, especialmente quando se leva em consideração apenas o sentido vulgar do termo, tem se a falsa impressão de que o vocábulo tem conteúdo impreciso, vago, indefinido. Esta imprecisão, todavia, atenua-se sensivelmente, e até desaparece em muitos casos, quando se busca a definição e mensuração desta modicidade no caso concreto, mediante processos lógicos de interpretação e integração de norma.

E arremata:

A imprecisão existente no termo ou expressão considerado isolada e teoricamente inexiste no momento da análise concreta do objeto representado por este termo ou expressão.

Para a determinação da modicidade na prática, é necessário, portanto, que sejam consideradas as peculiaridades da situação fática (espécie de serviço, amplitude e características da necessidade pública  a ser suprida, custas da execução do serviço, etc), e que se perquira cada fator mediante critérios juridicamente apropriados.

Como ensina Celso Antônio Bandeira de (2004, p 734), "em geral, o concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai, basicamente, a remuneração que lhe corresponde".

Portanto, a tarifa,como ensina Antônio Carlos Cintra do Amaral (1999, p. 51), “deve refletir a composição: custos mais lucro mais amortizações de investimentos menos receitas alternativas, complementares ou acessórias ou de projetos associados”.

Por sua vez, Marçal Justen Filho (2003, p 374-375), defendendo a fixação e reajuste de tarifas, numa proposta político-social atinente a fórmula tarifária, afirma que

numa primeira abordagem, poderia imaginar-se que a fixação das tarifas obedeceria a uma estrita avaliação do custo e consumo. Poderia supor-se que a determinação das tarifas far-se-ia pela repartição do custo total do serviço, entre os usuários, segundo a dimensão do consumo individual".

E acrescenta:

Ocorre que a fixação das tarifas não se faz necessariamente por repartição aritmética dos custos entre os usuários. Deve atentar-se para peculiaridades que possam representar variações de custos, identificáveis de modo inquestionável. Assim, por exemplo, o fornecimento de água para certas regiões do Município pode envolver custos muito mais elevados do que para outras. São as hipóteses de custo diferenciado em virtude de características técnicas do serviço para certos setores.

Sob esta concepção, este doutrinador estabelece que a variação na fixação do valor da tarifa não advém apenas de características técnicas, mas, também, da possibilidade ou não da transferência dos efeitos econômicos da tarifa para terceiros, tal como ocorre nos casos de consumo do serviço público para efeitos empresariais, em tais casos “o custo da energia elétrica fornecida para uma fábrica é integrado no custo do produto, contrariamente ao que se passa com o custo da energia elétrica consumida para fins residenciais”.

Tais diferenciações seriam possíveis nos limites do princípio da isonomia, desta feita, não basta afirmar a diferença, esta deve ser comprovada e proporcional ao elemento da distinção.

Segundo o ponto de vista de Celso AntônioBandeira de Mello (2010, p. 676), as tarifas devem ser módicas, impedindo, assim, sua excessiva oneração, de modo a assegurar acessível a todos os usuários, uma vez que “o serviço público, por definição, corresponde à satisfação de uma necessidade ou conveniência básica dos membros da Sociedade”.

Todavia, é inegável que a fixação do valor da tarifa alicerça-se em dados objetivos, com base na equação custo e lucro, os quais não podem ser afastados, mormente quando há a concessão para prestações de serviços públicos a empresas privadas especializadas, fato que, assente de dúvida, não altera a natureza pública do serviço.

É que independentemente do serviço público ser prestado diretamente pelo Estado ou, indiretamente, mediante concessão, a prestação do serviço público é sempre dever do Estado, devendo sempre ser realizada de modo a assegurar o acesso ao serviço público a todas as camadas sociais, a todos os usuários, consagrando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, diante da aplicação do princípio da modicidade tarifária, ao se determinar o valor da tarifa, deve-se levar em conta os valores jurídicos constitucionalmente consagrados, tendo em vista a diferenciação entre as situações concretas, sem desconsiderar o custo do serviço público a ser prestado.

Assim, ao conceituar a modicidade tarifária como necessidade de prestação de serviço público mediante tarifas justas, esta justiça só tem sentido quando se analisa a questão sob o aspecto do usuário, uma vez que analisando pelo lado do concessionário, a tarifa será sempre a tarifa justa (art. 9º, § 2º, da Lei 8.987/95), havendo previsão legal de revisão e reajustes, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. 

Entretanto, se em relação ao usuário a modicidade da tarifa corresponde ao menor custo possível em face da adequação do serviço, tarifa módica nem sempre alcança um valor reduzido e, diante disto, nem sempre corresponde a uma tarifa justa a todos os usuários.

Situação em que seria excluído o princípio da generalidade que se encontra atrelado ao da modicidade tarifária, no sentido de proporcionar o mais amplo acesso ao serviço por parte de todos que dele tenham necessidade.

E, em caso de concessão de serviço público, se o valor estabelecido para a tarifa, não puder ser suportado pelo usuário, com o objetivo de assegurar a aplicação da modicidade tarifária e, com isto, o acesso a todos aos usuários, deve ser utilizada em benefício da empresa concessionária, outras fontes alternativas de receita, inclusive, o subsídio estatal.

Diógenes Gasparini (2004, p. 286), argumenta que os serviços públicos “não devem ser prestados com lucros ou prejuízos, mas mediante retribuição que viabilize esses interesses”, todavia admite, em casos excepcionais, a possibilidade do Poder Público subsidiar o serviço público, bem como ampliar as fontes de receitas das concessionárias:

Em situações excepcionais, o Poder Público pode subsidiar seu custo ou consentir na utilização de outras fontes de receitas, conforme facultado pelo art. 11 da Lei Federal das Concessões e Permissões de Serviço Público. Cabe à lei, nos termos do art. 175 da Constituição da República, instituir para essa remuneração a competente política tarifária.

Neste mesmo posicionamento doutrinário revela-se o pensamento de Lúcia Valle Figueiredo (2004, p.104), ao defender a inexistência de impedimento para que “o Poder Público subsidiasse ditas tarifas para que o serviço custasse menos ao usuário e, não obstante, o concessionário pudesse ter a justa retribuição de seu serviço”.

Celso AntônioBandeira de Mello (2010, p. 735) também reconhece a possibilidade de subsídio ou ampliação de receitas às concessionárias, vejamos:

Entretanto, as tarifas constituem-se, de regra, na remuneração básica, já que as “provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados” têm por finalidade “favorecer a modicidade das tarifas”(art. 11 da lei). O mesmo se dirá quando as tarifas forem subsidiadas pelo concedente. ...

Segundo o entendimento de Marçal Justen Filho (2003, p. 375), em casos de ausência de recursos dos usuários surge a necessidade de com vistas na classe social excluída do acesso ao serviço público prestado desenvolver opções políticas de fixação de tarifa diferenciada que garanta o respectivo acesso, trata-se da tarifa social:

Usa-se tarifa social para indicar opções políticas de promover variação da tarifa em função da ausência de recursos do usuário, aquele que não dispuser de riqueza não perde, desse modo, o acesso aos serviços públicos. ...

Segundo o pensamento desenvolvido pelo doutrinador, a falta de riqueza não anula o direito de acesso aos serviços públicos, sendo a tarifa social um instrumento de inclusão social, estabelecendo que a diferença do valor da tarifa normal e da social deve ser subsidiada pelo Estado ou pela incorporação deste valor nas tarifas pagas pelos outros usuários

A fixação de tarifas sociais significa ausência de pagamento correspondente ao pagamento economicamente necessário para assegurar a rentabilidade da exploração ou a manutenção da equação econômico-financeiro. Portanto, a diferença a menor, que deixa de ser produzida em virtude da fixação de tarifas sociais, tem de ser coberta de outra forma. Isso se faria ou por via de subsídios estatais ao concessionário ou pela incorporação desse custo nas tarifas pagas pelos demais usuários.

A hipótese dos subsídios já foi objeto de exame anteriormente, sendo potencialmente geradora de efeitos nocivos e propiciando a frustração da própria concepção que gerou a outorga da concessão. Se os cofres públicos arcarem com o custo do fornecimento do serviço público, para determinados usuários, produzir-se-á a difusão dos encargos para toda a comunidade. Como decorrência, os usuários subsidiados estarão a beneficiar-se às custas da contribuição de toda a sociedade. Isso pode até impor-se como indispensável, somente por exceção e em limites determinados e rígidos.

Uma alternativa ao subsídio reside na diferenciação tarifária, de modo a agravar as condições tarifárias exigidas de classes econômicas mais privilegiadas. Alude-se a tarefa social para indicar as transferências dos custos das classes carentes para as economicamente mais privilegiadas, de modo que a redução da tarifa cobrada daquelas seria compensada pela elevação das pagas pelos demais usuários.

Veja-se que a empresa concessionária não tem o dever de abrir mão do ressarcimento do custo para prestação do serviço e do lucro que move a sua atividade, por isso para atender ao princípio da modicidade tarifária não deve arcar, individualmente, com a redução do valor da tarifa.

Eis o escólio de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 430):

 Ainda, assim, embora a modicidade de prestação de serviços públicos de natureza econômica não leve à produção de lucros, a serem distribuídos como dividendos, ela deverá apresentar, sempre que possível, alguma lucratividade, não só para evitar que o custo dos serviços recaia sobre quem não os utiliza, possibilitando a auto-suficiência da organização que os presta, como para dar condições de garantir-se sua expansão e aperfeiçoamento auto-sustentados e sem prejuízo da prestação de outros serviços públicos, tanto ou mais essenciais.

Registre-se que a ausência de lucro, ainda que módico, inviabilizaria o investimento privado para a exploração do respectivo serviço.

No caso de serviços públicos prestados por delegação, através de contratos como os de concessão e de permissão, prevalecerá a vinculação das respectivas tarifas aos preços de mercado, o que se logra através de da realização de certames licitatórios, em que se garanta um lucro módico, mas suficiente para atrair investidores privados para a exploração econômica do serviço, em valor a ser previamente fixado em termos percentuais após a cobertura do custo de serviço, em valor a ser previamente fixado em termos percentuais, após a cobertura do custo do serviço, a depreciação de equipamentos e o melhoramento dos serviços, compreendido, é claro, o custo de sua manutenção adequada. (MOREIRA NETO, 2005, p. 430)

 Ainda sobre o tema, indispensável trazer a baila o entendimento de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 45-46), que defende que o valor da tarifa não poder comprometer a adequação do serviço e nem deixar de oferecer condições atrativas para o particular.

A modicidade da tarifa não pode ser tal a ponto de comprometer a adequação do serviço. A concessão, ao ser licitada, deve apresentar condições atrativas para o particular, sob pena de não acorrerem interessados. O edital de concorrência para a concessão que não observa o princípio está restringindo a competitividade, podendo, inclusive, ser alvo de anulação.

A modicidade além de não prejudicar a adequação do serviço a ser prestado, também não pode comprometer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

Tarifa módica é, pois, a que propicia ao concessionário condições  para prestar serviço adequado e, ao mesmo tempo, lhe possibilita a justa remuneração dos recursos comprometidos na execução do objeto da concessão. Sem esta garantia, o Estado jamais contraria com a colaboração honesta da iniciativa privada.

Entretanto, seguindo ainda a linha de pensamento de Marçal Justen Filho (2003, p. 376-377), os efeitos econômicos da tarifa social podem ser transferidos aos demais usuários dos serviços, embasado no princípio da capacidade contributiva, desde que haja autorização legislativa.

Todavia, considerando que este repasse poderia inviabilizar o acesso ao serviço público também aos demais usuários, num efeito cascata, o Estado é quem deve custear a tarifa social, bem como subsidiar as concessionárias, a fim de assegurar a aplicabilidade da modicidade tarifária.

Aliás, como bem lembra Marçal Justen Filho (2003, p. 376-377), a possibilidade desta subvenção estatal encontra amparo no próprio fundamento da República Federativa do Brasil.

Sendo que, o artigo 1º da Constituição Federal, estabelece que o Estado brasileiro deve fundamentar toda sua atuação no princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, para realizar os objetivos da República Federativa do Brasil, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e da marginalização, promovendo, assim, o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor ou idade.

Em razão disto, Celso Spitzcovsky (2004, p.111-112), afirma que “a fixação do valor de tarifas públicas que extrapole o conceito de modicidade, vale dizer, o de acessibilidade do usuário ao serviço público, revela-se inconstitucional”.

Isto posto, conclui-se que o princípio da modicidade tarifária constitui direito subjetivo do usuário do serviço público, como instrumento de garantia de isonomia e inclusão social, ao passo em que visa, sobretudo, assegurar a todos os que necessitem acesso ao serviço público, consagrando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, na construção de uma sociedade mais justa e solidária.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o advento do Estado Social houve uma ampliação das atribuições do Estado, dentre eles a assunção do serviço público, de modo que o Estado passou a ser um prestador de serviço.

O serviço público pode ser definido como aquele desenvolvido pela Administração ou por quem lhe represente mediante regras previamente estabelecidas, de forma que prestado direta ou indiretamente preserva-se a natureza de atividade pública.

O conceito de interesse coletivo, subentendido pela atividade de serviço público, não é um conceito estático, uma vez que possui um conteúdo essencialmente político.

É o Estado, por meio da lei, que, diante de uma necessidade coletiva existente em determinado momento, escolhe quais as atividades que serão consideradas serviços públicos.

Há que se considerar que o serviço público não varia somente no tempo, mas também no espaço, pois depende da legislação de cada país a maior ou menor abrangência das atividades definidas como serviço público.

Malgrado a titularidade do serviço público seja reservada ao Estado, o seu exercício, como forma de descentralização, pode ser transferido a terceiros, mediante regras estabelecidas pela Administração Pública. Tanto é que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente a possibilidade de execução de serviços públicos mediante concessão e permissão (art. 175, CF).

De sorte que alguns serviços públicos podem ter sua gestão repassada para particulares, por meio da concessão de serviços públicos, que é o instrumento através do qual o Estado transfere o exercício de um serviço público a terceiro que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, sendo remunerado pela própria exploração do serviço mediante tarifas cobradas dos usuários do serviço.

Entretanto, ainda que executados por terceiros, o serviço público preserva a sua natureza pública, conservando, portanto, a aplicação, dentre outros, dos princípios de continuidade de serviço público, da mutabilidade e da modicidade tarifária.

O princípio da modicidade tarifária vem consagrado no art. 6º, §1º da Lei nº. 8. 987, de 1995, como pressuposto de serviço adequado, ou seja, para que o serviço público seja considerado adequado necessário é que a tarifa cobrada seja módica, garantindo o serviço acessível a todos os usuários.

 Partindo desta ideia, a tarifa de serviço público deve ser módica, como instrumento de garantia de acessibilidade do usuário aos serviços desta natureza.

Em sendo assim, o princípio da modicidade tarifária é instrumento de concretização do direito fundamental da proteção da dignidade da pessoa humana, garantindo a construção de uma sociedade alicerçada na justiça, na liberdade e na solidariedade, com a erradicação da pobreza e marginalização, assegurando o bem de todos, independentemente da situação econômica que detém.

Retira-se, portanto, do mundo principiológico, instrumento de concretização não de mera expectativa, mas de direito subjetivo dos usuários, em sua totalidade, de se utilizar de um serviço público.

Desta feita, a fixação das tarifas públicas que extrapole o conceito de modicidade, impossibilitando o acesso dos usuários em sua totalidade revela-se inconstitucional, sendo passível de controle judicial.

  Por fim, conclui-se que a observância do princípio da modicidade tarifária no momento de fixação, revisão ou reajuste de tarifas de serviço público é um direito subjetivo do usuário de ter assegurado o seu acesso ao serviço público, seja ele prestado direta ou indiretamente pelo Estado.

E, mesmo nas situações em que o custo do serviço público aparentemente inviabilizar a fixação de uma tarifa módica, esta deve ser assegurada, mediante subsídio estatal, como forma de se garantir ampla inclusão social.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Cristiane Vitório. Aplicação da modicidade tarifária como direito subjetivo do indivíduo de acesso ao serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3732, 19 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25342. Acesso em: 25 abr. 2024.