Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/25417
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A apatia atual dos sindicatos e partidos políticos de esquerdano processo das políticas públicas de trabalho

A apatia atual dos sindicatos e partidos políticos de esquerdano processo das políticas públicas de trabalho

Publicado em . Elaborado em .

A crise do sindicalismo e, com ela, a crise dos partidos gestados no seio do movimento sindical, é uma crise de legitimidade, pois já não reúnem em torno de si a classe trabalhadora na complexidade de sua composição atual.

Resumo: Neste artigo, busca-se dar uma visão panorâmica do processo da política pública e realçar a existência de uma influência constante de diversos sujeitos em todos os seus momentos, para, com base na compreensão desse processo, evidenciar a apatia atual dos sindicatos e partidos políticos enquanto atores das políticas públicas de trabalho, como consequência das drásticas e rápidas transformações no mundo do trabalho nas duas últimas décadas do século XX.

Palavras-chave: Políticas públicas. Processo. Políticas públicas de trabalho. Sujeitos. Sindicatos. Partidos. Apatia. Mundo do trabalho. Transformações.


1. INTRODUÇÃO

Com muita propriedade, Carvalho (2000, p. 13) assinala que "as prioridades em políticas públicas emergem na sociedade e só adentram a agenda do Estado quando se constituem em demanda vocalizada [...]". A história da conquista dos principais direitos sociais nos estados capitalistas nos mostra que ela só foi possível quando os trabalhadores se organizaram em torno das demandas, focalizam-na e agiram, sensibilizando e mobilizando outros segmentos societários em torno do mesmo objetivo, para, afinal, transformá-las em prioridade e introduzi-las no campo da disputa política.

A organização política dos trabalhadores em torno da luta pela conquista de direitos se tomou realidade mediante as organizações sindicais. Tem sido no seio do movimento sindical de onde tem emergido as principais lideranças políticas responsáveis pela representação dos trabalhadores nos Poderes Legislativos em todo o mundo.

A estrutura e a lógica do mundo do trabalho que permitiram esse nível de organização foram moldadas, porém, no contexto do modo de produção Fordista/Taylorista, caracterizado pela produção em série e em larga escala de produtos estandartizados, fundamentada em unidades produtivas altamente verticalizadas e concentradoras de grandes contingentes de trabalhadores especializados.

Nos países capitalistas, centrais e periféricos, o sistema de produção fordista articulou-se aos Estados de bem-estar social e à constituição dos grandes sindicatos de trabalhadores, o que proporcionou, desde o pós-1945 até o final dos anos 1960, um prolongado período de relativo equilíbrio no sistema de relações sociais capitalistas como um todo (PINTO, 2010, p. 43-45).

Porém, no final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, quando o capitalismo se viu envolvido em nova crise estrutural, a reação sobreveio mediante a idealização e concretização de um conjunto de medidas adaptadas a partir das idéias da Doutrina do Liberalismo e que se tornaria conhecido como Neoliberalismo. As estratégias principais da reestruturação capitalista foram baseadas na mundialização da economia, na financeirização do capital, no ataque ao Estado de bem-estar social e na flexibilização das relações de produção e de trabalho, associados com o emprego das novas tecnologias.

As reestruturações provocaram enorme aumento do desemprego e do trabalho informal. -No trabalho formal, diminuíram-se direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que surgiram inúmeras modalidades de relações precárias de trabalho. Nos países pobres e nas economias ditas emergentes, houve forte piora nos seus já escandalosos indicadores sociais, hoje também presenciada até mesmo os países de capitalismo central, onde o padrão do welfare state tem decaído crescentemente.

Nesse novo cenário, resultaram enfraquecidos, quando não aniquilados, os antigos meios de defesa da classe trabalhadora, em especial os principais atores das políticas públicas de trabalho: os sindicatos e os partidos políticos de esquerda, que hoje assistem quase inertes — e por vezes, numa postura corporativista/defensiva, até como partícipes — aos ataques contra as políticas sociais.

Em outro flanco, é perceptível a realocação do tema da pobreza desde o Estado em direção ao chamado "Terceiro Setor" e a consequente transformação dos gestores das políticas sociais públicas "[...] em meros administradores de programas sociais, quando não em administradores da penúria". (SCHONS, 2007, p. 37).

Tendo em vista as considerações acima, este artigo, utilizando uma linguagem e argumentos acessíveis, pretende fornecer uma compreensão panorâmica do processo das políticas públicas e em seguida fornecer elementos para a compreensão das mudanças ocorridas no mundo do trabalho e seus reflexos nos sujeitos e nas políticas públicas de trabalho, como também levantar possíveis alternativas para os sindicatos enquanto sujeitos fundamentais das políticas públicas.


2. PARA UMA COMPREENSÃO PANORÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Nas políticas públicas, como em qualquer outra área, a crítica sobre questões particulares exige previamente um conhecimento mínimo do todo, sob pena de a discussão ser em vão, por não alcançar a almejada ressonância. Assim, partindo do pressuposto de que as políticas públicas são movidas por diferentes interesses entre sujeitos também diferentes - os quais não são necessariamente ligados a essa área de conhecimento, mas dos quais, não obstante, espera-se o envolvimento nas discussões - este tópico será dedicado a dar ao leitor os elementos necessários para que assimile uma compreensão panorâmica das Políticas Públicas.

2.1 Origem das Políticas Públicas

Os estudos de política pública constituem uma subárea da ciência política. Seu nascimento na Europa ocorreu a partir do desmembramento de trabalhos baseados em teorias explicativas do papel do Estado e do governo. Já nos Estados Unidos, a área da política pública surgiu sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos (SOUZA, 2006, p. 22).

As políticas públicas constituem terceiro caminho trilhado pela ciência política norte-americana: o primeiro caminho focalizava o estudo das instituições; o segundo caminho teve como foco as organizações locais; e o terceiro caminho, que foi o das políticas públicas, se concentra em entender como e por que os governos optam por determinadas ações (SOUZA, 2006, p 22).

Conquanto as abordagens iniciais sobre o tema de políticas públicas remontem aos anos 1930, as últimas décadas registraram o ressurgimento da importância desse campo de conhecimento, devido: a) à inclusão na agenda da maioria dos países, sobretudo daqueles em desenvolvimento, a adoção de políticas restritivas de gasto pelos governos; b) a substituição das políticas keynesianas do pós-guerra por políticas restritivas de gasto; c) a carência de coalizões políticas nos países em desenvolvimento ou recém-democratizados, capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população (SOUZA, pp. 20-23).

De acordo ainda com Souza (2006), quatro autores autores podem ser considerados os fundadores da área de políticas públicas: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. H. Laswell, em 1936, introduziu a expressão policy analysis, para designar a análise de política pública, como forma de conciliar conhecimento acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governos (SOUZA, 2006, p. 23).

Simon, por sua vez, em 1957, introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos, ou policy makers. Para ele a limitação da racionalidade dos policy makers, que decorre de variados fatores (informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, auto-interesse dos decisores etc.), poderia ser minimizada pelo conhecimento racional, isto é, maximizando-se a racionalidade até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (regras e incentivos) aptas para enquadrar o comportamento dos atores e para modelar esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de _maximização de interesses próprios (SOUZA, 2006, p. 23).

Lindblom, em 1959, questionou a ênfase no racionalismo dos dois autores já comentados e propõe a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório, o que não teria necessariamente um fim ou um princípio. Segundo ele, as políticas públicas precisariam incorporar mais outros elementos à sua formação e à sua análise, tais como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse (SOUZA, 2006, p. 24).

Por fim, a contribuição de Easton, que data de 1965, consistiu em definir a política pública como um sistema: uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. 

Para esse autor, as políticas públicas recebem "inputs" dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos (SOUZA, 2006, p. 24).

2.2 Definição e elementos caracterizadores da política pública

Dye (1992, p. 3-4) adverte que a produção de livros, ensaios e discussões sobre uma definição apropriada de políticas públicas tem se mostrado algo fútil e até mesmo 1 irritante, além de desviar a atenção do estudo da própria política pública. Segundo ainda esse 1 autor, se submetidas a exame detalhado, até mesmo as definições mais elaboradas de políticas públicas parecem resumir-se a uma mesma coisa. Assim, o citado autor desencoraja discussões acadêmicas elaboradas em torno da definição de políticas públicas e adota a simples definição segundo a qual política pública é "o que os governos escolhem fazer ou não fazer" (Dye, 1992, p. 4).

Sustentando que não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública, Souza (2006, p. 24) cita algumas definições, das quais destacamos, por ser a mais conhecida, a de Laswells, para quem "as decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o que e por que e que diferença faz". 

Silva enxerga nas políticas públicas um espaço de lutas sociais e conquista de cidadania, ao mesmo tempo em que enfatiza seu caráter processual contraditório e não linear, compreendendo vários momentos e envolvendo vários sujeitos:

"Enquanto espaço de desenvolvimento de processos sociais, as políticas públicas, desde a sua formulação, constituem-se também espaço da luta social, envolvendo mobilização e alocação de recursos, divisão de trabalho (tempo); uso de controles (poder), interação entre sujeitos; diversidades de interesses, adaptações; riscos e incertezas sobre processos e resultados, envolvendo também noção de sucesso e fracasso. Destaca-se aí a relevância dos sujeitos políticos desse processo, seus interesses e suas racionalidades. Assim percebido, o processo das políticas públicas é assumido, nos seus diferentes momentos (constituição do problema, formulação de políticas e programas, implementação e avaliação), por uma diversidade de sujeitos que entram, saem ou permanecem no processo, sendo estes orientados por diferentes racionalidades e movidos por diferentes interesses, fazendo do desenvolvimento das políticas públicas um processo contraditório e não linear". (SILVA, 2009).

Por isso, de conformidade com Silva (2009), as políticas públicas são espaços de lutas sociais e conquista de cidadania, no sentido pleno do termo, constituída por direitos universais que garantam estatuto civil, político e social a todos os cidadãos de um determinado país.

2.3. Momentos do processo da política pública principais:

a) a constituição de "issues";  

b) a formulação da agenda política;

c) a formulação da política (pré-decisão);

d) a adoção da política;

e) a implementação da política e

f) a avaliação da política.

Em todos esses momentos, verifica-se a influência de vários atores políticos e dos processos de evidenciação dos temas. Nos subitens seguintes, esboça-se uma explicação sintética sobre os citados momentos da política pública.

2.3.1 A constituição de issues

Na área das Políticas Públicas, um issue é um item ou aspecto de uma decisão, que afeta os interesses de vários atores e, por esse motivo, mobilizam as expectativas desses atores quanto aos resultados da política e catalisam o conflito entre eles (RUA, 1999, p. 75).

A constituição dos issue é anterior à formulação da agenda e corresponde ao momento em que um problema ou demanda é dado ao conhecimento da comunidade, buscando ser merecedor de atenção pública.

2.3.2 A formulação da agenda política

Uma agenda de políticas "consiste em uma lista de prioridades inicialmente estabelecidas, às quais os governos devam dedicar suas energias e atenções, e entre as quais os atores lutam arduamente para incluir as questões de seu interesse" (RUA, 1999, p. 66).

O momento da formulação da agenda política é aquele em que os issues que lograram a atenção pública passam a ser considerados para efeito da ação do Estado. Os autores distinguem dois tipos de "agenda de política": a agenda sistêmica, denominada também de agenda do Estado ou agenda da sociedade, e a agenda formal, igualmente conhecida como agenda institucional ou agenda governamental.

A expressão "agenda sistêmica" é utilizada para fazer referência à lista de questões que preocupam permanentemente diversos atores políticos e sociais, ou que dizem respeito à sociedade como um todo, não se restringindo a este ou aquele governo. No Brasil, por exemplo, compõem a agenda sistêmica questões como a desigualdade social, a violência, a degradação ambiental e o desenvolvimento econômico e social, por afetarem toda a sociedade, independentemente de partidos políticos e governos (RUA, 2009, p. 66). Para fazer parte da agenda sistêmica, requer-se do issue uma atenção difundida, a preocupação compartilhada por parcela considerável de público corno objeto de ação, a percepção partilhada de que se trata de um assunto apropriado à esfera governamental, o acesso à mídia ou a recursos necessários para alcançar pessoas, a percepção por um grande número de pessoas e que a ação a ser desencadeada seja considerada possível e necessária (SILVA, 2011).

Por sua vez, a agenda formal (institucional ou governamental) é aquela que reúne os problemas que um governo específico escolheu tratar. Sua composição dependerá da ideologia, dos projetos políticos e partidários, das crises conjunturais e das oportunidades políticas (RUA, 2009, pp. 66-67). Os conteúdos das agendas formais são velhos (itens habituais, itens com revisão regular dentro de alguma periodicidade e alternativas de ação delineadas) ou novos itens (sem definições pré-estabelecidas), conforme Silva (2011). 

Por último, é importante assinalar que um item pode entrar na agenda formal sem ter feito parte da agenda sistêmica, como também pode fazer parte desta sem integrar aquela (SILVA, 2011).

2.3.3 A formulação da política

O momento da formulação da política é aquele em que são elaborados os diagnósticos e as alternativas, em várias dimensões: - na dimensão do conteúdo, se cogita sobre qual programa adotar, a quem vai beneficiar, onde e quando; - na dimensão dos recursos financeiros, procura-se saber quanto gastar, de que fontes provirão os recursos, a abrangência e o escopo da política; - na dimensão das instituições, se cuida de quais os órgãos e a legislação de apoio; - e, por último, quanto a quem faz a política, discute-se sobre os agentes, a burocracia, a equipe técnica e as parcerias.

Neste terceiro momento do processo das políticas públicas: 

"[...] é quando se evidenciam os vários issues e é quando se colocam claramente as preferências dos atores, manifestam-se os seus interesses.

Nesse ensejo, os atores entram em confronto e/ou constroem suas alianças visando decisões favoráveis às suas preferências. Para isso, cada um deles procurará mobilizar seus recursos de poder e pressionar os tomadores de decisão: influência, capacidade de afetar o funcionamento do sistema, argumentos de persuasão, votos, organização etc". (RUA, 1999, p. 89).

Uma demanda por política pública expressa necessidades e aspirações quanto à solução de um problema. Portanto, essas necessidades e aspirações dos atores são a base do interesse, ou seja, aquilo que cada autor deseja maximizar.

Quando as alternativas para solucionar um problema começam a ser formuladas, as aspirações dão origem às expectativas, entendidas estas corno as suposições que os atores formulam sobre as conseqüências de cada alternativa sobre os seus interesses. A partir destas expectativas é que os atores se mobilizam, defendendo o seu interesse, expresso em preferências. Assim, dependendo da sua posição, os atores podem ter preferências muito diversas entre si quanto à melhor solução para um problema político. As preferências se formam em relação aos issues, pois, como visto antes, issue é um item ou aspecto de uma decisão que afeta os interesses de vários atores. Assim, os issues mobilizam as expectativas dos autores e catalisam o conflito entre eles (RUA, 2009, pp. 74-75).

Na área do trabalho, por exemplo, definir-se sobre uma política de permissão à flexibilização de certos direitos trabalhistas envolve inúmeros issues: — a flexibilização será feita na própria legislação ou se remeterá para o plano da negociação coletiva? — sendo remetida à negociação coletiva, como fazer para tornar os sindicatos menos vulneráveis ao poder econômico no contexto das negociações? — mantém-se o imposto sindical ou deve-se eliminá-lo?

Dependendo da decisão que for tomada quanto a esses pontos, alguns atores ganham e outros perdem; e a política assume uma configuração ou outra. Em função das preferências, das expectativas de resultados (vantagens e desvantagens) da cada alternativa para a solução de um problema, e da estrutura de oportunidades, os atores fazem alianças entre si e entram em disputa, formando-se, assim, as denominadas arenas políticas. A estrutura de oportunidades é o contexto formado pelo conjunto de recursos de poder e regras do jogo. Os primeiros são os elementos materiais ou imateriais, efetivos ou potenciais, que um autor pode mobilizar para pressionar pelas suas preferências. As regras do jogo, por sua vez, são o conjunto de normas formais e informais que regem o processo de interação dos atores, as quais variam de uma sociedade para outra e de um regime político para outro. (RUA, 2009, pp. 76-77). As arenas políticas traduzem-se, desse modo, nos processos de conflito e de consenso relativos às diversas políticas públicas. (RUA, 2009, p. 76).

2.3.4 A adoção da política

O momento da adoção da política corresponde ao processo decisório. A decisão se manifesta sob a forma de "[...] um amontoado de intenções sobre a solução de um problema, expressas na forma de determinações legais: decretos, resoluções etc". (RUA, 2009, p. 93).

Nesta fase, os diversos atores procurarão mobilizar seus recursos de poder e irão pressionar os tomadores de decisão (decision-makers). Aqui entra em cena a influência, a capacidade de afetar o funcionamento do sistema, argumentos de persuasão, votos, organização etc. (RUA, 2009, p. 89).

Ante um imput de demanda e o confronto dos atores e/ou da construção de alianças visando decisão favorável às suas preferências existem diferentes formas ou maneiras pelas quais o tomador de decisão pode reagir, ou seja, "pensar" a solução. Uma dessas maneiras é o chamado "modelo incremental", a outra é o denominado "modelo-racional compreensivo" e uma terceira modalidade é denominada mixed-scaning (exploração  ombinada).

o modelo incremental significa a tentativa de solucionar problemas de maneira gradual, sem introduzir grandes modificações nas situações já existentes e sem provocar rupturas de qualquer natureza. Essa forma de abordagem parte de dois pressupostos básicos: 

a) por mais adequada que seja a fundamentação técnica de uma alternativa, a decisão sempre envolve relações de poder, de forma que uma relação tecnicamente perfeita pode se revelar politicamente inviável, e vice-versa, significando que não existem soluções perfeitas;

b) os governos democráticos efetivamente não possuem liberdade total na alocação de recursos públicos. (RUA, 2009, p. 90-91)

O modelo racional-compreensivo parte do princípio de que é possível conhecer o problema de tal forma que se possa tomar decisões de grande impacto. Neste modelo, os formuladores decidem que valores e objetivo devem ser maximizados e quais as alternativas que melhor poderão maximizá-los. A seleção da alternativa a ser adotada é feita a partir de uma análise abrangente e detalhada de cada alternativa, seu custo-beneficio e suas consequências. (RUA, 2009, p. 91).

Por fim, o modelo mixed-scanning parte do reconhecimento de que as decisões não são todas da mesma natureza e as distingue entre decisões estruturantes e decisões ordinárias.

As decisões estruturantes são aquelas que estabelecem os rumos básicos ou diretrizes fundamentais das políticas públicas em geral e proporcionam o contexto para as decisões ordinárias. As decisões ordinárias, por seu turno, decorem das decisões estruturantes e envolvem análise detalhada das alternativas específicas, porém, sem o rigor técnico do modelo racional-compreensivo. (RUA, 2009, p. 93). "Na política pública brasileira recente, o Plano Real representou uma decisão estruturante, enquanto que outras medidas de política econômica representaram decisões ordinárias". (RUA, 2009, p. 91).

2.3.5 A implementação da política

Na definição de Rua (2009, p. 94), a implementação vem a ser o conjunto dos eventos e atividades que acontecem após a definição das diretrizes de uma política, que incluem tanto o esforço para administrá-la, como seus substantivos impactos sobre pessoas e eventos.

Na prática, a implementação "é o co njunto de decisões e ações realizadas por grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões anteriores sobre uma determinada política pública".(RUA, 2009, p. 95).

Esta fase envolve os mais diversos aspectos do processo administrativo: desde a provisão de recursos no orçamento, formação de equipes, elaboração de minutas de projeto de lei autorizando a realização de concurso para contratação de servidores, elaboração de editais para aquisição de bens ou contratação de serviços etc. (RUA, 2009, p. 95)

2.3.6 A avaliação da política

A avaliação de políticas públicas é "o exame sistemático de quaisquer intervenções planejadas na realidade, baseado em critérios explícitos e mediante procedimentos reconhecidos de coleta e análise de informações sobre seu conteúdo, estrutura, processo, resultados, qualidade e/ou impactos". (RUA, 2009, p. 109).

A avaliação contém duas dimensões: um técnica e outra valorativa. A primeira caracteriza-se por produzir ou coletar, segundo procedimentos reconhecidos, informações que poderão ser utilizadas nas decisões relativas a qualquer política, programa ou projeto"; e a dimensão valorativa "consiste no exame das informações obtidas à luz de critérios específicos, com a finalidade de extrair conclusões acerca do valor da política, do programa ou do projeto" (RUA, 2009, p. 109).


3. SINDICATOS E PARTIDOS: DA PROATIVIDADE À APATIA

Quando examinamos a história geral e nos deparamos com o tema da Revolução Industrial, não há como não constatar que a luta sindical — e os partidos políticos nela gestados — foram os principais protagonistas da institucionalização dos direitos sociais no mundo capitalista'. Desde então, não obstante tenham existido momentos de inflexão, de um modo geral os sindicatos e partidos vinculados ao movimento social dos trabalhadores sempre influenciaram no direcionamento das decisões e ações do Estado sobre os direitos dos trabalhadores e sobre os direitos sociais como um todo. Entretanto, com a crise estrutural do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o capitalismo vem sofrendo, em escala mundial, profundas mudanças, tanto na sua estrutura produtiva quanto no universo de seus ideários, seus valores etc., com severas consequências no mundo do trabalho, aí incluídos os sindicatos e os partidos políticos a eles ligados. Vejamos essas mudanças nos tópicos que seguem.

3.1 As transformações na organização da produção e do trabalho

A indústria e o processo de trabalho se consolidaram ao longo do século XX com base no modo de produção conhecido como Fordismo, idealizado no seio da indústria automobilística e disseminado para todo o processo industrial, cujos elementos constitutivos, básicos, segundo Antunes (referindo-se ao século XX), eram dados:

"[...] pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operarário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos de um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreendemos o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste longo século" (ANTUNES, 2010, pp. 24-25).

O mesmo autor sublinha como a fusão do fordismo com a organização taylorista do trabalho proporcionou a generalização dessa forma de produção no mundo capitalista, salienta seu comprometimento com o capital e sublinha o momento em que ela deu seus sinais de esgotamento:

"Esse processo produtivo transformou a produção industrial capitalista, expandindo- se a princípio para toda a indústria automobilística dos Estados Unidos e depois para praticamente todo o processo industrial nos países capitalistas. Ocorreu também sua expansão para grande parte do setor de serviços. Implantou-se uma sistemática baseada na acumulação intensiva, uma produção em massa executada por operários predominantemente semiqualificados, que possibilitou o desenvolvimento do operário-massa (mass worker), o trabalhador coletivo das grandes empresas verticalizadas e fortemente hierarquizadas. A introdução da organização científica taylorista do trabalho na indústria automobilística e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias décadas do século XX, sendo somente entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 que esse padrão produtivo, estruturalmente comprometido, começou a dar sinais de esgotamento ". (ANTUNES, 2010, p. 37-38).

Essas transformações tanto de estrutura produtiva quanto de ideários do capitalismo são respostas à crise estrutural e se dirigem por um lado, contra o modelo de regulação social-democrático que deu sustentação ao estado de bem-estar social em vários países centrais, e por outro lado contra o padrão produtivo fordista (ANTUNES, 2010, p. 190). Este autor realça o uso dos avanços tecnológicos e de novas formas de acumulação flexível, em especial o toyotismo, bem assim o propósito capitalista, embutido nas mudanças, de controlar o movimento operário e a luta de classes:

"Particularmente nos últimos anos, como respostas do capital à crise dos anos 70, intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo, por meio do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca, para o capital, especialmente, o toyotismo. Essas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência intercapitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar fortemente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical e operário". (ANTUNES, 2010, p. 195).

A partir de experiências em vários pontos do mundo, o fordismo/taylorismo foi mesclado com outros processos produtivos, recebendo denominações como neofordismo, neotaylorismo e pós-fordismo. Merecem destaques as experiências da Terceira Itália, do Vale do Silício nos Estados Unidos, de regiões da Alemanha e da região de Kalmar, na Suécia, que inclusive rendeu o chamado Kalmarianismo (ANTUNES, 2010, p. 24). Segundo Harvey, citado por Antunes (ANTUNES, 2010, p. 28), em todas as citadas experiências "o trabalho organizado foi solapado. Ocorreram altos níveis de desemprego estrutural e houve retrocesso da ação sindical. O individualismo exacerbado encontrou, também, condições sociais favoráveis, entre tantas outras consequências negativas".

Na experiência do Japão o fordysmo/taylorismo não foi simplesmente mesclado com outros processos produtivos, tendo sido mesmo substituído completamente pelo denominado Toyotismo. Esse viria a ser o modelo eleito pelo capitalismo para realizar a empreitada da reestruturação produtiva por todo o mundo capitalista (ANTUNES, 2010, pp. 23-24).

o Toyotismo ou Ohnismo (de Ohno, engenheiro que o criou na fábrica Toyota) é uma forma de organização do trabalho que nasceu na Toyota, no Japão pós-1945, e que, muito rapidamente, se propagou para as grandes companhias daquele país. O Toyotismo se distingue do Fordismo, basicamente, nos seguintes traços: a) é uma produção muito vinculada à demanda, enquanto a produção fordista se dá em série e em massa; por isso, a produção é variada e bastante heterogênea, ao contrário da produção fordista; b) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, em contraste com o caráter parcelar do fordismo; c) funciona segundo produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas; d) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; e) funciona segundo o sistema kaban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque (os estoques são mínimos, em comparação com o fordismo); f) as empresas, inclusive as terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da estrutura verticalizada fordista: enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25 % da produção; a fábrica prioriza o que é central em sua especialidade e transfere o restante a terceiros; a horizontalização estende-se às subcontratadas (terceirizadas), acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores; g) contempla o "emprego vitalício", pelo qual o trabalhador aos 55 anos é deslocado para trabalho menos relevante; como também institui a prática de ganhos salariais vinculados ao aumento da produtividade; h) na empresa são organizados os denominados Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num instrumento para o capital apropriar-se do savor faire (saber fazer) intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava. (ANTUNES, 2010, pp. 54-55).

Vale assinalar, a despeito da característica do toyotismo descrita na letra "h", supra, que as CQQs, assim como os programas de "Qualidade Total" e outros semelhantes constituem técnicas para se conseguir no interior das empresas a adesão dos trabalhadores no sentido de aceitar integralmente o projeto do capital. Essas técnicas constituem, na prática, uma manipulação do trabalho, com o envolvimento dos trabalhadores, através de um processo ainda mais profundo de interiorização do trabalho alienado, pelo qual "(...) o operário deve pensar e fazer pelo e para o capital, o que aprofunda (ao invés de abrandar) a subordinação do trabalho ao capital". (ANTUNES, 2010, p. 196).

A forma flexibilizada de acumulação capitalista, baseada na reengenharia, na empresa enxuta, trouxe consequências devastadoras para o mundo do trabalho, sendo as mais importantes as seguintes: a) a crescente redução do proletariado fabril estável, decorrente da reestruturação, flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo; b) o incremento do "novo proletariado", do sub-proletariado fabril e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado e que se compõe de terceirizados, subcontratados, trabalhadores em part-time e várias outras formas assemelhadas em todo o mundo; c) o preenchimento dos postos de trabalho precarizados, inicialmente, por imigrantes (gastarbeiter na Alemanha, lavoro Nero na Itália, chicanos nos EUA, dekasseguis no Japão etc.) e hoje até mesmo por trabalhadores especializados e remanescentes da era taylorista-fordista; d) significativo aumento do trabalho feminino (mais de 40% da força de trabalho nos países avançados), que tem sido preferencialmente absorvido no universo do trabalho precarizado e desregulamentado; e) incremento dos assalariados médios e de serviços, embora esse setor já presencie também níveis de desemprego acentuado; f) exclusão dos jovens e dos idosos do mercado de trabalho dos países centrais: os primeiros acabam muitas vezes se inserindo em movimentos neonazistas e estes últimos, com cerca de 40 anos ou mais, quando desempregados e excluídos do trabalho, dificilmente conseguem o reingresso no mercado de trabalho; g) inclusão de crianças no mercado de trabalho, particularmente nos países de industrialização intermediária e subordinada, como os asiáticos e latino-americanos; e h) expansão daquilo que Marx denominou de "trabalho social combinado", em que trabalhadores de diversas partes do mundo participam do processo de produção e de serviços (ANTUNES, 2010, p. 198).

Desse processo de mudanças, resultou: 

"[...] uma classe trabalhadora mais heterogênea, fragmentada, heterogeneizada e mais complexificada, dividida entre trabalhadores qualificados e desqualificados, do mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes e nacionais, brancos e negros etc., sem falar nas divisões que decorrem da inserção diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho". (ANTUNES, 2010, p. 198).

Verifica-se, pois, que não existe a tão cogitada tendência de eliminação da classe trabalhadora, mas sim a sua precarização e com utilização ainda mais intensificada do que no período da exploração fordistaitaylorista, ou seja, aumentaram os níveis de exploração do trabalho (ANTUNES, 2010, p. 198).

3.2 A neutralização dos sindicatos e partidos políticos a eles vinculados

A reestruturação do modo de produção capitalista desqualificou ou paralisou as instituições nas quais recaía tradicionalmente a tarefa de transformar a queixa em denúncia de caráter geral e em protesto público, mais especificamente, os sindicatos e os partidos políticos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 285).

Com relação aos sindicatos, o avanço do toyotismo em escala global os reduziu ao âmbito quase exclusivamente fabril, representado, conforme Antunes (2001, p. 246), por um "sindicalismo de empresa, de parceria, mais vulnerável e atado ao comando patronal", o que não foi por acaso. Com efeito, no modo toyotista, a maior parte do processo de produção passou a ser realizada por terceiros, o que por si só já é suficiente para causar um grande abalo no sentimento de pertinência a uma mesma classe. Soma-se a isso tudo a estratégia de manipulação do trabalho, mediante técnicas para conseguir que o trabalhador pense e faça cada vez mais pelo e para o capital, das quais são exemplos a tão propalada "qualidade total" e os Círculos de controle de Qualidade (ANTUNES, 2001, p. 231).

Em estudo atual do que se passa com os sindicatos na Europa e principalmente na França, Boltanski e Chiapello (2009, p. 287) afirmam que os deslocamentos do capitalismo deram o golpe quase mortal nos sindicatos, seja de modo voluntário e planejado, seja por meio de uma combinação de efeitos perversos e de má administração das novas condições. Ao longo do texto citado, seus autores apontam aquelas que seriam as causas do enfraquecimento dos sindicatos: a) altos níveis de dessindicalização, advindos da recomposição do tecido econômico, mediante a terceirização, a filialização, a recolocação e outras formas de degradação do emprego como tradicionalmente conhecemos (ibidem, p. 295); b) a transferência do emprego para o setor de serviços e para as pequenas e médias empresas, em grande parte resultado da recomposição dos modos de produzir, teve como consequência colocar os assalariados em estruturas pouco sindicalizadas, sem tradição de oposição, em que a precariedade maior se opõe à eventual vontade de organização (ibidem, p. 296); c) a desintegração da comunidade de trabalho, pois passaram a trabalhar num mesmo lugar pessoas provenientes de empresas diferentes e com estatutos diversos, o que contribuiu para desarmar e desorientar a ação coletiva (ibidem, p. 297); e d) a diminuição do nível de conflitos nas empresas, mediante a adoção de novos métodos de gestão das relações humanas que levam o empregado a se sentir como um participante ativo e satisfeito no processo de acumulação dos lucros, evitando-se com isto a participação dos sindicatos (ibidem, p. 297).

Recordando que os sindicatos e os partidos políticos são a expressão da consciência de classe (ou a "subjetividade" do trabalho), Antunes (2010, p. 167), salienta que a mesma foi também duramente atingida pela crise e pelas metamorfoses. Na mesma direção, Lopes e Abreu (2004, p. 6) recordam que as bases materiais da solidariedade de classe, como elemento histórico da organização da classe trabalhadora na luta pela emancipação humana, vem sofrendo recuos desde o final do século XIX, com o desenvolvimento da acumulação capitalista na sua escalada imperialista, sendo intensificada posteriormente no contexto do Estado de Bem-estar Social e no contexto da atual reestruturação flexível.

As citadas autoras assinalam que, se por um lado as atuais condições se contrapõem à tese do fim da centralidade do trabalho e da classe trabalhadora, ao mesmo tempo se consolida a compreensão de que se trata de um momento difícil para a conformação e fortalecimento da consciência de classe e das organizações de mediação política dos trabalhadores, pois sindicatos e partidos políticos, que no mundo todo fizeram e fazem essa mediação, estão acometidos por profundas crises (LOPES e ABREU, 2004, p.6). Estas pesquisadoras citam os casos da Itália, França, Alemanha e Inglaterra, como exemplo de alguns países do capitalismo central onde os partidos políticos com base na classe trabalhadora distanciaram-se do projeto emancipatório e avançaram rumo às políticas neoliberais. Os sindicatos nesses países, por sua vez, foram impelidos para uma postura defensiva, não só dos direitos conquistados pela luta histórica dos trabalhadores contra o capital, mas, principalmente, a defesa dos postos de trabalho (LOPES e ABREU, 2004, p. 6). 

Esse mesmo processo se verificou no Brasil no decorrer da década de 1990, quando os sindicatos acuados pela ofensiva neoliberal, pela desestruturação do mundo do trabalho e pela destruição de suas bases em razão do desemprego e da terceirização, perderam seu vínculo com o horizonte de classe e deixaram-se levar, sob a pressão das circunstâncias, pela fragmentação da classe (ANTUNES, 2006, p. 465). Os sindicatos, buscando se preservar como corporação social, fecharam-se em si - e assim permanecem, neste momento crucial. 

Essa atitude defensiva, agregada à influência político-ideológica dos agentes sindicais da socialdemocracia internacional, assumiu um caráter de revisão ideológico- pragmática do sindicalismo. A crise do capital passou a servir de pretexto para a disseminação da nova ideologia e prática reformista do concertamento social, ou seja, a linha do menor esforço da participação e do não-confronto com a política do capital. "Em torno da velha estrutura sindical varguista, germinou urna nova cultura corporativa não mais de Estado, mas de mercado" (ALVES, 2006, p. 463).


4. CONCLUSÃO: POR UMA REAÇÃO DO SINDICALISMO

Conforme se pôde constatar neste artigo, vários atores ou sujeitos influenciam em todos os momentos de qualquer política pública, inclusive antes de sua inclusão na agenda de políticas, mediante a publicização dos problemas ou demandas. Na área do trabalho, os sindicatos e os partidos políticos foram os principais protagonizadores da conquista e ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores em todo o mundo, entretanto, tiveram sua capacidade de ação drasticamente reduzida depois das rápidas transformações que se processaram no mundo do trabalho a partir da reação capitalista à crise dos anos 1970 e seguintes.

Acuados pelo avanço do neoliberalismo e pela destruição da consciência de classe resultante da reestruturação do trabalho e da produção, os sindicatos e seus partidos políticos de apoio se fecharam tanto numa postura defensiva de si mesmos enquanto instituições burocráticas, que se esqueceram de sua missão fundamental de defesa dos direitos dos trabalhadores, deixando de se adaptar às mudanças.

A crise do sindicalismo e, com ela, a crise dos partidos gestados no seio do movimento sindical, é uma crise de legitimidade, pois já não reúnem em torno de si a classe trabalhadora na complexidade de sua composição hoje em dia. Hoje a classe trabalhadora deve ser compreendida corno a classe de todas as pessoas que vivem do trabalho, aí incluídos, portanto, não só os trabalhadores em empregos estáveis, mas também o enorme contingente de desempregados e daqueles trabalhadores que estão no trabalho informal, em empregos temporários ou mesmo em empregos sob condições precárias.

A reação dos sindicatos há que ser buscada pela via de uma ampla aliança com outros atores sociais, como a ONU, a OIT e o Unicef, e a partir de uma articulação em redes mundiais, ancorada no discurso dos direitos humanos.

Demanda-se dos sindicatos um esforço em prol da sindicalização, o que requer uma menor preocupação com a arrecadação de contribuições em troca da possibilidade de agregar em torno de si também os trabalhadores que se acham fora de empregos estáveis (desempregados, temporários e precarizados) e que são hoje a grande maioria. Para isso, os sindicatos devem abdicar, num primeiro momento, da arrecadação de contribuições desses trabalhadores. No caso do Brasil, demanda-se um sacrifício ainda maior dos sindicatos, pois necessitam de se desatrelar do controle estatal, o que será possível somente com o fim da contribuição sindical compulsória.


REFERÊNCIAS:

ALVES, Giovanni. Trabalho e sindicalismo no Brasil dos anos 2000. Dilemas da era neoliberal. In: Antunes, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, pp. 461-474.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 14 Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 4. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.

. A era da informatização e a época da informalização: riqueza e miséria do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil.São Paulo, Boitempo Editorial, 2006.

ANDRADE, Francisco de Souza. Os movimentos sindicais como atores da democracia. Brasília,Câmara dos Deputados (CEFOR), 2008. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bdibitstream/handle/bdcamara/683/movimentos_sindicais_andrade.pdf?sequence=1> acesso em 28-06-2011.

BOLTANSKI, Luc e CHIAPELLO, Ève. O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. O combate ao trabalho infantil na voz e na agenda da sociedade e do estado brasileiro. In Erradicação do trabalho infantil: dimensionando as experiências de Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Bahia. Org. Carola

Carbajal Arregui. São Paulo: EDUC; IEE/PUC-SP: FINEP, 2000, pp. 13-41.

DYE, Thomas R. Understanding public policy. 7th. ed. Prentice Hall, Englewood Cliffs. New Jersey, 1992.

LOPES, Josefa B; ABREU, Marina M. La sOlidaridad y el proyecto histórico de emancipación humana: cuestiones y perspectivas em Brasil. II CONFERENCIA INTERNACIONAL "LA OBRA DE CARLOS MARX Y LOS DESAFIOS DEL SIGLO XXI". Anais... Habana/Cuba. Instituto de Filosofia de La Universidad de La ciudad de Habana, 2004. Disponível em: <http://www.nodo50.org.cubasigloXXI>. Acesso em 08-06- 2011.

PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20. Taylorismo, fordismo e toyotismo. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

RUA, Maria das Graças. Políticas públicas. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/UFSC; [Brasília]; CAPES, 2009.

SCHONS, Selma Maria. Questão social hoje: a resistência como um elemento em construção. Ponta Grossa: UEPG; Emancipação, Vol. 7, n° 2, 2007. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/96/94>. Acesso em 09- 06-2011.

SILVA. Maria Ozanira da Silva e. Editorial. Rev. katálysis [on une],vol.12 no.1 Florianópolis jan./jun. 2009,pp.11-12.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802009000100002&lng=pt&nrm=iso&ting=pt>, acesso em 25-06-2011.

. Slides. Aulas no DII\ TER em Políticas Públicas da UFMA/UFPI, Teresina: 2011.

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. In Sociologias, n. 16, Porto Alegre, Jul/Dez 2006.

SiSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 12 Ed., São Paulo: LTr, 1991.n. 19


THE CURRENT APATHY OF THE TRADE UNIONS AND LEFT PARTIES IN THE PROCESS OF PUBLIC POLICY ON WORKING

ABSTRACT: This article seeks to give an overview of the process of public policy and highlight the existence of a constant influence of the different actors in ali its moments, for, based on an understanding of this process, show the current apathy of the trade unions and left parties as actors of public policy on working, caused by the drastic and rapid changes in the "working world" in the last two decades of the twentieth century.

Keywords: Public policy. Process. Public policy on working. Subjects. Trede unions. Political Parties. Apathy. Working world. Transformations.


Nota

1 Nesse sentido, recomenda-se a leitura de Sussekind et all (1991).


Autor

  • Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. A apatia atual dos sindicatos e partidos políticos de esquerdano processo das políticas públicas de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3740, 27 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25417. Acesso em: 26 abr. 2024.