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Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

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A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é instituto que se consolidou no sistema jurídico brasileiro e uma vez instituída, quer no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil ou na Lei Econômica, se faz necessário a regulação da forma pela qual deve o juiz conhecer da mesma

Resumo: Este estudo procura examinar a desconsideração da personalidade jurídica, considerando sua aplicação e inclusão no sistema jurídico em vigor, mencionando as teorias à mesma possível de compreensão. Para depois analisar, comparativamente, o incidente criado no anteprojeto do Código de Processo Civil para possibilitar a desconstituição da personalidade jurídica e as alterações introduzidas, com direção ao cumprimento dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, celeridade, tempo razoável do processo, dentre outros.

Palavras-Chaves: Anteprojeto do Código de Processo Civil. Incidente. Desconsideração da personalidade jurídica.

SUMÁRIO: Introdução. 1-Personalidade jurídica. 2-Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 2.1 – As teorias denominadas maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica. 2.2 – O abuso de direito e a fraude para a desconsideração da personalidade jurídica. 3 – A desconsideração da personalidade jurídica perante algumas das legislações em vigor. 3.1 – No Código de Defesa do Consumidor. 3.2 – Código Civil de 2.002. 3.3 – Direito Econômico. 3.4 – Direito Tributário. 3.5 – Direito do Trabalho. 4 – A desconsideração no processo civil e o incidente previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil. 4.1 – Aspectos processuais. 4.2 – No anteprojeto do novo Código de Processo Civil. 5- Conclusão.


Introdução:

Os estudos atuais do Direito Processual Civil não podem ser feito mais de forma isolada, porque a Constituição Federal de 1988 contém alguns princípios que têm amplo alcance em vários ramos do direito e dentre eles o Direito Processual Civil. Por esse motivo os estudos em Direito Processual Civil só podem ser realizados então mediante a conjugação dos princípios constitucionais sobre a matéria processual, uma vez que a Constituição possui ascendência sobre as normas processuais[1] e estas devem ser interpretadas sob a luz daquela e devem estar em conformidade com ela e assim deve ser para permitir que o processo venha a ser ferramenta cujo resultado possibilite o cumprimento dos princípios, direitos e garantias naquela previstos.

O mais relevante desses princípios é o que se denomina como princípio do devido processo legal e a ele estão vinculados os princípios da inafastabilidade do controle da jurisdição, do contraditório, da ampla defesa e da necessidade de motivação das decisões judiciais.[2] O cumprimento desses princípios, o respeito a eles, confere condições para asseverar as garantias e os direitos constitucionais, dentre os quais o da igualdade, o do acesso à justiça, do direito adquirido, ato jurídico perfeito e da coisa julgada, todos aplicáveis ao Direito Processual Civil, conforme se conclui da análise do art. 5º da Constituição Federal.

E para permitir a incidência desses princípios e garantias constitucionais contidos na Constituição Federal de 1988, foi o Código de Processo Civil submetido a algumas modificações ao longo dos anos que se seguiram a vigência dela, como se percebe com a edição das Leis 8.455, de 24.8.92; 8.637, de 31.3.93; 8.710. de 24;9.93; 8.718, de 14.10.93; 8.898, de 29.6.94; 8.950, de 13.12.94; 8.951, de 13.12.94; 8.952, de 13.12.94; 10.352, de 26.12.2001; 10.358, de 27.12.2001; 10.444, de 7.5.2002; 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22 de dezembro de 2005; 11.276, de 7.2.2006; 11.277, de 7.2.2006; 11.280, de 16.2.2006.

Essas várias modificações ao Código de Processo Civil suscitaram, no espírito de alguns doutrinadores, que ao mesmo se deu o enfraquecimento da coesão[3] e deveria ser preservada a forma sistemática das normas processuais, no que resultou na criação de um anteprojeto de lei para novo Código de Processo Civil, onde procuraram os autores do mesmo aplicarem as mudanças necessárias na busca da eficácia da prestação jurisdicional. E assim foi reconhecido na exposição de motivos desse projeto de lei: “Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica, e correspondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo país. Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais do trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de uma natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais”[4].

Diante dessa oportunidade da criação de um novo código, cabe aos doutrinadores colaborar com o legislador para o estudo e análise das leis processuais e proporem os ajustes e correções necessárias para a aplicação do novo código, pois os doutrinadores podem apresentar aspectos da vida comum que observaram e observam e assim contribuírem com essa experiência para a melhora do sistema processual, na medida em que estabelecido os critérios norteadores deste, donde a aplicação do conteúdo do mesmo não poderá mais variar, permitindo com isso que a nova lei dê a certeza, a segurança aos indivíduos de seus deveres e direitos, com o que possibilitará a eles notar que a lei lhes está presente, e não é uma abstração distante, estando a mesma atuando no centro da vida de todos.

Busca-se então conseguir que as leis sejam aplicadas de forma igual para todos os casos iguais, pois cabe também à lei processual possibilitar de maneira antecipada o estabelecimento dos critérios que serão aplicados para a solução do caso concreto, uma vez estabelecidos os direitos, revelando aos indivíduos que a lei será sempre aplicada em idênticas circunstâncias para todos, sem hesitação, tendo a certeza que seus deveres e direitos estarão garantidos e que a lei lhe é o limite da liberdade, pois o princípio da legalidade tem também implícito o princípio da dignidade moral de todos, com a observância de cada indivíduo que, está na lei a garantia da liberdade de cada pessoa e para casos iguais serão tratados igualmente.

É fundamental para o fim pretendido pelo anteprojeto do novo código alcançar e tornar efetivo, eficaz a aplicação do princípio da isonomia, porque a igualdade assegurada na Constituição está voltada para que a própria lei não desobedeça a esse princípio, atingindo o aplicador do direito e também o legislador. É o que orienta Celso Antônio Bandeira de Mello, ao dizer que o “preceito magno da igualdade como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas”[5]

Do exame realizado ao anteprojeto do novo Código de Processo Civil, destaca-se a preocupação ao respeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, combinada com a efetiva busca da aplicação do princípio da isonomia e respeito também ao princípio da legalidade. Verificando uma das novas propostas desse anteprojeto, ressalta a atenção do estudioso a criação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previsto no art. 62 de referido anteprojeto, porque esse incidente confere oportunidade às partes do pleno exercício do princípio do contraditório, pois no atual Código de Processo Civil inexiste esse incidente e a decisão judicial referente a concessão da desconsideração da personalidade jurídica se dá, muitas vezes, sem que a parte por ela alcançada tivesse exercido o princípio da contraditório e da ampla defesa. Nota-se assim a relevância que esse incidente previsto no anteprojeto do Código de Processo Civil possui, a merecer seu particular estudo e consideração.

Neste breve trabalho, pretendido é lembrar para o estudo desse incidente a história sobre a definição de pessoa física e pessoa jurídica e as peculiaridades e atributos de cada uma delas, pois conhecida é a regra geral segundo a qual “o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio dos sócios que a compõem”, e, portanto, situações surgem, advêm a provocar a não incidência dessa regra geral, existindo por isso exceções, e dentre elas há a permissão para incidir a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. O estudo mencionará as teorias que foram criadas a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, quais os requisitos necessários para sua aplicação e como se dá à impugnação a essa decisão. Para depois ser lembrada a possibilidade de sua ocorrência no direito positivo brasileiro e o exame do âmbito processual da aplicação do incidente criado pelo anteprojeto do Código de Processo Civil, observando os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.


I - A PERSONALIDADE JURÍDICA

Todo sistema jurídico contém regras para regular a conduta dos integrantes de uma sociedade. Ao longo dos tempos o direito foi evoluindo e nessa passagem da criação destacou-se a figura do reconhecimento de um grupo de homens que juntos buscam um fim lícito e possível, mediante trabalho industrial ou de prestação de serviços, ou ainda comercial, e dele se reconheceu ser diferente da pessoa física ou natural, podendo, assim como esta, participar de relações jurídicas, atuando com deveres e possuindo direitos.

O atual Código Civil, em seu art. 1º, dispõe de forma explícita: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”; com essa afirmação permite o legislador alcançar a conclusão em ser toda pessoa sujeito de direito e preocupou-se o legislador de 2002 em regular num Capítulo, os direitos da personalidade (arts. 11 a 21). No entanto não é somente o homem que possui deveres e direitos, uma vez que esse homem ao se agrupar com outros, visando fim diverso do individual, forma um grupo ao qual se é também reconhecida a sua existência e a lei confere direitos e obrigações, sendo esse grupo denominado como pessoa jurídica ou pessoa moral, tendo o atual Código Civil regulado tal figura no art. 40 e seguintes, como se vê no Título II do Livro I do referido Código, e da inteligência desses dispositivos percebe-se que a pessoa jurídica ou pessoa moral tem uma existência que não se confunde com a das pessoas daqueles homens que a integram, portanto tem diversa personalidade.

A partir da admissão, do reconhecimento das pessoas jurídicas, como sujeito de direito e de obrigação, advieram algumas teorias para explicar esse fenômeno e sua natureza. Dessas teorias, no atual quadrante da evolução do direito, devemos examinar apenas duas, as mais atuais, quais sejam, a Teoria da Instituição e a Teoria da Realidade Técnica.

A teoria da instituição, a qual está vinculada ao jurista francês Maurice Hauriou, teria por finalidade sustentar ser a pessoa jurídica uma instituição destinada para a realização de um trabalho próprio, com o atendimento de uma finalidade.[6] Para a teoria da realidade técnica as pessoas jurídicas são realidades admitidas pelo direito, porque ela é criada, é admitida a contar da realidade e não pelo direito, e não se confunde com os homens.

A Teoria da Realidade Técnica é bem elucidada por Caio Mario da Silva Pereira: “O jurista moderno é levado, naturalmente, à aceitação da teoria da realidade técnica, reconhecendo a existência dos entes criados pela vontade do homem, os quais operam no mundo jurídico adquirindo direitos, exercendo-os, contraindo obrigações, seja pela declaração de vontade, seja por imposição da lei. Sua vontade é distinta da vontade individual dos membros componentes; seu patrimônio, constituído pela afetação de bens, ou pelos esforços dos criadores ou associados, é diverso do patrimônio de uns e de outros; sua capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo fenômeno da especialização, é admitida pelo direito positivo. E, diante de todos os fatores de sua autonomização, o jurista e o ordenamento legal não podem fugir da verdade inafastável: as pessoas jurídicas existem no mundo do direito, e existem como seres dotados de vida própria, de uma vida real”.[7]

O Código Civil atual acolheu a teoria da realidade técnica, é o que se pode concluir do tratamento conferido às pessoas jurídicas pelo art. 45 desse Código, ao dispor que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Esse dispositivo prenuncia a existência da pessoa jurídica e, por conseguinte, dada essa realidade, regra sua existência perante o direito, com o que faz aplicar aquela teoria. E por sua técnica de reconhecimento, permite o direito atual que aquela personalidade possa ser desconsiderada em determinadas situações da vida, ou seja, para as hipóteses de exceção, de forma a chamar a responsabilidade os homens que integram essa pessoa jurídica, o que não faz afastar a idéia referente em ter a pessoa jurídica existência distinta da dos seus membros[8].

Mas é possível perceber que algumas vezes ocorrem à prática de atos fraudulentos em detrimento de terceiros, os quais são acobertados pela autonomia patrimonial da pessoa jurídica. E tal é possível por que essa autonomia acarreta a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos particulares que a compõem, pois normal é que o patrimônio dos sócios não responda pelas obrigações da pessoa jurídica, a não ser em casos excepcionais e de forma subsidiária.

A personalidade jurídica pode ser então considerada como um atributo conferido pelo Estado à uma associação ou sociedade, dando-lhe vida jurídica própria e distinta de seus sócios, permitindo à mesma ser sujeito de direito e de obrigações. Ela necessita ter: a) organização de pessoas ou bens; b) licitude de propósito e finalidade; c) capacidade reconhecida da entidade.

Essa proteção deferida à pessoa jurídica poderá deixar de ser aplicada quando for ela usada para se desviar de seus objetivos, sendo por isso desconsiderada e permitindo que a responsabilidade recaia sobre os sócios que praticaram tal desvio.

No Código Civil de 1916 a pessoa jurídica deveria preencher os requisitos previstos nos arts. 18 e 19 para poder existir. O art. 17 previa que as pessoas jurídicas eram representadas ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, por quem os respectivos estatutos designarem, ou não o designando, pelos seus diretores. O Código de Processo Civil, em seu art. 12, inc. VI, dispõe de forma semelhante, regulando como as pessoas jurídicas são representadas em juízo.

O art. 20 do Código Civil de 1916 conferia existência distinta da pessoa jurídica em relação aos membros que a compõem, conferindo-lhe capacidade autônoma. E previa que o ato praticado pelo representante em nome da sociedade, vinculava a pessoa jurídica, desde que não excedidos os poderes de representação conferidos pelo ato constitutivo da sociedade. Caso o representante tivesse ultrapassado os poderes, seria considerado responsável pessoalmente.

A responsabilidade contratual (art. 1.056, CC 1916) perante a pessoa jurídica não ensejou nenhuma dificuldade de interpretação e aplicação. No entanto a extra contratual causou maior reflexão quanto a responsabilidade civil, ao considerar apenas as pessoas jurídicas que exerçam a “exploração industrial”, que segundo Silvio Rodrigues, são as que têm finalidade de lucro (art.1.522).

Quase sempre é a pessoa jurídica que responde pelas obrigações que contraiu e seu patrimônio responderá pelas mesmas. Porém os atos praticados pelos sócios, alheios aos interesses daquela e que não lhe trazem proveito, acarretam a responsabilização pela prática desses atos, podendo assim ser desconsiderada a personalidade jurídica e alcançar os bens dos sócios. Essa teoria foi adotada pelo atual Código e se caracteriza pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. É a aplicação da teoria denominada disregard of legal entity.

É de ser destacado que o art. 2.031 do CC conferiu prazo para as associações, sociedades e fundações constituídas sob a égide de leis vigentes antes desse novo código promovessem a adaptação às novas regras. Inicialmente foi de 1 (um) ano, e expiraria em 2.004, mas editada foi a Lei n. 10.838/2004, que alterou aquele prazo para 2 anos e depois a Lei n. 11.127/2005 revogou-a, e deu nova redação ao art. 2.031, para estender até 11 de janeiro de 2.007 o prazo para que se desse a adaptação.

Com o novo Código Civil o Decreto n. 3.708/1919 foi revogado, mas manteve uma eficácia residual até que se escoasse o prazo definido no art. 2.031 do Código Civil. E deve ser assim compreendida a revogação desse decreto, porque dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657/42), que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Assim, como o novo Código Civil regula as questões pertinentes às sociedades limitadas, está revogado aquele decreto de 1919.

A amplitude da responsabilidade limitada no novo Código Civil é menor; segundo dispõe o art. 1.052 ser ela restrita ao valor das quotas de cada sócio, enquanto o art. 2º do Decreto n. 3.708/1919 dispunha que responsabilidade dos sócios deveria ser limitada “à importância total do capital social”. Disso tudo resulta que as sociedades que foram constituídas antes do atual Código Civil, se não atenderem as exigências da legislação atual poderão deixar de existir ou serão sociedades não personalizadas e serão regidas pelo que dispõe os arts. 987 a 990 desse Código, onde todos os sócios responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.


II – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

2.1 – As teorias denominadas maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem sua origem ligada a realidade que permitiria a empresa inadimplente deixar de ser responsabilizada em razão do emprego de leis para se toldar as eventuais manobras em nome dela praticadas e assim beneficiar os argutos, criando então dificuldades aos homens honestos e que são cumpridores de suas obrigações.

Contra essa espécie de fraude, criou o direito inglês o denominado “Companies Act”, em 1929, que estabeleceu a competência da Corte para declarar que todos os que participam, de forma consciente, da fraude verificada no curso da dissolução de uma sociedade, seriam considerados responsáveis, direta e ilimitadamente pela obrigação existente. Não obstante esse dado formal, há notícia que no direito norte-americano, desde o século XVI, existiam métodos para não permitir a prática de atos fraudulentos, surgindo nos primeiros anos do século vinte o denominado “Uniform Fraudulente Conveyance Act”. E a preocupação em evitar tal espécie de fraude se robusteceu com a teoria conhecida no direito anglo-saxão como “disregar of legal entity”, a qual é conhecida na Itália como “superamento della personalitá giuridica”.

No direito brasileiro foi Rubens Requião que introduziu na doutrina essa teoria, ao lembrar a tese de Rolf Serick, da Faculdade de Direito de Heidelberg, e ressalta não ser o caso em “considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos”.[9] Esclareceu o doutrinador brasileiro que, segundo o professor italiano Piero Verrucoli, da Universidade de Pisa, a doutrina do superamento da personalidade jurídica teria surgido na jurisprudência inglesa, no fim do século XIX, quando, em 1897, a justiça inglesa julgou o caso que ficou conhecido como Salomon vs. Salomon & Co., que envolvia o comerciante Aaron Salomon, pois este teria constituído uma empresa com outras seis pessoas da sua família e cedeu seu fundo de comércio à sociedade que havia criado, recebendo vinte mil ações representativas de sua contribuição, enquanto que para cada um dos outros membros coube apenas uma ação para a integração do valor da incorporação do fundo de comércio na nova sociedade. Como pouco depois essa sociedade tornou-se insolvente, porque o ativo que possuía era insuficiente para responder pelas obrigações assumidas, nada restaria aos credores quirografários. E diante desse quadro denunciado à Corte Inglesa, foi admitido o novo entendimento de se permitir a desconsideração da personalidade jurídica daquela empresa.

Observou Rubens Requião que o “ponto mais curioso da doutrina é que sempre os Tribunais que lhe dão aplicação declaram que não põem dúvida na diferença de personalidade entre a sociedade e os seus sócios, mas no caso específico de que tratam visam a impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos através da personalidade jurídica, como, por exemplo, a transmissão fraudulenta do patrimônio do devedor para o capital de uma pessoa jurídica, para ocasionar prejuízo a terceiros.

Não temos dúvida de que a doutrina, pouco divulgada em nosso País, levada à consideração de nossos Tribunais, poderia ser perfeitamente adotada, para impedir a consumação de fraude contra credores e mesmo contra o fisco, tendo como escudo a personalidade jurídica, para ocasionar prejuízo a terceiros”[10]

Recentemente o direito brasileiro adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conforme consta no art. 50 do Código Civil, visando com isso apenas e tão-somente possibilitar a impedir a prática de fraude ou abuso, mas sem comprometer o instituto da pessoa jurídica.

Segundo conceitua o dicionário Houais da língua portuguesa, desconsiderar significa 1) não considerar; desatender, desprezar; 2) tratar sem consideração, fazer pouco de (alguém ou algo); desvalorizar; 3) fazer perder ou perder o crédito, a estima, o respeito; desacreditar(-se), desconceituar(-se). Tendo em mente essa significação, pode-se perceber que a desconsideração da pessoa jurídica representa o ato pelo qual se é praticado para ser desconhecida, desprezada, afastada momentaneamente, sua existência e assim vir a responsabilizar os sócios componentes dessa sociedade, pelos atos por ela praticados por seus representantes nas relações obrigacionais.

Adverte a respeito desse tema Fábio Ulhoa Coelho dizendo que nesse aspecto a doutrina é denominada como maior, “que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto”. Depois explicita que a doutrina ainda considera a teoria denominada menor, “que se refere à desconsideração em toda e qualquer hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, cuja tendência è considerar o afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação de crédito perante a sociedade”[11]

A desconsideração da personalidade jurídica cabe então quando houver a existência de abuso ou de manipulação fraudulenta do princípio da separação patrimonial entre a sociedade e os membros da mesma.[12] Percebe-se com isso que não é adequado e suficiente apenas o descumprimento de uma obrigação por parte da pessoa jurídica, sendo necessário que esse descumprimento se dê por abuso ou por fraude, ou por confusão patrimonial, nos termos do que dispõe o art. 50 do Código Civil, senão a aplicação desse instituto provocaria ofensa direta ao conceito referente a não haver confusão entre o patrimônio da sociedade com o dos sócios que a integram.

Nesse pensar, é o instituto denominado como teoria maior da desconsideração, na medida em que a má administração da pessoa jurídica, por incapacidade administrativa de seu responsável não representa, não identifica a prática de ato ilícito ou o desvirtuamento da pessoa jurídica. Logo, sem esses requisitos estarem presentes a situação, não pode o magistrado determinar a desconsideração de personalidade jurídica.[13]

No entanto, não se pode deixar de considerar a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica quando se sabe que na oportunidade da realização do negócio jurídico com ela praticado, possuía a empresa bens de sua propriedade, mas, por exemplo, ao não honrar a obrigação contratual, deixando de proceder ao pagamento ou a realizar a obrigação de fazer ou não fazer estipulada, e tal patrimônio não mais existir, mesmo estando dita empresa em funcionamento, porque deve se compreender ter agido com abuso ao deixar de cumprir a avença (Schuld) e não vir a assumir a responsabilidade efetuando o respectivo pagamento (Haftung), mesmo estando em funcionamento, e produzindo o bem da vida ao qual foi instituída, criada, pois no âmbito da denominada teoria dualista, que se aplica à espécie, em assim atuando a empresa, deverão os sócios da mesma ser responsabilizados pelo abuso praticado, na medida em que com tal prática enseja prejuízo ao credor.

De outra parte é de ser destacado ainda a existência da denominada teoria menor da desconsideração, segundo a qual não se exige a presença de requisitos específicos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Considera então essa teoria ser suficiente o descumprimento de uma obrigação de crédito para possibilitar a aplicação do referido instituto, notadamente para a hipótese em que a sociedade não tiver patrimônio suficiente para sua responsabilização e os sócios que a integram tenham patrimônio para responder pelo crédito. A aplicação dessa teoria tem sido mais vista para as hipóteses em que ficaria o credor frustrado pelo não recebimento da dívida, dado ser hipossuficiente, como comumente se ocorre nas relações de consumo e trabalhistas.[14]

2.2 – O abuso de direito e a fraude para a desconsideração da personalidade jurídica.

Para se alcançar a conclusão da ocorrência do abuso de direito, fraude ou confusão patrimonial, antes é necessário ter em mente a doutrina referente aos elementos da obrigação e seu vínculo jurídico.

Alfredo Buzaid ensina a respeito de obrigação que: “Quem contrata deve satisfazer a obrigação assumida pelo modo e no tempo devido; está adstrito a prestar a coisa, a que se obrigou, com lealdade e boa-fé, tal como exige o trato comum dos negócios. As relações jurídicas entre credor e devedor são, de ordinário, resolvidas mediante satisfação espontânea pelo obrigado. O cumprimento da obrigação é a regra; o inadimplemento, a exceção. Os sentimentos jurídicos e morais do devedor levam-no normalmente a realizar os atos ou fatos a que o credor tem direito”.[15]

Possível notar desse conceito que o obrigado tem sob seus ombros a prática do ato referente ao cumprimento da obrigação assumida e ainda, se não a satisfizer, deverá ser considerado como responsável, com o que deverá sujeitar o patrimônio que possuir, conforme a aplicação da teoria dualista, onde se tem um débito, uma obrigação (Schuld) e uma garantia, a responsabilidade pelo cumprimento dessa obrigação (Haftung), o que está autorizado, dentre outros, pelo que dispõe o art. 391 do Código Civil.

E a responsabilidade do sócio de empresa, quando do descumprimento da obrigação, abrange ato independente de fraude ou abuso de direito, e dentre as de relevo vemos, entre outras, as em relação a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, respondendo com os bens particulares que tiver (art. 1.052, CC); como também na sociedades em comandita simples e por ações (arts. 1.045, 1.090, ambos do Código Civil); na sociedade em comum e na sociedade em nome coletivo (arts. 990 e 1.039, ambos do Código Civil). E no que concerne a responsabilidade extraordinária pode-se ver o que dispõe os arts. 1.012, 1.016 e 1.036, todos do Código Civil; aquela prevista no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90); e ainda, por exemplo, arts. 16 e 18, ambos da Lei n. 8.884/94, dentre outras.

Essas responsabilidades estão a abranger o conceito da obrigação, o qual está conformado no dever do obrigado em satisfazê-la por ato voluntário, espontâneo, mas se não o fizer deverá o obrigado se sujeitar e submeter o patrimônio que possuir para o cumprimento daquela obrigação, possibilitando que o Estado-juiz atue sobre esse patrimônio em benefício do credor[16]. E essa dualidade alcança o âmbito do direito substancial e o direito processual, e não está vinculado tão-somente ao direito substantivo, como crêem outros.[17]

O arquétipo da pessoa jurídica tem previsão legal para permitir que exerça determinada atividade, que pode ser considerada como geral ou especial, a qual não se confunde, não pode se misturar com os integrantes dela. Porém, na hipótese em ser empregada para fins diferentes para os quais foi criada, destinada, abraçando objetivos diferentes daqueles com os quais foi instituída, desrespeitando o sistema jurídico em vigor, este então, permite concluir ter havido o abuso da personalidade jurídica ou ter sido praticado pela pessoa jurídica ato de fraude, de atitude especiosa, para atingir o credor e assim fugir da obrigação e também da responsabilidade por seu cumprimento, faz ignorar, afastar, desconsiderar a personalidade jurídica e permite que o patrimônio dos sócios da mesma respondam pelo ato de descumprimento por ela praticado.[18]

Percebe-se assim que a possibilidade em ter decretada a desconsideração da personalidade jurídica está vinculada de maneira necessária ao reconhecimento da prática de fraude ou do abuso de direito, pois afeta de forma direta a autonomia patrimonial da sociedade, uma vez que essa autonomia só poderá ser empregada para a hipótese em não ter sido utilizada em desrespeito as obrigações assumidas, porque é ela o meio pelo qual limita os riscos da atividade empresarial. No entanto, para a circunstância em ter o homem escopo que não atenda aos requisitos legais, ou desarrazoado, pode vir a empregar o instituto da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de esconder e descumprir as obrigações, praticando assim a fraude vinculada à autonomia patrimonial.

A fraude então praticada nesse âmbito tem a intenção de prejudicar terceiro e para tanto faz uso da autonomia patrimonial, pois no primeiro momento faz crer ser o ato praticado lícito, contudo ao ser notado que se deu desvio no emprego daquela autonomia, surge nítida a ilicitude praticada.

Além do ato que ocasiona prejuízo à terceiro, o emprego da autonomia patrimonial atribuída à pessoa jurídica pode também ensejar a prática de ato considerado como de abuso do direito, de forma a autorizar a aplicação do decreto de desconsideração da personalidade jurídica. O ato praticado pela pessoa jurídica inicialmente é admitido como sendo lícito pelo sistema legal em vigor, no entanto se aquela vir a praticar um ato diverso, em desvio ao fim para o qual foi criada, fugindo a função social para qual foi instituída ou à responsabilidade que lhe é inerente, aquele ato não poderá ser admitido como válido e eficaz, uma vez que a pessoa jurídica foi utilizada para outro fim que não aquele para o qual foi instituída, provocando com isso seu desvio de finalidade, como também a fuga da obrigação e sua responsabilidade, advindo o denominado abuso de direito, pois se deu a falsificação de trás do reposteiro, possibilitando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

E com essa atitude, com essa ocorrência, com essa prática, poderão ser os sócios da pessoa jurídica responsabilizados por aqueles atos praticados com fraude ou abuso do direito, porquanto desrespeitaram a lei e o estatuto social daquela sociedade.


III – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PERANTE ALGUMAS DAS LEGISLAÇÕES EM VIGOR.

3.1 – No Código de Defesa do Consumidor.

Foi nesse Código onde por primeiro se fez ingressar no sistema jurídico positivo brasileiro a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no Título I, que cuida dos direitos do consumidor, a Seção V, do Capítulo IV, que trata da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, regula a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, “caput”, CDC) e o § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor salienta ainda que também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica “sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Esse Código também dispõe sobre a responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladoras pelas obrigações dele decorrente, a responsabilidade solidária das sociedades consorciadas e a responsabilidade por culpa das sociedades coligadas.

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor apesar de se referir a desconsideração da personalidade jurídica, não abraçou essa teoria, ou seja, a teoria do superamento, pois há situação no mesmo prevista referente a responsabilização do administrador que não enseja o afastamento da pessoa jurídica.. No entanto o § 5º do art. 28, dessa legislação, autoriza a desconsideração sempre que houver obstáculo ao ressarcimento de prejuízo causado ao consumidor; nessa hipótese, percebe-se ter o Código de Defesa do Consumidor abraçado, sim, a denominada teoria menor da desconsideração. Há então nítida diferença entre esse dispositivo e o do art. 50 do Código Civil, pois neste é alcançada a hipótese referente ao desvio de finalidade, abuso, fraude ou confusão patrimonial, a ensejar a aplicação da denominada teoria maior..

O Código de Defesa do Consumidor na verdade permitiu a utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de maneira ampla, podendo alcançar qualquer situação em que a autonomia da personalidade jurídica venha a frustrar ou dificultar o ressarcimento do consumidor prejudicado, pois a rigor a impossibilidade de ressarcimento não autorizaria a decretação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Zelmo Denari, ao comentar o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, observa que há pressupostos “que primam pelo ineditismo, tais como a falência, insolvência ou encerramento das atividades das pessoas jurídicas”, além da introdução de uma novidade, “pois é a primeira vez que o direito legislado acolhe a teoria da desconsideração sem levar em consideração a configuração da fraude ou do abuso de direito. De fato, o dispositivo pode ser aplicado pelo juiz se o fornecedor (em razão da má administração, pura e simplesmente) encerrar suas atividades como pessoa jurídica”.[19]

Além disso, permite o art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, possa o magistrado desconsiderar a personalidade jurídica e a encetar a ser responsável seus sócios, já a contar do instante em que seja percebido estar a autonomia da pessoa jurídica servindo para coactar dificuldade, estorvo, ao ressarcimento de prejuízos aos consumidores.

Da aplicação a legislação consumerista pode ser deduzido que o emprego da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é cabível sempre que se evidenciar a afronta ao interesse do consumidor, ao direito que por aquela lhe é garantido, motivo pelo qual a mesma autoriza o juiz a inclusive agir de ofício, e, portanto, essa permissão não pode ser considerada apenas como sendo uma faculdade do juiz e sim deve ser considerada sua aplicação como o poder-dever do magistrado, uma vez que presentes os pressupostos necessários, por ter o interessado o direito em obter a medida para o ressarcimento da obrigação, no limite, na dimensão em que ao consumidor apenas interessa a aplicação do direito como posto, do qual se espera, se deseja e crê, possa ser efetivo, empregado e repercuta na vida dele e dos demais envolvidos como previsto; portanto, não se espera que o magistrado empregue o solipsismo, ou atue com subjetivismo, pois tal não lhe é conferido.

E assim sendo, pode o juiz determinar aquele ato independente do pedido da parte, porque na procura em proteger o hipossuficiente, o legislador não se preocupou em aplicar o princípio dispositivo e, portanto, não necessitará o juiz aguardar a iniciativa da parte interessada para decretar a desconsideração da personalidade jurídica. Diferente da situação que se apresenta para a aplicação da teoria no Código Civil, onde o art. 50 determina que a decretação depende de requerimento da parte o do órgão do Ministério Público, quando este couber intervir no processo.

3.2 – Código Civil de 2002.

O novo Código Civil previu a desconsideração da personalidade jurídica no art. 50 e indica como pressuposto para a aplicação dessa teoria, ter ocorrido o abuso da personalidade, ou desvio de finalidade e a confusão patrimonial, porque tendo se dado desvio da finalidade atribuída a sociedade, quer pela prática de abuso quer pela confusão patrimonial, o privilégio conferido a sociedade atinente a personalidade jurídica, não mais irá protegê-la, deixando de ser considerada a separação referente a autonomia patrimonial.

A pessoa jurídica possui ação própria para alcançar a consecução de seus objetivos jurídicos e sociais, os quais precisam ser observados pelos sócios que a integram e administradores; e para a hipótese em não atuarem aqueles em respeito a essa característica que a lei lhe conferiu, descumprindo os objetivos jurídicos e sociais, poder-se-á empregar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o que não se confunde com o término da pessoa jurídica. Todavia, não se pode toldar quanto a possibilidade dos sócios ou administradores da pessoa jurídica de agirem sob o manto da legalidade, quando, em verdade, há uma ocultação consciente da realidade para utilizar da proteção referente a autonomia da pessoa jurídica e assim se sentirem protegidos dos atos dos credores ou outros interessados.[20]

O desvio de finalidade deve ser compreendido quando se verifica o uso anormal da pessoa jurídica, ou seja, quando a sociedade deturpa a personificação jurídica que lhe é atribuída pela legislação, com a finalidade precípua de tornar mais fácil o exercício da atividade para a qual foi criada; apurado o desvio desse fim, é cabível a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

Prevê ainda o art. 50 do Código Civil o pressuposto da confusão patrimonial, o qual será possível de percepção. É que na formação da pessoa jurídica, comum é o emprego de bens pertencentes aos sócios serem empregados na sociedade (é possível também quando a sociedade tem por sócios os cônjuges), ou bens adquiridos apenas por um sócio e nessas hipóteses não se pode afirmar ter ocorrido a confusão patrimonial para a prática de fraude ou de abuso do direito pela sociedade e então não comportaria a decretação da desconsideração da personalidade jurídica. Todavia, verificada a confusão patrimonial criada para prejudicar o credor, caberá a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.[21]

Não foi essa teoria criada para por fim a autonomia da pessoa jurídica, mas para permitir que haja adequada separação dos patrimônios, com isso impedindo a perpetração de fraudes e abusos de direito que podem ser praticados sob o manto da pessoa jurídica. Logo a desconsideração da pessoa jurídica não alcança a validade de sua constituição e sim a torna desconsiderada, ou seja, ineficaz num determinado instante em virtude de uma situação específica.

Com essa ineficácia possibilitará ao credor afastar a fraude e o abuso então praticado por aquele que administra a pessoa jurídica.

O que se pretende com o emprego da teoria da desconsideração da pessoa jurídica é a sua ineficácia para um determinado caso e num exato período, ou seja, um momento preciso, o que não se confunde com a invalidez da sociedade.

A invalidez deve ser considerada como gênero em relação as nulidades, por ter um significado mas ampliado e abrange a nulidade e a anulabilidade[22]. Arnaldo Rizzardo observou que: “A vontade é a característica primordial do ato jurídico. Quando livremente manifestada, torna-o válido se se acrescenta a sua licitude, isto é, se fundado em direito.

De sorte que, quando afetados por um mal, dizem-se nulos ou anuláveis os atos, segundo a gravidade da doença de que são portadores.

Nulos, quando maior a gravidade do atentado à ordem pública, retirando-lhes o valor ou tornando-os ineficazes em relação a todas ou a algumas pessoas. Anuláveis, se a falta cometida é mais leve, como quando a vontade do agente for viciosa ou imperfeita”[23].

Mas, destaca Teresa Arruda Alvim Wambier, que ser nulo ou anulável o ato significa que está sujeito a ser ineficaz e não pode produzir efeitos e pôde observar também que “quando a lei diz que um ato, praticado de determinada forma, é ineficaz, os efeitos produzidos (pois, no fundo, o que a lei quer dizer é que o ato deve ser ineficaz) devem ser desconsiderados, e para isto não haveria necessidade de que se intente ação própria”.[24]

Portanto, pode ser percebido que a ineficácia tem a característica de um determinado ato em que estejam em ordem os elementos essenciais e os pressupostos de validade, quando, no entanto, obste à sua eficácia uma circunstância de fato a ela extrínseca. Pondera-se a respeito, como fez Humberto Theodoro Junior, ao afirmar que “a aplicação da sanção da ineficácia, e não da invalidade, decorre de uma valoração da lei em torno dos interesses a regulamentar numa prevista conjuntura em que certo negócio jurídico se desenvolve”.[25] Tendo esse pensar verifica-se que a ineficácia para o caso é considerada relativa pois se dá apenas quando o negócio jurídico for ineficaz para determinada pessoa e eficaz para as demais.

Há similitude da desconsideração da pessoa jurídica com a fraude à execução, pois visam a ineficácia do ato jurídico, sendo a fraude instituto de direito processual.

3.3 – Direito Econômico.

A Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste) contém a previsão da desconsideração da personalidade jurídica para as hipóteses em que ocorrerem as infrações à ordem econômica, por exemplo, quando se forma os denominados cartéis, ou o preço predatório e outras infrações e para a aplicação do instituto em estudo, caberão para uma dessas infrações o cumprimento do que dispõe o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Por isso a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser decretada ainda que ocorra o estado de falência da sociedade, ou de insolvência, ou o encerramento da pessoa jurídica em virtude da má administração.

3.4 – Direito Tributário.

As opiniões são divergentes sobre a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em virtude da aplicação do princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inc. II, e art. 150, inc. I, ambos da Constituição Federal, visto não haver previsão legal para tanto.

Mas o art. 135 do Código Tributário Nacional : (são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.) cuida da solidariedade dos sócios e aponta a responsabilidade das pessoas indicadas, referente aos atos que resultarem da pratica excessiva de poderes ou com infração à lei, ao contrato social ou estatutos. O que define a solidariedade entre os sócios, segundo o art. 124 do Código Tributário Nacional, é o interesse comum na realização do fato jurídico tributário. E praticado ato ilícito por gerentes e/ou diretores da sociedade, a responsabilidade deles é considerada direta em virtude do princípio da responsabilidade tributária prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional.

Assim, não há porque se cogitar em aplicação da teoria da desconsideração da pessoal jurídica no direito tributário. Mas há doutrinadores que entendem ser possível a aplicação do instituto para os casos legalmente previsto, como no art. 50 do Código Civil ou então a aplicação futura e eventual do que dispõe o art. 116 do Código Tributário Nacional.

3.5 – Direito do Trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho em seu art. 2º, § 2º indica a responsabilidade solidária para obrigações decorrentes do contrato de trabalho ao dispor: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

Esse dispositivo permite ao terceiro interessado atingir não só os sócios, como também outra pessoa jurídica.

“Doutrina e jurisprudência, de modo pacífico, admitem a responsabilização do sócio, quando da frustração da execução contra a sociedade, sob o argumento de que o valor devido decorre do trabalho prestado pelo empregador, mercê do qual o patrimônio do sócio viu-se incrementado.

Trata-se da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, quando esta personalidade deixa de servir aos fins sociais a que se destina, transformando-se em óbice à satisfação de crédito, em verdadeiro escudo a proteger o ato ilícito, qual seja, o não-pagamento de seus débitos”. [26]

Diante desse pensamento, o qual espelha grande parte da doutrina e da jurisprudência do direito do trabalho, percebe-se com o mesmo a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que a decretação dela será ordenada sem que haja comprovação da ocorrência do abuso da personalidade jurídica.


IV A desconsideração no processo civil e o incidente previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil.

4.1 – Aspectos processuais.

Duas correntes existem a respeito da aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, uma que entende ser necessária a propositura de ação autônoma e outra que sustenta ser suficiente o mero incidente para a aplicação da mesma.

Essas duas correntes visam o respeito ao princípio constitucional do contraditório, sendo que a segunda possui visão, uma observação maior à dar cuidado, a fim da resolução da questão ser célere. E esta última é que deve receber todo o apoio para sua aplicação, porque não há razão ou justificativa plausível para se pensar em ser necessária a propositura duma ação para o interessado ao final alcançar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica. É suficiente decretar a desconsideração da personalidade jurídica independente da propositura de ação, vale dizer, poderá o magistrado decretá-la no curso da própria ação, pois é corrente que, na maioria dos casos, a necessidade em se decidir por sua incidência só surge no momento em que se descobre a ausência de bens suficientes da pessoa jurídica para a realização da penhora – poucas são as ações de cognição a ensejar o ingresso dos sócios da pessoa jurídica naquelas em virtude da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica -, quer na ação de execução quer no cumprimento de sentença.

Deveras a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXXV, assegura a todos o acesso à justiça, a qual tem por finalidade última, não apenas uma garantia formal, e sim para que se dê o efetivo acesso à justiça, o real, em grau alto, para ser conferido à qualquer do povo o direito a uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e eficaz e assim assegurar a Constituição Federal; portanto não se justifica o pensar em ser necessária a propositura de ação para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que se criaria obstáculos desnecessários para aqueles fins almejados.

O art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal assegura o direito ao contraditório, pois obriga o julgador dar conhecimento à parte contrária dos atos praticados no processo, permitindo que se manifeste a respeito dos fatos e do direito que consta no processo. Assim sendo, esse fundamental, indispensável princípio deve ser cumprido, ainda que diferido no tempo, pois algumas vezes se faz necessário esse diferimento sob pena da decisão se tornar inócua a medida, em detrimento do credor; ainda assim aquele princípio deve ser cumprido.[27].

Ao se respeitar o princípio do contraditório, estar-se-á também respeitando o princípio da ampla defesa, facultando que os sócios atingidos possam se defender no incidente que decidirá pela desconsideração da pessoa jurídica. Aqueles deverão ser considerados como parte no processo, uma vez que foram os sócios, ou um único sócio, alcançado ao ter bens penhorados pela decisão que determinou a desconsideração da personalidade jurídica, sofrendo, pois, os atos de execução; e se antes eram considerados como terceiros, ao ser atingido por aquela decisão judicial fará que se dê o ingresso na ação agora como parte.[28]

Como o sócio da pessoa jurídica teve bem penhorado na fase de execução, necessário se faz seja ele citado para poder exercer o direito do contraditório e de ampla defesa. Assim, deverá o sócio ser citado para se defender (art. 5º, inc. LIV e LV, da Constituição Federal), na própria ação, possibilitando então apresentar seus argumentos e fundamentos a respeito dos efeitos do ato constritivo, onde será proferida decisão a respeito, não se justificando a necessidade em ser proposta para tal fim ação de cognição.

É de ser notado ainda que os efeitos da coisa julgada, quer para o processo de cognição como de execução, não poderá impedir o alcance dos sócios da empresa cuja personalidade jurídica foi superada em razão da existência de fraude ou abuso do direito ou desvio de personalidade, uma vez que o art. 592, inc. II, e o art. 596, ambos do atual Código de Processo Civil, admitem a penhora de bens dos sócios e do mesmo modo será aplicado o art. 475-R desse Código, sofrendo então os sócios os efeitos reflexos da sentença ou do título executivo extrajudicial, porque os limites subjetivos da coisa julgada são ampliados, dilatados e o comando da decisão judicial os alcança e não poderão se opor ao julgado. É que não se pode olvidar permitir a lei responda os bens particulares dos sócios pelas dívidas da sociedade só após terem sido executados todos os bens da sociedade, aplicando-se o que dispõe o art. 596, § 1º, do Código de Processo Civil, de forma a evidenciar àquele possa indicar os bens daquela em tempo oportuno (art. 652, CPC), não sofrendo assim a constrição judicial dos bens particulares quando indicar aqueles bens e permitir a continuidade da execução tão-somente em face da pessoa jurídica, o que tornará desnecessária a decisão que ordenou a desconsideração da personalidade jurídica.

Por outro lado o sistema atual possibilita para a defesa do terceiro, a oposição de embargos de terceiro, objeção de pré-executividade e a interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória. O sócio que teve o bem penhorado é juridicamente interessado em recorrer, mas a pessoa jurídica não pode interpor esse recurso, por lhe faltar legitimidade e interesse, pois a decisão não lhe causa prejuízo e não há sequer nexo de interdependência para ser admitido o recurso como se de terceiro prejudicado fosse, nos termos do art. 499, § 1º, do Código de Processo Civil.

4.2 – No anteprojeto do novo Código de Processo Civil.

As dúvidas e as incertezas com relação a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, estão por diminuir, porque no anteprojeto do novo Código de Processo Civil, os doutrinadores que o elaboraram tiveram a cautela de criarem um incidente específico para essa questão. Essa cautela encontra coerência no todo desse anteprojeto, o qual está voltado para ampliar a aplicação do princípio do contraditório, da ampla defesa e da celeridade do processo com um tempo razoável para a entrega da prestação da tutela jurisdicional.

Dispõe o art. 62 do anteprojeto do Código de Processo Civil: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica.

E o art. 64 desse anteprojeto dispõe: Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestarem e requerer as provas cabíveis.

Claro está não poder o juiz agir de ofício para a decretação da desconsideração da pessoa jurídica, tendo o anteprojeto observado o princípio dispositivo, de modo que para se dar a desconsideração será necessário que a parte interessada ou o órgão do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, formulem esse pedido ao juiz.

Pleiteada a desconsideração da personalidade jurídica de forma incidental, nos próprios autos, sem pagamento de custas, nos termos do que prevê o art. 294 do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, deverá o juiz intimar o sócio ou terceiro para, no prazo de quinze dias, se manifestar a respeito desse pedido e poderá produzir provas a respeito, uma vez que necessário é a instauração de incidente (art.719, § 4º). Em seguida, terminada a instrução desse incidente, decidirá o juiz pela decretação ou não da desconsideração da personalidade jurídica.

Nessa perspectiva, claro ficou que de fato o sócio, o administrador ou eventual terceiro, serão considerados como parte no processo e irão exercer de forma plena a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A menção referente a pessoa jurídica no dispositivo, está a evidenciar a hipótese da denominada desconsideração inversa (art. 63, parágrafo único), permitindo então possa a mesma responder ao incidente.

Não há restrição, redução para que os sócios, administradores, ou a pessoa jurídica, possam, em comparecendo ao processo, instaurar o incidente criado pelo anteprojeto e exercerem as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sendo que, ao final, e de maneira célere, em tempo razoável, deverá o magistrado acolher eventual existência de razão para determinar a desconsideração da personalidade jurídica, ou rejeitar o pedido em virtude dos fundamentos e das provas ofertadas pelos interessados. Dessa decisão interlocutória será cabível o recurso de agravo de instrumento (art. 65) para a impugnação da mesma.

Apenas após a decisão acolhendo aquele pedido ser proferida estará autorizada a penhora em bens dos sócios e não antes, a menos que tenha o credor apresentado elementos, ainda que indiciários, para a concessão de medida acautelatória, a permitir a penhora, deferindo-se a desconsideração da personalidade jurídica antes da instauração do incidente, evitando-se outras fraudes em detrimento do credor, podendo deste ser exigida caução para tal fim, caso seja necessário. Essa decisão antecipada, liminar, não acarretará ofensa àqueles princípios constitucionais, porque a qualquer tempo do processo poderá ser revista pelo julgador e só se tornará definitiva quando decidido o incidente instaurado, ao menos nessa fase, visto não ter o projeto de lei previsto o efeito preclusivo das decisões.

Percebe-se assim que se em vigor essa nova legislação processual, estará encerrada a questão atinente a necessidade da propositura de uma ação de cognição para o acolhimento da desconsideração da personalidade jurídica; como também estará encerrada a dúvida em poder ou não o juiz agir de ofício para a decretação dessa desconsideração. De forma que essas circunstâncias também denotam que se acentua ser um dever do juiz decretar a desconsideração da personalidade jurídica em estando presentes os pressupostos necessários para tal fim, não se cuidando, portanto, de uma faculdade conferida ao juiz. Logo, havendo demonstração da prática de abuso da personalidade, abuso do direito por parte do sócio, deverá o juiz, por cuidar do poder-dever, decretar a desconsideração da personalidade jurídica, respondendo pela obrigação os bens dos sócios, nos termos da lei, como também prevê o art. 719 desse anteprojeto do novo Código de Processo Civil.

Observa-se ainda que o incidente referente a desconsideração da personalidade jurídica criado pelo anteprojeto para o novo Código de Processo Civil, dispõe também da possibilidade da decretação da denominada desconsideração inversa, afastando também a dúvida referente a essa possibilidade. Pela desconsideração inversa, é possível atingir o patrimônio da sociedade, seus bens, em virtude da prática abusiva por parte do sócio daquela sociedade, que a ela transfere o patrimônio pessoal importante que possua, de maneira a não ter como responder por obrigações assumidas, isso em virtude do pequeno patrimônio que restou ou nenhum patrimônio.[29]

De relevância a inovação criada pelos doutrinadores e responsáveis pelo anteprojeto para o novo Código de Processo Civil, uma vez que o incidente para o exame do pedido referente a desconsideração da personalidade jurídica, vem em respeito a observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da celeridade do processo, em tempo razoável, previstos na Constituição Federal, a qual deve ser cumprida, dando-lhe o verdadeiro sentido, assim apropriando-se e alcançando a toda a gente, que é a base, o fulcro da razão de sua existência.


V – CONCLUSÃO.

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é instituto que se consolidou no sistema jurídico brasileiro e uma vez instituída, quer no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil ou na Lei Econômica, se faz necessário a regulação da forma pela qual deve o juiz conhecer da mesma, sempre tendo a preocupação com a aplicação dos princípios constitucionais, como o princípio do contraditório, da ampla defesa, da celeridade e do razoável tempo do processo, para alcançar à efetividade do processo. Ao pensar o doutrinador do projeto para o novo Código de Processo Civil em criar um incidente específico para permitir às partes o requerimento de sua instauração e ser tal pedido contrariado, possibilitando a produção de provas, põe termo a várias questões processuais e permite adequado ajuste no procedimento, assegurando à todos decisão equânime, ficando afastada a surpresa da decisão que muitas vezes ocorria ao ser decretada a desconsideração da personalidade jurídica.

Esse incidente processual é um dos pontos de importância que apresenta o anteprojeto para o novo Código de Processo Civil e espera-se possa ser acolhido e melhorado pelos legisladores.


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Notas

[1] Sobre a relevância da Constituição Federal não se pode olvidar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, ao dizer que “a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico.

À Constituição todos devem obediência: o Legislativo, o Judiciário e o Executivo, por todos os seus órgãos e agentes, sejam de que escalão for, bem como todos os membros da sociedade. Ninguém, no

território nacional, escapa ao seu império. Segue-se que sujeito algum, ocupe a posição que ocupar, pode praticar ato – geral ou individual, abstrato ou concreto – em descompasso com a Constituição sem que tal ato seja nulo, e da mais grave nulidade, por implicar ofensa ao regramento de escalão máximo” (Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 1ª ed., 2ª t., 2010, p. 12).

[2] A respeito doutrina Nelson Nery Junior: O princípio constitucional fundamental do processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros princípios e regras se sustentam, é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process of law. A Constituição Federal brasileira de 1988 fala expressamente que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF 5º LIV).

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies” (Princípios do Processo na Constituição Federal – Processo civil, penal e administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, 9ª ed., p. 77).

[3] Percebe-se o pensamento dos doutrinadores que integram a comissão responsável pelo Anteprojeto do Código de Processo Civil a respeito pelo que foi escrito na exposição de motivos: “ O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma conseqüência natural do método consistente em que se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática. A complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões evitáveis ( = pontos que geram polêmica e atraem atenção dos magistrados) que subtraem indevidamente a atenção do operador do direito.

Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade” (Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010, p. 22).

[4]  Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010, p. 22.

[5] O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed, 1984, p. 13

[6] Ensina Caio Mario da Silva Pereira que essa teoria foi proposta “imaginando os entes morais como organizações sociais que, por se destinarem a preencher finalidades de cunho socialmente útil, são personificadas” (Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1982. 2ª ed., vol. I, p. 255).

[7] Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1982. 2ª ed., vol. I, p. 258.

[8] O Código Civil de 1916, em seu art. 20 dispunha: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros” e apesar desse dispositivo não apresentar correspondente no Código Civil de 2.002, a idéia contida ali ainda é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência de nossos tribunais, aplicando-se ainda no sistema jurídico em vigor.

[9] 9 Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1977, 8ª ed, p.265.

[10] Obra citada, p. 266.

[11] Curso de Direito Comercial. Saraiva. 1999, págs. 34/35.

[12] Exemplo da prática de fraude a ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica que estudamos, encontra-se no livro clássico “O Poderoso Chefão”, de Mario Puzo, ao narrar a situação em que o padeiro Nazorine e a noiva escolheram os móveis para o lar que iriam formar com o casamento, tendo o atacadista que os atendeu recebido o dinheiro da compra dos bens e prometeu que a mobília seria entregue dentro de uma semana, contudo isso não aconteceu e a firma falira e o depósito de móveis fora fechado e lacrado e destinado ao pagamento dos credores.

Narra o autor: ”Vito Corleone ouvia essa história com sarcástica descrença. Não era possível que a lei pudesse permitir tal roubo. O atacadista possuía seu próprio palacete residencial, uma propriedade em Long Island, um automóvel de luxo e pagava a faculdade para os filhos. Como podia ficar com os trezentos dólares do pobre padeiro Nazorine e não entregar-lhe (sic) os móveis que ele já havia pago? Mas, para certificar-se, Vito Corleone mandou Genco Abbandando consultar os advogados que representavam a Companhia Genco Pura.

Eles verificaram a história de Nazorine. O atacadista tinha toda a sua riqueza pessoal no nome da esposa. O negócio de móveis era uma sociedade anônima e ele não era pessoalmente responsável. Na verdade, ele demonstrava má fé ao receber o dinheiro de Nazorine, quando sabia que ia pedir falência, mas isso era uma prática comum. Segundo a lei, nada se podia fazer”(Rio de Janeiro. 1996. Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, S. A. . Tradução: Carlos Nayfeld. Livro III. Cap. 14, p. 218/219).

[13] A respeito decidiu o Superior Tribunal de Justiça: EMENTA. Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. - A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exeqüente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica.

- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.

- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. (Recurso Especial nº 970.635 – SP, rel. Min. Nancy Audrighi, vu, j. 10.11.2009, DOJ 01.12.2009).

[14] Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao tocar no tema à luz do Código de Defesa do Consumidor, tendo afirmado que “para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta , ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica” (Resp 279.273/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. P. Acórdão Min. Nancy Audrighi, DJ29.03.2004).

[15] Do Concurso de Credores no Processo de Execução. São Paulo: Ed. Saraiva, 1952, p. 12.

[16] A respeito ensina Enrico Tullio Liebman: “Ainda esta concepção está, entretanto em contradição com a realidade, pois que o credor não tem o poder de invadir com seus próprios meios a esfera jurídica do devedor; ele tem apenas o direito de pedir que outrem (o órgão judiciário) o faça, direito que não é outra coisa que a ação. Entre o crédito, entendido estritamente como direito a conseguir prestação do devedor, e a ação, que é o direito de pedir intervenção do órgão público no caso de inadimplemento, não é possível configurar terceiro elemento intermediário, que objetivamente não existe. Quem põe as mãos sobre os bens do devedor é o Estado, por intermédio de seu órgão competente: ele e só ele tem os podres para tanto.

O erro das doutrinas privatísticas é de querer construir com materiais tirados exclusivamente do direito privado uma série de atividades e relações em que a autoridade soberana do poder público intervém necessariamente, em exercício de poderes que lhe pertencem em caráter privativo para cumprir sua missão de guardião e defensor do direito. A sanção não é elemento da relação jurídica privada. Titular do poder sancionatório é o Estado, como elemento integrante de sua soberania” (in Processo de Execução - Com notas de atualização do Prof. Joaquim Munhoz de Mello -. São Paulo: Ed. Saraiva, 5ª ed., 1986, p. 36.

[17] Orienta a respeito desse tema Cândido Rangel Dinamarco: “Em sua pureza, conforme foi formulada originalmente, a teoria do Schuld and Haftung propunha o exame da estática das dívidas e da dinâmica da responsabilidade no plano exclusivo do direito privado, sem transbordar ao processual. Esse era um natural reflexo da visão plana do ordenamento jurídico, inerente ao período sincrético da história do direito processual, quando não havia a consciência da autonomia deste nem da estrutura do ordenamento jurídico em dois planos distintos, o substancial e o processual; a obra de Brinz data do ano de 1879, quando a teoria inovadora de Von Bülow era uma novidade ainda não propagada no universo da cultura jurídica e, portanto, a ação, o processo e todos os institutos inerentes a estes eram simplesmente encarados como categorias do direito privado e predispostas ao exercício dos direitos. A retificação da doutrina do Schuld and Haftung segundo as conquistas e os ditames da ciência moderna é obra de Francesco Carnelutti, que Liebman desenvolveu e que se incorporo ao pensamento brasileiro a partir da posição assumida por Alfredo Buzaid. Mas, por ser intimamente ligado à efetividade da garantia constitucional do acesso à justiça, o tema da responsabilidade patrimonial não se confina ao campo exclusivamente técnico do direito processual formal, sendo imperiosa sua colocação entre as categorias do direito processual material. (In Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Editores, vol. IV, 2004, págs. 325/326).

[18] Orienta a respeito Fábio Ulhoa Coelho: “Deve-se ressaltar, contudo, que a solução para evitar manipulações como estas não é abolir a autonomia da pessoa jurídica, como regra. O problema não está no perfil básico do instituto, mas no seu mau uso. O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é exatamente possibilitar a coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraudes”. Ob. Cit, págs. 34/35.

[19] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. Forense. 1994, p. 158.

[20] Ao comentar o art. 50 do Código Civil, entendeu Fábio Maria De-Mattia que: “Trata-se de norma jurídica da maior importância, porque destina-se a preservar o patrimônio da empresa, impedindo que os sócios, quotistas da empresa, , procedam na administração como se estivessem gerindo bens próprios, quiçá até dar prejuízo a terceiros, credores da empresa, que seriam lesados em seus créditos pela atuação dos administradores, sócios, quotistas, etc. do tipo:’abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial’” ( in Das pessoas jurídicas, Estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale, p. 74, sendo coordenadores Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes, Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, Ed. LTr., 2003.

[21] A respeito da hipótese da confusão patrimonial, bem a explicita Cândido Rangel Dinamarco ao dizer: ”Casos bastante nítidos em que ocorre a confusão de patrimônios e ordinariamente a desconsideração da personalidade jurídica se impõe são as sociedades entre cônjuges, às quais convergem o patrimônio do marido e da mulher, sem que os sucessos ou fracassos repercutam diretamente sobre os interesses de mais ninguém; nesses casos, tão nítida que é a coincidência entre os patrimônios, a jurisprudência chega a atenuar a exigência da fraude como requisito para desconsiderar a personalidade jurídica” In Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Editores, Vol. IV, n.1.562, p.367, 2.004.

[22] A respeito das diferentes nulidades no direito escreveu Teresa Arruda Alvim Wambier: “Uma das razões, obviamente, é que a expressão invalidade é o antônimo de validade. Ademais, a expressão é mais larga que “nulidades”, termo este que, à primeira vista, pode dar a impressão de que quem fala alude só a uma das espécies de vício que a invalidade abrange: a nulidade ipso jure” (in Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: Ed. RT, 5ª ed, 2004, p. 146.

[23] Da ineficácia dos atos jurídicos e da Lesão no Direito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983, p. 3.

[24] In Ob. Cit., págs. 217/218.

[25] In Negócio jurídico. Existência. Validade. Eficácia. Vícios. Fraude. Lesão. São Paulo: RT. Vol. 780, 2000, p. 17

[26] Execução de Sentença no Processo do Trabalho. Pedro Paulo Manus. São Paulo. Ed. Atlas. 2008, p. 96

[27] E bem se ajusta para o exame da aplicação do instituto a definição do princípio do contraditório obtida da lição de Nelson Nery Junior: “Por contraditório deve entender-se de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis. Garantir-se o contraditório significa, ainda, a realização da obrigação de noticiar (Mitteilungspflicht) e da obrigação de informar (Informationspflicht) que o órgão julgador tem, a fim de que o litigante possa exteriorizar suas manifestações. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos” Obra citada, p. 206/207.

[28] E parte, é assim conceituado por Arruda Alvim: “O conceito de parte expressa a realidade representada pelo fato, que se origina da afirmação feita pelo autor, considerando-se com direito à ação em função de uma pretensão, e atribuindo ao demandado a qualificação do réu. Deriva, exclusivamente, pois, de uma afirmação” In Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Ed. RT, vol. 2, 11ª ed., 2007, p. 36.

[29] A respeito da desconsideração inversa decidiu o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE.

(...)

III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.

IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa.

(...)

Resp. N. 948.117/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DOJ de 03.08.2010, votação unânime.


Abstract: This estudy intends to exam the disregard of legal entity, considering it’s application and inclusion in the legal system in force, citing the possible theories of the same understanding. For later analysis, by comparison, the incidented created on the anteproject of the civil process code, so it can be possible to apply the disregard of legal entity and alterations introducted, with directions to the fulfiment of the constitucional princibles, as like contradiction, full defense, celerity, reasonable duration of proceedings, and others.

Key Words: Anteproject of the civil process code. Incident. Disregard of legal entity.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE JUNIOR, Nelson. Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3866, 31 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26578. Acesso em: 26 abr. 2024.