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Fundamentos das sanções administrativas contratuais

Fundamentos das sanções administrativas contratuais

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O poder sancionador que existe no âmbito dos contratos administrativos assemelha-se tanto ao poder disciplinar, quanto ao poder de polícia administrativa, mas com eles não se confunde.

Resumo: este trabalho trata da prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções a particulares em razão de inadimplemento de contratos administrativos; verifica a hipótese de que o fundamento jurídico dessa prerrogativa é um específico poder administrativo; explora particularidades que conduzem a uma maior precisão conceitual desse poder administrativo específico; e analisa dispositivos legais definidores da abrangência de sua eficácia jurídica.

Palavras-chave: contratos administrativos; poderes administrativos; sanções administrativas contratuais.

Sumário: Introdução. 1. Fundamento Teórico. 1.1. Poderes administrativos. 1.2. Poder sancionador. 1.2.1. Características específicas. 1.2.1.1. Cláusula exorbitante. 1.2.1.2. Consequência de inexecução contratual. 2. Fundamentos Normativos. 2.1. Instrumentos normativos. 2.2. Eficácia jurídica. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


Introdução

Este trabalho tem como tema as sanções aplicáveis pela Administração Pública contratante em desfavor de pessoas da iniciativa privada contratadas para a execução de obras, prestação de serviços ou fornecimento de bens.

São abordados problemas quanto ao fundamento jurídico dessas sanções, tanto no aspecto teórico quanto no aspecto normativo.

Adota-se como hipótese de trabalho[1] a afirmação de que tais sanções são manifestações de um específico poder administrativo aqui definido como poder sancionador.

As teorias de base aplicadas são as teorias dos poderes administrativos e do contrato administrativo.

A pesquisa foi realizada seguindo a vertente jurídico-teórica, o raciocínio hipotético-dedutivo, e é do tipo jurídico-compreensivo[2].

A técnica de pesquisa consistiu em leitura e fichamento de obras doutrinárias, artigos e dissertações acadêmicas, assim como em análise da legislação pertinente.

Durante a revisão e análise bibliográfica, constatou-se que a doutrina, no mais das vezes, aborda o tema como exemplos de sanções administrativas, tomadas em sentido geral[3].

A título de exemplo, há quem afirme, sem maiores considerações quanto às diferenças entre as várias espécies, que o seu fundamento jurídico teórico seria o poder disciplinar[4].

De observar que essa abordagem não resiste a testes mais precisos[5], seja porque define o particular pelo geral, seja porque não distingue particularidades.

O relatório da pesquisa foi dividido em dois capítulos, nos quais as informações, num enfoque zetético, são tomadas como evidências[6].

No primeiro, é abordado o problema do fundamento jurídico teórico, passando pela definição dos conceitos poderes administrativos e poder sancionador, seguida da definição das características específicas desse último.

No segundo, é abordado o problema dos fundamentos jurídicos normativos, mediante identificação dos instrumentos que fundamentam o poder sancionador e definição de sua eficácia jurídica.


1. Fundamento Teórico

Inicialmente, necessário considerar que as sanções objeto de estudo deste trabalho, aqui chamadas sanções administrativas contratuais, como espécie do gênero sanções administrativas que são, apresentam características peculiares, de modo que o seu fundamento jurídico teórico seria algo distinto do fundamento das demais espécies[7].

Sendo assim, convém observar que, se por um lado tais sanções assemelham-se às disciplinares, pois ambas são aplicáveis a colaboradores da Administração Pública[8], por outro também se assemelham às de polícia administrativa, por serem destinadas a constranger o patrimônio ou restringir direitos de particulares sem um prévio processo judicial[9].

Com efeito, entende-se possível afirmar que o fundamento jurídico teórico das sanções contratuais não é nem o poder disciplinar, nem o poder de polícia administrativa, mas o que será chamado precariamente de poder sancionador, consideradas as diferenças existentes entre as espécies[10].

Essa afirmação, no entanto, longe de solucionar o problema, revela que não se deve atentar apenas para o nome que se dá a esse poder administrativo específico. Em verdade, como se trata de espécies de um mesmo gênero, o poder sancionador tanto se assemelha quanto se diferencia dos poderes disciplinar e de polícia administrativa, como estes se assemelham e se diferenciam daquele[11].

Nesse sentido, antes de proceder à aludida diferenciação, cumpre delimitar o que se entende por poderes administrativos, esse instituto jurídico que fundamenta toda e qualquer atividade da Administração Pública, como é o caso da aplicação das diferentes espécies de sanções administrativas.

1.1. Poderes administrativos    

A Teoria Geral do Estado concebe o seu objeto de estudo ora como entidade sociológica, ora como entidade jurídica[12]. Tendo em vista os objetivos deste trabalho, convém dispensar atenção à ideia de Estado como entidade jurídica. Tal se dá porque os poderes administrativos, dos quais de certo modo trata este trabalho, são exercidos pelos denominados Poderes estatais, que se conformam na chamada Administração Pública e, em última análise, têm fundamento no poder político de que se constitui o Estado. Desse modo, num estudo a respeito dos poderes administrativos, como também é o caso deste, mister caracterizar o que sejam poder político, Estado, Poderes estatais e Administração Pública.    

Assim, sendo que a vida em sociedade requer regras de convivência, que o comportamento humano é historicamente ordenado, e que esse ordenamento obedece a uma hierarquização vertical em sentido descendente, conclui-se que a sociedade é organizada a partir de um polo que detém força para tanto, monopolizada graças a um instrumental nele estabelecido. Desse modo se define o poder político, o qual, originalmente disperso na sociedade, após um longo processo histórico, concentrou-se no ente conhecido como Estado, que monopoliza e regula o uso da força e que, por essa razão, é definido como sociedade politicamente organizada de acordo com uma ordem coercitiva[13].    

Em consequência, é possível afirmar que o Estado concentra em si o poder político, na medida em que congrega vontades particulares, individuais, no interesse público, social[14].

O Estado, no entanto, não se apresenta como um único sujeito de direitos e deveres, antes se porta como sujeito de competências, ao partilhar o poder político entre os chamados Poderes estatais (Legislativo, Judiciário e Executivo)[15].

Do ponto de vista jurídico personifica-se quando confere competências a esta ou aquela entidade ou órgão, os quais, em conjunto, usa-se denominar Administração Pública[16].    

Em decorrência, às diversas entidades e órgãos que compõem a Administração Pública, competem determinados deveres. Para deles se desincumbir e realizar as atividades estatais, a Administração Pública vale-se não propriamente de direitos subjetivos, mas dos chamados poderes administrativos[17].

E são exatamente os poderes administrativos o que distingue as relações jurídicas entre particulares das relações entre particular e Administração Pública como tal[18]: enquanto as primeiras são caracterizadas pela horizontalidade, em que as partes são consideradas iguais, e nas quais aos deveres correspondem direitos subjetivos, as segundas são verticalizadas, sendo uma parte superior e a outra inferior, precisamente porque a uma toca deveres e direitos subjetivos, e à outra, deveres e poderes administrativos[19].

Neste passo, cumpre lembrar que a doutrina diverge quanto à caracterização da natureza jurídica dos poderes administrativos. Não se trata, pois, de um conceito uniforme, porque entre os doutrinadores há quem os considere poderes-deveres e quem os considere deveres-poderes.

Para Hely Lopes Meirelles, os poderes administrativos são poderes-deveres porque “O poder tem para o agente [público] o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo”, daí serem chamados de “poder-dever de agir” (MEIRELLES, 2007, p. 105).

Ainda segundo Meirelles, os poderes administrativos são instrumentais, distinguem-se pelas exigências do serviço público, pelo interesse da coletividade e pelos objetivos a que se dirigem[20] (Idem, p. 116).

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, aduz que “as prerrogativas da Administração não devem ser vistas ou denominadas como ‘poderes’ ou como ‘poderes-deveres’”, pois, a seu ver, “Antes se qualificam e melhor se designam como ‘deveres-poderes’, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai a atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever” (MELLO, 2002, p. 44).

Bandeira de Mello justifica seu entendimento desenvolvendo o seguinte raciocínio: “a atividade administrativa é desempenho de função”; tem-se “função apenas quando alguém está assujeitado ao dever de buscar, no interesse de outrem, o atendimento de certa finalidade”; “Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito de função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio”; “Segue-se que tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados”; “Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não ‘poderes’, simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como ‘poderes-deveres’, nomenclatura divulgada a partir de Santi Romano”; e conclui dizendo que, “Com efeito, fácil é ver-se que a tônica reside na ideia de dever, não na de ‘poder’” [21] (Idem, p. 80 e 81).

A rigor, essa divergência sugere que existem espécies de poderes administrativos, e que há diferenças entre elas. Com efeito, é possível afirmar que, dentre os diversos poderes administrativos, há aqueles em que ressalta o aspecto poder, e outros em que salienta o aspecto dever, de modo que alguns poderes administrativos caracterizar-se-iam, de acordo com a terminologia doutrinária, como poderes-deveres, e outros, ou ao menos um, como dever-poder.

De fato, aproximam-se da definição de poderes-deveres os poderes regulamentar, hierárquico e disciplinar; e da definição de dever-poder, o poder de polícia administrativa. Os poderes administrativos do primeiro grupo, ou poderes-deveres, identificam-se em razão de uma característica comum, qual seja, a organização interna da Administração Pública: no editar instrumentos normativos infralegais, estabelecer organogramas institucionais, ou prescrever a conduta dos diferentes agentes públicos, ressalta o aspecto poder sobre o aspecto dever, tendo em vista o poder de agir a fim de atender ao interesse público secundário, isto é, o interesse da própria Administração, enquanto organização político-jurídica. Já o poder de polícia administrativa, dever-poder por excelência, distingue-se daqueles por apresentar como principal característica a organização da vida em sociedade, seja condicionando o uso, gozo e disposição da propriedade privada, seja condicionando o exercício da liberdade pelos particulares, no que ressalta o aspecto dever sobre o aspecto poder, haja vista o dever de agir a fim de atender ao interesse público primário, isto é, o interesse de toda a sociedade, não desta ou daquela pessoa[22].

Como se disse acima, cabe à Teoria Geral do Direito Administrativo definir o conceito poder administrativo, porém a divergência doutrinária apontada demonstra que o mesmo conceito é definido de modos diferentes. Diante desse quadro, ainda que no sistema da Teoria Geral do Direito não figure uma categoria denominada poderes jurídicos[23], o que contribuiria grandemente para a definição daquele conceito, entende-se que, para tanto, é possível se valer, a título de subsídio teórico, das categorias nela figuradas.

Desse modo, vislumbram-se, dentre as categorias jurídicas, duas que, nos termos da citada divergência doutrinária, assemelham-se aos aspectos do conceito em questão. Assim, acredita-se que ao aspecto poder corresponderia a categoria competência; e ao aspecto dever, a categoria de mesmo nome. Todavia, numa análise pormenorizada, de concluir que, mesmo o conceito comportando dois aspectos, logicamente ele não pode figurar em duas categorias distintas, sob pena de inobservância do princípio da identidade.

Convém, pois, descrever o que são as categorias competência e dever, com o intuito de destacar um ou outro aspecto, e então oferecer uma definição para o conceito poder administrativo.

Tercio Sampaio Ferraz Jr. observa que competência é uma forma de poder jurídico, no sentido de “aptidão do sujeito para o exercício impositivo de comportamentos (...) para terceiros”, e que,

enquanto poder de impor vinculações a terceiros é poder qualificado (conferido apenas a certos sujeitos), é poder que se exerce não para si próprio, mas para outro (heteronomia), é poder vinculado a certas condições (não se exerce livremente) e não é transferível (não pode ser transmitido, mas apenas delegado, isto é, quem delega uma competência não a perde) (FERRAZ JR., 2003, p. 159 e 160).     

     Quanto à segunda categoria, Ferraz Jr. informa que dever expressa a ideia de vínculo obrigacional, não o estar obrigado, mas o ter a obrigação, não se tratando, portanto, de “uma proposição sobre crenças e motivos com os quais uma ação é feita”, mas de “algo que possui uma permanência ainda que o sujeito não creia ou não se sinta motivado a agir” (FERRAZ JR., 2003, p. 160 e 161). Em complemento, é possível afirmar que a ideia de vínculo obrigacional representada pelo dever tem origem legal, no sentido que Ferraz Jr. atribui a essas expressões, quando diz que

A objetividade do vínculo e a exigência da prestação constroem-se por meio de normas. Para a ocorrência de uma obrigação concorrem pelo menos uma norma preceptiva que imponha a prestação e uma norma preceptiva que prescreva a sanção para o descumprimento do preceituado. Dependendo da fonte normativa (...), o vínculo objetivo terá por origem uma lei (norma legal), um contrato (norma contratual) [etc.] (...). Fala-se assim em obrigações legais, contratuais [etc.] (...). Quando se diz que uma obrigação é legal ou contratual, isto não quer significar que a obrigação contratual não seja legal. O princípio de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei domina também o contrato, pois não se pode contratar contra a lei; o objeto do contrato tem de ser lícito. A diferença está, pois, na origem direta na lei (obrigação legal) ou na autonomia da vontade (obrigação contratual) (Idem, p. 162).

     Pelo exposto, entende-se possível concluir que os poderes administrativos não são deveres, nesse sentido de vínculo obrigacional de caráter legal, ideia mais afeita ao conceito serviço público[24]. Por outro lado, entende-se possível afirmar que os poderes administrativos têm o sentido de competência ou aptidão para impor comportamentos, uma vez que, assim como esta categoria jurídica básica, reúnem as características gerais da qualificação, heteronomia, vinculação e intransferibilidade[25].

1.2. Poder sancionador

Tratando especificamente do poder administrativo que, segundo a hipótese deste trabalho, seria o fundamento jurídico das sanções administrativas contratuais, necessário diferençá-lo daqueles que com ele guardam alguma semelhança, para então definir o que nele é específico.

Para tanto, imprescindível analisar criticamente os entendimentos doutrinários, a fim de reunir informações suficientes para uma definição mais precisa.

Nesse sentido, de observar que o poder sancionador apresenta características comuns tanto ao poder disciplinar, quanto ao poder de polícia administrativa, mas a eles não se confunde, e sim constitui um tertium genus[26].

Ao analisar o conceito poder disciplinar, Meirelles o define como o poder conferido à autoridade para a aplicação de penalidades a servidores e demais pessoas sujeitas ao regime jurídico administrativo, poder este que revela “uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração [Pública] por relações de qualquer natureza”[27] (MEIRELLES, 2007, p. 124).

Meirelles observa que é necessário diferenciar o poder disciplinar, que é administrativo, do poder punitivo, que é jurisdicional, tanto em razão de seus fundamentos quanto em razão da natureza das sanções, e afirma que consequência do ser o poder disciplinar um poder administrativo é que não está subordinado ao princípio nullum crimen, nula poena sine praevia legem, próprio do poder punitivo, mas ao que chama de “poder discricionário”, uma vez que “O administrador, no seu prudente critério, tendo em vista os deveres do infrator em relação ao serviço, e verificando a falta, aplicará a sanção cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas”[28] (MEIRELLES, 2007, p. 124 e 125).

Lucas Rocha Furtado, por sua vez, afirma que “o poder disciplinar alcança pessoas que em razão de livre consentimento se sujeitam ao âmbito interno da Administração Pública e que com ela colaboram por meio da prestação de serviço, fornecimento de bens, execução de obras etc.” (FURTADO, 2007b, p. 677).

Furtado observa que “A fonte do poder disciplinar é a lei. Cabe a ela, e tão-somente a ela, indicar as sanções disciplinares a serem aplicadas”[29] (Idem, ibidem). E entende que as sanções contratuais são uma das espécies de sanções disciplinares, afirmando que “O contrato, quando utilizado, pode prever as infrações a serem [sic] punidas, bem como estabelecer a relação entre o ilícito e a respectiva sanção” (FURTADO, 2007b, p. 677).

Concordando inicialmente com o entendimento de Meirelles e de Furtado, Maria Sylvia Zanella Di Pietro deles diverge quando afirma que o poder disciplinar “Não abrange as sanções impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da Administração, porque, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento no poder de polícia [administrativa] do Estado” (DI PIETRO, 2008, p. 82).

Pelo exposto, de observar que, no tocante à extensão do conceito, a definição de Meirelles é a mais abrangente de todas: para ele, todos que se vinculem à Administração Pública, estabelecendo com ela qualquer tipo de relação jurídica, estão sujeitos a sanções disciplinares.

A definição de Furtado, igualmente abrangente, é mais específica num ponto: afirma ele que os particulares que se sujeitam à disciplina interna da Administração Pública, como os servidores públicos, ou que executam obras, prestam serviços ou fornecem bens, ou seja, aqueles contratados pela Administração Pública, estão sujeitos às sanções disciplinares.

Já a definição apresentada por Di Pietro é menos abrangente: segundo ela, apenas os particulares sujeitos à disciplina interna da Administração Pública, isto é, os servidores públicos, são passíveis de sanções disciplinares; os particulares não sujeitos a essa disciplina, como os contratados pela Administração Pública, estariam sujeitos a sanções de polícia administrativa.

Como visto, Meirelles entende que o poder disciplinar é o fundamento das sanções aplicáveis a todos que se vinculam à Administração Pública, em razão não do poder punitivo, necessariamente jurisdicional, mas do poder discricionário, que é administrativo.

Furtado, por sua vez, entende que não há distinção entre as sanções aplicáveis aos servidores públicos e aos particulares contratados, uma vez que ambas seriam espécies de sanções disciplinares e decorreriam do poder disciplinar, tal como expresso em lei.

Já Di Pietro entende que apenas as sanções aplicáveis aos servidores públicos decorrem do poder disciplinar, enquanto as sanções aplicáveis aos demais particulares que se vinculam à Administração Pública, como os contratados, derivariam do poder de polícia administrativa.

O entendimento de Meirelles quanto ao conceito poder disciplinar recorre à noção que parte da doutrina faz da chamada discricionariedade administrativa, atribuindo-lhe o caráter de poder autônomo. Ocorre, porém, que a discricionariedade administrativa não é um poder autônomo, mas um atributo de outros poderes ou competências, como afirma Di Pietro (2008, p. 77). Trata-se, pois, de um atributo de alguns atos administrativos, isto é, de “certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade”, como diz Bandeira de Mello (2002, p. 380).

Assim, vê-se que a discricionariedade administrativa, mesmo sendo atributo do poder disciplinar, não se presta a distingui-lo dos demais poderes administrativos, dado que também constitui atributo destes outros. Em conclusão, não sendo uma nota distintiva, a discricionariedade administrativa é insuficiente para caracterizar o poder disciplinar como fundamento jurídico teórico das sanções administrativas contratuais.

Já o entendimento de Furtado define o conceito poder disciplinar por meio de uma identificação das sanções disciplinares como gênero e das sanções contratuais como espécie daquelas. Ele baseia essa identificação numa outra, entre regime jurídico administrativo e disciplina interna da Administração Pública, admitindo uma primazia desta sobre aquela.

Cabe demonstrar, então, que tais institutos não se confundem, e que tal primazia é insubsistente.

Com efeito, lembra Di Pietro, o regime jurídico administrativo é caracterizado pela supremacia do interesse público sobre o particular e pela indisponibilidade do interesse público, razão pela qual as normas de Direito Público se diferenciam das normas de Direito Privado, “seja porque conferem à Administração prerrogativas sem equivalente, seja porque impõem a sua liberdade de ação sujeições mais estritas do que aquelas a que estão submetidos os particulares” (DI PIETRO, 2008, p. 55 e 56).

A disciplina interna da Administração Pública, por sua vez, diz respeito a esse segundo aspecto, isto é, ao modo como os entes, entidades e órgãos da Administração Pública organizam-se, e, ainda mais especificamente, como se organizam o serviço e os servidores públicos. Desse modo, vê-se que a disciplina interna da Administração Pública está contida no regime jurídico administrativo, e não o contrário; assim sendo, não pode fundamentar o gênero sanções administrativas, mas apenas uma de suas espécies, que vêm a ser as sanções disciplinares, as quais se encontram em paridade com as sanções contratuais.

Grosso modo, poder-se-ia dizer que o poder sancionador assemelha-se ao poder disciplinar, sim, com a diferença fundamental de que, enquanto este é exercido dentro da própria organização estatal, aquele o é em face de sujeitos e interesses não-estatais, mais precisamente, sujeitos e interesses para-estatais, na medida em que o particular está sujeito às sanções decorrentes do poder sancionador apenas quando e enquanto contratado pela Administração Pública.

Dito isso, resta analisar o entendimento apresentado por Di Pietro, segundo o qual o fundamento das sanções administrativas contratuais seria o poder de polícia administrativa.

Referindo-se a esse conceito, Meirelles o define como o poder conferido à autoridade administrativa “para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”[30] (MEIRELLES, 2007, p. 131). Segundo ele, no que concerne à natureza jurídica, trata-se da “faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado”, em razão do interesse social e sob o fundamento da “supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades”[31] (Idem, p. 132 e 133). Diz, também, que sua extensão abrange “desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, o controle de publicações, a segurança das construções e dos transportes até a segurança nacional em particular”, e que seus limites “são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º)”[32] (Idem, p. 134 e 135). Afirma, ainda, que são seus atributos: a) a discricionariedade, que se traduz “na livre escolha, pela Administração [Pública], da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público”; “desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima”; “No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia, mas mesmo assim a sanção deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração”; “se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua realização”, passará de discricionário a vinculado[33]; b) a auto-executoriedade, ou “faculdade de a Administração [Pública] decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do [Poder] Judiciário”; em casos sem urgência, há de ser observado o regular procedimento administrativo[34]; e c) a coercibilidade, no sentido de “imposição coativa das medidas adotadas pela Administração [Pública]”[35] (Idem, p. 136-138).

Bandeira de Mello acrescenta que o poder de polícia administrativa, em sentido amplo, refere-se “ao complexo de medidas [dos Poderes] do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos”; já em sentido estrito, relaciona-se “unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais”[36] (MELLO, 2002, p. 697).

Furtado, por sua vez, lembra que, “Quando o ordenamento jurídico confere ao Estado prerrogativas que o habilitam a ordenar atividades privadas, a Administração Pública irá exercer atividade externa, que extrapola os seus limites internos de atuação e invade a esfera dos particulares”, diferentemente do que ocorre com outros poderes administrativos, como o hierárquico e o disciplinar, “que, ao contrário, afetam pessoas que, de algum modo, estão submetidas à Administração Pública, pessoas que se encontram em seu âmbito interno de atuação” (FURTADO, 2007b, p. 644).

Segundo Furtado, o Estado se desincumbe da atividade de polícia administrativa por meio do que chama de técnicas de ordenação, que tem a ver com “o tipo de obrigação imposta ao particular e como a Administração Pública se comporta diante dessa obrigação” (Idem, p. 662). São três os tipos de técnicas de ordenação: de informação, de condicionamento e sancionatória. Mais afeitas aos objetivos deste trabalho, as técnicas de condicionamento e sancionatória dizem respeito, respectivamente, à imposição, aos particulares, “de uma série de exigências ou de requisitos legais a fim de que possam exercer licitamente certas atividades”, a exemplo das autorizações de funcionamento concedidas pela Administração Pública; e de “restrições, limitações, condições ou vedações ao exercício de direitos ou de atividades”, “com o objetivo de dar efetividade às regras concernentes à atividade de polícia”, e com finalidade mais preventiva do que repressiva (FURTADO, 2007b, p. 663 e 665).

A propósito da técnica sancionatória, especificamente no que se refere ao poder de polícia administrativa, Furtado observa que, “com o objetivo de dar efetividade às regras concernentes à atividade de polícia [administrativa] (...), o Estado vê-se obrigado a se utilizar da técnica sancionatória como forma de ordenação de atividades” (FURTADO, 2007b, p. 665). Adverte ele que o poder de polícia administrativa não é “eminentemente repressivo (...). Ao contrário, a fixação de sanção de natureza administrativa a ser aplicada ao infrator tem o objetivo de evitar que o ilícito se verifique” (Idem, ibidem). Afirma, então, que “O poder de polícia administrativa mantém natureza preventiva. Não é, todavia, estranha à sua natureza a imposição de sanção como técnica para ordenar a esfera de liberdade dos particulares” (Idem, ibidem).

Tratando da mesma técnica sancionatória, relativamente à aplicação de outras sanções que não as decorrentes do poder de polícia administrativa, Furtado lembra que “Nem toda sanção imposta pelo Direito Administrativo, todavia, é decorrente do poder de polícia [administrativa]” (FURTADO, 2007b, p. 665). Ele entende que “não é correto identificar, por exemplo, a aplicação de sanções a servidores públicos que tenham violado deveres funcionais como manifestação da polícia administrativa” (Idem, ibidem). Argumenta, então, que “o poder de polícia administrativa pode utilizar-se da imposição de sanção como técnica para ordenar atividades privadas, mas nem toda sanção aplicada pela Administração Pública pode ser atribuída ao exercício do poder de polícia [administrativa]” (Idem, p. 665 e 666). Especificamente quanto à aplicação de sanções administrativas contratuais, discorda de entendimento de Marçal Justen Filho, aduzindo que

Admitir que a sanção aplicada a uma empresa contratada pelo Poder Público constitui manifestação do poder de polícia [administrativa] importa em permitir que o Estado possa invadir a liberdade dos particulares por meio de contrato, o que viola um dos pressupostos constitucionais para o exercício da atividade de polícia administrativa: a existência de lei específica (Idem, p. 666).

Assim delineado o conceito poder de polícia administrativa, é possível atribuir-lhe, ao lado das características gerais da discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, estas outras características específicas: a) quanto à natureza jurídica: poder administrativo de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado; b) quanto ao objeto: esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade de particulares; c) quanto à finalidade: condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado; d) quanto à extensão: proteger a moral e os bons costumes, preservar a saúde pública, controlar publicações, assegurar construções e transportes etc.; e e) quanto aos limites: extrapola as atividades internas da Administração Pública, a fim de ordenar atividades privadas.

Das características apontadas, os poderes disciplinar, de polícia administrativa e sancionador compartilham das gerais, mas não de todas as específicas. Assim, é possível concluir que o que esses poderes administrativos têm em comum, em razão das características da discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, quanto ao objeto e aos limites, é o fato de constituírem fundamento para a aplicação de sanções administrativas, cada um em sua esfera específica.

Dito isso, cumpre fazer referência à terminologia empregada para designar o chamado poder sancionador.

A rigor, essa não é uma expressão precisa, haja vista que tanto o poder disciplinar quanto o poder de polícia administrativa, na qualidade de fundamentos jurídicos teóricos de determinadas sanções administrativas, podem ser designados, em certa medida, como poderes sancionadores[37]. Ocorre, todavia, que aqueles dois poderes não possuem apenas esse aspecto, o que é o caso do chamado poder sancionador. Nesse sentido, não é de todo injustificável designar este como o poder sancionador por excelência, uma vez que fundamentar a aplicação de sanções é seu único aspecto; por outro lado, mais que justificável é designar aqueles por meio das expressões que a doutrina consagrou e que refletem seus respectivos aspectos principais.

Outro sentido possível é utilizar a expressão poder sancionador para designar o aspecto dos poderes administrativos que tem a ver, diretamente, com a técnica de ordenação sancionatória, cabendo falar, então, num poder sancionador disciplinar, de polícia administrativa, contratual etc. Assim sendo, o que aqui se chama de poder sancionador não seria um poder administrativo autônomo, mas um atributo dos diversos poderes administrativos, como o é a discricionariedade. Em consequência, abre-se um espaço conceitual, a meio termo entre o poder disciplinar e o poder de polícia administrativa, que se refere à prerrogativa da Administração Pública de estabelecer as chamadas cláusulas exorbitantes contratuais, entre as quais se inclui a possibilidade de aplicar sanções administrativas contratuais. Para guardar simetria com aqueles dois poderes administrativos, de admitir a existência de um terceiro, a refletir a posição que a Administração Pública assume nos contratos administrativos, inclusive quanto à aplicação de sanções administrativas contratuais. Não sendo objetivo deste trabalho explorar todos os aspectos desse terceiro poder administrativo, não se faz necessário dar-lhe um nome; cabe dizer apenas que, como demonstrado, um de seus atributos é o chamado poder sancionador. 

Voltando a tratar do fundamento jurídico teórico das sanções administrativas contratuais, a seguir serão analisadas as características específicas do poder sancionador contratual, ou, mais precisamente, como se viu acima, do atributo do poder administrativo, exercido pela Administração Pública em sede de contratos administrativos, que fundamenta a aplicação de sanções ao particular contratado.

1.3. Características específicas    

Além das características[38] da imperatividade, auto-executoriedade e coercibilidade, e de realizar-se mediante atividade em parte discricionária, em parte vinculada[39], que partilha com os poderes disciplinar e de polícia administrativa, o poder sancionador contratual possui duas características específicas, a saber: manifesta-se em cláusula exorbitante específica, necessária em todo contrato administrativo, em consequência de inexecução contratual, parcial ou total, culposa ou não.

1.3.1. Cláusula exorbitante    

O termo exorbitante, empregado no sentido de sair da órbita, isto é, sair de determinada esfera, área ou limite de ação[40], aqui significa que dada situação de fato, ocorrida no curso da relação negocial e/ou contratual entre Administração Pública contratante e particular contratado, sai da órbita do Direito Privado e entra na órbita do Direito Público. Nesse regime jurídico, a Administração Pública, ainda que ontologicamente semelhante a qualquer particular, goza da prerrogativa de impor a sua vontade, com fundamento numa razão axiológica, que vem a ser o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado[41].

Esse princípio, segundo Furtado, “faz com que as partes do contrato administrativo (Administração contratante e particular contratado) não sejam colocadas em situações de igualdade” (FURTADO, 2007b, p. 357). Por esse motivo, lembra ele, “são conferidas à Administração Pública prerrogativas que lhe [sic, a] colocam em patamar diferenciado, de superioridade em face do particular que com ela contrata”[42] (FURTADO, 2007a, p. 438). Lembra também que essa supremacia é materializada por meio das “cláusulas exorbitantes”, assim chamadas porque “extrapolam as regras de Direito Privado e conferem poderes exorbitantes à Administração contratante em face do particular contratado”[43] (Idem, ibidem).

Uma das cláusulas exorbitantes, previstas no art. 58, IV, da Lei 8.666/1993[44], refere-se à possibilidade de a Administração Pública aplicar sanções ao particular contratado sem necessidade de intervenção judicial.

A propósito, convém citar as seguintes palavras de Roberto Ribeiro Bazilli:

Nos contratos sujeitos ao Direito Comum [leia-se: Privado], as sanções estipuladas podem ser cumpridas espontaneamente ou exigidas através do Poder Judiciário. Uma parte, contudo, não tem condições de exigir diretamente da outra o cumprimento de penalidade contratualmente estipulada. Nos contratos administrativos, porém, a Administração tem a faculdade [sic, dever, competência] de aplicar diretamente à parte contrária – o contratado – as sanções legais e/ou contratualmente previstas. É uma situação de privilégio reconhecida à Administração na relação contratual[45] (BAZILLI, 1996, p. 28).

As sanções administrativas contratuais, além de constituírem cláusula exorbitante, são consideradas cláusulas necessárias nos contratos administrativos, como lembra Bazilli (1996, p. 60 e 61). Com efeito, é o que dispõe o art. 55, VII, in fine, da Lei 8.666/1993[46].

A propósito, Furtado observa que a instituição das sanções é feita pela lei, enquanto a tipificação das condutas consideradas anticontratuais deve ser feita nos instrumentos convocatório e contratual[47] (FURTADO, 2007a, p. 450).    

Pelo exposto, é possível resumir essa característica do poder administrativo sancionador contratual no seguinte enunciado: a Administração Pública tem o poder de estabelecer, em instrumentos convocatórios e contratuais, cláusula em que constem penalidades aplicáveis ao particular contratado, a fim de coibir ou repreender o comportamento anticontratual por parte deste, expresso em condutas que representem a inexecução de suas obrigações no curso da contratação.

1.3.2. Consequência de inexecução contratual    

Nas palavras de Diógenes Gasparini, inexecução contratual “é o descumprimento, parcial ou total, do contrato, com ou sem culpa da parte inadimplente”[48] (GASPARINI, 2002, p. 576). Observa ele que, em sede de contratos administrativos, ambos os contratantes, ou seja, tanto o particular como a Administração Pública, podem incorrer no descumprimento, e tornar-se inadimplentes, a teor do disposto no art. 66 da Lei 8.666/1993[49].

Classificando-o em espécies, Gasparini diz que o inadimplemento contratual pode ser: a) parcial, quando ocorre o “descumprimento de uma parte do contrato”, isto é, “uma das partes, a Administração Pública, por exemplo, não observa o prazo estabelecido numa certa cláusula”; b) total, quando ocorre o “descumprimento integral do ajuste”, por exemplo, “o contratado não executa o objeto do contrato”; c) com culpa, “quando o descumprimento do avençado decorre do comportamento da parte, matizado por negligência, imprudência ou imperícia”; e d) sem culpa, “quando o descumprimento do ajuste advém de comportamento alheio à vontade da parte”, como, por exemplo, a força maior, o caso fortuito e o fato do príncipe[50] (GASPARINI, 2002, p. 576).

Ainda segundo Gasparini,

Pode a inexecução do contrato administrativo propiciar a rescisão do ajuste e consequências de natureza civil, administrativa e contratual para o inadimplente se este for o particular. A Administração Pública, quando descumpre o contrato, por certo, também pode sofrer consequências, mas não com essa mesma amplitude, pois escapa às sanções de natureza administrativa. Sobremais, a penalização da Administração Pública só é permitida em juízo, e, ainda assim, se a hipótese estiver prevista em lei, edital ou contrato. O particular que contrata com a Administração Pública não tem como submetê-la ao regime de sanções [administrativas][51] (GASPARINI, 2002, p. 577).

     Meirelles assim sintetiza o tema responsabilidade civil[52]:

A responsabilidade civil tem como fundamento normal a culpa em sentido amplo, abrangendo a culpa propriamente dita e o dolo; mas há casos de responsabilidade sem culpa, a que se denomina responsabilidade objetiva, por resultar, objetivamente, da só ocorrência do ato lesivo, independentemente de culpa do agente, como, por exemplo, nos danos de obra pública a vizinhos e terceiros (MEIRELLES, 1999, p. 228).

Em sede de contratos administrativos, no tocante à responsabilidade civil do particular contratado, que é de caráter subjetivo, cabe perfeitamente isto que diz Gasparini: “demonstrados o prejuízo e a culpa, deve o inadimplente [leia-se: o particular contratado] indenizar cabalmente a parte ofendida [isto é, a Administração Pública]”[53] (GASPARINI, 2002, p. 578). Já a responsabilidade civil do Estado[54] é de caráter objetivo, no sentido definido por Meirelles, e a teor do disposto no art. 37, § 6º, da CF[55].    

Quanto à responsabilidade administrativa, como diz Meirelles, para o particular contratado, “surge normalmente perante os órgãos públicos fiscalizadores das atividades contratadas ou do exercício profissional” (MEIRELLES, 1999, p. 229); para a Administração Pública, cabe falar em responsabilização de quem tem o dever de proceder à aplicação das sanções administrativas contratuais, notadamente perante os órgãos externos de “controle administrativo”[56], como diz Bazilli (1996, p. 155).    

Quando a inadimplência decorre de descumprimento, não apenas de uma previsão legal, mas particularmente de cláusula constante de contrato administrativo, fala-se em responsabilidade contratual propriamente dita. Em consequência, a inexecução contratual, parcial ou total, culposa ou não, enseja a aplicação de determinadas sanções administrativas. Tais sanções devem ser devidamente tipificadas no próprio contrato, no sentido de que, para cada hipótese de descumprimento de obrigação contratual corresponda a devida penalidade, de natureza pecuniária ou restritiva de direito.


2. Fundamentos Normativos

Aqui, cumpre analisar o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de identificar os fundamentos normativos da prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares.    

De início, importa afastar da análise considerações a respeito da natureza jurídica e das subespécies dessas sanções, por se tratar de questões cujos pormenores ensejam trabalhos específicos.    

Assim, pois, resta identificar quais são os instrumentos normativos pertinentes, bem como definir os termos de sua eficácia jurídica.

2.1. Instrumentos normativos

Na CF, não há dispositivo que trate especificamente do tema objeto de estudo deste trabalho. A previsão normativa mais próxima diz respeito à obrigatoriedade de as contratações de obras, serviços, compras e alienações, pela Administração Pública, serem precedidas, em regra, por licitações públicas. Trata-se do inciso XXI do art. 37[57].

Um nível abaixo na pirâmide normativa, a Lei 8.666/1993[58] fundamenta todas as contratações decorrentes das modalidades de licitação que estabelece[59], e também as contratações decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios[60].

Já a Lei 10.520/2002 e o Decreto 5.450/2005[61] são instrumentos normativos que estabelecem o procedimento para a realização da específica modalidade de licitação que é o pregão, a primeira, e na forma eletrônica, o segundo. Todavia, enquanto a Lei 10.520/2002 fundamenta as contratações do que considera bens e serviços comuns[62] no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios[63], o Decreto 5.450/2005 o faz apenas no âmbito da União[64].

Desse modo, demonstra-se que existe um vínculo formal entre as subespécies de sanção administrativa contratual e as diversas modalidades de licitação. Assim sendo, na definição do instrumento normativo aplicável ao caso concreto, necessário perquirir qual a sanção cabível dentre as previstas para a modalidade de licitação de que decorre a contratação.   

2.2. Eficácia jurídica

Diante desse quadro, cumpre definir qual a abrangência dada pela legislação brasileira à eficácia do poder administrativo que fundamenta a aplicação das sanções administrativas contratuais.

Inicialmente, cabe referência à força normativa dos fundamentos desse poder administrativo específico. Como visto, a prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares decorre de imposição constitucional e infraconstitucional, e vigora desde o processo de licitação até à execução do contrato administrativo. Com efeito, ao impor observância aos princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, e condicionar as contratações, em regra, à prévia realização de licitações, a CF estabelece que os particulares, ao negociarem com a Administração Pública, participando de licitações e firmando contratos administrativos, submetem-se a condições especiais, inexistentes nos negócios jurídicos estipulados por dois particulares. É dizer, pois, que, no universo dos contratos administrativos, os particulares estão sujeitos à aplicação de determinadas sanções por força de lei, da moral e da eficiência administrativas, e conforme especificado nos instrumentos normativo (lei, decreto etc.), licitatório (edital, termo de referência, projeto básico ou equivalente) e contratual próprios.

Avançando na análise, convém lembrar quais são os limites das normas que fundamentam o poder administrativo em questão. Do ponto de vista temporal, tais limites remontam à edição dos instrumentos normativos pertinentes, isto é: da Lei 8.666/1993, no tocante às contratações decorrentes das modalidades de licitação concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, e também às contratações decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação; do Decreto 3.555/2000[65] e da Lei 10.520/2002, relativamente às contratações decorrentes da modalidade de licitação pregão; do Decreto 5.450/2005, referente às contratações decorrentes de pregão na forma eletrônica; e, a cada ocasião, dos editais, termos de referência, projetos básicos ou equivalentes. Quanto ao aspecto territorial, os limites normativos desse poder administrativo coincidem com os âmbitos de abrangência dos respectivos instrumentos normativos: é nacional, quando fundamentado pela Lei 8.666/1993 ou pela Lei 10.520/2002; federal, quando o é pelo Decreto 3.555/2000 ou pelo Decreto 5.450/2005, ou por instrumento convocatório de entidade ou órgão da União, dentro dos limites territoriais de sua competência, e conforme nele definido; estadual, distrital ou municipal, quando existir legislação própria e de acordo com o instrumento convocatório da respectiva entidade ou órgão estadual, distrital ou municipal.

Observação importante a fazer diz respeito ao âmbito subjetivo dessas normas. Quanto à extensão, por fundamentar negócios jurídicos, tem abrangência inter partes: Administração Pública (entidade ou órgão de per se) e particular (empresa ou profissional). No que se refere à legitimidade, são titulares da relação, de um lado, a autoridade máxima da entidade ou órgão, não na qualidade de seu representante, mas na de presentante da Administração Pública como um todo; do outro lado, a empresa[66] ou o profissional.

Neste passo, oportuno fazer referência aos possíveis efeitos jurídicos dos instrumentos normativos mencionados. São proibitivos, na medida em que tais instrumentos, a título de hipótese normativa, proíbem certos comportamentos dos particulares contratados, e, como consequência jurídica, preveem a aplicação de penalidades pela Administração Pública. São, também, não-retroativos, uma vez que incidem apenas sobre a relação negocial, desde o início da licitação até a execução do contrato administrativo. São, ainda, parciais, quando se restringirem ao âmbito de incidência estadual, distrital ou municipal, ou total, quando tiverem abrangência nacional. São, por fim, concretos, ou inter partes, visto que se impõem em face de indivíduos determinados, e não podem incidir sobre situações subjetivas que extrapolem a relação existente entre eles; e constitutivos, uma vez que estabelecem uma nova relação jurídica, na qual o particular contratado figura como devedor de uma obrigação de dar (pagar determinado valor a título de multa) e/ou resta obrigado a não-fazer (não participar de licitações e não celebrar contratos administrativos, por exemplo), enquanto a Administração Pública figura como credor (do valor da multa) e/ou fica autorizada a não permitir (a participação em licitações e a celebração de contratos administrativos).


Considerações Finais

Ao final deste trabalho, em que se procurou verificar evidências acerca do fundamento jurídico das sanções administrativas contratuais, conclui-se o seguinte:

  1. O poder sancionador assemelha-se tanto ao poder disciplinar, quanto ao poder de polícia administrativa, mas a eles não se confunde, e sim constitui um tertium genus.
  2. Os poderes disciplinar, de polícia administrativa e sancionador compartilham as características gerais, porém algumas características são específicas, isto é, esses poderes administrativos têm em comum as características da discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, quanto ao objeto e aos limites; no entanto, cada um em sua esfera específica.
  3. Tanto o poder disciplinar quanto o poder de polícia administrativa, na qualidade de fundamentos jurídicos teóricos de determinadas sanções administrativas, podem ser designados, em certa medida, como poderes sancionadores; como os dois primeiros não possuem apenas esse aspecto, e o último sim, justifica-se denominar a este de poder sancionador por excelência, uma vez que fundamentar a aplicação de sanções é seu único aspecto.
  4. É possível utilizar a expressão poder sancionador para designar o aspecto dos poderes administrativos que tem a ver, diretamente, com a técnica de ordenação sancionatória, cabendo falar, então, num poder sancionador disciplinar, de polícia administrativa, contratual etc., de modo que o que aqui se chama de poder sancionador não seria um poder administrativo autônomo, mas um atributo dos diversos poderes administrativos, como o é a discricionariedade.
  5. São duas as características específicas do chamado poder sancionador: manifesta-se em cláusula exorbitante específica, necessária em todo contrato administrativo, e em consequência de inexecução contratual, parcial ou total, culposa ou não; tais características podem ser assim enunciadas: a) a Administração Pública, enquanto contratante, tem o poder de estabelecer, em instrumentos convocatórios e contratuais, cláusula em que constem penalidades aplicáveis ao particular contratado, a fim de coibir ou repreender o comportamento anticontratual por parte deste, expresso em condutas que representem a execução intempestiva, a inexecução parcial ou total de suas obrigações; b) a execução intempestiva ou a inexecução, parcial ou total, culposa ou não, enseja a aplicação de determinadas sanções administrativas, previstas nos arts. 86 a 88 da Lei 8.666/1993, 7º da Lei 10.520/2002 e 28 do Decreto 5.450/2005, as quais devem ser devidamente tipificadas nos instrumentos convocatório e/ou contratual pertinentes, no sentido de que, para cada hipótese de descumprimento de obrigação contratual corresponda a devida penalidade, de natureza pecuniária ou restritiva de direito.
  6. No ordenamento jurídico brasileiro, existe um vínculo formal entre as subespécies de sanção administrativa contratual e as diversas modalidades de licitação, de modo que, na definição do instrumento normativo aplicável ao caso concreto, necessário perquirir qual a sanção cabível dentre as previstas para a modalidade de licitação de que decorre a contratação.
  7. A prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais decorre de imposição constitucional e infraconstitucional, e vigora desde o processo de licitação até a execução do contrato administrativo, o que significa que os particulares contratados estão sujeitos à aplicação de determinadas sanções por força de lei, da moral e da eficiência administrativas, e conforme especificado nos instrumentos normativo (lei, decreto etc.), licitatório (edital, termo de referência, projeto básico ou equivalente) e contratual próprios.
  8. A eficácia jurídica dos instrumentos normativos que fundamentam a prerrogativa da Administração Pública de aplicar sanções administrativas contratuais a particulares contratados pode ser assim definida: a) quanto ao limite temporal, remonta à edição (publicação); b) quanto ao limite territorial, pode ser nacional (Leis 8.666/1993 e 10.520/2002), federal (Decretos 3.555/2000 e 5.450/2005 e instrumento convocatório de entidade ou órgão da União, dentro dos limites territoriais de sua competência, e conforme nele definido), estadual, distrital ou municipal (quando existir legislação própria e de acordo com o instrumento convocatório da respectiva entidade ou órgão estadual, distrital ou municipal); c) quanto à extensão subjetiva, tem abrangência inter partes: Administração Pública (entidade ou órgão de per se) e particular (empresa ou profissional); d) quanto à legitimidade, estabelece a relação entre a autoridade máxima da entidade ou órgão, na qualidade de presentante da Administração Pública como um todo, e a empresa ou o profissional; e e) quanto aos efeitos jurídicos, podem ser: e.1) proibitivos, por proibirem certos comportamentos, e, consequentemente, preverem a aplicação de penalidades; e.2) não-retroativos, pois incidem apenas sobre a relação negocial; e.3) parciais, quando se restringirem ao âmbito de incidência federal (apenas), estadual, distrital ou municipal, ou e.4) total, quando tiverem abrangência nacional; e.5) concretos, ou inter partes, porque se impõem em face de indivíduos determinados, e não podem incidir sobre situações subjetivas que extrapolem a relação existente entre eles; e e.6) constitutivos, por estabelecerem uma nova relação jurídica, na qual o particular contratado figura como devedor de uma obrigação de dar (pagar determinado valor a título de multa) e/ou resta obrigado a não-fazer (não participar de licitações e não celebrar contratos administrativos, por exemplo), enquanto a Administração Pública figura como credor (do valor da multa) e/ou fica autorizada a não permitir (a participação em licitações e a celebração de contratos administrativos).

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NOTAS

[1] Vale-se dessa hipótese de trabalho, conforme à exposição de Daniel Nicory do Prado, como “orientadora da investigação”, “proposta pelo investigador para a solução do problema”, tendo como “fonte” tanto as teorias científicas disponíveis, como o resultado de pesquisas anteriores (PRADO, 2008a, p. 1045-1047).

[2] Segundo Miracy Barbosa de Sousa Gustin e Maria Tereza de Fonseca Dias, “A vertente jurídico-teórica, conforme Witker (1985), acentua os aspectos conceituais, ideológicos e doutrinários de determinado campo que se deseja investigar”; no raciocínio hipotético-dedutivo, que remete ao pensamento de Karl Popper, “se a hipótese não suporta o teste, será refutada (...). Se o contrário ocorre, será ratificada, porém provisoriamente, até que outra posterior possa falsificá-la”; e, finalmente, o tipo de investigação jurídico-compreensivo “utiliza-se do procedimento analítico de decomposição de um problema jurídico em seus diversos aspectos, relações e níveis” (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 22, 24 e 29).

[3] É o que afirma Regis Fernandes de Oliveira, quando cita Miguel Montoro Puerto: “‘o fato de que mediante aquela [sanção decorrente do poder de polícia administrativa] se tenta reprimir as infrações devidas a descumprimento de deveres genéricos dos cidadãos e mediante esta [sanção decorrente do poder disciplinar] as de caráter específico nascidas de uma relação especial de sujeição não é obstáculo para estimar que em ambos os casos a Administração atua por idênticas razões e o fundamento do poder em virtude do qual impõe sanções é o mesmo’” (OLIVEIRA, 2005, p. 40). Cumpre fazer referência às importantes obras “Sanções Administrativas, 1. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2001” e “Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, 1. ed. Belo Horizonte, Fórum, 2009”, do Prof. Dr. Daniel Ferreira, as quais gozam de relevante acolhida na comunidade jurídica, todavia não foram utilizadas neste trabalho somente porque este estudioso, não obstante inúmeras tentativas, não logrou obter acesso a exemplares e ao seu conteúdo.

[4] Assim entende, por exemplo, Daniele Chamma Candido, ao expressar a seguinte observação: “focaremos nosso estudo nas sanções disciplinares por entendermos que esta é a natureza das sanções aplicáveis àqueles que celebram contrato administrativo” (CANDIDO, 2009, f. 75).  No mesmo sentido, Célio Rodrigues da Cruz: “Nas situações de regulação da iniciativa privada, a Administração Pública, no exercício da supremacia geral, aplica sanções administrativas de polícia, com a finalidade de assegurar o interesse geral da coletividade. Já na hipótese de regulação do setor público, no exercício da supremacia especial, a Administração aplica sanções disciplinares, com o objetivo de garantir a normalidade e eficiência dos serviços públicos” (CRUZ, 2010, p. 1).

[5] Prado lembra que “[Karl] Popper se propõe a arriscada tarefa de mensurar a maior ou menor aproximação da verdade, entre várias teorias rivais, a partir da correlação entre “verdade” e “conteúdo”. Para tanto, estabelece seis critérios: 1) uma teoria deve fazer afirmações mais precisas que a teoria antecedente, e tais afirmações mais precisas devem resistir a testes mais precisos; 2) deve levar em conta, e explicar, mais fatos do que a teoria antecedente; 3) deve descrever, ou explicar, os fatos mais detalhadamente; 4) deve resistir a testes perante os quais a teoria antecedente sucumbiu; 5) deve sugerir novos testes, não considerados antes de sua formulação (e talvez nem sequer aplicáveis à teoria antecedente); 6) deve unificar ou conectar problemas antes não relacionados” (PRADO, 2008b, p. 3132). Afinal, conclui que “Uma hipótese mais precisa, por dizer mais sobre uma realidade (...), está sujeita a um número maior e mais complexo de testes, e pode ser discutida de forma mais aprofundada e contundente pela comunidade científica; Por tudo isso, uma hipótese mais precisa é mais relevante cientificamente, pois, se for refutada, indicará novos caminhos para os pesquisadores e, com os testes que só puderam ser sugeridos após sua formulação, indicará até mesmo novos problemas; por outro lado, se sobreviver aos testes propostos, poderá ser aceita com mais segurança do que uma hipótese vaga ou genérica” (Idem, p. 3140 e 3141).

[6] Referindo-se nesses termos, Tercio Sampaio Ferraz Jr. lembra o seguinte: “o objeto de estudo do jurista é, por assim dizer, um resultado que só existe e se realiza numa prática interpretativa”; “suas definições teóricas superam-se à medida que deixam de ser guia para a ação”; a Ciência do Direito “não apenas informa, mas também conforma o fenômeno que estuda, faz parte dele”; assim, a atividade científica no âmbito do Direito está sempre “às voltas com perguntas e respostas, problemas que pedem soluções, soluções já dadas que se aplicam à elucidação de problemas”; acentuando o aspecto pergunta, tem-se o enfoque zetético, em que “os conceitos básicos, as premissas, os princípios ficam abertos à dúvida”, pois são evidências a ser verificadas, isto é, comprovadas ou refutadas; já acentuando o aspecto resposta, tem-se o enfoque dogmático, em que “determinados elementos são, de antemão, subtraídos à dúvida”, “são postos fora de questionamento, mantidos como soluções não atacáveis, eles são, pelo menos temporariamente, assumidos como insubstituíveis, como postos de modo absoluto”, pois são estabelecidos, arbitrariamente, como dogmas (FERRAZ JR., 2003, p. 39-43).

[7] Em aparente contradição, Candido afirma que “o regime jurídico não é uniforme dentre as diversas manifestações da competência administrativa sancionatória, ele possui variações. Isso porque há diversas espécies de sanções administrativas que, mesmo que derivem do mesmo gênero, possuem diferentes fundamentos jurídicos, o que as diferencia entre si” (CANDIDO, 2009, f. 75).

[8] Candido observa que os servidores e contratados mantêm com a Administração Pública uma relação de colaboração, ou, mais precisamente, uma “relação de sujeição especial”, donde ela conclui que, “uma vez admitido que contrato administrativo é uma hipótese de relação de sujeição especial, forçoso reconhecer que as sanções aplicáveis aos particulares que dele participam são sanções disciplinares, decorrentes do chamado poder disciplinar da Administração” (CANDIDO, 2009, f. 77 e 78).

[9] Conforme relata Fernanda Pessôa Cerveira, posteriormente à distinção do ilícito em penal e administrativo, a doutrina procurou fundamentar a resposta ao ilícito administrativo no poder de polícia, ora como instrumento conferido a autoridades administrativas e não jurisdicionais, ora como consequência ao descumprimento das restrições e limitações administrativas (CERVEIRA, 2005, f. 22-40). Aprofundando a discussão, Eduardo Rocha Dias entende que “As razões hábeis a justificar a existência” do que chama de “competência punitiva da Administração Pública” são as seguintes: “a) maior flexibilidade, celeridade e agilidade do sancionamento administrativo, se comparado com o maior formalismo e a maior demora do sancionamento jurídico-penal, o que pode propiciar maior eficácia à sanção, do que se a mesma fosse aplicável [sic, aplicada] pelo Juiz; b) a necessidade de conhecimentos técnicos para efetuar a apuração das infrações, conhecimentos esses que nem sempre são partilhados pelo Judiciário, mas que são inerentes à atuação da autoridade administrativa que aplica a sanção, e que pode, por isso mesmo, apreender e avaliar melhor os fatos puníveis; c) insuficiência do número de juízes, o que torna irrealizável o desígnio de concentrar no Poder Judiciário toda a atividade punitiva do Estado” (DIAS, 1997, p. 23 e 24). A propósito, Dias indaga “se o Estado-administração, ao aplicar uma sanção administrativa, e o Estado-jurisdição, ao aplicar uma pena, estariam exercendo a mesma função”, e conclui que “O exercício de competência punitiva pela Administração (...) é atividade administrativa”, que “a natureza administrativa de tal sancionamento impõe considerações específicas” e que “A natureza da função exercida serve, ainda, para identificar os princípios jurídicos aplicáveis” (Idem, p. 26-28).

[10] De certo modo, é o que afirma Cerveira, ao definir o conceito poder sancionador, dele excluindo referências às “infrações disciplinares, denominadas por alguns autores de ilícito administrativo puro”, e dizendo que “as sanções administrativas não podem ser consideradas unicamente como instrumentos do poder de polícia”, pois “não é menos certo que existe atividade administrativa sancionadora em outros âmbitos da atividade administrativa” (CERVEIRA, 2005, f. 11 e 28). Registre-se que Cerveira exclui de sua análise “as sanções provenientes do descumprimento de normas contratuais”, por entender que estão “submetidas a um regime administrativo específico” (Idem, f. 11 e 12), o que de fato é verdade, e o que não infirma considerar como seu fundamento jurídico o poder sancionador.

[11] Como lembra Cerveira, “onde há normas impositivas de ordens ou de habilitação da Administração Pública a emanar essas ordens, há também uma correspondente sanção para o caso do seu descumprimento, que pode estar nessa mesma norma ordenadora, ou em outra que tipifique a infração administrativa” (CERVEIRA, 2005, f. 34). De concluir, com base nessa afirmação, que as chamadas normas ordenadoras manifestam, dentre outros, os poderes disciplinar e de polícia administrativa, enquanto as sanções, como parte dessas normas ou como normas autônomas, manifestam o poder sancionador. Isso quer dizer, grosso modo, que há uma dose de poder sancionador nos poderes disciplinar e de polícia administrativa, assim como uma dose destes naquele.

[12] Segundo Hans Kelsen, o termo Estado é tomado em várias acepções, o que dificulta sua definição enquanto conceito, seja em sentido sociológico, seja em sentido jurídico, “como personificação da ordem jurídica nacional”, “como ordem e como comunidade constituída pela ordem”, “como unidade (corpo) social constituída por interação”, “como unidade (corpo) social constituída por vontade ou interesse comum”, “como organismo” ou “como organização” (KELSEN, 2005, p. 261-271).

[13] Nas palavras de Kelsen, “O Estado é uma organização política por ser uma ordem que regula o uso da força, porque ela monopoliza o uso da força (...) é uma sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e essa ordem coercitiva é o Direito (...) é uma organização política pelo fato de ter, ou ser, ‘poder’ (...) O poder, num sentido social ou político, implica autoridade e uma relação de superior para inferior” (KELSEN, 2005, p. 273 e 274).

[14] A propósito, Ferraz Jr. observa que “A homogeneidade da esfera pública só pode ser garantida, então, como um conjunto – a sociedade – que se opõe a outro conjunto de um só elemento – o indivíduo – que caracterizará a esfera privada. Como, porém, a esfera privada também é social, a diferença entre ambas exigirá um elemento caracterizador novo, capaz de conformar o que é público e o que é privado. Esse elemento novo é um artifício, um ente artificial, como os produtos do trabalho, do fazer humano: o Estado. Nesse sentido, Hobbes nos irá falar do Estado-Leviatã, como um corpo artificial que encarna o social e possibilita a convivência dos indivíduos. Juridicamente, o Estado, um verdadeiro organismo (burocrático) de funções, um ente abstrato, produto do agir político transformado em fazer, guarda perante os indivíduos uma relação de comando supremo: soberania. O Direito, explicado pela soberania, torna-se comando, relação de autoridade no sentido de poder” (FERRAZ JR., 2003, p. 135).

[15] A respeito da ideia de Estado como sujeito de direitos e deveres ou como sujeito de competências, ver Kelsen (2005, p. 289-295). Ainda Kelsen lembra que o que se chamam Poderes estatais são, em verdade, funções estatais, não três (criação, execução e aplicação da lei), mas duas (criação e execução da lei), isso porque ele entende que a função primordial dos chamados Poder Executivo e Poder Judiciário é uma só, a de executar a lei (legis executio), seja pelos órgãos administrativos, seja pelos tribunais, e diferente apenas da que cabe primordialmente ao chamado Poder Legislativo, a de criar a lei (legis latio) (Idem, p. 364-369). Kelsen ainda adverte que, a rigor, não se deve falar em separação dos Poderes, mas em distribuição de funções entre os chamados Poderes estatais (Idem, p. 390-399). Dias lembra-se de Fernando Garrido Falla ao dizer que no Estado Absolutista “havia uma concentração de funções na pessoa do monarca” e que “O princípio da tripartição das funções estatais (legislação, jurisdição e administração) predicou a conveniência de que referidas funções fossem exercidas por órgãos distintos, de forma a permitir uma limitação do poder, evitando-se abusos” (DIAS, 1997, p. 23).

[16] A respeito da ideia de personificação por meio da organização do Estado, ver Kelsen (2005, p. 277-283). Cabe lembrar aqui que, no Brasil, o art. 6º, XI e XII, da Lei 8.666/1993, define o significado da expressão Administração Pública e do termo Administração, in verbis: “XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas; XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente” (BRASIL, 1993). Ao se falar em Administração Pública há de se ter em mente o exercício da função administrativa, notadamente no que concerne ao objeto de estudo do presente trabalho, não apenas pelas diversas entidades e órgãos do Poder Executivo, mas também pelas entidades e órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, enquanto entidades e órgãos administrativos, ou seja, entidades e órgãos que podem estipular relações jurídicas com particulares por meio de contratos administrativos, e com base nestes aplicar-lhes sanções administrativas contratuais.

[17] Nas palavras de Heraldo Garcia Vitta, “Para o exercício da função administrativa, o ordenamento jurídico atribui determinada potestade ou poder ao agente público. A atividade administrativa é a expressão dessa potestade, a fim de obter a cura do interesse público” (VITTA, 2003, p. 63). Como diz Oliveira, “O Estado investe-se de poderes jurídicos (possibilidade jurídica de interferência na esfera de terceiros) sobre tudo e sobre todos, criando normas e impondo seu cumprimento” (OLIVEIRA, 2005, p. 38). Já segundo Lucas Rocha Furtado, o Estado “não constitui um fim em si. Ele é tão-somente meio ou instrumento para a satisfação dos interesses e necessidades da sociedade”; para tanto, diz, “o ordenamento jurídico confere aos órgãos e entidades responsáveis pela função executiva do Estado uma série de prerrogativas ou potestades públicas”; e lembra que “A visão tradicional do Direito Administrativo atribui o exercício das prerrogativas estatais ao interesse público, especialmente ao denominado princípio da ‘supremacia do interesse público’”; nesse sentido, diz, é que a doutrina administrativista, em sua maioria, afirma que o interesse público “legitima o exercício das prerrogativas do Estado, e quando esses interesses entram em conflito com os interesses individuais, eles devem prevalecer sobre esses últimos”; ele, por sua vez, entende que “É no ordenamento jurídico, considerado em sua perspectiva axiológica, que incorpora os valores constitucionais básicos, especialmente o da dignidade humana, e não apenas na visão formalista ou legalista de ordenamento jurídico, que devem ser identificados o interesse público, as potestades necessárias à satisfação do interesse público e os titulares legitimados ao exercício dessas potestades” (FURTADO, 2007b, p. 623 e 624).

[18] Para Kelsen, a diferença se baseia na criação das normas que fundamentam uma e outra relação, ou, mais precisamente, nos “métodos de criação de normas secundárias por meio das quais podem ser impostas obrigações concretas a um indivíduo”, isto é, por autonomia, quando “o indivíduo a ser obrigado participa” da criação da norma, ou por heteronomia, quando “um indivíduo é obrigado sem a sua vontade ou até mesmo contra ela”, donde “A diferença entre Direito Privado e Direito Público (...) [que] é uma diferença [respectivamente] entre relações jurídicas em que ambas as partes são iguais e relações jurídicas em que uma das partes é inferior à outra” (KELSEN, 2005, p. 294 e 292). Reproduzindo essa ideia, embora com terminologia diferente, a doutrina de Direito Administrativo fundamenta essa diferença na distinção entre regime jurídico privado e público: Maria Sylvia Zanella di Pietro define o segundo como “o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa” (DI PIETRO, 2008, p. 55); segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o regime jurídico administrativo está baseado em dois axiomas, “a supremacia do interesse público sobre o privado” e a “indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos” (MELLO, 2002, p. 41-47). A esse respeito, Candido cita Otto Mayer, que fala da supremacia da Administração Pública sobre o particular, e da correspondente sujeição do particular em face da Administração, no sentido de “vínculo entre duas pessoas desiguais sob o ponto de vista jurídico, cujo conteúdo é determinado pela vontade da pessoa superior” (CANDIDO, 2009, p. 13).

[19] Abordando a questão com referência às chamadas autoridades, administradores ou agentes públicos, Hely Lopes Meirelles lembra que os “gestores da coisa pública, investidos de competência decisória, passam a ser autoridades, com poderes e deveres específicos do cargo ou da função e, consequentemente, com responsabilidades próprias de suas atribuições” (MEIRELLES, 2007, p. 104). Já José dos Santos Carvalho Filho afirma que, se por um lado o ordenamento jurídico confere aos agentes públicos “certas prerrogativas peculiares a sua qualificação de prepostos do Estado, prerrogativas estas indispensáveis à consecução dos fins públicos”, chamadas de poderes administrativos, por outro lado impõe “deveres específicos para aqueles que, atuando em nome do Poder Público, executam as atividades administrativas, que são os chamados deveres administrativos” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 37).

[20] A propósito, Di Pietro alerta que, “Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao Poder Público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis” (DI PIETRO, 2008, p. 77). Já Carvalho Filho salienta que, enquanto no âmbito do Direito Privado o poder é uma “mera faculdade de agir”, no âmbito do Direito Público “Os poderes administrativos são outorgados aos agentes do Poder Público para lhes permitir atuação voltada aos interesses da coletividade”, de modo que são irrenunciáveis e devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares; e conclui: “as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o administrador público, impõem-lhe o seu exercício e lhe vedam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes”, razão pela qual “Esse aspecto dúplice do poder administrativo é que se denomina de poder-dever de agir”; diz, ainda, que, na medida em que ao agente público “incumbe conduta comissiva, a omissão (conduta omissiva) haverá de configurar-se como ilegal”; ressalta, entretanto, que “nem toda omissão administrativa se qualifica como ilegal”, como é o caso das chamadas “omissões genéricas, em relação às quais cabe ao administrador avaliar a oportunidade própria para adotar as providências positivas”, tal como descrito pela teoria da reserva do possível; diferentemente ocorre com as chamadas omissões específicas, “aquelas que estiverem ocorrendo mesmo diante de expressa imposição legal no sentido do facere administrativo em prazo determinado, ou ainda quando, mesmo sem prazo fixado, a Administração permanece omissa em período superior ao aceitável dentro de padrões normais de tolerância ou razoabilidade” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 38 e 39). Nas palavras de Furtado, “as prerrogativas públicas não estão à disposição dos administradores para serem utilizadas conforme juízo de conveniência; as prerrogativas públicas devem ser utilizadas para a realização do fim público que justificou a outorga da competência administrativa”; conclui dizendo não ser possível “separar o exercício das prerrogativas públicas das obrigações impostas aos administradores para o efetivo exercício dessas prerrogativas. Todo poder administrativo pressupõe, portanto, a existência do respectivo dever administrativo”; citando Meirelles, diz que o dever de agir é o “dever básico imposto pelo ordenamento jurídico aos administradores públicos”, e afirma que, “Se o administrador possui competência para praticar determinado ato, e se a situação a ele apresentada reclama a adoção de determinada providência, ele incorrerá em ilegalidade se não exercer as atribuições que lhe foram conferidas pela ordem jurídica” (FURTADO, 2007b, p. 625).

[21] Também Vitta, baseado na opinião de Guido Falzone, entende que “o poder implica a ideia de uma função a cumprir, por determinado sujeito; o poder é instrumental para o cumprimento do dever”; que “a ideia de potestade ou poder resulta de dois elementos, o dever e o poder, sendo este instrumental para o cumprimento daquele” (VITTA, 2003, p. 63 e 64).

[22] A respeito da definição do conceito de cada um desses poderes administrativos, ver, por todos, Di Pietro (2008) e Furtado (2007b); especificamente quanto aos poderes disciplinar e de polícia administrativa, ver o item 1.2 abaixo. Já a respeito da ideia de que existe um interesse público primário e um interesse público secundário, Mello lembra “a distinção corrente na doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários – que são os interesses da coletividade como um todo – e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade” (MELLO, 2002, p. 44); e também Furtado, quando afirma que a doutrina brasileira, em sua maioria, “segue os ensinamentos do administrativista italiano Giuffrè, para quem o interesse público se divide em dois: 1. interesse público primário, que corresponde ao estrito cumprimento da lei; e 2. interesse público secundário, entendido como a necessidade de a Administração obter vantagens para si” (FURTADO, 2007b, p. 85).

[23] Para Kelsen, por exemplo, são categorias do que chama “estática jurídica”: a sanção, o delito, o dever jurídico, a responsabilidade jurídica, o direito jurídico, a competência (capacidade jurídica), a imputação (imputabilidade) e a pessoa (KELSEN, 2005, p. 71-157). Ferraz Jr., por sua vez, apresenta como categorias da “concepção dogmática do Direito”, as grandes dicotomias do “sistema estático das normas”: Direito objetivo e subjetivo, direitos reais e pessoais, sujeito de direito, pessoa física e pessoa jurídica, capacidade e competência, dever e responsabilidade e relações jurídicas (FERRAZ JR., 2003, p. 132-170).

[24] Lúcia Valle Figueiredo entende que no conceito serviço público “agregam-se o critério orgânico – o Estado ou quem esteja no exercício da função administrativa –, o critério material – atividade intitulada como pública – e, também, o do regime jurídico (sob regime prevalecente de Direito Público, caso a atividade possa ser executada por pessoas privadas, quer sejam empresas estatais, quer concessionários, permissionários ou prestadores de serviço público mediante autorização, quando isso for possível)” (FIGUEIREDO, 2004, p. 81). Figueiredo observa que “O critério a perseguir para a disceptação de quais sejam os serviços públicos ou privados somente poderá ser o da competência constitucional e legal”, com o que reforça a ideia de que, ao se falar em dever administrativo, ou melhor, em vínculo obrigacional de caráter legal cometido à Administração Pública, trata-se não do conceito poder administrativo, mas do conceito serviço público (Idem, ibidem).

[25] Candido chega a essa mesma conclusão quando, citando Afonso Rodrigues Queiró, afirma que “as condições de fato previstas na norma administrativa são um todo único, denominado competência”, dado que, sendo tal norma “um comando de agir (...) que possui uma enumeração de condições de fato que condicionam a sua aplicação”, então, “Somente quando verificadas em concreto essas condições (...), é que a Administração pode agir”, de modo que a ideia de competência “corresponde melhor à noção de Estado de Direito e de atuação administrativa sempre pautada na lei” (CANDIDO, 2009, p. 12).

[26] Argumento comum para distinguir poder de polícia e poder disciplinar, incluindo neste o que aqui se chama poder sancionador, é o baseado na distinção existente entre supremacia geral e especial e que se extrai da leitura de Oliveira (2005, p. 37 a 42).

[27] No mesmo sentido, Di Pietro, para quem “Poder disciplinar é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa” (DI PIETRO, 2008, p. 82).

[28] Também Di Pietro entende que “O poder disciplinar é discricionário”, alertando que essa afirmação deve ser entendida “em seus devidos termos”, uma vez que “A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível” (DI PIETRO, 2008, p. 82).

[29] Furtado observa também que, “Em virtude da diversidade de condutas que podem resultar da execução dos inúmeros contratos celebrados pela Administração Pública, seria impossível à lei indicar quais se caracterizam como ilícitas. Se cabe ao contrato indicar os deveres e as proibições impostas às empresas e aos profissionais contratados, cabe igualmente ao contrato estabelecer que a sua infração deva ser punida, apontando igualmente a pena a ser aplicada, dentre aquelas previstas em lei” (FURTADO, 2007b, p. 677).

[30] Segundo Diógenes Gasparini, é a atribuição da Administração de “condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social” (GASPARINI, 2002, p. 118 e 119). Nas palavras de Furtado, é “a atividade [sic] estatal cujo objetivo consiste em restringir ou condicionar a esfera de liberdade ou de direitos dos particulares em razão do bem-estar da sociedade” (FURTADO, 2007b, p. 650). Carvalho Filho cita Marcelo Caetano, para quem poder de polícia “É o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir”; para o próprio Carvalho Filho, é “a prerrogativa de Direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 68). Numa análise mais aprofundada, Di Pietro afirma que poder de polícia “é a atividade [sic] do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”; lembra que o art. 78 do Código Tributário Nacional faz uma definição legal do conceito; diz que, “Tomando-se como pressuposto o princípio da legalidade, que impede à Administração impor obrigações ou proibições senão em virtude de lei, é evidente que, quando se diz que o poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício de direitos individuais, está-se pressupondo que essa limitação está prevista em lei”; diz também que “O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas”, enquanto a Administração Pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas coercitivas)” (DI PIETRO, 2008, p. 104).

[31] Quanto ao fundamento, Gasparini diz que o poder de polícia administrativa “está centrado num vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados”, ou “supremacia geral da Administração Pública em relação aos administrados”, a condicionar a disposição da propriedade e o exercício da liberdade ao bem-estar público ou social (GASPARINI, 2002, p. 119). Já Carvalho Filho diz que “A intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente se justifica ante a finalidade que deve sempre nortear a ação dos administradores públicos, qual seja, o interesse da coletividade” e encontra fundamento na “supremacia geral da Administração Pública” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 74). No tocante às características, Gasparini afirma que todo ato de polícia administrativa é “editado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes”, tem “fundamento num vínculo geral”, de “interesse público e social” e incide “sobre a propriedade e a liberdade” (GASPARINI, 2002, p. 120). São atributos do ato de polícia administrativa, segundo Furtado: “presunção de legitimidade – todos os atos praticados pelo Estado no exercício do poder de polícia são reputados legítimos e, portanto, a eles deve ser dada executoriedade. Somente pode ser negada a execução de ato praticado no exercício do poder de polícia, se houver declaração judicial ou administrativa de ilegitimidade; auto-executoriedade – a execução dos atos de polícia administrativa independe de qualquer manifestação judicial, ressalvadas as hipóteses em que a execução importe em transferência patrimonial do particular para o Estado (cobrança de multa, por exemplo); imperatividade – no exercício do poder de polícia, é legítimo ao Poder Público impor obrigações unilaterais ao particular e, se necessário, usar dos necessários meios de coação para sua execução; exigibilidade – em algumas situações, o particular pode ser obrigado a fazer algo com o propósito de atender a alguma condição imposta pelo poder de polícia. A exigibilidade surge nos atos decorrentes do exercício do poder de polícia de modo acessório, como condição a ser cumprida pelo particular para o exercício de direitos ou de atividade” (FURTADO, 2007b, p. 652).

[32] A respeito da extensão e dos limites do poder de polícia administrativa, Carvalho Filho aduz que “há uma linha, insuscetível de ser ignorada, que reflete a junção entre o poder restritivo da Administração e a intangibilidade dos direitos (liberdade e propriedade, entre outros) assegurados aos indivíduos. Atuar aquém dessa linha demarcatória é renunciar ilegitimamente a poderes públicos; agir além dela representa arbítrio e abuso de poder, porque, a pretexto do exercício do poder de polícia, não se pode aniquilar os mencionados direitos” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 77). Já Di Pietro diz que, “Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto”: “Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público”; “Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, (...) o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida necessária à consecução dos fins estatais”. Por fim, lembra que “Alguns autores indicam regras a serem observadas pela polícia administrativa, com o fim de não eliminar os direitos individuais: 1. a da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; 2. a da proporcionalidade, já referida, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; 3. a da eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público” (DI PIETRO, 2008, p. 109).

[33] Nas palavras de Gasparini, atos discricionários são atos “praticados pela Administração Pública conforme um dos comportamentos que a lei prescreve. Assim, cabe à Administração Pública escolher dito comportamento. Essa escolha se faz por critério de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito. Há conveniência sempre que o ato interessa, convém ou satisfaz ao interesse público. Há oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público. São juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou outro modo” (GASPARINI, 2002, p. 90).

[34] Segundo Gasparini, “A Administração Pública pode promover, por seus próprios meios, humanos e materiais, a submissão do administrado às determinações editadas, para vê-lo conformado à legislação a que deve obediência, sem a necessidade de recorrer a qualquer outro Poder” (GASPARINI, 2002, p. 125). Tal se dá, afirma, porque, se fosse exigida “prévia autorização judicial (...) seria negar o ‘próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem que ser sumário, direto e imediato, sem as delongas e complicações de um processo judiciário prévio’”. Também “não é exigido processo administrativo, nem a concessão do direito de ampla defesa; basta que o ato traga a indicação dos motivos de preponderante interesse público que levaram à sua edição”. Por fim, diz que “a auto-executoriedade só será legítima se não exceder ao indispensável a fazer valer a determinação estatal” (Idem, p. 126). Para Di Pietro, trata-se da “possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário”. Informa que parte da doutrina desdobra essa característica em dois aspectos: a exigibilidade (privilège du préable), que “resulta da possibilidade que tem a Administração de tomar decisões executórias, ou seja, decisões que dispensam a Administração de dirigir-se preliminarmente ao juiz para impor a obrigação ao administrado. A decisão administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância; se este quiser se opor, terá que ir a juízo”, a exemplo da aplicação de uma multa administrativa; e a executoriedade (privilège d’action d’office), que “consiste na faculdade que tem a Administração, quando já tomou a decisão executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se for o caso, da força pública para obrigar o administrado para cumprir a decisão”, a exemplo da apreensão de mercadoria ou da interdição de uma fábrica. Adverte que “Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público” (DI PIETRO, 2008, p. 107). Citando Bandeira de Mello, Carvalho Filho “aponta três hipóteses em que se torna possível a auto-executoriedade: 1ª) quando a lei autoriza; 2ª) quando for urgente a providência administrativa; e 3ª) quando não houver outra via idônea para resguardar o interesse público ameaçado ou ofendido” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 70).

[35] Indissociável da auto-executoriedade, diz Di Pietro, encontra-se a característica da coercibilidade. Em suas palavras, “O ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva”. Di Pietro cita Meirelles, que define a coercibilidade “como ‘a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração’” (DI PIETRO, 2008, p. 108). Segundo Carvalho Filho, diz respeito ao “grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia. A Polícia Administrativa, como é natural, não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperii estatal, há de ser desempenhada de forma a obrigar todos a observarem os seus comandos” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 80).

[36] Segundo Carvalho Filho, “Em sentido amplo, poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais”, a exemplo da função legislativa, uma vez que “apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo” (p. 67 e 68); já “Em sentido estrito, o poder de polícia se configura como atividade administrativa (...), consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 68).

[37] De fato, é o que afirma Oliveira, ao dizer que “o poder sancionador do Estado se desenvolve em diferentes direções”: poder de polícia, quando se trata de relação baseada na supremacia geral, e poder disciplinar, quando a relação é de sujeição especial, caso dos servidores e usuários de serviços públicos (OLIVEIRA, 2005, p. 40 e 41).

[38] Utiliza-se o termo “características” no sentido de “2. Aquilo que caracteriza; distintivo, particularidade” (FERREIRA, 1999).

[39] A propósito, Vitta lembra que “Se o sujeito infringir o mandamento normativo, o funcionário público encarregado de apurar a infração terá o dever de iniciar o procedimento administrativo; e, uma vez provada a conduta ilícita, deverá impor-lhe a penalidade. Isso não retira, porém, a possibilidade do exercício de faculdades discricionárias do agente público, na escolha da pena e de sua quantificação, no caso concreto, de acordo com os limites legais” (VITTA, 2003, p. 65).

[40] Utiliza-se o termo “exorbitante” no sentido de “1. Que exorbita ou sai da órbita”; e “órbita” no sentido de “5. Fig. Esfera de ação; área, limite” (FERREIRA, 1999).

[41] Tarso Cabral Violin e Mônica Oldani Taborda lembram que “O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, também chamado de princípio da finalidade pública, trata-se [sic, trata] da superioridade do interesse da coletividade em relação ao interesse particular” (VIOLIN; TABORDA, 2009, p. 3). De observar, como o faz Marçal Justen Filho, que “supremacia do interesse público não significa nem acarreta ilicitude dos interesses particulares: significa apenas maior valoração, para fins de disciplina normativa, ao interesse público” (apud VIOLIN; TABORDA, 2009, p. 3). No mesmo sentido, Roberto Ribeiro Bazilli (1996, p. 23). Sem embargo, Humberto Bergmann Ávila demonstra a importância de se repensar esse “princípio”, ao indagar se a análise da Teoria Geral do Direito Administrativo e do ordenamento jurídico autoriza a sua definição como tal, seja como axioma, postulado ou norma, ao que conclui: “o ‘princípio’ da supremacia do interesse público sobre o privado não é, rigorosamente, um princípio jurídico ou norma-princípio: conceitualmente, ele não é uma norma-princípio: ele possui apenas um grau normal de aplicação, sem qualquer referência às possibilidades normativas e concretas; normativamente, ele não é uma norma-princípio: ele não pode ser descrito como um princípio jurídico-constitucional imanente; ele não pode descrever uma relação de supremacia: se a discussão é sobre a função administrativa, não pode ‘o’ interesse público (ou os interesses públicos), sob o ângulo da atividade administrativa, ser descrito separadamente dos interesses privados. (...) ele não pode ser descrito separada ou contrapostamente aos interesses privados: os interesses privados consistem em uma parte do interesse público; ele não pode ser descrito sem referência a uma situação concreta e, sendo assim, em vez de um ‘princípio abstrato de supremacia’, teríamos ‘regras condicionais concretas de prevalência’ (variáveis segundo o contexto)” (ÁVILA, 2007).

[42] Violin e Taborda lembram que “A posição de supremacia da Administração representa a verticalidade existente nas relações entre o particular e a Administração, diferentemente do que ocorre no Direito Privado, em que as partes são tratadas com igualdade na relação e encontram-se na forma horizontal” (VIOLIN; TABORDA, 2009, p. 3).

[43] Violin e Taborda informam que “As prerrogativas da Administração Pública são chamadas frequentemente de ‘cláusulas exorbitantes’, ‘cláusulas derrogatórias’ do Direito Comum ou ainda de ‘cláusulas administrativas’, e encontram-se em todos os contratos administrativos de forma explícita ou implícita” (VIOLIN; TABORDA, 2009, p. 9). Dizem também que é cláusula exorbitante “porque sai da órbita do Direito Privado e derrogatória porque ‘substitui’ preceitos legais. Assim, cabe o entendimento de que é exorbitante, visto que sai da órbita do Direito Privado para a do Direito Administrativo, e derrogatória porquanto substitui a cláusula do Direito Privado” (Idem, ibidem). Citando Luís Enrique Chase Plate, informam ainda que “as cláusulas exorbitantes surgiram na França, por meio de jurisprudência do Conselho de Estado, de 31/7/1912” (Idem, ibidem). Nas palavras de Plate, de acordo com esse Conselho, as cláusulas exorbitantes são aquelas que “tenham por efeito conferir às partes direitos ou impor-lhes obrigações estranhas por sua natureza às que são suscetíveis de livre consentimento entre ditas partes dentro do marco das leis civis e comerciais” (apud VIOLIN; TABORDA, 2009, p. 9).

[44] Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: (...); IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste (BRASIL, 1993).

[45] Não se trata, todavia, de uma faculdade, mas de um poder, no sentido de competência, da Administração Pública, como se expôs no item 1.1 acima.

[46] Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: (...); VII – (...) as penalidades cabíveis (...) (BRASIL, 1993).

[47] No mesmo sentido, Bazilli (1996, p. 65).

[48] No mesmo sentido, Meirelles (1999, p. 219).

[49] “Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial” (BRASIL, 1993).

[50] Ver também Meirelles, que acrescenta, no tocante à inexecução culposa, a seguinte afirmação: “É o mesmo conceito da culpa civil, consistente na violação de um dever preexistente: dever de diligência no cumprimento da prestação prometida no contrato” (MEIRELLES, 1999, p. 220).

[51] A inexecução do contrato administrativo dá ensejo a várias espécies de responsabilização, a saber: civil, tanto do particular contratado quanto da Administração Pública; administrativa (do particular contratado, perante órgãos fiscalizadores e conselhos ético-profissionais; e do agente público eventualmente envolvido, perante os órgãos de controle externo); previdenciária e trabalhista, do particular contratado e, subsidiariamente, da Administração Pública; e penal, do particular contratado e do agente público eventualmente envolvido. A propósito, Meirelles (1999, p. 230) e Bazilli (1996, p. 65, 99 a 103, 113 e 114 e 139).

[52] Aspecto importante da inexecução do contrato administrativo é a possibilidade ou não de as partes, Administração Pública e particular contratado, invocarem a exceção de contrato não cumprido. Gasparini entende ser oponível a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) em sede de contrato administrativo, desde que não se ponha em risco a continuidade de serviço público ou afronte o interesse coletivo (GASPARINI, 2002, p. 580). Segundo ele, o particular deve fazer tal alegação em juízo; a Administração Pública não precisa recorrer ao Poder Judiciário (Idem, p. 581). Bazilli adverte que a oponibilidade da exceção de contrato não cumprido, em sede de contratos administrativos, é residual, nos termos do disposto no art. 78, XV da Lei 8.666/1993, sendo admissível apenas, nas palavras de Meirelles, “nos casos em que a falta da Administração cria um encargo extraordinário e insuportável para a outra parte”, ou, como diz Carlos Schmidt de Barros Jr., “somente quando a inadimplência do Poder Público impeça de fato e diretamente a execução do serviço ou da obra pode caber ao contratante particular a sua paralisação ou retardamento”; e como diz o próprio Bazilli, “a Administração também pode aplicar a exceção a seu favor, diante da inadimplência do contratado”, o que implicará a rescisão e a aplicação das sanções administrativas contratuais cabíveis (BAZILLI, 1996, p. 120 a 122).

[53] Meirelles lembra que “A inexecução do contrato [administrativo] é um ilícito contratual gerador de responsabilidade civil para o inadimplente”, responsabilidade esta que “impõe a obrigação de reparar o dano patrimonial e se exaure com a indenização” (MEIRELLES, 1999, p. 227 e 228).

[54] Meirelles discorda do entendimento do Tribunal de Contas da União expresso na Súmula 205, segundo a qual “É inadmissível, em princípio, a inclusão, nos contratos administrativos, de cláusula que preveja, para o Poder Público, multa ou indenização em caso de rescisão” (MEIRELLES, 1999, p. 228). Ele argumenta que assim se “criaria um privilégio de impunidade da Administração para o descumprimento de suas obrigações contratuais” e que, em função do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, não vê “como possa a Administração eximir-se das indenizações devidas ao particular contratado pelo descumprimento culposo do contrato” (Idem, ibidem).

[55] Art. 37. (...). § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).

[56] Segundo Odete Medauar, controle administrativo é a fiscalização que a Administração Pública “exerce sobre os atos e atividades de seus órgãos e das entidades descentralizadas que lhe estão vinculadas” (apud BAZILLI, 1996, p. 155).

[57] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (BRASIL, 1988).

[58] As subespécies de sanções administrativas contratuais previstas na Lei 8.666/1993 são as seguintes: “Art. 86.  O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1o  A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. § 2o  A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3o  Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente. Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I - advertência; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1o  Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3o  A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. Art. 88.  As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei: I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos; II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação; III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados” (BRASIL, 1993).

[59] São elas: “Art. 22. (...): I - concorrência; II - tomada de preços; III - convite; IV - concurso; V - leilão. § 1o  Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. § 2o  Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. § 3o  Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas. § 4o  Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. § 5º Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao da avaliação. § 5o  Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)” (BRASIL, 1993).

[60] É o que dispõe o art. 1º, in verbis: “Art. 1o  Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, 1993).

[61] A subespécie de sanção administrativa contratual prevista na Lei 10.520/2002 e no Decreto 5.450/2005 é a seguinte: “Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais (BRASIL, 2002). Art. 28.  Aquele que, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta, não assinar o contrato ou ata de registro de preços, deixar de entregar documentação exigida no edital, apresentar documentação falsa, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito à ampla defesa, ficará impedido de licitar e de contratar com a União, e será descredenciado no SICAF, pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais” (BRASIL, 2005).

[62] “Art. 1º (...). Parágrafo único.  Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (BRASIL, 2002).

[63] Diz a Ementa: “Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências” (BRASIL, 2002). Anteriormente à edição da Lei 10.520/2002, cuja eficácia jurídica, como se assinalou, tem âmbito nacional, o Decreto 3.555/2000 já regulamentava a modalidade licitação denominada pregão no âmbito da União, conforme se lê em seu art. 1º, caput e parágrafo único, in verbis:

 “Art. 1º  Fica aprovado, na forma dos Anexos I e II a este Decreto, o Regulamento para a modalidade de licitação denominada pregão, para a aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União. Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime deste Decreto, além dos órgãos da Administração Federal direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União” (BRASIL, 2005).

[64] Como dispõe o art. 1º e seu parágrafo único: “Art. 1o  A modalidade de licitação pregão, na forma eletrônica, de acordo com o disposto no § 1o do art. 2o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, destina-se à aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União, e submete-se ao regulamento estabelecido neste Decreto. Parágrafo único.  Subordinam-se ao disposto neste Decreto, além dos órgãos da administração pública federal direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União” (BRASIL, 2005).

[65] A respeito, ver art. 14, in verbis: “Art. 14.  O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Parágrafo único.  As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF, e no caso de suspensão de licitar, o licitante deverá ser descredenciado por igual período, sem prejuízo das multas previstas no edital e no contrato e das demais cominações legais” (BRASIL, 2000).

[66] A propósito, o Superior Tribunal de Justiça emitiu julgamento em que admite a teoria da desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa, assim ementado: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída (...)” (BRASIL, 2003).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Hermano de Oliveira. Fundamentos das sanções administrativas contratuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3921, 27 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27116. Acesso em: 27 abr. 2024.