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O poder de polícia e a supremacia do interesse público

O poder de polícia e a supremacia do interesse público

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O poder de polícia é uma função fundamental exercida pelo Estado, que pode limitar alguns direitos individuais para beneficiar o direito público.

O PODER DE POLÍCIA E A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Karlos Kleiton dos Santos[1]

SUMÁRIO: 1. Introdução  2. Conceito e evolução do termo “polícia” 3. Polícia administrativa e judiciária 4. Características e limites do poder de polícia 5. Considerações finais.

RESUMO: O poder de polícia é uma função fundamental exercida pelo Estado, que pode limitar alguns direitos individuais para beneficiar o direito público. Este poder de polícia é de suma importância para a manutenção da ordem e do bem estar social, sem este poder regulador, haveria dificuldade em manter a ordem nas relações jurídicas e sociais. Este poder de polícia se divide entre administrativo ou judiciário, sendo o primeiro possuidor de um caráter preventivo, enquanto o segundo possui um caráter repressivo. Este mesmo poder pode se dar através de atos normativos que correspondem às leis, e pode também ser dado através dos atos administrativo, o que corresponde às medidas preventivas cujo objetivo é regular as atividades dos indivíduos. O poder de polícia é dotado de discricionariedade e de auto-executoriedade, este corresponde a certa liberdade que a lei dá para a apreciação de determinados elemento já que o legislador não conseguiria prever todas as situações da vida real, já aquele corresponde à possibilidade que a Administração tem de pôr em execução as suas decisões sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário. Por fim, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público, ocorrendo o desvio de poder quando a autoridade pública se afastar dessa finalidade, acarretando a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa.

PALAVRAS-CHAVE: Poder de polícia; ordem; interesse público.

1. INTRODUÇÃO

O poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do direito público, este é um tema que coloca em confronto a liberdade plena dos cidadãos exercerem os seus direitos e a incumbência da Administração condicionar o exercício daqueles direitos ao bem estar coletivo, constituindo assim, um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos.

Analisaremos se o poder de polícia restringe à liberdade individual dos cidadãos, se é necessário mudanças na forma desse poder, tendo por fito a observação dos comportamentos sociais existentes no tempo de hoje, ressaltando que o surgimento desse poder sofreu fortes transformações ao longo do tempo, e que hoje, nada mais tem como objetivo a pacificação e o controle das relações sociais, tendo como principal finalidade, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

2. CONCEITO E EVOLUÇÃO DO TERMO “POLÍCIA”

Pelo conceito clássico, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança, já pelo conceito moderno, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.

O artigo 78 do Código Tributário Nacional considera o poder de polícia como a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Este mesmo artigo define o poder de polícia como atividade da administração da atividade pública, mas em seu parágrafo único considera regular o seu exercício quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Em razão disso podemos chegar a dois conceitos de poder de polícia; em sentido amplo, que corresponde à atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos; e em sentido estrito, sendo aquela que abrange as intervenções, gerais ou abstratas, como os regulamentos, concretas ou específicas do poder executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais.

O Estado possui meios de atuação para o exercício do seu poder de polícia, dentre esses meios temos os atos normativos e os atos administrativos. Os atos normativos são as leis, que criam as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação, já os atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto possuem a finalidade da coagir o infrator a cumprir a lei.

O termo polícia originou-se do grego politeia, sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade-estado (polis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão, já nos fins do século XV, na Alemanha, se estabeleceu uma distinção entre polícia e justiça. A polícia passou a ser o termo utilizado para designar as normas baixadas pelo príncipe, relativas à Administração sendo aplicadas sem possibilidade de apelo dos indivíduos aos tribunais, já a justiça compreendia normas que ficavam fora da ação do príncipe e que eram aplicadas pelos juízes.

Aos poucos, o direito de polícia do príncipe foi sofrendo restrições em seu conteúdo, deixando de fazer parte da sua esfera de poder as questões eclesiásticas, militares e financeiras, restando apenas em seu domínio as questões relativas à atividade interna da Administração.

Com o surgimento do Estado de Direito, surge o princípio da legalidade, o qual submete o próprio Estado às normas por ele mesmo postas, e com o início do século XX, muitos autores começaram a falar de uma polícia geral, relativa à segurança pública, e em polícias especiais, que atuam nos mais variados setores da atividade dos particulares, surgindo assim, a ideia de uma polícia que limite a liberdade individual dos cidadãos em benefício do interesse público.

3. POLÍCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA

O poder de polícia que o Estado exerce pode se dividir em duas áreas de atuação, sendo na esfera administrativa ou na esfera judicial. A principal diferença é que o poder de polícia na esfera administrativa tem caráter preventivo, enquanto na polícia judiciária esse caráter é repressivo.

A linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo, a polícia é administrativa, já quando o ilícito penal é praticado, é a polícia judiciaria quem agirá.

Temos como outra diferenciação o fato de a polícia judiciária ser privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto que a polícia administrativa se reparte entre os diversos órgãos da administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribuía esse mister, como os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.

4. CARACTERÍSTICAS E LIMITES DO PODER DE POLÍCIA

Temos como atributos do poder de polícia a discricionariedade e a auto-executoriedade. A Discricionariedade embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, não constitui uma característica obrigatória pelo fato da lei deixar certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elemento, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia, permitindo desta forma que o poder de polícia seja discricionário em algumas circunstâncias, e, noutras hipóteses, a administração terá que adotar solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção.

Já a auto-executoriedade é a possibilidade que tem a administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao poder judiciário. De acordo com Di Pietro (2006, p. 131-132)

A auto-executoriedade não existe em todas as medidas de polícia. Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público. No primeiro caso, a medida deve ser adotada em consonância com o procedimento legal, assegurando-se ao interessado o direito de defesa, previsto expressamente no artigo 5°, inciso LV, da Constituição. No segundo caso, a própria urgência da medida dispensa a observância de procedimento especial, o que não autoriza a Administração a agir arbitrariamente ou a exceder-se no emprego da força, sob pena de responder civilmente o Estado pelos danos causados (cf. art. 37, § 6°, da Constituição), sem prejuízo da responsabilidade criminal, civil, e administrativa dos servidores envolvidos.

A medida de polícia, como todo ato administrativo, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto a forma e a competência, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto. Nesta perspectiva, Gasparini (2012, p. 184), afirma:

está a atribuição da polícia demarcada por dois limites: o primeiro se encontra no pleno desempenho da atribuição, isto é, no amplo interesse de impor limitações ao exercício da liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade. O segundo reside na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento positivo. É na conciliação da necessidade de limitar ou restringir o desfrute da liberdade individual e da propriedade particular com os direitos fundamentais, reconhecidos a favor dos administrados, que se encontram os limites dessa atribuição. Assim, mesmo que a pretexto do exercício do poder de polícia, não se podem aniquilar os mencionados direitos. Qualquer abuso é passível de controle judicial.

Nessas palavras fica claro as limitações desse poder de polícia, uma vez que, mesmo sendo um poder soberano, ele não pode sufocar as liberdades individuais garantidas aos indivíduos, e comprovado prejuízo decorrente desse abuso de poder, poderá o oprimido recorrer à proteção judicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O poder de polícia é de mister importância para a vivência harmônica entre os cidadãos nos dias de hoje, esse poder representa a força que o ente Estatal possui, dando assim, direito e liberdade de coagir atitudes individuais que coloquem em risco o bem estar social. Mas este poder não se revela somente pela coação, ele se mostra também pela prevenção, que se dar pelo poder de polícia administrativo, que visa impedir a ocorrência do ilícito penal.

Um Estado, nos dias atuais, com a ausência desse poder de polícia, seja administrativo ou judicial, seria comparável a um Estado anárquico, ao qual seria quase que impossível manter a ordens entre as relações jurídicas ou sociais entre os cidadãos.

Concluímos então, que há uma necessidade deste poder de polícia para a manutenção da paz social e da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, visto que apenas o Estado, na figura de seus legítimos representantes tem o poder e dever de agir coercitivamente em qualquer circunstancia que venha a prejudicar a ordem e o bem social.

REFEERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GASPARINI, Diogenes. DIREITO ADMINISTRATIVO. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DIREITO ADMINISTRATIVO. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.


[1] Discente do 5º período do curso de Direito da Universidade Tiradentes.


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