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A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias

A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias

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"Não podemos eliminar nossos defeitos,

mas podemos discipliná-los e restringi-los

a tal ponto que acabarão por desaparecer".

J. Paul Schmitt

Sumário: INTRODUÇÀO; 1. RELAÇÕES DE CONSUMO, 1.1.Tratamento das relações de consumo antes do advento do CDC; 2.CONCEITO DE CONSUMIDOR, 2.1Conceito estrito e lato, 2.2Consumidor pessoa física, 2.3.Consumidor pessoa jurídica, 2.4.Consumidor destinatário final, 2.5.Consumidor nas relações bancárias; 3.CONCEITO DE FORNECEDOR, 3.1.Fornecedor pessoa física ou jurídica, 3.2.Fornecedor pessoa pública ou privada, 3.3.Fornecedor nacional ou estrangeiro, 3.4.Fornecedor ente despersonalizado, 3.5.Atividades dos fornecedores, 3.6.Não fornecedores, 3.7.Responsabilização dos fornecedores, 3.8.Relação entre o conceito de fornecedor e consumidor; 4.CONCEITO DE PRODUTO, 4.1.Produto de natureza bancária; 5.CONCEITO DE SERVIÇO, 5.1. Serviço de natureza bancária; 6.POSIÇÀO DOMINANTE ; 7.POSIÇÀO MINORITÁRIA ; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO.

O tema ora proposto – a aplicabilidade do código de defesa do consumidor às relações bancárias está inserido numa das controvertidas questões relacionadas ao CDC, Qual é o campo de aplicação do CDC ?

Para alcançar-se uma resposta satisfatória a esta questão, seja em qualquer sentido, faz-se necessário o estudo de alguns conceitos, quais sejam, relação de consumo, consumidor, fornecedor, serviço e produto.

Em um primeiro momento, parece tranqüilo afirmar que o CDC, efetivamente, regula a relação entre os bancos e seus clientes, seja na prestação de serviço ou concessão de crédito. Aliás, esta é a posição dominante.

Porém, respeitando todos os conceitos e princípios estabelecidos pelo CDC, Arnold Wald, cria uma celeuma em torno da questão, e através de argumentação bastante razoável, retira a concessão de crédito feita pelos bancos à seus clientes do campo de incidência do CDC.


1.RELAÇÃO DE CONSUMO

Reconhecer a existência de uma relação de consumo é o passo inicial e primordial para ser possível a aplicação das normas previstas pelo CDC. O não reconhecimento desta relação nos remete à utilização de outros textos legais, os quais serão competentes para reger relações comerciais, civis, etc.

Segunda ensina o Prof. Nelson Neri Júnior, [1] "entende-se por relação de consumo a relação jurídica entre fornecedor e consumidor tendo como objeto o produto ou o serviço.

José Geraldo Brito Filomeno, [2] entende que a "relação de consumo configura-se em relação jurídica por excelência, pressupondo sempre três elementos, quais sejam dois pólos de interesses (consumidor e fornecedor) e a coisa – objeto desses interesses -, que representa o terceiro elemento e, consoante ao CDC, abrange produtos e serviços".

1.1.Tratamento das relações de consumo antes do advento do CDC.

A revolução industrial iniciada na Europa trouxe consigo uma série de mudanças sociais que muito repercutiram na sociedade. Entre elas, a massificação dos produtos, as condições gerais de venda, contratos de adesão, enfim, alterações profundas nas relações entre o mercado e o consumo.

Tendo em vista a ocorrência deste fenômeno social, deu-se início a criação de leis que tinham por objetivo salvaguardar o personagem evidentemente mais frágil dessa nova fase.

Nesse sentido, com muita propriedade, Antônio Carlos Efing [3] comenta que "em homenagem ao bem-estar da sociedade e das relações humanas, o legislador consagra a proteção ao consumidor, já que se preocupa com os acidentes advindos do uso de produtos e serviços e, por conseqüência, com a qualidade destes produtos e serviços, bem como com sua proteção no mercado de consumo contra práticas abusivas e no campo da proteção contratual".

No Brasil, quando de sua independência, ainda vigorando a legislação que proviera de Portugal, já havia a preocupação, mesmo que limitada, com a proteção ao consumidor.

O Título LVII do livro V das Ordenações Filipinas prescrevia que, "se alguma pessoa falsificar alguma mercadoria, assi como cêra, ou outra qualquer, se a falsidade, que nella fizer, valer hum marco de prata, morra por isso".

Aliás, este norma impressiona pelo rigor e desproporção de pena.


2.CONCEITO DE CONSUMIDOR

Antes de adentrarmos na conceituação de consumidor para o direito brasileiro, torna-se pertinente uma breve análise sobre o tema no direito alienígena.

Através do exame das legislações em diversos países, verifica-se certa obscuridade no conceito de consumidor. Como conseqüência da não existência de uma opinião comum em torno do tema, fica evidente uma grande polêmica quanto ao conceito de consumidor no plano internacional.

Diferentemente da legislação estrangeira, a legislação brasileira, dispões de forma clara e precisa sobre o conceito de consumidor, trazendo inclusive sua definição objetiva no próprio texto legal: "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Assim sendo, tendo o CDC estampado claramente o conceito de consumidor, torna-se dispensável ou até mesmo incoerente pretender submetê-lo aos princípios informadores das teorias alienígenas.

Conforme ensina o Prof. Fábio Ulhoa Coelho [4] duas são as tendência legislativas no tocante à concepção de consumidor. "De um lado, a objetiva, em que o conceito enfatiza a posição de elo final da cadeia de distribuição de riqueza. Nela, o aspecto ressaltado pelo conceito jurídico é o do agente econômico que destrói o valor de troca dos bens ou serviços, ao utilizá-los diretamente, sem intuito especulativo. De outro lado, há a concepção subjetiva de consumidor, em que a ênfase do conceito jurídico recai sobre a sua qualidade de não profissional. Entre as duas formulações, pende o direito brasileiro para o conceito objetivo de consumidor, na medida em que enfatiza a posição terminal na cadeia de circulação de riqueza por ele ocupada"

Quanto à definição genérica do campo de aplicação do CDC, existem duas correntes doutrinárias: os finalistas e os maximalistas.

Com propriedade, a Prof. Cláudia Lima Marquês [5] ensina: "para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida ao consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inciso I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõe, então, que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos no art. 4º e 6º".

2.1Conceito estrito e lato

Existem várias divisões para o conceito de consumidor. Uma obrigatória é a divisão no sentido estrito e lato. Calvão da Silva [6] define da seguinte forma. Em um sentido lato "consumidor é aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer par uso profissional. O que importa é que alguém seja o ‘consumador’ do bem, isto é, que consuma, complete, termine o processo econômico, dando satisfação a necessidades pessoais, familiares e/ou profissionais. (...). Em sentido estrito, consumidor é apenas aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, para uso privado (pessoal, familiar ou doméstico), de modo a satisfazer as necessidade pessoais e familiares, mas não já o que obtém ou utiliza bens e serviços para a satisfação das necessidades de sua profissão ou de sua empresa".

2.2Consumidor pessoa física

Nas palavras de Thierry Bourgoignie, [7] "o consumidor é um a pessoa física ou moral que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço colocado no centro do sistema econômico por um profissional sem perseguir ela própria a fabricação, a transformação, a distribuição ou a prestação no âmbito de um comércio ou de uma profissão. Uma pessoa exercendo uma atividade em caráter profissional, comercial, financeira ou industrial não pode ser considerada como consumidor, salvo se ficar estabelecido por ela que ela está agindo fora de sua especialidade e que ela realiza uma cifra global de negócios inferior a... milhões de francos por ano".

2.3.Consumidor pessoa jurídica

A legislação brasileira contemplou, diferentemente de sistemas jurídicos estrangeiros, a pessoa jurídica como destinatário das normas de proteção ao consumidor.

Assevera Thierry Bourgoignie [8] que, nesta hipótese, age a pessoa jurídica exatamente como consumidor comum, ou seja, fazendo-se ela, pessoa jurídica, destinatária final dos referidos bens ou serviços.

Embora o CDC Ter qualificado expressamente as pessoas jurídicas como consumidoras, ainda existe muita discussão em torno do tema.

2.4Consumidor destinatário final

A expressão destinatário final contida no conceito de consumidor tem sido alvo de diferentes interpretações, cujo resultado assegura à pessoa a condição de tutelado das normas protetivas do CDC.

Eduardo Gabriel Saad [9] assevera que destinatário final "para alguns designa a relação jurídica de consumo estabelecida entre o vendedor e o comprador, permanecendo o primeiro alheio a ela quanto à responsabilidade por eventual indenização de dano sofrido pelo consumidor.

Não aceitamos essa interpretação. O próprio Código informa no art. 13 que há caso em que o vendedor ou comerciante é responsável pela reparação pelo prejuízo sofrido pelo consumidor.

Uma outra versão é a de que a expressão destinatário final designa o consumidor que adquire um produto para satisfazer a uma necessidade pessoal ou a uma necessidade desvinculada da atividade básica em se tratando de pessoa jurídica. Está implicito nesse entendimento que o produto há de estar acabado, apto a atender ao fim desejado pelo consumidor.

Esposamos esse ponto de vista.

Na linha de raciocínio dos que pensam como nós, não é consumidor o empresário que receber de alguns fornecedores componentes para montar o produto final capaz de atender a uma necessidade do consumidor.

Os tribunais vêm dando acolhida a esse entendimento, como se depreende da ementa a seguir transcrita, do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua 16ª Câmara Cível, na apelação noticiada pelo JTJ-Lex 173/96 (apud Rui Stoco, ‘Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial’, 3ª ed., Revista dos Tribunais 1997, pág. 166):

‘Indenização. Responsabilidade civil. Ajuizamento por pessoa jurídica. Fundamentação no Código de Defesa do Consumidor. Inadmissibilidade. Bem adquirido para ser aplicado na sua atividade empresarial. Qualidade de consumidor inexistente. Interpretação do art. 2º da Lei Federal nº 8.078/90. Sentença confirmada’ ".

2.5. Consumidor nas relações bancárias

Genericamente falando, os clientes dos serviços bancários enquadram-se na definição de consumidor estabelecida pelo CDC.

Avaliada de forma específica, fica evidente que a pessoa física que se utiliza de serviços bancários participa de uma relação de consumo e por conseqüência está ao abrigo do CDC.

Já as pessoas jurídicas merecem uma avaliação mais criteriosa para serem consideradas ou não consumidoras nos moldes do CDC. Neste caso, a finalidade atribuída à relação de consumo conjugada com a circunstancial vulnerabilidade da pessoa jurídica é que definisse sua condição.

Faz-se imperioso lembrar que, tratando-se do caso em tela, a definição de consumidor não se restringe àquela esposada no art. 2º. Serão também consumidores as pessoas (físicas ou jurídicas expostas às práticas previstas em todo o capítulo V do CDC, conforme estabelece seu art. 29.

Assim, nas palavras de Antônio Carlos Efing, "ao verificar-se a inclusão ou não de determinada pessoa jurídica na qualidade de consumidora dos produtos e serviços fornecidos pelos bancos e outras entidades financeiras, é preciso investigar a finalidade daquele negócio jurídico – se na qualidade de consumidor ou não – e, a partir de então, perquirir-se acerca de sua vulnerabilidade. Assim, se o contrato bancário efetivado pela pela pessoa jurídica tiver sido realizado buscando o alcance de uma atividade intermediária, não há que se falar em relação de consumo. Se, entretanto, o contrato houver sido realizado buscando-se alcançar uma atividade final, deve-se, a partir daí, perquirir-se da vulnerabilidade do consumidor. Anote-se, entretanto, que raríssimos serão os litígios envolvendo entidades financeiras, securitárias ou bancárias em que se aplicará o conceito de consumidor contido neste dispositivo legal (art. 2º CDC), eis que os conflitos advindos desta espécie de relação jurídica certamente apresentar-se-ão circunscritos à proteção contratual, às práticas comerciais e à publicidade enganosa, quando então deverá ser aplicado o conceito exarado pelo art. 29 do CDC".

Pelo exposto, entende-se que a condição de destinatário final, bem como a vulnerabilidade da pessoa física e, especialmente, da jurídica, não são condições indispensáveis à caracterização da relação de consumo e deste modo, ocorrendo alguma prática abusiva (art. 29), há que conferir ao consumidor a tutela do CDC.


3.CONCEITO DE FORNECEDOR

Para o tema ora em discussão, o que aqui se busca é o conceito de fornecedor na ótica do consumerismo, e, destarte, faz-se necessário, antes de qualquer coisa, a transcrição do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, onde se encontra a definição de fornecer:

Art. 3º - Fornecedor é todo pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Observas-se, pois que o nosso Código preocupou-se em estabelecer um conceito bastante amplo de Fornecedor e nesse sentido são vários os comentários de juristas renomados sobre tal tema.

José Geraldo Brito Filomeno, no CDC comentado pelos autores do Anteprojeto, define o Fornecedor como um dos protagonistas da relação de consumo. Diz ainda que, "ao invés de utilizar-se de termos como industrial, comerciante, banqueiro, segurador, importador, ou então genericamente empresário, preferiu o legislador o termo fornecedor para tal desiderato.

Ou seja, e em suma, o protagonista das sobreditas relações de consumo responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor.

Assim, para Plácido Silva, fornecedor, derivado do francês fournir, fornisseur, é todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessárias a seu consumo.

Nesse sentido, por conseguinte, é que são considerados todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título, sendo relevante, isto sim, a distinção que se deve fazer entre as várias espécies de fornecedor nos casos de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia de mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para a obtenção efetiva de proteção que se visa oferecer aos mesmos consumidores.

3.1. Fornecedor – pessoa física ou jurídica

Tem-se, por conseguinte que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual.

3.2. Fornecedor – público ou privado

Fala ainda o art. 3º do Código de Proteção ao Consumidor que o fornecedor pode ser público ou privado, entendendo-se no primeiro caso o próprio Poder Público, pôr si ou então pôr suas empresas públicas que desenvolvam atividade de produção, ou ainda as concessionárias de serviços públicos, sobrelevando-se salientar nesse aspecto que um dos direitos dos consumidores expressamente consagrados pelo art. 6º, mais precisamente no seu inciso X, é a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

3.3. Fornecedor – nacional ou estrangeiro

O mesmo dispositivo abrange tanto os fornecedores nacionais como os estrangeiros que exportem produtos ou serviços para o país, arcando com a responsabilidade pôr eventuais danos ou reparos o importador que posteriormente poderá regredir contra os fornecedores exportadores.

3.4. Fornecedor – ente despersonalizado

Fornecedores são ainda os denominados entes despersonalizados, assim entendidos os que, embora não dotados de personalidade jurídica, quer no âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços, como, pôr exemplo, a gigantesca Itaipu Binacional, em verdade um consórcio entre os governos brasileiro e paraguaio para a produção de energia elétrica, e que tem regime jurídico sui generis.

3.5. Atividades dos fornecedores

Quanto às atividades desempenhadas pelos fornecedores, são utilizados os termos produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços ou, em síntese, a condição de fornecedor está intimamente ligada à atividade de cada um e desde que coloquem aqueles produtos e serviços efetivamente no mercado, nascendo daí, ipso facto, eventual responsabilidade pôr danos causados aos destinatários, ou seja, pelo fato do produto.

3.6. Não fornecedor

Finalmente, um outro aspecto que deve ser levado em consideração diz respeito a certas universalidades de direito ou mesmo de fato, como, pôr exemplo, associações desportivas ou condomínios. Ou seja, indaga-se se elas poderiam ou não se consideradas como fornecedores de serviços, como os relativos aos associados ou então aos condôminos (i.e., propiciamento de lazer, esportes, bailes, ou então serviços em geral de manutenção das áreas comuns).

A questão ora reacendeu em decorrência da recente modificação do parágrafo 1º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual as multas de mora passam a ser da ordem de 2%.

Resta evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser considerados como fornecedores.

E isto porque, quer no que diz respeito às entidades associativas, quer no que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não pôr intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em assembléias.

0bserva-se, pois, que a conceituação de fornecedor é bastante ampla, abrangendo toda sorte de pessoas físicas ou jurídicas, que de alguma forma, se dedicam à colocação de produtos e/ou serviços no mercado de consumo.

3.7. Responsabilização do fornecedor

Corroborando os ensinamentos de José Geraldo Brito Filomeno, Luiz Antônio Rizzato Nunes, conceitua e exemplifica quem são os fornecedores para efeito de responsabilização:

"O fornecedor é:

a) a pessoa física;

b)a pessoa jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira;

c)o ente despersonalizado (sociedade de fato, camelô, etc.)

É considerado fornecedor, aquele que desenvolve qualquer atividade ligada a produtos ou, ainda, à prestação de serviços nas áreas de:

- montagem;

- criação

- construção

- transformação;

- importação;

- exportação;

- distribuição;

- comercialização;

Em outras palavras, toda e qualquer pessoa que coloca direta ou indiretamente um produto ou serviço no mercado, desenvolvendo atividade para esse fim, é considerado fornecedora, até mesmo a pessoa física que vende doces de porta em porta e as empresa de fato, como os camelôs.

Segue uma alista, em ordem alfabética, de nomes que, perante o consumidor, identificam o responsável das garantias estampadas no Código de Defesa do Consumidor. Cada um deles responderá na proporção de sua participação e naquilo que o CDC designar. Os nomes estão elencados para ilustrar aqueles que podem vir a ser responsabilizados e que são os que, de fato, produzem, distribuem e comercializam produtos e prestam serviços.

Pôr isso, para saber se alguém é, realmente, quem responde perante a lei, é preciso ler os capítulos que tratam das várias garantias e problemas que talvez possam surgir. Por exemplo, num acidente de consumo por defeito oculto de fábrica num veículo, o responsável pelo pagamento da indenização pôr danos ao motorista é a montadora e não a concessionária que vendeu o veículo. Se o problema como o carro for apenas um risco na lataria, que é um vício (defeito intrínseco), a concessionária é também responsável, junto com a montadora.

- administradora (do consórcio do cartão de crédito, etc.);

- agente de viagens;

- banqueiro;

- barbeiro;

- cabeleireiro;

- camelô;

- comerciante;

- concessionária;

- concessionária de serviço público;

- construtor;

- criador;

- dentista;

- desentupidor;

- distribuidor;

- eletricista;

- empreiteiro;

- empresário;

- empresa de economia mista;

- empresa em geral;

- empresa pública;

- encanador;

- exportador;

- fabricante;

- hoteleiro;

- imobiliária;

- importador;

- industrial;

- instalador;

- locadora;

- marceneiro;

- mecânico;

- médico;

- montador;

- padeiro (dona da padaria);

- permissionárias (de serviço público);

- pintor;

- prestador de serviço em geral;

- prestador de serviço;

- proprietário (de companhia aérea ou navegação, de hospital, etc.);

- revendedora;

- seguradora;

- técnicos em geral;

- transformador;

- transportador;

- vendedor (lojista, dono de banca de jornais, dono de qualquer estabelecimento comercial);

- vendedor ambulante.

3.8. Relação dos conceitos fornecedor e consumidor

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, "consumidor é definido pelo art. 2º do CDC como sendo aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, e fornecedor, pelo art. 3º, como aquele que desenvolve atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado. Contudo, pode-se afirmar que nem todo destinatário final de uma aquisição será consumidor, assim como nem todo exercente de atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado será fornecedor. Isso verificar-se-á se a relação jurídica contemplar somente um dos pólos da relação de consumo.

Exemplifique-se, ainda, com o contrato de compra e venda. Se o comprador está realizando o negócio com o intuito de ter o bem adquirido para seu próprio uso, mas o vendedor não é exercente de atividade econômica relacionada com o oferecimento do bem, o contrato será civil. Imagine-se o profissional liberal proprietário de um automóvel que o vende ao amigo ou mesmo a desconhecida pessoa. Nessa hipótese, embora o comprador pudesse se enquadrar no conceito de consumidor, já que realiza o negócio como destinatário final do produto, o vendedor não se pode determinar como fornecedor, pois não exerce atividade econômica especificamente voltada a suprir o mercado de bens daquele gênero. (veículos usados).

Por outro lado, não se configura relação de consumo se o vendedor exerce atividade econômica de oferecimento de certo produto ao mercado, mas o comprador não o adquire para o seu uso, e sim com vistas a reinseri-lo na cadeia de circulação de riquezas. Cogite-se do fabricante de móveis que adquire de uma madeireira a madeira necessária à confecção de seus produtos. Nessa situação, no pólo do vendedor encontra-se alguém que se pode tomar por fornecedor, uma vez que desenvolve atividade de oferecimento de bens ao mercado (atacadista, varejista), porém no pólo do comprador não se apresenta o seu destinatário final, mas outro empresário interessado em transformar e especular com tais bens. Trata-se nesse caso, de contrato entre empresários disciplinado pelo direito comercial. Aliás, a definição da matéria tipicamente comercial como circunscrita à transações interempresariais não se verifica nas condições oitocentistas dos direitos de tradição romanista.

Portanto, os conceitos de consumidor e de fornecedor têm caráter relacional (cf.Ferreira de Almeida, 1982:206/217), ou seja, a identificação de um deles em dada relação jurídica somente se verifica a partir da presença do outro na mesma relação. Em direitos alienígenas, como o português, por exemplo, esse caráter relacional é expresso no próprio conceito de consumidor."


4.CONCEITO DE PRODUTO

Segundo o § 1º do art. 3º, produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. Num primeiro momento parece que o CDC se refere em seu significado mais amplo. Porém, faz-se imperioso salientar que o Código na verdade se reporta aos bens que possuem natureza patrimonial e são objeto de direito subjetivo.

Portanto fica claro que outros bens como o direito ao nome, estado civil, etc., não estão sob a tutela do CDC, porquanto não possuem apreciação econômica.

Em suma, para o CDC, produto é qualquer bem objeto da relação de consumo.

Quanto à divisão dos produtos em móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, ensina Eduardo Gabriel Saad [10]: "São, portanto, empresas fornecedoras aquelas que têm por finalidade comprar e vender imóveis que são coisas que se não podem transportar sem destruição para outro lugar, compreendendo o solo, o que nele se incorpora permanentemente, os objetos usados na exploração industrial do imóvel, no seu aformoseamento, ou destinados a torná-los mais cômodo".

O art. Do Código Civil classifica os imóveis de duas maneiras, a) por sua natureza e b) por ficção legal.

Bens móveis são as coisas susceptíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia (art. 47 do CC). Definem-se como bens corpóreos, entre os quais se encontram os semoventes e os móveis em sentido estrito ou coisas inanimadas.

Dividem-se os bens móveis da seguinte forma: a) por sua natureza; b) por um ato de vontade e c) por imposição legal.

Continuando seus ensinamentos, Eduardo Gabriel Saad [11] escreve que "bem incorpóreo ou imaterial é aquele de caráter abstrato ou ideal ao qual a lei atribui valor econômico, como, por exemplo, a propriedade literária ou científica, o gozo de uma patente ou marca".

4.1. Produto de Natureza bancária

Antônio Carlos Efing, escreve que, "especificamente, quanto à conceituação de produto, no que diz respeito aos contratos bancários, a jurisprudência já se manifestou no seguintes termos: ‘o conceito de consumidor por vezes se amplia, no efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas as práticas nele previstas. O CDC rege as operações bancárias, inclusive de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado. Sendo os juros o preço pago pelo consumidor, nula cláusula que preveja alteração unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos figurantes do negócio. Sendo a nulidade prevista no art. 51 do CDC da espécie pleno iure, viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciando o vício (art. 146 do CC). É nula a cláusula que impõe representante para emitir ou avalizar notas promissórias (art. 51, VIII, do CDC). Objetivando a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da congruência, deve a sentença ater-se ao pedido. Sentença parcialmente reformada (Ap. 193051216, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, rel. Juiz Janyr Dall’ Agnol Júnior).’

Assim sendo, também através da conceituação de produto pode ser vislumbrada a relação de consumo entre os bancos fornecedores e sua clientela de consumidores".


5.CONCEITO DE SERVIÇO

Serviço, segundo o dicionário, é ato ou efeito de servir; desempenho de qualquer trabalho, emprego ou comissão.

Já o § 2º do art. 3º do CDC dispões que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista.

Singelamente, José Cretela Júnior [12] esclarece que "serviço é a ação de servir", todavia o conceito de servir não se exaure neste aspecto singular.

Eduardo Gabriel Saad [13], conceitua serviço dizendo "é, enfim, uma atividade humana que, na ótica do CDC, exerce-se sem vínculo empregatício e, de conseguinte, com autonomia, mas sempre remunerada, pois o serviço gratuito escapa à regulamentação legal".

É importante frisar que o serviço hipoteticamente gratuito, que na verdade recebe uma remuneração indireta ou embutida em outros custos está submetido às normas de proteção estabelecidas pelo CDC.

Diz ainda o mesmo autor: "na esfera pública, há serviços que se incluem entre aqueles regulados por este código.

Merecem destaque os serviços prestados ao público e em obediência a uma tarifa.

Tais serviços (energia elétrica, água, esgoto, limpeza pública, operações portuárias, etc.) são prestados diretamente pelo poder público ou por intermédio de concessionários.

Despiciendo frisar que o imposto pago pelo contribuinte tem por finalidade financiar as atividades fundamentais do Estado. Essa relação jurídica contribuinte-poder público é estranha ao campo de incidência das disposições deste Código.

Entretanto, o mesmo não dizemos quando a taxa estiver subjacente a essa relação.

Para bem esclarecer nosso pensamento sobre esse ponto, começamos pelos conceito de taxa do Código Tributário Nacional:

"Art. 77 – As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelos distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode Ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.

Pressupõe-se, portanto, que há um serviço à disposição do público onde e quando houver exigência de pagamento de taxa.

Por oportuno, realçamos que o artigo sob comento coloca, entre os fornecedores, as pessoas jurídicas de direito público interno.

Apontando na direção dessas observações, vemos o caso das contribuições previdenciárias. Uma corrente de opinião sustenta terem elas caráter tributário e outra nega-lhes esse caráter.

Quanto a nós, entendemos ser uma taxa o que o segurado-empregado paga ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

De fato, devido a esse pagamento adquire ele o direito a certos benefícios e serviços. Estes são a contrapartida da contribuição. Desenha-se, assim, uma relação de consumo.

Como salientamos no que tange ao fornecedor de produtos ou de bens materiais, o prestador de serviços sujeito às disposições do CDC é aquele que tem como profissão o exercício de quaisquer atividades, entre elas, as de natureza bancária, de crédito e securitária.

O prestador de serviço, como espécie do gênero fornecedor, também pode ser pessoa física ou jurídica.

Ocioso dizer que a empresa, quando aparece como consumidor de serviços autônomos, deve Ter a cautela de escolher profissional ou sociedade de profissionais que estejam em condições de responder por eventuais vícios ou defeitos do serviço prestado. Em se tratando de pessoa física, no caso, verificar se ela exerce a atividade como profissional e que não é um diletante que, de quando em vez, desempenha tal função.

Estamos em que o Código só considera fornecedor quem exerce, profissionalmente, a atividade de prestador de serviços.

O exercício de uma profissão, em seu seio, a idéia de continuidade, de permanência. Assim visualizado o prestador de serviços, fica excluído do campo de incidência das normas do CDC aquele que exerce essa atividade com intermitência, esporadicamente".

Quanto ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, não obstante calar-se a lei a esse respeito, existe, efetivamente uma prestação de serviços tutelada pelo CDC.

5.1. Serviço de natureza bancária

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar do tema em questão (serviço), fala expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.

Destarte, resta evidenciado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quando envolvido a prestação de qualquer serviço a seus clientes (por exemplo, cobrança de conta de energia elétrica, água, expedição de extratos, concessão de empréstimos e outros serviços), estão, indubitavelmente, reguladas pelo CDC.


6.POSIÇÀO DOMINANTE

Doutrina e jurisprudência têm de forma pacífica a caracterização dos bancos ou instituições financeiras como fornecedores, estando destarte, sob a incidência do CDC.

Nelson Nery Júnior [14] "leciona que os bancos são comerciantes de produtos, conforme dispõe o art. 119 do Código Comercial, bem como o § 1º do art. 2º da Lei das Sociedades Anônimas e prestadores de serviços, de forma que serão considerados fornecedores para o CDC".

Nesse sentido, os usuários e adquirentes de serviços e produtos bancários, pessoas físicas ou jurídicas, estão sob a tutela do CDC, quer seja enquanto consumidores definidos no art. 3º, § 2º, quer enquanto consumidores comparados, definidos de acordo com art. 29.

Assim como toda regra possui sua exceção, a atividade bancária, em determinadas circunstâncias relacionadas especificamente ao co-contratante, também pode fugir a regulamentação do CDC.

Nesta esteira, Cláudia Lima Marquês [15] escreve "já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimento que firmas com os bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica. Por exemplo, um advogado que contrata o empréstimo de certa quantia para reformar o seu escritório ou o agricultor, para semente para plantar.

Nestes dois casos, o advogado e o agricultor são destinatários fáticos, mas o produto é insumo para alguma outra atividade profissional. Logo não poderiam recorrer, em princípio, à tutela do CDC. Observamos, porém, que o sistema do CDC é um sistema aberto, que trabalha com a técnica de equiparação de pessoas à situação de consumidor quando se constatar o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou fática) da pessoa que contrata com o fornecedor. Parte da doutrina e jurisprudência defende a aplicação do CDC a estes contratos interempresariais.

Nesse sentido, podemos concluir que os contratos entre bancos e os profissionais, nos quais os serviços prestados estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais".

Os contratos bancários, em sua maioria, são por excelência, contratos de adesão, onde se utiliza condições gerais de contrato. Tal característica serve como indício de vulnerabilidade, cabendo, pois, ao Judiciário confirmar no caso concreto, se onde há fumaça há fogo.

Adalberto Pasqualotto [16] leciona que "entre os serviços de consumos o CDC inclui expressamente (§ 2º do art. 3º) os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição desses setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em sim mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito, cheques-presente, etc.".

Esclarece José Geraldo Brito Filomeno, [17] que os investidores no mercado mobiliário não são considerados consumidores como com relação às instituições ou empresas que propiciam tal tipo de investimentos. Isto porque a Lei 7.913/89, previu ações específicas de ressarcimento a investidores, prevendo ainda a Lei 6.024/74, medidas acautelatórias quando se tratar de liquidação extrajudicial de instituições de crédito".

Discordando desta conclusão, James Marins, [18] sustenta que "as corretoras de valores mobiliários estão também enquadradas no conceito geral de fornecedores de serviços, mesmo porque empresas dessa natureza são pessoas jurídicas que desenvolvem atividade consistente na prestação de serviços fornecida mediante remuneração, no mercado de consumo". Em complemento, continua o autor, "há de se considerar, todavia, que o mercado de valores mobiliários e seus similares, ainda que rigidamente controlado pelos órgãos competentes (como por exemplo a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, BMF – Bolsa Mercantil de Futuros, a BOVESPA – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo e até mesmo commodities, que controla s aplicações no mercado de ouro), e com legislação específica como as Leis 7.913/89 e 6.024/74, não está isento da possibilidade de causar danos a aplicadores/consumidores, que seguramente poderão se socorrer das normas de Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que complementam, onde compatíveis, a disciplina das leis acima mencionadas".

Finalizando sua argumentação sobre o tema in comento, Cláudia Lima Marquês leciona, "conclui-se esta exposição, reiterando a importância alcançada no muno de hoje pelos contratos bancários e contatos de crédito. A jurisprudência dominante é pela aplicação das normas do CDC a estes contratos, pois, em regra, estão presentes consumidores como outro pólo da relação contratual, atuando como destinatários finais dos serviços, utilizando os serviços para o proveito próprio, de seu grupo social ou familiar. As regras do CDC encontrarão aplicação, também, em caso de vulnerabilidade comprovada do contratante, quando o contrato bancário inserir-se em sua atividade profissional, seguindo assim a orientação da jurisprudência brasileira, que já dedicava atenção aos contratos bancários e às cláusulas abusivas nele inseridas".


7.POSIÇÃO MINORITÁRIA

Capitaneada por Arnold Wald, existe uma corrente doutrinária que diverge em grande parte da posição defendida pela maioria da doutrina e jurisprudência quanto a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre instituições financeiras e seus clientes.

Com uma argumentação bastante inteligente, o autor acima citado [19], inicia sua tese demonstrando que, enquanto especial o direito do consumidor, este não substitui as normas de direito civil, comercial e principalmente bancário, mantendo portanto sua vigência sobre o relacionamento cliente/banco. Traçando um paralelo interessante, explica o autor que essa mesma realidade ocorreu com o Direito do Trabalho que não afetou a aplicação da locação de serviços fora do âmbito trabalhista e nas relações entre empresas ou na contratação de profissionais liberais sem vínculo empregatício.

Continuando seu raciocínio, o citado autor [20] escreve, "mas por outro lado, cabe salientar que o Direito do Consumidor não é um Direito de Classe, razão pela qual não abrange todos os consumidores, mas, tão-somente, aqueles que necessitam de uma proteção especial".

Essa corrente defende que as novas normas estabelecidas pelo CDC não significam o declínio do princípio pacta sunt sevanda e o surgimento de um dirigismo contratual, mas ao contrário, restabelece a autonomia da vontade dos contratantes.

Nesse sentido Arnoldo Wald [21] defende que, "do mesmo modo que em Roma o Direito pretoriano foi complementando o ius civile, na Inglaterra a equity evitou as injustiças eventuais da common law e, mais recentemente, o Direito Comercial flexibilizou as relações entre negociantes, superando o formalismo do Direito Civil, o Direito do Consumidor está hoje aprimorando e especificando a velha teoria dos contratos, para que a autonomia da vontade seja considerada de modo dinâmico e não apenas de forma estática".

Quanto ao mérito da aplicação ou não do CDC, de forma a sintetizar o pensamento da corrente ora apontada, pode-se apresentar o seguinte silogismo: As normas estatuídas pelo Código se destinam a regular relações de consumo que ocorrem entre fornecedor e consumidor, sendo este, obrigatoriamente, destinatário final do produto ou serviço.

Os produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras, sobretudo, o crédito, não podem ser considerados bens de consumo, pois quando ocorre o consumo há o "gasto", "destruição ou extinção pelo uso, ou na acepção jurídica, também caracteriza o consumo quando a coisa é para uso.

Não bastasse o fato acima mencionado, quem utiliza os produtos e serviços bancários, não os utilizam como destinatário final, uma vez que a moeda, o crédito será sempre destinada à circulação, servindo sempre como instrumento de consumo ou investimento.

Portanto, não existindo bens a serem consumidos ou utilizados, tampouco consumidor, por óbvio, as normas contidas no CDC não se aplicam à relações banco/cliente.

Corroborando este pensamento, Arnoldo Wald sustenta, "Assim sendo, entre os produtos referidos no art. 2º da Lei 8.078 não se incluem nem o dinheiro, nem o crédito. Esse consiste em promessa de pagamento diferido, implicando troca de bens atuais por bens futuros, ensejando uma circulação de mercadorias ou valores, ou ainda a permuta de mesma coisa em momentos deferentes, ‘uma troca diferida no tempo’ ou, ainda, ‘uma inserção do tempo na troca’. Efetivamente, a entrega de dinheiro sob qualquer forma (mútuo, desconto etc.) ou a promessa de entrega do mesmo, ao contratante ou a terceiro, não constitui aquisição de produto (bem móvel ou imóvel) pelo destinatário final, pois, pela sua própria natureza, a moeda circula e só constituiria operação com o destinatário final se se tratasse de um colecionador de moedas que não as transferisse a terceiros, hipótese suficientemente excepcional para que não se possa generalizá-la".

Em suma, segundo esta doutrina, o CDC, quanto ao contratos firmados entre cliente e instituições financeiras, somente se aplica aos contratos de aluguel de cofre.


CONCLUSÃO

Não obstante seja bem construída a tese que elimina o relacionamento entre bancos e seus clientes da incidência do CDC, resta por óbvio que a esmagadora maioria da doutrina, corroborada por pacífica jurisprudência entende que são, efetivamente consumidores, sejam nos seu sentido estrito ou comparado, aqueles que se utilizam dos produtos e serviços das instituições financeiras.

Em nosso humilde entender, bastante inteligente a opinião esposada pela corrente minoritária, porém, faz-se imperioso concordarmos com a corrente majoritária, uma vez que, independente de conceitos e definições aqui lançados, as instituições financeiras por muito tempo se locupletaram as custas dos seus encautos clientes, que sem qualquer liberdade de contratar ou para contratar, se viam obrigados a pagar tarifas indevidas, juros exorbitantes, contratar seguros que não queriam, esperar em filas intermináveis e toda uma sorte de abusos praticados por estas instituições.

Além do mais, é notório, que os bancos sempre se utilizaram de contratos tipo formulário, impressos, contendo cláusulas previamente estabelecidas, o que caracteriza de forma evidente contratos de adesão, sendo assim, imprescindível que o CDC possibilite sua revisão e alteração, quando pertinente.

Para ratificar esta tendência na qual nos filiamos, muito recentemente, saindo mesmo do forno, mais exatamente em 26 de julho deste ano, o Banco Central do Brasil aprovou a resolução de nº 002878, cujo conteúdo vem disciplinar o relacionamento entre as instituições financeiras e os usuários dos serviços bancários.

Esta norma está sendo chamada informalmente de código do cliente bancário e passou a vigorar desde o dia 30 de julho.

Este conteúdo normativo, assim como o CDC, contemplou o princípio da transparência e boa fé, uma vez que entre os seus mandamento, encontra-se a obrigação dos bancos explicitar claramente ao cliente todos os termos dos contrato bancários, os extratos devem informa precisamente todas as movimentações e cobranças efetuadas pelo banco. As instituições ficam obrigadas, também, a explicar todo o procedimento ao cliente em caso de emissão de cheques sem fundo, encerramento de contas de depósito, cheque especial ou prestação de serviço em geral. Nesse mesmo sentido, os bancos deverão afixar em sua dependências, em local e formato visíveis, o número do telefone da Central de Atendimento ao Público do BACEM, acompanhado da observação de que o mesmo se destina ao atendimento a denúncias e reclamações, além do número do telefone relativo ao serviços de mesma natureza, se por ela oferecido, entre outras.

Como exemplo, citamos algumas outras medidas de cunho protetivo previstas pela resolução. Em caso de financiamento, quando o cliente pretender quitá-lo antes do prazo, os bancos deverão dar desconto exatamente proporcional às parcelas liquidas, trazidas a valores presentes. Os bancos também, não podem mais exigir 24 horas para fornecer o dinheiro solicitado pelo correntista em sua agência original, para quantias até R$ 5 mil. Os bancos estão proibidos de obrigar o cliente à contratação casada de serviços. Proibi-se, outrossim, o envio de cartões de crédito e extratos bancários mensais pelo correio ao cliente sem prévia solicitação do correntista, sendo que esta deve ser feita de maneira clara e precisa.

Enfim, notamos que depois de muito tempo de abuso e desmando, o CDC veio inaugurar uma nova fase, restabelecendo o equilíbrio contratual entre os consumidores e fornecedores de serviços e produtos bancários.


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NOTAS

1. Et alii, Código Brasileiro de Defessa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 270-.

2. Et alii, ab. cit., p. 31

3. Contratos e procedimento bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor: 1. ed., São Paulo : RT, 2000, p. 22.

4. Coelho, Fábio Ulhoa, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo : Saraiva, 1994, p. 45.

5. Marques, Cláudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 2 ed. São Paulo : RT, 1995, p. 141.

6. Silva, Calvão, A responsabilidade civil do produtor, Coimbra : Livraria Almedina, 1990, p. 58-59.

7. Bourgoignie, Thierry, O conceito jurídico de consumidor, Revista Direito do Consumidor 2/36.

8. Ob. Cit., p. 28

9. Saad, Eduardo Gabriel – Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3. Ed., São Paulo : Ltr, 1998.

10. Saad, Eduardo Gabriel – Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3.ed. São Paulo : LTr, 1998, p. 83/84.

11. Ob. Cit p. 85

12. Cretela, Júnior José – Acórdão publicado na RT 697/173.

13. Saad, Eduardo Gabriel – Comentário ao Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo : LTr, 1998.

14. Nery Junior, Nelson – Revista Direito do Consumidor 3/53.

15. Ob. cit., ps. 199/200.

16. Ob. cit., p. 53.

17. Filomeno, José Geraldo Brito – Manual de direitos do consumidor. São Paulo : Atlas, 1991.

18. Marins, James – Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, p. 84.

19. WALD, Arnoldo. O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras. Revista dos Tribunais : São Paulo. RT 666.

20. Ob. cit. p. 08.

21. Ob. cit. p. 11.



Informações sobre o texto

Monografia apresentada como avaliação final do curso de Especialização em Direito Empresarial, promovido pela Universidade de Uberaba em convênio com a Escola Superior de Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENE, Leone Trida. A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2996. Acesso em: 26 abr. 2024.