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O fenômeno jurídico-constitucional como fenômeno econômico.

O desenvolvimento do país em face da disciplina constitucional dos fatores econômicos.

O fenômeno jurídico-constitucional como fenômeno econômico. O desenvolvimento do país em face da disciplina constitucional dos fatores econômicos.

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Breve análise do conceito de desenvolvimento, em suas várias acepções e significados, relacionando-o com o fenômeno constitucional.

Resumo: Pretende-se neste texto analisar o termo “desenvolvimento”, em suas várias acepções e significados, relacionando-o com o fenômeno constitucional, partindo da premissa (teoricamente verdadeira) segundo a qual uma Constituição, seja qual for, tem em sua essência o objetivo de tornar efetivos e reais, o progresso e o desenvolvimento de uma nação. Posteriormente, a partir da análise dos processos históricos de surgimento e desenvolvimento do constitucionalismo moderno, será feita uma abordagem relacionando-os com os modos organização do Estado e suas opções político-econômicas, e a relação entre estas e a evolução social e cultural do país. Através da abordagem da realidade histórico-constitucional brasileira, tendo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como objeto principal, principalmente no concerne aos conceitos de “Constituição Social” e “Constituição Econômica” observaremos a opção do constituinte originário no que concerne à nossa “ideologia constitucional”. Serão analisados os princípios estruturantes desta ideologia, concluindo-se que seu supra-parâmetro consiste na dignidade da pessoa humana, sendo esta, a norma norteadora de todo o processo jurídico, seja de interpretação, aplicação ou produção de normas.

Palavras-chave: Direito, Economia, Desenvolvimento.


Introdução

Tema de suma importância para a ciência econômica através dos tempos, não sendo diferente hoje, o desenvolvimento será objeto desta análise, relacionando-o com o fenômeno jurídico, mais precisamente, com o fenômeno constitucional. Vivemos uma fase em que a estrutura econômica dos povos assume complexidade sem precedentes na história humana. Mas também vivemos uma época de profunda revolução jurídica, onde o direito assume importância social como jamais tivera.

O fenômeno jurídico e o fenômeno econômico sempre andaram de mãos dadas. Sendo duas faces do mesmo tecido social não há como ser diferente. Um interfere no outro num ciclo sem fim, ciclo este que se espera virtuoso. O homem, um ser eminentemente social, tece estruturas sociais complexas ao longo da história, tendo como pano de fundo a satisfação de suas necessidades [1].  Estabelece relações eminentemente econômicas entre si engendrando uma organização social complexamente estruturada, tendo o Direito como uma de suas determinantes.

Havendo, portanto, uma direta relação de interdependência entre essas duas esferas, a jurídica e a econômica, este estudo terá como objetivo geral evidenciar a direta influência que exerce a Constituição, documento jurídico-político por essência, na formulação da política econômica de um país e na disciplina de seus atores econômicos, tendo como resultante o real desenvolvimento, ou não.

Passaremos pela observação histórica dos processos de formação dos Estados nacionais analisando-os sob a perspectiva constitucional e econômica. Neste processo reputa-se de fundamental importância sabermos qual sistema econômico se mostrou historicamente de maior efetividade no que toca ao desenvolvimento de uma nação. Posteriormente, tendo a Constituição de 1988 como objeto de estudo maior, faremos uma abordagem de seu texto, no sentido de esclarecer qual a sua ideologia.


Desenvolvimento

O primeiro ponto a ser objeto de análise neste estudo deve ser o que se entender pelo termo “desenvolvimento”. Este conceito, podendo ser compreendido em várias acepções e significados, deve ser delimitado em seu sentido, para sua correta apreensão. Para isto, podemos partir da análise de alguns significados atribuídos ao termo pelos seguintes autores.

Celso Furtado, consagrado economista brasileiro, estabelece como premissa básica o fato de que o “desenvolvimento funda-se na realização das potencialidades humanas”, e que:

O conceito de desenvolvimento tem sido utilizado, com referência à história contemporânea, em dois sentidos distintos. O primeiro diz respeito à evolução de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas torna-se mais eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho. (...) O segundo sentido em que se faz referência ao conceito de desenvolvimento relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas (1980, p. 15-16).

Outra definição interessante do termo “desenvolvimento” é a que se encontra em pequena obra chamada “O Direito do Desenvolvimento”, organizada por Elida Séguin (2000, p. 2), onde se diz que “desenvolvimento é um processo integrado, em que as estruturas sociais, jurídicas e tecnológicas do Estado passam por transformações, visando à melhoria da qualidade de vida do Homem”. E conclui dizendo que “desenvolvimento não pode ser confundido com crescimento econômico, onde não existe o antropocentrismo” (2000, p. 2).

Mais adiante, na mesma obra, se afirma que:

O conceito de desenvolvimento, antes de ser econômico, é social. O desenvolvimento é a marcha para adiante no curso de uma ação de eventos que proporcionem o melhoramento gradual das condições econômicas e culturais da humanidade, de uma nação ou de uma comunidade em uma direção definida, fundamentando tal conceito na constante melhoria de qualidade de vida da população. (...) deve-se ressaltar que o crescimento econômico é apenas um de seus aspectos e apenas isto (2000, p. 108).

Verifica-se nestes conceitos que “desenvolvimento” sempre tem o homem como parâmetro de aferição, seja direta ou indiretamente, visto que não há mais como concebê-lo como simples crescimento econômico-quantitativo[2]. O desenvolvimento, claramente humanizado por influência de ideologias como o socialismo e o comunismo, assume nova escala de valores na medida em que coloca o homem como a real medida de sua evolução[3].

Sob perspectiva eminentemente econômica, o desenvolvimento foi sendo pincelado com cores cada vez mais nítidas de humanismo. Os economistas tiveram que revisitar suas antigas teses nas quais se priorizava o crescimento econômico quantitativo acreditando numa livre acomodação de fatores tendente a uma natural harmonia. Viu-se que estas e outras teses da livre atuação do mercado, onde este teria as chaves para seus próprios problemas não eram aplicáveis. Outras teses tiveram que ser desenvolvidas com o intuito de corrigir tais vícios [4].

Não há, portanto como dissociar desenvolvimento econômico da questão social. Os autores que entendiam que havendo crescimento econômico, haveria concomitante desenvolvimento social, perderam espaço. Nali de Jesus de Souza, em seu “Desenvolvimento Econômico” cita os neoclássicos Meade e Solow, e os keynesianos Harrod, Domar e Kaldor. A História nos mostra que estavam enganados. O simples crescimento econômico não se mostrou capaz de atender às mínimas aspirações do gênero humano. Portanto, a partir deste ponto, assume-se que desenvolvimento sempre deve ser entendido como “desenvolvimento econômico-social”, numa clara demonstração do caráter indissociável que assumem essas duas dimensões da sociedade.


2.      A Constituição como produto burguês

O Estado moderno, construído sobre as bases dos ideais iluministas, e sobre os escombros das Revoluções Francesa e Americana, posteriormente transmutado em Estado Liberal, exigia para a realização do seu objetivo que fosse criado um arcabouço jurídico em atenção aos seus interesses de limitação de poder, resguardando as liberdades individuais. A Constituição, deixando de ser simples documento decorativo, dispondo agora de maior poder vinculante, alem de agir como vetor político, seria, então, a base fundamental deste arcabouço. “O poder, segundo o constitucionalismo liberal, deveria mover-se, por conseguinte, em órbita específica, a ser traçada pela Constituição” (BONAVIDES, 2010, p. 36).

Neste contexto de desenvolvimento quase que simultâneo do liberalismo e do constitucionalismo, este último teria como finalidade precípua a garantia e a limitação do poder, estabelecendo novas bases de fundamentação e justificação do uso do domínio político. A Constituição seria o objeto-meio mais eficiente para efetivar tal objetivo. Neste ponto, vem à colação a precisa doutrina de Luiz Roberto Barroso (2010, p. 75) que diz ser possível conceituar a Constituição “do ponto de vista político, como o conjunto de decisões do poder constituinte ao criar ou reconstruir o Estado, instituindo os órgãos de poder e disciplinando as relações que manterão entre si e com a sociedade”.

Deu-se ensejo, então, ao posterior entendimento que conclui por uma direta relação entre o surgimento do Estado Liberal, juntamente com a construção das bases para a livre atuação burguesa, e o consequente crescimento econômico (quantitativo), porquanto se verifica que:

No plano político, notadamente na Europa continental, a Constituição consagrou a vitória dos ideais burgueses sobre o absolutismo e a aristocracia. Foi de certa forma, a certidão do casamento, de paixão e conveniência, entre o poder econômico – que já havia sido conquistado pela burguesia – e o poder político (BARROSO, 2010, p. 77).

Era fundamental para a classe burguesa de então tomar de alguma forma as rédeas do Poder, assegurando para si a possibilidade de exercer, de forma livre de amarras, suas atividades econômicas e mercantis. O Absolutismo com características feudais praticado até então deixava pouca ou nenhuma margem de atuação aos burgueses, os verdadeiros detentores do capital, para desenvolverem o livre comércio. Sobrava-lhes capital. Faltava-lhes poder. Era preciso mudar a organização do Estado.

É neste contexto que surge o Estado de Direito, em substituição ao decrépito Estado Absolutista[5] [6]. A partir dos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade (mitigados, é claro), tendo o liberalismo como ponta de lança, o livre mercado como objetivo e o capitalismo como resultado, construiu-se o ambiente propício para que prosperassem as mais caras aspirações burguesas [7].

Liberdade democrática, livre circulação de idéias, segurança jurídica, direito à propriedade, dentre outros, são princípios que, em maior ou menor grau, estão, desde então, presentes no ordenamento político-jurídico das grandes nações, quase sempre positivados num documento com valor jurídico único, a Constituição. É possível verificar a direta relação entre a presença de tais bases jurídicas e o desenvolvimento ao se analisar a estrutura jurídico-política destes países, dentre os quais os principais atores da atual política econômica mundial, Estados Unidos da América, França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Brasil. Em todos há Constituição, escrita ou não, prolixa ou sintética, analítica, dirigente ou demais classificações que se possa preferir.

Não se quer aqui dizer que com o simples fato de haver uma Constituição em que são formalmente esposados os mencionados princípios estruturantes de uma grande nação haverá por si só a garantia de concretização deste objetivo maior que é o efetivo desenvolvimento. O termo desenvolvimento pressupõe em sua essência uma linha dinâmica de continuidade, “um processo, e portanto, os países podem se situar em diferentes etapas ao longo da rota de desenvolvimento, o que de fato ocorre” (FONSECA, 2006, p. 11). No contexto em que analisado não há como estabelecer marcos ou termos exatos desta linha evolutiva.

A Constituição seria uma simples, e muitas vezes dolorosa (vide Revolução Francesa), fase daquele processo, representando, porém, mais do que um mero momento histórico. Seria o momento vital e determinante em que um povo escolhe no arcabouço cultural humano os valores que mais se adaptam a sua realidade.

Dispondo de “força normativa” [8], a Constituição estabelece as bases jurídicas sobre as quais os atores econômicos poderão (ou deverão) agir. Há, portanto, um estabelecimento de diretrizes e parâmetros a serem seguidos e buscados. Dessa forma, a Constituição e sua “força normativa” seriam, então, a base, em alguns casos de solidez inquebrantável, sobre a qual o edifício do capitalismo, em conjunto com o liberalismo e os ideais burgueses, logrou desenvolver-se e solidificar-se.


3.      A Constituição possível

Não se pode, é claro, desprezar a influência dos “fatores reais de poder” [9] na conformação do arcabouço jurídico de uma nação, inclusive sua Constituição[10]. Marx chega inclusive a dizer que “o regime da produção e a estruturação social que dele necessariamente deriva em cada época histórica constituem a base sobre a qual se assenta a história política e intelectual dessa mesma época” [11].

Os ideais burgueses lograram obter campo fértil no ordenamento jurídico das grandes nações européias por causa da forte influência exercida por aquela classe social, detentora que era dos meios de produção e do capital necessário para mantê-los. Não havia como ser diferente. Foi a vitoria do capital e de todos os fatores que lhe pareciam caros à época. A vitória dos ditos “fatores reais de poder”.

Corroborando as teses de Lassalle, seu contemporâneo, Karl Marx, em entendimento extremamente materialista da realidade, diz que:

Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência (MARX, 1859).

Na transcrição acima, Marx delimita dois termos caros ao Materialismo Histórico. Para esta teoria, toda a estrutura jurídico-política de determinada sociedade e seus aspectos culturais, incluindo ideologia e valores (Superestrutura), são determinados pelo seu mundo material, pela sua realidade econômica e seu modo de produção (Infraestrutura). E mais:

Para o marxismo, o poder legislativo, a organização judiciária, o Estado como responsável pela realização da justiça, tudo é apenas o instrumento político e social a fim de fazer valer a vontade da classe dominante, daquela que mantém o Estado sob tutela, com o objetivo de que prevaleçam os seus interesses materiais: de um lado os capitalistas, do outro o proletariado. (...) O Estado não passaria de um aparelho de dominação da classe que detém o poder, pois os organismos que o estruturam têm como finalidade principal permitir que sempre prevaleça a vontade da classe opressora (MORAES, E, 1998, p. 307-308).

Em entendimento parecido com o de Marx, porém não tão restritivo da matéria sob análise, José Afonso da Silva, no atinente à disciplina econômica presente na Constituição de 88, assunto ao qual voltaremos abaixo, diz que:

Reconhecemos valor ao conceito de constituição econômica, desde que não pensemos que as bases constitucionais da ordem econômica é que definem a estrutura de determinado sistema econômico, pois isso seria admitir que a constituição formal (superestrutura) “constitua” a realidade material (constituição material: infra-estrutura). Mas também não se trata de aceitar um determinismo econômico mecânico sobre a realidade jurídica formal. Se esta é forma, torna evidente que recebe daquela os fundamentos de seu conteúdo. Mas a forma também influi na modelagem da matéria (2008, p. 790).

Porém, em nota de roda-pé, o mesmo doutrinador diz:

Chamaria de “positivismo dialético” essa concepção do Direito como formado por influência da infra-estrutura, mas que a ela retorna como parte da realidade toda, influenciando-a, e assim modificada condiciona novas formas jurídicas que retomam... num processo dialético dinâmico de dominância do real à superestrutura jurídica e influência desta naquela... (2008, p. 790).

Neste contexto, aderimos à posição esposada por José Afonso da Silva, no sentido de haver uma recíproca influência entre a infra-estrutura e a superestrutura. Marx com uma visão reducionista, e eminentemente materialista sobre o assunto, limitou sobremaneira o entendimento acerca dos aspectos inerentes à condição humana que não podem ser deixados de lado. Os “fatores reais de poder”, ou como queria Marx, a Infra-estrutura, age de forma a influenciar a organização político-social de uma nação, sem sombra de dúvidas. Porém, na quadra em que vivemos, as Constituições assumem carga normativa nova e revigorada por (r) evoluções culturais decorrentes de viradas de valores cada vez mais tendentes à humanização do Direito.

A Constituição, produto cultural essencialmente humano, hoje dotada dos mais caros valores conquistados ao longo de séculos de batalhas, escrita com o sangue dos que lutaram para torná-la realidade, não é um simples produto da realidade material. A carga histórico-cultural que tal documento traz em si não pode ter como base somente aspectos materiais, portanto.


4.      O Capitalismo

Algumas escolhas levam a caminhos menos tortuosos em direção ao desejável desenvolvimento pleno de uma nação. É certo que nações com uma cultura democrática madura e elevado nível de respeito aos Direitos Fundamentais alcançaram níveis incríveis de evolução.  Estados Unidos da América, França, Alemanha, Japão, Reino Unido, dentre outros, são países com um desenvolvimento mais que evidente e que em maior ou menor grau possuem em seus ordenamentos jurídicos, tendo como fundamento de validade uma Constituição, os princípios asseguradores do pleno desenvolvimento social e econômico.

Com as imperfeições e vícios que o mundo real pode nos apresentar, e de fato nos apresenta, vê-se que são países onde a evolução cultural, culminando na solidificação de institutos jurídicos como segurança jurídica e respeito à propriedade, é evidente. Criou-se o ambiente propício para que florescesse e vicejasse o chamado Capitalismo de Mercado.

Salta aos olhos o fato de que o Sistema Capitalista de produção se mostrou o modelo econômico mais eficaz em comparação com suas alternativas históricas[12]. O Comunismo não logrou sucesso em sua tentativa de implantação na Rússia pós-revolução (1917). O Socialismo, muitas vezes manietado e mitigado para caber em várias denominações, apesar de bem intencionado e de ter influenciado a moderna organização econômica de vários países, não teve implantação realmente efetiva. Com ideais justos em suas essências, porém utópicos em sua efetivação, não tiveram sucesso em sua empreitada de concretizar-se, não se podendo nunca negar, porém, a contribuição teórica que estes deram às ciências humanas em geral.

Quando se fala em sistema de organização da produção “eficaz” está-se a falar em termos quantitativos, ou seja, criação e aumento de valor[13]. Não há como negar o aumento exponencial no PIB das nações onde se verificou a propagação dos cânones capitalistas e liberais. A Revolução Industrial, e o conseqüente aumento de produção e consumo, é o fator principal para se analisar neste diapasão.

Revolução Industrial é a denominação que se dá ao processo de evolução tecnológica sem precedentes verificada nos meios de produção que se deu a partir de meados do século XVIII no continente europeu, tendo como principal protagonista a Inglaterra. Deu-se essa revolução na Europa e não em outro lugar pelo motivo de esta ser o berço dos ideais burgueses, tendo o liberalismo como diretriz principal, e o capitalismo como principal resultante. Pinto Ferreira afirma que “o desenvolvimento econômico do mundo, no sentido de progresso e do bem-estar geral, teve inicio com o advento da revolução industrial” (1993, p. 66).

Não havia como ocorrer uma revolução de tais proporções tendo como ambiente a velha organização feudal onde não se tinha liberdade de iniciativa, de pensamento ou de crença, e se era tolhido, ou pelo senhor feudal, ou pelo clero. Para que a Revolução Industrial acontecesse era necessário um ambiente propício à livre propagação de idéias, com um mínimo de segurança. O desenvolvimento tecnológico que se verificou nesse período não poderia ter acontecido sem a vultuosa soma e acumulação de capitais que foi efetivada através da, cada vez mais forte e influente, classe burguesa, e sua disposição de acumular mais e mais capital, e aplicá-lo, gerando mais lucro, num ciclo virtuoso, porém cheio de vícios.


5.      Outro Capitalismo

Deve-se analisar o desenvolvimento de uma nação usando como parâmetro de evolução uma acepção mais social e humanizada, deixando de utilizar como objeto de análise somente dados econômico-quantitativos. Para isso parte-se do pressuposto de que “o estado moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações, no tempo, apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à constituição e à preservação do modo de produção social capitalista, posteriormente à substituição e compensação do mercado” (sic) (GRAU, 2010, p. 17).

Verifica-se que o mercado, atuando livremente sob a alcunha de “liberalismo econômico”, não detém as ferramentas para corrigir os próprios vícios, gerando uma série de distorções (surgimento de monopólios, cíclicas crises econômicas, conflitos sociais com capital de um lado e trabalho de outro), e a partir destas, problemas de toda ordem no meio social[14]. É necessário a partir de então, uma atuação positiva por parte do Estado. Este deixa de ser o ente inerte e passivo apregoado pelos ideólogos do liberalismo, e passa a agir, passa a atuar paralelamente (às vezes concorrentemente) ao mercado, onde este falhou[15].

Eros Roberto Grau diz que “as imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de auto regulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado” (2010, p. 19-20). E mais:

Evidente a inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestava na instituição do monopólio estatal de moeda – poder emissor -, na consagração do poder de polícia e, após, nas codificações, bem assim na ampliação do escopo dos serviços públicos, assume nitidamente o papel de agente regulador da economia (2010, p. 23-24).

O cultuado Deus-Mercado não consegue, então, se manter sem uma atuação estatal positiva. Porém já fizera seus milagres: desenvolvimento de novas tecnologias, diminuindo custos e barateando o produto (sem necessariamente democratizar o acesso aos mesmos); ampliação maciça, porém não justa, de mercados consumidores; construção de ambiente propício à fácil circulação de capitais.

Verificou-se, porém, que “o aumento da eficácia do sistema de produção – comumente apresentado como indicador principal do desenvolvimento – não é condição suficiente para que sejam melhor satisfeitas as necessidades elementares da população” (FURTADO, 1980, p. 17).

A conclusão foi que tinha de fato chegado o tempo de uma mudança de parâmetros[16]. Não se podia mais conviver com o estado de coisas tais como estavam. Eros Grau, citando Karl Polanyi e sua obra “A Grande transformação – As origens da nossa época”, neste ponto, arremata dizendo que “por mais paradoxal que pareça não eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um mercado auto-regulável, mas também a própria organização da produção capitalista” (2010, p. 28).

Neste contexto histórico em que o próprio modo de ser do capitalismo se encontrava em risco, as Constituições, adquirindo nova carga normativa, deixando de disciplinar apenas a organização do poder e o modo de exercê-lo face ao particular, adquire novos âmbitos de atuação, novas nuances e novos valores. Eis que surge um novo tipo de Estado em substituição ao antigo Estado Liberal. Chama-se Estado Social.

O primeiro firmou a restrição dos fins estatais, consagrando uma declaração de direitos do homem, como estatuto negativo, com a finalidade de proteger o indivíduo contra a usurpação e abusos do poder; o segundo busca suavizar as injustiças e opressões econômicas e sociais que se desenvolveram a sombra do liberalismo (SILVA, 2008, p. 786).

Luiz Roberto Barroso traça com precisão um retrato dessa evolução:

Ao longo do século XIX, o liberalismo e o constitucionalismo se difundem e se consolidam na Europa. Já no século XX, no entanto, sobretudo a partir da Primeira Guerra, o Estado ocidental torna-se progressivamente intervencionista, sendo rebatizado de Estado social. Dele já não se espera apenas que se abstenha de intervir na esfera individual e privada das pessoas. Ao contrário, o Estado, ao menos idealmente, torna-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população (2010, p. 66).

As Constituições, dotadas de força normativa cada vez maior, se tornando evidentes fatores de desenvolvimento, assumem o papel de estabelecer as bases, premissas e diretrizes para o real e efetivo desenvolvimento de uma nação, sem abandonar os princípios básicos do sistema capitalista.  Ou seja, as diretrizes básicas do liberalismo econômico, esteio do capitalismo de mercado, não são de todo abandonadas até pela impossibilidade fática de fazê-lo sem rupturas políticas traumáticas. Ocorre uma ligeira, e quase que imperceptível (porque muitas vezes ineficaz) mudança de paradigmas, onde o valor “homem” assume posição de destaque.


6.      Brasil

O Brasil, no que concerne ao fenômeno econômico, goza de relativa similitude com o padrão europeu. O que nos diferencia é a velocidade com que se deram as coisas deste lado do atlântico, muitas vezes com séculos de atraso ou a reboque de outros países[17]. Com relação a nossos institutos jurídicos, não podendo ser diferente, também são espelhados no padrão europeu “até porque o nosso pensamento político apenas refletia o que nos vinha de fora, numa espécie de fatalismo intelectual (sic) que subjuga as culturas nascentes” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 185).

A realidade histórico-constitucional brasileira no que toca à atividade econômica é de relativa abstenção estatal, sempre respaldando os cânones liberais em seus preceitos[18]. Ocorre uma mudança deste paradigma com o advento da “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil” de 1934 que representou uma “ruptura da concepção liberal de Estado demonstrando grande preocupação e compromisso com a questão social” (BULOS, 2010, p. 481). Nela foi inaugurado:

[...] um discurso intervencionista e inovador em todos os sentidos – tanto na estrutura como na própria essência -, que começava por introduzir os princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna, além de garantir a liberdade econômica dentro de tais limites, como elementos fundamentais para a organização da ordem econômica (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 1405).

Voltando os olhos para a Constituição de 88, apelidada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”, é de se observar que esta, surgindo de um momento de conjugação política ímpar, em que se tentou chegar ao possível consenso em torno de questões as mais diversas, apesar disto, é “a mais democrática das nossas cartas políticas” (MENDES, COELHO E BRANCO, 2009, p. 203). Democrática no sentido de, no limite do possível, ter albergado em seu processo de elaboração os mais diversos extratos sociais, das mais díspares ideologias, dos mais variados interesses [19].

O resultado deste processo é a Carta de 88, gloriosa em sua essência, porém carente em efetividade. Programática, estabelece em seu corpo programas e diretrizes a serem perseguidos e concretizados através de posturas ativas do poder público e pelo papel também atuante da sociedade civil. Em seus atuais 250 artigos, incluindo correspondentes incisos e parágrafos, transparece o espírito eminentemente socializante e inclusivo de tal documento.

O Brasil, sendo clara e diretamente influenciado pelo movimento socializante que se deu no início do século XX, não podia e não ficou passivo diante da virada de valores onde:

Reaparece a idéia de que é preciso um elemento de ética, para conter as forças cegas do mercado que, largadas a si mesmas, seriam incapazes de realizar a felicidade humana. Agora, diferente de antes, não se trata da felicidade individual, mas da felicidade da sociedade, da felicidade socialmente organizada (SOLA, 1993, p. 21).

A Constituição de 88 é a representação máxima deste movimento. Já em seu preâmbulo[20], que, deixando discussões doutrinárias a respeito de sua natureza jurídica de lado, possui evidente “função de ponte no tempo (sic), como documento que, simultaneamente, fala no presente e para o presente, evocando o passado e mirando o futuro, e que atua como vetor hermenêutico, e como enunciado normativo” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, P. 34), ficam estabelecidos os princípios básicos, norteadores de toda nossa ordem econômica, política e social. É a síntese da nossa “ideologia constitucional” (GRAU, 2010).

Transparece de sua leitura a evidente intenção que teve o constituinte originário de imprimir no texto constitucional a escolha por uma ordem política nacional fundada no ser humano como valor supremo a ser respeitado e valorizado. É possível, então, entender que a nossa “ideologia constitucional” tem como base fundamental e supra-parâmetro o valor “homem”. Não o homem como indivíduo, numa concepção extremamente egoísta e com ideologia eminentemente capitalista. O homem, em tão contexto, tem a conotação de partícipe de uma coletividade. O homem como ser social. Deste entendimento infere-se que o desenvolvimento nacional terá como premissa básica o “desenvolvimento humano”.

Não se quer aqui dizer que seja a Carta de 88 um documento de cunho socialista. Ao contrário, é, de fato, capitalista. Porém, de um capitalismo mitigado e humanizado. Capitalismo no qual o Estado toma a frente no sentido de potencializar o desenvolvimento material, espiritual, ético e cultural da sociedade.


7.      Os princípios

Miguel Reale, quando diz que o Direito, sendo um “fato ou fenômeno social” corresponde “à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade” (2002, p. 2), estabelece o ponto de partida para o entendimento segundo o qual “a obtenção do progresso social requer a criação de normas positivas, que somadas às clássicas normas proibitivas, ampliam consideravelmente o número de normas do direito objetivo” (GRECO, 2001. p. 67).

De início, fica estabelecido que “o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” (BARROSO, 2004, p.151) [21].   Para restringir a amplitude do estudo e se ater ao tema proposto, neste momento somente serão analisados os princípios atinentes à ordem econômico-social.

Logo no Título I da Constituição de 88, que recebe o nome ”Dos Princípios Fundamentais”, são estabelecidos os fundamentos axiológicos da República Federativa do Brasil. Em seu primeiro artigo fica dito que constitui a “República Federativa do Brasil” um “Estado Democrático de Direito”. Daí surgem dois princípios de suma importância a qualquer análise de cunho constitucional. “Princípio Republicano” e “Princípio Democrático”. Somos, em decorrência da escolha feita pelo constituinte originário, uma “república democrática”, dois axiomas de suma importância no que tange à ordem econômico-social no sentido de que estabelecerem a forma como será exercido o poder, e quem é seu titular [22] [23].

Da análise destes dois princípios fica mais que evidente sua importância para o efetivo desenvolvimento de uma nação porquanto representam o rompimento com um Estado de cunho monárquico ou ditatorial, despótico e centralizador em essência, Estado este que por sua natureza não representa um ambiente propício à evolução econômico-social de uma nação, por não assegurar de maneira efetiva o respeito aos direito fundamentais. A “república democrática” se torna, portanto o ambiente ideal em que vicejam os valores intrínsecos ao capitalismo de cunho social.

A “dignidade da pessoa humana”, albergada no art. 1º, inciso III, “enquanto princípio, constitui, ao lado do direito a vida, o núcleo essencial dos direitos humanos” (GRAU, 2010, p. 197). Nesta quadra, em que o “homem” assume posição de supra-parâmetro na ordem jurídica e social, se tornando, de fato, a medida de todas as coisas, este princípio desponta, numa hipotética escala de valores, como o topo na hierarquia principiológica atual, sendo “desde logo considerado de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 172).

Guilherme Peña de Moraes, em pequena obra chamada “Readequação Constitucional do Estado Moderno” diz que:

(...) a dignidade da pessoa humana equivale ao valor supremo da ordem jurídica, na medida em que atribui unidade teleológica aos princípios e regras que compõem o ordenamento constitucional e infraconstitucional, de maneira que a pessoa deve ser tratada como um fim em si mesma, e não um meio para o fim de outros (2006, p. 53).

A partir da premissa de sua supraconstitucionalidade desponta desde já a idéia de que a ordem jurídica nacional está cogentemente fundada na dignidade humana respaldando e irradiando seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, incluindo Constituição e demais normas, se tornando, portanto, “o centro axiológico da concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais” (BARROSO, 2004, p. 375).

Uadi Lammêgo Bulos diz que:

Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria (2010, p. 499).

O desenvolvimento nacional, extraindo suas premissas e parâmetros do texto constitucional, há de ser pautado, portanto, pelo efetivo respeito à dignidade humana. É este princípio que irradia no ordenamento jurídico como um todo o postulado máximo do respeito ao homem e sua dignidade, principalmente enquanto ser social. “Significa então que a ordem econômica mencionada pelo Art. 170, (...) – isto é, o mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna de que todos devem gozar” (GRAU, 2010, p. 198).

Contudo, para o homem obter uma existência digna, vivendo em um país capitalista, onde evidentemente há certo grau de liberdade de atuação por parte da iniciativa privada, o Estado, pautado em suas normas constitucionais, assume a função de regulador e fomentador. Atua de forma a regular a atuação do mercado, resguardando um dos postulados capitalistas, a “livre iniciativa”, porém, dando proteção ao homem enquanto fator de produção “trabalho”, ressaltando os respectivos “valores sociais”.

É o que se extrai da leitura do art. 1º, inciso IV, da Constituição, onde se verifica que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, dentre outros, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

Uadi Lammêgo Bulos diz que:

“(...) ao prescrever os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a Constituição aduziu que a ordem econômica se funda nesse primado, valorizando o trabalho do homem em relação à economia de mercado, nitidamente capitalista. Priorizou, pois, a intervenção do Estado na economia, para dar significação aos valores sociais do trabalho. Estes, ao lado da iniciativa privada, constituem um dos pilares do Estado brasileiro” (2010, p. 501).

Neste ponto há que se ter em mente o entendimento de Eros Roberto Grau quando este deixa vincado que “a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho” (2010, p. 207). E arremata, corroborando a tese de Miguel Reale Júnior, dizendo que “a livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo, corolária da valorização do trabalho, do trabalho livre, em uma sociedade livre e pluralista” (2010, p. 208).

Posteriormente, já no Art. 3º, são estabelecidos os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” [24]. José Afonso da Silva sinaliza que:

É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana” (2007, p. 105-106).

Fica o Estado brasileiro, de acordo com tal dispositivo constitucional, obrigado a concretizar, ou buscar a concretização, de tais objetivos fundamentais. Estes, do ponto de vista econômico-social, tendo o desenvolvimento nacional como mote, apresentam o que há de mais representativo no que concerne ao progresso cultural de um povo no sentido de “concretizar a democracia econômica, social e cultural”.

O comando do art. 3º é, portanto, um dos fundamentos de intervenção estatal na seara social e econômica, extraindo seu fundamento de validade, como, aliás, todas as normas constitucionais, do “princípio da dignidade da pessoa humana”.

É interessante observar as diferentes classificações que a doutrina faz a respeito da natureza jurídica de tal dispositivo constitucional. Eros Grau sintetiza bem este tema ao consignar que Dworkin o classifica como “diretriz”; Canotilho como “princípio constitucional impositivo”; e José Afonso da Silva como “princípio político-constitucional”.

Divergências doutrinárias a parte, salta aos olhos a importância de se ter em mente os comandos do art. 3º, porquanto o pleno desenvolvimento de uma nação pressupõe a efetiva concretização de seus preceitos. São pressupostos de uma nação desenvolvida que haja de fato uma “sociedade livre, justa e solidária”, onde seja erradicada a “pobreza e a marginalização”, reduzindo “as desigualdades sociais e regionais”, e, claro, promovendo “o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação”.

Quanto ao capitulo II da Constituição, cujo título é “Dos Direitos Sociais”, este nos traz, do art. 6º ao 11º, a disciplina constitucional das “liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos” (BULOS, 2010, p. 783). É mais do que necessário abordar este tema tendo em vista o que ficou acima consignado quando se diz ser a Constituição de 88 a Constituição de um Estado Social[25].

Quando da leitura deste capítulo da Carta de 88 salta aos olhos o objetivo do constituinte originário de tornar estes direitos politicamente e juridicamente efetivos adquirindo desde já “status de direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis erga omnes – até mesmo contra o Estado, que, ao constitucionalizá-los, dotou as suas normas de injuntividade” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 757-758).

São estes direitos, verdadeiros vetores do desenvolvimento. Estabelecem qual direção tomará o país em tal sentido, trazendo uma obrigação ao poder público no intuito de efetivá-los. Uadi Lammêgo Bulos estabelece a premissa de que o sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado no sentido de ser a ele que se pode cobrar sua efetivação. Porém há de se ter em mente que tais direitos correspondem a “obrigações de fazer, a cargo não apenas do Estado, mas da sociedade em geral” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 760).

Os direitos sociais são fruto da evolução política perpetrada no seio da sociedade tendo em vista a mais uma vez mencionada mudança de valores e paradigmas, no sentido de humanizar a antiga concepção meramente econômica de desenvolvimento. São “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” (SILVA, 2007, p. 286).

Sendo “a Constituição de 1988 basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social” (BONAVIDES, 2010, p. 371) optou-se no presente estudo por falar da “Constituição Econômica” após percorrer grande parte dos institutos constitucionais atinentes à socialização e humanização do Direito não por mera conveniência de se ater à topografia constitucional. Considera-se, na atual quadra, que mais importante que disciplinar a própria atividade econômica, é disciplinar a forma como se dará sua socialização.

“Constituição Econômica” na doutrina de Uadi Lammêgo Bulos (2010, p. 783) “é a parte da constituição total, encarregada de estatuir preceitos reguladores dos direitos e deveres dos agentes econômicos, delimitando, assim, o regime financeiro do Estado”, tratando-se, portanto, “de um microssistema normativo, integrado à própria carta constitucional positiva, em cujo esteio erigem-se normas e diretrizes constitucionais que disciplinam, juridicamente, a macroeconomia”.

No Título VII da Constituição, “Da Ordem Econômica e Financeira”, e seus quatro capítulos, restam concentrados diversos preceitos de ordem econômico-social, sendo para este estudo o mais representativo o Capítulo I. Este se chama “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” e estabelece em seu primeiro artigo, o de número 170, que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Posteriormente estabelece uma série de princípios norteadores da opção política do constituinte originário, que lidos de forma sistemática e em consonância com os demais preceitos constitucionais conota a idéia de que a “ordem econômica na Carta de 88 está impregnada de princípios e soluções contraditórias. Ora abre brechas para a hegemonia de um capitalismo neoliberal, ora enfatiza o intervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador, ressaltando até elementos socializantes” (BULOS, 2010, p. 1480).

Eros Roberto Grau, rechaçando desde logo essa suposta contradição constitucional, porém utilizando tom contemporizador, arremata:

É que, de um lado, não se pode visualizar a ordem econômica constitucional como produto de imposições circunstanciais ou meros caprichos dos constituintes, porém como resultado do confronto de posturas e texturas ideológicas e de interesses que, de uma ou de outra forma, foram compostos, para como peculiar estrutura ideológica aninhar-se no texto constitucional. De outro lado, sendo a Constituição um sistema dotado de coerência, não se presume contradição entre suas normas. A admitir-se a ocorrência de contradições entre elas, (...) por força hão de ser eliminadas, seja para afirmar-se que umas são válidas (ou não se aplicam a determinados casos), seja as interpretando de modo adequado e suficiente à superação da contradição ou contradições (2010, p. 194).

Neste sentido, cumpre-nos neste momento verificar a doutrina de Luiz Roberto Barroso, em seu “Interpretação e aplicação da Constituição”, quando, analisando o princípio da unidade da Constituição, aquele diz que:

É precisamente por existir pluralidade de concepções que se torna imprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. Deverá fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior (2004, p.196).

Neste processo de interpretação constitucional, sob pena de insegurança jurídica, há de se ter em mente, portanto, que os “princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes” (BARROSO, 2004, p. 196) serão a base orientadora do intérprete constitucional:

[...] a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e como fim da ordem econômica (mundo do ser) (art. 170, caput); os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV) e – valorização do trabalho humano e livre iniciativa – como fundamentos da ordem econômica (mundo do ser) (art. 170, caput); a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º I); o garantir o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º II); a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º III) – a redução das desigualdades regionais e sociais também como princípio da ordem econômica (art. 170, VII); a liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8º); a garantia do direito de greve (art. 9º); a sujeição da ordem econômica (mundo do ser) aos ditames da justiça social (art. 170, caput); a soberania nacional, a propriedade e a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte, todos princípios enunciados nos incisos do art. 170; a integração do mercado interno ao patrimônio nacional (art. 219) (GRAU, 2010, p. 195).

Portanto, não há como conceber contradições, mesmo que aparentes, no bojo da Constituição de 88. Esta representa a síntese de um sistema político integrado voltado à concretização de um único fim, a construção de uma grande nação, onde o desenvolvimento real e efetivo de todos os seus membros seja o norte a ser buscado, sempre tendo como diretrizes orientadoras os princípios constitucionais, que não obstante seus particulares âmbitos de atuação visam, no fim e ao cabo, concretizar a “dignidade da pessoa humana”.


Conclusão

De todo o exposto até aqui, conclui-se pala evidente e direta relação entre a Constituição de um país e o seu desejado desenvolvimento. Aquela estabelece os rumos e diretrizes por meio dos quais se efetivará o progresso, se tornando fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico e de todos os atos da administração pública, e claro, age no sentido de disciplinar a atuação dos particulares e suas atividades mercantis, estabelecendo um parâmetro social de atuação a estas, dando, então, qualidade ao crescimento econômico.

Verificou-se, porém, que o fato de haver uma Constituição por si só não determina o grau de evolução de um país. Há por traz disto um conjunto de inúmeros fatores que aí intervêm. O que se procurou dizer aqui é que em havendo a Constituição Econômica, nesta devem ser esposados parâmetros e princípios tendentes a criar ambiente propício ao desenvolvimento econômico, juntamente com o desenvolvimento humano. A atuação dos particulares, apesar de parcialmente tutelada, é necessária para o crescimento econômico. As normas jurídicas devem fornecer a moldura em que atuarão os vários fatores econômicos.

Chegamos também à conclusão de que crescimento econômico não necessariamente significa desenvolvimento. Este carrega em seu bojo a idéia de evolução conjunta de toda a sociedade como um só ente indissociável por natureza, sob pena de desagregação social e distúrbios de toda ordem. Há a necessária busca da qualidade do crescimento. Aumento de volume, e só, não basta. Ou seja, a quantidade dá lugar à qualidade do crescimento.

Por fim, percebeu-se que a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, traz em si a opção feita pelo constituinte originário por um Estado essencialmente capitalista, porém democrático. Democracia aí não somente em sua acepção política de participação popular. Mas no sentido de participação em toda a ordem político-constitucional do país. Capitalista, porém social. Social no sentido de ter a consciência de que o egoísmo típico do antigo capitalismo de mercado deve ceder lugar ao altruísmo típico de um Estado que tem como base fundamental a dignidade humana. E por fim, capitalista, porém humano. O homem enfim retorna ao lugar do qual jamais deveria ter saído. O topo da hierarquia valores, que no fim e ao cabo, são, também, humanos.


Notas

[1] “De um mundo de grandes e pequenos impérios e reinos, mais ou menos iguais em riqueza e poder, tornamo-nos um mundo de nações-estados, algumas muito mais ricas e fortes do que outras. De centenas de milhões de pessoas tornamo-nos seis bilhões. Do trabalho com modestas ainda que engenhosas ferramentas e técnicas tornamo-nos senhores de grandes máquinas e forças invisíveis. Pondo de lado a magia e superstição, passamos da observação rudimentar e inteligente para um gigantesco e crescente corpus de conhecimentos científicos, gerador de um contínuo fluxo de úteis aplicações”. David S. Landes, A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres, tradução Álvaro Cabral, Rio de Janeiro, Campus, 1998, p. 579

[2] Há “[...] modelos que enfatizam apenas a acumulação de capital, solução simplificadora da realidade, que coloca todos os países dentro da mesma problemática. A idéia é a de que o crescimento econômico, distribuindo diretamente a renda entre os proprietários dos fatores de produção, engendra automaticamente a melhoria dos padrões de vida e o desenvolvimento econômico. Contudo, a experiência tem demonstrado que o desenvolvimento econômico não pode ser confundido com crescimento, porque os frutos dessa expansão nem sempre beneficiam a economia como um todo e o conjunto da população.” Nali de Jesus de Souza, Desenvolvimento Econômico, 4ª Ed, São Paulo, Atlas, 1999, p. 20

[3] “Praticantes de desenvolvimento utilizaram frequentemente o crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) per capita como uma procuração para o desenvolvimento, em parte porque o progresso social está associado com o crescimento do PIB e, parcialmente, devido à conveniência. Contudo, a confiança no PIB como única medida do desenvolvimento é seriamente limitadora. O crescimento do PIB pode ser tanto de alta como de pouca qualidade. [...] Para integrar a qualidade do crescimento em avaliações de desenvolvimento são necessários índices multidimensionais de bem-estar.” A qualidade do crescimento, Vinod Thomas... [ET AL.]; tradução Élcio Fernandes. São Paulo. UNESP. 2002, p. 2

[4] Fernando Henrique Cardoso relata esta virada valorativa dizendo que: “O mercado limita o arbítrio, se imaginava; cria regras de convivência. Essa primeira visão do mercado, não propriamente em oposição ao Estado, mas como instrumento capaz de transformar as relações sociais numa forma de sociabilidade superior, era a visão predominante no século XIX.” Estado, Mercado e Democracia: Política e Economia Comparadas, Org. Lourdes Sola, Paz e Terra, 1993, p. 20

[5] “O fato é que as teorizações do Estado de direito nascem da luta burguesa contra o poder absoluto do monarca, isto é, da luta pelo Estado juridicamente controlado/limitado, cuja legitimidade não carece mais de fundamento teológico, transcendente, metafísico”. Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª Ed. p. 37

[6] “O capitalista, que antes tratava com senhores de terras, com corporações detentoras de privilégios e entidades similares, passa a lidar com elementos da produção, passíveis de serem visualizados abstratamente, comparados, reduzidos a um denominador comum, submetidos ao cálculo. (...) A concepção do econômico como uma esfera autônoma reflete a visão que tem o capitalista da realidade social, a qual ele contrapõe à visão hierárquica tradicional, voltada para a perpetuação de certos privilégios.” Celso Furtado. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. 1ª Edição, São Paulo, p. 4-5

[7] Eros Roberto Grau diz que “À idealização de liberdade, igualdade e fraternidade se contrapôs a realidade do poder econômico”. Mais abaixo, o ministro aponta quais eram os verdadeiros sentidos destas palavras: “Na práxis, todavia, os defensores do poder econômico, porque plenamente conscientes de sua capacidade de dominação, atuando a largas braçadas sob a égide de um princípio sem princípios – o princípio do livre mercado -, passaram e desde então permanecem a controlar os mercados. (...) A igualdade, de outra parte, alcançava concreção exclusivamente no nível formal. Cuidava-se de uma igualdade à moda do porco de Orwell, no bojo da qual havia – como há - os “iguais” e os “mais iguais”. O próprio enunciado do princípio – “todos são iguais perante a lei” - nos dá conta de sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais. Daí a tão brusca quanto verdadeira assertiva de Adam Smith: do “governo”, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres. (...) Quanto à fraternidade, a toda evidência não poderia ser lograda no seio de uma sociedade na qual compareciam o egoísmo e a competição como motores da atividade econômica. O próprio Adam Smith sustentava que a melhor contribuição que cada um poderia dar à ordem social seria a contribuição do seu egoísmo”, Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª Ed. p. 20 e ss

[8] “[...] a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser (...). Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política social.” Konrad Hesse. Die normative Kraft der Verfassung. A Força Normativa da Constituição. p. 15. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes

[9] Fatores reais de poder são “essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser como elas são”. A Essência da Constituição, Ferdnand Lassalle

[10] “O poder Constituinte estará sempre condicionado pelos valores sociais e políticos que levaram à sua deflagração e pela idéia de Direito que traz em si. Não se trata de um poder exercido em um vácuo histórico, nem existe norma constitucional autônoma em relação à realidade”, Luiz Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2ª edição, p. 115

[11] Prefácio à Edição Alemã de 1883 do Manifest der Kommunistischen Partei, Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels

[12] “Mesmo reconhecendo naturais e incontestáveis defeitos e malefícios no capitalismo, não devemos pura e simplesmente condená-lo; como saldo a seu favor existem os grandes benefícios que prestou à humanidade, resolvendo os seus problemas de consumo pelo incremento da produção, barateando e aperfeiçoando as mercadorias, pala tecnologia, ampliando as oportunidades de emprego e possibilitando a economicidade produtiva.” J. Petrelli Gastaldi, Elementos de Economia Política, 19ª Ed. p. 131

[13] “A virtude do capitalismo reside na sua eficácia econômica. Mas em benefício de quem e a que preço?” O livro negro do Capitalismo / organização, Gilles Perrault; tradução de Ana Maria Duarte... [ET AL.], 3ª Ed. Rio de Janeiro. Record. 2000. p. 17

[14] “As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as potências infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas“, Manifest der Kommunistischen Partei, Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels

[15] “A atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo”, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 31ª Ed. p. 786

[16] “Indiscutivelmente, as forças econômicas, em desequilíbrio, reclamam ordenamento e direção em prol do bem coletivo; cria-se, assim, a necessidade de humanizar o capitalismo...”, J. Petrelli Gastaldi, Elementos de Economia Política, 19ª Ed. p. 130

[17] “A evolução do Estado brasileiro pode ser dividida em três fases básicas: o Estado Oligárquico, de 1822 a 1930; o Estado Populista, até 1964; e o Estado Tecnoburocrático-capitalista, a partir dessa data. A rigor deveríamos acrescentar a expressão "capitalista” a todos os três tipos, porque o modo de produção dominante no Brasil foi sempre o capitalista, e o Estado sempre esteve a serviço desse sistema. Na primeira fase, a formação social é agrário-mercantil. Elementos pré-capitalistas permearam o capitalismo mercantil dominante. A segunda fase corresponde à implantação do capitalismo industrial no Brasil e à liquidação das formações pré-capitalistas e mercantis. É uma fase de transição, que desemboca no capitalismo industrial moderno. O modo de produção capitalista, entretanto, embora sempre dominante, nunca chega a apresentar-se de forma relativamente pura no Brasil. Este capitalismo industrial moderno, que hoje caracteriza a formação social brasileira, já está marcado por claros traços tecnoburocráticos”. Luiz Carlos Bresser-Pereira, O Estado na Economia Brasileira. Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/papers/1977/77.EstadoEconomiaBrasileira.pdf, acessado em 06/09/10.

[18] “Esta exigüidade de dispositivos legais não reflete a ausência de interesse pela ordem econômica, mas simplesmente, o fato de que, na época, o regime de livre concorrência não merecia reparos e o legislador limitava-se a “receber” a ordem econômica tal qual a encontrava”. Fernando Netto Boiteux, Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins, coord. Marco Aurélio Greco, São Paulo, 2001, p. 68

[19] Neste ponto vem à colação a crítica de Luiz Moreira na qual ele diz que “comumente o poder constituinte é exercido por uma assembléia que realiza o desígnio de formular e promulgar os princípios que passarão a estruturar o sistema constitucional que terá preponderância sobre todo o sistema jurídico. Logo, sob a assembléia constituinte repousa o poder de prescrever as normas e ordenar as condutas”. E continua: “Exatamente neste momento a Constituição é posta como um simulacro. A simulação consiste na tentativa de transformar um consenso sobre a forma de constituir e ordenar o sistema jurídico, obtido em um dado momento histórico, em algo atemporal, configurando um processo comum de formulação de normas jurídicas em ato fundador, a partir do qual os questionamentos e os problemas posteriores são solucionados pela remissão inconteste e necessária a tal estrutura.” Luiz Moreira, A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro. 2007. Lúmen Juris

[20] “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”

[21] “O que peculiariza a interpretação da Constituição, de modo mais marcado, é o fato de ser ela o estatuto jurídico do político, o que prontamente nos remete à ponderação de “valores políticos”. Como, no entanto, esses “valores” penetram no nível do jurídico, na Constituição, quando contemplados em princípios – seja em princípios explícitos, seja em princípios implícitos – desde logo se antevê a necessidade de os tomarmos, tais princípios, como conformadores da interpretação das regras constitucionais.” Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª Ed. p. 161-162

[22] Como características do princípio republicano temos “a existência de uma estrutura político-organizatória garantidora das liberdades civis e políticas; a elaboração de um catálogo de liberdades, em que se articulem o direito de participação política e os direitos de defesa individuais; (...) a legitimação do poder político, consubstanciada no princípio democrático de que a soberania reside no povo; (...) e, afinal, a opção pela eletividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade, como princípios ordenadores do acesso ao serviço público em sentido amplo – cargos, empregos ou  funções – e não pelos critérios da designação, da hierarquia e da vitaliciedade, típicos dos regimes monárquicos”, Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional. 4ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p. 170.

[23] Com relação ao princípio democrático o próprio texto constitucional nos dá uma conceituação, ainda que limitada, ao consignar que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Fica estabelecida assim a titularidade do poder, que é popular, sendo delegado seu exercício a representantes eleitos, ou exercido diretamente nos termos em que o próprio texto constitucional estabelecer. Em acepção mais ampla se diz que: “Já no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação” de direitos”, Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional. 4ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p. 171.

[24] Será o artigo 3º analisado neste momento por concordarmos com a tese de Uadi Lammêgo Bulos que diz que “a enumeração do art. 3º evidencia os fins do Estado brasileiro. Não é taxativa, mas exemplificativa, não exaurindo os escopos a que se destina a República Federativa do Brasil. Disso decorre a afirmação de que, entre nós, a definição dos fins estatais promana de uma enunciação de princípios, não se esgotando, simplesmente, pela intelecção do art. 3º da Lex Mater, que deve ser analisado em conjunto com os arts. 1º, 2º e 4º. O certo é que a norma traz objetivos definidos como categorias fundamentais, que se instrumentalizam através dos aludidos princípios. Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, 5ª Ed. São Paulo, 2010, p. 506

[25] “Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder”, Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25ª edição, p. 371


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Autor

  • Tiago Batista Cardoso

    Bacharel em direito. Servidor do Supremo Tribunal Federal. Trabalhou no gabinete do Min. Cezar Peluso. Autor do livro "Curso de regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência e prática", publicado pela editora Grancursos, em 2013.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Tiago Batista. O fenômeno jurídico-constitucional como fenômeno econômico. O desenvolvimento do país em face da disciplina constitucional dos fatores econômicos.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4144, 5 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30635. Acesso em: 26 abr. 2024.