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A espetaculosidade da informação jornalística e a ilimitação da liberdade de expressão e de comunicação

a necessidade de contenção dos excessos frente aos direitos constitucionais da personalidade

A espetaculosidade da informação jornalística e a ilimitação da liberdade de expressão e de comunicação: a necessidade de contenção dos excessos frente aos direitos constitucionais da personalidade

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O direito à liberdade de expressão e de comunicação é relativo, impondo-se limites à informação jornalística todas as vezes em que ela se contrapuser aos direitos da personalidade.

“Até quando, enfim, Ó Catilina, abusarás da nossa paciência?” - Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? - [1]

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é analisar a liberdade de expressão e de comunicação, com ênfase na liberdade de imprensa, combatendo a ótica enviesada e pantomímica dos meios de comunicação que defendem a inexistência de limites.  O artigo disseca a assimétrica informação jornalística contemporânea na ambiência brasileira, que é demasiadamente voltada para o espetáculo. Pratica-se no Brasil, a despeito de uma patente violação aos direitos da personalidade dos envolvidos ou noticiados, uma abusiva e parcial divulgação dos fatos ou eventos enfocados. O trabalho estabelece uma relação entre o direito à liberdade de expressão e de comunicação (art. 5º, IV, V, IX, XIII e XIV e art. 220, §§ 1º, 2º e 6º, da Constituição Federal) e os direitos da personalidade que igualmente têm berço constitucional (art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal).  Como metodologia, optou-se pela descrição do sistema do direito positivo nacional a partir de uma perspectiva normativista, sem prejuízo à concepção dos princípios constitucionais como normas jurídicas.  Posta a lume a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro, além da Lei nº 5.250/67, percebe-se que o direito à liberdade de expressão e de comunicação é relativo, impondo-se limites à informação jornalística todas as vezes em que ela se contrapuser aos direitos da personalidade.  O propósito é analisar a liberdade de expressão e de comunicação e as imposições restritivas provindas do ordenamento jurídico à produção jornalística, quando estiverem sob relevo circunstâncias que possam afetar a personalidade do noticiado.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição; Informação Jornalística como espetáculo; Liberdade de expressão; Liberdade de Comunicação; Dignidade da pessoa humana; Direito da personalidade.


1. Introdução.

O desenvolvimento tecnológico e a conformação dos sistemas econômicos fizeram com que as sociedades se tornassem mais complexas e grande parte da comunicação humana fosse intermediada pelos meios de comunicação, que pretendem representar  a voz de cada cidadão, constituindo-se em poderosos atores, tanto econômicos quanto políticos, determinantes na construção da opinião pública.

Ciosos desse Poder abstrato de que são dotados, os meios de comunicação têm manipulado a informação, adequando-a as suas conveniências, agindo como se não sofressem limites.

No Brasil, o direito à liberdade de imprensa tem berço constitucional há mais de um século, constando objetivamente no §12º do artigo 76 da Carta Política de 1890. Contudo, tem sido ele evocado diariamente para justificar todo o tipo de tropelias em relação a outros direitos. O mais grave é que, devido à disputa mercadológica entre os atuantes nesse viés empresarial, a informação ou a notícia tem vindo com maior grau de espetaculosidade, produzida com estardalhaço, objetivando atrair o público, sem a menor preocupação com os preceitos básicos da ética e violando os direitos fundamentais das pessoas noticiadas.

Para a formação midiática moderna não basta noticiar ou informar. A notícia e a informação têm que passar por processos de “produção”; obrigam-se a serem submetidas a requintes cinematográficos, à manipulação do “código genético” da fonte, de molde que cada informação ou cada notícia figure como um evento espetacular. O que importa é chocar, é sobressaltar o destinatário, seja ele leitor, ouvinte ou expectador. A disputa - de poder ou de mercado - tem afastado a verdade como elemento fundante da informação, sujeitando o receptor a um constante exercício logístico de bom senso e de equilíbrio para identificar o que é excesso, o que é irreal, daquilo que é fato verídico. Em sua maioria, a informação que nos é fornecida tem na sua origem, muitas vezes, outras motivações que não servir o próximo. Se é verdade que não podemos prescindir da informação que a mídia[2]  nos facultam, até que ponto podemos confiar na imparcialidade da mesma?

Na sociedade massificada dos nossos dias, os Mass Media assumem-se como os veículos principais de transmissão da informação. Chegando a milhões de pessoas, o modo como transmitem a informação faz toda a diferença, podendo contribuir, mesmo que de forma não intencional, para a promoção ou despromoção de atores sociais, para a condenação ou absolvição pública de suspeitos, para a eleição ou demissão de titulares de cargos políticos, em suma, para a manipulação da opinião pública. Em tempos de desordem e incerteza social, a necessidade que as pessoas têm de informação de confiança é especialmente significativa. É por estas razões que se defende um tipo de jornalismo independente e pluralístico, fundamentalmente calcado na Ordem Constitucional e no respeito aos direitos da personalidade..

Para comercializar a notícia ou conquistar audições não se olham os meios, mesmo que o argumento seja manipular a informação. É justamente para podar esses excessos que se presta o Texto Constitucional. Não como um preceptivo retórico, mas como uma “lei superior, vinculante até mesmo para o legislador. A supremacia da Constituição se irradia sobre todas as pessoas, públicas ou privadas, submetidas à ordem jurídica nela fundada”. (BARROSO; 2006). 

Em metafórica e feliz lembrança sobre a força vinculante da Constituição, professava Konrad Hesse  (1991:17):

As Constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam rebentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamuscá-las.

Destarte, a Constituição conforma o estatuto jurídico fundamental de uma sociedade, consolidando toda a estrutura do respectivo Estado e seu processo de evolução, intrinsecamente relacionando as forças de transformação sociais. É a Constituição que vai limitar a liberdade de expressão e de comunicação quando estas estiverem em confronto com os direitos da personalidade (privacidade, intimidade, honra, imagem etc.).  

Vincula-se este trabalho ao propósito de analisar a liberdade de expressão e de comunicação e as “barreiras de contenção” impostas à produção jornalística, quando estiver sob relevo circunstâncias que podem afetar a personalidade do noticiado.

O critério metodológico para sistematizar esse artigo provém da descrição do direito positivo nacional a partir de uma perspectiva normativista, com arrimo na acepção teleológica dos princípios constitucionais como normas jurídicas.


2. Liberdade de expressão e de comunicação e a pantomina de sua  ilimitação na informação jornalística

É crescente a visão, pelo menos dos órgãos e canais de comunicação no Brasil, de que a liberdade de expressão constitui-se um direito absoluto, avassalador, insuscetível de restrição ou limitação, principalmente quando se tratar de informação jornalística. Para dar anteparo a essa visão de totalitarismo e de irrestringibilidade na forma dessa liberdade, arrimam-se os seus defensores na cláusula contida no artigo 220, §1º, da Constituição Federal, segundo a qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

Nesse arroubo potencializador de um supra-poder de que se traveste os meios de imprensa, com a prerrogativa de anunciar o que bem entender e de publicar o que lhe convier ou julgar necessário, temos assistido, com impotência, o despojamento de todas as garantias constitucionais protetivas à personalidade.

Não é de hoje que a liberdade de expressão e a imprensa[3] recebem paparicos e louvaminhas de doutrinadores pátrios e estrangeiros e de consolidados figurões históricos.

 Thomas Jefferson, precursor da liberdade norte-americana e um dos redatores da famosa Carta da Declaração da Independência, em missiva a Edward Warrington, explicitou-lhe que preferia os jornais a ter um governo. Para enriquecimento da linguagem, transcreve?se o pensamento do libertário: “Se dependesse da minha decisão termos um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa.” (Were it left to me to decide whether we should have a governement without newspapers, or newspapers without a government, I should not hesitate a moment to prefer the latter).”[4]

Vejam que Thomas Jefferson preferia os jornais do que ao Governo, embora fosse ele o Terceiro Presidente dos Estados Unidos da América.

Nesse vate não ficou sozinho, sendo sucedido por Thomas Cooley em discurso proferido a propósito da emenda primeira à Constituição dos Estados Unidos da América. Ao consagrar as vantagens da imprensa livre para os ideais democráticos, Cooley (traduzido por CRUZ; 1982) fez dela “o principal meio para defender os princípios da liberdade e preparar o país a resistir à opressão; e, nesse sentido, foi tamanha sua eficácia, que eclipsou todos os outros benefícios.”

 No Brasil, logo no início da instalação da República o insuperável Rui Barbosa já cobria a imprensa de mimos e proteção. Sendo sabido que o Águia de Haia se orgulhava de acumular as profissões de jornalista e advogado, chegou a dizer que a imprensa era a vista da nação, a assuntora do órgão da opinião publica no regime presidencialista, e o mecanismo da responsabilidade ministerial nos paises parlamentaristas. (BARBOSA; 2004).

E ainda consagrou a sua institucionalidade com a seguinte citação:

A imprensa é a vista da nação. por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal  fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam,  colhe  o que sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.

Por esses antecedentes se percebe que historicamente a imprensa tem sido tratada como o corolário democrático de uma sociedade organizada; um paladino das causas públicas; uma trincheira invencível de combate da tirania  e da corrupção, e um dos únicos marcos estanques de defesa da legalidade. Entusiasticamente, em um julgamento hodierno, foi até dito pelo Desembargador Enio Santarelli Zuliani  (2007), do Tribunal de Justiça de São Paulo,  de que “a imprensa melhora a qualidade de vida”.  

Todos esses exageros - relevadas as adulações típicas propositais dos nossos agentes políticos, ávidos por publicidade pessoal - não se compraz com a história da imprensa no Brasil. Parte dela, se sabe, ao longo da história foi acusada de ser corrompida, de produzir a sua escrita no atendimento a espúrios propósitos encomendados. Seja na época do Estado Novo, ou no período do Regime Militar, a imprensa era utilizada para manobrar a opinião pública, massificar o povo em defesa dos tiranetes de plantão.

Em tese de Doutorado transformada em livro (“Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”), a historiadora carioca Beatriz Kushnir, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lança suspeitas sobre um dos mitos cultuados pela imprensa brasileira: o de que jornais e jornalistas foram quixotes na luta contra o regime militar. O trabalho de 473 páginas e resultado de cinco anos de pesquisas desvenda o grau de colaboracionismo com a ditadura incrustado em algumas redações.

Assim como nem todas as redações eram de esquerda, nem todos os jornalistas fizeram do ofício um ato de resistência ao arbítrio. É necessário fazer uma desmistificação generalizante de que os jornalistas combateram a ditadura. O trabalho da historiadora demonstra que os jornais que tiveram um censor na redação não foram tantos assim, e que havia um elevado grau de promiscuidade nas relações entre alguns jornalistas e os órgãos de repressão. Na obra é destacado o papel colaboracionista do maior jornal da época, o “Folha da Tarde”, considerado pelos críticos como o “Diário Oficial da OBAN”.[5]

É bem verdadeiro que, mais pelo mito, do que pela história, a sociedade foi levada a crer que a imprensa teve papel decisivo na derrota do regime militar. Por isso, por ser a Constituição um divisor de águas na história política do país, optou ela pela supressão de toda e qualquer forma de censura. As garantias da liberdade de manifestação do pensamento e de imprensa foram plenamente “restabelecidas”, de modo até  redundante.

Nestes termos, se observa no Texto Constitucional os seguintes princípios fundamentais:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(…)

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(…)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(…)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

(...)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Ante tantos dispositivos constitucionais que dão guarida à imprensa, seja escrita ou radio-difundida, pensam, os que dela fazem parte, que é impossível colocar amarras na sua forma de expressão. É fato reconhecido de que uma imprensa cerceada não exercerá o seu papel de fiscalizadora da sociedade. Porém, esse pressuposto não pode servir para o inverso: a falta de controle, a imunidade absoluta quanto aos termos da notícia e a insensatez do enfoque dado. 

Certamente, o exercício responsável da liberdade de imprensa não seria digno de amarras.  E isto aconteceria se os jornalistas e empresários do setor estivessem precipuamente noticiando somente os fatos e acontecimentos verdadeiros do cotidiano, aptos ao conhecimento e interesse da população.

O artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição Federal, determina que a liberdade de imprensa será plena desde que obedecidos os dispositivos constitucionais que vedam o anonimato; que todos terão o direito à resposta proporcional ao agravo; que a intimidade e a vida privada são invioláveis, podendo acarretar dano e este ser indenizável; que o exercício profissional é livre, porém, atendendo às exigências legais, e, com relação às informações, o direito de ser resguardada a fonte, se necessário. O parágrafo 2º do artigo supramencionado reproduz o preceito constitucional ditado no artigo 5º, inciso IX, que proíbe toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, sendo vedada toda e qualquer intervenção dos poderes públicos, cujo objetivo é a livre expressão das idéias.

Concretamente, a Constituição Federal estabelece que nenhuma lei poderá conter regras restritivas à liberdade de informação e expurga por completo a censura (Art. 220, §§1º e 2º). Contudo, essa liberdade é um poder que deve ser exercido com critério, com lealdade e boa-fé. Não pode ser espargido como se não houvesse limites, posto à disposição de maus intencionados, de maliciosos lesionantes dos direitos alheios, aptos a causarem danos gravíssimos e irreparáveis à personalidade dos seus desafetos escolhidos a cinzel.

  Relembrando o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, nenhum direito constitucional, por mais fundamental que ele seja, pode ser considerado absoluto. Nenhum direito fundamental pode ser desenvolvido de modo lesivo a outros direitos de igual hierarquia.  Não há, como se adverte em vários setores da doutrina constitucionalista (cf. ALEXY, 2001; e SARMENTO, 1999), supremacia a priori de um direito sobre o outro quando ambos foram qualificados como fundamentais. 

O que a Constituição Brasileira quis garantir, ao tratar da liberdade de imprensa, tem o mesmo sentido finalístico da liberdade assegurada pela Constituição Portuguesa de 1976. Sobre o que seja essa liberdade, descreve Guilherme da Fonseca (2005),  Juiz-Conselheiro do Tribunal Constitucional Português:

Está em questão naturalmente a liberdade do titular dos órgãos de comunicação social na condução deles, que constitui elemento da liberdade de imprensa no seu sentido originário; liberdade da imprensa enquanto liberdade de gestão do jornal contra constrições externas, a começar pelas do Estado. De facto, a liberdade de imprensa compreende implicitamente a liberdade de determinação do conteúdo do jornal (liberdade editorial, autonomia editorial). Em princípio, o titular de um órgão de comunicação goza de total liberdade quanto à selecção do que há de publicar ou não publicar, sem ingerências do Estado ou de terceiros. Não pode ser impedido de publicar o que quiser (liberdade positiva, proibição de censura ou matérias vedadas), nem lhe pode ser imposta a publicação de material não desejado (liberdade negativa). Nas palavras de Rivero, a soberania dos titulares dos órgãos de comunicação social “exclui por um lado que se lhes possa negar o direito de difundir determinadas e por outro lado que se lhes possa impor a obrigação de publicar textos que eles não tenham escolhido.  

É preciso, portanto, impor limites aos meios de comunicação social. No artigo “A Liberdade de Expressão e Informação – Jurisdição Criminal, Para Quê?”, o Juiz-Conselheiro Guilherme da Fonseca  do Tribunal Constitucional português adverte quanto aos riscos da atuação desses veículos de informação. Diz ele que os “mass media” asseguram eco universal à opinião pública, e de certo modo a dirigem e controlam. Principalmente quando o fato tem repercussão criminal, os efeitos são mais deletérios ainda: “acusado ou nem isso, quem a comunicação social condene, condenado fica. Quando a absolvição chega, já não é notícia”.

A imprensa emite pré-juízos que são verdadeiros condicionantes na ação humana e no conglomerado coletivo chamado de opinião pública; parcela hoje desconcentrada, deslocalizada e multipolarizada do poder que outrora fora tradicionalmente concentrado na titularidade do Estado.

Não se trata de diabolizar a Comunicação Social, culpando-a dos males da sociedade contemporânea. A mídia têm uma função informativa essencial numa democracia e a eles se deve a denúncia de situações políticas, sociais e econômicas graves, com implicações de cariz criminal que mais das vezes levam os poderosos ao banco dos réus. 

Noutro ângulo, porém, os meios de comunicação social devem especial respeito aos direitos pessoais, como sejam, nomeadamente, o direito ao bom nome e reputação, à privacidade, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, consagrados no artigo 5º da Constituição Federal, num quadro de proteção mais vasta da dignidade da pessoa humana proclamada no artigo 1º também da Constituição Federal, suportando as conseqüências advenientes em caso de afronta, desde logo o direito a uma indenização devida às pessoas vitimadas pelos danos sofridos (cfr. Inciso X, do artigo 5º, da CF).


3. A informação jornalística como espetáculo. A deturpação do sentido da notícia.

A natureza valorativa adquirida pela imprensa deu-lhe a legitimidade suficiente para ser a principal referência mediadora das interações sociais do espaço público, mas também transformou-a num poderoso canal de poder, de manipulação e de constituição da realidade.

A experiência brasileira no que tange aos meios empresariais que exploram a comunicação deu-se de modo negativo, posto que,  grande parte dos meios de informação e de imprensa se concentrou também nas mãos dos políticos.

É conhecida a avidez com que os políticos se lançam sobre o Ministério das Comunicações em busca de concessões de rádio e de televisão, como medida e estratégia expansiva de poder. Apenas para se ter uma visão da problemática, não se conhece emissora afiliada da Rede Globo de Televisão que não pertença - ou não tenha pertencido - a um tradicional político nacional. No Nordeste, todos os Estados têm afiliadas da Rede Globo vinculadas a líderes partidários políticos. As rádios AM´s, excetuadas  as emissoras cristãs, também são redutos identificáveis de próceres da política. Os jornais maiores e tradicionais são também alvos da exploração, da cooptação ou da participação de capital advindo dos especuladores políticos tradicionais.

Assim, a informação precisa e verdadeira nunca está à disposição da sociedade, sendo mais das vezes adaptada ao gosto do grupo editorial que a publica. Essa prática conspira contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que assegura o pleno exercício do direito dos cidadãos à informação, não permitindo uma igualdade de oportunidades de acesso a todos os indivíduos.

O panorama no Brasil caracteriza-se pela concentração das empresas de mídia e a comunicação de massa explorada por organizações empresariais. Por esse viés, se cria uma lamentável confusão entre a liberdade de expressão e a liberdade de empresa. A lógica da atividade empresarial no sistema capitalista de produção funda-se na lucratividade, não na defesa da pessoa humana. A concentração dos meios de comunicação é, portanto, uma ameaça concreta à liberdade de expressão e ao direito de todo cidadão de ser bem informado. Fora da massificação política e dos interesses pessoais dos donos das empresas de comunicação, resta para o povo a confusão na produção das demais notícias..

Não são mais episódicos os exageros por parte da imprensa na busca da informação-espetáculo: o filho de Paulo Maluf, Flávio, tendo a sua prisão preventiva decretada, achou por bem marcar um encontro para entregar-se à Polícia Federal. O Delegado, na sua ânsia de promoção pessoal, levou “a tiracolo” para o heliporto de um grande edifício de São Paulo, uma equipe de cinegrafistas da Rede Globo comandada pelo jornalista César Tralli.

E o exemplo não fica só neste: nenhuma das operações de nomes emblemáticos da Polícia Federal é feita sem um grande aparato midiático, compreendendo o acompanhamento de dezenas de jornalistas. Podemos citar dois outros casos recentes: a Operação “Sanguessuga”, desencadeada a partir da denúncia de corrupção no Ministério da Saúde, e a prisão de Law Kin Chon, feita ao tempo da investigação de uma CPI sobre a Pirataria. As duas operações foram desfechadas sob o acompanhamento visual e instantâneo de milhões de expectadores.

No Estado do Rio Grande do Norte, a mídia tem influenciado a atuação do Ministério Público. Nos casos que possam ter forte repercussão social, estabeleceu-se uma prática da investigação ser precedida (enfatize-se bem o vocábulo: antecedida mesmo!) de uma entrevista coletiva à imprensa pelos Promotores Públicos encarregados. Assim se deu com a Operação chamada “Impacto”, para averiguar corrupção na Câmara Municipal de Natal, e com a Operação “Sal Grosso”, destinada a examinar irregularidades na Câmara Municipal de Mossoró. Rodopiando em cadeiras giratórias e sob o pipocar dos flash, os Promotores esmiúçam para uma imprensa ávida o que ainda vai ser objeto da investigação, detalhando o modus operandi e facilitando o esvaziamento e a destruição dos meios de prova.

Nas investigações criminais, as gravações e as interceptações telefônicas também não têm mais o seu conteúdo revelado apenas para os atores processuais. Tornou-se corriqueira a divulgação dos trechos mais chocantes para os telejornais, entrecortados, fragmentados para impactar a opinião pública. É também muito conhecida a história do Delegado da Polícia Federal que chamou os jornalistas para liberar as fotos das pilhas de dinheiro apreendidas no cofre da empresa de Roseana Sarney, no Maranhão...

E é nesse tempo favorável de “prisão-show”, com direito a exposição das algemas, arrombamentos de portas, buscas em gabinetes de juízes e de advogados, e de colocação dos detidos sob empurrões nos “camburões”,  que a imprensa faz do evento um autêntico espetáculo.  Ultimamente, nenhuma prisão é feita pela Polícia Federal sem a viva audiência dos meios televisivos. 

Evidentemente, grande parte das informações obtidas pelos jornalistas, às vezes em processos que tramitam em segredo de justiça, provêem dos investigadores do ilícito. Ainda tomando como referência a Operação “Impacto”, está sendo mercadejado nas ruas de Natal (Rio Grande do Norte), um CD contendo as gravações das interceptações telefônicas feitas nos telefones dos vereadores.  Aquilo que seria objeto de uma investigação séria, ganhou domínio público e virou comédia de um teatro boquirroto.  

Até quando o evento é infortunístico, como o recente acidente do vôo 1907 da TAM, a conversa que foi mantida entre os pilotos antes do choque e extraída da caixa preta - que pelo Código da Aeronáutica deveria ser mantida em sigilo, foi trazida a conhecimento público pela imprensa. Pode até não se vê grandes males no caso da conversa dos pilotos extraída da caixa preta, até porque eles não podem reclamar já que estão mortos.  Porém, no caso de exposição de possíveis criminosos, ainda não julgados, a imagem exposta, de forma leviana, automaticamente acarretará ofensa da personalidade física e moral.

Cabe ressaltar que os escândalos produzidos pela imprensa levam, inúmeras vezes, ao preconceito da sociedade e, de forma indireta, à depressão aquelas pessoas que, em sendo sentenciadas como inocentes, já têm sua imagem denegrida perante a sociedade. Por outro lado, fatos depressivos da vida estritamente pessoal do cidadão não devem ser propalados, ainda que verdadeiros, justamente porque, faltando interesse público, não serviriam a outro propósito que o do escândalo ou desdouro.   

Muito distante do dizer constitucional sobre o princípio da presunção de não-culpabilidade (CF art. 5°, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), a imprensa quando quer intui culpa, forma convicção, denuncia, faz o libelo acusatório e condena.

A regra constitucional de que ninguém pode ser tido por culpado pela prática de qualquer ilícito senão depois de ter sido julgado como tal pelo juiz natural, com ampla oportunidade de defesa, falece no matraquear das rotativas dos jornais e vira retórica lingüística na locução frêmita de um apresentador de qualquer noticiário do rádio ou da televisão.

Neste contexto, tem-se que a cautela deveria estar expressamente no cotidiano da atividade de imprensa, já que divulgações sem uma melhor investigação poderão ter conseqüências irreparáveis para as pessoas que são o objeto da notícia, nem sempre culpadas por aquilo que lhes é imputado. Na produção e veiculação de material jornalístico, os veículos de comunicação social deveriam observar, em matéria controversa, a pluralidade de versões, ouvindo as partes envolvidas em polêmica, sobre os fatos de atualidade e interesse público.

É paradigmático, para encerrar os exemplos, o caso paulista da Escola Base. Em março de 1994, a mídia paulistana denunciou seis pessoas por envolvimento no abuso sexual de crianças, alunas da Escola Base, localizada no Bairro da Aclimação, na capital. Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV basearam-se em fontes oficiais – polícia e laudos médicos – e em depoimentos de pais de alunos. Posteriormente foi descoberto que o fato não existiu, teria sido uma armação. Quando o erro foi descoberto, a escola já havia sido depredada, os donos estavam falidos, presos, e seviciados nos antros da prisão.

Mesmo passados dois mil anos, caberia hoje repetir contra a imprensa as sentenças acusatórias de Cícero contra Catilina, declaradas em pleno senado romano: “Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor mos enganará? Até que ponto a (tua) audácia desenfreada se gabará (de nós)?” (Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quamdiu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata jactabit audacia?).

Pois bem. O direito à informação deve ser visto como um direito difuso do cidadão em ser adequadamente informado sobre assuntos de interesse geral, sendo que tal direito se traduz no direito do público de obter informação de insuperável e insuspeita qualidade.

Quando adulterada, a notícia é servida em prosa sublinhada por letras de mentira, escrita por profissionais mal formados, ou declarada com ênfase desmedida, para cativar emoções aos incautos que na boa fé nela acreditam e com isso constroem revolta e protesto contra as instituições que os servem.  Se a notícia aparece distorcida da verdade que a justifica, a vítima é tão só a sociedade onde todos nos inserimos, que vê fragilizada uma das traves mestras de sustentação do Estado democrático. 

A liberdade de quem informa só será afirmada plenamente se pautada pelo rigor e nunca pelo protagonismo.


4.            A necessária contenção da liberdade de imprensa quando houver colisão com os direitos da personalidade.

Contrariamente do pensamento daqueles que dirigem os órgãos de comunicação de massa, o artigo 220 – e parágrafos - da CF não excluiu a possibilidade de serem introduzidas limitações à liberdade de expressão e de comunicação, estabelecendo explicitamente que o exercício dessas liberdades haveria de se fazer mediante a conformação com outros direitos fundamentais, dentre eles aqueles categorizados como direitos da personalidade.

Como se percebe, a formulação aparentemente negativa, contém, em verdade, uma autorização para o legislador disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista sobretudo a proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Do contrário, não haveria razão para que se mencionassem expressamente esses princípios como limites para o exercício da liberdade de imprensa.

Entendem os doutos que tal dispositivo constitucional põe em relevo o princípio da reserva legal qualificada, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade em geral.

Desde que vive e enquanto vive o homem é dotado de personalidade, sendo a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações, ou, ainda, em outros termos, como ensina, Silvio Venosa, "é o conjunto de poderes conferidos ao homem para figurar nas relações jurídicas" (2002, p. 148).

Consideram-se, pois, direitos da personalidade, segundo Carlos Alberto Bittar, "os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos" (1995).

Na imagem de Orlando Gomes (2001), são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina como direitos absolutos. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos. Ou, por fim, como define Francisco Amaral, "direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual" (2001, p. 243).

Os direitos da personalidade constituem direitos inatos, correspondentes às faculdades normalmente exercidas pelo homem, relacionados a atributos inerentes à condição humana, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares (Bittar; 1995, p. 07).

Na verdade, o fato é, que reconhecidos como direitos inatos ou não, os direitos da personalidade se constituem em direitos mínimos que asseguram e resguardam a dignidade da pessoa humana e como tais devem ser previstos e sancionados pelo ordenamento jurídico, não de forma estanque e limitativa, mas levando-se em consideração o reconhecimento de um direito geral de personalidade, a que se remeteriam todos os outros tipos previstos ou não no sistema jurídico.

A Constituição brasileira prevê a cláusula geral de tutela da personalidade, que pode ser encontrada no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Dignidade, na sábia formulação de Immanuel Kant, é tudo aquilo que não tem preço.

A existência de um direito geral de personalidade nada mais é que o reconhecimento de que os direitos da personalidade constituem uma categoria dirigida para a defesa e promoção da pessoa humana, "a rigor, a lógica fundante dos direitos da personalidade é a tutela da dignidade da pessoa humana" (TEPEDINO, 2003, p. 37).

Por derradeiro, resumidamente pode-se afirmar, que os direitos da personalidade são direitos subjetivos, que tem por objeto os elementos que constituem a personalidade do seu titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. Tem como finalidade primordial a proteção das qualidades e dos atributos essenciais da pessoa humana, de forma a salvaguardar sua dignidade e a impedir apropriações e agressões de particulares ou mesmo do poder público.

Não raro, são comuns - e até inevitáveis! -  tensões entre a liberdade de expressão e de comunicação, de um lado, e os direitos da personalidade constitucionalmente protegidos, de outro, gerando situações conflituosas.

No diapasão de proteger a personalidade do cidadão, estabelece o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (grifos acrescidos).

Destarte, o direito à honra, ao bom nome e reputação é um direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente garantido e protegido, com tutela na lei ordinária (tanto na lei civil como na lei penal), e se, violado faz incorrer o lesante em responsabilidade civil extracontratual por fato ilícito, ficando, consequentemente, obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação. E assim, os direitos de personalidade, onde se incluem os direitos à honra e ao bom nome, são direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm de respeitar.

Volvendo-se ainda quanto aos excessos da imprensa, o ordenamento jurídico ainda é lacunoso diante de alguns ilícitos dos meios de comunicação,  e as inverdades  veiculadas nos noticiosos - aparentemente não importantes para a lei, mas validamente para o Direito como um sistema – não são punidas. Ora, a liberdade de expressão e o direito à informação são reconhecidos em razão do valor que possuem para o sistema democrático, não significando uma isenção legal para a bandalha, para toldar justamente esse pilar moral que fundamenta a República.

Muito barulho tem se feito no Congresso Nacional pela edição de uma nova Lei de Imprensa. Enquanto ela não chega, permanecem válidos os dispositivos da Lei nº 5.250/67, dita por alguns como autoritária, fruto da legislatura do período militar, que prevê sanções civis e criminais para os casos de abuso pela imprensa. 

Com efeito, assim prescreve o art. 12, da Lei n° 5.250/67:

Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.

Em sintonia com o preceituado no supracitado dispositivo, estabelece a referida Lei de Imprensa em seu art. 49, inciso I:

Art. 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

I- os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, II e IV no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias.

Depois de trazer condicionantes para a indenização, a Lei nº 5.250/67 definiu penalidades para os casos de calúnia, difamação ou injúria. (arts. 16 e 18).

O Código Civil Brasileiro vigente também inseriu dispositivos protetivos à personalidade,  conferindo poderes para o ofendido vir a juízo “exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei” (Art. 12),  permitindo ao mais que o Estado-Juiz garanta a inviolabilidade da “vida privada da pessoa natural”, nesse desiderato podendo a autoridade adotar “as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (Art. 21)

Na Lei Civil vigente também foi inserido dispositivo específico de proteção à pessoa em casos de “divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa”, podendo “ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” (Art. 21).

Resta induvidoso, quer pelo Código Civil, quer pela Lei nº 5.250/67, que o excesso é punível, repercutindo civil e penalmente para a parte infratora.

E assim, em harmonia com o disposto nestas leis, poderia se eleger como deveres fundamentais do jornalista o de exercer a atividade com respeito e ética profissional, informando com rigor e isenção; abster-se de formular acusações sem provas; respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas; não falsear ou encenar situações.

Constitui dever de quem informa contribuir para a formação da consciência cívica, desenvolvimento cultural, fortalecimento da cidadania, não fomentando violência ou outros sentimentos gratuitos de indignação e de revolta, e, primordialmente, respeitando a consciência moral das gentes. Devem, ademais, tratar os assuntos com toda a seriedade, profissionalismo, competência e objetividade. Deve, ainda, ter-se em conta o valor socialmente relevante da notícia, o cuidado na forma de transmitir, a verdade da informação alcançada através da objetividade e da seriedade das fontes.

Não sendo assim, estaria nodoada a liberdade de expressão e de comunicação e maculado o direito à informação. De igual modo, estariam agredidos valores e sentimentos íntimos do cidadão noticiado, próprios de sua personalidade. No caso de conflito entre as liberdades de imprensa, de expressão e de comunicação com os direitos da personalidade, deverá ser chamada a autoridade competente para harmonizar os direitos em conflito, através de critérios metódicos abstratos, tal como a ponderação, a proporcionalidade, o princípio da concordância prática ou a idéia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes. (Cfr. Canotilho; 2000)

Estando os direitos potencialmente conflitantes, pelo menos em teoria, em igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se, no caso concreto, a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, de forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível. 


5.            Considerações finais.

O exercício da liberdade de comunicação não deve depender de riqueza, educação ou do poder político. De fato, a liberdade de expressão e o direito à informação aumentam e se desenvolvem nas sociedades quando não são esquecidos os princípios éticos da comunicação, tais como a preeminência da verdade e do bem do indivíduo, o respeito à dignidade humana e a promoção do bem comum.

A crescente exposição que a tecnologia da informação gera na existência de cada indivíduo exige a rediscussão do direito fundamental à personalidade e a limitação das liberdades de imprensa, expressão e comunicação. 

Ao invés da informação-espetáculo, o público deve valorizar a qualidade da informação. A concretização desta qualidade da informação terá de passar obrigatoriamente por uma reflexão ética realizada dentro da classe jornalística que leve à valorização da imparcialidade e do respeito pelo público, sem cultivar a indiferença em relação às questões sociais.

O excesso da linguagem e a imoderação da notícia, aliados ao sensacionalismo e à inculcação de culpa, ofendem aos princípios-garantias da não-culpabilidade, do direito à privacidade, intimidade, honra e imagem, cabendo medidas restritivas e compensatórias pelos danos causados.

Também parece necessário que o próprio público exija uma informação de qualidade, desprovida de sensacionalismos e preocupações com audiências. De maneira a que, dentro de algum tempo, consigamos distinguir perfeitamente comentadores e jornalistas, notícias e artigos de opinião, sem ser pelo lugar característico que ocupam.


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Notas

[1] Esta frase é proferida por Marco Túlio Cícero, Senador romano, em um primeiro exórdio contra Lucius Sergius Catilina perante a tribuna do Senado em 08/11/63 a.C..  Cícero censura a Catilina, filho de família nobre, que pretendia com seus seguidores subversivos, derrubar o governo republicano para obter riquezas e poder. No entanto, após o confronto aberto por Cícero perante o Senado, Catilina resolveu juntar-se a seu exército ilícito para armar defesa e ataques contra Roma.  A série dos discursos de Cícero ficou conhecida como “CATILINÁRIAS”.

[2]  Do inglês (mass) media, 'meios de comunicação (de massa)'; o inglês media advém do neutro plural  do latim medium, 'meio', 'centro', forma substantiva do adjetivo latino  medius, a um, 'que está no meio', inicialmente us. na acepção  geral de 'meio', 'meio termo'. O conjunto dos meios de comunicação, e que inclui, indistintamente, diferentes veículos, recursos e técnicas, como, p. ex., jornal, rádio, televisão, cinema, outdoor, página impressa, propaganda, mala-direta, balão inflável, anúncio em site da Internet, etc. 

[3] Para simplificar a inteligibilidade deste texto, esclareça-se que, quando se usa neste item a palavra “imprensa”, pretende-se abranger todos os veículos de comunicação, incluindo a radiodifusão e as novas técnicas de transmissão de dados, como a internet e os aparelhos celulares (jornal on line), sendo o termo geral “imprensa” uma referência apenas a todos os canais que transmitem informações.

[4] JEFFERSON (1743 1826), Carta a Edward Warrington, 16.01.1787.

[5] OBAN - Operação Bandeirante - foi um centro de informações, investigações e torturas montado pelo Exército do Brasil em 1969, que coordenava as ações dos órgãos de combate às organizações de esquerda.  A Folha da Tarde transmitia integralmente a versão do Estado para desaparecimentos e assassinatos, como no caso de uma manchete de abril de 1971 que anunciava a morte do guerrilheiro Roque, em confronto com a polícia de São Paulo. Roque era o codinome do metalúrgico Joaquim Seixas, que havia sido preso com o filho Ivan Seixas, hoje jornalista. Os dois eram militantes do MRT  e tinham sido acusados de matar o industrial Enning Boilesen, um dos financiadores da OBAN. Foram presos e torturados.  Num certo dia, Ivan foi levado pelos policiais para um ‘passeio’ fora da OBAN e leu em uma banca de jornal a notícia da morte do pai. Quando voltou do ‘passeio’ ainda encontrou seu pai vivo. Joaquim Seixas viria a morrer horas depois. Os jornais do dia seguinte reproduziram friamente a nota oficial dos órgãos de repressão, mas a Folha da Tarde havia publicado a notícia um dia antes, com detalhes.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Francisco Marcos de. A espetaculosidade da informação jornalística e a ilimitação da liberdade de expressão e de comunicação: a necessidade de contenção dos excessos frente aos direitos constitucionais da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4067, 20 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31086. Acesso em: 27 abr. 2024.