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Direito de recusa à transfusão de sangue com fundamento no Direito Constitucional e no Direito Civil

Direito de recusa à transfusão de sangue com fundamento no Direito Constitucional e no Direito Civil

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O fundamento do direito de recusa à transfusão de sangue é que não existe ofensa ao direito à vida, vez que existem tratamentos alternativos. Basta que os médicos prestem atenção no período pré-operatório, operatório e pós-operatório para evitar a perda de sangue.

Resumo: O fundamento do direito de recusa à transfusão de sangue é que não existe ofensa ao direito à vida, vez que existem tratamentos alternativos. Basta que os médicos prestem atenção no período pré-operatório, operatório e pós-operatório  para evitar a perda de sangue. Também existe equipamentos que diminuem a perda de sangue durante a cirurgia, tais como eletrocautério, coagulador de feixe de gás argônico, cola de fibrina, hemodiluição, recuperações intra-operatórias de células que recuperam e reutilizam o sangue do paciente. Numa emergência quando a pessoa está perdendo muito sangue este pode ser substituído provisoriamente por expansores e outros produtos farmacêuticos. Assim, ao se recusar a transfusão de sangue a pessoa está apenas exercendo o seu direito constitucional à vida na dimensão espiritual. A pessoa não pode ser encarada apenas no seu aspecto físico. Caso isso aconteça, o homem será rebaixado a condição análoga de um animal irracional. Por isso, não há que se falar em colisão de direitos fundamentais, de um lado direito á vida e de outro liberdade de crença, mas sim em concorrência. O direito a vida no seu aspecto imaterial tem por objetivo levar as pessoas uma vida digna sem infringir suas posições religiosas.

Palavras-chave: Direitos da personalidade; dignidade humana; direito de recusa à transfusão de sangue.

Sumário: 1 – Notas introdutórias; 2 – Bioética e Biodireito; 3 – Direitos da Personalidade no Código Civil; 4 – Direito de Recusa à Transfusão de Sangue; 5 – Questão dos Menores de Idade;  6 - Conclusão; Referências bibliográficas.


1. Notas introdutórias

O Código Civil de 2002 trouxe profunda evolução doutrinária no que diz aos direitos da personalidade. Entre as questões mais atuais e de destaque está o consentimento informado, que tornou-se imprescindível na relação médico-paciente, pois via de regra, sempre o médico deverá atuar de acordo com a vontade do paciente. Todo médico prudente deve tomar esse cuidado a fim de evitar futuras demandas judiciais e isentar-se de eventuais problemas envolvendo o consentimento e a responsabilidade.

Atrelado ao consentimento informado está o direito de recusa de transfusão de sangue, muito discutido doutrinária e jurisprudencialmente em face do envolvimento de direitos da personalidade, o que leva a questionamentos sobre a possível colisão de direitos fundamentais, ou seja, direito à vida e liberdade de crença. Questionamentos oportunamente feitos, analisados e, na medida do possível, respondidos na perspectiva dos direitos da personalidade.


2. Bioética e Biodireito

A bioética e o biodireito estão intimamente ligados ao consentimento informado, vez que ambos necessitam da autorização do paciente para a realização dos novos procedimentos e tratamentos médicos existentes atualmente.

Embora os termos sejam semelhantes, não são sinônimos, sendo que um versa sobre ética e o outro sobre direito. Para Volnei Ivo Carlin, a bioética é "a maneira de regulamentação das novas práticas biomedicinais, atingindo três categorias de normas: deontológicas, jurídicas e éticas, que exigem comportamento ético nas relações da biologia com a medicina"[1]. Marco Segre e Claúdio Cohen entendem que "é a parte da Ética, ramo da filosofia, que enfoca as questões referentes à vida humana (e, portanto, à saúde). A bioética, tendo a vida como objeto de estudo, trata também da morte (inerente à vida)”[2].

A bioética passou a ser analisada com maior profundidade somente após a Segunda Guerra Mundial, devido às experiências nazistas em humanos, sendo que vários médicos alemães foram condenados no Tribunal de Nuremberg, por terem utilizados seres humanos como verdadeiras cobaias para seus experimentos. Tal fato histórico levou a bioética a ser vista como parte da ciência do Direito, intervindo em projetos de grande repercussão mundial, tais como, genoma, clonagem, entre outros. Enfim, a bioética tem como objetivo analisar as técnicas utilizadas nas pesquisas científicas para verificar se os avanços da medicina ferem o direito do ser humano, seja moral, físico ou psicológico. Ela está presente por exemplo, na engenharia genética, transplantes de órgãos, reprodução humana, eutanásia, experiências em humanos, etc.

Já o biodireito é a positivação das normas bioéticas autorizando os cientistas a realizarem um determinado procedimento ou punindo-os pela infração de alguma norma pré-estabelecida. Na verdade, ele determina que seja observado os preceitos bioéticos, mas discute ao mesmo tempo, a adequação de um procedimento científico às normas legais vigentes.

É necessário ressaltar que o Direito não consegue acompanhar o avanço meteórico da medicina atual. Em virtude disso, muitos procedimentos médico-científicos ainda carecem de regulamentação legal. E para se chegar a uma definição legal, é preciso passar por uma apreciação científica e ética, debatendo quais os princípios que orientarão o legislador acerca do assunto. Entretanto, toda e qualquer pesquisa médico-científica deve sempre estar atenta ao princípio da dignidade da pessoa humana para não infringi-lo.

O direito legitima a norma. Ocorre que a bioética precisa de maior aderência e eficácia do Direito, vez que pode existir casos que, aguardar a sua positivação, ocasionará mudança ou até mesmo impossibilidade de reversões.

A bioética e o biodireito, embora sejam institutos diferentes, têm o mesmo objeto. A primeira analisa o agir da pessoa; enquanto o segundo considera as novas pesquisas médico-científicas  perante a legislação vigente. Na verdade, é a positivação do biodireito que dará  plena eficácia à bioética. Com os sucessivos avanços da bioética, é necessária sua normatização, tanto prevendo direitos como obrigações.

Ocorre que a problemática está na definição do que vem a ser a dignidade humana, pois em relação à matéria, ainda não existe consenso. Os ordenamentos jurídicos internacionais têm como parâmetro as declarações internacionais sobre direitos humanos; entretanto, tratam-se de disposições vagas que, embora válidas, servem apenas como fundamentação ética, não tendo força legal. A bioética necessita de formulações jurídicas mais claras e concretas.[3]

Em virtude disso, ou seja, das lacunas existentes, cria-se toda uma celeuma para formar o biodireito. Consequentemente, a bioética avança apenas no setor ético, ficando a questão legal para trás. É muito pouco.

A bioética e o biodireito deveriam caminhar juntas alcançando todas as pessoas, mas isso não tem acontecido, uma vez que o biodireito está restrito às declarações internacionais. Não existem legislações específicas tratando do biodireito em todos os países, inclusive, no Brasil, a legislação ainda é incipiente.

A bioética apresenta ampla teoria, além de pressupostos e indicação de procedimentos jurídicos para criar o biodireito. José Roque Jungles chega a fazer um cronograma para auxiliar os juristas:

Reinterpretar, em chave relacional, a subjetividade jurídica geral e daqueles sujeitos caracterizados por debilidade relacional.

Reconhecer que a normatividade intrínseca dos sujeitos jurídicos, enquanto sujeitos sociais, não encontra seu fundamento na vontade do legislador, mas na própria identidade substancial do "social", como um conjunto de dinâmicas relacionais.

Individualizar o significado intrínseco das relações interpessoais como critério último da normatividade bioética.

Contribuir para a inserção dos direitos bioéticos no sistema positivo dos direitos humanos, entendidos como sistema que está acima dos Estados.

Reafirmar o caráter estritamente relacional da epistemologia jurídica. O direito é uma ciência prática que tem como objeto as ações sociais que são sempre intersubjetivas e cuja epistemologia é, por isso, essencialmente relacional.[4]

Por tudo isso, é necessário urgentemente ser instituído um biodireito que defenda os interesses das pessoas frente aos avanços médico-científicos, promovendo a igualdade e a reciprocidade das relações na qual o bem jurídico maior é a vida. E assim, o consentimento do paciente é essencial para qualquer tipo de tratamento, procedimento ou experimento medicinal, sendo que sua ausência leva a responsabilização do médico.

Existem vários princípios que norteiam a bioética e o biodireito, entre eles o da autonomia, da beneficência, da justiça e da sacralidade da vida humana-dignidade da pessoa humana. O princípio da autonomia é o que dá à pessoa, direito de decidir sobre seu próprio corpo, sobre a submissão, ou não, a tratamento ou pesquisas médico-científicas. Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha definem o princípio da autonomia da seguinte maneira:

[...] refere-se à capacidade de autogoverno do homem, de tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual método ou qual rumo deve dar a suas pesquisas para atingir os fins desejados, sobre o delineamento dos valores morais aceitos e de o paciente se sujeitar àquelas experiências, ser objeto de estudo, utilizar uma nova droga em fase de testes, por exemplo. O centro das decisões deve deixar de ser apenas o médico, e passar a ser o médico em conjunto com o paciente, relativizando as relações existentes entre os sujeitos participantes [...].[5]

O princípio da beneficiência é aquele que apregoa que o médico deve buscar a cura independentemente da vontade do paciente. Os juristas Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha[6] asseveram que o presente princípio está intimamente ligado ao juramento de Hipócrates (o qual afirma: "aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer o mal a quem quer que seja"), e significa, nas palavras de Aline Mignon de Almeida, "a ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos [...].” [7]

O princípio da sacralidade da vida e dignidade da pessoa humana eleva a vida como preceito maior, devendo ser respeitada sua preservação a todo custo. Considera a vida em si própria. Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, assim define tal princípio sendo:

[...] os principais norteadores da bioética, na medida em que consideram a vida como sagrada e inviolável. Neste sentido, não se justifica a causa do sofrimento e da dor desnecessária, a imputação de um ônus superior ao que a pessoa possa suportar, ainda que, por decisão sua, mesmo para a realização de pesquisas ou qualquer atividade científica. Combate-se assim, a consideração do homem como objeto, como ‘coisa’, uma a favor da compreensão da vida humana como algo sagrado, intangível. Ainda que fora dos aspectos teológicos que a questão envolve, a expressão ‘sagrado’ não necessariamente estará ligada a Deus, mas sim ao caráter inviolável de seu objeto [...] a vida humana não pode ser sacrificada em prol da ciência, e da experimentação [...].[8].

Continuando seus entendimentos, os mesmos autores, identificam cinco elementos essenciais para a consideração da sacralidade da vida humana, trata-se da necessidade de sobrevivência, própria da espécie humana; o intuito de se preservar as linhas familiares; o  direito de os seres humanos terem proteção de seus companheiros; além do respeito às escolhas pessoais dos indivíduos, o que coroa sua integridade mental e emocional; e, por fim, a inquestionável inviolabilidade do corpo[9].

São, por exemplo, os princípios da sacralidade da vida e da dignidade da pessoa humana que impedem a comercialização de órgãos, esperma, experiências em pessoas (CC, art. 13). O princípio da dignidade da pessoa humana é um limite do princípio da autonomia, proibindo a prática de determinados atos que ferem as pessoas  moral, física ou psicologicamente. Carlos Alberto Bittar ao tratar do direito ao corpo, afirma que, apesar deste ser um direito disponível:

[...] os limites naturais são os direitos à vida e à integridade física (portanto: um direito a limitar outro). Daí, não se permite disposição que redunde em inviabilização de vida ou saúde, ou importe em deformação permanente, ou, ainda, que atente contra os princípios norteadores da vida em sociedade [...].[10]

Assim, qualquer procedimento que tenha como objetivo transformar a pessoa em objeto atenta contra o princípio da dignidade humana. Donde se evidencia o princípio da justiça, aquele que leva em consideração os bônus e os ônus num determinado procedimento médico-científico.

Adriana Diaféria diz que o princípio da justiça "seria uma visão de justiça distributiva, onde a visão de justiça compensatória não é muito utilizada pelos bioeticistas, principalmente pelos anglo-saxões, quem entendem este princípio de forma diversa”[11]. O princípio da justiça almeja fornecer tratamento médico para que aqueles que realmente precisam, ordenando-se conforme precariedade financeira de cada um. Tem como intuito, tratar àqueles que têm direitos iguais, e tratar desigualmente aqueles que são desiguais.

O princípio da justiça segue alguns objetivos, o primeiro deles é que a sociedade como um todo, arque com as despesas das pesquisas científicas. O segundo, é a buscar da eqüidade na distribuição da justiça, com uma "[...] distribuição justa e eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde" [12], para todo o mundo. E, por fim, colocar  toda e qualquer pesquisa médico-científico à disposição de todos, sem distinção de classe, crença, filosofia, etc.

A evolução da ciência obriga a sociedade administrá-la de maneira que não venha ferir o direito do paciente.

A dinâmica que o capitalismo pós-industrial assumiu no final do último milênio conduziu a sociedade ao fenômeno da globalização, trazendo consigo o risco que, na esfera da biotecnologia e bioengenharia, pode ser constatado através da geração de novos direitos envolvendo manipulações genéticas e demais pesquisas com seres humanos, tratando de questões sobre a vida e a morte, reprodução de pessoas, enfim, que requerem uma discussão ética prévia. Em função dos avanços científicos e tecnológicos, José Alcebíades de Oliveira Junior denomina esses direitos como sendo de quarta geração, eis que, divide os direitos na sucessão de cinco gerações, tal como Norberto Bobbio, quando dividiu-os em três gerações no livro A era dos direitos.[13]

No mundo globalizado atual, existe uma variedade de ciências que se debatem entre si, numa grave crise causada por conta da ineficiência estatal, que não consegue acompanhar tais avanços face à burocracia para haver uma mudança rápida nas nossas legislações. Na realidade, quando uma lei é criada para suprir uma lacuna já existe(m) outra(s) para ser(em) preenchida(s), uma vez que o avanço na área da Medicina é feito em velocidade alucinante.

Por outro lado, a bioética e o biodireito jamais poderão olvidar do princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio matriz e erradiador de todos os demais direitos. Ingo Wolfganf Sarlet preleciona que:

Com o reconhecimento expresso, no título dos princípios fundamentais, da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III da CF), o constituinte de 1987/88, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua e não o meio da atividade estatal.[14]

Conseqüentemente, no que se refere à bioética, é necessário ressaltar que todo o profissional deve obediência ao Código de Ética e à disciplina da sua área de atuação, sempre analisado em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana, restringindo-se, com isso, as pesquisas em seres humanos. Isso é comprovado através de fatos reais da história, os quais nos envergonham profundamente, como o de Joseph Mengele[15], que usou seres humanos nos seus experimentos durante a Segunda Guerra Mundial, e de Shiro Ihsii[16], que ordenava seus prisioneiros a ser alimentar e fazer exercícios físicos tornando-os saudáveis para melhorar os resultados das suas pesquisas[17].

Destaque-se que não é permitido em nenhum ordenamento jurídico a pesquisa livre e irrestrita de pessoa viva. Embasado nisso, a Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos, de 11 de novembro de 1997, traz em seu artigo 1º a importância do genoma humano e o reconhecimento de sua dignidade, lançando-o como patrimônio da humanidade: El genoma humano es la base de la unidad fundamental de tu os los miembros de la familia humana y del reconocimiento de su dignidad y diversidad intrínsecas. En sentido simbólico, el genoma humano es el patrimonio de la humanidad.

Sobre este aspecto principilógico, André Gonçalo Dias Pereira, afirma:

ao contrário do que poderia, à primeira vista, parecer, os princípios éticos e jurídicos não rejeitam antes apóiam o avanço e o estudo da medicina. Não será admissível o aventurismo, mas será de admitir a realização de ensaios clínicos devidamente controlados e, inclusivamente, as inovações terapêuticas. O próprio principio da precaução pode impor o dever de correr alguns riscos. [...] Deste modo, sendo inovações terapêuticas lícitas em sede de controle da boa prática médica, o que se impõe especialmente acentuar é o dever de esclarecimento quando o médico recorra a estes métodos ousados e ainda não consagrados nos stantards internacionais. Ou seja, um consentimento informado reforçado vem colmatar ou compensar as dúvidas que poderiam residir em sede leges artis (strictu sensu).[18]   

O ordenamento jurídico pátrio precisa, urgentemente, entrar em sintonia com a bioética, com especial atenção às pesquisas em seres humanos, bem como tentar colaborar na diminuição dos avanços desenfreados de tais pesquisas. Nesse sentido, é o pensamento de Edgar Morin:

[...] precisamos tomar consciência dessa corrida louca para onde nos leva o devir que tem cada vez menos a feição do progresso, ou que seria a face oculta do progresso. (...) Trata-se, portanto de frear o avanço técnico sobre as culturas, a civilização, a natureza, que ameaça tanto as culturas como a civilização e a natureza. Trata-se de diminuir a marcha para evitar ou uma explosão ou uma implosão. Trata-se de desacelerar para poder regular, controlar e preparar a mutação. A sobrevivência exige revolucionar o devir. Precisamos chegar a um outro futuro. Essa é que deve ser a tomada de consciência decisiva do novo milênio. [19]

Por outro lado, faz-se necessário ressaltar que existem autores, como Lívia Haigert Bernardes Pithan, Fabrício Benites e Pires Filho e Luiz Alberto B. Simões, a sustentar que tudo que fosse ético e correto deveria ter a aquiescência legal, observe-se:

Diz-se, em Bioética, que nem toda conduta tecnicamente possível deve ser tida correta do ponto vista ético. No mesmo sentido, ousamos afirmar que tudo aquilo que for considerado ética e tecnicamente correto, do ponto de vista médico, deveria ser considerado juridicamente adequado.

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Portanto, a noção de capacidade decisória do paciente, vista pela ótica da Bioética, demonstra um nível maior de complexidade do que se fosse abordada por um prisma legalista do Direito. Não resta dúvidas de que os aspectos legais devem ser considerados critérios relevantes na avaliação da autonomia da pessoa doente. Entretanto, os mesmos não podem ser considerados prioritários quando verificada a nítida discrepância entre a suposta capacidade conferida pela lei civil e a real capacidade de decisão autônoma da pessoa, verificada por diversos e complexos fatores da vida real. [20]

Diante do exposto, tem-se que a bioética deve ser vista em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana; nenhuma pesquisa é mais importante do que a vida de uma pessoa, ao passo que a continuidade da pesquisa se faz necessária, para descobrir novas fórmulas em defesa da vida.


3. Direitos da Personalidade no Código Civil

Os direitos da personalidade estão consagrados no Código Civil nos artigos 11 a 21, contemplando ampla e absoluta tutela à pessoa humana. No presente estudo, pretende-se à análise do direito à integridade física e moral. A integridade física é a proteção ao corpo humano, ensinando Francisco Amaral:

A integridade física é a incolumidade do corpo humano, o estado ou a qualidade de intacto, ileso, que não sofreu dano. [...] O valor da vida e da integridade física  tornam, por isso, extremamente importante a sua defesa contra os riscos de sua destruição ou de alteração da estrutura ou funcionamento normal do corpo humano, inclusive a simples ameaça contra a saúde. [21]

O direito à integridade física está assegurado no Código Civil nos artigos 13[22] e 15[23], tais dispositivos são fundados em valores morais e éticos (bons costumes, constrangimento a tratamento médico ou intervenção cirúrgica), no que diz respeito ao direito à informação  ao paciente e à responsabilidade dos médicos. Sobre o tema, Sílvio de Salvo Venosa comenta:

Levando em conta que qualquer cirurgia apresenta maior ou menor risco de vida, sempre haverá, em tese, necessidade de autorização do paciente ou de alguém por ele. No mesmo sentido, situam-se tratamentos e medicamentos experimentais, ainda não aprovados pela comunidade médica. A matéria requer, percebemos, aprofundamento monográfico. [24]

Nesta seara, assim discorre Antonio Chaves, sobre a natureza jurídica do direito ao próprio corpo:

Reconhece a doutrina não ser absolutamente patrimonial o direito sobre o próprio corpo, mas pessoal, de caráter especial, tendo por conteúdo a livre disposição do corpo, dentro dos limites assinados pelo direito positivo. [...] Será ilícito qualquer ato, mesmo consentido pelo sujeito, mediante o qual se autorize a um terceiro dispor do corpo vivo, de tal maneira que isso implique na extinção da vida. [25]

Giovanni Ettore Nanni, ao falar sobre autonomia privada sobre o próprio corpo, faz interessante apontamento sobre a possibilidade de a pessoa poder consentir com tratamento de saúde, diante do exercício do direito ao seu corpo.

[...] a autonomia privada, nas palavras de Luigi Ferri não é um poder originário e soberano, mas um poder conferido aos indivíduos por uma norma superior, que regula sua atuação, estabelecendo cargas e limitações. [...] Nessa linha de raciocínio, o individuo que cede ao uso de um direito personalíssimo, como o da imagem, está praticando um ato dentro de sua autonomia privada, não estando necessariamente ligado a um fim negocial patrimonial, pois inserido no seu poder conferido pelo ordenamento jurídico. [26]

A vontade da pessoa é fundamental para a disposição do seu corpo, como é fundamental para si própria em todos os atos de sua vida. Completa Antônio Chaves que a disponibilidade corporal merece especial atenção do direito nas disposições realizadas pela pessoa, “em seu próprio benefício, com vista à recuperação ou melhoria de sua saúde e equilíbrio psicofísico”.[27]

Carlos Roberto Gonçalves ensina que “o direito ao próprio corpo abrange tanto a sua integridade com as partes dele destacáveis (leite, sêmen, sangue, cabelo) e sobre as quais exerce o direito de disposição. [...] Por outro lado, passam a integrá-lo os elementos ou produtos, orgânicos ou inorgânicos, que nele se incorporam, como enxertos e próteses” [28]. Não há pessoa natural sem corpo.

Fabio Ulhoa Coelho assevera que “a noção de direito sobre o corpo, aliás, é particularmente ilustrativa da grande proximidade entre sujeito e objeto, no campo dos direitos da personalidade”.[29]O direito ao corpo trata de temas polêmicos relacionados à doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante e tratamento de saúde, aborto, eutanásia, da esterilização e cirurgias transexuais.

É preciso salientar a relevância do consentimento informado nas questões atinentes ao direito ao corpo, conforme estipulado nos artigos 13 e 15 do Código Civil.

Ocorre, no caso do artigo 13, quando há necessidade de amputação de algum membro do corpo humano que o médico deverá obter o consentimento do paciente antes de realizar a amputação. O mesmo se dá  nos casos de remoção de tecido, órgão ou parte do corpo humano de pessoa viva[30].

Quanto ao tratamento de risco, de que trata o artigo 15, cabe ao paciente consentir sobre o tratamento ou cirurgia, após devidamente informado. Em caso de risco de morte, se não houver condições do médico obter o consentimento do paciente ou do seu representante legal, poderá este realizar o procedimento. Tal caso chama-se privilégio terapêutico (trataremos desta matéria adiante).

Carlos Roberto Gonçalves sobre o tratamento com risco de vida, afirma:

A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano.

Vale ressaltar, in casu, a necessidade e a importância do fornecimento de informação detalhada ao paciente sobre o seu estado de saúde e o tratamento a ser observado, para que a autorização possa ser concedida com pleno conhecimento dos riscos existentes. [31]

A integridade física é a incolumidade do corpo humano, sendo este um bem jurídico que o Direito reconhece e tutela. Por ser um direito de personalidade, a integridade física implica o direito que cada pessoa tem de não ter seu corpo atingido por atos ou fatos de outrem.

Elimar Szaniawski diz que o direito à integridade física vem logo após do direito à vida e completa:

[...] o direito de recusar-se a submeter-se a visitas ou a inspeções corporais vem a ser chamada por Misseneo de direito ao pudor, uma vez que deve ser garantida e preservada a personalidade humana. Saúde, doença, medicina, constituem a tríade que invade nosso direito na atualidade[32].

Adriano de Cupis, no mesmo sentido assevera:

Se pode consentir-se na ofensa de qualquer dos aspectos da integridade física, desde que o consentimento não vise produzir uma diminuição permanente da própria integridade física e não seja, por outro modo, contrário a lei, à ordem pública ou aos bons costumes, é porque existe um direito tendo por objeto todas as manifestações possíveis do bem em referência. [33]

Face ao exposto, deve-se entender que a integridade física somente poderá ser invadida quando houver consentimento da pessoa, cuja validade estará vinculada à não disposição do próprio corpo. Quanto a integridade moral e psíquica, esta se encontra amparada na Constituição Federal no artigo 5º, incisos V e X.

Constituição Federal, art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade, no seguintes termos:

...

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;

...

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Tal dispositivo tem que ser interpretado em consonância com  o princípio da dignidade da pessoa humana. José Afonso da Silva ensina que:

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. [...] Ela (a integridade moral) e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental. [34]

Pontes de Miranda afirma que “a integridade psíquica consiste no dever de ninguém poder causar dano à psique de outrem”[35]. Na psique está a manifestação de vontade, no qual ninguém será obrigado a fazer determinado procedimento ou tratamento médico sem o seu consentimento.

O direito à integridade moral ou psíquica tem por finalidade a tutela da pessoa humana contra qualquer ato atentatório a sua dignidade, honra, liberdade, pensamento, etc. A integridade pessoal deve ser garantida pelo Estado, individual e socialmente considerada.

Elimar Szaniawski, discorre com precisão sobre o caráter absoluto da  integridade pessoal:

Todos têm o dever de respeitar de respeitar a incolumidade anatômica do individuo e sua saúde, não podendo atentar contra estes bens jurídicos, de modo algum. Nem mesmo os médicos podem realizar exames, intervenções cirúrgicas ou tratamentos sem que haja expresso consentimento por parte do paciente. Excetuam-se apenas as hipóteses em que a pessoa seja vítima de acidente, ou no caso em que surgirem complicações à sua saúde que requeiram uma atuação urgente do médico, quando este deverá fazer tudo para salvar a vida do paciente, justificando-se a prática de medidas de urgência. Diante da caracterização do estado de necessidade, será lícito ao médico promover a diminuição permanente da integridade física do paciente sem sua concordância expressa. Nessa hipótese, devido à presença do estado de necessidade, transfere-se o poder de autorização para a atuação do médico  ao representante legal ou aos parentes do paciente. Estando, contudo, o paciente diante de um iminente risco de vida, pode o cirurgião realizar as intervenções necessárias e o internamento médico hospitalar sem o consentimento do doente, de seu representante legal ou dos parentes. Não se apresentando o estado de necessidade com o iminente risco de vida do paciente, nem hipótese de interesse público, torna-se ilícito qualquer exame médico ou corporal sem o consentimento do examinando, uma vez que assim o fazendo, estará violando o direito à sua própria pessoa, em desrespeito à sua dignidade humana. [36]

O Código Civil dispõe sobre integridade moral nos artigos 17 a 20, 186 e 953:

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.

Art. 19. O pseudônimo adotada para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou ausente, são partes legitimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 953. A indenização por injuria, difamação ou calúnia   consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

A figura que importa no estudo do consentimento informado no que diz respeito à integridade moral, é a liberdade.

Liberdade é ausência de impedimentos. É o poder de ação das pessoas sem qualquer interferência do Estado ou de outras pessoas. Por isso, o direito à liberdade se dirige contra as pessoas e contra o Estado. O direito protege a liberdade física e a liberdade de pensamento [...] O direito à liberdade é, portanto, um dos direitos de personalidade [...]. [37]

O direito de recusa à transfusão de sangue é importante para tornar inviolável a integridade moral do paciente, que deve obrigatoriamente autorizar, ou não, determinado tratamento medicinal. Tal instituto encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, nos princípios constitucionais do direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à saúde, à igualdade, entre outros. Também, vem disposto no Código Civil, quando trata dos direitos da personalidade, nos artigos 13 e 15. Além, de muitas outras leis esparsas.


5. Direito de recusa à Transfusão de Sangue

O direito de recusa à transfusão de sangue confronta o princípio da autonomia e o princípio da beneficência.

A Constituição Federal, no art. 5º, II, reza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro lei que determine a obrigatoriedade da transfusão de sangue. Conseqüentemente, o paciente tem a faculdade de aceitar ou não fazer a transfusão de sangue. Mesmo nos casos de iminente risco de vida, o paciente pode optar pela não transfusão de sangue, vez que existem outras alternativas. Este é o posicionamento de Celso Ribeiro Bastos:

[...] o paciente tem direito de recusar determinado tratamento médico, inclusive a transfusão de sangue, com fundamento no art. 5º, II, da CF. Por este dispositivo, fica certo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (princípio da legalidade). Como não há lei obrigando o médico a fazer transfusão de sangue no paciente, todos aqueles que sejam adeptos da religião "Testemunhas de Jeová", e que se encontrarem nesta situação, certamente poderão recusar-se a receber o referido tratamento, não podendo por vontade médica, ser constrangidos a sofrerem determinada intervenção. O seu consentimento, nesta hipótese é fundamental. Seria mesmo desarrazoado ter um mandamento legal obrigando a certo tratamento, até porque podem existir ou surgir meios alternativos para chegar a resultados idênticos. [38]

E continua o autor, dizendo que o direito à vida envolve vários outros direitos e o conteúdo resguarda a inviolabilidade como um bem jurídico de maior grandeza. Mas, isto não representaria indisponibilidade, deve-se, desse modo, insistir neste ponto: a garantida constitucional da inviolabilidade do direito à vida, assim como o faz quanto à liberdade, à intimidade, à vida privada, e outros tantos valores albergados pela Carta Magna. “No caso presente, não se fala em indisponibilidade, mas sim de inviolabilidade. O que a Constituição assegura, pois, é a "inviolabilidade do direito á vida" (art. 5.º, caput)”[39] .

O direito à vida, protegido na Constituição Federal, não se refere  apenas aos elementos materiais e físicos da pessoa, mas, também, aos psíquicos e espirituais, que serão atingidos, caso haja a transfusão de sangue sem o consentimento do paciente. Assim, é o comentário de José Luiz Quadros de Magalhães:

Acreditamos, no entanto, que o direito à vida vai além da simples existência física. [...] O direito à vida que se busca através dos Direitos Humanos é a vida com dignidade, e não apenas sobrevivência. Por esse motivo, o direito à vida se projeta de um plano individual para ganhar a dimensão maior de direito [...], sendo, portanto, a própria razão de ser dos Direitos Humanos".[40]

Celso Ribeiro Bastos trata conjuntamente o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, destacando que o valor distinto da pessoa humana repercute na afirmação de direitos específicos de cada homem e no reconhecimento de que o homem, na vida social, não se confunde com a vida do Estado, havendo um deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo.[41]

Luiz Antônio Rizzato Nunes, citando Miguel Ekmekdjian, concorda com a idéia de que não existe vida sem dignidade:

Se realizarmos uma enquete sobre a relação hierárquica entre o direito à dignidade e o direito à vida, possivelmente grande parte das respostas apontaria em primeiro lugar o direito à vida e abaixo deste o direito à dignidade. O argumento que aparenta ser decisivo é que sem a vida não é possível a dignidade. Essa afirmação pode aparecer de grande impacto, contudo é errônea. Implica uma transposição de lugares. De um ponto de vista biológico, é certo que não é concebível a dignidade em um ser inerte, em uma pedra, ou em um vegetal. Assim como se afirma que sem vida não há dignidade (o que aceitamos somente de um enfoque biológico), nos perguntamos se existe vida sem dignidade. Que vida é esta? Era a vida dos escravos tratados como animais que servem para trabalhar e reproduzir-se? Biologicamente sim, mas eticamente não[42].

Se a vida não se resume ao aspecto físico, devendo esta, ser vista interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Celso Ribeiro Bastos considera que o Judiciário, ao intervir quando chamado por um médico nos casos de recusa à transfusão de sangue, afronta o direito da liberdade individual e da dignidade da pessoa. E mais, autorizando tal procedimento estaria protegendo o aspecto físico mas, concomitantemente, estaria retirando a dignidade do paciente[43].

Para os seguidores da religião Testemunhas de Jeová[44], a recusa às transfusões de sangue é princípio fundamental que norteia as suas vidas. É uma relação íntima protegida pela Constituição Federal por meio do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

Afirma Celso Ribeiro Bastos, que “aqueles que aderem à orientação das Testemunhas de Jeová também pretendem, como todas as pessoas, continuar vivos. Apenas ocorre que também objetivam uma vida em paz consigo mesmos, sem que a sua posição religiosa reste maculada[45]”.

Assim, não há falar-se em colisão de princípios fundamentais, ou seja, direito à vida e liberdade de crença, mas sim em concorrência, pois o que está em jogo é o direito à vida pelo seu aspecto imaterial. As Testemunhas de Jeová não têm a intenção de renunciar à vida quando negam fazer a transfusão de sangue, apenas manifestam a vontade de serem submetidas a tratamento alternativo ao sangue[46], como ilustra Aldir Guedes Soriano:

Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico. Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos para se evitarem as transfusões sangüíneas, que, por sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível AIDS[47].

O Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1931/2009), em seu art. 32 dispõe que, "É VEDADO AO MÉDICO: Deixar de usar tos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecido e a seu alcance, em favor do paciente.

Marco Segre,  em palestra ministrada sobre o assunto em tela, em abril de 1996, na cidade de Ribeirão Preto, afirmou que "[...] o fato de existir uma crença religiosa que impede a aceitação de sangue está contribuindo enormemente para o desenvolvimento científico”.[48]

Com o avanço da medicina, num futuro bem próximo, as cotidianas transfusões de sangue, por vezes contaminadas, serão substituídas por tratamentos alternativos, bem mais seguros para os pacientes. Consequentemente, acabará a dependência da escassez cada vez maior dos bancos de sangue. Inclusive, atualmente, já existe um crescente número de médicos que estão criando alternativas para o tratamento sem a necessidade de transfusão de sangue. Para isso, precisam ter atenção no período pré-operatório, evitar a perda de sangue durante a cirurgia e ter cuidados no pós-operatório. Há ainda, equipamentos que diminuem a perda de sangue durante a cirurgia,  como o eletrocautério, coagulador por feixe de gás argônico, a cola de fibrina, hemodiluição, recuperações intra-operatórias de células, etc. Também, existem máquinas de recuperação intra-operatória de sangue que recuperam e reutilizam o sangue do paciente.

Ressalte-se, ainda, que numa emergência quando o paciente está perdendo muito sangue, a hemorragia deve ser estancada de imediato e haver a substituição do sangue perdido por outra substância parecida que assuma, provisoriamente, suas funções, como expansores e outros produtos farmacêuticos indicados nos casos concretos. Assim, ao recusar uma transfusão de sangue, o paciente apenas está fazendo valer seu direito constitucional à vida, vez que este engloba os direitos da personalidade na dimensão espiritual. É preciso ressaltar, ainda, que sem os atributos espirituais, as pessoas são rebaixadas à condição análoga de animais.

O jurista português André Gonçalo Dias Pereira comunga do entendimento que o paciente tem direito à recusa da transfusão de sangue e a qualquer outro tratamento médico proposto:

A opinião dominante é a de que qualquer pessoa adulta tem o direito de recusar os tratamentos propostos por mais irracionais e estúpido que possa parecer aos olhos do médico. É a que prevalece em Portugal. [...] Os médicos têm a obrigação deontológica de respeitar as opções religiosas dos doentes. O médico que procede a uma transfusão de sangue contra a vontade do paciente não está no exercício de nenhum direito. O seu comportamento é, inclusive, punível nos termos da lei penal. Por todo o mundo existe bastante jurisprudência sobre esta matéria. Em alguns casos decide-se pelo princípio da autodeterminação... [...][49].   

Segundo importantes doutrinadores,  no caso da recusa da transfusão do sangue, não há ofensa ao direito à vida, pois existem tratamentos alternativos. A medicina encarou o desafio e tem desenvolvido métodos terapêuticos alternativos sem sangue, respeitando a dignidade e encarando o paciente como um todo e não só como um ser biológico.

Conseqüentemente, como vigora, atualmente, o princípio da autonomia, via consentimento informado, tem-se que o paciente tem o direito de recusar-se a tratamento no qual será utilizada a transfusão de sangue (com exceção dos casos que não têm tratamento alternativo)[50]. Devendo o médico respeitar sua decisão, caso contrário responderá pelos riscos assumidos.

Mas é preciso ressaltar, que a maioria dos Tribunais não adota esse posicionamento[51].


5. Questão dos Menores  de Idade

Uma questão tormentosa sobre o tema é saber se nos casos em que envolvem menores de idade pode seus representantes legais não autorizar os médicos a realizar a transfusão de sangue.

Nestes casos é necessário fazer a seguinte pergunta:  a transfusão de sangue é o único meio para evitar a morte do menor de idade?

Se a resposta for positiva não existe dúvida que o médico deve proteger o bem maior – direito à vida – e efetuar a transfusão de sangue. Agora, se existir tratamento alternativo deve respeitar a vontade do representante legal do menor.

Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos discorre que:

Quanto aos pais ou demais responsáveis, é preciso deixar certo que não há negligência ou qualquer espécie de culpa quando solicitam aos médicos que usem meios alternativos para o tratamento de sangue em seus filhos. A recusa a uma determinada técnica médica pelos pais ou responsáveis, quando não se tem algumas outras vias, que atingem até melhores resultados do que a técnica padrão (sempre presente um alto risco de contaminação por diversas doenças), não é suficiente para configurar a culpa em qualquer de suas modalidades. (...) Em verdade, o que os pais querem é salvar a vida dos seus filhos por métodos alternativos, sem que com isso tenha-se de pagar um alto preço que seria a violação de princípios religiosos que lhe são por demais caros”[52].

Ademais, existindo tratamento alternativo à transfusão de sangue deve o médico se abster de fazê-la, sob pena de responder civil e criminalmente.

Os seguidores da religião Testemunhas de Jeová para evitar dissabores e isentar os médicos de responsabilidade, geralmente carregam consigo cartão de  identificação ou declaração que atestam que aceitam qualquer tratamento terapêutico desde que não se utilizem da transfusão de sangue. 

Portanto, é legítimo o direito dos representantes legais em impedir a transfusão de sangue nos seus representados, desde que haja, tratamento alternativo.


6. Conclusão

No Brasil vigora o Estado Democrático de Direito sendo a liberdade requisito essencial da democracia. Assim sendo, autonomia da pessoa deve ser respeitada por todos, inclusive pelo próprio Estado.

A cultura paternalista onde o paciente não tinha qualquer participação no processo de decisão médica (modelo hipocrático), sendo que os médicos enxergavam o paciente como uma verdadeira criança, que deveria ser isolada desse processo decisório para o seu próprio bem ficou no passado.[53] Atualmente, vigora a autonomia do paciente em todos os casos que envolvam intervenção médica que afete sua integridade.

 A dignidade da pessoa humana é o principio matriz e irradiador da nossa Constituição Federal. Ela que assegura a autonomia do individuo dando-lhe o direito de escolher o que é melhor para si mesmo livre de interferências externas.

A pessoa tem legitimidade para recusar a transfusão de sangue. Isso tem fundamento na dignidade da pessoa humana que resguarda a todo individuo o direito de fazer suas escolhas restringindo o Estado de impor tratamento médico/cirúrgico indesejado pelo paciente.

O direito de recusa da transfusão do sangue prevalece a vontade do paciente (autonomia), vez que não há ofensa ao direito à vida, pois existem tratamentos alternativos. Outrossim, a medicina encarou o desafio e tem desenvolvido métodos terapêuticos alternativos sem sangue, respeitando a dignidade e encarando o paciente como um todo (físico e espiritual) e não só como um ser biológico.


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Notas

[1] CARLIN, Volnei Ivo. (Org.). Ética e bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1996,  p. 34 –35.

[2] SEGRE, Marco; COHEN, Claúdio. Definição de bioética e sua relação com a ética, deontologia e a diceologia. 1 ed. São Paulo: EDUSP, 1995, p. 23.

[3] JUNGES, José Roque. Bioética, perspectivas e desafios. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1.999, p. 124.

[4] ibidem, p. 130/145.

[5]VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e biodiversidade: contexto científico regulamentar.  1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 228.

[6] idem, p. 228.

[7] ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 7.

[8] ibidem, p. 230.

[9] idem, p. 230.

[10] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 83.

[11] The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. DHEW Publications, (OS) 78-0012, Washington, 1978, apud DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem, aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru: EDIPRO, 1999,  p. 88-89.

[12] ibidem, p. 228.

[13] OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p 165-166.

[14] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 102-103.

[15] Médico mundialmente conhecido como Nazi Notiorius, que dentre os inúmeros absurdos cometidos nas experimentações com humanos, pode-se marcar a colocação de prisioneiros despidos em temperaturas abaixo de zero, até que restassem congelados, quando então, batia em seus membros com varas para confirmar o congelamento. Após, os corpos eram degelados para que fossem utilizados em técnicas experimentais com finalidades militares. (NA)

[16] Tenente-general, microbiologista e pai do programa biológico ultra-secreto de guerra, no Japão: a Unidade 731. (NA)

[17] As pesquisas de Ishii passavam pela abertura da cabeça de prisioneiros vivos como um machado para a obtenção de cérebros, dissecação de prisioneiros vivos; injeções de veneno, bactérias e urina de cavalo; exposição à eletricidade, entre outras espécies de torturas nas experimentações. (NA)

[18] PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Coimbra: Coimbra Ed., 2004, p. 455/456.

[19] MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-pátria. Traduzido por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 100.

[20] PITHAN, Lívia Haygert; PIRES FILHO, Fabrício Benites e; SIMÕES, Luiz Alberto B. Capacidade decisória do paciente: aspectos jurídicos e bioéticos. In. Ciclo de Conferências em Bioétca. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005,  p. 136-137.

[21] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução.  5ª ed. São Paulo: Renovar, 2003, p. 261.

[22] CC, art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial (Lei 9.434/97 e Dec. 2.268/97.

[23] CC, art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

[24] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral.  3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 159-160.

[25] CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes.  2ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 86.

[26] NANNI, Giovani Ettore. A autonomia privada sobre o próprio corpo, o cadáver, os órgãos e tecidos diante da Lei Federal 9.434/97 e da Constituição Federal.  in: LOTUFO, Renan (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 263, caderno 1.

[27] CHAVES, Antônio. Op. cit, p. 87.

[28] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 163.

[29] COELHO, Fabio Ulhoa. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 197/198, v. 1.

[30] Lei 9.434/97, art. 9º. É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fins de transplantes ou terapêuticos.

...

§ 4º. O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.

Lei 9.434/97, art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos de procedimento.

Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.

[31]GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit, p. 165.

[32]SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela.  2ª ed., São Paulo: RT, 2005, p. 468.

[33]CUPIS, Adriano de. Os direito da personalidade. Campinas: Romana Jurídica, 2004, p. 71.

[34] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 204.

[35] PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado.  Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 28, v. 7, tomo II.

[36] SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit, p. 474.

[37] Ibidem, p. 269.

[38] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 496.

[39] Idem, p. 496.

[40] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de, Direito Constitucional. Belo Horizonte: Livraria Mandamentos, 2000, p. 189, t. 1.

[41] Ibidem, p. 495-496.

[42]EKMEKDJIAN, Miguel apud NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 52.

[43] BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit, p. 496.

[44] Os seus praticantes consideram que a ingestão de sangue ou de hemoderivados está proibida por ordem divina, plasmada na Bíblia em Levítico, XVII, 10: “E qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue, contra aquela alma que comer sangue, eu porei minha face e a extirparei do seu povo” (NA).

[45] Ibidem, p. 497.

[46] Processo Civil. Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela Antecipada. Caso das Testemunhas de Jeová. Paciente em tratamento quimioterápico. Transfusão de Sangue. Direito à Vida. Dignidade da Pessoa Humana. Liberdade de Consciência e de Crença. - No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar (TJMG, proc. 1.0701.07.191519-6, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, j. 14/08/2007, DJ 04/09/2007).

[47] SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade religiosa no direito constitucional e internacional. São Paulo: J. de Oliveira, 2002, p. 118.

[48] Aspectos éticos e legais do tratamento sem transfusão de sangue. In: Seminário sobre tratamento médico sem transfusão de sangue. 1996, Ribeirão Preto. Produzida e distribuída pela S/C Ltda. Ribeirão Preto. [1996]. 1 fita de vídeo (120 min.) VHS, son., color., fita 6.

[49] Ibidem, p. 505-506.

[50] O poder de disposição sobre o próprio corpo é um direito personalíssimo, cabendo somente à pessoa determinar o que é certo ou errado para si, possuindo livre arbítrio, o qual é inerente à pessoa. (VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 22).

[51] APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. RECUSA DE TRATAMENTO. INTERESSE EM AGIR.Carece de interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares.Recurso desprovido. (TJ-RS, Ap. Cível 70020868162, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 22/08/2007).

[52] BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a Tratamento Terapêutico às Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e Convicções Religiosas — Parecer jurídico dado à Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová. RT 787, p. 504/ 506.

[53] SIMÓN, PABLO. El Consentimiento informado. Madrid: Triacastela: 2000, p. 28.


Summary: The basis of the right to refuse blood transfusion is that there is no infringement of the rights to life, as there are alternative treatments. Just that doctors pay attention in preoperative, operative and postoperative periods to prevent blood loss. There are also devices that reduce blood loss during surgery, such as electrocautery beam coagulator gas argônico, fibrin glue, hemodilution, intraoperative recovery of cells that recover and reuse the patient's blood. In an emergency when people are losing so much blood it may be replaced temporarily by expanders and other pharmaceuticals. Thus, by refusing blood transfusion is the only person exercising their constitutional right to life in the spiritual dimension. A person can not be seen only in the physical aspect. If this happens, man is demoted to a condition analogous to an irrational animal. Therefore, there is no need to talk about collision of fundamental rights, a right to life and freedom of belief of another, but in competition. The right to life in its immaterial aspect aims to get people a decent life without violating their religious positions.

Keywords: Rights of personality, human dignity, the right to refuse a blood transfusion.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Wanderson Lago. Direito de recusa à transfusão de sangue com fundamento no Direito Constitucional e no Direito Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4068, 21 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31226. Acesso em: 26 abr. 2024.