Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31367
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Responsabilidade criminal do psicopata

Responsabilidade criminal do psicopata

Publicado em . Elaborado em .

O tema do presente trabalho, “Responsabilidade Criminal do Psicopata”, tem por escopo analisar sob a ótica doutrinária, num reflexo crítico, a posição do legislador em relação ao tratamento penal que é destinado aos semi- imputáveis (psicopatas).

RESUMO

Psicopatas são pessoas que sempre conviveram na sociedade, realizando crimes bárbaros e inimagináveis à razão e ao bom senso que determina a espécie humana. Aparentemente normais e com uma grande facilidade de manipulação, conquistam suas vítimas que não enxergam perigo mesmo quando eles tomam atitudes estranhas que, em seguida, causam um grande sofrimento. Em sua senda de devastação enganam as normas, o direito e a sociedade. É dever dos operadores do direito penal responsabilizar estes indivíduos, por atos de descumprimento em relação ao ordenamento jurídico pátrio. Assim, o tema do presente trabalho, “Responsabilidade Criminal do Psicopata”, tem por escopo analisar sob a ótica doutrinária, num reflexo crítico, a posição do legislador em relação ao tratamento penal que é destinado aos semi- imputáveis (psicopatas), positivados no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro.

Palavras–Chave: psicopatas, semi – imputabilidade, tratamento adequado, responsabilidade criminal.

INTRODUÇÃO

            Sabe-se que transgredir as leis constituiu uma possibilidade do ser humano e somente dele, mas nem todo homem faz uso dessa possibilidade em condições humanas. Muitas vezes, os faz em condições desumanas, caracterizando uma anomalia como a psicopatia.

                   Afirmar que a psicopatia surgiu recentemente é recusar página marcante na psiquiatria, psicologia e principalmente na criminologia.

              É longo o caminho vencido na história do direito penal que percorre desde “os troncos” e dos “exorcismos” até os atuais experimentos das ciências criminológicas, para desvendar fatos como as “ordálias”, “julgamentos de Deus” e os “endemoniados” que marcaram o mundo do Direito Penal.

              Busca-se perfilhar a psicopatia como um constructo combinado por múltiplas variáveis, características e conotações. Procurando enfatizar aspectos que os operadores do Direito, incluindo os magistrados, membros do Ministério Público, defensores, advogados e, especialmente aqueles atuantes na área do direito criminal, como também os psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, na medida que são colaboradores do sistema da justiça e administradores, necessitam reconhecer para promoverem o apropriado manejo de situações que, de forma direta ou mesmo indireta, confrontam com indivíduos fronteiriços. Isso por que é premente a obrigação do desenvolvimento de uma interface amigável entre o direito e os demais ramos do conhecimento que lhe dão apoio.

              No entanto, postula-se uma revisão de conceitos que informem a atual posição do legislador pátrio, especificamente no que se alude ao tratamento penal destinado a indivíduos portadores de personalidade psicopática, positivados no parágrafo Único (§ Ú) do artigo 26 do Código Penal Brasileiro.

              Como novas reflexões são impostas, vimos a necessidade de abordar neste trabalho o tema “Responsabilidade Criminal do Psicopata”. Este tema é, hoje, uma crescente preocupação, pois 4 % da população é psicopata, segundo Martha Stout Ph.D, até por que são eles os mais severos predadores da espécie humana, “[...] em sua senda de devastação, realizam seus crimes de modo perverso e desenvolvem uma verdadeira carreira criminosa cujos primeiros traços aparecem na adolescência e atingem a virulência na vida adulta [...]” (TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO – Notas do Autor, 2009).

              Portanto a obra reclama a concentração de estudiosos postulando o direito que deve ser encarado como um dever, trazendo uma reflexão sobre o semi - imputável (psicopata) na legislação vigente.

NOÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

A ORIGEM DO DIREITO PENAL

              É inquestionável a importância da história do Direito Penal, permitindo um conhecimento do Direito Vigente. Diga-se que qualquer conhecimento histórico é admirável, pois facilita a exegese, onde esta precisa ser contextualizada, uma vez que, a conotação que o Direito Penal ostenta, só será bem entendida, quando tomarmos como referencia os antecedentes históricos.

              Na Antiguidade, quando fenômenos maléficos eram recebidos como manifestações divinas, para abrandar a ira dos Deuses, foram criadas inúmeras proibições religiosas conhecidas por “tabu”. Data dessa época os primeiros passos do direito penal quanto a manifestações de inconformidade com atos que exigiam reparação.

              A desobediência “tabu” levava à comunidade a punição do infrator para reparar a entidade. Esse dito castigo imposto na Antiguidade é o que denominamos atualmente de “crime” e “pena”.

              O castigo cominado era o sacrifício da própria vida do infrator ou uma oferenda como objetos valiosos, animais, peles e frutas à divindade que foi ofendida, num altar montado em sua honra.

              A pena, na Antiguidade, era somente a vingança, um contra-ataque a uma agressão sofrida, descomedida com a ofensa e aplicada sem qualquer preocupação de justiça.

              Foram muitas as fases da evolução da vingança penal que, para fins de entendimento e estudo, podem ser vistas como privada, divina e pública.

              A vingança penal evoluiu na designada vingança privada. Ocorrendo um crime, a reação poderia ser somente da vítima ou envolver até seu grupo social (tribo), quando não atingiam somente ao ofensor, mas sim todo o seu grupo, causavam sangrentas batalhas. Quando a infração partisse de um membro do próprio grupo, a forma de punição era o banimento (perda da paz), deixando o infrator a benefício de outros grupos, que fatalmente o puniriam com a morte. Quando a transgressão fosse cometida por alguém estranho ao grupo, a punição era a “vingança de sangue”, tida como uma obrigação religiosa e sagrada, acontecendo uma verdadeira guerra grupal.

              Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge a lei do talião, determinando uma reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente. Esta era uma forma de diminuir a abrangência da ação punitiva e foi adotada no código de Hamurabi (Babilônia), Êxodo (provo hebraico) e na lei das XII Tábuas (Roma).

              Ao passar do tempo e com grande número de infratores, as populações foram se deformando, sem seus membros, sentido ou função, que o Direito Talional lhe ajustava. Então surge a composição, um sistema em que o ofensor compra a sua liberdade, livrando-se do castigo, mediante o pagamento em moeda, gado, armas, entre outros. Foi uma forma aceita, pelo código de Hamurabi, Pentateuco e pelo Código de Manu, na Índia, um dos antecedentes da atual reparação de Direito Civil e da multa no Direito Penal.

              A fase da vingança divina teve influência da religião dos povos antigos, desde os primórdios, onde deveria reprimir o crime como satisfação aos Deuses pela ofensa que era praticada contra um grupo social “[...] O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas [...]”. (MIRABETE, 2006, p. 17). Esses princípios eram adotados na Babilônia, pelo povo de Israel, o Pentateuco, na China, no livro das Cinco Penas e pelo Egito, em Cinco Livros.

              Com uma melhor organização, a vingança pública é adotada. Para dar maior equilíbrio ao Estado, em primeiro lugar visou-se à segurança do príncipe, alicerçado conjuntamente à religião, na aplicação de penas severas e cruéis. O poder divino está ligado ao poder politico. Conduto, em fase posterior, a pena liberta-se de seu caráter religioso, onde deixa de aplicar a pena sobre uma responsabilidade grupal e passa a aplicá – la individualmente (autor do fato), aperfeiçoando os costumes penais.

A PSICOPATIA

DEFINIÇÕES DE PSICOPATIA

            O conceito de psicopatia é vasto e o conhecimento de suas características foram descobertas ao longo dos anos através de muitos outros estudos, tanto da psiquiatria – forense, como de psicólogos e advogados atuantes na esfera penal.

            Um impulso grandioso para a discussão da psicopatia aconteceu na Segunda Guerra Mundial, onde dois fatos foram notáveis. Em primeiro lugar, por que era preciso identificar e separar aqueles indivíduos que podiam aniquilar a moral das tropas, ou colocar em grave perigo a própria vida e “[...] ninguém, melhor que um psicopata estaria qualificado para ocupar esse posto [...]” (GARRIDO, 2005, p. 35), desestruturando o controle militar; e, em segundo lugar, pelas atrocidades nazistas acometidas durante a guerra, onde cientistas perguntavam-se, porque pessoas aparentemente normais cometiam atrocidades com outros seres humanos.

            Laura M. Nunes traz em seu artigo crime – Psicopatia e Personalidade anti–social, o conceito de psicopatia:

Pode considerar-se uma constelação de características aos níveis emocional, interpessoal e comportamental, conducente a um modo de funcionamento patológico, que pode-se resumir numa desordem emocional que potencializa o risco para a emergência de comportamento extremamente anti-sociais. (BLAIR, MITCHELL e BLAIR apud NUNES, 2009, p. 155).

            Trata-se, portanto, segundo essa autora, de características emocionais, interpessoais e comportamentais.

            Destarte, podemos afirmar que características são sinais dos perfis psicopáticos, servindo para uma fácil compreensão a respeito do tema, como bem assevera Ana Beatriz, “[...] A simples identificação de alguns sintomas não são suficientes para a realização do diagnóstico da psicopatia [...]” (SILVA, 2008, p. 68).

            Em 1941, Hervery Cleckley, apresentou sua obra “A máscara da Sanidade”, que “é um tratado de psicopatia extraordinário” (GARRIDO, 2005, p. 35), tendo em vista que esse causou um impacto social e psicológico, pois foi minunciosamente apresentando um quadro de seus pacientes.

            As características descritas no livro possibilitaram aos clínicos distinguir, com certo assombro, a psicopatia dos demais transtornos mentais. Os 16 critérios, descritos por Hervey Cleckley, para o conhecimento de psicopatia, merece destaque neste trabalho:

1. Inexistência de alucinações e outras manifestações de pensamento irracional; 2. Ausência de nervosismo ou de manifestações psiconeuróticas; 3. Encantamento exterior (charme superficial) e boa inteligência; 4. Egocentrismo patológico e incapacidade de sentir amor; 5. Pobreza de reações afetivas importantes; 6. Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada; 7. Falta de sentimento de culpa e vergonha; 8. Não ser merecedor (indigno) de confiança/ falta de confiabilidade; 9. Mentira e insinceridade; 10. Perda especifica de intuição; 11. Incapacidade para seguir planos de vida; 12. Conduta anti – social sem aparente remorso; 13. Ameaças de suicídio raramente cumpridas; 14. Capacidade de insigths insuficientes e falta de capacidade para aprender com experiência vivida; 15. Irresponsabilidade nas relações interpessoais; 16. Comportamento inconveniente, extravagante, absurdo, fantástico, e pouco regulável após o consumo de álcool e drogas (e mesmo na ausência destas). (TRINDADE, BEHEREGAY, CUNEO, 2009, p. 32).

            Revela-se oportuno destacar a contribuição de Robert Hare, um dos maiores pesquisadores da mente humana, criador do questionário denominado Escala Hare.

            No ano de 1991, Robert Hare, baseado nos estudos de Cleckley, cria PCL – R (psychopathychecklist), ou Lista de Verificação de Psicopatia ou Escala Hare, onde “[...] O PCL-R examina de forma detalhada diversos aspectos da personalidade psicopática, desde os ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais até o estilo de vida dos psicopatas [...]”. (SILVA, 2008, p. 68.). Hoje é o método mais fidedigno, para a identificação de psicopatas.

            Karpman apresentou o psicopata como uma “[...] pessoa insensível, emocionalmente imatura, (...), capaz de simular reações emocionais e ligações afetivas quando isso ajuda a obter o que deseja dos outros [...]” (KARPMAN apud HARE, 1973, p. 5).

            Ainda Karpman, menciona que o psicopata não possui psicológica e fisiologicamente nenhuma ansiedade ou medo, ainda que possa haver uma reação semelhante ao temor, quando algo lhe é ameaçado, por exemplo, seu bem-estar, “[...] sua tentativas de se inocentar, não raro produzem uma rede intricada e contraditória de mentiras gritantes juntamente com explicações, promessas teatrais e muitas vezes convincentes [...]” (KARPMAN apud HARE, 1973, p. 5).

            O psicopata de Karpman, “[...] possui uma capacidade de julgamento pobre, e seu comportamento é frequentemente guiado pelo impulso e por necessidades correntes, com resultado problemático para os outros [...]”. (KARPMAN apud TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, 2009, p. 37).

            Karpman considerou os psicopatas como sendo de dois tipos: os agressivos predatórios e os passivos parasitários, em que o primeiro faz alusão aos indivíduos que de certo modo satisfazem suas necessidades, por meio de uma tendência, “[...] destruidora extremamente agressiva e fria, tomando posse ativamente do que quer [...]” (KARPAMN apud HARE, 1973, p. 5), e o segundo, o psicopata obtém o que quer, através, “[...] do sangramento parasitário dos outros, aparecendo frequentemente como um individuo indefeso, com uma necessidade infinita de ajudar e piedade [...]” (KARPAMAN apud HARE, p.5).

            Robert Hare, concluiu que “[...] os dois aspectos da psicopatia são a incapacidade para amor e de sentir culpa” ( Mc Cord e Mc Cord apud HARE, p. 5).

            Foi obtida essa conclusão, porque na maioria das descrições clínicas, feitas por muitos estudiosos e psiquiatras, sempre existia referência à falta de empatia, incapacidade de estabelecer relações emocionais com os outros, “[...] características que o levam a tratar os outros como objetos, ao invés de pessoas, e o impedem de experimentar culpa ou remorso por ter agido de determinada maneira [...]”. (HARE, 1973, p. 6).

ÁREA EMOCIONAL- ASPECTOS RELACIONADOS AOS SENTIMENTOS E RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS

Eloquência e Superficialidade

            Os psicopatas são muito bem articulados, com eles qualquer conversa torna-se espirituosa, “[...] geralmente contam histórias inusitadas, mas convincentes em diversos aspectos, nas quais eles são sempre os mocinhos [...]” (SILVA, 2008, p. 68), são histórias, por vezes muito duvidosas aos mais atentos, mas que sempre lhe deixarão em uma posição boa para com as pessoas.

            Pela grande habilidade que os psicopatas possuem em aprender, eles se cientificam sobre vários assuntos, como filosofia, história, literatura, medicina e legislação. Estão sempre em busca de termos técnicos para deixar a conversa dos “ouvidos de quem escuta”, mais intelectual, falando “[...] de coisas atrativas para as quais não tem preparo [...]” (GARRIDO, 2005, p. 37), pois se um técnico do assunto ouvir verá sua superficialidade a respeito do tema e o desvendará no mesmo instante, muito embora, no momento em que for desmascarado, ele não sentirá vergonha alguma, apenas mudará de assunto sem o menor nervosismo.

            Ana Beatriz Silva aduz que, “[...] esses tipos de psicopatas são muito comuns no mercado de trabalho como um todo, que fingem ser profissionais qualificados, sem nunca terem colocado os pés numa faculdade [...]” (SILVA, 2008, p. 69).

Egocentrismo e grandioso sentido da própria valia

            Podemos chamar de megalomania (delírio de grandeza), como bem elucida Ana Beatriz Barboza Silva:

            O psicopata possui uma visão muito valorizada de seu ser, uma auto - estima e egoísmo fora do comum, se sente um ser de muita importância e, por isso crê que o mundo deve estar sempre esperando pelo seu espetáculo, “[...] ou seja, sente-se o “centro do Universo” e se crê um ser superior regido por suas próprias normas [...]” (GARRIDO, 2005, p. 38).

            Sabem os psicopatas, que estão transgredindo direitos alheios, como roubar, matar, contudo não se sentem responsáveis por tais atos, pois possuem a convicção de que nada é grave, por isso vivem de acordo com suas regras e não aprendem com a experiência.

            Um exemplo que podemos relatar é o de Pedro Rodrigues Filho, o vulgo “Pedrinho Matador”, serial Killer, um ser cruel que matou 71 pessoas, sendo 40 delas dentro do sistema penitenciário, quando menciona, com maior orgulho, ter matado seu próprio pai, como resposta para seus crimes: “[...] matar para esse homem, faz parte de sua história familiar. Avós e pais mataram, sentindo-se penalmente justificados em seus atos [...]”. (CASOY, 2009, p. 321).

Falta de remorso ou ausência de sentimento de culpa

              Os psicopatas não sentem culpa em relação aos atos que cometem e efeitos que geram em pessoas e quando descrevem seu remorso é apenas para passar uma boa imagem para os outros.

            Vicente Garrido aborda em seu livro “Um Camaleão na Sociedade Atual” um psicopata descrito por Trum Capote no seu livro “A sangue frio”, onde reúne uma conversa de Perry (psicopata) com seu amigo, que lhe visita antes de seu julgamento. Sendo assim, transcreve-se:

Se me arrependo? [...] Não sinto nada em absoluto e gostaria que não fosse assim. Mas nada daquilo me causa preocupação. Meia hora depois, Richard me contava piadas e eu ria a gargalhadas. Talvez não sejamos humanos. Eu sou humano o bastante para sentir pena de mim mesmo. É uma lástima não poder sair daqui quando você for embora. Mas não sinto nada mais além disso. (CAPOTE, apud GARRIDO, 2005, p. 39).

            Este assassino (Perry Smith) matou numa cidade americana, uma família inteira a sangue – frio em 1959, para roubar alguns dólares, que havia na casa. Assim é demonstrada nessa situação, a ausência de remorso que esse indivíduo sentiu e ainda colocou-se como vítima da situação.

            Diverso exemplo é de ILana Casoy, quando esta relata a entrevista com “Pedrinho Matador”. A pesquisadora descreve que foi muito difícil de entrevistá-lo, pois narrou que “[...] ele eliminava de seu caminho qualquer um que lhe desagradasse dentro de seu próprio código moral e ético [...]”, ele não possuía nenhum remorso, pois orgulhava-se do título que tinha ocupado ao redor de seus “colegas”, e a “[...] posição que ocupava dentro da história do crime no Brasil [...]” (CASOY, 2009, p. 320), tanto que chegou a tatuar em seu braço a frase “Mato por prazer”.

Ausência de empatia

            Falta de empatia é uma das grandes “tristezas” que os psicopatas possuem, pois esta, “[...] é a habilidade de se colocar no lugar do outro, ou seja, vivenciar o que a outra pessoa sentiria caso estivéssemos na situação e circunstância experimentada por ela [...]” (SILVA, 2008, p. 73), concluindo-se então que é um sentimento não conhecido por um psicopata. “[...] Daí a falta de interesse deles pelos sofrimentos e pelos direitos dos demais ser algo generalizado, aplicável tanto à própria família quanto às pessoas desconhecidas [...]” (GARRIDO, 2005, p. 40).

            Em razão de uma incapacidade de considerar o que o outro pensa, os psicopatas cometem atos que são de extrema crueldade e crimes que pensamos que seres humanos não cometeriam de forma alguma, “[...] esses psicopatas são capazes de torturar e mutilar suas vítimas com a mesma sensação de quem fatia um suculento filé mignon [...]” (SILVA, 2008, p. 74).

            Uma das vítimas do “Monstro do Morumbi” foi Anibalina Ataíde Martins, uma comerciária de Belém do Pará, conforme o fato descrito por ILana Casoy:

João Guerra voltou a atacar em 27 de setembro de 1971, quando conheceu a comerciária Anibalina Ataíde Martins, funcionária da Livraria Martins. Cortejou –a por uns dias e, sob promessas de casamento, da saída do trabalho da moça rumou para a estrada de Benfica, município de Benvides, onde despiu na mata, estrangulou-a com as próprias vestes e levou suas jóias, seu dinheiro e os objetos pessoais, Manteve relações sexuais post mortem com a vítima. (CASOY, 2009, p. 186).

            Percebe-se nesse fato a crueldade cometida por essa pessoa, um psicopata que incumbia crueldade em suas vítimas.

Um talento para mentiras, manipulação

              Os psicopatas possuem um talento para mentiras e manipulação surpreendentes, tanto que ao escutar suas conversas, pessoas do seu meio social, poderiam relatar que se trataria de um doente mental e que ele “não se dava conta de suas mentiras”.

            Possuem uma indiferença quando são descobertos em seu teatro, “[...] raramente ficam envergonhados, constrangidos ou perplexos, apenas mudam de assunto ou tentam refazer a história inventada para que ela pareça mais verossímil [...]”. (SILVA, 2008, p. 76). Essa é uma ferramenta usada para enganar qualquer pessoa que se aproxime, aproveitando seus pontos fracos.

            Conforme Vicente Garrido:

Essas características dos psicopatas os tornam especialmente aptos para perpetuar fraudes, logros e falsificações de identidades. Se estiverem na prisão, saberão como convencer as autoridades de que estão se recuperando, para isso, inscrevem-se em cursos, exibem uma “profunda” religiosidade e participam de numerosos programas de orientação, desde que os habilitem, o quanto antes, para regimes próximos ao da liberdade condicional. (GARRIDO, 2005, p. 24).

            O monstro do Morumbi possuía fantástico comportamento carcerário. Doutor Armando Mourão (delegado de polícia) relata um caso que conta como esse psicopata fez para fugir da prisão, transcreve-se:

Ele começou a passar por uma situação que até hoje ninguém consegue explicar. Ele, trabalhando na oficina de sapataria tinha acesso a pregos. Sem mais nem menos, saiu enfiando pregos no braço. Enfiava no pescoço também, e ai aconteceu um problema: como essas feridas estavam infeccionando, a direção do presidio o levou para o pronto-socorro. Na época nós também só tínhamos uma unidade ambulatorial pública. Eu ia lá todas as tardes. Ele estava sendo escoltado por guardas internos, que eram presos de bom comportamento que faziam a vigilância interna. E numa dessas idas minhas para ver o que estava acontecendo, eu me deparei com ele na calçada, indo embora. Ele burlou a vigilância das pessoas de alguma forma e já estava na calçada esperando para tomar um taxi. Eu encostei e disse: “vou te prender de novo”. (CASOY, 2009, p. 190).

            Deste modo pode-se afirmar que este ser foi capaz de realizar uma grande e macabra encenação (introduzindo pregos em sua pele) com o fim de manipular as pessoas que o vigiavam. Tudo isso com o objetivo único de fugir da prisão.

Escassez de emoções

            Os psicopatas são incapazes de sentir emoções, tais como amor e respeito, possuem “[...] uma incapacidade flagrante para sentir de modo profundo a categoria completa das emoções humanas [...]” (GARRIDO, 2005, p. 42).

              Por vezes, possuem a capacidade de ludibriar pessoas com alguma situação dramática, mas se contemplarmos com paciência tais atitudes, observaremos que são exibições de pura encenação.

            Diversas vezes, os psicopatas podem garantir que sentem emoções, “[...], porém eles sequer sabem diferenciar as nuances existentes entre elas. Confundem amor com pura excitação sexual, tristeza com frustações e raiva com irritabilidade [...]” (SILVA, 2008, p. 78).

            Na verdade, as emoções deles podem se chamar de “protoemoções” devido às respostas primitivas que são dadas às necessidades imediatas.

            Eles não possuem nenhum tipo de medo ou ansiedade, emoções essas que são essenciais para que as pessoas aprendam a impedir determinadas condutas, receadas de serem punidas. Esse é um dos modos pelo qual, quando “[...] somos crianças, aprendemos a reconhecer quais são os atos inadequados, ao mesmo tempo em que obtemos recompensas por atos que nossos pais indicam como corretos [...]” (GARRIDO, 2005, p. 43).

            Pode-se citar exemplos: nos dois casos, são condutas que conduzem o ser humano a não agir de modo errado:

Emoções negativas no caso de condutas proibidas (“se faço isso, depois serei castigado”) e emoções negativas e positivas, no caso das condutas aprovadas (“ se deixo de fazer isso, ficarão bravos comigo e se o fizer, sentirão orgulho de mim”) (GARRIDO, 2005, p. 43).

            Esse exemplo não sucede com os psicopatas; eles sabem os resultados de suas atitudes anti-sociais, mas, não se importam com elas.

            Ana Beatriz, em seu livro, “Mentes Perigosas”, relata que foram realizados testes, em que o medo relacionava-se com batimentos cardíacos:

Alguns presidiários como psicopatas foram submetidos a visualização de cenas de conteúdo chocante. Esse conjunto de imagens editadas mostrava, entre outras coisas, corpos decepados, torturas com eletrochoques, crianças esquálidas com moscas nos olhos e gritos de desespero. Enquanto as pessoas comuns só de imaginar tais situações ficariam arrepiadas e com reações físicas de medo, esses psicopatas não apresentaram sequer variação de seus batimentos cardíacos. (SILVA, 2008, p. 78).

            As reações de medo, na maior parte das pessoas, são sentidas através de situações físicas desagradáveis, tais como: dor de barriga, suor nas mãos, tremores, dor de estômago, entre outras variáveis situações.

Aspectos referentes ao estilo de vida

                Os aspectos referentes ao estilo de vida de uma pessoa com transtornos mentais que a caracterizam como psicopata podem ser notados como: impulsividade, controle deficiente de comportamento, necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas de comportamento precoce e comportamento anti-social adulto.

              Embora psicopatas não sejam necessariamente delinquentes, podem ser governantes de um país, advogados, médicos, um simples comerciante que sonega imposto de renda, um colega de faculdade, entre diversas pessoas que nunca foram descobertas ou se foram, passaram despercebidas, pois segundo Marta Stout, “[...] cerca de 1 (um) em cada 25 indivíduos é sociopata, ou seja, não possui consciência [...]” (STOUT, p. 21, 2010), essa consciência que Marta Stout se refere é a consciência genuína, um alvo de discussões entre filósofos, sociólogos, cientista e juristas, e por ser um tema bastante debatido, apresenta divergências. Sintetiza-se, segundo a autora:

A consciência é o nosso chefe onisciente, ditando regras de comportamento e impondo castigos emocionais quando as violamos. Não pedimos para ter consciência. Simplesmente ela está lá o tempo todo, como a pele, os pulmões ou o coração. Não podemos imaginar como nos sentiríamos sem ela. E, de certa maneira, nem merecemos o crédito por agir conscientemente. (STOUT, 2010 p. 24).

Ainda sobre a consciência genuína, para Ana Beatriz Barbosa Silva:

Ter consciência ou ser consciente trata-se de possuir o mais sofisticado e evoluído de todos os sentidos da vida humana: o “sexto sentido” (...) a consciência genuína nos impulsiona a ir ao encontro do outro, colocando-os em seu lugar e entendendo a sua dor. (SILVA, 2008, p. 29-30).

Pode-se observar que a consciência está tão intimamente ligada ao ser humano que não pensamos nela, ela atua como um reflexo do ser humano, “[...] é uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe da nossa razão [...]” (SILVA, 2008, p. 27), qualidades estas, que os psicopatas não possuem, pois eles não apresentam consciência.

Quando esses psicopatas são delinquentes, eles desobedecem às leis, sendo violentos só para obter controle da situação e, mesmo permanecendo numa prisão, eles não se inibem, continuam extorquindo, matando e agredindo pessoas.

CRIMINOLOGIA E PSICOPATIA

                O comportamento humano sempre foi matéria de estudos pela observação e constatação de atitudes nada prosaicas que alteram sobremaneira a capacidade de entendimento dos fatos e de análises constantes da mente criminal. Entender os motivos que levam um indivíduo, dado como comum pela prática humana, a cometer um delito perverso, requer estudar não só as circunstâncias factuais como também a motivação do criminoso.  A criminologia estuda o crime, as circunstâncias sociais determinantes desse, a vítima, os criminosos, o prognóstico delitivo. E, mesmo não havendo uniformidade na doutrina quanto ao surgimento dessa ciência como um todo, o que se evidenciará por ora são especificamente conceitos de criminologia mais voltados às diversas manifestações das condutas psicopáticas.

Antes do aparecimento de Lombroso, que dá inicio ao período da Antropologia Criminal, desde o século XV até 1875, houve um grande número de precursores da Criminologia, como filósofos, teólogos, fisiognomonistas, frenólogos e médicos, assim como várias formas de se estabelecer características que determinaram atividades criminais como o Código de Hamurabi (séc. XVIII a. C.), baseado na Lei de Talião do “olho por olho, dente por dente”, com punições que ocorriam de acordo com a camada social do infrator das regras da vida cotidiana, impostas pelo rei Hamurabi da primeira dinastia babilônica.

            Embora, já com Hipócrates (460-355 a.C) se veja a primeira contribuição para o princípio penal da inimputabilidade ou irresponsabilidade do homem insano, mais respeitável e importante foi o estudo do austríaco Johan Frans Gall (1758 – 1823), que no século XIX, foi o pioneiro das chamadas “teorias das localizações cerebrais”. Acreditava ele que saliências no crânio determinavam a intenção comportamental de uma pessoa. Também compete ao ilustre filósofo a teoria sobre vultos cranianos, que mais tarde influenciou a teoria Lombrosiana.

A Escola Positiva surge no fim do século XIX na Europa. Predominava neste século, um grande desenvolvimento das ciências sociais, tais como: Antropologia, Psicologia, Psiquiatria, determinando uma nova orientação para a criminologia.

A pena não possui mais seu caráter vindicativo - retributivo, e seus embasamentos não são a natureza, nem a gravidade do crime, mas a personalidade do réu e sua perigosidade.

Os positivistas utilizavam outras disciplinas como a Biologia e Antropologia, sendo que, após estes estudos, contaram que a norma jurídica não era científica. Em decorrência disso, propuseram que a norma jurídica do delito fosse suprida por uma antropologia ou sociologia do delinquente, de onde se chegou a verdadeira origem da Criminologia.

 Comungando dessas idéias positivistas, Cesare Lombroso, em 1836, publicou o livro O homem delinquente, (L’ uomo Delinquente) baseado na historiografia, porque, para ele, é através da história, que podemos conhecer as ações e reações no mundo em que se agita o existir humano.  Preocupado com esses aspectos da História, analisou o homem, através de seu comportamento e suas ações, e considerou-o delinquente.

              O criminoso nato de Lombroso era reconhecido por uma série de sinais físicos e psíquicos: calota craniana muito grande ou muito pequena, maxilar grande, sobrancelhas cheias, molares salientes, orelhas grandes, olhos defeituosos, pés e mãos grandes. E em relação aos sinais psíquicos, Lombroso enumerava: sensibilidade dolorosa diminuída, (razão que os criminosos se tatuavam), odiosidade ao trabalho, vaidade, precocidade sexual, crueldade.

Para ele, o falso delinquente ou pseudodelinquente ou delinquente ocasional não era um verdadeiro delinquente, era um FRONTEIRIÇO, que por sua vez, num conceito unicamente Lombrosiano, cometia um Criminalóide.

Pode-se, então, analisar que Lombroso contribuiu para a definição de psicopata que a doutrina delibera o termo de fronteiriço ou semi-louco.

Também Rafael Garófolo (1884) e Enrico Ferri (1914) enxergam nos delinquentes caracterizadores pontuais de aspectos antropológicos e psicológicos. Em seus estudos sobre criminologia, este cita a figura de criminosos analisados como loucos que seriam os alienados mentais e, como Lombroso, os fronteiriços; e, aquele classifica de violentos ou energéticos os que agem sem compaixão e sentem um exagerado amor próprio e, como ladrões ou neurastênicos os que têm ausência de honestidade e mostram traços de deficiência craniana.

Além da contribuição de Lombroso, Garófolo e Ferri, mais algumas contribuições que a Escola Positiva trouxe para o Direito Penal foram o descobrimento de fatos novos, ampliando o conteúdo do Direito, o nascimento da criminologia, a preocupação com o delinquente e a vítima, uma melhor individualização das penas, a definição de periculosidade, a ampliação de institutos como a medida de segurança, suspensão condicional da pena e o livramento condicional e o tratamento tutelar ou assistencial ao menor.

Contribuição valiosa é também reconhecida à Escola Crítica, Terza Scuola Italiana, que abriga o princípio da responsabilidade moral, realizando a consequente distinção entre imputáveis e inimputáveis, não aceitando que a responsabilidade moral fundamente-se no livre arbítrio, e sim pelo determinismo psicológico. A causa que origina esse determinismo fundamenta-se na questão mais forte, que é imputável que possui capacidade de se deixar levar pelos motivos.

Contudo, a quem não tiver esta capacidade deverá ser aplicada a medida de segurança e não a pena. O crime, para esta escola, é idealizado como um fenômeno social e individual.

Todas essas análises acabaram por fixar novas diretrizes para o desenvolvimento de outros estudos sobre a evolução da criminalidade que envolve o sujeito psicopata definido pelos caracteres físicos e psíquicos e pela prática no crime, denominado: “Criminoso Nato”.

            Assim encontra-se em Philippe Pinel, no ano de 1809, a definição de psicopata na expressão “manie sans delire” – mania sem delírio- que servia para diagnosticar pessoas que, embora apresentassem funcionamento intelectual normal, mostravam-se violentas e sem controle da impulsividade.

Essa expressão de Pinel foi rebatizada de “moral insanity”, em 1835, pelo psiquiatra James Cowles Prichard. A formulação de Prichard consiste no fato de que o individuo não é responsável por seus atos.

Pouco mais de vinte anos depois, em 1857, Morel aplicou a noção de Prichard à sua teoria de comportamentos, designando-a por “loucura dos degenerados”, “[...] pois acreditava-se, que os desvios do ser humano, eram  transmitidos hereditariamente [...]” (GONÇALVES, 1999, p. 26).

O termo para caracterizar o psicopata sofreu variações através dos tempos e da evolução dos estudos da medicina, como “inferioridade psicopática”, “personalidade psicopática” e “sociopata” para mencionar aquelas pessoas que costumavam violar as normas sociais de comportamento.

Em 1923, Kraepelin enumera quatro personalidades psicopáticas, importantes de serem citadas aqui: delinquentes natos, inconstantes, mentirosos e farsantes, e em seguida sete “[...] excitáveis, inconstantes, instintivos, mentalmente retorcidos, mentirosos, farsantes, associais e conflituosos [...]” (PICHOT apud GONÇALVES, 1999, p. 27).

Sintetizando-se, Cason, em 1943, quando estudou casos em que reviu 139 resumos sobre psicopatas, aduz que existiam 202 palavras que, na sua essência, eram sinônimos. Contudo, houve um abandono dos estudiosos em relação a qual terminologia era a mais correta, pois nunca se chegava a um consenso doutrinário.

 Foi com o advento do primeiro manual de diagnóstico e estatística de doenças mentais (DSM-I), publicado em 1952, que o termo “Sociopatia” ficou difundido para designar o transtorno, ou “[...] ‘perturbação da personalidade sociopática’[...]” (GONÇALVES, 1999, p. 28).

 A partir de 1968, a Sociedade Americana trouxe o conceito de “personalidade anti-social”, definindo psicopata dentro dos transtornos de personalidade.

 De acordo com a versão mais atual do Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais, no ano 2002, o DSM-IV, American Psychiatric Association ou Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno pode também designar-se por “[...] psicopatia, Sociopatia ou Pertubação Dissocial da Personalidade [...]”(INNES, 2009, p. 155). Mesmo depois de várias denominações, o termo “sociopatia”, continua sendo utilizado intermutavelmente.

A PSICOPATIA E O ARTIGO 26 PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

              O problema de uma medida justa, razoável e cientifica para os indivíduos “semi-imputáveis” ou de “responsabilidade diminuída”, enfim, aqueles previstos no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, até então vigente, exigiu uma análise de tudo que foi visto até agora, para podermos discutir o angustiante tema: A Responsabilidade Criminal do Psicopata.

            Esse é um enigma que a sociedade, estudiosos, juristas, começaram a dar maior ênfase, a partir do século XXI, havendo uma crescente preocupação, pois 4% da população é psicopata, segundo Martha Stout, Ph.D, sendo estes os mais “[...] severos predadores da espécie humana, em sua senda de devastação, realizam seus crimes de modo perverso e desenvolvem uma verdadeira carreira criminosa cujos primeiros traços aparecem na adolescência e atingem a máxima virulência na vida adulta [...]”. (TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, - Notas dos autores, 2009).

            É valido lembrar o artigo 26 e o parágrafo Único do Código Penal Brasileiro:

Art.26. é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Reduz a pena: Parágrafo Único: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental, ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

            Percebe-se que o parágrafo único do Art. 26, reproduz a mesma “fórmula” contida no seu caput, isto é, “desenvolvimento mental incompleto ou retardado”, substitui a expressão doença mental por outra mais restrita “perturbação da saúde mental”, sendo este, a pena pode ser reduzida, e o outro onde pode ausentar-se da pena.

            A expressão contida no caput, doença mental, “[...] abrange todas as condições que causam alterações mórbidas à saúde mental [...]” (TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, 2009, p. 130). Neste conceito estão inclusos os transtornos mentais psicóticos de um modo geral e estados demenciais, como a esquizofrenia, psicose maníaco – depressiva, paranóia, entre outros, e outras que são consideradas doenças mentais como a epilepsia, psicose alcoólica, loucura e histeria, entre outros.

              Já no parágrafo único, o legislador entendeu que a higidez mental e a insanidade psíquica “[...] existe uma zona cinzenta, na qual se incluem os denominados fronteiriços, legalmente classificados como semi-imputáveis ou de responsabilidade diminuída [...]” (TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, 2009, p. 130).

              O Código Penal “[...] preferiu por considerar que a personalidade psicopática, não deve ser considerada um doente mental, mas um desajustado social [...]” (ZARZUELA, 1988, p. 139), o que se inseriu no Parágrafo Único do artigo 26 do Código Penal, os fronteiriços, na categoria dos responsáveis ainda com uma pena atenuada, sendo possível ser substituída por um tratamento ambulatorial ou internação.

            Sabe-se, nestas hipóteses, que o psicopata é imputável e responsável, por restar-lhe consciência da ilicitude da conduta, todavia sua sanção é diminuída por ter agido com culpabilidade diminuída, em decorrência de suas condições pessoais. A semi- imputabilidade não exclui a culpabilidade, sendo esta uma causa de diminuição de pena, pois, “[...] Uma oitava a menos, e seriam doentes, uma oitava a mais, e seriam normais [...]”(ZARZUELA, 1988, p. 122).

            O grau de redução da pena, ora estudado, deve estar relacionado com a gravidade do fato, e o vulto da perturbação mental, que é responsável pela diminuição da capacidade de entendimento e de autodeterminação.

            Se existir alguma dúvida a respeito da integridade física do autor do crime, deverá ser realizado um exame. Este se materializa através do incidente de insanidade mental, segundo os artigos 149 a 151 do Código de Processo Penal, as quais demonstram:

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de oficio ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja submetido ao exame médico – legal.

§1° O exame poderá ser ordenado ainda, na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§2° O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o quanto as diligencias que possa, ser prejudicadas pelo aditamento.

Art. 150. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar.

§1° O exame não durará mais que 45 dias (quarenta e cinco dias), salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de maior prazo.

§2º Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz autorizar sejam os autos entregues os peritos, para facilitar o exame.

Art. 151. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável nos termos do artigo 26 do Código Penal, o processo prosseguirá, com a presença do curador.

            Como se vê, o exame pode ser requisitado em qualquer passo do procedimento criminal, tanto na fase inquisitorial, quanto na fase processual, ou mesmo na executória: “[...] A capacidade de imputação é avaliada pela perícia, mas a responsabilidade penal é de competência da jurisdição [...]” (TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, 2009, p. 131). O perito é um auxiliador da justiça, pois sempre que houver suspeita de insanidade mental, avaliando, se no momento que ocorreu a prática criminosa, havia uma supressão de entendimento ou vontade, em decorrência de uma doença mental ou de desenvolvimento mental retardado, caberá ao juiz, com o seu livre convencimento, pronunciar, se o agente deverá ou não ser responsabilizado. O juiz não ficará restrito ao laudo do perito. Uma ressalva muito importante é, no caso da inimputabilidade, em que não se pode conduzir a substituição do perito pelo juiz. Portanto caso não acredite na conclusão pericial, deve determinar a realização de outro exame. A parte cabível ao magistrado é a psicológica, e não a biológica.

            A semi - imputabilidade foi objeto de grandes discussões entre médicos, juristas e filósofos, que chegam ao resultado comum de que os seres humanos não se bipartem em sadios ou psicóticos, pois entre essas duas categorias há um grande número de seres humanos por falha psíquica não compreendem inteiramente o caráter ilícito dos atos que praticam ou não possuem uma capacidade volitiva de se deterem antes da prática da infração penal.

SEMI – IMPUTABILIDADE: CRITÉRIO E IMPRECISÃO VOCABULAR

            Fala-se muito em imputabilidade diminuída, imputabilidade penal restrita ou como o Código Penal mesmo anota: “Semi- imputabilidade”. É imprecisa esta expressão, pois se o agente é imputável, há uma diminuição de sua responsabilidade, no qual o agente tem diminuída “[...] sua capacidade de censura, de valoração [...]” (BITENCOURT, 2003, p. 312) e não da sua imputabilidade, deveria ser empregado : “semi- responsabilidade”, como a própria expressão indica “[...] não constitui causa de exclusão da culpabilidade, lembrando que o agente responde pelo delito praticado com pena reduzida [...]” (ZARZUELA, 1988, p. 145).

            Defendem que a expressão não é adequada, José Lopes Zarzuela, Damásio E. de Jesus, Cesar Roberto Bitencourt e Julio Frabbrini Mirabete. Este último não chega a posicionar-se de fato, só aduz que a expressão é passível de crítica, “[...] Embora se fale, no caso de semi - imputabilidade, semi - responsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de críticas [...]” (MIRABETE, 2006, p. 2011).

            Na responsabilidade diminuída, em função de anormalidade psíquica, o agente não possui completa capacidade de entendimento e de determinação. Compreende-se que não há desaparecimento integral da capacidade volitiva e intelectiva, e não basta que o agente seja portador de perturbação da saúde mental ou que possua desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Determina a lei penal que, em consequência dessas causas, ao tempo da prática do comportamento ilícito, não possua, em sua plenitude, essas capacidades.

            Contudo, nestas características, é preciso requisitos fundamentais, onde é exigido que o indivíduo enquadre-se no parágrafo único do Art. 26. São os requisitos imediatos classificados em causal, cronológico e consequencial.

SANÇÃO PENAL APLICÁVEL AO SEMI-IMPUTÁVEL

Pena e medida de segurança

            Pena e medida de segurança são duas formas de sanções penais que se diferenciam por algumas características pontuais.

            A pena possui natureza retributiva- preventiva, é proporcional à gravidade da infração, se liga ao sujeito pelo juízo de culpabilidade, possui caráter fixo e é aplicável aos imputáveis e semi - responsáveis. Ela deve ser proporcional ao delito praticado pelo agente, deve ainda ser certa, inderrogável e, salvo exceções, a pena não pode deixar de ser aplicada. A mesma deve estar prevista em lei, de acordo com o princípio da legalidade, possuindo base constitucional, de acordo com o artigo 5° inciso XXXIV e o artigo 1° do Código Penal.

A medida de segurança é preventiva, tem a proporcionalidade fundamentada na periculosidade do agente, ligada ao sujeito pelo juízo de periculosidade. De modo mais particularizado com as palavras do ilustre Aníbal Bruno, que as conceitua: “[...] São meios jurídicos de que serve o Estado para remover ou inocuizar o potencial de criminalidade do homem perigoso. Seu fim não é punir, mas corrigir ou segregar [...]” (BRUNO, 1977, p. 54). Além disso, é de caráter indeterminado e cessa quando desaparece a periculosidade do sujeito, bem como não pode ser aplicável pelo absolutamente imputável.

 O sistema que o código penal adotava era o duplo binário, que conduzia a uma aplicação de pena e medida de segurança, para os imputáveis e semi- imputáveis. Contudo, a tendência moderna, era buscar uma medida unificada. Assim foi firmando-se o sistema vicariante ou unitário, onde só é possível aplicar a pena ou a medida de segurança.

Então com a adoção do sistema vicariante ou unitário, onde pode-se aplicar pena para os imputáveis que praticarem uma conduta punível, o inimputável sofrerá a medida de segurança, e os “fronteiriços”, chamados de semi-imputáveis, pena ou medida de segurança,  nunca as duas.

Faz –se uma observação muito importante que o semi- imputável NUNCA poderá ser absolvido sumariamente, somente pode ser condenado e absolvido propriamente (sem medida de segurança), se condenado a pena deve ser reduzida ou transformar em medida de segurança. Todavia não há uma paridade entre a pena que lhe foi imposta e a Medida de segurança que ele irá cumprir.

 Quando a medida de segurança for imposta no processo de conhecimento tem-se três posições: uma refere-se ao posicionamento do Código Penal que a medida de segurança é indefinida, sendo, para sempre, até que a loucura cesse, positivado no artigo 97 do Código Penal; segunda posição é do STJ , máximo é a cominada em abstrato ao respectivo delito; e,  a terceira que é do STF, diz-se que se faz uma analogia ao artigo 75 do Código Penal e que limita o tempo de cumprimento da pena em 30 anos e, portanto, o tempo da medida de segurança é limitado em 30 anos. Há uma crítica do STF, em relação, que se estaria voltando ao sistema do duplo binário, porque esse sistema do STF estaria trazendo um prazo de pena que é de 30 anos, para um prazo de medida de segurança, portanto, um sistema duplo binário, um sistema que o Código Penal adotava e que não adota mais como bem explicito acima. (De acordo com Dr. Pietro Chidichimo, professor da Verbo Jurídico EAD – aula nº 9, 1° parte – dia 03/06/2013).

            As circunstâncias pessoais do agente perpetrarão a diferença, pois determinará qual a resposta penal ele necessitará.

Se seu estado pessoal demonstrará a necessidade maior de tratamento, cumprirá medida de segurança, porém, ao contrário, esse estado não se manifestar no caso concreto, cumprirá a pena correspondente ao delito praticado, com a redução prevista (art. 26, parágrafo único). (BITTENCOURT, 2003, p. 681).

            Isso só ocorre, no caso de medida de segurança, se o agente precisar de especial tratamento curativo, contatando periculosidade real.

A medida de segurança encontra-se pela periculosidade do agente juntamente com a incapacidade do mesmo.

Sabe-se também que existem duas espécies de medidas de segurança, as quais são: detentiva e a restritiva sendo que a primeira faz referência a uma internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, que encontra fundamentação no artigo 96, inciso I, do Código Penal Brasileiro e, a segunda trata da sujeição a tratamento ambulatorial, de acordo com inciso II do mesmo artigo ora citado.

Oportuno frisar que os manicômios são para os absolutamente irresponsáveis, compreendido no artigo 26, caput do Código Penal Brasileiro por possuir função apenas de cura.

            A periculosidade do agente pode ser real, dada somente para o período em que fixa a lei, ou ficta, que é a presumida por lei.

            A medida de segurança aplicada aos psicopatas é a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, “[...] é um estabelecimento de caráter preventivo misto, isto é penitenciário – hospitalar e prisão hospitalar, destinado especialmente ao cumprimento de medida de segurança detentiva [...]”. (ZARAUELA, 1988, p. 245). Este estabelecimento visa à cura e a reeducação do semi – imputável.

            Bittencourt faz críticas ao que se refere ao Hospital de Custódia e tratamento psiquiátrico:

“Hospital de Custódia e tratamento psiquiátrico” não passa de uma expressão eufemística utilizada pelo legislador da Reforma Penal de 1984 para definir o velho e deficiente manicômio Judiciário, que no Rio Grande do Sul é chamado de Instituto Psiquiátrico Forense (BITTENCOURT, 2003, p. 684).

            Aduz Zarzuela, que existe uma casa de Custódia e tratamento, “DR. ARNALDO FERREIRA”, em Taubaté, que é o primeiro e único existente no Brasil, criado em 1985, e onde é oferecido um tratamento institucional psiquiátrico – pedagógico.

            Quando a lei refere-se no seu Art. 96 “As medidas de segurança são: I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a falta, em outro estabelecimento adequado”. Quanto ao estabelecimento adequado, a lei não deixa claro. De acordo com o artigo 99 do Código Penal, pode-se imaginar que o estabelecimento deverá apresentar “características hospitalares”. Ao menos neste ponto, o legislador viu a realidade do Brasil, onde não existem estabelecimento adequados. Bittencourt ironiza tal situação, mencionando que “[...] os manicômios judiciários tem sido considerados “estabelecimentos adequados” [...]” (BITTENCOURT, 2003, p. 684).

            Como se pode observar, a situação no Brasil é extremamente carente de “Casas de Custódia e Tratamento”, o semi – responsáveis acabam ficando sem um tratamento adequado.

 CASOS CONCRETOS DE PSICOPATIA NO BRASIL

              Para elucidarmos ainda mais este trabalho é demostrado casos cruéis e desumanos que aconteceram no nosso País, uma lista de notícias, que foram divulgadas pela mídia, referindo-se a delitos extremamente graves e com características psicopáticas. Nestes casos o que não faltam são estupros, homicídios em série, entre outros crimes violentos, que servem para ilustrar o fenômeno que está sendo tratado aqui.

            Estes casos foram citados no livro, O psicopatas, um camaleão na sociedade atual, de Vicente Garrido, no qual Juliana Teixeira possui uma participação, onde ela traz casos de psicopatas brasileiros.

            Vejamos o caso intitulado “bandido da luz vermelha”

Na década de 1960, João Acácio Pereira da Costa era um indivíduo bem vestido que entrava em mansões de São Paulo empunhado uma lanterna de foco vermelho e um macaco de carro. Precursor da violência cruel e gratuita que pôs em alerta a população, João Acácio dominava todas as pessoas que estavam na casa, roubava, costumava violar as mulheres e culminava seus atos matando as vítimas do estupro. A polícia, para encontrá – lo, ofereceu uma grande recompensa, então o amigo o delatou, em agosto de 1967. Foi condenado a mais de 350 anos de prisão pelo fato de haver totalizado 88 crimes, entre eles 7 tentativas de homicídio , 4 assassinatos e 77 assaltos. Em 1997, foi solto por haver cumprido a pena máxima permitida pela constituição brasileira que é de 30 anos, logo depois, precisamente em janeiro de 1998, foi assassinado durante uma briga em um bar de Joinville. Morreu aos 54 anos, sem o apoio da família, nenhum amigo e vítima da mesma violência que ele perpetrou durante toda a vida. (GARRIDO, 2005, p. 272).

            No caso, “maníaco do parque”

Francisco de Assis Pereira atraia mulheres, preferencialmente morenas, para o parque do Estado – daí a procedência do cognome que recebeu, - fazendo-se passar por um agente de modelos. Levava todas para um lugar ermo, onde as espancava, humilhava, abusava sexualmente para, ao final, estrangulá – las. Ao ser preso, confessou a autoria de 11 crimes, mas foi julgado apenas por 7 e condenado a 217 anos de prisão. Cumpre a sentença no presídio de Iati, interior de São Paulo, e tem planos de se casar com uma moça de Santa Catarina que conheceu através de cartas. (GARRIDO, 2005, p. 272).

            Também esse caso “maníaco da praia” é ilustrativo.

Paulo Sérgio Guimarães da Silva tinha 33 anos e era pescador quando confessou haver cometido 7 homicídios com a intenção de imitar o “maníaco do parque Francisco de Assis Pereira”, sua grande fonte de inspiração. Imaginando-se um super – herói, esse indivíduo adotara o mesmo tipo de vestimenta dos bandidos de filmes categoria B para molestar casais de namorados na praia do cassino da cidade do Rio Grande (RS). Uma de suas vítimas conseguiu escapar e tornou-se testemunha chave para a busca do criminoso. O “maníaco da praia” foi condenado há 171 anos e deve permanecer na cadeia por, no máximo 30 anos, o limite previsto pela legislação brasileira. Mas poderá requerer liberdade condicional após cumprir 20 anos da pena. Foi considerado culpado por 1 estupro, 7 homicídios, 3 roubos e uma tentativa de assassinato, e praticou esses crimes em período extraordinariamente curto: de dezembro de 1998 a março de 1999. (GARRIDO, 2005, p. 273).

            Champinha, um criminoso cruel aos 16 anos, é outro episódio dos autos forenses que nos dão argumentos para validar trabalhos como este.

R.A.C, “Champinha”, estava com 16 anos quando atacou um casal de namorados que acampava em um sítio abandonado em Juctiba, na grande São Paulo. O rapaz, de 19 anos, foi morto com um tiro na nuca enquanto a garota de apenas 16, foi morta a facadas, depois de ter sido repetidamente violentada e torturada. O casal havia mentido para os pais sobre a viagem, por isso ficou desaparecido por mais de 7 dias. Champinha, o criminoso, em sua confissão disse que matou porque “sentiu vontade”. (GARRIDO, 2005, p. 274).

            E, por último, mas não menos expressivo para nosso estudo, o caso intitulado como manchete “Ator de novela age como Camaleão”.

Foi um assassinato bárbaro que aconteceu em 1992 no Rio de Janeiro, cometido pelo ator Guilherme de Pádua, que interpretava o personagem Bira na novela “De corpo e alma”, e sua esposa. Ambos confessaram ter matado com 16 tesouradas no pescoço e no peito que vivia Yasmim, na mesma novela. O corpo fora encontrado com várias perfurações em um matagal na Barra da Tijuca. Horas antes de confessar o assassinato, Guilherme havia demonstrado sentimentos de solidariedade a mãe e ao marido da vítima. Foi tão convincente que o viúvo declarou: “Você é um grande amigo”. (GARRIDO, 2005, p. 274).

            Pode-se vislumbrar o que um psicopata é capaz de fazer, por isso é importante da maior ênfase a este tema, onde a sociedade precisa ficar mais atenta a estes “monstros” que estão em todas as partes.

4.4 PSICOPATIA E REINCIDÊNCIA

            Faz-se necessário registrar que, de acordo com o artigo 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

            A doutrina apresenta duas formas de reincidência, que é a real e a ficta, a primeira só ocorre quando o agente pratica uma nova infração, após cumprir parcial ou total, a pena que lhe foi imposta em relação ao crime anterior, e a segunda, é aceita por nosso código penal, e ocorre quando o agente comete novo crime, após haver transitado em julgado, a sentença que o tenha condenado por um delito anterior.

            De acordo com o artigo 61 do Código Penal: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência”. Todavia, quando acontece o recidivismo criminal, não é apenas uma circunstância de agravante pessoal, e sim, um perigo para a sociedade.

            O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) relata que o índice de reincidência criminal é de 82 %, isto porque não existem exames padronizados para a avaliação da personalidade do preso, tornando prejudicada a previsibilidade da reincidência criminal. Só com esses dados, pode-se ver que a maioria dos reincidentes são psicopatas, e, devido a isso, o Poder Público deveria ser mais presente neste tema. Hilda Morana expõe que “[...] a taxa de reincidência criminal é aproximadamente três vezes maior para os psicopatas do que para criminosos comuns [...]” (MORANA apud TRINDADE, BEHEREGARAY, CUNEO, 2009, p. 111).

O psicopata deve merecer um tratamento mais rígido. Os programas de comunidade terapêutica, quando são aplicados, não funcionam, pois o psicopata acha-se sempre injustiçado, por estarem na situação as quais estão, e não suportam qualquer tratamento terapêutico, como nos dizem Harris, Rice e Cormier, “[...] psicopatas criminosos mostram-se mais predispostos a reincidir após participarem de programas de comunidade terapêutica [...]” (HARRIS, RICE, CORMIER apud TRINDADE, BEHEREGARAY, 2009, p. 118).

            Relembrando, no ano de 1991, Robert Hare criou a Escala Hare, baseada nos estudos de Clackley, que tem como finalidade, examinar de forma detalhada os diversos aspectos da personalidade psicopática, desde os ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais até o estilo de vida dos fronteiriços. (SILVA, 2008).

            Nos países em que a Escala Hare foi aplicada, a taxa de reincidência em crimes mais graves e violentos diminuiu em dois terços, de acordo com Ana Beatriz Barbosa Silva

A psiquiatra forense Hilda Morana, responsável pela tradução, adaptação e validação do PCL para o Brasil, além de tentar aplicar o teste de identificação de psicopatas nos nossos presídios, lutou para convencer deputados a criar prisões especiais para eles. (SILVA, 2008, p. 134).

            Essa ideia transformou-se em projeto de lei, mas não foi aprovado e, o que poderia ser uma solução para identificar os psicopatas e talvez para que a reincidência diminuísse não teve apoio político.

            Um caso de reincidência que aconteceu no Brasil foi o “Chico Picadinho”, Francisco Costa Rocha, um dos autores, no qual já citamos anteriormente, e Ana Barbosa cita o fato, em detalhes:

Em 1996, Francisco, que até então parecia ser uma pessoa normal, matou e esquartejou a bailarina Margareth Suida em seu apartamento no centro de São Paulo. Chico foi condenado a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado e mais dois anos e seis meses de prisão por destruição de cadáver. Em junho de 1974, oito anos depois de ter cometido o primeiro crime, Francisco foi libertado por bom comportamento. No parecer para concessão de liberdade condicional feito pelo então instituto de Biotipologia constava que Francisco tinha “personalidade com distúrbio profundamente neurótico”, excluindo o diagnóstico de personalidade psicopática.  No dia 15 de outubro de 1976, Francisco matou Ângela de Souza da Silva com os mesmo requintes de crueldade e sadismo do seu crime anterior. Chico foi condenado trinta anos de reclusão e permanece preso até hoje. (SILVA, 2009, p. 134/135). Grifo nosso.

 

              Este é um caso concreto de psicopatia que, no entanto, por uma perícia que não estava tão apta para dar tal diagnóstico, mostrou que é preciso profissionais mais habilitados, quando o assunto é psicopatia.

 CONCLUSÃO

              Este estudo acerca da responsabilidade criminal do psicopata mostra a importância de se conhecer as características e o modo de funcionamento desse indivíduo, aspectos essenciais, especialmente, para o meio jurídico e os ramos do conhecimento que lhe dão apoio. Pensa-se que o aprofundamento desses estudos ajude para que a aplicação da lei seja justa e as “máscaras” da representação social do delinquente portador de personalidade psicopática sejam conhecidas e apontadas como prevenção de crimes.

           O conceito e características da psicopatia nos revelam inúmeras incógnitas, levando pesquisadores e operadores do direito a diversas indagações e entrelaçamentos que dificultam uma resposta concreta a respeito do tema.

           Contudo não paira qualquer dúvida acerca da importância de que se reveste o tema, tanto em relação ao interesse social e jurídico, como também cientifico, para aprender a lidar com o fenômeno, denominado psicopatia, de modo eficaz.

           A psicopatia é um tema que possui opiniões divergentes, marcadas fortemente, e oscilando de um prisma a outro.

              Destarte afirma-se, dentre opiniões variáveis, o quanto é revelador e importante citar exemplos, os quais foram conclusivamente elaborados, para assim podermos vislumbrar a discussão do tema.

              Começamos este estudo pelo jurista, que vê o psicopata como um transgressor da lei, um autor de um delito grave, que, na maioria das vezes, exige uma condenação severa. Para um psicólogo, é uma pessoa de traços de personalidade que denotam prejuízos interpessoais, afetivos e de conduta. Já, para o sociólogo, é um desajustado social crônico em relação ao grupo em que vive. Mas para o homem comum, o fronteiriço, pode ser um modelo de homem destemido ou até mesmo um herói a ser admirado e seguido ou um “bandido sem solução”.

Pode-se perceber que a complexidade é muito grande, por não ser um tema unânime, que se perfaz de difícil entendimento.

É sabido que o sistema de justiça criminal ora vigente encontra-se em profunda crise pela discrepância entre suas aparências e suas realidades. Nesse constructo, encontra-se um grande problema a discussão da responsabilidade diminuída e as medidas de segurança, as quais se vigiam alternativamente no artigo 26 §Ú do CP.

Pensa-se, em primeiro plano, que delitos cometidos por psicopatas são fruto de uma reflexão por parte desses ditos delinquentes e que eles possuem o pleno entendimento do caráter ilícito de seus atos e sua conduta está orientada por esse entendimento, como por exemplo, a premeditação, a escolha da ocasião propicia para atos ilícitos e deliberação consciente.

Porém são pertencentes à categoria da culpabilidade diminuída, esculpida no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, prevendo uma redução da pena de um a dois terços, se o agente em virtude de perturbação mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, como agente, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Para um melhor esclarecimento, e de um ponto de vista científico e psicológico, entende-se que os psicopatas mantêm preservada sua percepção, nas funções de pensamento e sensoperação. Isso significa que o psicopata não apresenta alucinações, como é o caso do esquizofrênico.

Sendo assim, afirma-se que os psicopatas devem ser considerados imputáveis, pois são agentes perigosos, com a habilidade de manipular, apresentando-se de forma sedutora e prontos para enganar qualquer pessoa. Na verdade, segundo experiências e estudos fidedignos, eles escolhem, refletem e executam seus atos, não sendo nenhum ato impulsivo, louco ou mesmo sem percepção, mas um ato premeditado e desejado.

Por isso, nesta esteira, faz-se entender que a capacidade volitiva e cognitiva desses indivíduos é preservada. Logo, pensa-se que psicopatas são plenamente capazes de responder juridicamente por seus atos, não encontrando abrigo ao artigo 26, parágrafo único do Código Penal, seja na forma da inimputabilidade, seja na condição de semi-imputabilidade com pena reduzida.

Urge também mencionar a medida de segurança, a qual está em alternativa no caso de semi-imputabilidade.

Como já mencionado, o psicopata é um ser incorrigível incapaz de aprender com a experiência e, portanto, levá-lo a uma medida de segurança constitui, conforme ilustre Edilson Bonfim, uma premissa enganosa, equivocada e ainda, falsa. Pois, em primeiro plano, sabe-se que as casas de Custódia são muito precárias e as qualidades periciais são “frágeis”. Para uma melhor compreensão, faz-se necessário mencionar dois criminosos, o “Chico Picadinho” e o “Bandido da luz vermelha”, os quais a perícia autorizou a soltura e esses assassinos realizaram mais crimes.

Baseado nesses casos, é pertinente uma crítica à luz do tema: se o legislador “pensa” que colocar a medida de segurança como uma alternativa eficaz, levaria o semi-imputável (psicopata) à prisão perpétua, está totalmente equivocado.

Sente-se, portanto, que o trabalho buscou nas informações colhidas e no estudo de renomados autores, bem como nas áreas afins como a psicologia e a psiquiatria, esclarecimentos para interpretar as leis que regem os casos em que o foco está iluminando atrocidades cometidas por indivíduos, cuja mente desafia a própria natureza humana.

PSYCHOPATHS’ CRIMINAL RESPONSIBILITY

ABSTRACT

Psychopaths are people who have always lived in society, performing barbaric crimes and unimaginable reason and common sense that determines the human species. Apparently normal, with a great ease of handling, conquer their victims who do not see danger even when they take strange attitudes which then cause great suffering. Along their devastating way, they have deceived norms, laws and the society. Penal Law operators have a duty to hold these individuals responsible for acts that do not comply with the country’s juridical principles. However, the theme of this paper, “Psychopaths’ Criminal Responsibility”, aims at critically analyzing, in a doctrinarian view, the legislator’s position towards the penal treatment which is applied to semi-imputable persons (psychopaths), based on Title 26 in the Penal Code of Brazil.

Key – Words: Psychopaths, semi-imputability, adequate treatment, criminal responsibility.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal: parte especial3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

BONFIM, Edilson Mougenot, O julgamento de um “Serial Killer” [o caso do maníaco do parque], São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2004.

BRUNO, Aníbal, Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977 .

CAMARA, Edilson de Arruda,Imputabilidade. 1°ed. São Paulo: EfitoraJulex LTDA, 1992.

CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, vol. 1: parte geral (arts 1° a 120), 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CASOY, Ilana, O quinto Mandamento: caso de policia. São Paulo: Ediouro, 2009.

CASOY, Ilana, Serial Killersmade in Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009.

COELHO, Yuri Carneiro, Introdução ao Direito Penal: conceito, teorias da pena, direito penal constitucional, hermenêutica e aplicação da lei penal. Salvador: Editora JusPodvim, 2009.

EÇA, Antonio José, Roteiro de Psicopatologia Forense, Rio de Janeiro: Forense, 2002.

FERNANDES, Newton, Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

FILHO, Nylson Paim de Abreu (Org.),VadeMecum,5°ed. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico Ltda, 2010.

FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: nascimento na prisão.36 ed.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto, Tratado da inimputabilidade do direito penal. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2000.

GARRIDO, Vicente, O psicopata: uma camaleão na sociedade atual.São Paulo, 2005.

GONÇALVES, Rui Abrunhosa, Psicopatia e Processos Adaptativos à Prisão. Braga: Instituto de Educação e Psicologia. Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Universidade do Minho: 1999.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios, Direito Penal, Parte Geral. 15 ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

HARE, Robert D, Psicopatia: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. 1973

INNES, Brian,Perfil de uma mente criminosa: a psicologia solucionando os crimes da vida real.Vol. 1Tradução exacta, São Paulo: Escala, 2009.

INNES, Brian, Perfil de uma mente criminosa: Histórias reais de casos que abalaram a Europa e os EUA ,Vol. 3. Tradução exacta, São Paulo: Escala, 2009.

INNES, Brian, Perfil de uma mente criminosa: psicopatas, assassinos, seqüestradores: eles nascem assim ou são produtos da sociedade?, Vol. 2. Tradução exacta, São Paulo: Escala, 2009.

JESUS, Damásio E, Direito Penal: parte geral.28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DO BRASIL- DEPEN – Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA21B014BPTBRIE.htm . Acesso em 7 de mar, 2012.

MIRA Y LOPEZ, Emilio,Manual de Psicologia Jurídica, São Paulo: Péritas Livros, 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal: parte geral Arts. 1° a 120 do CP. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. 10 ed. rev. Atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

NUNES, Laura M. – Crime – psicopatia, sociopatia e personalidade anti-social .Revista da Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais. Porto:Edições Universidade Fernando Pessoa. ISSN 1646-0502.6(2009)152-161.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio, Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2010.

PENTEADO, Conceição, Psicopatologia Forense: breve estudo sobre o alienado e a lei. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.

PIEDADE JUNIOR, Heitor, Personalidade psicopática, semi- imputabilidade e medida de segurança,Rio de Janeiro:Forense, 1982.

ROLAND, Paul,Por dentro das mentes assassinas: a história dos perfis criminosos – Tradução: Antonio Fiel Cabral, São Paulo: Madras, 2010.

SENRA, Ana Heloisa, Inimputabilidade: conseqüências clinicas sobre o sujeito psicótico. São Paulo: Annablume, 2004.

SHINE, Sidney Kiyoshi, Psicopatia(coleção clinica psicanalítica). 4ed, São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

SILVA, Ana Beatriz B.Mentes perigosas o psicopata mora ao lado.Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

SILVA, Luciano da.Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 271, 4 abr. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/5047. Acesso em: 6 mar. 2012.

STOUT,Martha,Meu vizinho é um psicopata: tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Sextante, 2010.

TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréia; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a máscara da justiça- .Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

UFLACKER, Hugolino de Andrade,Da responsabilidade no Direito Criminal: Tese de Concurso a 1° cadeira de direito penal da Faculdade de Direito de Pelotas da Universidade do Rio Grande do Sul. 1958.

WAGNER, Daila, apresenta textos sobre:Psicopatas Homicidas e sua punibilidade no atual sistema Penal Brasileiro.Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5918/Psicopatas_Homicidas_e_sua_Punibilidade_no_Atual_Sistema_Penal_Brasileiro>.Acesso em 22 de Novembro de 2012.

WOELFERT, Alberto Jorge Testa,Introdução à Medicina Legal. Canoas: Editora da Ulbra,2003.

ZARZUELA, José Lopez, Semi- imputabilidade: aspectos penais e criminológicos. 1 ed. São Paulo: Julex livros LTDA, 1988.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.