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Os efeitos práticos da desaposentação no ordenamento jurídico brasileiro

Os efeitos práticos da desaposentação no ordenamento jurídico brasileiro

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1 INTRODUÇÃO

Depois de reiterados anos de reivindicações da classe trabalhadora ao Poder Público, os direitos trabalhistas foram sendo estabilizados e ganharam respaldo dentro dos limites legais da sociedade mundial, incluindo, por consequência, a sociedade brasileira. A Constituição Federal do Brasil de 1988 implementou, de maneira plena, o sistema de Seguridade Social, estabelecendo como objetivo primordial o título Ordem Social. Essa ponderação acarretou a valorização do trabalho, buscando a interação simultânea de três esferas importantes: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Uma das maiores conquistas, se não a maior, deu-se pelo deferimento aos trabalhadores de uma contribuição na inatividade, posteriormente chamada de aposentadoria, que materializou-se através de ato administrativo, advinda da aprovação estatal, reconhecendo este direito ao contribuinte, desde que respeitados todos os requisitos exigidos pela lei.

Diante disso, foram surgindo cada vez mais ondas legislativas de alterações no tocante à previdência social, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários, diminuindo os valores pagos a título desses mesmos benefícios. Acredita-se que a razão da imposição dessas dificuldades se dê pela ocorrência veemente de diversos episódios sobre a aposentadoria de forma precoce, com uma frequência cada vez maior. Um dos exemplos mais comuns é a migração de um regime de previdência para outro, o que tem se tornado um fardo nos âmbitos judicial e administrativo.

Em geral, os valores pagos e os gastos do aposentado são de extrema incompatibilidade, pois, na medida em que a idade do segurado aumenta a saúde deste torna-se mais frágil devido às condições senis em que se encontra. Logo, os proventos que foram adquiridos de forma tão árdua e sacrificada acaba, quase que unicamente, para cuidar da saúde. Em decorrência disso, o aposentado se vê disposto a retornar ao mercado de trabalho ou continuar suas atividades laborais em função de complementar a renda originária de sua aposentadoria, que se mostra insuficiente à sua própria manutenção e de sua família.

O art. 12, § 4º, da Lei nº 8.212/1991 determina que o aposentado que retorna a ativa é segurado obrigatório da previdência social em relação à nova atividade, inclusive sujeito às contribuições previstas em lei que são descontadas na fonte. Já a Lei nº 8.213/1991, no artigo 18, § 2º, determina que o aposentado que retornar ou permanecer na ativa não fará jus a nenhuma prestação da previdência social, exceto salário-família e a reabilitação profissional quando empregado.

Assim, o segundo tempo de contribuição é inútil ao trabalhador aposentado e a cobrança de contribuições previdenciárias mostra-se injusta, já que inexiste contraprestação adequada. Dar-se-á dessa realidade social o instituto da desaposentação na seara da doutrina previdenciária, com o escopo de corrigir a injusta cobrança do trabalhador aposentado, de modo a permitir a desconstituição do ato administrativo concessivo da aposentadoria, para somar o segundo tempo de contribuição e pleitear nova aposentadoria mais vantajosa e justa.

A discussão proposta é saber quanto à questão da viabilidade da aplicação deste instituto perante o ordenamento jurídico brasileiro vigente e, sendo, quais seus principais requisitos e limite de alcance, levando em conta as questões atuariais e financeiras. Essas questões são de extrema importância, pois nelas se estruturam o sistema previdenciário, e do seu correto manejo decorre a permanência existencial dos institutos de previdência social, sendo uma medida de justiça para quem trabalhou mais e deve, por conseguinte, receber mais quando de sua nova aposentadoria.

Vale ressaltar ainda que, os indeferimentos provenientes das vias administrativas são embasados na inexistência de previsão legal quanto à essa problemática, bem como na busca pela proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito presentes no texto constitucional. Saliente-se também que não se pode confundir a desaposentação com a renúncia à aposentadoria, sendo a desaposentação nada mais do que a interrupção do exercício da aposentadoria até que materialize uma nova situação jurídica.

O instituto da desaposentação é, de fato, um caminho da construção doutrinária, abraçado visceralmente pela jurisprudência pátria, que visa, então, desconstituir o ato concessivo da aposentadoria com a finalidade, em regra, de se obter nova aposentadoria mais justa e financeiramente mais satisfatória.

Em virtude de alcançar os objetivos supracitados, será feita a utilização do método dedutivo como método de abordagem, tendo em vista que, iniciando-se de uma realidade larga buscar-se-á encontrar deduções estreitas no tema abordado. Como método de procedimento utilizar-se-á o método histórico, pois será traçada uma linha horizontal em torno da evolução do instituto da previdência social no Brasil, qual seu alcance anterior e qual sua dimensão atualmente; e método estruturalista, tendo em vista que esse estudo partirá desde o momento em que se dá o direito de renúncia da primeira aposentadoria do segurado até o seu término nas vias judiciais, abordando com afinco suas principais consequências.

O primeiro capítulo tratará do Sistema de Seguridade Social no Brasil, como suas implementações foram feitas, citará suas três esferas, quais sejam: Saúde, Assistência Social e Previdência Social, especificando cada uma delas, com enfoque na Previdência Social e seus regimes preexistentes. Ainda nesse capítulo serão expostos os princípios constitucionais que norteiam o sistema previdenciário brasileiro e também como esse sistema é custeado e qual benefício trazido por ele. O segundo capítulo fará alusão ao instituto da aposentadoria, por ser o benefício que dá ensejo ao tema principal, qual seja a desaposentação. Se faz necessária a explanação da aposentadoria e todas as suas vértices que envolvam o procedimento de concessão da mesma, seus tipos e peculiaridades. O terceiro capítulo do presente trabalho busca tornar a desaposentação compreensível, em todos os níveis de especulação e afirmação acerca do assunto. Esse capítulo levará à tona todas as especificidades do tema abordado, sua origem, os meios legais de obtenção, controvérsias, além de exemplificar doutrinariamente e jurisprudencialmente todas as formas valoráveis desse instituto atualmente.

A técnica de pesquisa usada para elaboração da pesquisa foi a documentação indireta, já que a investigação do tema e o desenvolvimento do estudo foram feitos através de ajuda bibliográfica, com o uso de livros e periódicos, e através de documentação direta, visto o uso de leis, projetos e também pesquisas feitas na internet.


2 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL

Dispersas ao longo do texto das constituições anteriores, as disposições referentes à Saúde, Assistência e Previdência Social, foram todas agrupadas sob o rótulo de Seguridade Social, cuja conceituação encontra-se definida nos artigos 194 e seguintes da Constituição Federal do Brasil de 1988[1].

O direito a Seguridade Social assume o caráter de dever fundamental máximo, em um Estado que auto se intitula Democrático de Direito, assim como previsto constitucionalmente. Desta forma, problematizar o sistema securitário brasileiro não caracteriza-se por ser uma tarefa fácil, haja vista a sua definição evoluir de acordo com as necessidades sociais e a capacidade financeira do Estado em cumprir anseio decorrente da seguridade, bem como em relação á evolução cultural, de maneira que se possa encontrar em cada época um conceito próprio e peculiar.

De certo, em verdade, no Estado Democrático de Direito houve o trânsito de grupos marginais ao processo de produção dos que viviam em condições de vida miseráveis, enfatizando-se, assim, uma compreensão da previdência social como dependente direta das variáveis relacionadas à garantia do mínimo existencial que a dignidade humana exige. A inserção, de forma ordenada, desses conceitos em sede constitucional é considerada o marco inicial do modelo do estado de bem-estar social adotado no Brasil. Fábio Zambitte Ibrahim conceitua da seguinte forma:

A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida.[2]

Deveras, o direito á desaposentação interfere diretamente na estrutura da previdência social, uma vez que a seguridade social é uma rede protetiva formada pelo Estado em favor dos trabalhadores em geral e seus dependentes, garantindo o mínimo existencial, assim concebido pelo atual estágio de desenvolvimento sócio-cultural, trazendo consigo a exigência da equidade, de modo a tentar concretizar o princípio da isonomia, do qual pressupõe tratamento igualitário a todos que dele necessitem, sem distinções arbitrárias.

O direito á Seguridade Social alcançará seus objetivos em razão da participação da população, de maneira a pressionar o Estado a promover políticas públicas de efetivação de direitos, como o que se busca nessa pesquisa com a abordagem transversal do instituto denominado desaposentação. A Ordem Social tem como base o trabalho devidamente valorizado. Seus objetivos primordiais são o bem-estar social e a justiça social, devidamente elencada no artigo 193 da Carta Magna. O fundamento basilar de todo sistema previdenciário é a efetividade da justiça social, pois, é nela que os trabalhadores encontram amparo ante as contingências diárias.

A Seguridade Social, por sua vez, encontra respaldo no título constitucional direcionado à própria Ordem Social, que trata dos direitos sociais relacionados à educação, cultura e desporto, ciência e tecnologia, comunicação social, meio ambiente, amparo à criança, ao adolescente, ao idoso e aos índios. Os direitos sociais são os instrumentos que viabilizam o alcance da plena justiça social, que, via de consequência, irá assegurar o pleno bem-estar social. No entanto, a efetividade desses direitos sociais depende da ação completa e específica do Estado, através de incentivos às políticas públicas de justiça distributiva. Logo, é de extrema importância delimitar a responsabilidade do Estado quanto à centralização de todo esse sistema do qual depende a Seguridade Social, organizando, normatizando e participando diretamente do seu plano de custeio, sem olvidar o fato de que também é do Estado a responsabilidade pelo seu gerenciamento e fiscalização.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é a instituição pública diretamente ligada ao gerenciamento do Sistema de Seguridade do Brasil. Trata-se de uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Providência Social (MPS), onde se controla todo o custeio, a manutenção das prestações e dos benefícios, concessão e cessação dos mesmos.

Merece especial menção aqui o princípio da solidariedade que informa o sistema previdenciário brasileiro. Esse princípio é o principio basilar de sustentação desse sistema, pois, é ele que assegura o direito da coletividade em geral, sem que haja diferenças entre prestações e contribuições. O artigo 3º, inciso I da CF/88 [3] estatui que esse princípio privilegia especificamente o direito da coletividade sobre o direito individual de cada cidadão.

Para que tenha plena eficácia, o sistema de Seguridade Social necessita da participação integral de seus dois principais agentes, de um lado o Estado, e do outro, a sociedade como um todo. Essa dicotomia encontra-se devidamente estabelecida constitucionalmente, e como dito anteriormente, visa conferir eficácia e eficiência ao sistema previdenciário brasileiro.

A Seguridade Social está diretamente ligada aos direitos sociais e à funcionalidade destes dentro do Estado Democrático de direito. Sob o foco da Constituição Federal, a Seguridade Social está definida no art. 194 como o “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Nesse sentido, é identificado o caráter tripartite conferido pelo legislador para a Seguridade Social. Isso quer dizer que a saúde, a assistência social e a previdência social de cada indivíduo, garantias constitucionais explícitas, serão protegidas contra qualquer tipo de risco. Para Miguel Horvarth Junior:

Qualquer que seja a posição que adota-se em relação ao conceito de Seguridade Social deve-se sempre atendê-lo como fenômeno social fundamental, como fundamental é a própria evolução das sociedades.[4]

Assim, todos os indivíduos, independente de contribuição, têm direito aos serviços ligados à saúde, levando em conta que seu alcance é universal, como bem descreve o caput do art. 196 da CF/88:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No que diz respeito à Previdência Social, apenas os contribuintes tem direito aos benefícios por ela proporcionados. Dentre esses benefícios estão assinalados, além dos variados gêneros e tipos de prestações, as modalidades de pensão, auxílio e aposentadoria. Já no que se refere à Assistência Social, assim como na Saúde, a contribuição também não é exigida, mas a atuação dessa modalidade é focada na hipossuficiência. Desse modo, os mais necessitados, ainda que não tenham contribuído para o sistema, terão direito aos benefícios, serviços e auxílios oferecidos pelo Estado.

2.1 SAÚDE

No artigo 196 da Carta Magna, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Significa dizer que, qualquer pessoa, sem nenhum tipo de restrição, tem direito ao atendimento na rede pública de saúde, independente se presta ou não algum tipo de contribuição. Ivan Kertzman propõe:

O acesso à saúde independe de pagamento e é irrestrito, inclusive para os estrangeiros que não residem no país. Até as pessoas ricas podem utilizar o serviço público de saúde, não sendo necessário efetuar quaisquer contribuições para ter direito a este atendimento.[5]

A OMS – Organização Mundial de Saúde – define saúde não apenas como a ausência de enfermidade, mas principalmente como o estado de puro bem-estar social do ser humano. Existe toda uma conceituação envolvendo as circunstâncias para o alcance do bem-estar social, físico e mental de cada indivíduo. Sobre essas condicionantes pode-se citar o ambiente sócio-econômico-cultural de cada um; seu meio físico de convivência; suas condições biológicas, como raça, gênero, sexo, genética; dentre outras. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) traz os fatores determinantes para um indivíduo ter uma vida plena e saudável em seu artigo 3º:

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.[6]

Nessa lei também são identificados os princípios basilares no que diz respeito à saúde no Brasil. Dentre eles a universalidade de acesso aos serviços, integralidade e igualdade de assistência, preservação da autonomia das pessoas, direito à informação, como também a divulgação de informações referentes aos serviços disponibilizados e prestados, o estabelecimento de prioridades, participação da comunidade, descentralização político-administrativa, integração das ações de saúde com ações em pró do meio ambiente e saneamento básico, conjugação de todos os tipos de recursos disponíveis na prestação de serviços de assistência à saúde da população, capacidade de resolução de serviços, e pôr fim, organização na demanda de serviços a fim de que se evite duplicidade de meios para idênticos fins.

Quanto à organização dos serviços ligados a saúde, há que se observar as várias diretrizes seguidas pela intervenção estatal do Sistema Nacional de Saúde para cumprimento dos seus objetivos, elencados no art. 5º da Lei 8.080/90, quais sejam:

I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no §1º do art. 2º desta lei;

III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

O atendimento público a todo e qualquer cidadão para prestação de serviço de saúde tornou-se obrigatório, sendo terminantemente proibida a remuneração de qualquer natureza, sob quaisquer pretextos. Para vigilância desse direito foi criado e regulamentado, sob a égide da CF/88, em conjunto com as Leis 8.080/90 e 8.142/90, o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem por finalidade a diminuição das desigualdades no que se refere à assistência da população, tendo como objetivo o restabelecimento e devida manutenção da saúde do povo.

A composição do SUS está devidamente exposta no art. 4º da Lei Orgânica de Saúde, classificando-o como o conjunto de ações e serviços de saúde prestados por instituições e órgãos públicos de ordem federal, estadual e municipal, como também da Administração direta e indireta, incluindo as fundações mantidas pelo Poder Público. O parágrafo 2º do artigo em questão ainda menciona que, o setor privado pode ter participação por meio de convênios e contratos de prestações de serviços ao Estado, no caso, por exemplo, da insuficiência de unidades públicas para garantia de atendimento da população em determinada localidade. Lembrando sempre do caráter complementar da iniciativa privada em conjunto com o SUS. O §1º do artigo 198 da Constituição Federal trata do custeio do sistema de saúde do Brasil, como vê-se abaixo:

O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

As entidades filantrópicas e as entidades sem fins lucrativos são essencialmente favorecidas no que diz respeito á essas outras fontes referidas no dispositivo constitucional mencionado. A assistência à saúde é completamente livre à iniciativa do setor privado, como já fora mencionado, sem embargo de seu caráter eminentemente complementar.

Pôr fim, a tutela à saúde é um direito consagrado não apenas pelos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais do Brasil. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traz, em seu texto, a importância da saúde como direito básico, destacando que, para que os cidadãos tenham uma vida digna é essencial que a saúde seja preservada e assistida como direito primordial dentro da sociedade.

2.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL

Segundo Fábio Zambitte Ibrahim (2008, p. 12), a assistência social, assim como a saúde, independe da contribuição direta do beneficiário. A Constituição Federal, em seu artigo 203 nos ensina que, a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Esse mesmo artigo ainda traz os objetivos específicos da assistência social, que são:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Assim como existe a Lei Orgânica de Saúde, também existe a Lei 8.742/93 tida como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). A fiel observância do que dispõe essa lei é que assegura a prestação de serviços pelo Estado, bem como pela sociedade, que reflete-se em ações sociais integradas, independentes de contribuição securitária. Sobre os objetivos colimados pela assistência social, sobressai o atendimento aos hipossuficientes, cujas condições deverão ser individualmente avaliadas. O artigo 2º da LOAS especifica algumas delas, como por exemplo, a defesa de direitos, a vigilância socioassistencial, a proteção social, etc. Ibrahim (2008, p. 12) simplifica:

O segmento assistencial da seguridade tem como propósito nuclear preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta, como se verá, não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para o sistema, além de seus dependentes.

O art. 4º da Lei 8.742/93 trata dos princípios da assistência social, das quais se pode identificar: a supremacia do atendimento às necessidades sociais; universalização dos direitos sociais; respeito à autonomia, dignidade e direito a benefícios e serviços de qualidade prestados ao cidadão; igualdade de direitos ao acesso ao atendimento; e divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais.

O artigo 5º desta mesma lei trata da diretriz organizacional que deve ser usada quando a assistência social se fizer necessária, das quais pode-se destacar: a descentralização político-administrativa para Estados, Distrito Federal e Municípios, com comando único das ações em cada esfera de governo; a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; e a primazia da responsabilidade estatal na condução desta política.

A ação estatal que abrange a assistência social, de acordo com a Constituição Federal em seu artigo 204, é gerida com recursos do orçamento da previdência social preferencialmente, e organizada com base na descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução do referido programa às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes, sem olvidar a participação da população, devidamente prevista em lei. Logo, é proeminente o caráter complementar que a assistência social representa dentro do sistema, suprindo assim as necessidades das pessoas desamparadas, as mesmas que, por não terem meios suficientes, não contribuem para a previdência social.

É importante mencionar que, segundo a LOAS, existem dois tipos primordiais de políticas de assistencialismo. No tocante a questão profissional, existe a reabilitação, o INSS é fornecedor desse serviço, que visa reabilitar incapacitados total ou parcialmente, como também ampara os portadores de deficiência, dentro de suas profissões ou para trabalhos específicos.

A segunda modalidade de política assistencial é o serviço social, que tem por objetivo principal manter seus beneficiários devidamente informados sobre seus direitos, sobre as formas de exercê-los, além de prestar esclarecimento sobre como acessar os serviços e benefícios do sistema. A assistência social é voltada para o indivíduo que não tenha condição de contribuir para a previdência social e que está situado à margem da sociedade, com o propósito de prestar o auxílio mínimo necessário de preservação da dignidade deste indivíduo como ser humano.

2.3 PREVIDÊNCIA SOCIAL

Em um conceito geral, a Previdência Social está diretamente associada com a proteção a todos os tipos de eventualidades que ponham em risco o bem-estar social de cada indivíduo. A ideia central é prever ou antever tais acontecimentos, para que no futuro o individuo adquira as condições necessárias para continuar provendo suas necessidades e as de sua família.

Procurando um sentido mais amplo para o sistema previdenciário, pode-se dizer que seria um conjunto de princípios associado às normas, que materializam-se através de órgãos públicos devidamente legalizados, formados como uma espécie de sistema de proteção do trabalhador e do segurado contra contingências previstas em lei. De acordo com o artigo 1º da Lei 8.213 de 1991, temos que:

A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. [7]

Poder-se-ia acrescentar ainda que, a previdência social teria o evidente propósito de reunir antecipadamente recursos dos interessados e organizar mecanismos que pudessem e possam atender as contingências sociais prováveis e futuras, como apregoa Nair Lemos Gonçalves, apud Sérgio Pinto Martins. Essas contingências, conhecidas também por riscos sociais, podem ser caracterizadas por, como bem descreve Ivan Kertzman (2009, p. 29), infortúnios que causam perda da capacidade para o trabalho, e assim, para manutenção do sustento. Exemplos claros de riscos sociais são: a idade avançada, a doença temporária ou permanente, a invalidez, o parto, dentre outros.

Os instrumentos legais de proteção ao risco social, de forma específica, são caracterizados como regimes jurídicos de proteção previdenciária, que no Brasil são de três tipos: (a) RGPS – Regime Geral de Previdência Social; (b) Regime de Previdência Complementar; e (c) RPPS – Regimes Próprios de Previdência Social.

2.3.1 Regime Geral da Previdência Social – RGPS

O artigo 201 da Constituição Federal, complementado pela EC 20, de 15/12/1998, reza que “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, valendo ressaltar que possui esse perfil obrigatório os segurados de iniciativa privada, que não estejam submetidos à disciplina legal dos servidores públicos e militares”.

O RGPS é o mais amplo dentre todos os regimes. A maioria dos trabalhadores brasileiros está amparada por esse tipo de regime e é o INSS o responsável por sua organização, em conjunto com o Ministério da Previdência Social. Ivan Kertzman (2009, p. 29) leciona que o sistema da previdência social é regido por dois princípios de ordem básica: a compulsoriedade e a contributividade. Àquele faz referência ao fato de ser obrigatória aos trabalhadores que exercem atividades remuneradas lícitas a filiação ao regime da previdência social, pois, se aos mesmos essa escolha fosse facultativa, certamente que os que optassem por não aderir ao sistema, posteriormente se veriam excluídos do sistema protetivo, o que geraria completo caos social.

A contributividade, por sua vez, denota que, para se ter direito é preciso enquadrar-se na condição de segurado, ou seja, ser obrigado a contribuir para o sistema e para a manutenção do mesmo. Kertzman ainda ressalta que, até mesmo o aposentado que volta a exercer atividade profissional remunerada é obrigado a continuar contribuindo com a previdência.

O RGPS é o único dos sistemas compulsórios que aceita a adesão de segurados facultativos, aceitando também a admissão dos maiores de 16 anos, desempregados, presidiários, estudantes, bolsistas e síndicos não remunerados. Este regime considera como segurado obrigatório o trabalhador com vínculo empregatício regido pela CLT – Consolidações das Leis do Trabalho, bem como o trabalhador avulso, o trabalhador doméstico, o trabalhador e o produtor rural, pescadores, autônomos, empresários, etc.

         Para cada contingência elencada no artigo 1º da Lei 8.213/91, que venha a ocorrer com o segurado, existe uma prestação previdenciária correspondente. São exemplos de contingências pelas quais o RGPS é responsável, segundo a lei: a incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

Vale deixar claro que, quanto ao desemprego involuntário, apesar de também está citado no artigo em questão, esse tipo de contingência não é de alçada do RGPS, mas sim do Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentado pela Lei 7.998/90 (Programa de Seguro-Desemprego), apesar de sua natureza previdenciária.

2.3.2 Regimes Próprios da Previdência Social – RPPS

De acordo com o artigo 40 da CF/88, com redação dada pela EC 41/2003, o responsável pela previdência dos servidores titulares de cargos efetivos que estejam em atividade, sem olvidar dos inativos e pensionistas, é o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, desde que exista um regime específico instituído e disciplinado em lei.

Quando da não existência de um regime específico que gerencie essas previdências, os servidores estarão vinculados obrigatoriamente ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS. Estão incluídos nesse rol do RPPS, servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, além de suas autarquias e fundações. A Lei 9.717/1998 dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos dos entes acima citados.

No âmbito da União, o regime próprio da previdência está estruturado com aplicação subsidiária da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que mesmo sendo regulamentado e especificado legalmente, segue a linha dos regimentos do RGPS.

2.3.3 Regime de Previdência Complementar

Este tipo de regime previdenciário é regulamentado pelas Leis Complementares 108 e 109 e está previsto constitucionalmente pelo artigo 202 da CF/88, onde se identificam as quatro características principais desse regime, quais sejam: (a) contratualidade (adesão feita através de contratos); (b) facultatividade (diferente dos demais regimes, não há obrigatoriedade de adesão); (c) complementaridade (são oferecidos benefícios de maior seguridade quando comparados com os benefícios dos regimes obrigatórios); e (d) autonomia (o contrato da previdência privada independe do contrato de trabalho).

Outra característica não citada, porém de igual importância, é a capitalização dentro do Regime Complementar, pois, são as próprias contribuições dos segurados a fonte do custeio do benefício. Para Wagner Balera (2011, p. 236):

(...) essas contribuições são administradas peças entidades da previdência complementar que investem os valores arrecadados e com os capitais acumulados, acrescidos da rentabilidade obtida com os investimentos financeiros, pagam os benefícios contratados.

O sistema de organização para os Regimes Complementares são de duas espécies: planos de entidades abertas (que são acessíveis ao público em geral) e planos de entidades fechadas (acesso exclusivo de associados e empregados de determinada empresa ou grupo de empresas).

Existe ainda outra espécie de regime complementar, de caráter facultativo, instituído por entidades públicas, é o Regime de Previdência Complementar Pública. Servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal podem adotá-lo, inexistindo a possibilidade de outros segurados contratarem este tipo de regime.

2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Em geral, nem todos os princípios constitucionais são aplicáveis aos três ramos da seguridade social (saúde, assistência e previdência sociais), alguns desses princípios se adéquam melhor a determinado ramo da seguridade social. Além disso, a Constituição prevê de forma cautelosa que esses princípios devem ser tratados como objetivos da seguridade social, devendo o Poder Público incluí-los no rol de organização do sistema.

Não há como falar em princípios da seguridade social e não começar explanando sobre o princípio da solidariedade (art.3º, I, CF/88). Sendo este o princípio basilar de todo o sistema de seguridade social, não é possível a compreensão desse sistema sem que não esteja consolidado o conceito desse princípio. Nas palavras de Fábio Zambitte (2008, p. 54):

Sem dúvida, é o princípio securitário de maior importância, pois traduz o verdadeiro espírito da previdência social: a proteção coletiva, no qual as pequenas contribuições geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos prestabelecidos.

É através da solidariedade, erigida em princípio constitucional, que são assegurados os direitos de toda a sociedade e não apenas que participam diretamente do sistema. Nessa esteira, Kertzman (2009, p. 46) preceitua:

A solidariedade do sistema previdenciário obriga contribuintes a verterem parte de seu patrimônio para o sustento do regime protetivo, mesmo que nunca tenham a oportunidade de usufruir dos benefícios e serviços oferecidos. É o que ocorre com o aposentado do RGPS que retorna ao trabalho, contribuindo da mesma forma que qualquer segurado, sem ter, entretanto, direito aos mesmos benefícios.

Esse princípio também se encontra diretamente ligado ao custeio da seguridade social, como verificado no artigo 195 da CF/88, que diz que a seguridade social será financiada por toda a sociedade. Nesse aspecto, envolve-se novamente o pacto entre gerações, onde uma geração trabalhará para pagar os benefícios das gerações passadas. Para Kertzman, esse pacto é chamado de pacto inter-geracional, onde o princípio da solidariedade é visto de forma vertical.

O único ramo que é essencialmente contributivo dentro da seguridade social é o ramo da previdência social, logo, é ai onde o princípio da solidariedade tem maior aplicabilidade. Além do princípio da solidariedade, pode-se citar também como princípio geral da previdência social a igualdade, que prega que os cidadãos serão tratados de forma igualitária independente de gênero, classe ou raça, de acordo com que expressa o art.5º, I, da Carta Magna.

Tomando como exemplo Zambitte (2008, p. 45):

Também aplica-se a esta regra o princípio geral da isonomia. A igualdade material determina alguma parcela de diferenciação entre estes segurados, sendo que a própria Constituição assim procede, ao prever contribuições diferenciadas para o pequeno produtor rural (art.195, §8°).

 O parágrafo único do artigo 194 do dispositivo constitucional apresenta os objetivos em que deve se organizar a seguridade social. Porém, além de objetivos os incisos que se seguem são considerados como os princípios específicos do Direito Previdenciário e da Seguridade Social em si. Esses princípios-objetivos são orientadores da aplicação das normas previdenciárias, como também são responsáveis pela interpretação das mesmas, onde integram e interagem como fontes do direito previdenciário.

2.4.1 Universalidade da cobertura e do atendimento

De acordo com esse princípio todos devem estar sob a proteção social, de modo que, todos os indivíduos estarão amparados dos riscos sociais de forma completa e progressiva. A dimensão objetiva desse princípio visa o alcance de todos os riscos sociais que possam vir a gerar algum tipo de necessidade, como se para cobrir todas as maneiras de que se possa precisar de proteção social, visando aumentar o número de contingências que serão protegidas, por isso o nome de universalidade de cobertura.

A dimensão subjetiva, por sua vez, busca proteger o indivíduo inserido dentro do sistema, tentando mantê-lo seguro e atendido, por assim dizer. Daí ser chamada de universalidade de atendimento, pois faz menção ao sujeito da relação jurídica no âmbito previdenciário. Para Fábio Zambitte (2008, p. 56):

A universalidade de cobertura e atendimento é inerente a um sistema de seguridade social, já que este visa ao atendimento de todas as demandas sociais na área securitária. Além disso, toda a sociedade deve ser protegida, sem nenhuma parcela excluída. Obviamente, este princípio é realizável, na medida em que recursos financeiros suficientes são obtidos. Não há como se criarem diversas prestações sem custeio respectivo. A universalidade será atingida dentro das possibilidades do sistema.

Logo, a universalidade de cobertura e atendimento atuam como estímulo para que o legislador em conjunto com o Poder Público não cesse a busca pelo equilíbrio da sociedade e do bem-estar social e justiça social em suas esferas mais necessitadas.

2.4.2 Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

Esse princípio corresponde à ilicitude da criação de benefícios diferenciados para classes distintas, como, por exemplo, trabalhadores urbanos e trabalhadores rurais, sendo prescrição constitucional as prestações securitárias idênticas para ambos. A explicação para relevância desse princípio é histórica, como bem lembra Kertzman (2009, p. 47):

No passado, a população rural podia obter benefícios de valor inferior ao salário mínimo, pois contribuíam sobre bases ínfimas. A partir da nova Carta, os benefícios recebidos pelos rurais foram elevados ao patamar do salário mínimo, quando inferiores a este valor, fazendo com que a previdência social passasse a custear benefícios de segurados que não contribuíram, suficientemente, para dele fazer jus.

Deste modo, fica claro que, num passado não tão distante, as classes trabalhadoras sofriam alguma espécie de discriminação em função de exercerem suas atividades laborais em locais diferentes, na contramão do que apregoa o princípio da igualdade. Numa sociedade democrática, que assegura tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, tornam-se imprescindíveis a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais como premissas inafastáveis do princípio da igualdade e da isonomia.

Logo, diante da desigualdade entre os trabalhos em zona urbana e zona rural, essa equivalência é garantida pelo tratamento diferenciado entre essas classes, como medida de compensação de contingências adversas. Essa clara distinção aparece no art. 48, §1° da Lei 8.213/1991, na qual para o trabalhador rural:

A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres (...)

Como também trazer à colação a letra do art. 5º, §8º da Constituição Federal, onde o pequeno produtor rural também é beneficiado:

O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

Esse princípio de equivalência estabeleceu um rol de proteção aos empregados rurais e urbanos idênticos, em termos de benefícios e seus valores. Sendo assim, os benefícios precisam corresponder entre si, e apesar das diferentes formas de aquisição do direito, os valores oferecidos serão equivalentes para as populações rurais e urbanas.

2.4.3 Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços

O princípio da seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços faz alusão á forma como o legislador trata preferencialmente as contingências mais urgentes, bem como dispensa tratamento prioritário às pessoas mais necessitadas. Essa preferência é mostrada justamente no momento da elaboração da lei, ocorrendo a escolha do rol das prestações sociais imediatas, onde o risco social priorizado virá a ser definido em conjunto com a prestação que o protegerá.

A distributividade está intimamente ligada com o fator de redução das desigualdades sociais, usufruindo dos princípios básicos da igualdade e da solidariedade, busca alcançar a justiça social, visando o bem-estar social de maneira contundente e objetiva. Sob análise de Ivan Kertzman (2009, p. 48):

(...) a seletividade serve de contrapeso ao princípio da universalidade da cobertura, pois, se, de um lado, a previdência precisa cobrir todos os riscos sociais existentes, por outro, os recursos não são ilimitados, impondo à administração pública a seleção dos benefícios e serviços a serem prestados. É o chamado princípio da reserva do possível.

Isso significa que, a capacidade do Estado de financiar prestações e serviços é limitada, pois os recursos usados para esses fins também são finitos, o que faz com que o Poder Público seja obrigado a usar uma política de redirecionamento de atendimento e cobertura para os mais carentes e necessitados.

É de se considerar, além dos princípios já citados, que a Seguridade Social tem por finalidade a concretização da justiça social. Intuindo a diminuição das desigualdades sociais e a garantia do bem-estar social, que estarão no topo das prioridades securitárias.

2.4.4 Irredutibilidade do valor dos benefícios

Para Ibrahim [8], esse princípio diz respeito à correção do benefício, do qual deve ter seu valor atualizado de acordo com a inflação do período. Existe semelhança entre esse princípio e o princípio constitucional que trata da irredutibilidade salarial, onde nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não tenham como resultado, direto ou indireto, prejuízos aos empregados, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia, como mostrado no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Seguindo o raciocínio de Ibrahim, “a irredutibilidade do benefício é derivada do direito adquirido, pois este impede a retroatividade mínima (efeitos futuros) de norma que venha a limitar pagamentos (...)” (2008, p. 58). Logo do ponto de vista previdenciário, existe a previsão de reajuste do benefício apenas com a intenção de manter o valor real de compra, levando em conta a balança comercial do país.

O reajuste do benefício não pode estar sempre atrelado com o reajuste salarial, posto que, os benefícios existem para atender a uma demanda de necessidades básicas de cada cidadão. Nesse aspecto é importante lembrar o fato de que, por lei, é proibido que o valor do benefício seja menor do que o valor do salário mínimo. O artigo 201, §4º da Constituição faz menção ao reajuste dos benefícios:

É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

Nos últimos tempos, o reajuste salarial tem proporcionado maior poder de compra para os empregados. O mesmo não vem acontecendo com o reajuste dos benefícios previdenciários, graças aos altos índices da inflação, que solapam os valores dos benefícios, ao passo que o salário mínimo é reajustado acima desses índices inflacionários. Essa diferença interferiu de maneira drástica no poder de compra familiar, visto que esses valores não supriam as necessidades encontradas pelas mesmas. Tanto que, buscou-se garantir a manutenção do real valor das prestações recebidas, com fins de, sobretudo, manter a sobrevivência digna dos segurados.

2.4.5 Equidade na forma de participação no custeio

Esse princípio prega que, as quotas voltadas para custeio do sistema previdenciário não devem ser divididas igualmente entre os indivíduos, visto que a participação de cada um deles é diferente dentro do sistema. Assim, apenas os que se encontram em igual condição contributiva é que poderão contribuir da mesma forma. Como exemplo simples, a participação de um empregado não pode equiparar-se com a participação de toda uma empresa. Destarte, é legítima a forma diferenciada de cobrança das quotas para esses dois tipos de contribuintes.

Para Marisa Ferreira dos Santos (2012, p. 43), “a equidade na forma de participação no custeio deve considerar, em primeiro lugar, a atividade exercida pelo sujeito passivo e, em segundo lugar, sua capacidade econômico-financeira. Quanto maior a probabilidade de a atividade exercida gerar contingências com cobertura, maior deverá ser a contribuição”. Daí entende-se que se faz necessária a criação de uma estrutura pertinente que enfoque o equilíbrio das prestações pecuniárias dos contribuintes sociais diretamente com a redução das desigualdades sociais.

2.4.6 Diversidade da base de financiamento

Esse princípio preconiza que os legisladores devem buscar diversas bases de financiamento ao instituir as contribuições para a seguridade social, segundo Kertzman (2009, p. 52). Esse princípio leva em conta o fato gerador das contribuições sociais, onde se pondera a diminuição do risco financeiro do sistema protetivo, de tal sorte que, quanto maior o número de fontes de recursos, menor será o risco da seguridade sofrer com ocasionais turbulências atuariais.

Isso significa que, sendo a comunidade, como um todo, responsável pelo financiamento da Seguridade Social, afirmado pelo art. 195 da Constituição Federal, é de se admitir que, o cidadão que passe por qualquer infortúnio e que venha a não participar desse sistema, estará causando dano a toda uma coletividade.

2.4.7 Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa

Esse princípio estabelece, de forma clara e concisa, que se separe a organização institucional da seguridade social do corpo distinto do Estado e da sua administração. A descentralização atua na constituição de conselhos regionais (sejam estaduais ou municipais), com disposição suficiente, além de competência, para presidir discussões, propondo planos voltados para ações sociais, a partir da situação encontrada em cada comunidade.

O caráter democrático, por sua vez, abrange as pessoas dos trabalhadores, empregadores, aposentados e do poder público de seus órgãos colegiados, permitindo que atuem de forma conjunta entre si, com a participação de todos os grupos que relacionam-se diretamente com a seguridade social.

O maior exemplo de atuação desse princípio dentro do regime previdenciário brasileiro foi a criação do Instituto Nacional de Seguridade Social, mais conhecido por INSS, a autarquia de competência federal, responsável pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

2.4.8 Regra de contrapartida ou Preexistência do Custeio em Relação ao Benefício ou Serviço

Segunda esse princípio o que verdadeiramente importa para o sistema previdenciário é que o mesmo esteja sempre em equilíbrio. Como forma de manter esse equilíbrio, Fábio Zambitte (2008, p. 67) leciona que:

A criação do benefício, ou a mera existência de prestação já existente, somente será feita com a previsão da receita necessária.

Sendo assim, os benefícios serão contabilizados juntamente com a arrecadação, como prega o princípio, este considerado como inerente ao direito previdenciário. Caso isso não ocorra, a receita da seguridade social fica impossibilitada de cumprir com suas obrigações atuariais, como já aconteceu algumas vezes no decorrer da implementação da seguridade social no Brasil. A transferência do salário-maternidade do empregador para a seguridade social, constante na Lei 6.136 de 1974, representa um desses acontecimentos arbitrários existentes no histórico brasileiro.

Zambitte encerra dizendo que, esse princípio caracterizado como uma norma-regra, visa a manutenção de um estado ideal de coisas, quando trata-se do equilíbrio, encontrando também uma forma ponderada aos outros princípios quando o que está em pauta são possíveis extensões judiciais dos benefícios assistenciais.

2.5 CUSTEIO E BENEFÍCIO

A relação desses dois fatores está no caput do artigo 195 da Constituição Federal. Prevê que o financiamento direto da previdência dar-se-á junto às receitas orçamentárias da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, além do financiamento direto contado a partir das contribuições, como se vê abaixo:

Art. 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei (...);

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos;

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (...)

No que se refere ao custeio (apesar do equívoco quanto à palavra “financiamento” usada pelo legislador), não há necessidade de devolução do valor com juros e correção monetária, como é feito, por exemplo, num empréstimo bancário. Nesse diapasão, é exigida a existência da fonte de custeio anteriormente a criação do benefício, assim disposto pelo princípio da preexistência do custeio em relação ao benefício, inserido no §5º do art. 195, como se vê:

Nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Os regimes previdenciários são financiados através de duas formas de sistemas: e de capitalização e o de repartição. O primeiro funciona como uma poupança, onde cada segurado realiza contribuições num determinado período, cujo valor é automaticamente transferido para uma conta individual e esse mesmo valor é cumulativo com o decorrer do tempo. Dessa forma, o segurado terá direito a receber o benefício proporcional às suas reservas quando cumpridos os requisitos de elegibilidade para tanto.

No segundo tipo de sistema, o de repartição, existe um pacto tácito entre gerações, onde uma geração posterior financiará a anterior, com base no princípio constitucional da solidariedade. Funcionando a partir de um grupo de indivíduos mais jovens que arcará com os custos da aposentadoria dos mais velhos, acreditando que o mesmo será feito ao se tornarem idosos, conforme explica Marisa Ferreira dos Santos (2011, p. 116).

Percebe-se a necessidade de entender a Seguridade Social como direito que alcançará seus objetivos em razão do poder do povo via participação da população, que através do Estado e de suas políticas públicas incentivadoras no tocante a real valorização dos direitos a essa população colimados.

A busca feita através desse trabalho quanto á possibilidade da existência da desaposentação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que visa primeiramente o bem-estar social dos trabalhadores em geral e seus dependentes legais é um exemplo. Concluídas as considerações acerca da Seguridade Social e todas as suas vertentes, o próximo capítulo estudará de maneira aprofundada um dos benefícios oferecidos pelo sistema da previdência social no Brasil, a aposentadoria, para que mais a frente torne-se claro o real sentido desse trabalho.


3 APOSENTADORIA

O direito de receber determinada remuneração quando na inatividade empregatícia diante da ocorrência de fatores predeterminados em lei ou ainda, na ativa, mas diante de ocorrência de determinadas contingências, também previamente estabelecidos legalmente, é um direito de ordem constitucional assegurado aos servidores públicos e trabalhadores privados, vez que está inserido na Constituição Federal vigente:

Art.7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXIV – aposentadoria;

Cada tipo de regime previdenciário tem suas características próprias no tocante aos requisitos exigidos para a aquisição de cada benefício. Logo, para obtenção da aposentadoria é levado em conta o cumprimento de suas exigências básicas e específicas, enaltecendo a individualização de cada regime, seja este geral ou próprio.

3.1 CARACTERÍSTICAS

É de relevante importância esclarecer a qual natureza jurídica a aposentadoria pertence e diferenciar esta da natureza jurídica do ato concessivo da mesma. É direito de o segurado aposentar-se ou não, contando do preenchimento de todos os requisitos legais necessários para tanto.

O método utilizado para aquisição da aposentadoria no caso do RGPS dar-se-á por requerimento junto ao INSS. Em se tratando do RPPS esse requerimento será arguido no ente responsável (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Em ambos os regimes, serão analisados todos os requisitos exigidos em lei para cada tipo específico de aposentadoria. Se esses requisitos forem respeitados, o pedido virá a ser deferido posteriormente. Concluindo assim, que, a natureza jurídica do ato concessivo da aposentadoria trata-se, da forma mais simples possível, de ato administrativo. O conceito de ato administrativo, segundo Hely Lopes Meirelles (2002, p. 133):

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

O ato concessivo da aposentação será o ato administrativo responsável pela declaração de aptidão (ou inaptidão, se não preenchidos os requisitos legais exigidos) do segurado, para recebimento dos proventos. Para Fábio Zambitte Ibrahim (2007, p. 33), “o ato concessivo da aposentadoria tem natureza meramente declaratória, já que somente reconhece ao segurado o direito assegurado em lei, mediante a prova do atendimento de requisitos legais”.

Quando se fala em natureza jurídica da aposentadoria, num aspecto latu sensu, entende-se por natureza jurídica dos proventos da mesma, que tem como objetivo iminente, substituir a remuneração do trabalhador segurado enquanto ativo, quando de sua inatividade. Nesse aspecto, o salário é caracterizado por ser verba de natureza alimentícia e nos moldes do art. 649, IV, do Código de Processo Civil (com nova redação dada pela Lei 11.382/2006), o salário não pode ser penhorado, como se vê:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; (...)

A aposentadoria por atuar de forma substitutiva ao que representa o salário, pode também ser considerada como verba alimentícia e por possuir caráter substitutivo, herdará a natureza de crédito alimentar pertencente ao salário. Sendo a aposentadoria de igual valor material e representativo, essencial para manutenção e subsistência do segurado aposentado e de sua família, essa remuneração também foi protegida pelo legislador, com importância equivalente ao salário, aos olhos da lei.

Um dos requisitos exigidos para obtenção da aposentadoria é a carência, que nada mais é do que, o prazo estabelecido no contrato para que o segurado possa acionar seus direitos, que estão garantidos através das prestações previdenciárias da qual o segurado paga ou vem pagando e mantendo. Nas palavras de Andrade e Studart (2012, p. 90):

Dessa forma, tal como ocorre nos contratos de planos de saúde, o segurado só fará jus à percepção de determinados benefícios previdenciários caso tenha vertido determinado número de contribuições ao sistema, predeterminado na própria Lei de Benefícios.

Há uma tênue diferença entre carência e tempo de contribuição, pois existem benefícios oferecidos pela Previdência que não exigem a carência como requisito para sua obtenção. Existe também a hipótese do segurado ter anos de tempo de contribuição e nenhum tipo de carência pendente.

No tocante ao valor mensal que será recebido pelo segurado, como o inativo a título de aposentadoria, a compreensão de três fatores distintos se faz necessária: a Renda Mensal de Benefício (RMB), o salário de benefício e o salário de contribuição. Para calcular a renda mensal inicial do benefício da qual o segurado tem direito, usualmente é feita a junção das contribuições utilizadas com as contribuições devidamente atualizadas. Através da média aritmética desses dois fatores pode-se ter o conceito de salário-benefício (o décimo terceiro salário do segurado não está incluso como parte dessas contribuições acima citadas).

O salário de contribuição é o chamado fato-gerador do valor utilizado como base para calcular as contribuições mensais. Nesse contexto, esse valor nada mais é do que a remuneração recebida pelo segurado. Alguns doutrinadores ainda incluem como parte dessa remuneração as conquistas sociais de cada segurado individualmente. Como exemplo: férias, horas extras, descanso semanal remunerado, gratificação natalina, além de gorjetas, comissões, dentre outros. O salário de contribuição de cada categoria servirá de base para o pagamento das prestações previdenciárias, a partir do cálculo do mesmo, como especifica detalhadamente a Lei 8.212/91:

Art. 28. Entende-se por salário de contribuição:

I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidade e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;

II – para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração;

III – para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o §5º;

IV – para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo a que se refere o §5º.

Diante do exposto, ao valor recebido mensalmente a título de proventos da aposentadoria (que será a média entre fator previdenciário e as contribuições realizadas) dar-se-á o nome de Renda Mensal de Benefício. O art. 201, §2º da Constituição Federal em vigência, veda, piamente, que o valor auferido na RMB seja menor que o salário mínimo. Para que haja o equilíbrio entre o valor das contribuições e o valor dos benefícios criou-se o fator previdenciário, através da Lei 9.897/99, onde o cálculo deste baseia-se na alíquota de contribuição, no tempo de contribuição, na idade do segurado e sua experiência de vida. A aplicação desse fator segue os requisitos exigidos por cada tipo de benefício.

A aposentadoria é considerada como direito patrimonial, pertencente a determinada pessoa, dependente apenas de sua volição em requerer ou não o benefício, como apregoa Wladimir Novaes Martinez (2009, p. 31). Os direitos patrimoniais são aqueles direitos de expressão econômica, passíveis de transmissão inter-vivos, graciosa ou onerosa. Ao titular desse direito patrimonial fica resignado o direito de propriedade consubstancial, de forma unilateral, é disposto o exercício desse direito da maneira que julgar necessária, no momento que lhe for mais conveniente, contando que estejam obedecidos os requisitos exigidos por lei para a efetivação do direito.

Nesses termos, fica reconhecido o caráter renunciável à aposentadoria, ao tempo e vontade do titular, visto que essa característica não se separa do caráter patrimonial. Frisando sempre que os meios legais para proteção da aposentadoria como um direito social foram criados para conter atos de terceiros que venham a inibir ou desqualificar esse instituto.

Essas normas protetivas foram fundadas com objetivo de vedar, além de atos de terceiros, atos do próprio órgão instituidor, que em outro cenário, poderia alterar as especificidades do benefício, com intuito de prejudicar ou tornar a adesão ainda mais dificultosa. Porém, não se pode permitir o direcionamento desses métodos protetivos para o segurado, usando o ato jurídico perfeito como forma de petrificar a condição desse indivíduo de conseguir direito mais amplo e, consequentemente, mais justo.

Outra questão quanto á aposentadoria ainda persiste. Direciona-se ao fato do trabalhador aposentado continuar empregado na atividade a qual se aposentou, sem que haja obrigação de rompimento do vínculo empregatício. Sérgio Pinto Martins (1999, p. 348) explica de forma sucinta essa questão:

O aposentado pode permanecer em atividade sujeita ao Regime Geral da Previdência Social ou a ela retornar. Assim, o empregado não precisa desligar-se da empresa para requerer a aposentadoria, pois a tramitação desta, no INSS, pode demorar alguns meses, não ficando o obreiro desamparado quanto aos seus rendimentos, podendo continuar a laborar na empresa.

O Superior Tribunal Federal vedou que a concessão da aposentação acarrete o desligamento do trabalhador beneficiado do seu vínculo empregatício, considerando o ato como despedida arbitrária, decisão que sucumbiu divergências existentes sobre essa questão e declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 453 da CLT, como expõe o TRT da 10ª Região, na decisão abaixo:

(...) 1.Consoante o pronunciamento do Excelso STF no exame das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 1.721-3 e 1.770-4, a ordem constitucional não admite a resilição automática do contrato de trabalho em razão da aposentadoria espontânea do empregado. Como consequência, a Suprema Corte declarou inconstitucionais os parágrafos 1º e 2º do artigo 453 da CLT, que previam a extinção do vínculo de emprego dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista e dos trabalhadores em geral, respectivamente.[9]

Destarte, em se tratando de trabalhador privado aposentado, inexiste qualquer impedimento legal que o impeça de continuar exercendo sua atividade remunerativa, pelos motivos já expostos.

No que diz respeito ao servidor público, há que se averiguar a questão da cumulação de cargos (art.37, XVI e XVII, CF/88), onde está vedada pelo §10º, ainda desse mesmo art.37, a percepção simultânea da remuneração do cargo com os proventos da aposentadoria (salvo os cargos cumuláveis que a Constituição Federal aceita, cargos eletivos, dentre outros).

O segurado aposentado que continuar exercendo uma atividade remunerada pós-aposentadoria deverá ser segurado obrigatório da Previdência Social, inclusive continuará também, contribuindo pecuniariamente para o sistema, de acordo com §4º do artigo 12 da Lei 8.212/91. É vedado a este segurado aposentado que continuar a trabalhar, quando dos regimes próprios, a acepção de mais de uma aposentadoria, pelo que obriga a Constituição Federal de 1988, a seguir:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime previdenciário de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§6º Ressalvadas as aposentadoria decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime previdenciário previsto neste artigo.

O artigo 124, inciso II da Lei 8.213/91, conhecida também por Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social, também faz alusão á vedação do recebimento de duas aposentadorias dentro do mesmo regime previdenciário para o trabalhador segurado já aposentado. Assim, apesar de continuar contribuindo para o sistema, respeitando o que preconiza o princípio da solidariedade, essa segunda contribuição restará inútil, posto que não possa cumular em conjunto com sua aposentadoria, nem poderá ainda, pleitear nenhum outro benefício que possa acoplar com a aposentadoria vigente.

Sob essas condições, a doutrina e a jurisprudência brasileira têm cada dia mais aderido a novas concepções acerca da injusta situação em que se encontra o trabalhador aposentado que continua a exercer atividade remunerada. A solução encontrada mais aceita seria a renúncia da primeira aposentadoria em favor de uma nova, onde os valores seriam auferidos de acordo com a nova condição do segurado, agregado ás novas contribuições, sem desrespeitar nenhum princípio constitucional ou dispositivo legal.

Sob essa ótica, o segurado seria desligado da primeira aposentadoria, desse modo, estaria sendo desaposentado, em pró de requerer uma nova aposentadoria de acordo com sua nova condição. A esse processo deu-se o nome de desaposentação, que terá todos os seus conceitos esclarecidos no capítulo seguinte a este.

3.2 ESPÉCIES

A Lei 8.213 de 1991, conhecida também por Plano de Benefícios da Previdência Social, disciplina a maioria das espécies de aposentadorias reguladas pelo RGPS. Os artigos 42 ao 47 dessa lei tratam sobre a aposentadoria por invalidez; a aposentadoria por idade vem adiante, nos artigos 48 ao 51; o artigo 51 ainda faz alusão à aposentadoria compulsória; a aposentadoria por tempo de contribuição está devidamente regulamentada dos artigos 52 ao 56; e a aposentadoria especial, por sua vez, está prevista em seus artigos 57 e 58.

3.2.1 Aposentadoria por Idade

Como o nome já supõe, esse tipo de aposentadoria enseja uma abertura ao segurado que, por força da idade, se torna impossibilitado de continuar exercendo sua atividade empregatícia como forma de se manter e manter sua família. Nas palavras de Eduardo Tanaka (2012, p. 124-125):

A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher. A aposentadoria por idade é um benefício permanente, de modo que, para o segurado é irreversível e irrenunciável (ART.181-B do RPS).

Essa modalidade de aposentadoria está resguardada dos artigos 48 ao 51 da Lei 8.213 de 1991, bem como pelo Decreto 3.048 de 1999, dos artigos 51 ao 58 do mesmo. Dentre os requisitos exigidos para concessão desse benefício, destaca-se a necessidade do segurado ter cento e oitenta contribuições mensais de carência e a ter idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para o homem e 60 (sessenta) anos para a mulher.

Fica estabelecido também que, a data do desligamento empregatício do segurado será a data do requerimento, caso não haja um desligamento de fato (contando que o requerimento feito ao INSS tenha prazo de noventa dias), como também para outros segurados que não sejam ou estejam empregados.

No que se refere ao valor da remuneração deste benefício, garante-se 70% do salário-benefício mensalmente, além de 1% acrescido a cada doze contribuições mensais, até que se atinja o total de 100% do valor do salário-benefício por completo. É excepcional a aplicação do fator previdenciário nesses casos, sendo facultativa, aplicável apenas quando para o favorecimento do segurado.

No tocante ao trabalhador rural, de acordo com o já citado §1º do artigo 48 da Lei 8.213/91, há uma distinção de cinco anos a menos na idade mínima do segurado. No caso das trabalhadoras rurais, a idade mínima exigida decai para 55 (cinquenta e cinco) anos, já para o homem que seja trabalhador rural, exige-se que tenha a partir de 60 (sessenta) anos como idade mínima para requerer esse tipo de aposentadoria. Nesse rol entram também trabalhadores em regime de economia familiar, que são os produtores rurais, garimpeiros e pescadores artesanais. Existe ainda a questão do valor da remuneração mensal do benefício, onde o trabalhador rural receberá o equivalente a um salário mínimo.

Dentro do RGPS existe ainda a possibilidade da aposentadoria por idade compulsória, apontada pela doutrina como, o ato da empresa empregadora de requerer a aposentadoria do seu funcionário que atinge os 70 anos, no caso do homem e 65 anos, se mulher, desde que esteja cumprida a carência exigida.

 Aposentadoria compulsória é a passagem obrigatória do servidor da atividade para a inatividade, por ter completado 70 anos, independente do sexo. Deve-se ressaltar que essa aposentadoria compulsória do INSS é automática, assim que servidor completa 70 anos. Nesses casos, a data da rescisão contratual do trabalho será a anterior ao início da aposentadoria, sendo garantida a indenização trabalhista ao segurado empregado.

3.2.2 Aposentadoria por Tempo de Contribuição

Essa modalidade de aposentadoria visa amparar os trabalhadores segurados que estejam no exercício de uma atividade empregatícia que tenha causado danos aos mesmos durante determinado período de tempo, de acordo com a lei. Nas palavras de Maria Ferreira dos Santos (2012, p. 228):

Trata-se de benefício requerido voluntariamente pelo segurado, resultado do planejamento previdenciário que fez ao longo de toda a sua atividade laboral.

Além de prevista no art. 201, §7º, I da Constituição Federal de 1988, encontra-se também dos artigos 52 ao 56 da Lei 8.213/91, dos artigos 56 ao 63 do Decreto 3.048/99, e ainda na EC nº 20/98. Fará jus ao benefício o homem que tiver 35 (trinta e cinco) anos de contribuição e a mulher que tiver 30 (trinta) anos de contribuição, independente do limite mínimo de idade.

Assim como acontece na aposentadoria por idade, a aposentadoria por tempo de contribuição será devida a partir da data do desligamento empregatício do segurado, tendo seu requerimento sido feito no INSS até 90 dias dessa data, ou ainda se não houver o desligamento, a data do requerimento também é tida como data prioritária, bem como para os demais segurados que não sejam empregados. O artigo 201, §8º da CF/88 traz uma ressalva quanto ao tempo de contribuição exigido à classe dos professores, lê-se:

Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Essa ressalva dá ênfase ao desgaste sofrido por essa categoria no exercício laboral de sua função dentro da educação infantil, no ensino fundamental e também no ensino médio. Essa redução não apenas beneficiará os professores que ministram aulas diariamente, como também os que exercem atividade de diretoria, inclusos ainda coordenadores e assessores pedagógicos, desde que sejam qualificados como professores, como expressa a Súmula 726 do Superior Tribunal Federal: “Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.”

3.2.3 Aposentadoria por Invalidez

Essa forma de contingência está prevista constitucionalmente no art. 201, I, CF/88, além de inserida e regulamentada dos artigos 42 ao 47 da Lei 8.213/91 e o RPS a conduz ainda através dos seus artigos 43 ao 50, conceituada de forma pertinente a seguir:

A aposentadoria por invalidez é o benefício devido ao segurado que for considerado incapacitado para exercer o trabalho e sem possibilidade de reabilitação para o exercício de outra atividade capaz de lhe assegurar a subsistência. Ele pode estar ou não recebendo auxílio-doença.[10]

Presume-se a anuência desse benefício quando o segurado da previdência social se encontrar em estado de necessidade, decorrente da redução de sua capacidade laboral, com consequente impossibilidade de reabilitação dentro da atividade profissional da qual lhe garanta sua subsistência. O artigo 42 do PBPS define bem a tipicidade da concessão:

A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.[11]

É essencial que a invalidez, nesses casos, seja configurada como permanente e substancial, uma vez que a mesma deva pressupor uma inaptidão para o exercício da atividade profissional. No entanto, se essa incapacidade for decorrente de fato anterior à filiação ao RGPS, o benefício não será concedido, a não ser que o exercício da atividade tenha agravado de forma contundente a capacidade do contribuinte.

De acordo com o art. 25 do PBPS, a concessão da aposentadoria por invalidez exige que o segurado tenha cumprido o mínimo de doze contribuições de carência (para o segurado especial a carência exigida é de doze meses de atividade, mesmo descontínuos). No entanto, há casos em que a carência é dispensável. Por exemplo, quando o segurado envolve-se em acidente, seja de trabalho ou de qualquer outra natureza, como também nos casos de doença especificada em lista elaborada pelo Ministério da Saúde em conjunto com o Ministério da Previdência Social.

O valor mensal da qual o segurado tem direito quando aposentado por invalidez é de 100% (cem por cento) do valor do salário-benefício, onde o fator beneficiário é nulo. Quanto à data de início do recebimento desse benefício existem algumas ressalvas importantes. A primeira relaciona-se com o fato de o segurado ter recebido ou não o auxílio-doença, anteriormente à concessão da aposentadoria. Tendo recebido, a data prevista para o recebimento da aposentadoria será o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença.

A segunda ressalva depende se houve ou não a perícia médica. Se houve e essa perícia médica tiver sido feita após os 30 dias da data da feitura do requerimento, esta será também a data para o início do recebimento da aposentadoria. No caso da perícia ter sido feita antes de completados os 30 dias após o requerimento, o recebimento do benefício ficará para o 16º (décimo sexto) dia, o segurado estando empregado. Para os demais segurados, esse recebimento dar-se-á desde o início da incapacidade. Com relação à verificação da contingência, de acordo com o §1º do artigo 42 da Lei 8.213/91:

A concessão da aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

Assim, é obrigatória a comprovação da incapacidade do segurado beneficiário, além de que, essa perícia poderá ser reavaliada a qualquer tempo, pelo INSS ou autarquia responsável, com fins de constatação da continuidade da incapacidade laboral do segurado.

3.2.4 Aposentadoria Especial

Para maior entendimento dessa modalidade de aposentadoria, temos sua definição por parte do artigo 57 da Lei 8.213/91, que diz:

A aposentadoria especial será devida uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) e 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

Desse modo, o legislador compreendeu que o dano causado à saúde do segurado, ocasionado pelos riscos à integridade, ou até mesmo a perda da integridade física devido à exposição diária desse indivíduo, acima dos limites tolerados. Os segurados que poderão ser beneficiados pela aposentadoria especial, são os segurados que estão expostos diariamente a agentes nocivos. Sejam agentes físicos, químicos ou biológicos, levando em consideração as condições ambientais prejudiciais desse ambiente de trabalho. Somente será válida a concessão deste benefício, se existir a exposição real do segurado ao agente nocivo, não apenas a classificação do segurado em determinada categoria de trabalho. Como evidencia o §3º do artigo acima citado:

A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.

É preciso evidenciar ainda que, por mais que a aposentadoria do segurado esteja garantida ao cumprir os requisitos essenciais para aquisição desse benefício, o empregador não se exime de proporcionar meios que reduzam os impactos causados pelas condições de trabalho. Como exemplo, o empregador é responsável pelo fornecimento de roupas e equipamentos de proteção adequados.

A carência exigida para obtenção da aposentadoria especial é de 180 (cento e oitenta) contribuições. O valor a ser recebido é de 100% (cem por cento) do salário-benefício, sem exigência de idade mínima e sem aplicação do fator previdenciário. A data do início do benefício segue os padrões normais, sendo que, se houver desligamento do segurado e o requerimento ao INSS tiver sido feito em 90 dias, conta-se a partir da data desse desligamento. Se não houver desligamento, contará a partir da data do requerimento, bem como para os demais segurados que não tenham vínculo empregatício.

Sabendo-se sobre o conceito de aposentadoria, suas vertentes e seus tipos, consegue-se imaginar a relevância que é a abordar o tema desaposentação, haja vista, um tema está intimamente ligado ao outro, levando em conta que não existia desaposentação se não houvesse aposentadoria. Nesses termos, segue-se o estudo aprofundado sobre este tema no próximo capítulo.


4 DESAPOSENTAÇÃO

Atualmente, o anseio pela desaposentação é notório no tocante aos servidores que continuam exercendo atividade empregatícia, com a finalidade de aumentar os proventos da aposentadoria, não podendo ser entendido de forma prática o pedido de desaposentação como forma ardilosa de burlar a incidência do fator previdenciário.

A desaposentação enquanto instituto surgiu para melhor regulamentar as demandas acendidas no campo do Direito Previdenciário, visando consolidar a justiça social e o bem-estar garantidos na Constituição Federal, funcionando como mecanismo fundamental à essa efetivação. Sobre o tema, Zambitte dispõe:

A desaposentação então, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. O presente instituto é utilizado colimando a melhoria do status financeiro do aposentado. [12]

Esse fenômeno representa a abdicação das mensalidades percebidas da aposentadoria do contribuinte, continuando, entretanto, incólume o direito à aposentadoria. Baseia-se, de forma simples, na prática de utilização do tempo de contribuição da aposentadoria anterior para a posteridade, quando do recebimento de uma nova aposentadoria, desde que o segurado continue trabalhando, em outro regime previdenciário ou no mesmo do benefício anterior.

Excluindo a aposentadoria por invalidez, todas as demais modalidades de aposentadoria são passíveis de que o segurado possa continuar exercendo sua atividade empregatícia. Prova disso é o que vem exposto na Lei 8.213/91 a respeito da aposentadoria por idade, onde essa lei destrincha esse empecilho magistralmente:

Art.49. A aposentadoria por idade será devida:

I – ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:

1. de data do desligamento do emprego quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou

2. da data do requerimento quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerido após o prazo previsto na alínea a;

II – para os demais segurados, da data da entrada do requerimento.

Com relação a essa questão, o STF declarou a inconstitucionalidade da cláusula existente no contrato de trabalho que previa o desligamento do segurado quando feito o requerimento de aposentadoria voluntária do mesmo, com respaldo nos parágrafos 1º e 2º do art. 453 da CLT, como já foi visto anteriormente. A desaposentação conceituada por Castro e Lazzari (2000, p. 488):

O ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previenciário.[13]

É de fundamental importância esclarecer que, não há impedimento jurídico que vede ao segurado desaposentar num ente federativo e se aposentar em outro ente federativo, uma vez que se promova o acerto de contas entre os dois RPPS, de acordo com Martinez[14]. Não é anulada, também, a hipótese de migração de um sistema para outro, como do RGPS para o RPPS e vice-versa. Ibrahim (2007, p. 35) sugere como objetivo principal para o ato de desaposentar:

Liberar o tempo de contribuição utilizado para aquisição da aposentação, de modo que este fique livre e desimpedido para averbação em outro regime ou mesmo para novo benefício no mesmo sistema previdenciário, quando o segurado tem tempo de contribuição posterior à aposentação, em virtude de continuidade laborativa.[15]

Ademais, a desaposentação caracteriza-se pelo ato de cancelar a primeira aposentadoria, sem renunciar com isso o tempo de contribuição usado para obter esse primeiro benefício, de um modo que venha a somar essas contribuições já contabilizadas com às novas, para que dessa junção encaminhe-se nova aposentadoria com valor financeiro superior à antiga.

4.1 PONTOS CONTROVERSOS

Atualmente, apesar da corrente favorável á desaposentação ser majoritária, ainda existem pontos não pacíficos sobre esse instituto dentro do ordenamento jurídico pátrio. São discutidas, de forma veemente, questões técnicas quanto ao alcance e ao limite desse direito, sobre as restrições, e principal e fervorosamente, quanto ao equilíbrio atuarial e financeiro que envolve os regimes previdenciários brasileiros.

Há duas formas de ensejo à desaposentação dentro do Regime Geral da Previdência Social e que se faz necessária a explicação de cada uma delas. A primeira diz respeito a possibilidade de aposentar-se proporcionalmente ao tempo de contribuição, onde o coeficiente de cálculo chega aos 70% do salário-benefício. Destaca-se que nesses casos, com o passar dos anos, as chances de se conseguir uma aposentadoria integral aumentam, visto que, esse valor é calculado sobre o valor integral do salário-benefício em conjunto com o fator previdenciário.

A segunda possibilidade de desaposentação dentro do RGPS dar-se-á através do fato mais característico ligado a esse instituto, que é o de o segurado aposentado continuar em sua atividade laboral ao longo dos anos e incidir em posterior fator previdenciário com maiores vantagens.

A renúncia que é citada quando a desaposentação é referida não enquadra-se na renúncia do direito adquirido quanto à aposentadoria, uma vez que esse direito é irrenunciável. O direito renunciado para que se possa desaposentar é o direito de receber as prestações mensais.

Martinez sustenta a ideia de que a desaposentação é a modalidade de desfazimento da aposentação, ou seja, desconstituição do estado jurídico de jubilado, retornando a pessoa à condição de não aposentado. O que pode vir a satisfazer aqueles que desejarem não mais estarem aposentados.[16] Nesses termos, desaposentar incidirá diretamente na renúncia de quem já aposentou, no mais comum dos casos (não o único), essa renúncia objetivará uma nova e melhor aposentação.

Ao segurado é resguardado o direito de desfazer-se de sua condição de aposentado no estado em que se encontra, para que possa pleitear nova condição jurídica de aposentação, de acordo com sua nova situação empregatícia, sem que a tutela a esse direito enseje em desrespeito a solidez dos princípios que regem a Previdência Social no Brasil.

Os dois tipos de situações mais comuns quanto a desencadear controvérsias e desacordos no tocante à desaposentação e que já foram mencionados anteriormente, referem-se a diminuição do fator previdenciário quando atrelado à progressão da idade do segurado, e também, quando a aposentadoria proporcional transforma-se em aposentadoria especial.

O fator previdenciário atua nessas questões quando, através de novo cálculo, a idade mais avançada e a menor expectativa de vida do segurado adicionada ao maior tempo de contribuição darão vazão a uma vantagem salarial, o que fará com que a Renda Mensal de Benefício do segurado desaposentado aumente.

A legislação brasileira não veda a desaposentação, também não regulamenta ou prevê esse instituto, que é visto como fenômeno controverso dentro e fora dos parâmetros previdenciários arguidos com solidez pela sociedade brasileira e toda a entidade jurídica nacional. Com veemência Zambitte afirma que a vedação à desaposentação deveria constar de Lei, e não havendo proibição direta e não contrariando leis e princípios, seria plenamente possível (2007, p. 66). A ausência de uma previsão legal que regulamente a desaposentação dificulta a análise da mesma, como aponta Marisa Ferreira dos Santos[17]. O princípio da legalidade, garantia fundamental, faz alusão exatamente a essa questão:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Hely Meirelles (2004, p. 88) explana, de forma sucinta, dois aspectos importantes para compreensão desse princípio, principalmente quando invocado na esfera previdenciária:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”, para o administrador público “deve fazer assim”.

Assim, quanto ao princípio da legalidade atuante na Administração Pública, o faz de acordo com o que dispuser a lei. Como não há empecilho ao ato de desaposentar dentro do ordenamento jurídico pátrio, a autorização para concretização do mesmo é presumida, visto que não consta proibição legal da mesma. Além de evocar o princípio da legalidade, Zambitte[18] alega que a não observância desse quesito na questão da desaposentação fere bruscamente a outro princípio constitucional, quando explica o seguinte:

Não se pode alegar ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, pois cabe a esta, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, de ativo ou inativo, aposentado ou não aposentado. O princípio da dignidade da pessoa humana repulsa tamanha falta de bom senso, sendo por si só fundamento para a reversibilidade plena do benefício.

Ambos, defensores e opositores da desaposentação, fazem uso do princípio da legalidade como argumento. Para os que a admitem, com a aplicação desse princípio vem também a garantia dado ao segurado de realizar, a seu tempo e a seu modo, tudo o que a lei não coibir. Para os que são contrários a desaposentação, a inexistência de lei regulamentando impossibilita a concessão, visto que necessita de condição devidamente expressa em lei.

Segundo o entendimento do INSS renunciar a aposentadoria é impossível, visto que não existe previsão legal. Só existirá cessação do benefício com a morte do segurado ou quando essa concessão é fraudulenta. Assim, a única forma de conseguir desaposentar é por vias judiciais. Por vias administrativas é possível, apenas, renunciar ao benefício, antes mesmo até de ter recebido o primeiro pagamento do mesmo. Lembrando que direito renunciado é o direito à remuneração, não o tempo de contribuição do segurado.

O INSS refuta ainda que esse tipo de renúncia seja ilegítimo aos olhos da lei, alegando que a aposentadoria sendo ato jurídico perfeito, os princípios da segurança jurídica e da razoabilidade serão postos de lado ao renunciar o benefício, citando o artigo 181-B do Regulamento da Previdência Social, que prevê:

(...) as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

No entanto, partindo da premissa que o instrumento legal que caracteriza o decreto não é usado para os fins acima citados, o Poder Executivo não tem legitimidade suficiente para tornar um direito disponível ou não. Wladimir Novaes Martinez, de maneira simples e eficaz, desfaz o argumento sobre irrenunciabilidade da aposentadoria quando preceitua:

(...) a renúncia não põe fim ao direito à prestação, apenas suspende seu exercício como direito. Ela continuará produzindo efeitos jurídicos (o que é exatamente o que deseja o titular), entre os quais o seu arrependimento.[19]

Nesse sentido, a desaposentação surgiria como uma renúncia específica a aposentadoria, sem que renunciar implique diretamente na perda do direito de se aposentar. É como se o exercício desse direito ficasse suspenso temporariamente, para que venha a ser pleiteado posteriormente, caracterizando especificamente uma nova aposentação.

A desaposentação em si visa apenas desconstituir o ato administrativo que concedeu a primeira aposentadoria, vindo a cancelar o recebimento mensal das prestações decorrentes da mesma. Existe ainda, outro ponto bastante controverso no tocante à desaposentação. O art.18, §2º da Lei 8.213/91 consegue criar discussões relevantes a respeito, como se vê:

O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.[20]

Quanto a essa questão, indaga-se que, por existir previsão legal que dispunha claramente sobre quais tipos de benefícios o aposentado que retorna ou continua exercendo atividade laboral tem direito, subentende-se que renunciar a aposentadoria concedida a fim de requerer nova aposentadoria mais vantajosa não encaixa-se nos parâmetros, já que foram citados apenas o direito ao salário família e à reabilitação.

No entanto, o que se faz necessário entender é que, não houve intenção de vetar a possibilidade de renúncia a aposentadoria que daria vazão a desaposentação. O legislador, não neste caso e em nenhum outro dentro do ordenamento jurídico pátrio, fez alusão á vedação ou impedimento expresso da ocorrência desse fenômeno, fazendo com que exista real viabilização de acontecer, respeitando o que prega o princípio da legalidade.

Nesse aspecto entra em cena também a proibição acerca do recebimento de mais de uma aposentadoria, devidamente expressa no art.124, II da mesma Lei 8.213/90. Algumas opiniões contrárias ao tema defendem que a aceitação da desaposentação daria ensejo a uma derrocada do que vem exposto nesse dispositivo legal. Segue observação pertinente do advogado Júlio José Araújo Júnior:

A suposta proibição decorrente de previsão contida em decreto regulamentar (art. 181-B Dec. 3.048/99) não pode ser encarada como restrição a tal instituto, uma vez que o ato infralegal extrapola sua órbita de incidência ao pretender inovar no ordenamento,  prevendo norma não contida na Lei 8.213/91.[21]

Logo, fica entendido que, a desaposentação não traz consigo nenhum desrespeito à regra que veda a percepção de dois benefícios simultaneamente. Daí, essa norma serviria como impedimento para o segurado usufruir de artifícios ilícitos com relação às novas contribuições vertidas. Porém, para que o segurado possa desaposentar, o mesmo teria que renunciar ao vínculo previamente estabelecido, ou seja, para tanto, o aposentado teria que renunciar à sua primeira aposentadoria, podendo pleitear uma nova, seguindo devidamente os requisitos legais exigidos.

Existe decisão recente e esclarecedora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na data de 7 de maio de 2013, favorável á desaposentação, onde, segundo entendimento pacificado em nossos Tribunais, fundado na ausência de vedação no ordenamento jurídico brasileiro, ao segurado é conferida a possibilidade de renunciar á aposentadoria recebida, haja vista tratar-se de um direito patrimonial de caráter disponível, não podendo a instituição previdenciária oferecer resistência a tal ato para compeli-lo a continuar aposentado, visto carecer de interesse.[22]

Há grande divergência doutrinária quanto á devolução de valores já recebidos por parte do segurado desaposentado. A viabilidade atuarial nesse aspecto é levada em conta, visto que, o equilíbrio financeiro do sistema previdenciário brasileiro estaria em risco. A corrente doutrinária pungente ao ressarcimento desses valores acredita que a renúncia presumida à desaposentação requer o retorno ao status quo ante, ou seja, para que o segurado consiga deixar de ser aposentado ele precisa voltar ao estado em que se encontrava anteriormente a aposentação e para tanto, a devolução das parcelas é condição inerente ao desfazimento do ato jurídico perfeito, ora seja o ato concessivo da aposentadoria. Martinez (2009, 61) é favorável a esse pensamento quando afirma:

Olvidando-se o regime financeiro de repartição simples, que permeia o RGPS e o RPPS, de regra, para que a desaposentação seja sustentável do ponto de vista técnico do seguro social e atenda aos seus objetivos, é imprescindível o restabelecimento do status quo ante. De modo geral, não subsiste esse efeito gratuitamente; a relação jurídica aí presente não prescinde de fundamentos econômicos, financeiros e atuários de um plano de benefícios. Ainda que seja um seguro solidário, pensando-se individualmente se a Previdência Social aposenta o segurado, ela se serve de reservas técnicas acumuladas pelos trabalhadores, entre as quais as do próprio titular do direito ao benefício.[23]

Nesse diapasão, vale recordar que a aposentadoria possui natureza alimentar, o que por si só descaracterizaria de forma contundente o argumento sobre a devolução das parcelas recebidas. Essa restituição só poderia ser justificada, caso houvesse algum tipo de irregularidade, seja no ato de concessão do benefício, seja no recebimento, contando que tenha ocorrido situação que caracterize fraude. Além disso, a reversibilidade da aposentação possui efeitos ex nunc, o que em outras palavras, significa que os efeitos advindos do ato de desaposentar só ocorrerão a partir do momento em que ocorrida, como Ibrahim (2007, p. 61) sabiamente conduz:

A desaposentação não se confunde com a anulação do ato concessivo do benefício, por isso não há que se falar em efeito retroativo do mesmo, cabendo tão somente sua eficácia ex nunc. A exigência da restituição de valores recebidos dentro do mesmo regime previdenciário implica obrigação desarrazoada, pois se assemelha ao tratamento dado em caso de ilegalidade na obtenção da prestação previdenciária.

Ibrahim defende ainda que a desaposentação não afeta o equilíbrio atuarial preexistente, visto que, num sistema onde o pacto intergeracional de repartição simples é prevalente, a população economicamente ativa sustenta os benefícios dos inativos para que ocorra uma perpetuidade desse ciclo, como já fora explicado neste trabalho anteriormente. Desse modo, as contribuições são desvinculadas da cota real que o segurado receberá ao se aposentar.

O entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 13 de março de 2013, esclarece, pertinentemente, à devolução dos valores já recebidos como injustificada, visto que, “O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos (REsp 692628/DF, Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, DJ 05.09.2005), não havendo que se falar, portanto, em violação do disposto no art. 96, III, da Lei 8.213/91.”[24] Para execrar de vez essa hipótese de devolução de valores, na data de 21 de maio de 2013, o STJ julgou como sendo desnecessária essa devolução:

(...) 3. Hipótese em que a Turma aplicou o entendimento reafirmado pela Primeira Seção, sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008, de que "os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento" (RESP 1.334.488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, pendente de publicação). 4. Ressalva de meu entendimento divergente quanto à devolução dos valores da aposentadoria renunciada, esposado pormenorizadamente no Recurso Especial representativo da controvérsia precitado. (...)[25]

O STJ, ainda nessa mesma decisão, predispôs a decisão final da incursão da desaposentação no ordenamento jurídico através do julgamento de Recurso Extraordinário impetrado pelo INSS ás vistas do STF, como segue adiante:

(...) 5. A pendência de julgamento, no Supremo Tribunal Federal, de Recurso Extraordinário submetido ao rito do art. 543-B do CPC não enseja sobrestamento dos Recursos Especiais que tramitam no STJ. Nesse sentido: EDcl no REsp 1.336.703/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9.4.2013; AgRg no AREsp 201.794/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 11.4.2013. 6. Não compete ao STJ, em julgamento de Recurso Especial e para fins de prequestionamento, apreciar alegação de afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF (art. 102, III, da CF/1988).[26]

Existem críticas pertinentes quanto a quantidade de vezes que o segurado pode requerer a desaposentação. Esse quesito, dependendo do número de vezes que for concedido, pode vir a gerar insegurança jurídica, o que chegaria a causar desordem ao âmbito jurídico e administrativo da questão. É possível prever que essa pretensão venha a existir variadas vezes, sempre que a situação do titular do benefício se modificar, seja em face de cumpridos novos requisitos legais, seja por meio de alcançar idade mais avançada.

A doutrina majoritária, dentre eles Zambitte, Martinez e Kertzman, apontam que a reedição desse pedido de desaposentação reiteradas vezes gerará elevados custos administrativos aos cofres públicos, além de prejudicar a celeridade do sistema em si. Para que essa questão não venha a amadurecer e, consequentemente, gerar danos mais profundos, fica proposto ao legislador ordinário prever os critérios de desaposentação, dentre eles a periodicidade mínima entre os pedidos, ou ainda um recálculo automático do benefício dos segurados que já possuem tempo de jubilamento e continuam inseridos no mercado de trabalho, como aponta Fábio Zambitte Ibrahim.

Há que se mencionar aqui a importância do princípio tempus regit actum, visto que a legislação que rege o benefício previdenciário é a legislação vigente à época do jubilamento, ou seja, a data que contará será àquela da contingência geradora da necessidade devidamente acobertada pela seguridade social, como bem explica Marisa Ferreira dos Santos [27]. A desaposentação trará consigo uma nova situação jurídica, que deverá ser regida pelas normas vigentes da época. Para o Direito Previdenciário, a norma vigente aplicada será aquela em tempo que se possam reunir todos os requisitos necessários para obtenção do benefício.

A divergência encontrada aqui é que, a desaposentação poderia ser usada como subterfúgio para que a legislação mais benéfica possa ser aplicada, havendo violação do princípio da isonomia, posto que, os que continuaram trabalhando e, por conseguinte, continuaram contribuindo até que obtidos requisitos legais exigidos para aposentadoria integral ou, ainda, para se obter fator previdenciário mais benéfico, tecnicamente seriam prejudicados, pois, dessa forma, receberiam menor valor se comparados com os que conseguiram desaposentar. Contudo, o enquadramento legal da nova aposentadoria concedida deverá, sob nenhuma forma de fugir a regra, respeitar a lei vigente, onde mais uma vez Zambitte explica:

Qualquer tentativa de incrementar o benefício já vigente com contribuições a posteriori, dentro da mesma regra legal, ainda que posteriormente alterada ou revogada, implicaria reconhecer-se direito adquirido a regime jurídico passado, o que é naturalmente inaceitável. [28]

Dessa forma, não poderá o segurado demandar do sistema o enquadramento de seu tempo total de contribuição antes e após a jubilação no regramento legal vigente à época da aposentação. Zambitte ainda arremata, ao afirmar que a desaposentação não garante direito adquirido ao regime jurídico vigente no que se refere à aposentadoria renunciada.

4.2 PROJETOS DE LEI REFERENTES AO TEMA

É inegável que a alavanca impulsionadora da inserção e adequação da desaposentação sob o Direito brasileiro, visando uma melhor compreensão desse instituto, de todos os seus limites e nuances surgiu a partir da doutrina. As primeiras idealizações, até mesmo a denominação, bem como os trâmites científicos desse fenômeno foram tomando forma a partir de reflexões doutrinárias acerca do referido tema. O advogado prevideciarista Wladimir Novaes Martinez é o exemplo mais claro de abertura do mundo jurídico para esse instituto, quando pioneiramente atribuiu o neologismo “desaposentação” para caracterizar o fenômeno:

Com efeito, pelo que sabemos, fomos os primeiros a considerar a hipótese da desaposentação no Brasil, ou, pelo menos, ter publicado os primeiros trabalhos sobre o assunto, criando o neologismo desaposentação, que se refere à revisão do ato de aposentação, cujo objeto é a aposentadoria.[29]

Nesses termos, a discussão sobre essa nova vertente passou a integrar a zona jurisprudencial, passando a ocorrer também dentro dos tribunais. A falta de uma legislação que disciplinasse o assunto foi sendo percebida cada vez mais, e essa lacuna passou a ensejar uma demanda de Projetos de Lei no Congresso a fim de que houvesse uma solução convergente e aceita de forma unânime para a desaposentação. Exemplo disso é o PL nº 1168/2011, que propõe em seu texto o acréscimo da possibilidade expressa da renúncia a aposentadoria no ordenamento jurídico pátrio. A redação proposta pelo PL molda-se da seguinte forma:

Não havendo vedação constitucional ou legal, a renúncia do benefício previdenciário é possível na aposentadoria, por ser este um direito patrimonial disponível. A renúncia é possível, vez que é para se alcançar situação mais favorável ao Segurado.

Um dos principais projetos de lei existentes e que ainda tramitam com caráter prioritário na Câmara dos Deputados é o PL 2.567/2011, que tem como autor o Senador Rodrigo Rollemberg, PSB/DF. O objetivo primordial desse PL é a alteração do dispositivo legal §2º do artigo 18 da Lei 8.213/91, supramencionado neste trabalho. Essa modificação visa ampliar os benefícios previdenciários de quem retorna ou continua a trabalhar mesmo depois se aposentar-se, como se vê:

O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a esse regime, ou a ele retornar, fará jus aos seguintes benefícios da Previdência Social, em decorrência do exercício dessa atividade: auxílio-doença, salário-família, auxílio-acidente, serviço social e reabilitação profissional, quando empregado.

Como já mostrado anteriormente, os dois únicos benefícios abarcados por esse dispositivo atualmente são o auxílio-doença e a reabilitação profissional. Além do PL 2.567/2011, existem outros 15 projetos tramitando no Congresso, que versam sobre melhorar as condições do aposentado que continua a exercer atividade empregatícia.

Sobre a iniciativa do legislativo em inserir matéria disciplinadora da desaposentação na legislação brasileira, Wladimir Novaes Martinez adianta-se ao fato e reitera seu posicionamento ao afirmar que, os projetos de regulamentação da desaposentação baseiam seus estudos e suas razões em consideração singela: se a desaposentação atende ao interesse público e não prejudica terceiros, não admiti-la representa retrocesso como técnica de proteção social (2009, p. 162).

Esse interesse em positivar o instituto da desaposentação vem para ampliar e desmistificar a natureza desse instituto dentro da sociedade jurídica brasileira, mostrando a viabilidade do mesmo, que tem por finalidade intrínseca dissolver qualquer injustiça causada pela cobrança da contribuição previdenciária ao aposentado ainda ativo, que não consegue renunciar a esse direito em busca de outro que lhe assegure mais vantagens, exatamente por tal direito não estar disciplinado em nenhum dispositivo legal que seja suficientemente capaz de lhe habilitar para tanto.


5 CONCLUSÃO

Partindo do pressuposto de que a Previdência Social brasileira foi criada como instrumento de efetivação de direitos sociais, exige-se a partir dela um aperfeiçoamento cada vez maior no que se refere ao cumprimento fiel desses direitos. Essa premissa surge diante do fato de que o Direito evoca para si e para o campo jurídico fatos sociais relevantes, como exemplo, o tema abordado por esse trabalho.

O Direito Previdenciário, em particular, é marcado por ter alavancado grandes mudanças no cenário jurídico e social no Brasil, através de reinvindicações por parte dos trabalhadores e até por parte do próprio Estado ao longo do tempo foram sendo delineados padrões e limites quanto às leis trabalhistas, por conseguinte, as leis previdenciárias.

Essas reformas foram necessárias para que se chegasse ao parâmetro existente nos dias atuais. No entanto, outras reformas são imprescindíveis para a evolução desses direitos, uma delas é justamente a inclusão da Desaposentação no ordenamento jurídico brasileiro. Essa inclusão virá como forma de acalmar os ânimos doutrinários e jurisprudenciais que tanto divergem a esse respeito, mas que concordam em um aspecto, o da necessidade de uma posição vociferante do legislativo perante essa questão. De maneira mais indubitável, é clara e justa a importância desse instituto para o aposentado que se vê obrigado a contribuir para um determinado sistema previdenciário sem que possa fazer uso de suas contribuições atuais para ensejar nova aposentadoria mais benéfica, pois não há legislação que discipline essa situação.

Os princípios constitucionais vigentes apontam para uma aceitação do fenômeno chamado Desaposentação e sua legalidade, acordados substancialmente pela opinião doutrinária majoritária, onde até a opinião dentro dos tribunais tem se mostrado favorável.

A Desaposentação já foi reconhecida como direito patrimonial disponível, o que significa dizer que, a renúncia a aposentadoria é cabível sem que haja nenhuma afronta a lei vigente. Nesse certame, o ato jurídico perfeito é respeitado, haja vista a segurança jurídica do fato atribuída ao instituto que também é devidamente respeitada. Vale salientar que, a proteção ao instituto do fato jurídico perfeito é feita visando desconstituir qualquer prática abusiva do Estado contra o direito adquirido do cidadão, o que não significa que o próprio cidadão esteja impedido de lutar para conseguir condições de vida mais dignas. É o que acontece no caso de desaposentar-se.

Incontestável a decisão de que, a restituição dos valores quando do acontecimento da desaposentação não é devida, visto que a parcela pecuniária recebida pelo aposentado em razão da primeira aposentadoria tem natureza alimentar. Além de que, é de acordo jurisprudencial o fato de que o direito a desaposentar não possui efeito retroativo que tenha capacidade suficiente de tornar essa devolução obrigatória.

O STJ conclui, de forma acertada, ao enfrentar matéria de desaposentação em recurso repetitivo submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial 1.334.488/SC), fixando entendimento pela desnecessidade da devolução de valores recebidos da aposentadoria a que se renuncia como condição para recebimento do novo benefício.

Ademais, o equilíbrio atuarial e financeiro do sistema da Previdência Social não será afetado de forma prejudicial com o acolhimento da desaposentação pelo ordenamento jurídico pátrio. O aposentado que volta ou continua a exercer atividade empregatícia continua a financiar a previdência, sem que altere ou cause nenhum tipo de caos ou prejuízo, apenas o reembolso do seu próprio esforço laboral. Nessa vertente, a compensação de valores restou-se necessária quando há transmudação de regimes advinda da desaposentação, justamente por integrar parte importante do já referido equilíbrio atuarial e financeiro.

Pôr fim, a viabilidade da segunda aposentação do trabalhador já aposentado que renunciou a esse direito apresenta-se plena e irrefutável, todavia, aguarda-se decisão do o Supremo Tribunal Federal quanto o mérito da desaposentação, apesar de já reconhecida repercussão geral sobre o tema.


Notas

[1] “Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

[2] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11a. ed. Niterói: Impetus, 2008, p. 4.

[3] “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e igualitária; (...)”

[4] HORVARTH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 11.

[5] KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 6. ed. ampl. e atual. até 2009. Salvador: JusPovdum, 2009, p. 23.

[6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm Acesso em 27 de Jan. 2014.

[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm Acesso em 28 de Jan. 2014.

[8] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11.a ed. Niterói: Impetus, 2008, p. 58.

[9] BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho (10ª. Região). Remessa Oficial em Contrato de Trabalho nº. 00345-2007-003-10-00-2/DF. 1ª Turma. Relatora: Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos. Julgado em 17 de dezembro de 2007. Disponível em: http://trt-10.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8765731/recurso-ordinario-ro-345200700310002-df-00345-2007-003-10-00-2/inteiro-teor-13840016 Acesso em: 12 de Jan. 2014.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988, p. 255.

[11] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm Acesso em 28 de Jan. 2014

[12] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – Novos Dilemas. Disponível em: http://www2.trf4/upload/editor/rlp_FZI_Desaposentacao_novos_dilemas.pdf Acesso em 18 de fev. 2014.

[13] CASTRO, Alberto Pereira e. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 488.

[14] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 71.

[15] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – Novos Dilemas. Disponível em: http://www2.trf4/upload/editor/rlp_FZI_Desaposentacao_novos_dilemas.pdf Acesso em 18 de fev. 2014.

[16] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 30.

[17] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. Coor. Por Pedro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 326.

[18] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – Novos dilemas. Disponível em: http://www2.trf4/upload/editor/rlp_FZI_Desaposentacao_novos_dilemas.pdf Acesso em: 18 de Fev. 2014.

[19] MARTINEZ, Waldimir Novaes. Desaposentação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 233.

[20] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm Acesso em 28 de Jan. 2014.

[21] ARAÚJO JR, Júlio José. Mais algumas reflexões sobre a desaposentação. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21126/mais-algumas-reflexoes-sobre-a-desaposentacao#ixzz2va3HaeW6> Acesso em: 10 de Mar. 2014.

[22] BRASIL, Tribunal Regional Federal (3ª. Região). Agravo legal em Apelação Cìvel nº 0015080-11.2010.4.03.6183/SP. Relator: Desembargador Federal Walter do Amaral. Julgado em 7 de maio de 2013. Disponível em: http://web.trt3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/2368086 Acesso em 17 de Jan. 2014.

[23] Segundo Martinez, na desaposentação, conforme o caso, o órgão gestor teria de reaver parte dos valores pagos para estar econômica e financeiramente apto para aposentá-lo adiante ou poder emitir a CTC.

[24] BRASIL, Tribunal Regional Federal (1ª. Região). Apelação em Mandado de Segurança nº. 0045604-79.2011.4.01.3800/MG. Relator: Desembargador Federal Kassio Nunes Marques. Julgado em 13 de março de 2013. Disponível em: http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php Acesso em: 21 de Jan. 2014.

[25] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental REsp 1.314.671 PR 2012/0055719-5. 2ª Turma. Ministro-Relator: Herman Benjamin. Julgado em: 21 de maio de 2013. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23329997/embargos-de-declaracao-no-agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-edcl-no-agrg-no-aresp-154476-pr-2012-0066299-5-stj/inteiro-teor-23329998 Acesso em: 28 de Set. 2013.

[26] BRASIL. op. cit.

[27] SANTOS, Marisa Ferreira. Direito previdenciário esquematizado. Coor. Por Pedro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 45.

[28] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11.a ed. Niterói: Impetus, 2008, p. 75.

[29] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 20.



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