Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/3151
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da propriedade industrial e intelectual

Da propriedade industrial e intelectual

Publicado em . Elaborado em .

Introdução

            O mundo tem passado por incríveis transformações tecnológicas nas últimas décadas. As conquistas na medicina, na informática, etc., contrastam, infelizmente, com inúmeros avanços na área bélica.

            É o antagonismo existencial humano, que de um lado busca novas soluções para trazer a vida e por outro, novas técnicas para matar.

            Seja como for, o que se nota no mundo hodierno é que o saber ocupa um lugar proeminente. E o saber criativo, ou seja, aquele capaz de transformar matérias existentes em novas, sistemas existentes em novos processos, os quais tornem empresas mais ágeis e competitivas.

            Logo, a proteção para as atividades criativas na área industrial assumiu papel de suma importância para o desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o fenômeno da globalização. Ou seja, a globalização vem dar um novo impulso a questão da propriedade industrial, sobretudo por ter acentuado o fenômeno da concorrência industrial, pois, com a abertura das economias nacionais, novos mercados de consumo se abrem para a atuação desses conglomerados empresariais.

            Assim, adverte Octávio Ianni (1):

            "A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades".

            E mais:

            "A emergência das cidades globais é bem um produto e uma condição do modo pelo qual se dá a dispersão das atividades econômicas pelo mundo. Na mesma medida em que se movimentam e dispersam as empresas, corporações e conglomerados, promovendo uma espécie de desterritorialização das forças produtivas, verifica-se uma simultânea reterritorialização em outros espaços, uma concomitante polarização de atividades produtivas, industriais, manufatureiras, de serviços, financeiras, administrativas, gerenciais, decisórias" (2).

            O Brasil não ficou de fora. Há muito nosso país vem participando dos eventos internacionais referentes à proteção da propriedade intelectual.

            Fomos uma das nações fundadoras da chamada Convenção de Paris, que no século XIX começou a traçar pontos importantes para a defesa da propriedade intelectual e industrial.

            O que buscaremos neste trabalho, é delinear questões pertinentes à propriedade industrial e suas conseqüências para a livre iniciativa e concorrência empresarial.

            Partindo-se de uma análise dos institutos da patente e das marcas, veremos como a proteção dos mesmos é de suma importância para o desenvolvimento econômico, científico e social do Brasil.

            Veremos, outrossim, como há profunda relação entre a proteção da propriedade industrial, a globalização e o acirramento da competitividade industrial, com o Estado neo-liberal brasileiro promovendo a edição de normas que visam coibir a concorrência desleal, em prol de um harmônico desenvolvimento da economia de nosso país.


1. Propriedade intelectual

            1.1. Introdução

            A ciência tem produzido avanços espetaculares, sobretudo nos últimos 50 anos, quando o saber humano deu um salto gigantesco, comparado a todo o resto da História do homem na terra.

            Diuturnamente, somos assombrados por descobertas científicas, que nos fazem reformular conceitos e rever valores que em face dos avanços acabam por se tornando anacrônicos.

            Luiz Otávio Pimentel escreveu com muita propriedade:

            "Hoje, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às atividades econômicas produz impacto na sociedade, devido aos avanços tecnológicos das últimas décadas – esses superaram tudo o que o homem havia acumulado ao longo da sua existência no planeta em termos de conhecimentos, com toda a gama de conseqüências que transformam cotidianamente as vidas e o comportamento das pessoas" (3).

            Ora, em toda a história do homem, o saber sempre foi instrumento de produção de riqueza e dominação. Aquele que detinha a ciência, detinha o poder.

            E isto decorre do fato de que o homem busca a satisfação de suas necessidades básicas. Ele quer satisfazer aquilo que lhe é inerente como ser vivo e como ser pensante.

            Neste sentido, Luiz Otávio Pimentel escreveu:

            "A economia trata dos fenômenos da produção, da circulação e do consumo das riquezas. Faz parte do espaço social por que o homem desenvolve atividades objetivando a satisfação das suas necessidades dentro de uma sociedade e com a ajuda direta ou indireta desta" (4).

            De uma outra forma, recorrendo ao pensamento de Hobbes, o homem busca na sociedade (ou Estado), a segurança para o desenvolvimento de atividades que lhe tragam a satisfação de suas necessidades elementares (5).

            Mas como se deu essa busca do homem pela satisfação de suas necessidades?

            Inicialmente, pela sua relação com a natureza. Segundo Walter Brasil Mujalli (6) "Após séculos de evolução, o homem, aprendeu a conhecer melhor a natureza".

            Deste modo, o homem descobriu que poderia dar nova destinação aos materiais encontrados na natureza. Viu, por exemplo, que poderia usar um pedaço de madeira para construir uma canoa.

            A partir de então, o homem começou a realizar transformações nas matérias que encontrava na natureza, de forma a adquirir conhecimentos a posteriori, ou seja, conhecimentos adquiridos com a experiência.

            Esta categoria de conhecimentos é que foi o responsável pela distinção de poder entre os homens. Aquele que possuía maiores técnicas de transformação dos materiais naturais, tinha maior domínio e conseqüentemente riqueza, fato este que segundo Leonardo Boff, foi responsável por levar o mundo hodierno a uma crise social. Escreveu Leonardo Boff (7):

            "Em primeiro lugar, a crise social. Os indicadores são notórios e não precisamos aduzi-los. A mudança da natureza da operação tecnológica, mediante a robotização e a informatização, propiciou uma produção fantástica de riqueza. Ela vem apropriada de forma altamente desigual, por grandes corporações transnacionais e mundiais que aprofundam ainda mais o fosso existente entre os ricos e pobres".

            Ora, se o conhecimento traz poder. Necessitou o homem criar uma forma de proteção de novas tecnologias. Aí surgiu uma contra questão: como se proteger uma propriedade abstrata e incorpórea, oriunda do mundo das idéias, do intelecto.

            Surge, então a noção de propriedade intelectual, visando dar proteção as expressões criativas do homem, sobretudo aquelas pertinentes ao campo industrial e comercial.

            Escreveu Lucas Rocha Furtado (8):

            "A complexidade do sistema industrial moderno, a velocidade dos avanços tecnológicos e, acima de tudo, o imperativo de colocar ao alcance de todos os segmentos sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, impõem uma perfeita compreensão dos mecanismos disciplinadores da propriedade intelectual. Esta compõe-se de novas idéias, invenções e demais expressões criativas, que são essencialmente o resultado da atividade privada. A maturação de novas tecnologias, traduzidas em valores de comércio cada vez mais expressivos, passaram a demandar novas formas de proteção a esses produtos que são, por definição, intangíveis".

            1.2. Propriedade intelectual: Conceito

            Primeiramente, partiremos do conceito de propriedade, para posteriormente chegarmos ao conceito de propriedade intelectual.

            O Código Civil Brasileiro não traz um conceito de propriedade, limitando-se somente a enumerar os poderes do proprietário. Neste sentido, o artigo 524, caput, prescreve de forma clara, in verbis:

            "art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua".

            Ou seja, a propriedade pressupõe o jus utendi, o jus abutendi, o jus fruendi e a reivindicatio.

            Igualmente o Código Civil Espanhol no artigo 348 traz a seguintes prescrição, in verbis:

            "art. 348. La propiedad es el derecho de gozar y disponer de una cosa, sin más limitaciones que las establecidas en las leyes. El propietario tiene acción contra el tenedor y el poseedor de la cosa para reivindicarla".

            O Codice Civile da Itália, traz no artigo 832, in verbis:

            "Art. 832 Contenuto del diritto Il proprietario ha diritto di godere e disporre delle cose in modo pieno ed esclusivo, entro i limiti e con l´osservanza degli obblighi stabiliti dall´ordinamento giuridico."

            O que se conclui dos dispositivos supramencionados é que a propriedade é um direito, e por isso, merecedor de proteção legal. Mas não só isso: é um direito de gozar e dispor do bem de modo pleno e exclusivo, dentro dos limites estabelecidos pela lei.

            Em outras palavras, podemos definir a propriedade como o direito de, atuando nos limites estabelecidos pela lei, usar, gozar e dispor do bem, seja ele corpóreo ou incorpóreo, além de reavê-lo de quem o detiver ou possuir injustamente.

            E a propriedade intelectual, o que é? Walter Brasil Mujalli (9) assim a definiu:

            "Esta corresponde ao produto do pensamento e da inteligência humana, que também tornou-se com o passar dos tempos, objeto da propriedade industrial. A propriedade intelectual é o esforço dispendido pelo ser humano, voltado à realização de obras literárias, artísticas e científicas, como também, é o direito autoral".

            Ou seja, a propriedade intelectual diz respeito a um direito pessoal, o qual é absolutamente inerente ao ser humano, haja vista ser afeto à sua própria capacidade pensante, reflexo de sua própria natureza, estando, por assim dizer, voltada às necessidades espirituais do homem.

            Também, pertinente o magistério de Luiz Otávio Pimentel (10):

            "As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominadas genericamente de propriedade imaterial ou intelectual, dividida em dois grandes grupos, no domínio das artes e das ciências: a propriedade literária, científica e artística, abrangendo os direitos relativos às produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo da indústria: a propriedade industrial, abrangendo os direitos que têm por objeto as invenções e os desenhos e modelos industriais, pertencentes ao campo industrial".

            Também, Juan M. Farina (11) traz importante lição sobre a propriedade intelectual:

            "Toda exteriorizacíon de un pensamiento puede ser considerada producto intelectual, pues es resultado de la actividade mental de su autor quien crea – mediante la aplicación de la inteligencia humana – ideas, conceptos y expresiones que adquiren realidad de por sí, y que generalmente se exteriorizan en la materia que le da sustento o en la que se plasma. Cuando estos productos intelectuales están protegidos por la tutela que les brinda la ley se convierten en propriedad intelectual o derecho intlectual".

            Para Deocleciano Torrieri Guimarães a propriedade intelectual ou imaterial é um direito sobre coisas corpóreas, ou seja, "pertinentes a produções intelectuais do domínio literário, científico, artístico, bem como àqueles que têm por objetivo invenções, desenhos e modelos industriais" (12).

            Posição esta que não concordamos, haja vista, a propriedade intelectual referir não a "bens corpóreos", haja vista, a propriedade intelectual trata da propriedade sobre a criação, idéia, que é conceito abstrato. Uma obra literária é somente a exteriorização do esforço intelectual desprendido pelo autor (13).

            No direito pátrio, a Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, prescreve em seu artigo 7.º, caput, o que são obras intelectuais, in verbis:

            "Art. 7.º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como".

            Deste modo, deixou patente o legislador brasileiro que a propriedade intelectual refere-se "as criações do espírito".

            1.3. O direito autoral

            Tem-se, basicamente, três teorias sobre a natureza jurídica do direito autoral. Para Gierke, o direito autoral é pertencente a personalidade do autor, sendo, portanto, um direito de natureza pessoal.

            Outra teoria vê no direito autoral, um mero monopólio concedido aos autores, para desenvolvimento das artes, ciência, etc.

            Para Kohler, porém, o direito autoral é um tipo de propriedade especial, sendo esta a tendência adotada pela legislação brasileira, conforme afirmou Maurício Lopes de Oliveira para o qual "O legislador pátrio conceituou o direito autoral como propriedade imaterial, o incluindo no direito das coisas" (14).

            Segundo Lucas Rocha Furtado (15), o Direito autoral teve sua evolução a partir da constatação de que se era possível multiplicar rapidamente as cópias. Como desenvolvimento tecnológico, portanto, sobretudo com o aparecimento de copiadores, houve uma rápida disseminação de cópias de trabalhos artísticos, literários e científicos, de modo a lesar o direito daqueles que haviam, intelectualmente produzido tal obra.

            Ora, o homem, diferentemente de outros animais possui um senso criativo, como formar de exteriorizar, mediante obras artísticas, literárias, científicas, invenções, etc., o poder de seu intelecto racional, sendo portanto, um direito inerente seu o de decidir qual o destino que ele queira dar a obra.

            A Lei n.º 9.610/98, ao tratar dos direitos do autor preconiza no artigo 22 pertencerem ao autor tantos os direitos morais como os patrimoniais da obra que criou. E, tratando dos direitos morais do autor, o artigo 24, em seus incisos, cita os seguintes: o de conservar a obra inédita (inciso III), o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada (inciso V) e o de retirar de circulação a obra ou mesmo suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização estiverem afrontando sua reputação e imagem (inciso VII).

            Por isso, o artigo 27 da Lei n.º 9.610/98, prescreve, in verbis:

            "Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis".

            Já, no seu aspecto patrimonial, a Lei n.º 9.610/98 prescreve de maneira clara no artigo 28, in verbis:

            "Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica".

            No presente dispositivo, vê-se de forma límpida a orientação do legislador brasileiro em considerar o direito autoral como uma espécie do direito de propriedade, ao enumerar os poderes da propriedade, inclusive não se comunicando, salvo pacto antenupcial em contrário (artigo 39, Lei n.º 9.610/98).

            1.4. Mask works

            Por "mask works" entende-se criações novas, as quais se submetem a um regime peculiar de proteção. Segundo Lucas Rocha Furtado (16), "Seu conceito situa-se entre o de direito autoral e o de patentes".

            "Seu reconhecimento como objeto de proteção de propriedade intelectual é recente e evoluiu a ponto de criar uma nova categoria protetiva. Este processo está ocorrendo em ritmo febril, ainda não existindo sequer um consenso sobre sua denominação. Ora é denominado mask works, ora layout-projeto, chip ou ainda, layout-projeto de semicondutor" (17).

            Este conceito nasceu nos Estados Unidos, na Lei de Proteção às Pastilhas Semicondutoras, de 1984, sendo que, de acordo com a mesma, a proteção é dada a qualquer layout-projeto original incorporado em uma pastilha semicondutora de circuito integrado.

            1.5. A propriedade intelectual no GATT

            O GATT é o chamado "Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio". Este, teve como desiderato principal, a liberalização do comércio internacional.

            Sua iniciativa deu-se no ano de 1946, ocasião em que o Conselho Econômico e Social da ONU convocou a Convenção Internacional sobre Comércio e Emprego, a qual se reuniu em 1947, na cidade de Havana, Cuba.

            Nesta época imperava as idéias de Keynes, o qual, dentre outras, expunha uma teoria do ciclo econômico.

            "A tese central defendida por Keynes é a seguinte: ‘o ciclo econômico deve, de preferência, ser considerado como o resultado de uma variação cíclica na eficiência marginal do capital, embora complicado e freqüentemente agravado por modificações que acompanham outras variáveis importantes do sistema econômico no curto prazo’" (18).

            Foi neste contexto que foi feita a Convenção Internacional sobre Comércio e Emprego, a qual, todavia, não prosperou por razões de ordem política, tendo em vista nesta época haver o início da Guerra Fria.

            Porém, estava aberto o caminho para a formação do GATT (19), que alcançou acordos importantes, tais como a proibição de prática desleal do tipo dumping, os subsídios e as distorções do mercado.

            Com respeito a propriedade intelectual, foi ela incluída no GATT, devido ao fracasso das medidas unilaterais e bilaterais entre os EUA e a União Européia, o que forçaram aqueles a buscarem uma solução multilateral, a qual como conseqüência, elevou o nível de proteção da propriedade intelectual, o que se deu com o tratamento do problema como uma "prática desleal no âmbito do GATT, com o pressuposto de que a falta de proteção acarreta a concorrência desleal" (20).

            Outro fator que levou a inclusão da propriedade intelectual no GATT foi devido a insatisfação dos países mais ricos em conseguir junto à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), órgão especializado da ONU, uma efetiva proteção para a propriedade intelectual.

            Algumas desvantagens foram apontadas para o tratamento das questões da propriedade intelectual no âmbito do GATT, tais como a falta de pessoal qualificado, o que abundava na OMPI.

            Todavia, os aspectos positivos foram mais fortes, sobretudo no que diz respeito a uma menor probabilidade de enfrentamento entre blocos de países ricos contra os menos industrializados, fato este sempre presente na OMPI.


2. Propriedade industrial

            2.1. Surgimento da propriedade industrial

            Como vimos, desde o surgimento do homem na Terra, pode-se, outrossim, falar em aparecimento da capacidade criadora do homem.

            Segundo Lucas Rocha furtado (21), do direito criador somente foi ser percebido pelo homem, quando ele foi capaz de reproduzir em grande escala as suas produções intelectuais.

            De início o homem transformava, na natureza, os materiais necessários à sua subsistência. Bastava para a satisfação das suas necessidades básicas.

            Com o passar do tempo, o desenvolvimento dos agrupamentos sociais primitivos, percebeu o homem que não poderia obter da natureza tudo aquilo que precisava. Observou, ainda, que algumas das coisas que necessitava, as tinha em excesso.

            Foi então, que surgiu-lhe a idéia de troca e, com esta começou-se a surgir "especialistas" em determinado produto.

            Seja com for, o homem já tinha noção de seu poder criativo, desde os primórdios.

            Com o término da Idade Média, figuras como Leonardo da Vinci, mostravam extraordinária capacidade de criação (22).

            Veio a imprensa com Guttemberg, a qual possibilitava a rápida difusão de idéias, haja vista o poder de multiplicar exemplares.

            Todavia, com a Revolução Industrial, quando deu-se a passagem do sistema artesanal para o industrial é que a humanidade percebeu que a criação representava riqueza. Isto foi percebido pela novel indústria inglesa. Tratando deste assunto, Leo Huberman (23), traz-nos preciosa lição:

            "Não só se estimulava a indústria pelos prêmios e pelas tarifas elevadas, como também se procurava, de todos os modos possíveis, atrair trabalhadores estrangeiros habilidosos, capazes de introduzir no país novos ofícios e novos métodos". (grifamos)

            E mais:

            "Assim como os estrangeiros cujos conhecimentos seriam úteis à indústria deviam ser protegidos, também os inventores de novos processos eram amparados pelo govêrno. Quando Jehan de Bras de Fer inventou um nôvo tipo de moinho, em 1611, o govêrno concedeu-lhe monopólio por 20 anos, semelhante às patentes de hoje" (24).

            Foi, porém, muitos antes da Revolução Industrial, no ano de 1236, na França, que se tem notícia do primeiro caso de proteção da propriedade industrial, quando, na cidade de Bordeux, foi concedido a Bonafusus de Sancta e Companhia um privilégio exclusivo, por 15 anos, para tecer e tingir tecidos de lã, segundo o método flamengo (25).

            Essas "patentes" concedidas na Europa, até o século XVII eram simples privilégios, os quais estavam vinculados a critérios políticos de conveniência e oportunidade. Somente com a Revolução Industrial é que essa forma de proteção se tornou necessária, culminando com a Convenção de Paris, reunida pela primeira vez em 1883, tendo como desiderato a tentativa de harmonização internacional do sistema de propriedade industrial.

            Esta convenção, no artigo 1.º, número 2, prescreve, in verbis:

            "Art. 1.º

            (...)

            2. A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal".

            2.2. O Brasil e a propriedade industrial: Evolução constitucional

            O Brasil foi um dos 14 países signatários da primeira Convenção de Paris, existindo um precedente histórico no País.

            "Já em 28 de janeiro de 1809, o Príncipe Regente promulgou um alvará concedendo privilégio de invenção, o qual está sujeito a dois requisitos: novidade e utilização" (26).

            Foi, porém, com a Constituição Brasileira de 1824, que houve a primeira menção, no ordenamento jurídico pátrio de proteção à propriedade industrial. O art. 179, inciso XXVI, assim prescrevia, in verbis:

            "Art. 179.

            (...)

            XXVI – os inventores terão propriedade de suas descobertas ou das produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo e temporário ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização".

            Esta norma constitucional foi regulamentada pela Lei 1830.

            A Constituição de 1891 manteve a garantia de privilégio aos inventores (27), com a Constituição de 1934 mantendo praticamente inalterado a redação do texto anterior (28).

            A Constituição de 1937 não trouxe qualquer referência expressa aos direitos do inventor.

            A Constituição de 1946 voltou a dispor de forma expressa sobre os inventos industriais. Neste sentido, o artigo 141, § 17 trazia prescrição.

            Comentando este dispositivo, o mestre Pontes de Miranda (29) afirma:

            "O princípio do § 17, oriundo de 1824 e de 1891, tem duplo fito: reconhecer que os inventos industriais representam esforços, que merecem ser recompensados; salvaguardar o lado social da invenção, permitindo que o Estado vulgarize, mediante a paga de prêmio justo, isto é, de acôrdo com o valor do invento e dos gastos que forem de mister".

            A Constituição de 1967 trouxe no artigo 150, número 24, garantias ao direito do inventor (30).

            Por fim, a Carta Política de 05 de outubro de 1988, no artigo 5.º, inciso XXIX, trouxe a seguinte prescrição, in verbis:

            "Art. 5.º

            (...)

            XXIX – A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".

            2.3. O instituto nacional de propriedade industrial

            2.3.1. Conceito e finalidade

            O Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI é uma autarquia federal, que possui a incumbência de conceder privilégios e garantias à todos aqueles que efetuem o registro de suas marcas e invenções no âmbito do País.

            Neste sentido, o artigo 2.º da Lei n.º 5.648, de 11 de dezembro de 1970, com a redação dada pela Lei n.º 9279/96, prescreve a finalidade do INPI, in verbis:

            "Art. 2.º o INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial".

            Ainda, a Lei n.º 9.279/96 traz no artigo 226, incisos I a III sobre os atos administrativos do INPI referentes à propriedade industrial. Prescreve essa norma, in verbis:

            "Art. 226 Os atos do INPI nos processos administrativos referentes à propriedade industrial só produzem efeitos a partir de sua publicação no respectivo órgão oficial, ressalvados:

            I – os que expressamente independerem de notificação ou publicação por força do disposto nesta Lei;

            II – as decisões administrativas, quando feita notificação por via postal ou por ciência dada ao interessado no processo; e

            III – os pareceres e despachos internos que não necessitem ser do conhecimento das partes".

            Ou seja, tem-se em regra que os efeitos dos atos administrativos do INPI só se darão com a efetiva publicação.

            2.3.2. Importância

            Como vimos o INPI é o órgão estatal regulador da propriedade industrial no Brasil. Ora, no mundo capitalista moderno, onde o capital assume importância primordial e, por outro lado, tecnologia é sinônimo de capital, a existência e atuação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial é de grande valia para as relações econômicas.

            Segundo Walter Brasil Mujalli (31), "Esse instituto tem como objetivo, regular a propriedade industrial em função de seu caráter social, técnico, jurídico e econômico", de forma a, por outro lado, resguardar o direito do próprio desenvolvimento econômico do país.

            E mais:

            "O princípio da prioridade, fundamental nessa matéria, decorre do fato de que aquele que deposita pedido de patente por uma invenção, modelo ou desenho junto ao órgão administrativo competente – no caso brasileiro, o INPI – goza de relativos direitos a partir da formulação do pedido, com prioridade sobre os que sucessivamente apresentem pedido análogo" (32).

            Todavia é importante esclarecer que a atividade administrativa do INPI não tira o direito de acesso ao Judiciário para a solução de questões pertinentes a propriedade industrial.

            Aliás, deve-se mencionar o princípio do amplo acesso ao Judiciário, exarado na Constituição Federal, artigo 5.º, inciso XXXV. Neste sentido, a decisão abaixo transcrita é bem elucidativa:

            "DIREITO COMERCIAL – MARCAS E PATENTES – DIREITO AO USO EXCLUSIVO DE NOME – PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO E CARÊNCIA DE AÇÃO – ART. 5º, INC. XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – A hipótese trata do direito ao uso do nome "Gideões", sendo que duas entidades, uma norte-americana e uma brasileira, asseveram assistir-lhes o direito exclusivo do uso do nome, em vista de serem as precursoras, em âmbito nacional, da prestação de trabalhos atinentes a atividades religiosas. Improcedem as preliminares suscitadas pela segunda apelante. A de carência de ação, ante à natureza das atividades exercidas pelas ora apeladas, estando assim protegidas pelos arts. 8º da Convenção de Paris, e 5º, XXIX, da Constituição Federal. A de prescrição em vista do que estatui a Súmula nº 106, do Superior Tribunal de Justiça. É sabido que o nome das sociedades civis é equiparado, para fins de proteção, aos nomes comerciais, sendo inclusive, tal norma disciplinada pela Constituição Federal, art. 5º, XXIX. Resta assim evidente que o direito pretendido encontra respaldo não só nos dispositivos da Convenção de Paris – art. 8º –, como também no art. 124, V, do atual Código da Propriedade Industrial – Lei nº 9.279/96 – que assegura a exclusividade do registro da marca. Desassiste razão às assertivas do INPI, já que a Constituição Federal – art. 5º, XXXV –, não afasta da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito, sendo sempre admissível a análise dos atos e procedimentos administrativos de qualquer espécie. Recurso do Instituto Nacional de Propriedade Industrial improvido. Recurso de Gideões Missionários da Última Hora – GMUH improvido. (TRF 2ª R. – AC 97.02.07233-6 – RJ – 1ª T. – Rel. Juiz Ricardo Regueira – DJU 25.04.2000)" (grifo nosso).

            O INPI, portanto, mediante medidas objetivas, busca acelerar e regular a transferência de tecnologia, dando melhores condições de negociação, utilização de patentes. Cabe-lhe, ainda, o pronunciar sobre a conveniência, tratados, convênios, acordo e denúncias sobre a propriedade industrial.

            2.4. Patentes

            Por patente, entende-se um privilégio temporário, que o Estado concede para uma pessoa, seja ela física ou jurídica, devido a criação de algo novo, e que, ainda, seja suscetível de trazer benefícios à sociedade.

            Note-se que a patente diz respeito a um evento original. Neste sentido, Juan M. Farina (33), ao tratar da propriedade intelectual traz preciosa lição:

            "Pero esta creación debe ser original, es decir, há de plasmar una idea o concepción propia (...); la originalidad há de entenderse en un sentido relativo, pues toda creación humana es, en definitiva, un resultado – en una forma u outra – de la cultura de la humanidad".

            Tamém, Luiz Otávio Pimentel, tratando sobre a patente mundial afirma que a mesma pode ser outorgada para toda e qualquer invenção, seja de produto ou processo, pertencente a qualquer campo da tecnologia, havendo porém algumas exceções, devendo haver a novidade, a atividade inventiva e a suscetibilidade de aplicabilidade industrial (34).

            O acordo ADPIC veio exigir de seus signatários que outorguem proteção através de patente para todos os campos da tecnologia, sem qualquer discriminação, devendo, portanto, serem excetuadas aquelas que afetam plantas e animais (vide Acordo ADPIC artigo 27, 1).

            Sobre a patente, a Lei n.º 9279/96 traz semelhante prescrição no artigo 8.º, in verbis:

            "Art. 8.º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial".

            Deste modo, não basta que alguém se considere inventor ou autor de algum modelo. Se não houver os requisitos da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, não haverá como ser considerável de utilidade patenteável.

            Em outras palavras, ao se dizer que a invenção é inovadora, está se perquerindo se a mesma não se tornou acessível ao público "antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou por qualquer outro meio, no Brasil ou no Exterior" (35).

            Quando diz-se que a invenção é resultado de atividade inventiva, aufere-se que a forma de criação não seja uma decorrência óbvia do estado da técnica para um especialista qualquer no assunto ou tema.

            E, por fim, a questão da aplicação industrial envolve o fator de que a invenção e o modelo de utilidade devem ser suscetíveis de utilização ou reprodução em qualquer tipo de indústria, "até emsmo agrícola, extrativista ou de produtos manufaturados" (36).

            O Tribunal Regional Federal, 3.ª Região, em julgamento recente decidiu:

            "PATENTES – PATENTEABILIDADE – REQUISITOS – LEI Nº 5.772/71 – ARTS. 5º E 6º – NOVIDADE – NÃO-COMPREENSÃO NO ESTADO DE TÉCNICA – QUESTÃO DE FATO – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA – I – Os requisitos da patenteabilidade, previstos na legislação de regência, são a novidade e a suscetibilidade de utilização industrial. II – A novidade implica que a invenção e o modelo de utilidade não podem estar compreendidos no estado da técnica, isto é, não devem previamente estar exteriorizados para o acesso ao público, seja por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio mo Brasil e no exterior. III – A aferição do requisito é matéria fática, cujo deslinde depende de dilação probatória. IV – Inadmissibilidade da concessão de tutela antecipada para fins de anulação da patente, anteriormente ao regime probatório pleno. V – Agravo improvido. (TRF 3ª R. – AI 96.03.036051-1 – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Aricê Amaral – DJU 20.10.2000 – p. 619)".

            Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu a seguinte decisão:

            "INVENTO INDUSTRIAL – Não originalidade, já que existentes no mercado modelos similares, portanto, não compreendido pelo estado de técnica – Art. 6 § 1º, do código de propriedade industrial. Um invento industrial só e novo, portanto, passível de patenteamento, quando original. Ou seja, apresenta características e configuração ornamentais ineditas; e imprima ao produto aspecto original próprio e distinto, que o singularize de produtos similares; isso e, não esteja compreendido pelo estado da técnica, constituído por tudo o que já e acessível ao público, ou de domínio público. Ação de indenização por uso indevido de produto patenteado junto ao inpi, julgada improcedente em instância inicial. Desprovimento do apelo do autor, por não caracterizado o indevido ou ilícito uso de invento. (TJRS – AC 597095165 – RS – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Osvaldo Stefanello – J. 08.04.1998)" (grifo nosso).

            O artigo 9.º da Lei n.º 9.279/96 traz seguintes prescrição, in verbis:

            "Art. 9.º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação".

            O sobredito dispositivo fala em "modelo de utilidade". Ou seja, o modelo de utilidade é aquele que tem aplicação industrial. Isto porque, existem modelos de utilidade não patenteáveis. Afirma Irineu Strenger (37):

            "Genericamente, a lei veda o ingresso de invenções que sejam atentórias à moral, os bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas.

            Constitui essa proibição matéria que entra no conceito genérico de ordem pública interna, mas que não elenca, e nem o pode fazer, o que ofende a moral, os bons costumes etc., ficando-se, então, à mercê de juízos subjetivos da autoridade administrativa e quiçá judiciária".

            Na Argentina, a Lei n.º 24.572 que trata sobre as patentes, prescreve no artigo 53 sobre o modelo de utilidade, in verbis:

            "Art. 53. Toda disposición o forma nueva obtenida o introducida en herramientas, instrumentos de trabajo, utensilios, dispositivos u objetos conocidos que se presten a un trabajo práctico, en cuanto importen una mejor utilziación en la función a que estén destinados, conferirán a su creador el derecho exclusivo de explotación, que se justificará por títulos denominados certificados de modelos de utilidad".

            O artigo 18, inciso III da Lei n.º 9.279/96 traz, por exemplo, vedação de patentes relativas ao todo ou parte de seres vivos, excepcionando, porém, os microorganismos transgênicos, que atendam aos três requisitos da patenteabilidade.

            O Código de Propriedade Industrial anterior previa, em relação aos prazos de vigência das patentes, 15 (quinze) anos para as patentes de invenção e as de modelo de utilidade, e de 10 (dez) anos para o modelo industrial e desenho industrial, sempre contados da data do depósito.

            Todavia, com o Treaty Related Aspects of Intellectual Property (TRIPs), foram adotados os prazos de 20 anos para a patente de invenção e de 15 anos para o modelo de utilidade.

            Neste sentido o artigo 40 do Código de Propriedade Industrial (CPI), prescreve, in verbis:

            "Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data do depósito.

            Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior".

            Sobre a duração da patente, há de se observar que no ADPIC foi determinado que as mesmas não tivessem duração inferior a vinte anos, prevalecendo assim, os interesses norte-americanos, haja vista países em desenvolvimento considerarem este prazo demasiadamente longo e mais, que o mesmo deveria ser diferenciado por setores tecnológicos.

            Estas propostas foram lideradas pelo Brasil e pela Índia e também, visavam condicionar a duração da patente ao seu uso efetivo no mercado nacional. Porém, tais propostas foram rejeitadas.

            Mas qual a proteção conferida pela patente?

            Isto pode ser verificado pela leitura do artigo 42 da Lei n.º 9.279/96, in verbis:

            "Art. 42. A patente confere a seu titular o direito de impedir terceiro, sem seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

            I – produto objeto de patente; e

            II – processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado".

            § 1.º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.

            § 2.º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que os eu produto foi objetivo por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente".

            É importante ter-se em mente que a proteção conferida pela patente varia de acordo com o país, devido a uma série de fatores condicionantes. Deste modo, diversos países têm limitado a proteção patentária em certos setores da indústria.

            No Brasil, por exemplo, a Lei n.º 5.772/71 traz semelhante prescrição para as indústrias do setor químico, onde eram concedidas patentes apenas para os processos e não para os produtos. Ou seja, a empresa concorrente poderia fabricar o mesmo produto, desde que usasse processo diverso do patenteado.

            Os direitos do titular da patente passam a vigorar somente após a concessão do registro, sendo que, mesmo ocorrida a publicação de seu pedido, descabe a ele impedir terceiros de praticar qualquer ato relacionado ao objeto de seu depósito. "Porém, sendo a patente concedida, os efeitos da concessão retroagem à data da publicação" (38).

            2.5. Marcas

            A marca é todo nome ou sinal hábil para ser exposto a uma mercadoria ou produto, ou ainda, a indicar determinada prestação de serviço, estabelecendo, ainda, para o consumidor ou usuário um identificação.

            O sinal ou nome não é o produto, mas sim, acresce-se a ele.

            A definição de Irineu Strenger (39) vem corroborar com o tema:

            "Considerando as disposições dos arts. 122 e 123 (...), pode-se definir a marca como todo sinal distintivo, determinado e reproduzível, usado com certa constância pelas empresas em relação a certos produtos concretos ou serviços oferecidos ao mercado, para individualizar-lhes e tornar possível sua seleção com base em uma motivação qualquer".

            Nota-se assim, a finalidade da marca em identificar o produto, sendo que, para atingir tal desiderato, deve ela ter características que permitam essa identificação. Ou seja, "marca é um sinal que adere ao produto para identificá-lo e que deve ser suficientemente característico para preencher essa finalidade".

            O Código de Propriedade Industrial (CPI) revogado dispunha, no artigo 64 sobre as marcas, in verbis:

            "Art. 64. São registráveis como marca os nomes, palavras, denominações, monogramas, emblemas, símbolos, figuras e quaisquer outros sinais distintivos que não apresentem anterioridade ou colidências com registros já existentes e que não estejam compreendidos nas proibições legais".

            Todavia, essa definição tornou-se anacrônica com a edição da Lei n.º 9279/96, que nos artigo 122 trouxe a seguinte redação, in verbis:

            "Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais".

            Deste modo, o legislador, em vez de mencionar termos específicos, adotou uma fórmula mais genérica e suscinta, não reduzindo, porém, a incidência do que deverá ser entendido como marca.

            Sobre essa definição, temos o comentário de Lucas Rocha Furtado (40):

            "A nova definição é tecnicamente mais adequada e conseguiu superar discussão que se desenvolvia em nível internacional quanto à possibilidade de registrarem-se "marcas sonoras" ou "marcas olfativas". De acordo com a nova legislação, somente será suscetível de registro aquilo que puder ser visualmente perceptível. Excluem-se, portanto, de seu âmbito de proteção, as marcas olfativas ou sonoras".

            Pertinente o comentário de Lucas Rocha Furtado, haja vista o conhecimento prosaico ver no conceito de marca, algo que seja apreendido pelo sentido da visão. O que marca algo é aquilo que se vê, e não aquilo que se ouve ou cheira.

            Por outro lado, a lei n.º 9279/96 trouxe uma inovação importante, ao incluir no rol de marcas que poderão ser registradas aquelas com três dimensões.

            A lei busca adequar-se aos avanços tecnológicos, haja vista a na legislação anterior as marcas tridimensionais poderem ser registradas somente como desenho industrial.

            Já, com a nova Lei, não há qualquer vedação para seu registro como marca e tampouco como desenho industrial.

            Com a Lei n.º 9279/96 são criadas duas novas espécies de marcas: as marcas coletivas e as marcas de certificação. As marcas de indústrias, comércio e de fábrica, as quais eram disciplinadas pelo Código de Propriedade Industrial revogado passaram a ser denominadas de produto ou serviço, sendo que elas são as marcas no sentido propriamente dito, haja vista serem sinais visualmetne perceptíveis aptos.

            Neste sentido, o artigo 123, inciso I prescreve, in verbis:

            "Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

            I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa".

            Já, as marcas de certificação não tem o desiderato de distinguir produtos ou serviços. Tem sim, o objetivo de atestar a conformidade de um produto ou serviço, com certas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada (art. 123, inciso II). Temos, por exemplo a marca da ABIC, que determina a pureza do café (41).

            A marca coletiva vem expressa no inciso III do artigo 123 da Lei n.º 9279/96, in verbis:

            "Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

            (...)

            III – marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade".

            Escreveu Irineu Strenger (42):

            "As marcas coletivas servem especialmente para a arbitrar proteção de registro para as chamadas denominações de origem, isto é, aqueles nomes geográficos com os quais se designam produtos conhecidos, como fabricados, elaborados, colhidos ou extraídos de determinado lugar e que reúnem determinadas características de qualidade".

            São nomes, portanto, que não pertencem, de forma exclusiva, a qualquer industrial podendo ser usada por todos quantos se ajustarem às normas e regulamento para tal estabelecidas, "com o fim de garantir emprego adequado e próprio, que mantenha o valor e o prestígio alcançados por tal denominação" (43).

            Ainda, faz-se mister falar das marcas de alto renome e das marcas notoriamente conhecidas.

            Sobre elas escreveu Lucas Rocha Furtado:

            "O Código de Propriedade Industrial (Lei n.º 5.772/71), em seu art. 67, utilizava a expressão "marca notória" para designar a categoria de signos cuja proteção se estendia a todos os segmentos do mercado. A Lei n.º 9.279/96 mantém o mesmo tipo de proteção. Porém, como surge em nosso direito positivo pátrio uma outra espécie de marca, internacionalmente denominada de "marca notoriamente conhecida", a fim de evitar confusão entre esta última e a denominada pelo Código de Propriedade Industrial de ‘marca notória’, a Lei n.º 9.279/96, em seu art. 125, mantém essa mesma forma de proteção; adota-se, apenas nova terminologia para designá-las. Passam as "marcas notórias" a ser denominadas ‘marcas de alto renome’" (44).(grifo nosso)

            Assim, vemos que marcas notórias são sinônimos de marcas de alto renome, sendo esta última, terminologia adotada pelo direito industrial internacional.

            Nota-se que as marcas notórias visam a proteção não apenas contra o uso das marcas em produtos similares, mas, também, em produtos diferentes, devido justamente a notoriedade que atingiram. Logo, a condição essencial é que a marca tenha uma notoriedade indiscutível, devendo ser conhecida não só pelos profissionais do seu ramo, mas pelo público em geral (45). Neste sentido:

            "O critério decisivo, porém, que certifica a notoriedade da marca e que justifica sua proteção como marca de alto renome, deve ser o efeito de atração que ela deve ser capaz de exercer sobre o público em geral"

            O registro de marca se extingue, conforme o artigo 142 da Lei n.º 9.279/96: a) pela expiração do prazo de vigência; b) pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca; c) pela caducidade; e d) pela inobservância do disposto no artigo 217, a qual pressupõe que uma pessoa domiciliada no exterior constitua e mantenha procurador domiciliado no país para representá-la no País, inclusive para receber citações.

            Em relação à caducidade é importante mencionar que grande parte dos países não tolera a prática de marcas defensivas, ou seja, que são registradas e não são usadas. Feito o registro da marca, impõe-se a obrigatoriedade de seu uso e, neste aspecto, o Brasil não fugiu a regra. Sobre a caducidade, prescreve o artigo 143 da Lei n.º 9.276/96, in verbis:

            "Art. 143. Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos cinco anos da sua concessão, na data do requerimento:

            I – o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou

            II – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de cinco anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro".

            A Convenção de Paris, tratou da obrigatoriedade do uso de marca, pela primeira vez, na Conferência de Haia, no ano de 1925. Todavia, a Revisão de Estolcomo dispõe que, em países onde o uso da marca for obrigatório, o registro somente poderá ser anulado depois de um prazo razoável e se o interessado não justificar a causa de sua inação.

            No Brasil, pelo Decreto n.º 16.264, de 19 de dezembro de 1923, foi condicionado a propriedade da marca ao registro, estabelecido, ainda, prazo de carência de 3 (três) anos para que se iniciasse seu uso.


3. Da competividade industrial

            3.1. Introdução

            Apesar de ser um ser gregário, o homem de seus primórdios manifestou uma vocação para a competição entre si mesmo.

            A luta por estabelecer o líder dos clãs primitivos, foi fato presente mesmo nestas simples organizações sociais de antanho.

            Nietzsche, por exemplo, descreveu a tendência humana pela busca de força e dominação ao dizer:

            "O que é bom? – Tudo que aumenta a sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder, no homem.

            O que é mau? – Tudo que brota da fraqueza.

            O que é felicidade? – A sensação de que o poder aumenta – que a resistência está vencida" (46).

            Erich Fromm, igualmente descreve sobre o que chama de sede sádica de poder de Hitler, descrita na obra "Mein Kampf":

            "É característica da relação de Hitler com as massas alemães, a quem ele despreza e ‘ama’ de maneira tipicamente sádica, bem como seus adversários políticos face aos quais demonstra os elementos destrutivos que são um componente importante de seu sadismo. Ele fala da satisfação que as massas sentem por serem dominadas" (47).

            O homem, portanto, por um instinto de sobrevivência e adequação ao meio social, compete, diuturnamente, com seus semelhantes. É a forma que encontrou de mostrar seu poder, de buscar se estabelecer sobre os outros.

            E esta tendência não foge ao meio empresarial, ainda mais, se levarmos em conta que a própria natureza da relações comerciais e industriais pressupõe um luta por melhores e maiores mercados consumidores.

            Com o fenômeno da globalização, esta tendência tornou-se mais forte e mais necessária para a sobrevivência do empresário e de sua atividade econômica.

            Neste sentido, a transcrição abaixo elucida:

            "O fim da Guerra Fria revela que a economia internacional se tornaria o novo campo de batalha, de conflitos e de competição internacional. O desequilíbrio do poder mundial no campo estratégico-militar estimula novos realinhamentos na área da estratégia econômica.

            (...)

            O aumento da competição e dos conflitos por acesso a mercados e a oportunidades na economia internacional indica como os diversos atores – jogadores dos tabuleiros das finanças e da produção e comércio de bens – estão inseridos num mercado globalizado, onde o tempo pode ser contado em frações de segundo e os ganhos ou perdas são computados em bilhões de dólares" (48).

            Em suma, não há como negar que o mundo vive uma batalha nas relações econômicas. E, neste campo, questões pertinentes à propriedade industrial vêem corroborar para que empresas se firmem no mercado produtor e consumidor, através da criação de novas técnicas, de novas formas de produção, de novos produtos, ou, ainda, pelos sinais distintivos, que fazem com que a grande massa consumidora conheça de seus produtos ou serviços.

            A globalização, portanto, é fator determinante para a competitividade do mundo hodierno. Em relação aos trabalhadores, por exemplo, pode se sentir uma maior competitividade por postos no mercado de trabalho, que tiveram uma escassez com o advento da informatização. Octavio Ianni escreveu:

            "O padrão flexível de organização da produção modifica as condições sociais e técnicas de organização do trabalho, torna o trabalhador polivante, abre perspectivas de mobilidade social vertical e horizontal, acima e abaixo, mas também intensifica a tecnificação da força produtiva do trabalho, potenciando-a. O trabalhador é levado a ajustar-se às novas exigências da produção de mercadoria e excedente, lucro ou mais-valia. Em última instância, o que comanda a flexibilização do trabalho e do trabalhador é um novo padrão de racionalidade do processo de reprodução ampliada do capital, lançado em escala global" (49).

            Ou seja, o trabalhador se vê, em face das exigências do mercado econômico, a competir com seu igual, na busca de uma posição, não só benéfica em aspectos financeiros, mas sim, uma posição estável e que lhe garanta o que ele possui. Neste sentido, Leonardo Boff escreveu que "Os níveis de solidariedade entre os homens decaíram aos tempos de uma barbárie mais cruel" (50). E isto, graças a competitividade nos meios empresariais, fruto da era da globalização em que vivemos.

            3.2. A tecnologia como fator de produção

            A tecnologia está intimamente associada à produção. Temos que a economia trata dos fenômenos de produção, da circulação e do consumo das riquezas. Deste modo, a economia faz parte do espaço social humano, haja vista, como já mencionado, o homem desenvolver atividades que tem o desiderato de satisfazer suas necessidades dentro de uma sociedade.

            Em outras palavras, interessa as relações sociais desenvolvidas no campo das atividades econômicas dos homens agrupados, dentro do chamado sistema econômico.

            E onde entra a atividade econômica? Ela é oriunda do nível de necessidades e desejos que impulsionam os homens na busca de bens e serviços aptos a satisfazer tais necessidades (51).

            A tecnologia, então, surge como o conjunto de conhecimentos que o homem utiliza para atingir suas metas de natureza econômica Ou seja, a tecnologia advém para propiciar ao homem uma rápida satisfação de suas necessidades.

            Logo, as inovações de ordem tecnológica tem o condão de, quase sempre, determinarem a elevação dos índices de produção industrial, além de um aumento da produtividade do trabalho. O texto abaixo esclarece:

            "Está em curso a ‘revolução microeletrônica, envolvendo novas formas de automação e robótica. Multiplicam-se e intensificam-se as possibilidades de racionalização do processo produtivo. Criam-se novas especializações e alteram-se as condições de articulação entre as forças produtivas, bem como do trabalho intelectual e manual" (52).

            Ou seja, o uso de conhecimento tecnológico pressupõe uma adequação da mão-de-obra nela empregada como o treinamento ou escolaridade técnica e a experiência, variando, porém, o emprego da tecnologia conforme a sociedade bem como dos interesses dos controladores do sistema econômico.

            Mas, o que podemos dizer é que a tecnologia a serviço da produção veio a se tornar na própria estrutura produtiva, com reflexos na estrutura social e nos mecanismos de controle do poder econômico e político no âmbito internacional, podendo mencionar, o domínio de diversas formas de tecnologia pelos países ditos industrializados, em detrimento dos demais.

            Isto porque, as demandas, necessidades e desejos da sociedade é que serão o fanal que apontará para os objetivos do desenvolvimento tecnológico, de disponibilidade de recursos materiais, científicos e tecnológicos prévios.

            "Nas sociedades industriais de base científica, a avaliação externa, segundo critério econômicos, influi tanto na determinação prévia dos objetivos do desenho tecnológico como na decisão última de implementar, aplicar ou comercializar a nova tecnologia" (53).

            E o fator determinante para se adotar tal postura reside justamente na Globalização. Rubens Ricupero, em análise brilhante, descreve, em poucas palavras esta questão:

            "Ao contrário dessas simplificações, a globalização é sobretudo um processo de natureza cultural e histórica, abarcando muito mais do que os componentes econômicos. Em todas suas etapas, ela tem sido sempre o produto de revolução no domínio cultural, que se exprime em geral pela superação de novas fronteiras científicas e tecnológicas, tornando possíveis formas inéditas de dominação política ou produção econômica" (54).

            Se a sociedade tem necessidades e produzir é, em outras palavras, criar utilidades permutáveis e serviços que possibilitem a satisfação dessas necessidades, a tecnologia é aliada importante da produção, na medida em que, através da capacidade tecnológica, tem-se um fator de produção de natureza qualitativa, sendo um "elo de ligação entre a população economicamente mobilizável e o capital" (55), ou seja, a população ativa.

            O que se conclui, por fim, é que o processo de criação, aperfeiçoamento e acumulação da capitais, fator importante no mundo capitalista hodierno, estão caminhando lado-a-lado com a formação de capacidade tecnológica, sendo que o movimento de uma delas está necessariamente vinculado ao da outra.

            Logo, a tecnologia tem como conseqüência natural e necessária, o conhecimento de métodos de produção, os quais possibilitam a utilização mais racional dos recursos naturais, bem como a descoberta de novos usos para eles, entre outros fatores, o que se dá mediante atividades inventivas e criadores, as quais devem ser protegidas mediante uma lei eficiente de patentes e marcas.

            3.3. Capitalismo e patente

            Partindo-se de uma visão econômica, haja vista o capitalismo possuir uma pluralidade de concepções, tem-se que o mesmo pode ser entendido pela sua dinâmica social como um modo de produção, baseado no predomínio do capital, como seu elemento, fator e meio.

            Mas de que modo o capitalismo influenciou na questão da propriedade intelecutal. Neste sentido, a lição de Luiz Otávio Pimentel (56):

            "Pode-se observar o prestígio do liberalismo, especialmente no que se refere à justificação da propriedade intelectual, quando houve o rompimento do sistema de privilégios reais por força da Revolução Francesa".

            Justifica-se tal acepção pelo fato de que havia a liberdade pela propriedade. Ou seja o homem era livre e dispunha, portanto, do seu trabalho e dos frutos do seu trabalho. Logo, as obras do espírito, tais como as invenções, criações artísticas, obras literárias têm no autor seu proprietário natural.

            Assim, a lei francesa em 1791 estabeleceu os princípios da propriedade intelectual, pois, segundo a Assembléia Nacional, era um ataque direto aos direitos do homem em sua essência, não considerar um descobrimento industrial como propriedade do autor.

            Atualmente, com o capitalismo neoliberal, onde há a participação direta do estado na economia e no mercado, tendo como princípios as privatizações de empresas e da previdência social, o fim das políticas de criação de empregos e a supressão do salário mínimo, plena liberdade contratual, entre outros fatores, eleva a propriedade intelectual a um patamar de grande importância, pois, segundo Luiz Otávio Pimentel, "É na vigência desta concepção que avança o processo de harmonização mundial da legislação de patentes" (57).

            "Os princípios fundamentais do capitalismo são a livre concorrência e o livre comércio, a propriedade privada dos bens de produção e sua livre herança, seguidos de princípios que lhe são derivados, como os princípios de liberdade de mercado, de capitais e de pessoas. As função do capitalismo são, portanto, a maximização de benefícios e o seu próprio crescimento e desenvolvimento. Havendo um correto funcionamento do sistema, beneficiam-se e lucram os capitalistas. Para garantir o seu funcionamento nada melhor do que a garantia da propriedade privada, em especial a intelectual e a tecnológica". (grifo nosso)

            Assim, em um sistema que preza pelo capital, a propriedade intelectual e industrial, como fator preponderante para o aumento da produção, é de suma importância, sobretudo, no aspecto de patentes, visando defender aquele que é o "gerador" de capitais: as novas tecnologias, produtos e processos produtivos.

            3.4. O sistema de patentes e tratamento constitucional: Defesa da concorrência.

            Fazendo-se uma leitura perfunctória do artigo 5.º e incisos da Constituição Federal, facilmente chegamos à conclusão que a propriedade é um dos direitos fundamentais do homem.

            O artigo 5.º, caput, preconiza, in verbis:

            "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes". (grifo nosso)

            E o inciso XII do mesmo artigo prescreve, in verbis:

            "Art. 5.º

            (...)

            XXII – é garantido o direito de propriedade"

            O legislador constitucional considerou assim, a propriedade um dos direitos mais importantes do homem, mostrando suas tendência neoliberal capitalista, que vê na propriedade um dos institutos mais importantes da sociedade.

            Transportando para o campo das invenções industriais, o legislador constitucional também preconizou sua proteção, dentro do capítulo dos direitos fundamentais. Todavia, essa espécie de propriedade também não pode ser considerado um direito fundamental. Assim, o artigo 5.º, inciso XXIX prescreve, in verbis:

            "Art. 5.º

            (...)

            XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".

            Comentando esse dispositivo, temos o magistério de Lucas Rocha Furtado:

            "O direito de propriedade a que se refere o caput do art. 5.º é, indiscutivelmente, um dos direitos fundamentais do homem. Mas a disposição contida no inciso XXIX tem antes o aspecto de comando constitucional dirigido ao legislador ordinário – reprise-se: ‘a lei assegurará...’ – e não propriamente um reconhecimento automático de um direito fundamental do autor intelectual" (58).

            Ou seja, a norma pertenceria mais ao campo da ordem econômica do que, propriamente, do campo dos Direitos e Garantias Fundamentais do Homem.

            Ora, o Brasil, em sua constituição pugna pela concorrência, sendo que a noção tradicional dela pressupõe um grande número de competidores, os quais atuam de forma livre no mercado de um mesmo produto, tendo como conseqüência, uma oferta e procura proveniente de compradores e vendedores "cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou duradouro, no preço dos bens ou serviços" (59).

            Por esta razão que a concorrência desleal é repudiada pelo Direito Econômico e Comercial, merecendo, conforme ensinamento de Irineu Strenger (60), um tratamento especial no plano criminal.

            Não podemos nos esquecer que a Ordem Econômica e Financeira no Brasil, tem entre seus princípios a livre concorrência (artigo 170, inciso IV).

            Mas o que é a concorrência desleal? Recorreremos para tanto, ao ensino de Irineu Strenger:

            "Este é precisamente o caso do comerciante ou industrial que, no exercício normal de sua atividade profissional, causa danos aos seus concorrentes e encontra justificação de sua conduta no direito da livre concorrência" (61).

            A concorrência desleal, a Constituição Federal de 1988, prevê no artigo 173, § 4.º, que a lei irá reprimir a atividades econômicas que se dêem com abuso de poder, visando a dominação dos mercados e a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

            A Lei n.º 8078/90, também traz como princípio da política nacional de relações de consumo, o preconizado no artigo 4.º, inciso VI, in verbis:

            "Art. 4.º

            (...)

            VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores". (grifo nosso).

            Comentando esse artigo José Geraldo Brito Filomeno (62) escreve:

            "Ora, nesses dois aspectos, em síntese, o Código do Consumidor nada mais fez do que colocar em prática, no relacionamento fornecedor/consumidor, os preceitos da Constituição Federal, mais especificamente do seu Titula VII (Da Ordem Econômica), dentre os princípios que balizam a atividade econômica, com especial ênfase na proteção do consumidor".

            Em suma, podemos concluir que a Constituição elegeu o mercado interno como patrimônio nacional, exigindo do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica o exercício da forma da lei de sua fiscalização.

            E neste bojo, as patentes e marcas têm proteção do Estado, haja vista a legislação brasileira fomentar a livre concorrência, garantindo o desenvolvimento, surgimento e preservação de novas tecno1ogias, reprimindo, porém, toda e qualquer forma de concorrência desleal.


Conclusão

            Do que expusemos, concluímos que as marcas e patentes são componentes importantes para o bom andamento da competitividade empresarial.

            Garantindo a tecnologia, o Estado garante uma competividade sadia no setor empresarial de modo a produzir o desenvolvimento nacional.

            O que não se pode de modo algum confundir é liberdade de iniciativa, com licenciosidade. Há liberdade de mercado, devendo, porém, ser respeitadas os princípios fundamentais de convivência entre os seres humanos, de modo que na questão da competição industrial, não possa haver qualquer dominação do mercado.

            O monopólio e o abuso do poder econômico nunca foram e nunca serão elementos benéficos para o mercado econômico, seja em que país for.

            Portanto, preservando patentes e marcas, ou seja, protegendo a propriedade intelectual estimula o Estado a busca por novas tecnologias que tornem as empresas competitivas e, por conseguinte, aptas para a concorrência, seja em âmbito interno, seja em âmbito externo.

            Porém, a legislação brasileira não pode ficar como está, precisa ela acompanhar as mudanças tecnológicas, sobretudo no campo da informática e do comércio eletrônico, de modo a colocar o Brasil dentro da realidade econômico-mundial.


Bibliografia

            BRIGAGÃO, Clóvis & RODRIGUES, Gilberto.Globalização a Olho Nu. São Paulo: Editora Moderna, 1998, 136 p.

            BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Brasilia: Letraviva, 2000, 165 p.

            FARINA, Juan M. Contratos Comerciales Modernos. 2.ª ed., Buenos Aires: Editorial Astrea, 1997, 830 p.

            FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5.ª ed., São Paulo: Atlas, 2001, 580 p.

            FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. 11.ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1978, 235 p.

            URTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro. 1.ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1996, 239 p.

            GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Jurídico. 1.ª ed., São Paulo: Rideel, 1997, 198 p.

            HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14.ª ed., São Paulo: Atlas, 1980, 432 p.

            IANNI, Octavio. A Era do Globalismo. 4.ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, 252 p.

            HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 5.ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1970, 318 p.

            MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2.ª ed., São Paulo: Editora Max Limonad, v. IV, 1953, 547 p.

            MUJALLI, Walter Brasil. A Propriedade Industrial – Nova Lei de Patentes. Leme: Editora de Direito, 1997, 238 p.

            NIETZSCHE, F. O Anticristo. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, 127 p.

            OLIVEIRA, Maurício Lopes de. Direito do Autor e Marca Registrada. Revista Consulex – ano III, n.º 28 0 Abril/1999, pp. 15-27.

            PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Patentes. Porto Alegre: Síntese, 1999, 278 p.

            RICUPERO, Rubens. A Crise dos 500 anos. São Paulo: CIEE, 1999, 47 p.

            RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Keynes: Doutrina e Crítica. Cadernos Liberais. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1999, 105 p.

            SAYAD, João. Propostas para a retomada do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ciee, 1999, 47 p.

            STRENGER, Irineu. Marcas e Patentes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, 155 p.


Notas

            1. A era do globalismo, p. 11.

            2. Ibid., p. 14, 15.

            3. Direito Industrial – As funções do Direito de Patentes, p. 26.

            4. Idem, p. 82.

            5. Disse "necessidades elementares" para se contrapor a interesses. Ou seja, o homem possui além de suas necessidades, interesses, os quais, muitas vezes, pela ansiedade da vida moderna, os reveste com uma roupagem de necessidade.

            6. A Propriedade Industrial – Nova Lei de Patentes, p. 19.

            7. Ethos Mundial, p. 13, 14.

            8. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro, p. 25.

            9. Idem, p. 20.

            10. Idem, p. 126.

            11. Contratos Comerciales Modernos, p. 633.

            12. Dicionário Jurídico, p. 145.

            13. Segundo José de Oliveira Ascensão (In: Direito Autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 55, apud, Luiz Otávio Pimentel, Idem, p. 126), "o direito intelectual caracteriza-se por estabelecer a disciplina das coisas incorpóreas, que representam o objeto dos direitos que concedem, abrangendo vários setores fundados na criação e utilização de coisas incorpóreas".

            14. Direito do Autor e Marca Registrada. Revista Consulex n.º 20.

            15. Idem, p. 30.

            16. Idem, p. 30.

            17. Ibid., mesma página.

            18. Ricardo Vélez Rodríguez. Keynes: Doutrina e Crítica, p. 38.

            19. "O documento de fundação do GATT reflete os princípios neoliberais segundo os quais o comércio liberado de travas é essencial para obter o pleno aproveitamento dos recursos mundiais, a elevação do nível de vida, a obtenção do máximo emprego, o aumento de ingressos reais, o crescimento da produção mundial e os intercâmbios de produtos". Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 167.

            20. Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 169.

            21. Idem, p. 15.

            22. "Da Vinci, como se sabe, era cioso de suas criações, usava artifícios como o de escrever ao contrário e praticava erros intencionais em seus projetos para que não pudessem ser furtados". Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 15.

            23. História da Riqueza do Homem, p. 134.

            24. Ibid., p. 135.

            25. Outros casos: em 1330, também na França, foi concedido a Philipe de Cavquery um privilégio para instalar um fábrica de vidros. Em 1331, foi concedido a John Kempe, um tecelão flamengo, um privilégio para introduzir na Inglaterra a indústria têxtil.

            26. Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 17.

            27. Art. 72, § 25, in verbis: "Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento".

            28. Art. 113, item 18, in verbis: "Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário ou concederá justo prêmio, quando a sua vulgarização convenha à coletividade".

            29. Comentários à Constituição de 1946, v. IV, p. 288

            30. Art. 150, n.º 24, in verbis: "A lei garantirá aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização e assegurará a propriedade das marcas de indústria e comércio, bem como a exclusividade do nome comercial".

            31. Idem, p. 23.

            32. Irineu Strenger. Marcas e Patentes, p. 7, 8.

            33. Idem, p. 635.

            34. Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 209.

            35. Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 44.

            36. Ibid., mesma página.

            37. Idem, p. 12.

            38. Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 54.

            39. Idem, p. 22

            40. Idem, p. 108.

            41. "Tais sinais não se prestam a distinguir produtos concorrentes. A mercadoria será identificada pela marca de produto ou serviço, enquanto a marca de certificação informa ao consumidor que determinado padrão de qualidade ou processo de fabricação foi adotado". Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 110.

            42. Idem, p. 29.

            43. Irineu Strenger. Idem, p. 29.

            44. Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 129.

            45. "Tome-se como exemplo a marca "COCA COLA". Neste caso, aliado à sua singularidade – não existe nenhum outro produto que tenha sido identificado por tal marca – tem-se sua originalidade". Lucas Rocha Furtado. Idem, p. 130.

            46. O Anticristo, p. 18.

            47. Erich Fromm. O Medo à Liberdade, p. 177.

            48. Clóvis Brigagão & Gilberto Rodrigues. Globalização a Olho Nu, p. 64.

            49. Idem, p. 129

            50. Ethos Mundial, p. 14.

            51. "Diz-se que as necessidades são ilimitadas em número e limitadas em capacidade, razão pela qual a atividade econômica é cada vez mais organizada, ordenada e técnica, para satisfazer os sempre mais ilimitados desejos humanos a esbarrarem na limitação natural dos recursos disponíveis". Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 82.

            52. Octavio Ianni. Idem, p. 128.

            53. Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 83.

            54. Rubens Ricupero. A Crise dos 500 anos, p. 17.

            55. Luiz Otávio Pimentel. Idem, p. 84.

            56. Idem, p. 108.

            57. Idem, p. 110

            58. Idem, p. 83.

            59. Ibid., p. 85.

            60. Idem, p. 33.

            61. Idem, p. 33.

            62. Manual de Direitos do Consumidor, p. 64.


Autor

  • Marcos César Botelho

    Marcos César Botelho

    Advogado da União, Coordenador-Geral de Atos Normativos na CONJUR do Ministério da Defesa. Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - Bauru/SP. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direitio Público - Brasília/DF.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTELHO, Marcos César. Da propriedade industrial e intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3151. Acesso em: 26 abr. 2024.