Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31651
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Direitos humanos e cidadania

Direitos humanos e cidadania

Publicado em . Elaborado em .

A temática relativa aos Direitos Humanos, mais que atual é necessária e vital à sociedade, fruto do Estado Democrático de Direito que é uma conquista da sociedade que se consolidou a partir de uma intensa luta em busca de democracia e de cidadania.

RESUMO: A temática relativa aos Direitos Humanos, mais que atual é necessária e vital à sociedade, fruto do Estado Democrático de Direito que é uma conquista da sociedade que se consolidou a partir de uma intensa luta em busca de democracia e de cidadania. Esta luta não é de hoje e consolidou-se a partir de intensas negociações e movimentos que buscaram enfraquecer o poder estatal, como um freio ao arbítrio em prol do fortalecimento dos direitos civis. O Estado passou de um Estado Feudal para o Estado de Direito e, para tanto, fazia-se necessário que surgisse do povo o cidadão, portador de direitos. Foi nesta premissa que surgiram os Direitos Humanos que se firmam de forma indelével na sociedade, como uma porta que se abre e que não se fecha. O conhecimento da história torna-se basilar para que se compreenda a real extensão desta expressão que afirma os direitos mais elementares do cidadão e não apenas o do “bandido”. O surgimento dos Direitos Humanos não se dá de uma só vez, Bobbio (2004) afirmava que eles surgem paulatinamente, conforme a sua necessidade e o momento, e doutrinadores classificam este surgimento como gerações, fases ou dimensões e mais que declarar direitos, há que se protegê-los, e esta proteção se dá no ordenamento brasileiro sob a forma de cláusulas pétreas, no entanto, ainda há que garanti-los, assim, o constituinte brasileiro positivou os remédios constitucionais. Novos direitos já começam a surgir e novos surgirão, afirmava Bobbio (2004), assim verifica-se a necessidade atual de proteger as questões relativas ao bio-direito, que talvez sejam os direitos humanos de sexta geração ainda em estado embrionário, e assim se firma a eterna busca pelos direitos civis.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos, Estado Democrático de Direito, cidadania.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1O ESTADO MODERNO, O ESTADO DE DIREITO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.NOÇÕES E ORIGEM DA CIDADANIA.2.1 Origens do termo cidadania.2.2 A abordagem moderna sobre cidadania.2.2.1 A ideia do liberalismo.3 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS.4.1 Grécia.4.2 Roma.4.3 O Cristianismo.4.4 A experiência inglesa.4.5 A Revolução Americana.4.6 A Revolução Francesa.A Idade Média.DIREITOS HUMANOS EM ESPÉCIE.Direitos Humanos de 1ª geração.Direitos Humanos de 2ª geração.Direitos Humanos de 3ª geração.Direitos Humanos de 4ª geração.Direitos Humanos de 5ª geração.A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.OS DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

A questão dos direitos humanos tem sido amplamente debatida, sendo gerados documentos a partir da Carta Magna de 1215, tida como a primeira declaração sobre direitos humanos e que limitou o poder real obrigando o monarca a não criar leis ou impostos sem antes consultar o Grande Conselho.

A partir do Absolutismo começam a surgir novas ideias impulsionadas pelo Iluminismo, visando a retirar as pessoas do século das trevas e novos ideais em busca dos direitos individuais, a partir do direito natural e com o advento do liberalismo, eclodem as revoluções americana, inglesa e em especial a Revolução Francesa de 1789, onde estes ideais ganharam força, a partir da queda da nobreza, queda da monarquia e ascensão da burguesia com a tomada de poder. Novos tempos se abrem para o Estado de Direito, onde do povo emerge o cidadão, portador de direitos, que em oposição ao súdito que tinha o dever de obediência.

A partir da Segunda Grande Guerra Mundial e os terrores do holocausto a questão sobre os direitos humanos se acentuou na história mundial, onde milhões de judeus foram assassinados pelo nazismo, motivando a criação da Organização das Nações Unidas em 1942 e o seu documento intitulado “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Embora muitos países tenham sido signatários da declaração, a exemplo do Brasil, houve muito desrespeito, e os direitos humanos foram deixados de lado, como se não tivessem sido declarados.

Mas estas questões não são prerrogativas do séc. XX, a história mundial está repleta de crueldade e atentados contra os direitos humanos, em que o Estado era o protagonista das mais tórridas cenas de violência, torturas e assassinatos, motivando revoluções em que o povo se rebelava contra o terror e o despotismo.

Os Direitos Humanos deixam assim, uma marca indelével na história da humanidade, onde se pretende impor um freio ao arbítrio estatal, no cometimento de atentados contra os direitos naturais e da coletividade.

O presente trabalho visa a trazer, em linhas gerais, noções sobre os Direitos Humanos, sem, no entanto, procurar encerrar o assunto, mas contribuir como uma fonte de leitura.


1 O ESTADO MODERNO, O ESTADO DE DIREITO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Inicialmente, para contextualizar, se busca a concepção hobbesiana de Estado e sua conceituação, que precedeu o absolutismo, já tratado anteriormente, o qual cita a relação entre o soberano e os súditos e que este soberano será alçado ao poder de duas maneiras: a primeira é a força natural, quando o homem obriga seus filhos e seus descendentes a se submeterem à sua autoridade. Quanto à segunda:

A outra maneira é quando os homens concordam entre si em se submeterem a um homem, ou uma assembleia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra tudo. Este último pode ser chamado de Estado Político, ou um Estado por instituição. Ao primeiro pode chamar-se um Estado por aquisição [...] (HOBBES, 2004, p. 131).

Mas para conceituar Estado nos dias atuais, se faz necessário socorrer-se do mestre do Direito Administrativo:

O conceito de Estado varia segundo o ângulo que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação do nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 14, I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada. Este é o Estado de Direito, ou seja, o Estado juridicamente organizado e obediente às suas próprias leis (MEIRELLES, 2001, p. 55).

O entendimento de Estado de Direito serviu a diversas concepções, desde um conceito tipicamente liberal de submissão ao império da lei, divisão de poderes, e enunciado e garantia dos direitos individuais, como seus pressupostos básicos, configurando ainda, uma grande conquista da civilização liberal, que converteu súditos em cidadãos livres (SILVA, 2006).

No entanto, este conceito já se aplicou ao Estado de Direito feudal, burguês, nacional, social, entre outros, uma vez que tal expressão pode ter tantos significados, assim mesmo como a palavra “Direito”. Por outro lado, Silva (2006) assevera que:

[...] se concebe o Direito apenas como um conjunto de normas estabelecidas pelo Legislativo, o Estado de Direito passa a ser Estado de Legalidade, ou Estado Legislativo, o que constitui uma redução deformante. Se o princípio da legalidade é um elemento importante do conceito de Estado de Direito, nele não se realiza completamente (SILVA, 2006, p. 114).

Na mesma esteira de fundamentação, continua o autor se reportando a Kelsen, pois este teria contribuído para deformar este conceito de Estado de Direito, eis que para ele Estado e Direito são conceitos idênticos, “pois na medida em que ele confunde Estado e ordem jurídica, todo o Estado, para ele, há de ser Estado de Direito” (SILVA, 2006, p. 114).

Naturalmente começa-se a pensar em democracia e no Estado Democrático, como continuidade do Estado de Direito, mas Silva (2006) alerta que o segundo é uma criação do liberalismo e repousa na concepção do Direito natural, imutável e universal e daí decorre que a lei realiza o princípio da legalidade, essência do conceito de Estado de Direito, que é concebida como uma norma jurídica geral e abstrata. O Estado Democrático se funda na soberania popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública. Este Estado Democrático visa a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, contrapõe-se ao Estado Liberal, (SILVA, 2006, p. 117). Vejamos o que diz Bonavides:

A ideia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito (BONAVIDES, 2004, p. 16).

A democracia, como realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana, é conceito mais abrangente do que o Estado de Direito, que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal, chegando-se ao Estado Democrático de Direito positivado no art. 1º da Constituição Federal de 1988, que reúne os princípios do Estado Democrático de Direito (SILVA, 2006).

A configuração deste Estado Democrático de Direito não significa apenas reunir formalmente tais conceitos, mas na criação de um conceito novo. Daí a importância de a nossa Constituição Federal abrir em seu artigo primeiro, onde tal Estado é proclamado (SILVA, 2006).

Esta configuração privilegiaria o Direito e não o Estado, onde o “democrático” qualifica o Estado, irradiando valores de democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, inclusive, sobre a ordem jurídica, e, sendo assim, o Direito se enriquece de sentir popular, não se olvidando de se ajustar ao interesse coletivo.

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º, Parágrafo Único); participativa, porque evolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício (SILVA, 2006, p. 119).

A busca histórica pela democracia e a sua manutenção vai muito além de um pensamento utópico e saudosista, é uma conquista real, principalmente sobre os regimes autoritários e antidemocratas do século vinte nos estados governados pela direita reacionária. Bobbio (2006) cita como exemplo a queda do Muro de Berlim, “uma guerra, vencida sem a necessidade de combater”. Também serve como exemplo a profética citação de que o mundo seria governado por duas grandes potências: os EUA e a Rússia, a qual “não resistiu à prova dos fatos e se decompôs”.

Sobre democracia, bem explica Bonavides:

[...] há de ser a democracia o caminho indispensável para a consecução dos fins sociais. Democracia é a conciliação de classes, acordo de energias humanas, quando a sua colaboração mútua se faz livre, e por isso mesmo entretecida de entusiasmo e boa vontade. (Bonavides, 2013, p. 175)

A vitória da democracia sobre as ditaduras políticas ou militares é uma realidade, pois não somente as velhas sobreviveram como novas surgiram e “a democracia converteu-se nestes anos no denominador comum de todas as questões politicamente relevante, teóricas e práticas”. (BOBBIO, 2006, p. 9). Nesta mesma linha de pensamento o autor se questiona qual será o futuro da democracia e não apenas como retórica, responde que “está não apenas na ampliação dos Estados democráticos [...] mas também e sobretudo no prosseguimento do processo de democratização do sistema internacional” (BOBBIO, 2006, p. 13).

A nossa Constituição de 1988 é tida como um modelo de democracia, constituindo-se um importante e histórico documento na relação Estado/povo. Entretanto, doutrinadores renomados como STRECK (2004), questionam: “Estão exauridas as conquistas do Estado Democrático de Direito?” O autor cita Konder Comparato que denuncia “a morte espiritual” da Constituição e continua questionando: “Quais as condições de acesso à justiça do cidadão, visando ao cumprimento (judicial) dos direitos previstos na Constituição?” (STRECK, 2004).

Não se pretende aqui, em poucas linhas responder a estes questionamentos tão relevantes da seara do Direito Constitucional, até mesmo porque não é o objetivo deste trabalho. Parece que o próprio autor responde tais questionamentos, ao afirmar que, sendo a nossa Constituição de cunho “social, dirigente e compromissária”, logicamente está voltada ao resgate das promessas da modernidade, sendo “como um campo necessário de luta para implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, etc). [...] Configura-se assim, naquilo que se entende por Estado Democrático de Direito – em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social” (STRECK, 2004, p. 15-16).

Assim, Streck (2004, p. 20) sustenta que

O Estado Democrático de Direito tem a pretensão de proporcionar um regime político que objetiva abranger o máximo possível de democracia e de Estado de Direito”, procurando “resgatar as promessas de igualdade, justiça social, realização dos direitos fundamentais, consagrando o princípio da democracia econômica, social e cultural [...]

Esta busca pela “igualização das condições dos socialmente desiguais” é citada por SILVA (2006, p. 121), que a subordina ao império da lei, pois “o princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito”, e todo Estado se sujeita a este império da lei, senão a justiça social não se realiza.

“É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalta a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clássico.” Explica o autor: “Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social” (SILVA, 2006, p. 121).

Este é o Estado moderno brasileiro, fruto de conquistas históricas, de uma Constituição que buscou a essência da democracia plena, e, embora não a vivamos plenamente, não quer dizer que não a busquemos, pois parece que os constitucionalistas demonstram que a Constituição Federal de 1988 não é a materialização plena da democracia e do Estado Democrático de Direito, mas sim um poderoso instrumento na eterna busca da democracia tão sonhada, que talvez seja uma utopia, mas certamente nunca esteve tão próxima da nossa realidade.

NOÇÕES E ORIGEM DA CIDADANIA

A palavra cidadania adquiriu na sociedade contemporânea, importância e tornou-se abrangente, tornando-se assunto corriqueiro, assumindo variações abstratas. No entanto, a partir do séc. XVIII, a partir da formatação do Estado Moderno é que a cidadania envolveu a ideia dos três grupos de direitos clássicos a saber: os direitos sociais, os civis e os políticos (Marshall, 1967).

A partir disso, ganham importância os assuntos relativos a emprego, segurança, saneamento básico, bons salários, educação, etc. Assim, o conceito clássico de liberdade assume outros significados, estendendo o conceito de cidadania às questões relativas à rotina dos indivíduos (Martins, 2008).

Mas o que é cidadania?

Façamos uma primeira. O que é ser cidadão? Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas quem já teve alguma experiência política – no bairro, igreja, escola, sindicato, etc. – sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural. (COVRE, 2006, p. 8).

Ou mais ainda:

Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, que tem suas primeiras matrizes marcantes nas cartas de Direito dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Sua proposta mais funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre o seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem. (COVRE, 2006, p. 9).

Dentro desta ótica proposta por Covre (2006), verifica-se que a Constituição Federal é uma arma potentíssima nas mãos dos cidadãos, os quais devem saber usá-la em prol de conquistar as propostas mais igualitárias. “Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão.” (COVRE, 2006, p. 10)

A cidadania é algo inerente ao ser humano, sendo qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, devendo ser respeitada, promovida e protegida. (SARLET, 2008).

Mas a noção de cidadania vem desde a sociedade grega antiga, na democracia ateniense até chegar ao Estado de Direito firmado pela Revolução Francesa, que obedece a uma ordem legal e não mais a determinações de ordem divina ou mesmo pela força, onde o Estado passou de um modelo absolutista para o modelo liberal.

A Revolução Francesa (1789), com seus ideais de liberdade, igualdade proporcionou uma mudança na hierarquia de poder que determinava a ordem social e implicou na queda da nobreza e ascensão da burguesia, consolidando um longo processo que determinou a queda do poder absoluto, centralizado e autoritário e determinou uma nova ordem com ênfase no ideário liberal. (Martins, 2008).

2.1 Origens do termo cidadania

A palavra cidadania tem origem no latim civis e remonta à antiga Grécia e Roma. Nas Cidades-Estado da Grécia antiga (séc. IX e VII a.C.), principalmente em Atenas, havia as noções de liberdade, participação e democracia.

Assim,

à cidade, ou pólis grega, foi atribuída a origem das concepções sobre cidadania. A pólis era constituída por homens livres, os cidadãos, cuja vida na coletividade encontrava-se estabelecida partir das concepções de direitos e deveres debatidos nas assembleias públicas realizadas nas praças (Àgora), sendo que todos os homens livres tinham direitos garantidos. (MARTINS, 2008, p. 17).

Neste modelo nenhum cidadão ateniense (maior de 21 anos) tinha privilégios sobre outro e a politização tinha um caráter essencial para a concepção de cidadania. Mas este modelo não era perfeito, uma vez que nem todos os homens eram livres, pois se excluíam as mulheres, as crianças e os escravos.

Assim, verifica-se que “a cidadania está relacionada ao surgimento da vida na cidade, à capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de cidadão”. (COVRE, 2006, p. 16).           

2.2 A abordagem moderna sobre cidadania

Na sociedade feudal (séc V e XII d. C.) houve a hegemonia do poder local, sem a ideia de Estado nacional. Com o avanço do mercantilismo, há a ascensão social da burguesia (não integrante da nobreza) que começa a acumular riqueza.

A sociedade feudal começa a se tornar frágil e alvo fácil para invasões e decai economicamente. Surge então o Estado, com poderes absolutos, que chegou ao seu apogeu no séc XVII, até séc. XIX.           

2.2.1 A ideia do liberalismo           

Na fase inicial do Absolutismo a economia mercantilista era favorecida pelo Estado, no entanto, na segunda fase, com a evolução do capitalismo comercial, inicia na burguesia uma rejeição ao amplo poder de intervenção do Estado nos negócios comerciais, assim, a burguesia em franca ascensão social, começa a ambicionar uma economia livre. A palavra “liberdade” adquire uma conotação econômica, ou seja, liberdade para os negócios mercantis. (Martins, 2008)

Aliado à forte pressão da burguesia sobre a economia há o desejo de desvinculação do Estado e religião, almejando-se a sua separação e constituição do Estado laico. Há a contraposição do poder político, centralizado e autoritário, com origem e justificações divinas e a ideia de liberdade amplia-se na garantia de direitos naturais, inalienáveis, que não poderiam ficar à mercê do Estado, como o direito à vida e à propriedade.

Assim, inicia-se o Liberalismo, como um processo que limitou bastante o espaço para os estados com poderes absolutos, estabelecendo alicerces para uma nova organização política, de caráter liberal e econômico: o capitalismo.

Vê-se assim, que o liberalismo tem no Estado a sua contradição, pois ele é o monopolizador de poder, detentor da soberania, o grande devorador implacável Leviatã, e vem daí a necessidade de limitar seus poderes, pois

Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como o maior inimigo da liberdade. (Bonavides, 2013, p. 40)

Neste diapasão o autor ressalva que “O Estado e a soberania implicavam antítese, restringiam a liberdade primitiva”. Restava construir um novo Estado e o Estado burguês servia a este desiderato, mas “importava, primeiro que tudo, organizar a liberdade no campo social” (ob cit, p. 40).

A partir da Revolução Francesa de 1789 e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, surge o Estado de Direito, como “armadura e proteção da liberdade”, onde se busca um novo papel para o Estado: a defesa da liberdade e do direito, como seu papel fundamental.


CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS

 Direitos Humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais. (ALMEIDA, 1996, p. 24).

Ou ainda como descreve Santagati:

Una definición que pretende ser descriptiva, aunque tiene una flerte carga teleológica, y que ha sido generalmente aceptada por la doctrina, es la que propone Pérez Luño, quien entende que los Derechos Humanos son: ‘Um conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidade, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas por los ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional. (Santagati, 2012, p. 62)

A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas classifica-os como

[...] aqueles direitos fundamentais, aos quais todo homem deve ter acesso, em virtude puramente de sua qualidade de ser humano e que, portanto, toda sociedade, que pretenda ser uma sociedade autenticamente humana, deve assegurar aos seus membros. (GORCZEVSKI, 2005)

A expressão Direitos Humanos é a que tem mais se generalizado para abranger as declarações e mecanismos de proteção do ser humano contra os abusos do poder. Mas tem se visto empregarem-se as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” como sinônimos.  Embora ambas se refiram aos direitos da humanidade, doutrinariamente diferem-se uma vez que aos “ ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com documentos de direito internacional, [...]” (Sarlet, 2012, p. 29)

Mas também se encontram expressões como ‘direitos humanos’ e ‘direitos do homem’, conforme o próprio autor explicou que a diferenciação é apenas didática e o que importa é que direitos, direitos do homem, direitos humanos, etc, “são sempre todos os direitos inerentes à natureza humana, positivados ou não, distinguindo-se dos fundamentais, que são os direitos constitucionalmente positivados ou positivados em tratados internacionais  [...]” (Sarlet, 2012, p. 30)


EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS:

Historicamente a humanidade punia os desvios de comportamento das pessoas com punições severas. A lei de Taleão autorizava retribuir o mal praticado na mesma moeda: “olho por olho, dente por dente!”. Mas esta lei não era justa, pois se um homem matava o filho de outro, este por sua vez tinha o direito de matar o filho daquele, e a partir desta premissa questiona-se: O que o filho do assassino tem a ver com o crime praticado pelo seu pai? É justo sofrer com a morte por um crime praticado pelo seu pai? Obviamente tratava-se de uma lei injusta e perversa

Surgem outras formas de punir como o Código de Hamurabi, um código rígido de normas severas com punições ainda mais severas.

Comparatto (2007, p. 9 e 10) assevera que “foi no período axial que se enunciaram os grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais da vida, em vigor até hoje”. Continua o autor, informando que no séx. V a.C, tanto na Ásia quanto na Grécia que nasceu a filosofia, “com a substituição, pela primeira vez na História, do saber mitológico da tradição pelo saber lógico da razão”. Neste mesmo período nasceu a tragédia e a democracia, assim, “o homem torna-se, em si mesmo, o principal objeto de análise e reflexão”.

Conclui o autor que

[...] é a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. (Comparatto, 2007, p. 12)

Embora tais ideias tenham surgido no período axial, conforme ressalta o autor, foram necessários, no entanto, vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional viesse a englobar quase a totalidade dos direitos dos povos na Declaração Universal de Direitos Humanos com a afirmação: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Assim, não é de se estranhar que o Brasil tenha levado quarenta anos para positivar os direitos humanos, os quais foi signatário da declaração citada, fazendo-o na atual Constituição da República Federativa do Brasil, outorgada em 08 de outubro de 1988.

4.1 Grécia

Na antiga Grécia, o pensamento grego era voltado para um humanismo racional, com base nas ideias de Sócrates, acreditando na razão humana em que o pensamento correto conduz à uma ação correta. (GORCZEVSKI, 2005)

Os gregos contribuíram na questão dos direitos humanos no âmbito das ideias de liberdade política, racionalidade, moralidade universal, dignidade humana, no entanto no que diz respeito à tortura a utilizavam largamente, bem como a escravidão (GORCZEVSKI, 2005)

Então, “a contribuição grega para os direitos humanos foi a razão e a liberdade política que os estóicos potenciaram, com os princípios de moral universal e dignidade humana de Sócrates, Platão e Pitágoras, dentre outros”. (GORCZEVSKI, 2005, p. 35)

Mas esta contribuição não fica por aí, na democracia ateniense o poder dos governantes era limitado, “não apenas pela soberania das leis, mas também por um jogo complexo de um conjunto de instituições de cidadania ativa, pelas quais o povo, pela primeira vez na História, governou-se a si mesmo”. (Comparatto, 2007, p. 43)

Afirma Hegel: “Na Grécia, vemos a democracia em seu aspecto mais encantador. A liberdade, como lá existiu, foi a mais formosa que já houve sobre a face da Terra. Assim como o despotismo representou a peculiaridade da vida política oriental – a sua constituição, se é que disso se possa falar - , assim como a aristocracia foi a nota do mundo romano e a monarquia a dos povos germânicos e cristãos, a democracia, por sua vez, foi a característica da Grécia” (Bonavides, 2013, p. 143, 144)

Obviamente este modelo grego de democracia nunca mais foi igualado, porém ainda inspira novos modelos de democracia mesmo que representativa, ao contrário da grega que era direta, mas novos modelos em que o cidadão tem sido consultado sobre os rumos da política, obras, etc.

4.2 Roma

Os romanos influenciaram na legislação do mundo ocidental, com destaque para a Lei das XII Tábuas da Roma do séc V a.C., onde a questão dos direitos humanos passou pelas premissas do Direito Natural, embora mantivessem uma cultura escravagista e admitiam a tortura que era institucionalizada, no entanto avançaram em relação aos gregos quando “identificaram traços comuns a todos os seres humanos, e entenderam os homens como iguais em sua essência – apesar de suas diferenças étnicas e sociais – criando a expressão Jus Naturalis – aquele conjunto de valores que todo ser humano possui”. (GORCZEVSKI, 2005, p. 35)

No entanto, verifica-se que já na antiga Roma houve avanços em busca de garantias de direitos individuais que tiveram que ser conquistados a duras penas e sob pressão popular, assim, “os plebeus em sua luta de igualdade, foram obtendo paulatinas conquistas”. (GORCZEVSKI, 2005, p.36)

Em resumo, a contribuição romana para os direitos humanos, foi a técnica jurídica para sua proteção: o direito miscigenado com as regras estóicas dos gregos com os enfoques pragmáticos de Cícero, Sêneca e Marco Aurélio que, numa combinação adequada serviram de base para mais tarde, por meio do cristianismo, transformar os conceitos. (GORCZEVSKI, 2005, p. 37)

4.3 O Cristianismo

O Cristianismo trouxe ao mundo ocidental “a ideia judia do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus” e vem daí, “a igualdade entre todos os homens”. Para o Cristianismo todos os homens são iguais entre si e são destinatários da mesma felicidade, pois são irmãos entre si, todos são filhos do mesmo Pai. Assim, o Cristianismo difunde uma religião que tem por “princípios da dignidade intrínseca do ser humano, da fraternidade humana e da igualdade essencial a todos por sua origem comum”. (GORCZEVSKI, 2005, p. 37)

Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente, no plano sobrenatural, pois o cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem como a dos povos americanos, africanos e asiáticos colonizados, em relação aos colonizadores europeus. Ao se iniciar a colonização moderna com a descoberta da América, grande número de teólogos sustentou que os indígenas não podiam ser considerados iguais em dignidade ao homem branco. (Comparatto, 2007, p. 18)

A partir destas ideias, o Cristianismo passa a exercer grande influência pois:

- proclama e exalta a dignidade suprema do homem como filho de Deus e portador de valores eternos, irmão de todos sem qualquer distinção;

- pelo fortalecimento e divulgação da “lei natural” e do “direito natural” que exigem respeito à pessoa humana, à sua dignidade e suas prerrogativas.

4.4 A experiência inglesa

No século XIII irrompe uma rebelião dos ingleses contra as arbitrariedades dos governantes, em especial do movimento de maio de 1215 no governo do João Sem Terra, que resultou no pacto e juramento da Carta Magna em 21 de junho, sendo considerado por muitos como o mais remoto documento das Declarações de Direitos. Este documento é importante não somente por ser considerado o primeiro, mas por que limitou o poder real e exigiu o exame de um juiz para fundamentar a sentença para a prisão de um homem livre, a proibição de confisco de bens e estabeleceu o princípio de previsão legal de crime. (GORCZEVSKI, 2005)

Em 1628, o Parlamento produziu a Petition of Rights, que, invocando a Magna Carta, ratificou os direitos adquiridos com aquele documento e reforçando-os. Mais tarde surge o Habeas Corpus, inspirado no direito romano, e no reinado de Carlos II surge o Habeas Corpus Act, que estende o seu alcance para as prisões determinadas pelo próprio monarca, assim estes documentos nascem para conter o arbítrio estatal.

O Bill of Rights estabeleceu o fim da monarquia absoluta e a teoria dos Direitos Divinos dos Reis, que foram substituídos pelo poder popular, lançando bases para a monarquia constitucional.

Em um dos seus 13 artigos estabelecia os princípios de liberdade individual e autorizava o porte de armas pelos cidadãos para que pudessem defender seus direitos constitucionais. Segundo Maluf (1979), foi este sistema de liberdade defendida pelas armas que recebeu a denominação de liberalismo.(GORCZEVSKI, 2005, p.43)

Este documento, além de ratificar as liberdades tradicionais dos ingleses, como a de peticionar ao monarca, eleger os seus representantes do parlamento, proibiu a aplicação de castigos cruéis e desumanos.

Os princípios estabelecidos no Bill of Rights passaram a figurar nas constituições dos Estados Liberais servindo de base para as ideias vitoriosas das Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 1789.

4.5 A Revolução Americana

Esta Revolução que levou à independência americana estabeleceu em sua constituição que:

todos os homens são criados iguais; eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre direitos encontram-se a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir estes direitos, e seus legítimos poderes derivam do consentimento dos governados. (GORCZEVSKI, 2005, p. 46)

Comparatto estabelece que a importância histórica da Declaração de Independência Americana reside que este documento reconhece a legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independente das diferenças de sexo, raça, cultura ou posição social. (GORCZEVSKI, 2005)

Registra Comparatto (2007, p. 50) que “O artigo I da Declaração, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História” e reconhece que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza ao aperfeiçoamento constante de si mesmo e a busca da felicidade é um direito inerente à condição humana.

Estas premissas motivaram as ideias revolucionárias das Revoluções Americana e Revolução Francesa cem anos mais tarde com a afirmação: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, positivado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão e os ideais de democracia, mesmo que diferentes da democracia grega, e ainda numa fase inicial, mas representou a antítese da oligarquia, em que o poder supremo pertence à classe operária.

Assim, a democracia moderna, reinventada pela burguesia, visava extinguir os antigos privilégios dos dois principais estamentos: a nobreza e o clero, limitando os poderes governamentais com a separação das funções legislativa, e4xecutiva er judiciária. (Comparatto, 2007)

4.6 A Revolução Francesa

Papel preponderante exerceu o Iluminismo para a eclosão do Movimento de 1789, formando opinião pública, fruto do pensamento dos intelectuais do séc. XVIII, que contribuíram significativamente para a formação deste movimento científico e intelectual. O Iluminismo trouxe uma enorme contribuição ao mundo moderno, pois inviabilizou a escravidão, a servidão, os castigos corporais, bem como positivou os direitos fundamentais, (SCHILLING, 2003), direitos estes que nortearam diversas constituições, inclusive a brasileira. Este movimento visava trazer luz àquelas pessoas que viviam nas trevas, pelo fanatismo e pela ignorância.

A Revolução Francesa (1789) foi um marco na história da humanidade, pois transcendeu em importância a própria história da França. Havia um enorme descontentamento do povo provocado pelo absolutismo dos Bourbons, pela crise econômico-financeira provocada pelas guerras externas, pelos gastos da corte, pela má administração pública e elevada cobrança de tributos, que geraram uma enorme desigualdade social (GORCZEVSKI, 2005).

É esta revolta popular que marca o princípio da modernidade. É onde tudo se inicia: a separação do Estado e da Igreja, a proclamação do Estado secular, a participação popular na administração do Estado, a liberdade de imprensa, a igualdade de todos ante a lei, a educação pública e gratuita, a abolição da tortura, o início da antecipação feminina, a condenação à escravidão, e principalmente, a ideia de igualdade, liberdade e fraternidade proclamada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como os princípios que devem guiar a vida de todos os homens (GORCZEVSKI, 2005, p.48).

Tendo sido aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789 quase por unanimidade, como sendo uma declaração de direitos, inspirada em Rousseau, como ato de constituição de um povo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão devia ser proclamada imediatamente, precedendo a Constituição. Testemunhos relatam que a elaboração deste documento “representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero humano.” Representou assim, o “atestado de óbito do antigo regime, destruído pela Revolução”, segundo as palavras do historiador Georges Lefebvre (Bobbio, 2004, p. 79)

Pode parecer que a democracia quedou-se vitoriosa sobre o despotismo e a tirania do Absolutismo dos Bourbons, porém a Revolução Francesa foi mais uma vitória do liberalismo do que da democracia, mesmo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tendo sido um documento liberal-democrata, unificando conceitos opostos, A revolução foi a defesa do “Estado liberal puro, cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressar-se com base numa lei universal racional” (Bobbio, 2004, p. 83)

De qualquer modo, com o Estado liberal veio o Estado de Direito, onde o povo se submete à lei e não mais a um monarca e aí reside a crucial diferença, pois num governo despótico o súdito se relaciona com o monarca, enquanto que num governo democrático, o cidadão. E esse é o maior diferencial, pois do povo emergiu o cidadão, portador de direitos, diferentemente do súdito que tem o dever de obediência.

O Estado de Direito apresenta-se assim, como antítese do Estado Feudal, pois se opôs ao absolutismo do monarca, tornando-se uma armadura de defesa e proteção da liberdade, modificando o papel fundamental do Estado para a defesa da liberdade e do direito. Este primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades, encontrou guarida na Revolução Francesa, liderada pela burguesia, a classe em ascensão, que em verdade visava o controle político e uma vez conquistado, sustentou tais princípios de direitos de maneira apenas formal (Bonavides, 2013).

A Revolução Francesa, por seu caráter preciso de revolução da burguesia, levara à consumação de uma ordem social, onde pontificava, nos textos constitucionais, o triunfo total do liberalismo. Do liberalismo, apenas, e não da democracia, nem sequer da democracia política. (Bonavides, 2013, p. 43)

A moderna concepção de Estado de Direito dá segurança jurídica às relações, uma vez que se assenta no princípio da legalidade, onde ninguém será obrigado a fazer o que a lei não autoriza, nem será privado de fazer o que ela proíbe. Assim, esta ordem de ideias parte da noção do homem como um ser livre, a lei outorga assim, a garantia de que não poderão impor-se condutas que não tenham sido legitimadas pelo ordenamento maior, a Constituição Federal, amparada também por tratados e convênios internacionais. (Santagati, 2012)

A Revolução Francesa ultrapassou os limites da história da França, marcando, irreversivelmente a história do mundo, pela importância das novas mensagens das quais foi portadora: “É a Revolução da Liberdade e da Igualdade, fundadora do apogeu do século das Luzes, de uma nova ordem coletiva”, onde estes ideais destroem privilégios e servidões anteriores, para nascerem direitos fundamentais típicos do cidadão e não mais do súdito (SCHILLING, 2003, p. 47-50).

Concluiu Bobbio (2004, p. 85) que “[...] foi a Revolução Francesa que constituiu, por cerca de dois séculos, o modelo ideal para todos os que combateram pela própria emancipação e pela libertação do próprio povo”. E arrematou: “Foram os princípios de 1789 que constituíram, no bem como no mal, um ponto de referência obrigatório para os amigos e para os inimigos da liberdade, princípios invocados pelo primeiros e execrados pelo segundo”.

[...] a Revolução Francesa não foi o Comitê de Salvação Pública nem a guilhotina de Danton e Robespierre, mas o Estado de Direito, a legitimidade republicana, a monarquia constitucional, o regime representativo, as liberdades públicas, os direitos individuais, a majestade da pessoa humana; enfim, toda aquela ordem nova que somente tomou forma e consciência depois que a História filtrou e sazonou o princípio revolucionário em concretização institucional. (Bonavides, 2013, p. 210)

Com esta conclusão, parece que o autor melhor define a Revolução, pois foi ela que “no campo das ideias políticas e filosóficas, reformou o mundo” nos valores de liberdade, igualdade e fraternidade, e preparando transformações substanciais no tocante à competência dos poderes soberanos, com limitações constitucionais, bem como na esfera dos direitos básicos. (Ob.cit, p. 211)

4.7 A Idade Média

Na Idade Média as punições eram em público, em rituais sangrentos, de ostentação. Estes rituais consistiam em não somente matar, mas utilizar-se de tortura e morte lenta. A tortura tinha uma dupla finalidade: como técnica de interrogatório e como extensão da pena de morte, para que durasse mais tempo possível, para que o condenado expiasse seus pecados e a punição servisse de exemplo. Estas mortes passaram de um mais extenso sofrimento, como as extirpações e os empalamentos, a uma atenuação e abreviação, como a morte pela guilhotina.

FOUCAULT (2004) afirma que “O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e “humanidade””.

A tortura visava sempre a obtenção da confissão: “a rainha das provas”, que obtida a ferro e fogo, tornava-se a prova máxima do processo, inquestionável, e que obtinha sempre a mesma pena: a morte cruel.

Quem determinava estas torturas, interrogatórios e execuções era sempre uma única pessoa: o monarca, que concentrava todos os poderes. Muitas torturas foram realizadas e aproximadamente um milhão de pessoas morreram nos porões da “Santa Inquisição”, que se utilizou basicamente desses métodos.

Começa a surgir um movimento que visava retirar a sociedade das “trevas”, da escuridão das execuções bárbaras: o Iluminismo. Este movimento de intelectuais centrou sua atenção não somente no fim das torturas e execuções, mas nos ideais de justiça, fraternidade e liberdade que fizeram mais do que isso: instigaram a Revolução Francesa. Destacam-se Emmanuel Kant, Cesare Beccaria, Lock, entre tantos outros.

Surgem a partir daí, textos, documentos que assumiram papéis importantes na história da humanidade. A seguir, passaremos a relatar, resumidamente, alguns:

* O primeiro documento da história mundial sobre Direitos Humanos foi a Magna Carta, outorgada pelo rei inglês João Sem Terra.

As declarações de direitos hoje em vigor, resultam de uma demorada evolução, cujas bases vêm dos famosos documentos de Direito Constitucional da Inglaterra: a Magna Carta, a Petition of Rights, o Habeas Corpus Act, o Bill of Rights e o Act of Sentlement.

A Magna Carta é tida como “a primeira constituição do mundo”.

  • 1916 – American Institute of International Law, projeta uma declaração de direitos do homem estruturada internacionalmente, sem resultados positivos.
  • Tratado de Versalhes – (Conferência de Paris 1919), estabelece os direitos do trabalhador, mediante “a noção de um direito comum internacional referente às liberdades individuais”.
  • 1938 – Conferência Pan-Americana, Lima (Peru), prevendo as atrocidades nazistas, com a assunção do poder por Hitler, ressaltou a necessidade da “defesa dos direitos do homem”.
  • Roosevelt (1941) – proclama as quatro liberdades: a liberdade de expressão, que garante a democracia, a liberdade de credo; a liberdade da necessidade e a liberdade do medo”.

DIREITOS HUMANOS EM ESPÉCIE

Falar em Direitos Humanos é falar de poder, o poder por excelência, seja social, político ou ideológico. Nesta concepção, entram as figuras do Estado e da sociedade e a relação que se desencadeará entre ambos, em que Rousseau já observava para o vício inevitável a todo o governo no sentido da usurpação da soberania popular (CARRION, 1997).

Neste capítulo se estudará brevemente sobre o surgimento dos Direitos Humanos e sua relação com o Estado, desde o antigo ao atual Estado Democrático de Direito, dentro de uma abordagem histórica, conforme afirma BOBBIO (2004, p. 5):

Do ponto de vista histórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que seja, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Desta ótica, Bobbio (2004, p. 6) sustenta que “os direitos não nascem todos de uma só vez. Nascem quando devem ou podem nascer” e sustenta que estes direitos nascem quando o aumento do poder sobre o homem cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências, por meio da limitação de poder e

[...] deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica a formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação esta que é encarada, cada vez mais do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais dos súditos (BOBBIO, 2004, p. 4).

Esta classificação aqui apresentada não é unânime entre doutrinadores, uma vez que alguns preferem o termo dimensões, justamente por o uso de tal expressão “pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra” (Sarlet, 2012, p. 44), embora a lição de Bobbio (2004) seja bem clara quanto a isso, mas há também quem prefira o termo ‘fases’ como Comparatto (2007), no entanto neste trabalho será empregado o termo ‘gerações’. Desta forma, apresenta-se esta classificação por razões metodológicas, a saber:

Direitos Humanos de 1ª geração:

São os direitos civis e políticos, clássicos, negativos, pois exigem uma conduta de abstenção por parte do Estado (o Estado não pode prender, processar, tributar, etc...), os quais foram universalizados pela Revolução Francesa, em 1789. São a primeira forma de aparição dos Direitos Humanos, onde surgem os direitos individuais que estavam ideologicamente vinculados ao pensamento liberal burguês. Hoje em dia estão positivados nas modernas declarações de direitos, em especial as declarações americanas.

Pueden ser definidos como aquellos derechos que se atribuyen a las personas, bien en cuanto personas en sí mismas consideradas, bien en cuanto que ciudadanos pertenecientes a un determinado Estado, y que suponen una serie de barreras y de exigencias frente al poder del Estado en cuanto que ámbitos de exclusión o autonomia respecto del poder del mismo. (Santagati, 2012, p. 78)

Embora a divergência quanto ao nome, se gerações, fases ou dimensões, entende-se que são aqueles direitos que são o produto do pensamento liberal-burguês do séx, XVIII, que se firmaram como os direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, caracterizando uma zona de não intervenção e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São so direitos de cunho negativo, que indicam uma abstenção por parte dos poderes públicos. (Sarlet, 2012)

Direitos Humanos de 2ª geração:

São os direitos econômicos, sociais e culturais, surgidos em meados do século XIX, com a Revolução Industrial e o surgimento de grandes massas de operários e outros trabalhadores, sob o mesmo teto fabril ou comercial, em que eram explorados em mão-de-obra escrava, infantil e sem direitos como insalubridade, jornada mínima de trabalho, etc.

Diferem-se dos de primeira geração por serem direitos positivos, conforme assevera Sarlet (2012, p. 47): “A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social’”. Assim, tais direitos não são mais aqueles direitos de liberdade perante o Estado, mas por intermédio do Estado.

Santagati (2012) assim define os Direitos Humanos de segunda geração:

Los derechos económicos, sociales y culturales son aquel conjunto de derechos-prestación, que consisten en especificar aquellas pretensiones de las personas y de los pueblos consistentes en la obtención de prestaciones de cosas o de atividades, dentro del ámbito económico-social, frente a las personas  y grupos que detentan el poder del Estado y frente a los grupos sociales dominantes. (Santagati, 2012, p. 82)

O autor ratifica que estas reivindicações surgiram no séx. XIX, a partir do surgimento do proletariado como protagonista histórico e devido ao crescente processo de industrialização. Assim, como consequência da Revolução Industrial em que as condições duríssimas de trabalho e muitas vezes desumanas que geraram um manifesto sobre a insuficiência dos direitos individuais se a democracia política não se convertesse em democracia social.

Direitos Humanos de 3ª geração:

São os de solidariedade internacional, nos quais os beneficiários são não só os indivíduos, mas os povos.

São os denominados direitos da fraternidade: o direito ao desenvolvimento, à paz, o direito ao meio ambiente, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

Sarlet os conceitua como:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. (Sarlet, 2012, p. 48)

Embora pareça haver unanimidade acerca desta classificação, assevera Santagati:

Aunque no existe acuerdo en la doctrina a la hora de enumerar y classificar los derechos de la tercera generación, podemos considerar compreendidos en la misma los siguientes derechos:

- El derecho de autodeterminación de los pueblos.

- El derecho al desarrollo.

- El derecho al medio ambiente sano.

- El derecho a la paz. (Santagati, 2012, p. 85)

Direitos Humanos de 4ª geração:

Segundo Sarlet (2012, p. 50), os direitos humanos de quarta e de quinta dimensões “ainda aguardam sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas”, no entanto cita o notável Paulo Bonavides, o qual reconhece a existência de uma quarta dimensão.

São o direito à democracia, à informação e o direito ao pluralismo, e “deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”. Para o autor, neste fim de século, os Estados, como o Brasil, são impelidos para a busca de uma nova utopia: “a globalização do neoliberalismo, extraída da globalização econômica”, que produziram os direitos humanos de quarta geração (BONAVIDES, 2006, p. 570-571).

O reconhecimento de tais direitos seria a “derradeira fase de institucionalização do Estado Social”, que o doutrinador brilhantemente defendeu em sua obra intitulada “Do Estado Social ao Estado Social”. Complementa Sarlet (2012, p. 51), que a proposta de Bonavides quanto à “dimensão dos direitos fundamentais, [...] longe está de obter o devido reconhecimento no direito positivo interno, [...] não passando por ora, de justa e saudável esperança co relação a um futuro melhor para a humanidade”, revelando-se ainda coo profética, porém não utópica.

Direitos Humanos de 5ª geração:

Surgem os Direitos Humanos de quinta geração, que o autor giza que são aqueles que “marcam a passagem da sociedade industrial para a sociedade virtual, que envolvem o desenvolvimento da cibernética, das redes de computadores, do comércio eletrônico, da inteligência artificial, da realidade virtual” (GORZEVSKI, 2005, p. 79). Tais direitos compreendem o grande desenvolvimento da cibernética da atualidade, que determinam que se preservem direitos, exigindo uma ação efetiva e rápida do Estado na proteção destes direitos, impedindo malefícios, uma vez que estes avanços tecnológicos da cibernética, hodiernamente estão em uma velocidade nunca dantes vista.

Embora novos direitos tenham surgido ao longo dos tempos, e ainda surgirão numa análise simplista à luz de Bobbio (2004), todos estes direitos remontam à origem, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, positivada na Revolução Francesa, que ainda não teve o acolhimento que merece na teoria geral do direito, e

A Declaração favoreceu – assim escreve um autorizado internacionalista num recente escrito sobre os direitos do homem – a emergência, embora débil, tênue e obstaculizada, do indivíduo, no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados soberanos. Ela pôs em movimento um processo irreversível, com o qual todos deveriam se alegrar (BOBBIO, 2004, p. 5)

Dentro desta linha de pensamento, por Bobbio (2004), constata-se que novos direitos surgirão, fruto de uma evolução histórica da sociedade, numa luta constante de esvaziamento de poder do homem sobre o homem, que não tem fim, pois obedecem a um movimento dialético, de contrariedade, de negação, estabelecendo um novo modelo.


A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Desde a Carta das Nações Unidas, a Comissão Preparatória das Nações Unidas, reuniu-se logo após o encerramento da Conferência de São Francisco, que criou as Nações Unidas, o Conselho Econômico e Social em seu primeiro ato, criou uma comissão para promoção dos Direitos Humanos, em 1946.

Uma grande batalha política foi gerada, mas era imprescindível a cooperação e entendimento para reunir em um único documento todas as concepções pretendidas.

Pronunciamentos valiosos foram colhidos no ano de 1947, dentre eles Mahatma Gandhi, líder da libertação da Índia do colonianismo britânico: “Somos credores do direito à vida quando cumprimos o dever de cidadãos do mundo”.

Promulgada a Declaração Universal, a humanidade passou a ter em suas mãos um documento de luta que ingressou na cabeça de todos os seres humanos politicamente conscientes, unânimes da defesa de seus princípios, independente de seus pontos de vista contraditórios.

SERPA (2002) informa que o mais importante documento do século foi a Declaração Universal dos Direitos do Cidadão, aprovada pela Resolução nº 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948.


OS DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Falar em Direitos Humanos é falar de poder, o poder por excelência, seja social, político, ideológico, etc. Nesta concepção entram as figuras do Estado, e da sociedade e a relação que se desencadeará entre ambos, em que Rousseau já observava para o vício inevitável a todo o governo no sentido da usurpação da soberania popular. (CARRION, 1997).

Neste capítulo se estudará brevemente sobre os Direitos Humanos e sua relação com o Estado, desde o antigo ao atual Estado Democrático de Direito.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia Constituinte francesa, de 27 de agosto de 1789, era um documento filosófico e jurídico, que anunciava uma sociedade ideal, onde tais direitos deveriam ultrapassar os indivíduos do país e alcançar dimensões universais e este documento marcante do Estado Liberal, serviu de modelo às declarações constitucionais de direitos dos séculos XIX e XX, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948, em Paris.

Pode parecer que somente na Constituição Federal de 1988 o Brasil positivou tais Direitos Humanos, no entanto, (SILVA, 2006) pondera que as Constituições brasileiras sempre inscreveram os direitos do homem brasileiro e estrangeiro residente no país e registra-se que a primeira constituição no mundo a subjetivar e positivar os direitos do homem, foi a do Império do Brasil, de 1824.

Em especial, a Constituição Federal de 1988 foi a mais abrangente de todas, abrindo um Título sobre os princípios fundamentais: Dos Direitos e Garantias Fundamentais, incluindo os Direitos Individuais e Coletivos (Cap. I), os Direitos Sociais (Cap. II), os Direitos da Nacionalidade (Cap III), os Direitos Políticos (Cap IV) e os Partidos Políticos (Cap. V). (SILVA, 2006).

O autor assevera que a democracia, como realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana, é conceito mais abrangente do que o Estado de Direito, que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal, chegando-se ao Estado Democrático de Direito positivado no art. 1º da Constituição Federal de 1988, que reúne os princípios do Estado Democrático de Direito.

A configuração deste Estado Democrático de Direito não significa apenas reunir formalmente tais conceitos, mas na criação de um conceito novo. Daí a importância de a nossa Constituição Federal abrir em seu artigo primeiro, onde tal Estado é proclamado. (SILVA, 2006).


CONCLUSÃO

Encerrando o presente estudo, sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-lo, constata-se que os Direitos Humanos são o fruto das lutas pelos ideais de justiça, igualdade, fraternidade, que marcaram a história da humanidade em busca não somente destes ideais, mas de uma vida digna, em busca de paz.

Nestas lutas buscou-se um ideal de sociedade onde um governante não subjugue os governados, bem como a justiça, os princípios de igualdade com base no direito natural se fortaleçam e beneficiem o homem como ser humano, dotado de direitos, mesmo que relativos, mas que se fortaleçam no seio da sociedade.

Estas lutas foram marcadas por ideais que se fortaleceram às custas de muito sangue, onde o povo subjugado buscava por melhores condições de vida e que não ficassem à mercê de um Estado tirano e dominador. Nesse ínterim, foi o palco para o surgimento de movimentos como o iluminismo, o liberalismo, que modificaram significativamente o Estado, passando do Estado feudal, para um Estado de Direito e Estado Democrático de Direito.

Estas lutas não foram em vão, e mesmo com a falta de entendimento e compreensão sobre a verdadeira extensão desta expressão, pode-se dizer que os Direitos Humanos vieram para ficar, pois não há como se imaginar retroceder-se nestas conquistas, não há como se imaginar uma sociedade aberta ao futuro que não privilegie o cidadão em detrimento do Estado.

Conceitualmente os Direitos Humanos protegem a parte hipossuficiente na relação Estado/cidadão e reside aí a grande incompreensão, quanto ao tema de pessoas mal informadas que desejam um Estado mais forte na ação contra os direitos do cidadão. Mas esta temática é tão abrangente, uma vez que não há uma fórmula mágica, pois, ou se fornece maiores poderes ao Estado ou ao cidadão, nunca aos dois no mesmo momento.

Assim como o Estado, parece que a democracia também se transforma de uma democracia representativa para uma democracia global, talvez, como diria Baumann. Mas esse é o peso da democracia, pois se torna impensável o exercício dos direitos humanos numa sociedade não democrática, eis que são conceitos que caminham juntos.

Novos direitos surgirão, já afirmava Bobbio (2004), e nos dias atuais as questões referentes ao bio-direito apontam talvez e ainda em estado embrionário, para os direitos humanos de 6ª geração, uma vez que carece que regulemos urgentemente as questões relativas à utilização de embriões, células-tronco, eutanásia, etc, motivando com que a sociedade debata estes temas e legisle com a urgência e clareza necessários aos novos tempos.

Busca-se, assim, a primazia no atendimento ao cidadão, consolidando esta relação Estado-cidadão, visando a preservação e a manutenção de uma sociedade mais igualitária, em busca de um ideal de paz no corpo social.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1996;

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Editora Campus/Elsevier, 2004;

________. O Futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2006;

________. Do Estado Liberal ao Estado Social, 7 ed. São Paulo: Malheiros 2004.

________. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013;

CARRION, Eduardo Kroeff Machado. Apontamentos de Direito Constitucional. Livraria do Advogado editora, 1997;

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo: editora braziliense, 2006;

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007;

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2007;

_______. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2004;

GORCZEWSKI, Clóvis. Direitos Humanos – dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005;

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Matin Claret, 2004.

MARSHALL. H.T. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1967;

MARTINS, Cleber Ori Cuti. Cidadania, Ética e Política. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2008;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001.

SANTAGATI, Claudio Jesús. Manual de Derechos Humanos. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas, 2012;

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na CF 88. Porto Alegre: Biblioteca do Advogado, 2008;

_______. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012;

SCHILLING, Voltaire. Revolução Francesa – Iluminismo, Jacobismo e Bonapartismo. Porto Alegre: 2003;

SERPA, José Hermílio. A Política, o Estado, a Constituição e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 2002;

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006;

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.


Autor

  • Paulo Rogério Farias Medeiros

    Coronel da BM/RS, formado pela Academia de Polícia Militar/BMRS em 1985 e em Direito pela Univates, pós-graduado pela Universidade Federal do RS em segurança cidadã, criminalidade, violência e polícia, bem como em Direito Penal, Constitucional e Direitos Humanos; doutorando pela Universidade Nacional Lomas de Zamora, Lomas de Zamora, Argentina.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.