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Considerações acerca do instituto do factoring

análise do direito de regresso

Considerações acerca do instituto do factoring. análise do direito de regresso

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Este artigo conceitua o instituto do factoring, identificando quais as práticas mais disseminadas no país e as discussões mais relevantes na atualidade, como a análise do direito de regresso.

Resumo: O trabalho a ser desenvolvido refere-se ao instituto do factoring aplicado no Brasil, mais precisamente no que diz respeito ao direito de regresso. Limita-se a conceituação do instituto, a identificação das espécies praticadas no país, diferenciação entre empresas de factoring e instituições financeiras, características, requisitos e elementos contratuais, na lei e na doutrina. O objetivo geral é a análise do instituto do factoring e da estrutura dos contratos de fomento mercantil no direito brasileiro, bem como seus efeitos jurídicos, investigando o direito de regresso nestas operações. Trataremos na introdução ao estudo do factoring abordando a origem histórica, conceitos, etimologias, modalidades praticadas no Brasil, e a diferenciação entre empresas de factoring e instituições financeiras. Analisaremos o contrato de fomento mercantil, abordando suas características e natureza jurídica, requisitos para a sua formação, partes envolvidas, o objeto do contrato, a prestação de serviços, os títulos de crédito negociados no contrato, e as formas de transferência de créditos, por cessão e por endosso. Analisaremos o direito de regresso nas operações de factoring, na cessão de crédito, dividindo esta em responsabilidade obrigatória pelo crédito cedido do faturizado e responsabilidade opcional do devedor. No tocante das hipóteses levantadas, o presente trabalho abrange grande discussão estando aberto para novos campos de pesquisa, bem como críticas e sugestões. 

Palavras-chave: Factoring; Responsabilidade do faturizado; Direito de regresso.

Sumário:1    Introdução. 2    Origens Históricas. 3    Etimologia. 3.1    Factoring: Conceito. 3.2    Modalidades Praticadas no Brasil. 3.2.1   Conventional Factoring. 3.2.2   Maturity Factoring. 3.2.3   Export Factoring..3.2.4   Trustee Factoring. 4    Diferenças entre factoring e instituições finaceiras. 5    Características do contrato de fomento mercantil.. 5.1    Natureza Jurídica. 5.2    Requisitos para formação. 5.3    Partes envolvidas. 5.4    Objeto do contrato. 5.5    A prestação de serviços. 5.6    Títulos de crédito negociáveis. 5.7    Formas de transferência. 5.7.1   Por Cessão. 5.7.2   Por Endosso. 6    O direito de regresso nas operações de factoring. 6.1    A responsabilidade do faturizado. 6.2    Responsabilidade do devedor. REFERÊNCIAS


1.Introdução

A questão do direito de regresso nas operações de factoring deve ser enfrentada à luz do que dispõe a legislação vigente. O factoring não possui lei própria, mas encontra-se regulamentada pelas legislações pertinentes, que deverão ser interpretadas conforme sua finalidade.

Institutos jurídicos como a cessão de créditos, o desconto de títulos, a compra de ativos patrimoniais, a concessão de empréstimos, entre outras formas assemelhadas, não raro, levam operadores de direito a um equivocado raciocínio, qual seja, a de que tais atividades, enquanto creditícias são próprias de instituições financeiras, e como tal, imprescindível se tornaria à autorização do Banco Central. Entretanto pode uma empresa adquirir o crédito de outra empresa, ou mesmo de uma pessoa física, exercendo, tão somente, uma atividade estritamente comercial.

Na compra de crédito, utiliza-se da cessão de crédito prevista no Código Civil. O endosso é o meio para a transmissão (circulação) dos títulos cedidos. A cessão de crédito está inserida no contrato de fomento mercantil e, um dos efeitos da cessão de crédito, é a responsabilidade do cedente. Tomando-se como base à legislação aplicável ao factoring, ou seja, o instituto da cessão de crédito e o endosso, que são instrumentos legais para a compra de crédito e a transferência daquela, respectivamente, deve-se analisar tais institutos para justificar a aplicação do direito de regresso em face da insolvência do devedor.

Conforme já dito anteriormente, a operação de fomento mercantil repousa numa cessão de créditos, face sua natureza contratual, não obstante seja o título circulado por meio de endosso. A cessão tem por objeto a transferência de crédito, sendo um contrato típico, ou seja, regulamentado por lei, embora inserido no contrato de fomento mercantil que é atípico misto. A cessão de crédito possui regulamentação própria, prevendo mecanismos para responsabilizar o cedente independente de sua vontade (obrigatória) e quando estipulado contratualmente (opcional).

Essa mesma cessão de crédito aplica-se na operação de factoring, onde estabelece, em relação à responsabilidade do cedente, face à solvência do devedor, o seguinte no artigo 296 do Código Civil (salvo em estipulação em contrário o cedente não responde pela solvência do devedor).

O dispositivo permite que o cedente assuma, caso o desejar, tal responsabilidade, pois a expressão, “salvo estipulação em contrário”, admite que ele possa assegurar a solvência futura.

Temos então, além da garantia concernente a existência e legitimidade (verdade e subsistência), que sempre é obrigatória (art. 295 do Código Civil), poderá, opcional e voluntariamente, o cedente responder quanto à solvência do devedor. Essa responsabilidade deverá ser assumida somente através de convenção por escrito em contrato, respondendo então o cedente, pela idoneidade financeira do cedido (art. 296 do Código Civil) limitados ao valor do crédito, com os respectivos juros (art. 297 do Código Civil).

Se no contrato de fomento mercantil não for estipulado o contrário do que  autoriza a lei (responsabilidade pela solvência do devedor), o cedente-faturizado não responderá pelo pagamento do devedor.

Diante disto, é possível que o cedente-faturizado seja responsabilizado pela idoneidade financeira do cedido-sacado-devedor, quando expressamente convencionado.


2 .Origens Históricas

Alguns pesquisadores vão buscar no “Código de Hamurabi” as origens históricas dos bancos e outras atividades comerciais relacionadas com o crédito, dentre as quais, localizam o factoring. Segundo o presidente da ANFAC, Leite (1): 

As origens do factoring remontam dos primórdios da civilização ocidental, através do Código de Hamurabi, que regulamentava as normas de gestão e procedimentos. Naqueles primórdios da civilização, a forma de obter e transferir recursos a terceiros surgia como necessidade do tráfico de mercadorias e foi utilizada pelos povos antigos, caldeus, babilônicos, fenícios etruscos, gregos e romanos, entre outros que faziam o comércio no Oriente Médio e Mediterrâneo.

A troca (venda) de mercadorias ou ativos com a finalidade de obter recursos necessários para os comerciantes tocarem e fazer girar os seus negócios é tão antigo quanto o comércio em si, e atividades desta natureza datam daqueles tempos em que eram praticadas pelos comerciantes da Babilônia, para contornar dificuldades encontradas na comercialização de suas mercadorias. Desse modo, ceder créditos comerciais para levantar recursos é prática das mais remotas épocas da civilização.

Logo surgiu a figura do agente mercantil (factor) que tinha a finalidade de facilitar e incrementar o comércio, que era, naqueles tempos, baseado nas trocas de mercadorias – escambo – e de prestar serviços e informações creditícias, de consultoria, de cobranças e de apoio às transações comerciais que se realizavam entre as regiões mais distantes do Império, composto de povos de idiomas diferentes e de difícil comunicação, mediante ao recebimento de uma comissão. Assim, tanto nos tempos primórdios, quanto nos países Europeus, os factors são tratados como consultores de negócios, responsáveis pela intermediação desses, entre fabricante e o adquirente final, sendo que no decorrer desta atividade, todos os atos necessários à perpetuação do negócio ficavam a cargo do factor.

Já por volta de 1200 a.C, os fenícios passaram a dominar o comércio no Mediterrâneo, chegando a Península Ibérica, onde criaram suas factorias, devido à necessidade de reduzir os riscos nas transações comerciais expandir suas fronteiras mercantis, estabelecendo assim grandes centros comerciais, a exemplo de Ulissipona (atual Lisboa) e Catargo, que foi o maior centro comercial do Mediterrâneo, e disputada pelos romanos nas Guerras Púnicas na ascensão do Império Romano, um dos maiores de toda a história da civilização, houve a necessidade de manter a hegemonia dos povos conquistados, através da exploração do comércio nas regiões subjugadas.

Com a queda do Império, os factors continuaram exercendo suas funções durante a Idade Média, época em que havia uma grande preocupação por parte dos comerciantes quanto aos “riscos de negócio”, motivo pelo qual foram criadas cooperativas de comerciantes, com a finalidade de amenizar tais riscos, diminuindo assim as perdas sofridas.

Em seguida, vieram os grandes descobrimentos, e com isso países como Portugal e Espanha passaram a liderar o comércio internacional, através da conquista de territórios ultramarinos.

Contudo, este não é o entendimento da maioria dos doutrinadores que apresentam, que a origem da factoring remonta a partir do século XIV e XV, na Europa. O factor era um agente mercantil, que vendia mercadorias a terceiros contra um pagamento de uma comissão. Eram representantes de exportadores que conheciam bem as novas colônias, custodiando as mercadorias e prestando contas aos seus proprietários.

   Com o tempo esses representantes passaram a antecipar o pagamento das mercadorias. Nos Estados Unidos o factoring surgiu com a fundação das primeiras colônias, por volta de 1600. Durante os séculos XVII e XVIII, o factoring adquiriu grande importância na América anglo-saxônica, onde os factors representavam e trabalhavam para interesses britânicos, recebendo e distribuindo as mercadorias importadas, efetuando a cobrança das mesmas e ainda antecipando ou adiantando capital aos exportadores ingleses. Havia também a intermediação das transações comerciais entre a colônia e a metrópole, garantindo aos factors, a compra dos produtos, antes de mesmo de serem vendidos, conforme a lição de Leite [2].

Os factors, ótimos conhecedores dos mercados locais, fizeram-se intermediários nas transações comerciais entre as regiões economicamente mais desenvolvidas e aquelas mais atrasadas, assumindo um papel essencial na venda dos produtos das indústrias têxteis e manufateiras procedentes da Europa. A importância do comércio desses produtos exportados da Inglaterra para a América era tal que propositadamente passaram a ser adotados os termos cotton-factor e textile-factor.

 Com a independência norte-americana, a atividade do factor teve de ser ampliada devido às medidas protecionistas impostas pelo novo governo americano em favor da indústria local, causando considerável diminuição nas importações européias, o que fez com que os factor procurassem oferecer novos serviços à indústria norte-americana. Em 1808 [3], surge nos Estados Unidos a primeira sociedade de factoring, tornando a atividade do factor cada vez mais complexa. Um fator determinante para a expansão e sucesso das factorings, naquela época, foi à inexistência do instituto do desconto bancário no sistema financeiro norte americano. Já neste período se admitia explicitamente que o cedente, depois da cessão, se tornava estranho à relação obrigacional, fato que, embora aplicável as factoring até pouco tempo, atualmente já não tem mais eficácia, eis que hoje o cedente é também responsável pela liquidação doa títulos.

Em outros países europeus [4], o factoring passou a ser objeto de interesse nos idos de 1823, tendo especial atenção legislativa na Inglaterra, que embora tenha sido o berço do factoring moderno, caiu no esquecimento no século XIX, ficando restrito somente aos Estados Unidos até o ano de 1960. O êxito do factoring tornou-se tão marcante que as empresas atuantes no setor passaram a ter a concorrência de numerosos bancos comerciais que, estimulados pelos bons negócios daquelas empresas de fomento mercantil, partiram para constituir suas próprias carteiras de factoring.

Neste contexto, Donini [5] ensina que:

Com a independência dos Estados Unidos da América e com a promulgação das primeiras leis alfandegárias protetoras das indústrias, os factors dali se desligaram dos exportadores da antiga metrópole e começaram a empregar seus conhecimentos e sua capacidade econômica em benefício dos fabricantes do novo país.

Na França [6], a atividade do factoring não foi bem recebida, sendo alvo de críticas, inclusive pela denominação no vernáculo inglês, e devido a isso, foi adotado o termo affacturage para designar tal instituto, visando a proteção da língua francesa. Os bancos franceses, ante a notícia da instalação dos factors americanos, reagiram de forma hostil, pois estavam convencidos de que o sistema bancário francês estava em um estágio de aperfeiçoamento superior e , portanto, mais eficiente em relação aos Estados Unidos. Pouco a pouco essa situação foi alterando-se, fossem por exigências dos clientes ou porque se começou a entender que, graças à longa experiência americana, banco e factoring poderiam coexistir pacificamente, completando-se mutuamente.

Depois de longas negociações entre o Conselho Nacional de Crédito francês e o Banco de Boston, obteve-se a autorização para se constituir a sociedade de factoring francesa e assim o factoring foi introduzido na França, como remédio eficaz para o segmento das pequenas e médias empresas. Posteriormente, estabelece-se que às empresas de fomento mercantil deveriam adotar o estatuto das instituições financeiras e sujeitar-se ao controle daquele Conselho.  

Na Alemanha [7], o factoring encontrou alguns obstáculos jurídicos à sua implantação, pois neste país a cessão de crédito é regida pelo direito civil, dificultando a sua aplicação nas vendas mercantis.

Nos países escandinavos [8], como Suécia, Noruega, Islândia e Dinamarca, o factoring experimentou rápido crescimento, estando bastante difundido. Tal sucesso foi devido também à existência de forte contingenciamento de crédito, adotado posteriormente, e pela tendência de os operadores locais fazerem executar por terceiros estranhos à empresa todos aqueles serviços não essenciais.

Na Itália [9] a atividade do factoring exige requisitos, pressupondo uma atividade complexa e múltipla, que deve ser destinada ao mercado, enquadrando-se na categoria de empresa de serviços. Neste contexto, Leite [10] nos ensina:

A operação de factoring na Itália é encarada como coordenação funcional de serviços e de suprimentos de recursos, mediante cessão de direitos à sociedade de factoring, cuja principal atividade consiste em assumir profissionalmente papel de indiscutível importância para a gestão das pequenas e médias empresas.

A sociedade de factoring italiana não exerce atividade bancária, não necessita qualquer autorização para funcionar, nem está sujeita a nenhum controle específico da parte das autoridades. As primeiras sociedades de factoring da Itália eram controladas por bancos. Em seguida, entretanto, verificou-se uma alteração de tendência devido ao ingresso no setor de grandes grupos industriais, com o objetivo, através do factoring, prestar serviços a seus fornecedores e à clientela de outras empresas do grupo. A finalidade não é obter altos dividendos, senão simplificar e racionalizar a estrutura de cada uma das empresas mediante a unificação dos serviços.

A configuração do factoring como compra de crédito sem direito a regresso, ou sem responsabilidade pela solvibilidade, veio reconhecida mais expressamente a partir da segunda metade em diante do século XX, segundo a lição de Rizzardo [11]:

A câmara Nacional dos Conselheiros Financeiros da França, naturalmente levando em conta a prática do instituto naquele país, definiu o factoring como uma operação que consiste, basicamente, numa transferência de crédito comercial do titular desses créditos a um factor, que se encarrega de fazer a respectiva cobrança e garante o seu êxito, mesmo em caso de impontualidade ou inadimplemento momentâneo ou permanente (falência, concordata ou concurso de credores) do devedor, mediante retenção de taxas de mediação ou intervenção (mayennant la retunue de sés frais d`intervention). Daí haver o Conselho Nacional de Crédito daquele país decidido que todas as entidades que desejarem desempenhar a atividade de factor, deveriam adotar as regras e organização dos estabelecimentos financeiros, ou crédito, com as conseqüências disto decorrentes, isto é, fiscalização do Poder Público e submissão aos ditames que tal fiscalização impõe.

Firmou-se a idéia de aquisição, a título oneroso, de crédito, mas sem o direito de regresso, que prevaleceu até a década de 1980.

Evoluiu o instituto desde então, especialmente no Brasil, para a abrangência maior das atividades, passando as empresas a desempenhar vários serviços, como gestão de créditos, administração de contas, seleção de riscos, indicação de clientes, programação das disponibilidades ativas, assessoria contábil, cobrança de dívidas, tudo se encaminhando para o fomento mercantil. Desta maneira está hoje configurada a atividade, ou seja, a empresa exerce não apenas a atividade de compra da cessão total ou parcial de créditos, recebidos da faturizada, aplicando um deságio no título, bem como, prestando diversos serviços de assessoria empresarial.


3  Etimologia

Analisando sobre a etimologia da palavra factoring, Rizzardo [12] escreve que “a palavra é inglesa, mas tem sua origem no latim”, do verbo facere (fazer), de onde é proveniente o substantivo factor (caso nominativo), factoris (caso genitivo), com o significado de aquele que faz, e que para os romanos representava um agente comercial, ou intermediário de comerciante nas trocas de produtos em locais afastados e distantes.

O professor Fábio Konder Comparato [13] “sugeriu a denominação faturização”, termo este que não foi muito bem aceito pela ANFAC. O conceito de factoring ou faturização ou fomento mercantil ou fomento comercial, proporciona controvérsia sobre a denominação propriamente dita, pois sendo adotado o termo faturização, estar-se-ia limitando-se as funções das respectivas empresas a simples venda de faturamento, ou seja, faturas, o que não é verdade, pois factoring, mais de que uma fórmula moderna de crédito é sobretudo uma técnica evoluída de gestão empresarial, e em nenhuma hipótese pode ser considerada somente cessão de créditos vincendos, representados por duplicatas.

3.1         Factoring: Conceito

Dos autores que se dedicam ao assunto, parte deles conceituam o factoring como sendo a idéia de compra e venda, outros dão vulto à cessão de crédito, mas a maioria deixa clara a natureza comercial e a distinção do instituto em relação aos financiamentos bancários, onde as importâncias adiantadas são devolvidas ao financiador.

Para o presidente da Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – ANFAC, Lemos Leite [14], instrui:

Factoring é uma atividade comercial mista e atípica, que soma prestação de serviços à compra de créditos (direitos creditórios) resultantes de vendas mercantis. É fomento mercantil, porque expande os ativos da empresa cliente, aumentando-lhes as vendas, eliminando seu endividamento e transformando suas vendas a prazo em vendas à vista, o que aumenta seu poder de negociação, nas compras à vista de matéria-prima, pois a empresa não se descapitaliza. É uma prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria mercadológica, creditícia, de seleção de riscos, de gestão de créditos, de acompanhamento de contas a receber e de vários outros serviços.

Na mesma idéia do autor citado acima, sobre factoring, Rizzardo [15] conceitua o instituto do factoring como: “Sendo a relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação”.

Já Orlando Gomes [16], define factoring como: “Um contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro (o factor), créditos provenientes de vendas mercantis, assumindo o cessionário o risco de não recebê-lo contra o pagamento de determinada comissão a que o cedente se obriga”.

Venosa [17] nos ensina que:

O instituto do factoring é um negócio jurídico de duração por meio do qual uma das partes, a empresa de factoring (o faturizador ou factor) adquire créditos que a outra parte (o faturizado) tem com seus respectivos clientes adiantando as importâncias e encarregando-se das cobranças, assumindo o risco de possível insolvência dos respectivos devedores.

Na lição de Helena Diniz [18]:

O contrato de faturização, de fomento mercantil ou factoring, é aquele em que um empresário industrial ou comerciante (faturizado), cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos.

Deve-se ressaltar que a atividade do factoring não está relacionada à atividade financeira, pois não é banco nem instituição. Banco capta dinheiro, empresta dinheiro e necessita de autorização do Banco central para funcionar. Factoring é uma sociedade mercantil.

Conclui-se então que, o sentido tradicional do factoring é claro e simples, tratando-se de uma relação jurídica entre a empresa de factoring (factor) e uma outra empresa (faturizada), sendo que esta entrega a primeira, títulos de créditos oriundas de vendas mercantis realizadas a prazo, recebendo a vista, e em contraprestação remunerando a empresa de factoring pela transação.

No que diz respeito à terminologia utilizada, factoring, cujo radical latino vem de factoris, significa agir, fazer, desenvolver e fomentar.

3.2         Modalidades Praticadas no Brasil

Não há uma única modalidade de factoring. Existem diversas, praticadas de acordo com as finalidades e funções. Venosa [19], dispõe que, “o factoring pode tomar várias formas. Não existe uma unanimidade na doutrina quanto à classificação, pois longe está de uma uniformidade terminológica.”

Portanto, estabelecer apenas uma classificação para várias modalidades de factoring praticadas no Brasil, não é tarefa fácil, e embora alguns autores possuam classificações semelhantes, algumas são mais complexas, abordando um número maior de espécies, enquanto outras tratam apenas das modalidades mais comuns.

Donini [20] conceitua da seguinte forma:

A partir das funções desempenhadas pelo factor dirigidas ao mercado, importa definir e delinear as distinções a fim de relacionar as modalidades atualmente praticadas, embora, como já escrito, possa haver uma zona cinzenta relativamente a algumas das modalidades.

Dentre as classificações existentes, verifica-se que as modalidades mais comuns são o conventional factoring (factoring convencional com antecipação), o maturity factoring (sem antecipação), o export factoring (factoring de exportação), o trustee factoring (factoring administrado). Existem outras modalidades, mas são pouco usadas no Brasil.

3.2.1        Conventional factoring

No factoring convencional, a empresa antecipa recursos sobre o valor dos títulos cedidos no momento da cessão (pro soluto), ou até o vencimento. Haverá o conventional factoring, se as faturas cedidas forem liquidadas pelo faturizador antes dos vencimentos. Segundo Newton de Lucca :

É a forma mais tradicional das operações de faturizacao, sendo oferecida ao faturizado a mais variada gama de serviços e contratos, compreendendo, geralmente, os seguintes: aquisição à vista dos créditos com renúncia do direito de regresso, gestão de tais créditos, notificação de cessão ao devedor, etc”.

3.2.2        Maturity factoring

Na modalidade de maturity, termo em inglês que significa “no vencimento”, funciona quando a empresa de factoring marca um dia determinado para o pagamento do produto da cobrança, nunca antes dos vencimentos dos créditos cedidos. Costuma-se incluir serviços de cobrança de faturas comerciais cedidas. A grande vantagem é o risco do não recebimento.

Sobre esse assunto posiciona-se Venosa [22]:

Pelo maturity factoring (faturização de vencimento), a empresa não financia, não adiante numerário, mas encarrega-se da cobrança dos créditos do faturizado, garantindo seu pagamento nos vencimentos, assumindo o risco pelo inadimplemento.

3.2.3        Export factoring

Já no factoring exportação, o exportador vende ao factor suas mercadorias cash e este as revende através de exportador estrangeiro na base de certo crédito. Serve para comercializar no exterior bens produzidos pelo segmento das pequenas e médias empresas. Ressalta-se ainda que no factoring exportação a remuneração cobrada pela sociedade de factoring pelos serviços prestados, chama-se service fee, e as operações dessa modalidade de factoring devem estar amparadas na Convenção de Ottawa, caso uma das partes seja signatária.

3.2.4        Trustee factoring

O trustee é uma modalidade onde a sociedade de fomento mercantil passa a administrar os negócios da empresa cliente, formando-se assim uma relação de confiança entre o factor e o cliente.

Lemos Leite [23] conceitua esta modalidade da seguinte maneira: “Trata-se de gestão financeira e de negócios da empresa cliente da sociedade de fomento mercantil.” Vale dizer: administra todas as contas do cliente que passa a trabalhar com o caixa zero, otimizando sua capacidade financeira.


4           Diferenças entre factoring e instituições finaceiras

O factoring é uma atividade comercial, devendo os atos constitutivos das sociedades de fomento mercantil ser obrigatoriamente arquivados na Juntas Comerciais dos Estados. A atividade desenvolvida pelo factoring consiste na aquisição de créditos, através da cessão pro soluto, responsabilizando-se o cedente pela origem e legitimidade dos direitos cedidos ao factor. A empresa compra ativos financeiros representados por títulos de créditos vencíveis assumindo os riscos pelo pagamento posterior. Além disso dispõe-se a prestar serviços relacionados ao crédito, ao faturamento, à gestão financeira.

Portanto, a operação de factoring não constitui uma operação de crédito privativa das instituições financeiras, pois, no factoring, a aquisição dos títulos se dá através  de cessão ou endosso. Destaca-se também que nas operações de factoring as sociedades de fomento só poderão operar com pessoas jurídicas e intermediar recursos de terceiros no mercado, oriundos de vendas mercantis realizadas a prazo por suas empresas clientes, fatores que afastam ainda mais das atividades privativas das instituições financeiras.

Já no que se refere às instituições financeiras, esta é regulada por legislação própria, sendo definida em seu art. 17 da Lei nº 4.595/64 [24], a saber:

Art. 17.  Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único: Para efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se as instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam quaisquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanentes ou eventuais.

Nota-se então que para se fazer uma comparação entre as sociedades de fomento mercantil e as instituições financeiras, deve ocorrer simultaneamente à prática das atividades privativas a estas, ou seja, a coleta, a intermediação e a aplicação de recursos financeiros. Cabe lembrar que essas atividades estão intimamente ligadas devendo ser exercidas conjuntamente, conforme leciona Coelho [25]:

Assim, somos inclinados a admitir que o verbo aplicar tem, no contexto do art.17 da Lei 4.595, significação mais restrita ou condicionada. Não pode ser considerado isoladamente, mas em conjunto com os dois outros vernáculos que o antecedem na frase: coleta e intermediação. Da conjunção dos três elementos componentes da definição legal – coleta, intermediação ou aplicação – desponta a conclusão de que o verbo aplicar esta intimamente relacionada com a atividade caracterizadamente de banco ou de entidades similares.

O Bacen, evidentemente, sustentou que atividades de coleta, intermediação e aplicação de recursos financeiros não deveriam ser interpretados em conjunto, haja vista a impossibilidade de coletar e intermediar recursos próprios, referindo-se tais atividades a recursos de terceiros, e, devido ao parágrafo único do artigo em questão referir-se “a qualquer das atividades” ao equiparar a pessoa física a instituição financeira. Assim, o art. 1º da Lei 7.492/86 [26] (Lei do Colarinho Branco), substituiu o art. 17 da Lei 4.595/64, ao modificar o conceito de instituição financeira.

Art. 1º - Considera-se instituição financeira para efeitos desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único: Equipara-se a instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recursos de terceiros; 

II – a pessoa natural que exerça qualquer das atividades referida neste artigo, ainda que de forma eventual.

Com as devidas modificações, passou a integrar o conceito de instituição financeira a expressão “cumulativamente ou não”, no tocante a prática de captação, intermediação e aplicação dos recursos financeiros, solucionando desta forma as controvérsias existentes no texto antigo.

Logo, os Tribunais passaram a considerar as atividades baseadas em empréstimos realizados com recursos próprios não se enquadravam em práticas exclusivas de instituição financeira, e os crimes relacionados com tais atividades não seriam contra o Sistema Financeiro Nacional, mas sim contra a economia popular, constituindo crime de usura.

Entende-se assim que o conceito para as instituições financeiras, é aquela que envolve a captação, intermediação ou aplicação de recursos de terceiros.


5           Características do contrato de fomento mercantil

O contrato das empresas de fomento mercantil tem como fundamento principal à aquisição de créditos onde o cliente faturizado efetua vendas comerciais a prazo, tendo este assim, conforme Venosa [27], conteúdo jurídico próprio e peculiar. Por ser uma modalidade considerada nova no Brasil o contrato de fomento mercantil está em constante desenvolvimento, adquirindo qualidades  de direito.

Segundo Bulgarelli [28], pode-se classificar o contrato de factoring como “bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de execução continuada, intuitu personae, interempresarial e atípico”.

É bilateral pois para a sua realização causam obrigações e direitos a ambas as partes envolvidas. Conforme lição de Rizzardo [29], “o factor adquire os créditos e o cliente entrega ou transfere tais créditos. Há o compromisso de adquirir e pagar pelos créditos, de parte do factor, e de entregar e transferir, relativamente ao faturizado”.

Estabelece-se consensual,  porque é necessária a declaração de vontade das partes para possuir eficácia. Diniz [30] leciona que: “os contratos consensuais ou não solenes são os que se perfazem pela simples anuência das partes, sem a necessidade de outro ato”.

Rizzardo [31], afirma que o contrato de fomento mercantil  se diz comutativo, pois “traz vantagens e obrigações ou prestações recíprocas para os pactuantes, que devem se equivaler. Não é admitida a vantagem excessiva de uma das partes”.

O contrato de factoring é oneroso visto que se deve a cobrança de taxas de remuneração por parte das sociedades de fomento mercantil pela atividade exercida. Tal remuneração é cobrada em vista do risco do negócio conforme ensina o autor Rizzardo [32].

Remunera-se pelo risco que ocorre ante a possibilidade do não recebimento, remunera-se para compensar o adiantamento das importâncias pagas. Compreende-se assim, porque há maiores custos que nos contratos bancários. Um dos destaques de maior relevância é a isenção do faturizado da responsabilidade de pagar o crédito cedido. Não recai nele qualquer obrigação de reembolsar, pelo valor recebido, o titulo que transferiu.

Diniz [33] define contrato de execução continuada como sendo, “aqueles que se prolongam no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo”.

No caso dos contratos de factoring, é de execução continuada, pois o ato da aquisição dos créditos e da prestação de serviços por parte das empresas de fomento mercantil se dá repetidamente.

É contrato intuitu personae ou pessoal, pois conforme Donini[34]:

[...] na operação de factoring, o faturizador considera como elemento determinado para a contratação à pessoa do faturizado, sendo elemento causal do contrato. Assim é que para a empresa de factoring comprar títulos de crédito do faturizado, procura conhecê-lo no mercado, condicionando-o a critérios para a aprovação de sua condição de contraente e faturizado.

No que diz respeito ao contrato interempresarial, mercantil ou empresarial, entende-se aquele realizado entre empresas, sendo redigidos por normas de direito civil e comercial, conforme leciona o autor acima citado[35].

A operação de factoring não envolve relação de consumo. O faturizado (cedente-cliente do factoring) na cessão de crédito se apresenta como tomador de recursos para fomentar sua empresa ou seja, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores) que não se enquadra como consumidor ou destinatário final.

Denota-se contrato de fomento mercantil atípico porque não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei específica que o regularmente, embora seja um contrato nominado, pois segundo Rizzardo[36], “há uma denominação, adotada por resoluções do Banco Central e até em lei. Usam-se as expressões factoring, faturização e fomento de crédito mercantil ou comercial”.

Donini [37] posiciona-se sobre a atipicidade do contrato de fomento mercantil da seguinte maneira:

O contrato de fomento mercantil, mesmo não possuindo regras contratuais regulamentadas (atípico), envolve cessão de créditos, prestação de serviços e endosso, cujos institutos se encontram delineados em leis específicas (típico). Por isso, podemos classifica-lo como contrato atípico misto.

Como se pode ver o contrato de fomento mercantil é atípico misto, interempresarial, intuitu personae, de execução continuada, comutativo, oneroso, consensual e bilateral.

5.1         Natureza Jurídica

A modalidade factoring ainda é considerada como um instituto novo sendo comparado por muitos doutrinadores com outros que já existem. A discussão da natureza jurídica está justamente neste ponto. Por não possuir legislação específica sobre o assunto, às transações comerciais feitas pelas empresas de fomento mercantil são consideradas atípicas, ou seja, somente uma idéia sobre o instituto factoring, não basta para tipificá-lo, é necessário uma disposição em lei para que seja devidamente regulamentada.

Bertuccelli[38], observa que:

“[...] o factoring tem sua origem num contrato fundamental e que depois se desenvolve através da prática repetida de atos (simples cessões de crédito), as quais constituem a execução das obrigações previstas naquele contrato básico. Concentram-se, por analogia, nos contratos de contas correntes e no de abertura de crédito. Portanto, podemos atribuir ao contrato de factoring uma substancial unidade negocial existente por uma única causa que, na prática, nos encontraremos diante de um novo tipo de contrato, não regulamentado pelo Legislativo, com o qual, por intermédio da cessão dos créditos, se tende à obtenção de fins atinentes à gestão contábil e financeira de uma empresa. No ato de sua constituição, o contrato de factoring produz somente efeitos obrigatórios, enquanto que o efeito transladativo se produzirá no momento em que o fornecedor o concede ao próprio cliente uma dilação de prazo para pagamento e pelo que o crédito se transfere automaticamente ao factor. Por sua vez, a aprovação do crédito pelo factor tem somente a finalidade formal de uma assunção do risco de insolvência do devedor cedido. Na hipótese de que o factor não aprove o crédito, a cessão não se opera, mas se considera feita pro solvendo[...]”.     

A transação efetuada pelas factorings é necessariamente identificável na cessão  de crédito, visto que há a venda do faturamento de uma empresa para outra, não se resumindo apenas a isso, mas outras prestações de serviços. 

As empresa de fomento mercantil desempenham sua função com capital próprio, não sendo permitida a captação de recursos, pois esta é uma atividade específica dos bancos.

5.2         Requisitos Para Formação

Para se realizar um negócio jurídico é necessário cumprir plenamente alguns requisitos básicos para que possam surtir os efeitos esperados pelas partes contratantes.

Conforme ensinamento de Bulgarelli [39]:

Os contratos, como todos os negócios jurídicos, são constituídos de elementos gerais e específicos, extrínsecos e intrínsecos. Enquanto a classificação, tendo como base o termo elementos, é antiga, a doutrina moderna prefere empregar o termo requisito, embora substancialmente não se distingam, pois que ambos significam, afinal, o que integra a constituição ou composição dos atos jurídicos.

Assim para a validade do negócio jurídico, de acordo com o disposto no art. 104 do Código Civil Brasileiro, é necessária a conjugação de três requisitos; subjetivos, objetivos e formais: agente capaz, objeto lícito, possível e determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

O contrato de fomento mercantil observará, inicialmente, a capacidade das partes, caso contrário poderá ocorrer causa de nulidade ou anulabilidade do contrato, sendo as partes absolutamente ou relativamente incapazes, conforme os artigos 166, I e 171, I, do C.C.

Sobre capacidade do agente Bulgaretti [40] posiciona-se da seguinte maneira:

Assim, em relação ao agente capaz, além de capacidade a doutrina faz referênçia à legitimação. Portanto, o agente deve ser capaz, e também legitimado, isto é, não estar impedido de praticar o ato, ou então deve ter titularidade ativa ou passiva, portanto, deve estar habilitado pela lei para determinado contrato.

Quanto ao requisito objetivo, este deverá ser lícito e determinável, segundo a lição de Diniz[41], tais requisitos “dizem respeito ao objeto do contrato, ou seja, à obrigação constituída, modificada ou extinta”.

Dessa forma, o contrato de fomento mercantil deverá conter objeto que não seja contrário à lei, a moral e aos bons princípios da ordem pública e aos bons costumes, que não seja física ou materialmente impossível, de modo que o agente jamais possa vencer o obstáculo à sua realização, por contrariar as leis, bem como deverá ser certo, ou pelo menos determinável.

No que se refere ainda ao requisito formal, esta só é elemento essencial quando a lei exige, não estando ligada a formação do contrato, mas estreitamente ligada à prova. Sendo assim não se exige ao contrato de fomento mercantil qualquer forma especial, podendo este ser firmado tácita ou expressamente, dando-se preferência para que esse seja na forma escrita.

Deste modo, tem-se que para a formação do contrato de fomento mercantil são necessários os seguintes requisitos: agente capaz, objeto lícito, possível e determinável, forma prescrita ou não defesa em lei e a coincidência de vontades entre os agentes contratantes.

5.3         Partes Envolvidas

As operacões de factoring envolvem negociações de créditos e prestações de serviços, sendo que destas atividades, surge uma relação jurídica entre as partes envolvidas. Por ser um contrato bilateral, para a sua formalização é necessário no mínimo de duas partes envolvidas, a empresa de factoring (faturizadora, factor) e, o seu cliente (faturizado). Além das partes propriamente ditas, terão relação com o contrato de fomento mercantil, o devedor-comprador da faturizada e em alguns casos o garantidor da faturizada. Rizzardo [42] leciona que:

Faturizador ou factor é o titular da empresa de factoring ou faturização, ou aquele que empreende este tipo de negócio, adquirindo os títulos e pagando-os, indo, depois, contra o real devedor. É ele a pessoa que comanda a operação, ou a principal figura na relação que envolverá, posteriormente, também o devedor do título.

Sobre a empresa contratada, Donini [43] dispõe que é “também conhecida por factor, factoring, faturizadora, compradora (do crédito), cessionária (da cessão), endossatária (do título). É a empresa de factoring que adquire créditos e presta serviços convencionais ou diferenciados”.

Na lição de Lemos Leite [44], a empresa contratada:

É a sociedade de fomento mercantil-factoring que presta serviços de apoio gerencial, em caráter contínuo, e adquire os direitos (créditos) de vendas mercantis ou de prestação de serviços da empresa cliente (contratante vendedora) e passa a ter legitimidade para recebê-los junto ao sacado-devedor do crédito comprado.

Quanto à cliente da sociedade de fomento mercantil, colhe-se a lição de Donini [45]:

Também conhecida como vendedora, cedente, endossante, sacadora. É cliente da Factoring, em regra é o fabricante, distribuidor, comerciante. Sempre uma pessoa jurídica (empresário, segundo o novo Código Civil), à qual, em troca do pagamento de uma comissão (fator), entrega ao faturizador os créditos comerciais que possui contra seus compradores, podendo contratar destes serviços de administração, contabilidade, análise de créditos, etc. 

Por ser um contrato interempresarial a empresa cliente é necessariamente pessoa jurídica, que vende à vista os seus direitos (créditos), gerados pelas vendas mercantis de seus produtos ou pelos serviços realizados.

O Código Civil de 2002, definiu em seu art. 966 a atividade empresarial como: “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”.[46]

Sobre essa definição, conveniente é a lição de Fiúza [47]:

O conceito de empresário expresso no art. 966 do Código Civil reproduz, fielmente, a definição do Código Civil italiano de 1842 (art.280). Três são os elementos ou atributos fundamentais desse conceito: a economicidade, como fator de geração de riquezas, a organização e a profissionalidade. O conceito de empresário não se restringe mais, apenas, às pessoas que exerçam atividades comerciais ou mercantis. O novo Código Civil eliminou e unificou a divisão anterior existente entre empresário civil e empresário comercial.

No tocante à personalidade jurídica da empresa, o ensinamento de Coelho [48]:

A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo sociedade empresarial.Como é a pessoa jurídica que explora a atividade empresarial, não é correto chamar de empresário o sócio da sociedade empresarial.

Portanto, o cliente do factoring deverá ser uma empresa, nos termos do art. 966 do Código Civil, sendo constituída por uma pessoa física (empresa individual) ou uma pessoa jurídica (sociedade empresarial). O devedor embora não faça parte do contrato de fomento mercantil, participa da relação jurídica entre o factor e o cliente, pois ele é razão de ser do contrato.

Para donini [49]:

O devedor, também conhecido como sacado ou emitente do cheque, não participa do contrato, é apenas cientificado do mesmo. E, uma vez notificado, na forma como determina a lei, obriga-se ao pagamento do título à contratada-faturizadora. Poderá ser pessoa física ou jurídica. É contra quem se saca a duplicata, e poderá tornar-se aceitante, quando reconhecer  no próprio título, o débito.

Na definição de Lemos Leite [50], o devedor ou sacado:

É a pessoa jurídica ou física que contratou os serviços ou comprou os produtos da empresa contratante-vendedora que se obriga pelo pagamento do título de crédito. Não é parte do contrato de fomento mercantil, mas deve ser notificado da transferência dos direitos (créditos).

Por fim, em alguns contratos de fomento mercantil poderá surgir a figura de um garantidor, também chamado de fiador, interveniente garante e devedor solidário, conforme ensina Donini [51]:

[...] a função dos garantidores, é garantir o emitente sacador (faturizado) pelo descumprimento do contrato de fomento mercantil, em ceder duplicatas ilicitamente emitidas (viciadas), não se tratando, geralmente, de direito de regresso ou garantia da operação de fomento.

Portanto, o garantidor é a pessoa física ou jurídica que intervém no contrato, na qualidade de devedor solidário, assumindo, como principal pagador, todas as obrigações contratuais assumidas pela contratante-vendedora.

5.4         Objeto do Contrato

O contrato de fomento mercantil terá como principal objeto à cessão de créditos a título oneroso entre a empresa de factoring e a empresa cliente.

No entanto, recentemente, o objeto da operação de factoring não se restringe somente à aquisição de títulos. Segundo a lição de Diniz [52], “o factoring apresenta-se como uma técnica financeira e de gestão comercial. Claro é seu caráter mercantil e tríplice é seu objeto: garantia, gestão de créditos e financiamento”.

Com relação a tríplice divisão do objeto do contrato, e as funções do factor, opina Venosa [53]:

São três as funções que desempenha os créditos, pois fica obrigado aos pagamentos, mesmo na hipótese de insolvência dos devedores, [...]. Administra os créditos da empresa faturizada, opinando sobre devedores duvidosos e providenciando a cobrança. Por fim, o factor ou faturizador financia o faturizado, quando lhe adianta recursos referentes aos títulos.

Portanto, o objeto do contrato de fomento mercantil constitui-se numa gestão de créditos, haja vista o factor atuar tanto na aquisição dos créditos da empresa cliente, como também no assessoramento e gerenciamento dessas empresas.

Ressalta-se que o objeto terá algumas particularidades de acordo com a modalidade de factoring praticada.

Assim tem-se como objeto no contrato de fomento mercantil: a cessão de créditos onerosa, a gestão de créditos, a assessoria creditícia e mercadológica, a administração de compras a pagar e a receber, a seleção de clientes para os vendedores, a prestação de informações comerciais sobre produtos e similares, a orientação contábil, jurídica e administrativa e a prestação de serviços de marketing.

5.5         A Prestação de Serviços

A principal atividade da sociedade de fomento mercantil consiste em oferecer a sua empresa-cliente, múltiplos serviços. Assim na classificação adotada por Donini [54], os serviços prestados pelas empresas de fomento mercantil se dividem em convencionais e diferenciados.

Na prestação de serviços convencionais, o faturizador presta ao faturizado serviços administrativos usuais como  a avaliação de contas a receber e a pagar, organização contábil, controle de fluxo de caixa, análise de créditos, etc. As modalidades domésticas que poderão ser utilizadas para essas funções são: convencional, importação-exportação e maturity. A prestação de serviços diferenciados tem envolvimento maior do faturizador junto ao faturizado, onde aquele tem a confiança deste para gerir e administrar a empresa, fazer parcerias, etc. A modalidade apropriada para atender essas funções é o trustee.

Desse modo os serviços convencionais seriam aqueles prestados em decorrência da aquisição dos créditos pelo factor, haja vista a necessidade deste avaliar a origem dos títulos adquiridos, prestando assim serviços de avaliação creditícia, entre outros, relacionados à cessão dos créditos.

Por outro lado, os serviços diferenciados, que são objetos do trustee factoring, englobam gestão do próprio negocio da faturizada, tendo como principal característica à relação de fidúcia entre factor e cliente.

A prestação de serviços, também é conhecida como locação de serviços, e constitui-se num contrato, regulamentado nos arts. 592 a 608 do Código Civil.

Sobre a prestação ou locação de serviços, Diniz [55] ensina que “o locador (prestador) se compromete a prestar certos serviços que o locatário (tomador) se obriga a remunerar de forma que a obrigação de fazer do primeiro se contrapõe à de dar do segundo”. Quanto à classificação do contrato de prestação de serviços, posiciona-se Rodrigues [56]:

Trata-se de contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e não solene. Bilateral, porque envolve prestações recíprocas de cada uma das partes. Oneroso, dado o seu propósito especulativo. Consensual, porque independente da entrega da coisa para seu aperfeiçoamento, opondo-se, assim, aos contratos reais, em que a tradição é elemento constitutivo do contrato. Comutativo, porque cada uma das partes, desde o momento da feitura do ajuste, pode antever e avaliar a prestação que lhe será fornecida e que pelo menos subjetivamente, é equivalente da prestação que se dispõe a dar. Não solene, porque a lei não impõe forma determinada para seu aperfeiçoamento.

Registra-se ainda, que no contrato de prestação de serviços deverão ser observados três elementos essenciais: tempo, preço e objeto do contrato, de acordo com o disposto no Código Civil.

Nesse tema, a lição de Donini[57]:

O prazo do contrato não poderá ser por mais de quatro (04) anos. Decorrido esse prazo, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluídos os serviços [...]. Não havendo prazo estipulado, qualquer das partes, mediante aviso prévio, poderá rescindir o contrato. Quando não estipulado o preço dos serviços contratados, a fixação será por arbitramento, observado o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade. O objeto do contrato poderá ser toda espécie de serviço ou trabalho lícito, matéria ou imaterial.

A prestação de serviços (diferenciados ou convencionais) deverá ser contratada mediante remuneração.

5.6         Títulos de Crédito Negociáveis

Conjuntamente com a prestação de serviços, a característica que predomina nas operações efetuadas pelas empresas de fomento mercantil é a compra de créditos. Tais créditos são representados através de documentos, as quais se deu a denominação de títulos de crédito, e são adquiridos por meio de cessão civil ou endosso.

O posicionamento de Coelho [58] a respeito se dá da seguinte maneira:

Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Esse conceito, formulado por Vivante é aceito pela unanimidade da doutrina comercialista, sintetiza com clareza os elementos principais da matéria cambial. Nele se encontram, ademais, referencias aos princípios básicos da disciplina do documento (cartularidade, literalidade e autonomia), de forma que seu detalhamento permite a apresentação da teoria geral do direito cambiário.

Sendo o título de crédito um documento, ele reporta um fato, ele diz que alguma coisa existe. Em outros termos, o título prova a existência de uma relação jurídica, especificamente de uma relação de credito.

Na concepção de Rosa Jr [59].:

A expressão título de crédito tem duplo sentido: amplo e restrito. Em sentido amplo significa todo e qualquer documento que consubstancie direito de crédito de uma pessoa em relação a outra, como por exemplo, instrumento de confissão de dívida. O Código Civil Brasileiro (arts. 1451 a 1460), ao se referir a título de crédito, emprega a expressão em seu sentido lato. Em sentido restrito a expressão título de crédito corresponde somente aos documentos que a lei considera como títulos cambiários (letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, etc.).

No contrato de fomento mercantil, os títulos de créditos mais comumente negociados são a duplicata mercantil e o cheque, podendo também haver negociação de outros títulos, como à letra de câmbio, o conhecimento de transporte, o warrant, a nota promissória, entre outros. 

No que se diz respeito à duplicata mercantil, Coelho [60] discorre da seguinte forma:

A duplicata é título de crédito criado pelo direito brasileiro. Suas origens encontram-se no Código comercial de 1850, que impunha aos comerciantes atacadistas, na venda aos retalhistas, a emissão da fatura ou conta – isto é, a relação por escrito das mercadorias entregues. O instrumento devia ser emitido em duas vias (por duplicado, dizia a lei), as quais assinadas pelas partes, ficariam uma em poder do comprador, e outra do vendedor. A conta assinada pelo comprador, por sua vez, era equiparada aos títulos de crédito, inclusive para fins de cobrança judicial.

Já Rizzardo [61], conceitua com o seguinte dizer:

A duplicata conceitua-se como um título emitido para documentar uma venda mercantil, feita para pagamento a prazo. Conforme a origem da palavra, tem o sentido de exprimir a qualidade do ato jurídico ou documento que se repetiu ou que vem em dobro.

Um aspecto destacado da duplicata é a obrigatoriedade da emissão das fatura. Contado da data entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura, em que o prazo seja superior a trinta dias, para apresentação ao comprador, para este ficar ciente de sua obrigatoriedade de pagamento.

Rosa Jr [62], nos ensina que a fatura mercantil como sendo “um documento acessório da compra e venda, com finalidade meramente probatória, sem valor autônomo, não sendo título representativo da mercadoria mas da venda da mercadoria ou prestação de serviços”.

Completando esse conceito, ensina Martins [63]:

A fatura consiste numa nota em que são discriminadas as mercadorias vendidas, com as necessárias identificações, sendo mencionados, inclusive, o valor unitário dessas mercadorias e o seu valor total. Poderá, entretanto, quando for de conveniência do devedor, a fatura indicar somente os números e valores das notas parciais expedidas por ocasião das vendas, despacho ou entrega da mercadoria.

A emissão da duplicata é facultativa. Nesse sentido, tem-se também o entendimento de Martins [64]:

Apesar de ser a sua emissão facultativa, só podendo ocorrer nas vendas a prazo, depois de extraída a fatura, na realidade esse título é de uso comum nas atividades do desconto, o gozo antecipado das importâncias constantes do mesmo. De fato, o emprego generalizado da duplicata dá vida às atividades comerciais, facilitando grandemente a obtenção de recursos por parte dos comerciantes e tornando mais seguras as vendas a termo.

A respeito da importância da duplicata nos contratos de fomento mercantil, Leite [65] aduz que “a experiência cada vez mais evidência e comprova que, nas operações da factoring, a duplicata é inquestionavelmente o instrumento mais eficaz e forte para a cobrança”.

Sendo assim, a duplicata mercantil consiste no principal título de crédito negociado nos contratos de fomento mercantil, devendo a sua larga utilização na documentação das vendas mercantis realizadas a prazo.

No que diz respeito ao cheque, é um título de crédito que documenta uma ordem de pagamento à vista. Está regulamentado no direito brasileiro na Lei nº 7357/85, a Lei do Cheque, obedecendo também às disposições das Convenções de Genebra, introduzidas à legislação brasileira pelo decreto nº 57.595/66. Como o cheque não está conceituado em lei, cabe a doutrina defini-lo. E assim o faz Rosa Jr [66].:

A lei não define o instituto do cheque porque esta tarefa não é de competência do legislador, e, por isso, cabe à doutrina conceituá-lo. Tomando-se por base  a Lei nº 7.357/85, cheque é o título cambiário abstrato, formal, resultante de mera declaração unilateral de vontade, pelo qual uma pessoa, designada emitente ou sacador, com base em prévia e disponível provisão de fundos em poder do banco ou instituição financeira a ele assemelhada por lei, denominado sacado, dá contra o banco, em decorrência de convenção expressa ou tácita, uma ordem incondicional de pagamento à vista, em seu próprio benefício ou em favor de terceiro, intitulado tomador ou beneficiário, nas condições estabelecidas no título.

Cita-se ainda o conceito formulado por Coelho [67]:

Cheque é ordem de pagamento à vista, emitido contra um banco em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito. Para parte da doutrina comercialista, trata-se de título de crédito impróprio, melhor definido como meio de pagamento, do que como instrumento de circulação creditícia.

E ainda o conceito de Martins [68]:

Entende-se por cheque uma ordem de pagamento, à vista, dada a um banco ou instituição financeira assemelhada, em favor próprio ou de terceiro. A pessoa que dá ordem, emitindo o cheque, tem o nome de sacador ou emitente; banco ou instituição assemelhada a que a ordem é dada é chamado de sacado; e a pessoa em favor de quem é dada a ordem é o tomador ou beneficiário, às vezes denominado simplesmente de portador.

Por se tratar de um título formal, o cheque deverá estar revestido de determinados requisitos para a sua validade como, a denominação cheque inscrita no contexto do título e expressa na língua em que é redigido; a ordem incondicional de pagar quantia determinada; o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado); a indicação do lugar do pagamento; a indicação da data e do lugar da emissão; a assinatura do emitente (sacador) ou de seu mandatário com poderes especiais.

Quanto às modalidades, Coelho [69] assim as enumera: “(a) visado; b) administrativo;  c) cruzado;  d) para se levar em conta”.

O cheque visado consiste, naquele em que o banco sacado, a pedido do emitente ou portador legítimo, lança e assina, no verso, declaração confirmando a existência de fundos suficientes para a liquidação do título.

O cheque administrativo, é aquele emitido pelo banco contra a sua própria caixa, reunindo-se numa só pessoa as figuras do emitente e do sacado, e podendo ser pago em qualquer agência ou sucursal do banco-emitente.

Por cheque cruzado, entende-se aquele em que o emitente ou portador, insere no seu anverso, dois traços paralelos e transversais, determinando que este só deverá ser pago a um banco.

No direito brasileiro ainda existe a figura do cheque pós-datado ou pré-datado, que tem sido cada vez mais utilizada por empresários, comerciante e fornecedores de mercadorias e serviços.

Nesse tema, é oportuno o entendimento de Coelho[70]:

O crescente uso desse tipo de cheque representa, sem dúvida, um certo desvio da natureza do título, criado para instrumentalizar pagamentos à vista. A lei do cheque fulmina com a ineficácia absoluta a inserção, no título, de qualquer menção contrária ao seu pagamento à vista (LC, art. 32). Ou seja, o banco sacado deve pagar o cheque de que consta data posterior ao da apresentação, atendidos evidentemente os demais pressupostos da liquidação (regularidade de assinatura, existência de fundos, etc.).

Com relação à utilização do cheque nas operações de factoring, deve esse ser oriundo de uma compra e venda mercantil realizada pela empresa-cliente, nominal à empresa de factoring, mencionando em seu verso o número da nota fiscal a que está vinculado, de tal forma que fique demonstrada sua origem e endossado em preto à sociedade de fomento mercantil, passando a integrar seu ativo, contabilizado em títulos a receber.

Nos contratos de fomento mercantil, poderão ser negociados quaisquer títulos de créditos, cambiais ou cambiariformes, não se restringindo estes apenas às duplicatas e aos cheques, que atualmente são os mais comuns nas transações de factoring.

5.7         Formas de Transferência

Para que seja formalizadas a aquisição e transferência dos títulos de créditos negociados nas operações de factoring, a sociedade de fomento mercantil utilizar-se-á de dois institutos, a cessão e o endosso. Ambas são utilizadas para transferência de créditos.

Nesse tema, leciona Donini[71]:

Sendo o factoring ligado ao crédito que se constitui em caráter patrimonial suscetível de transferência, essa transferência se faz através de cessão de crédito, sendo o endosso utilizado como instrumento para a tradição dos títulos cambiais, objeto da cessão.

5.7.1        Por cessão

A cessão é um “ato intervivos pelo qual alguém se priva de um direito seu, em favor de outrem, ou mediante o qual se transmite um crédito a um novo credor” [72]. No caso da cessão de crédito, transfere-se o direito de crédito representado pelo documento negociado, obedecendo às regras do Direito Civil, e, como ninguém pode transferir a outrem o direito do que o por ele possuído, aquele que está recebendo leva consigo todos os vícios e defeitos de origem. Bulgarelli[73], enfatiza da seguinte forma:

Para que bem se compreenda o mecanismo do factoring, necessário é atentar-se para o tipo de relações entre o factor e a empresa cedente; esta transmitirá seus créditos ou por via obrigacional comum (cessão propriamente dita) ou através de endosso, em caso de títulos de crédito, sendo o mais comum o endosso de duplicatas (até porque o comerciante brasileiro está impedido de, pelas suas vendas, emitir outro título que não a de duplicata de mercadorias, segundo a Lei nº 5.764/68).

Podem ser objetos de compra e venda comercial todas coisas para fins da atividade mercantil, sejam materiais ou imateriais transmissíveis, incluindo-se entre esses os títulos de crédito e o próprio faturamento da empresa, que constitui parte de seus ativos.

No caso da transferência por cessão, o devedor deverá ser notificado do negócio de transferência do crédito, conforme art. 290,C.C. tendo esta à faculdade de ligá-lo a nova relação jurídica, devendo esta ser clara, precisa e objetiva. A Lei não especifica quem deve fazer a notificação, podendo ser tanto o faturizador quanto o faturizado.

Nesse sentido, posiciona-se Rizzardo[74]:

Já que ele contratou com o devedor, sendo relevante, senão indispensável, a confirmação de transferência do próprio titular do crédito. Normalmente, é ele que provindecia em dar ciência ao devedor, o que afasta qualquer dúvida sobre o titular do crédito, e dispensa outras medidas certificadoras do ato.

 Por isso é de fundamental importância, para que em uma eventual demanda judicial, se consiga provar, possibilitando assim ao faturizador a cobrança do devedor. Não havendo a notificação, e o devedor efetuando o pagamento diretamente ao faturizado, ficará este liberado da obrigação, estabelecendo então uma lide entre a empresa faturizada e a empresa faturizadora.  

5.7.2        Por Endosso

Para maior segurança das negociações de fomento mercantil, a prática indica que o melhor caminho é o endosso pleno, em preto. Trata-se de um instituto jurídico mais eficaz e operacionalmente mais prático, que tende só a  fortalecer os negócios de factoring.

Donini [75], sobre este tema:

O endosso pode se em  preto (quando o endossante transfere à pessoa expressamente determinada e indicada) ou em branco (quando não há referência ou indicação, transferindo-o assim a quem for o portador). Nas operações de factoring, utiliza-se do endosso em preto, designando-se o nome da empresa faturizadora acima da assinatura.

O endosso é a forma de transferência típica e exclusiva dos documentos cambiais. Permite a livre circulação de créditos e produz basicamente três efeitos de clara eficiência: transfere os direitos do endossante; confere direitos contra o endossante; outorga ao endossatário um direito, melhor que o possuído pelo endossante.

Operando com base na compra de títulos de crédito, mediante endosso, as sociedades de fomento mercantis estarão menos vulneráveis a dúvidas e questionamentos do direito comum quanto à exigibilidade do seu crédito. De qualquer maneira, é de grande importância que as empresas de fomento, na aquisição dos títulos de crédito, o façam mediante o endosso, sem garantia, para caracterizar e distinguir de plena forma e inquestionável, uma operação de factoring e não de desconto. Desta forma, como o endosso, sem garantia, só pode ser em preto para configurar definitiva uma operação de factoring, as empresas de fomento mercantil, adotaram esse procedimento, nomeando o endossatário a empresa que comprou aqueles direitos.    


6           O Direito De Regresso Nas Operações De Factoring

O entendimento não é pacífico. Há os que admitem o direito de regresso, há os que não admitem. Os que concordam em voltar-se contra o endossante, baseia-se na legislação por analogia, mas também pelo fato de ordem moral, eis que, não fosse reservado tal direito, haveria estímulo à inadimplência, e ao mesmo tempo perderia o instituto do factoring a seriedade, desestimulando os empresário das empresas de fomento a realizar as operacões.

O direito de regresso ou direito regressivo, aplica-se à questões de títulos de crédito ou àquelas em que se fixa o direito de reembolso de quantias despendidas ou pagas. Pro soluto – compra definitiva. Pro solvendo – venda não definitiva. Essas cláusulas são pontos importantíssimos nos contratos de fomento mercantil visto que, caso sejam opostas exceções quanto à legalidade, legitimidade e veracidade dos títulos negociados, estaria automaticamente extinta a cláusula pro soluto , transformando a alienação do crédito em pro solvendo.

Existe uma larga divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à possibilidade do exercício do direito de regresso nas operações de factoring, mas as atividades prestadas por uma empresa de fomento mercantil, encontram-se todas regulamentadas, individualmente, no ordenamento jurídico brasileiro. Seja o factoring considerado cessão de créditos ou transferência de créditos por meio de endosso, verifica-se que, em ambas as situações, existe a possibilidade de se utilizar do direito de regresso, não existindo razões plausíveis para a negativa deste direito. Não existe previsão legal, artigo de Lei ou Lei, que proíba textualmente o direito das empresas de factoring, de reaver do seu contratante os valores antecipados, muito pelo contrário, existe um suporte legal para que o endossante fique responsabilizado pela solubilidade dos seus títulos cedidos.

Ficando constatado que ouve vício na origem dos créditos cedidos pela faturizada, a jurisprudência não discorda quanto à possibilidade da empresa de fomento mercantil exercer o direito de regresso.

Nesse sentido, o seguinte julgado[76]:

[...] CAMBIAL – Nota promissória – Emissão em garantia – Contrato de factoring – Títulos entregues à empresa faturizadora, não correspondendo a um negócio real e legítimo – Configuração deste fato ao se verificar que as duplicatas endossadas e entregues para cobrança não estavam acompanhadas dos respectivos comprovantes de entrega de mercadorias – Ilegitimidade do crédito reconhecida, por ausência dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade – Direito de regresso da empresa faturizadora contra a faturizada admitido – Declaratória de inexigibilidade e medida cautelar de sustação de protesto improcedentes – Recurso improvido.

ACÓRDÃO – Factoring – Responsabilidade do faturizado pela legitimidade dos créditos cedidos – Legitimidade do preenchimento não abusivo de nota promissória vinculada a contrato de faturização para cobrança regressiva de créditos representados por duplicatas irregularmente sacadas – Improcedência da declaratória e da sustação de protesto – Recurso não provido [...]

Por outro lado, concedido o crédito ao faturizador e este não apresentar qualquer impossibilidade para que a negociação seja feita, a jurisprudência em sua maioria, entende que o direito de regresso não pode exercido.

Surge o seguinte julgado a respeito[77]:

[...] COMERCIAL – FACTORING – ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – APLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

I – O factoring distancia-se de instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso. Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros permitidos às instituições financeiras. É que as empresas que operam com o factoring não se incluem no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

II – O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17, da Lei 4.595/1964, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental.

III – Recurso não conhecido [...] 

6.1         A Responsabilidade do Faturizado

A cessão de créditos terá entre seus efeitos jurídicos o direito de ação do factor contra o faturizado em decorrência do vício que invalide o crédito cedido.

De acordo com o disposto no art. 295 e 296 do C.C., a responsabilidade do faturizado será obrigatória ou opcional conforme se transcreve: “Art. 295: Na cessão por titulo oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência de crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má fé”.

“Art. 296: Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”.

Com relação ao art. 295 do C.C, se faz oportuna à lição de Delgado Régis[78]:

Nas cessões onerosas, o cedente sempre será responsável pela existência do crédito, mesmo na ausência de convenção a esse respeito (garantia de direito). Importante ressaltar que não se trata apenas de existência material do crédito, mas a existência em condições de permitir ao adquirente desse crédito o exercício dos direitos de credor, vale dizer, a viabilidade do exercício da cessão. O crédito cedido, mesmo existente, pode, por exemplo, ser de difícil ou impossível cobrança, o que não se confunde com a solvência do devedor (garantia de fato), em que o cedente só responderá quando previsto no contrato.

E quanto ao art. 296 do C.C., posiciona-se o mesmo autor [79]:

Não está o cedente, em regra,obrigado pela liquidação do crédito, salvo se tiver agido de má fé, como se dá nos casos em que, já sabendo da insolvência do devedor, afirma o contrario, induzindo o cessionário a celebrar um negócio que lhe será prejudicial. Nada impede, porém que as partes venham a consignar expressamente essa responsabilidade. É o que a doutrina chama de garantia simplesmente de fato, vale dizer, a responsabilidade pela solvibilidade do devedor.

Dessa maneira, nota-se que o direito de regresso não restringe somente ao possível vício de crédito, dividindo-se em duas classes, conforme lição de Donini [80]:

Um dos efeitos que a cessão de créditos produz envolve a responsabilidade das partes contratantes. E, com relação à responsabilidade do cedente, deve-se enumera-la de duas formas: I) responsabilidade (obrigatória) do cedente pelo crédito cedido e, II) responsabilidade (opcional) pela solvência do devedor. Na prática de factoring é costume chamar de: I) direito de regresso em caso de vício do título, quando tratar-se de responsabilidade do cedente pelo crédito cedido, e, II) direito de regresso independente de vício ou pagamento do sacado-devedor, quando a responsabilidade do cedente envolver a garantia pela solvência do devedor.

O contrato de fomento mercantil responsabiliza a empresa cliente (sacador endossante) pela existência de crédito, ou seja, pela legitimidade, legalidade e veracidade, na cessão de crédito. A hipótese de ocorrência da responsabilidade obrigatória do faturizado pelo crédito cedido ocorre de três maneiras, quais sejam: a) quando transfere crédito inexistente; b) contra o crédito cedido exista exceção, que o inutiliza, como o de dolo ou compensação; c) o crédito tem existência positiva mas não em favor do cedente, que assim aliena bem alheio.

O crédito inexistente ocorre quando o faturizador responsabiliza-se pelo crédito cedido, quando este for inexistente, dando oportunidade nesse caso, a nulidade da cessão de crédito.

Sobre isso, dispõe Gomes [81], que “a inidoneidade do objeto determina a nulidade da cessão se a proibição resulta da lei ou da natureza do crédito”.

Donini [82], explica que o crédito será inexistente:

Quando o cedente faturizado entrega ao cessionário faturizador duplicatas com base em venda futura ou saca duplicatas sem lastro. Ambas as situações ocasionam a nulidade da cessão, por  inexistir no momento da cessão, o crédito, correspondendo, por parte do sacador faturizador, prática de ato ilícito, tipificado criminalmente.

Frustrada a expectativa do cessionário de títulos, por força de contrato de factoring, de receber o respectivo valor, por ato imputável ao cedente, fica esse responsável pelo pagamento.

6.2         Responsabilidade do Devedor

A responsabilidade do devedor é um assunto bastante complexo, visto que nas operações de factoring, a empresa de fomento adquire o direito de crédito assumindo o risco pela solvência do devedor. Não sendo pago pelo devedor o título negociado com a empresa de fomento, pode esta executar o faturizado, comprovando devidamente que utilizou todas as formas para receber o crédito. Este direito da empresa se produz na forma subsidiária, ou seja, a empresa faturizada não é considerada devedora, mas garantidora.

Sobre esse aspecto, Leite [83] assim se pronuncia:

A operação de fomento mercantil não é operação de crédito, uma vez que a empresa cliente vende à vista e as sociedades de fomento compram à vista, em dinheiro, os direitos resultantes das vendas mercantis efetuadas por sua cliente. Ainda que a compra dos créditos seja efetuada na condição pró solvendo, a empresa cliente vendedora não é vendedora, não sendo obrigada a restituir o valor recebido pela falta de pagamento, mas apenas porque, por força do endosso, assumiu a garantia de solvência do sacado que é o verdadeiro devedor da operação. Por fim, no desconto, a responsabilidade do cedente é solidária, enquanto no factoring pro solvendo a responsabilidade é subsidiária, como largamente praticado em todos os outros países.

Donini [84], sobre endosso nos ensina:

Portanto a regra é a responsabilidade do endossante no pagamento do título. Na transposição desse efeito para a operação de factoring, em relação ao título negociado, pode-se concluir: se no contrato contiver a convenção de responsabilidade do faturizado, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o endossante faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República  Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L.10406.htm.Acesso em 16 maio 2007.

BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2001.          

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DONINI, Antônio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de   regresso, Revista dos Tribunais. São Paulo, 2002.

FIÚZA,Ricardo. Novo código civil comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

LEITE, Luiz Carlos Lemos. Factoring no Brasil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos representativos e legislação. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

RAUEN, Fábio José. Roteiros de pesquisa. Rio do Sul: Nova Era, 2006.

RÉGIS, Mário Luiz Delgado. Novo código civil comentado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 29. ed. São Paulo: Saraiva.

ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco. Títulos de créditos. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

SANTOS, Carvalho. Código civil interpretado. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1951.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.



Autor

  • Saulo Flavio Ramos

    Casado, sem filhos, gerente administrativo da empresa Amplicred Factoring Fomento Mercantil Ltda desde 1999. Formado em direito pela UNISUL de Santa Catarina no ano de 2007, torcedor do Internacional de Porto Alegre, apreciador de artesanatos em toda sua plenitude. Alegre, simpático, (com quem deve ser), responsável, pontual. Apaixonado pela esposa Joyce Fernandes Ramos com que está casado desde maio de 1997.

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