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A inflação das mudanças climáticas

Repensando paradigmas

A inflação das mudanças climáticas: Repensando paradigmas

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Os modelos adotados pelos economistas para avaliação da economia estão em xeque frente às mudanças climáticas. É essencial a revisão de paradigmas para propor uma nova agenda de desenvolvimento.

Quando o tema é inflação, somos comumente bombardeados pelos meios de comunicação com leituras realizadas por economistas que adotam modelos construídos no Século XIX. Aumento e redução de demanda, aumento e redução da oferta e da procura, aumento e redução da taxa de juros, dentre outros, são ferramentas pregadas para conter a variação de um ou dois décimos neste indicador econômico.

Entretanto, tais construções, na maior parte das vezes, não retratam a realidade. Demanda, são pessoas, consumidores que dependem tanto da renda como das mercadorias comercializadas. Oferta são agricultores ou empresários. Taxa de juros representam uma maior ou menor capacidade de demando ou de oferta. Existe um jogo de necessidades, desejos e valores que não pode ser perfeitamente medido pelos números frios da econometria.

Recentemente, uma nova variável tem apresentado um peso crescente, que curiosamente sempre é esquecido pelos economistas: o ambiente. No 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – o IPCC –, são apresentados resultados alarmantes sobre o processo de elevação da temperatura da terra. O aquecimento médio global combinado da Terra e dos Oceanos no período de 1880 a 2012 foi 0,85 °C. O período de 1983 a 2012 foi o mais quente dos últimos 800 anos e o derretimento de geleiras resultou numa elevação de 19 cm no nível dos oceanos entre 1991 e 2012.

É evidente que todas essas informações possuem um impacto direto sobre a economia, e não podem ser desprezadas. Os principais afetados pelas variações do clima são os mais pobres, moradores de regiões menos nobres do mercado da construção civil, ou dependentes da agricultura de subsistência.

Mas os problemas vão além, e afetam especialmente os setores da agricultura, abastecimento e da energia, três elementos com forte impacto na construção dos índices inflacionários.

Se o problema da crise hídrica de São Paulo não pode ser jogado nas costas das mudanças do clima, pois é evidente o prejuízo causado por dezenas de anos de falta de planejamento e investimentos em abastecimento de água pelos sucessivos governos do PSDB. O mesmo não pode ser dito em relação ao restante do país, que enfrentou a maior seca dos últimos 70 anos em 60% do seu território.

Num país que possui a sua matriz elétrica originalmente construída com orientação hidroelétrica, a redução no volume de chuvas poderia ter representado uma tragédia, não fosse o investimento pesado do Governo Federal em energia térmica e eólica, sendo que a primeira é apenas uma fonte de emergência.

A política de armazenamento de água por cisternas reduziu o impacto da seca no Nordeste e nas demais regiões abrigadas pelo semiárido, especialmente o Norte de Minas Gerais. Tornando a situação da região mais fortemente afetada pela seca menos dramática, do que em São Paulo, onde os problemas climáticos foram mais amenos, mas a falta de preparo do Governo Estadual levou o estado a uma situação trágica.

Como já destaquei em outras oportunidades, o uso do chamado “volume morto” deve apenas piorar a situação do abastecimento de São Paulo, pois tende a diminuir a umidade das bacias e elevar a temperatura do entorno, resultando em maior evaporação das águas.

Contudo, as variações do clima impactam diretamente na elevação dos preços agrícolas e energéticos. Fator que sempre é desconsiderado pelos analistas econômicos dos meios de comunicação, até mesmo em razão dos conflitos de interesse.

Se a agricultura vive de ciclos, uma seca gigantesca eleva o preço dos hortifrutigranjeiros, dos produtos pecuários, dentre outros que dependem de água. Nos locais onde tivemos privatização dos serviços de saneamento, as empresas correram buscando o reequilíbrio tarifário. E a energia térmica é mais cara e mais poluente do que a hídrica e a nova matriz eólica.

A tendência é que o Brasil diminua, gradativamente, a sua dependência do sistema hidroelétrico, e tem boas alternativas, especialmente as fontes eólicas, solares e bioenergéticas. Além disso, algumas Universidades Federais já avançaram no estudo aproveitamento da energia das marés. Logo, o cenário energético pode vir a ser compensado nos próximos anos, desde que o Governo Federal invista pesadamente em energias alternativas, papel este que também deve ser assumido pela PETROBRÁS.

A variação das áreas de atuação da PETROBRÁS, com o ingresso no campo das energias alternativas, deve garantir uma maior rentabilidade da empresa e longevidade econômica. Quanto mais cedo a empresa pública se direcionar para esse campo, maior o seu poder para abocanhar um espaço pouco explorado do mercado energético.

O uso de combustíveis fósseis não é a maior fonte poluidora do Brasil, mas é a maior do planeta. Aqui os principais inimigos são as queimadas e a pecuária extensiva. Mas o petróleo é um recurso escasso, com tempo de vida limitado, e não acredito que vá ter a mesma relevância econômica nos próximos 80 a 100 anos.

Logo, o Pré-sal deve ser utilizado, também, como mecanismo de incentivo para pesquisa de fontes alternativas de energia, aumentando a soberania nacional neste campo. A energia, a água e a biodiversidade são as principais reservas de futuro, e devem receber prioridade do Governo Federal sempre.

Contudo, o combate aos efeitos perversos das mudanças climáticas não é uma responsabilidade apenas dos governos. Os grandes vilões continuam sendo sempre os mesmos: emissões gasosas de veículos automotores, queimadas, desmatamento, pecuária extensiva e descarte inadequado de resíduos e efluentes.

Não foi nenhum governo que construiu nas encostas de morros e margens de rios no Vale do Itajaí. Também não são os governos que descartam resíduos em cursos d’águas, ou ligam o esgoto sem tratamento nas redes pluviais. Estas são ações dos consumidores, dos cidadãos comuns, e que devem ser repensadas.

Ações como a Política Nacional de Mudanças do Clima (Lei 12.187/2009), e o Projeto Esplanada Sustentável, voltado à redução do consumo de insumos administrativos no âmbito federal, são iniciativas importantes, mas precisam ser expandidos para o campo da formação cidadã, da educação ambiental, e da participação social.

Um cidadão e uma cidadã consciente do seu papel transformador é um agente público muito mais efetivo do que qualquer fiscal ou policial ambiental, pois inicia a transformação dentro do seu próprio ambiente familiar.

Os Municípios devem ser chamados para pactuar metas de redução de emissões atmosféricas, especialmente no combate aos lixões, na melhoria do transporte público e das emissões atmosféricas, bem como na compra de produtos reciclados, reutilizáveis, e com menor consumo energético.

Medidas como a ampliação das ciclovias, implantadas pela Prefeitura de São Paulo, devem democratizar os transporte público e melhorar a mobilidade urbana. Apesar dos ataques constantes da mídia, a gestão Haddad tem se mostrado elogiável e muito inovadora em diversos campos, especialmente o da mobilidade e da inclusão urbana.

O pagamento dos serviços ambientais prestados por catadores de material reciclável, pequenos agricultores e extrativistas, deve ser uma prioridade dos bons governantes.

É necessário fortalecer a cadeia produtiva dos produtos reciclados, e fomentar uma paulatina mudança de valores nos mercado de consumo.

As pessoas precisam ter consciência do seu papel fundamental para a mudança do ciclo climático, que invade todos os dias as nossas vidas por meio dos preços praticados nos supermercados. Depois, não adianta reclamar do preço do tomate, que sofre com a variação do clima, com a restrição dos espaços agricultáveis, com a erosão, e com a contaminação do solo por resíduos.

A inflação das mudanças climáticas é uma realidade, e não pode ser desprezada por gestores públicos, cidadãos, cidadãs e economistas.


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